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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 11 (2.507) Cidade do Vaticano quinta-feira 15 de março de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +:!"!@!=!#! A força do nome GIOVANNI MARIA VIAN Há cinco anos foram deveras pou- cos os que souberam prever a elei- ção em conclave do arcebispo de Buenos Aires, e menos ainda os que esperavam o nome que teria escolhido o sucessor de Bento XVI depois da renúncia ao pontificado, pela primeira vez depois de seis sé- culos. Contudo, havia a expetativa daquele nome, como anunciavam alguns eleitores e como se viu es- tranhamente na imagem relançada pelas televisões, durante o concla- ve, de um homem vestido com um saio ajoelhado debaixo da chuva gélida que caía na praça de São Pedro com um cartaz ao pescoço no qual se lia «papa Francisco», resumindo naquela escrita a expe- tativa, frequente na Idade Média, de uma renovação radical graças a um papa angelicus. Na tradição judaica e depois cristã, um nome encerra muito mais do que uma preferência ou uma inclinação, como se vê na Bí- blia: o Senhor muda o de Abrão e o mesmo faz Jesus com Pedro pa- ra indicar a sua transformação de vida. Assim o costume de assumir um nome diferente do próprio afirmou-se muito mais tarde nal- gumas ordens religiosas, como acontecera depois dos primeiros séculos nas sucessões papais. Con- tudo, nenhum pontífice tinha es- colhido chamar-se Francisco, no- me de origem profana que no la- tim medieval indicava a prove- niência da França, mas que se tor- nou cristão por excelência porque evoca o santo de Assis (batizado com o nome de João) e a sua radi- calidade na imitação de Cristo. No início do sexto ano de pon- tificado torna-se clara a força da- CONTINUA NA PÁGINA 8 Visita à comunidade de Santo Egídio Os riscos do medo Cinco palavras para Francisco PÁGINAS 8 E 9 Não se deve ceder ao medo em rela- ção a «quem é estrangeiro, diferente de nós, pobre», tratando-o «como se fosse um inimigo», disse o Papa Francisco no discurso pronunciado durante a celebração da Palavra pre- sidida na tarde de domingo, 11 de março, na basílica de Santa Maria em Trastevere, por ocasião do cin- quentenário de fundação da comu- nidade de Santo Egídio. O Pontífice primeiro ouviu os tes- temunhos de quatro representantes dos vários âmbitos de compromisso da instituição que nasceu em Roma em 1968. Particularmente comovedor foi o de Jafar, menino palestino de quinze anos em fuga da Síria, o qual apresentou a mãe Rasha, que ficou ferida num olho para proteger o seu irmãozinho Omar durante um bombardeamento no campo de refu- giados em Yaromuok, na periferia de Damasco, onde o jovem nasceu. «Hoje eu sou os olhos da minha mãe», disse o rapaz suscitando a co- moção dos presentes. Por seu lado, o Pontífice ofereceu uma reflexão centrada sobre o facto de que «o mundo está habitado pelo medo». E mais, esclareceu, «o nosso tempo conhece grandes medos face às vas- tas dimensões da globalização». A ponto que «a atmosfera de medo pode contagiar também os cristãos», acrescentou. Contudo, nas comuni- dades cristãs, há também quem se compromete rezando e trabalhando pela paz, precisamente como fazem em Santo Egídio. Por isso, convidou a pensar «nos sofrimentos do povo sírio, o amado e martirizado povo sírio, do qual acolhestes na Europa os refugiados através dos «corredo- res humanitários». PÁGINA 3 Ambientalista assassinado no Brasil A Amazónia perde outro líder ambientalista: Paulo Sérgio Almeida Nascimento, um dos dirigentes da associação Cainquirama que su- pervisionava os danos ambientais na região amazónica, foi assassinado no dia 13 do cor- rente mês, na sua habitação em Barcarena no Estado brasileiro do Pará. Recentemente, Al- meida tinha pedido a proteção da polícia de- pois de ter recebido ameaças de morte. Se- gundo os advogados da associação, a última denúncia foi feita em fevereiro pelo derrame de lama vermelha de um dique da empresa mineira Hydro que extrai bauxite para produ- zir alumínio. A lama vermelha, por causa das chuvas torrenciais, tinha alagado alguns bair- ros de Barcarena. Segundo a organização internacional Glo- bal Witness, os ativistas para a tutela do meio ambiente assassinados em 2017 foram 197, dos quais 44 no Brasil. Misericórdia sem confins Liturgia penitencial na basílica de São Pedro Floresta em Barcarena, no Estado do Pará (Reuters) O Papa presidiu à celebração da penitência na tarde de 9 de março, na basílica de São Pe- dro. O Pontífice foi o primei- ro a receber o sacramento da reconciliação, confessando por sua vez em seguida doze fiéis. Durante o rito penitencial que tem lugar no tempo quares- mal, que já se tornou tradicio- nal, Francisco ajoelhou-se no degrau do confessionário co- locado ao lado do monumen- to de Clemente XIII. Em seguida, depois de ter recebido a absolvição do frade penitencieiro, sentou-se no confessionário em frente, ves- tiu a estola roxa e administrou o sacramento a sete mulheres e cinco homens, por cerca de uma hora. Na homilia o Pon- tífice falou do amor misericor- dioso de Deus que «não co- nhece limites nem confins; não apresenta obstáculos». PÁGINA 4 Paulo VI numa série secular História mínima Leonardo Sapienza na página 10

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 11 (2.507) Cidade do Vaticano quinta-feira 15 de março de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +:!"!@!=!#!

A força do nomeGI O VA N N I MARIA VIAN

Há cinco anos foram deveras pou-cos os que souberam prever a elei-ção em conclave do arcebispo deBuenos Aires, e menos ainda osque esperavam o nome que teriaescolhido o sucessor de Bento XVIdepois da renúncia ao pontificado,pela primeira vez depois de seis sé-culos. Contudo, havia a expetativadaquele nome, como anunciavamalguns eleitores e como se viu es-tranhamente na imagem relançadapelas televisões, durante o concla-ve, de um homem vestido com umsaio ajoelhado debaixo da chuva

gélida que caía na praça de SãoPedro com um cartaz ao pescoçono qual se lia «papa Francisco»,resumindo naquela escrita a expe-tativa, frequente na Idade Média,de uma renovação radical graças aum papa angelicus.

Na tradição judaica e depoiscristã, um nome encerra muitomais do que uma preferência ouuma inclinação, como se vê na Bí-blia: o Senhor muda o de Abrão eo mesmo faz Jesus com Pedro pa-ra indicar a sua transformação devida. Assim o costume de assumirum nome diferente do próprioafirmou-se muito mais tarde nal-gumas ordens religiosas, comoacontecera depois dos primeirosséculos nas sucessões papais. Con-tudo, nenhum pontífice tinha es-colhido chamar-se Francisco, no-me de origem profana que no la-tim medieval indicava a prove-niência da França, mas que se tor-nou cristão por excelência porqueevoca o santo de Assis (batizadocom o nome de João) e a sua radi-calidade na imitação de Cristo.

No início do sexto ano de pon-tificado torna-se clara a força da-

CO N T I N UA NA PÁGINA 8

Visita à comunidade de Santo Egídio

Os riscos do medo

Cinco palavraspara Francisco

PÁGINAS 8 E 9

Não se deve ceder ao medo em rela-ção a «quem é estrangeiro, diferentede nós, pobre», tratando-o «comose fosse um inimigo», disse o PapaFrancisco no discurso pronunciadodurante a celebração da Palavra pre-sidida na tarde de domingo, 11 demarço, na basílica de Santa Mariaem Trastevere, por ocasião do cin-quentenário de fundação da comu-nidade de Santo Egídio.

O Pontífice primeiro ouviu os tes-temunhos de quatro representantesdos vários âmbitos de compromissoda instituição que nasceu em Romaem 1968. Particularmente comovedorfoi o de Jafar, menino palestino dequinze anos em fuga da Síria, oqual apresentou a mãe Rasha, queficou ferida num olho para protegero seu irmãozinho Omar durante umbombardeamento no campo de refu-giados em Yaromuok, na periferiade Damasco, onde o jovem nasceu.«Hoje eu sou os olhos da minhamãe», disse o rapaz suscitando a co-moção dos presentes. Por seu lado,o Pontífice ofereceu uma reflexãocentrada sobre o facto de que «omundo está habitado pelo medo». Emais, esclareceu, «o nosso tempoconhece grandes medos face às vas-tas dimensões da globalização». A

ponto que «a atmosfera de medopode contagiar também os cristãos»,acrescentou. Contudo, nas comuni-dades cristãs, há também quem secompromete rezando e trabalhandopela paz, precisamente como fazemem Santo Egídio. Por isso, convidou

a pensar «nos sofrimentos do povosírio, o amado e martirizado povosírio, do qual acolhestes na Europaos refugiados através dos «corredo-res humanitários».

PÁGINA 3

Ambientalistaassassinado no Brasil

A Amazónia perde outro líder ambientalista:Paulo Sérgio Almeida Nascimento, um dosdirigentes da associação Cainquirama que su-pervisionava os danos ambientais na regiãoamazónica, foi assassinado no dia 13 do cor-rente mês, na sua habitação em Barcarena noEstado brasileiro do Pará. Recentemente, Al-meida tinha pedido a proteção da polícia de-pois de ter recebido ameaças de morte. Se-gundo os advogados da associação, a últimadenúncia foi feita em fevereiro pelo derramede lama vermelha de um dique da empresamineira Hydro que extrai bauxite para produ-zir alumínio. A lama vermelha, por causa daschuvas torrenciais, tinha alagado alguns bair-ros de Barcarena.

Segundo a organização internacional Glo-bal Witness, os ativistas para a tutela do meioambiente assassinados em 2017 foram 197, dosquais 44 no Brasil.

Misericórdia sem confinsLiturgia penitencial na basílica de São Pedro

Floresta em Barcarena, no Estado do Pará (Reuters)

O Papa presidiu à celebraçãoda penitência na tarde de 9 demarço, na basílica de São Pe-dro. O Pontífice foi o primei-ro a receber o sacramento dareconciliação, confessando porsua vez em seguida doze fiéis.Durante o rito penitencial quetem lugar no tempo quares-mal, que já se tornou tradicio-nal, Francisco ajoelhou-se nodegrau do confessionário co-locado ao lado do monumen-to de Clemente XIII.

Em seguida, depois de terrecebido a absolvição do fradepenitencieiro, sentou-se noconfessionário em frente, ves-tiu a estola roxa e administrou

o sacramento a sete mulherese cinco homens, por cerca deuma hora. Na homilia o Pon-tífice falou do amor misericor-dioso de Deus que «não co-nhece limites nem confins;não apresenta obstáculos».

PÁGINA 4

Paulo VI numa série secular

História mínima

Leonardo Sapienza na página 10

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 15 de março de 2018, número 11

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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Empenho concretoalém das palavras

Respostas mais adequadas e eficazes aos desafios das migrações

«Encorajar os Estados a concordarrespostas mais adequadas e eficazes aosdesafios apresentados pelos fenómenosmigratórios» e «garantir que àspalavras se sigam compromissosconcretos, no sinal de umaresponsabilidade global ecompartilhada». Eis a tarefa duplaindicada pelo Papa Francisco aosparticipantes no conselho plenário daComissão internacional católica paraas migrações, recebidos em audiênciana manhã de 8 de março, na salaClementina.

Prezados irmãos e irmãs!Dou-vos as boas-vindas por ocasiãodo Conselho Plenário da ComissãoInternacional Católica para as Mi-grações. Agradeço cordialmente aoPresidente, Cardeal Njue — que temum grande sentido de humor — assuas palavras de saudação e a brevesíntese dos vossos trabalhos.

Como já fez São João Paulo II,evocando palavras do beato Giovan-ni Battista Montini, quero reiterarque a causa deste organismo, doqual fazeis parte, é a causa do pró-prio Cristo (cf. Discurso aos Membrosda CICM, 12 de novembro de 2001:Insegnamenti X X I V, 2 [2001], 712). Es-ta realidade não mudou com o tem-po; pelo contrário, o compromissofortaleceu-se em consideração dascondições desumanas em que vivemmilhões de irmãos e irmãs migrantese refugiados em várias partes domundo. Assim como aconteceu naépoca do povo de Israel, escravo noEgito, o Senhor ouve o seu clamor econhece os seus sofrimentos (cf. Êx3, 7). A libertação dos miseráveis,dos oprimidos e dos perseguidos fazparte integrante, tanto hoje comoontem, da missão que Deus confiouà Igreja. E o trabalho da vossa Co-missão representa uma expressãotangível deste compromisso missio-nário. Muitas coisas mudaram desde

1951, data da sua fundação: as neces-sidades tornaram-se cada vez maiscomplexas; os instrumentos paralhes responder fizeram-se mais sofis-ticados; o serviço tornou-se gradual-mente mais profissional. No entanto,nenhuma destas mudanças conse-guiu — graças a Deus — debelar a fi-delidade da Comissão à sua missão.O brigado!

O Senhor mandou Moisés para omeio do seu povo oprimido, paraenxugar as lágrimas e restituir a es-perança (cf. Êx 3, 16-17). Em maisde sessenta e cinco anos de ativida-de, a Comissão distinguiu-se na rea-lização, em nome da Igreja, de umapoliédrica obra de assistência aos

migrantes e aos refugiados, nas maisvariegadas situações de vulnerabili-dade. As múltiplas iniciativas toma-das nos cinco continentes represen-tam declinações exemplares dos qua-tro verbos — acolher, proteger, pro-mover, integrar — com os quais euquis explicitar a resposta pastoral daIgreja face às migrações (cf. Me n s a -gem para o Dia Mundial do Migrantee do Refugiado de 2018, 15 de agostode 2017).

Faço votos a fim de que esta obracontinue, animando as Igrejas locaisa dedicar-se às pessoas que foramobrigadas a deixar a própria pátria eque muitas vezes se tornam vítimasde enganos, violências e abusos detodos os tipos. Graças à experiênciainestimável, acumulada durante tan-tos anos de trabalho, a Comissãopode oferecer uma assistência quali-ficada às Conferências episcopais eàs Dioceses que ainda procuram or-ganizar-se para melhor responder aeste desafio epocal.

«Portanto vai, Eu envio-te ao fa-raó para que tu tires do Egito os is-raelitas, meu povo!» (Êx 3, 10). As-sim o Senhor enviou Moisés ao fa-raó, para o convencer a libertar oseu povo. Para libertar os oprimidos,os descartados e os escravos de hoje,é essencial promover um diálogoaberto e sincero com os governantes,um diálogo que valorize a experiên-cia vivida, dos sofrimentos e das as-pirações do povo, para chamar cadaum às próprias responsabilidades.Os processos iniciados pela Comu-nidade internacional, em prol de umpacto global sobre os refugiados, eoutro para uma migração segura, or-

À plenária da Pontifícia comissãopara a América Latina

Na manhã de sexta-feira, 9 de março, na Sala do Consistório, o Papa encontrou-secom os participantes na assembleia plenária da Pontifícia comissão para a América Latina

denada e regular, representam umespaço privilegiado para realizar estediálogo. A Comissão comprometeu-se em primeira linha também nisto,oferecendo uma contribuição válidae competente para encontrar os no-vos caminhos desejados pela Comu-nidade internacional a fim de res-ponder com prudência a estes fenó-menos, que caraterizam a nossa épo-ca.

E alegro-me porque muitas Con-ferências episcopais aqui representa-das estão a caminhar nesta direção,numa comunhão de intenções quetestemunha ao mundo inteiro a soli-citude pastoral da Igreja pelos nos-sos irmãos e irmãs migrantes e refu-giados.

O trabalho não acabou. Juntos,devemos encorajar os Estados a con-cordar respostas mais adequadas eeficazes aos desafios levantados pe-los fenómenos migratórios; e pode-mos fazê-lo com base nos princípiosfundamentais da doutrina social daIgreja. Devemos esforçar-nos tam-bém para garantir que às palavras —codificadas nos dois Pactos citados— se sigam compromissos concretos,no sinal de uma responsabilidadeglobal e compartilhada. Mas o enga-jamento da Comissão vai mais além.Peço ao Espírito Santo que continuea iluminar a vossa importante mis-são, manifestando o amor misericor-dioso de Deus aos nossos irmãos eirmãs migrantes e refugiados. Asse-guro-vos a minha proximidade e aminha oração; e vós, recomendo,não vos esqueçais de rezar por mim.O brigado!

número 11, quinta-feira 15 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Francisco visitou a comunidade de Santo Egídio

Os riscos do medoNão devemos ceder ao medo daquele «que éestrangeiro, diferente de nós, pobre», tratando-o«como se fosse um inimigo», disse o Papa Franciscono discurso pronunciado durante a celebração daPalavra, presidida na tarde de domingo 11 de março,na basílica romana de Santa Maria “in Trastevere”,por ocasião do cinquentenário de fundação dacomunidade de Santo Egídio.

Estimados amigos!Obrigado pela vossa hospitalidade! Sinto-me felizpor estar aqui convosco, para o cinquentenário daComunidade de Santo Egídio. Desta basílica deSanta Maria “in Trastevere”, coração da vossaoração quotidiana, gostaria de abraçar as vossascomunidades espalhadas pelo mundo. Saúdo to-dos vós, de maneira particular o professor AndreaRiccardi, que teve a feliz intuição deste caminho,e o presidente, professor Marco Impagliazzo, queme dirigiram palavras de boas-vindas.

Não quisestes fazer desta festa somente uma ce-lebração do passado, mas também e sobretudouma jubilosa manifestação de responsabilidadeem relação ao futuro. Isto faz pensar na parábolaevangélica dos talentos, a qual fala de um homemque, «antes de viajar, reuniu os seus servos, con-fiando-lhes os seus bens» (Mt 25, 14). Também acada um de vós, independentemente da sua ida-de, é concedido pelo menos um talento. Nele estáinscrito o carisma desta comunidade, carisma que,quando vim aqui em 2014, resumi com estas trêspalavras: prece, pobres e paz. Os três “p”. E acres-centei: «Caminhando assim, contribuís para fazerprosperar a compaixão no cerne da sociedade —que é a verdadeira revolução, a da compaixão eda ternura, aquela que nasce do coração — parafazer crescer a amizade e não os fantasmas da ini-mizade e da indiferença» (Encontro com os pobresda Comunidade de Santo Egídio, 15 de junho de2014: Insegnamenti II, 1 [2014], 731).

Prece, pobres e paz: é o talento da Comunidade,amadurecido em cinquenta anos. Recebei-lo nova-mente hoje com alegria. No entanto, na parábolaum servo esconde o talento num buraco e justifi-ca-se assim: «Tive medo e fui esconder o teu ta-lento na terra» (v. 25). Este homem não soube in-vestir o talento no futuro, porque se deixou acon-selhar pelo medo.

Hoje o mundo é muitas vezes habitado pelomedo, também pela raiva, dizia o professor Riccar-di, a qual é irmã do medo. Trata-se de uma doen-ça antiga: na Bíblia aparece com frequência oconvite a não ter medo. A nossa época conhecegrandes temores diante das vastas dimensões daglobalização. E os temores concentram-se muitasvezes em quem é estrangeiro, diferente de nós,pobre, como se fosse um inimigo. Chega-se a fa-zer planos de desenvolvimento das nações, sob aorientação da luta contra estas pessoas. E entãodefendemo-nos destas pessoas, julgando preservaraquilo que possuímos ou o que somos. A atmos-fera de medo pode contagiar até os cristãos que,como aquele servo da parábola, escondem o domrecebido: não o investem no futuro, não o parti-lham com o próximo, mas conservam-no para simesmo: “Eu pertenço àquela associação...; soudessa comunidade...”; “disfarçam” a própria vidacom isto e não deixam florescer o talento.

Se permanecemos sós, somos facilmente arreba-tados pelo medo. Mas o vosso caminho leva-vos aolhar juntos para o futuro: não sozinhos, não pa-ra vós mesmos. Juntos, com a Igreja. Beneficiastesdo grande impulso à vida comunitária e ao serpovo de Deus, vindo do Concílio Vaticano II, queafirma: «Contudo, aprouve a Deus salvar e santi-ficar os homens, não individualmente, excluindoqualquer ligação entre eles, mas constituindo-oscomo um único povo» (Const. dogm. Lumen gen-tium, 9). A vossa Comunidade, fundada nos finaisdos anos sessenta, é filha do Concílio, da suamensagem e do seu espírito.

O futuro do mundo parece incerto, sabemo-lo,sentimo-lo todos os dias nos telejornais. Vede

eu quis propor para cada comunidade, no encer-ramento do Jubileu da Misericórdia: que um do-mingo por ano seja dedicado à Palavra de Deus(cf. Carta Apost. Misericordia et misera, 7). Nopassado a Palavra de Deus protegeu-vos das ten-tações da ideologia e hoje liberta-vos da intimida-ção do medo. Por isso, exorto-vos a amar e a fre-quentar sempre mais a Bíblia. Cada um encontra-rá nela a nascente da misericórdia pelos pobres,pelos feridos da vida e da guerra.

A Palavra de Deus é a lâmpada com a qualolhar para o futuro, inclusive desta Comunidade.À sua luz podemos ler os sinais dos tempos. Obeato Paulo VI dizia: «A descoberta dos “sinaisdos tempos” [...] deriva de um confronto da fécom a vida», de tal modo que «para nós o mun-do se torna um livro» (Audiência geral, 16 de abrilde 1969: Insegnamenti VII, 1969, 919). Um livro quedeve ser lido com o olhar e o coração de Deus.Esta é a espiritualidade que vem do Concílio eque ensina uma grande e atenta compaixão pelomundo.

Desde que a vossa Comunidade nasceu, omundo tornou-se “global”: a economia e as comu-nicações, por assim dizer, “unificaram-se”. Maspara muitas pessoas, especialmente pobres, ergue-ram-se novos muros. As diversidades são ocasiãode hostilidade e de conflito; ainda deve ser cons-truída uma globalização da solidariedade e do espíri-to. O futuro do mundo global consiste em viverjuntos: este ideal exige o compromisso de edificarpontes, manter aberto o diálogo, continuar a en-contrar-se.

Não é apenas um dado político ou organizacio-nal. Cada um é chamado a mudar o próprio cora-ção, assumindo um olhar misericordioso em relaçãoao outro, para ser tornar artífice de paz e profeta

a Igreja é sinal de unidade do género humano,entre povos, famílias e culturas.

Gostaria que esta celebração fosse um aniversá-rio cristão: não um tempo para avaliar os resulta-dos ou as dificuldades; não a hora dos balanços,mas o tempo em que a fé é chamada a tornar-senova audácia pelo Evangelho. A audácia não é acoragem de um dia, mas a paciência de uma mis-são quotidiana na cidade e no mundo. É a missãode voltar a urdir pacientemente o tecido humanodas periferias, que a violência e o empobrecimen-to dilaceraram; de anunciar o Evangelho atravésda amizade pessoal; de demonstrar como uma vi-da se torna verdadeiramente humana, quando évivida ao lado dos mais pobres; de criar uma so-ciedade em que ninguém mais seja estrangeiro. Éa missão de ultrapassar os confins e os muros, afim de reunir.

Hoje, ainda mais, prossegui audaciosamente aolongo deste caminho. Continuai a estar ao ladodas crianças das periferias, com as Escolas da Paz,que eu visitei; continuai a estar ao lado dos ido-sos: às vezes são descartados, mas para vós sãoamigos. Continuai a abrir corredores humanitáriospara os refugiados da guerra e da fome. Os po-bres são o vosso tesouro!

O apóstolo Paulo escreve: «Ninguém ponha asua glória nos homens. Tudo é vosso [...] Mas vóssois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1 Cor 3,21.23). Vós sois de Cristo! Este é o profundo sen-tido da vossa história até hoje, mas é sobretudo achave com a qual enfrentar o futuro. Sede semprede Cristo na oração, no cuidado dos seus irmãosmais pequeninos e na busca da paz, porque Ele éa nossa paz. Ele caminhará convosco, proteger-vos-á e guiar-vos-á! Rezo por vós e vós orai pormim. Obrigado!

quantas guerras abertas! Sei que rezais e traba-lhais pela paz. Pensemos nas dores do povo sírio,o amado e martirizado povo sírio, cujos refugia-dos acolhestes na Europa, através dos “c o r re d o re shumanitários”. Como é possível que, depois dastragédias do século XX, ainda se possa voltar acair na mesma lógica absurda? Mas a Palavra doSenhor é luz na escuridão e oferece esperança depaz; ajuda-nos a não ter medo nem sequer dianteda força do mal.

Escrevestes as palavras do Salmo: «A vossa pa-lavra é uma lâmpada que ilumina os meus passos,é uma luz no meu caminho» (119 [118], 105). Aco-lhemos a Palavra de Deus entre nós com espíritode festa. Com este espírito recebestes aquilo que

de misericórdia. O samaritano da parábola ocu-pou-se do homem meio morto na estrada, porqueo «viu e sentiu compaixão» (Lc 10, 33). O samari-tano não tinha uma responsabilidade específicapelo homem ferido, e era estrangeiro. No entanto,comportou-se como irmão, porque teve um olharde misericórdia. Por sua vocação, o cristão é ir-mão de cada homem, de modo particular se forpobre, e até se for inimigo. Nunca digais: “Quetenho a ver com isto?”. Uma bonita palavra paralavar as mãos! “Que tenho a ver com isto?”. Umolhar misericordioso compromete-nos na audáciacriativa do amor, tão necessária! Somos irmãos detodos e, por isso, profetas de um mundo novo; e

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 15 de março de 2018, número 11

Misericórdia sem confinsLiturgia penitencial na basílica do Vaticano

O amor de Deus «não conhece limitese é desprovido de confins; não apresentaaqueles obstáculos que nós, aocontrário, costumamos interpor a umapessoa, pelo receio que venha privar-nosda liberdade». Frisou o Papa durantea celebração da penitência presidida natarde de sexta-feira, 9 de março, nabasílica de São Pedro.

Amados irmãos e irmãs!Que grande alegria e consolação nossão oferecidas pelas palavras de SãoJoão, que ouvimos! Deus ama-nosde tal maneira que nos tornou seusfilhos e, quando O pudermos ver fa-ce a face, descobriremos ainda me-lhor a grandeza deste seu amor (cf. 1Jo 3, 1-10.19-22). E não só: o amorde Deus é sempre maior de quantopossamos imaginar, estendendo-separa além de qualquer pecado que anossa consciência nos acuse. Não co-nhece limites, é um amor desprovidode confins; não apresenta aquelesobstáculos que nós, ao contrário,costumamos interpor a uma pessoa,pelo receio que venha privar-nos dalib erdade.

Sabemos que a condição do peca-do tem como consequência o afasta-mento de Deus. E, de facto, o peca-do é uma das modalidades com quenós nos afastamos d’Ele; mas istonão significa que Ele se afaste denós. A condição de fraqueza e con-fusão, em que o pecado nos coloca,é mais um motivo para Deus ficarjunto de nós; esta certeza deveacompanhar-nos sempre na vida. Apalavra do Apóstolo oferece-nosuma confirmação disto mesmo para

tranquilizar o nosso coração, levan-do-o a ter sempre uma confiançainabalável no amor do Pai: «Na suapresença, sentir-se-á tranquilo o nos-so coração, mesmo quando o cora-ção nos acuse; pois Deus é maiorque o nosso coração e conhece tu-do» (1 Jo 3, 19-20).

A sua graça continua a trabalharem nós para tornar mais forte a es-perança de que nunca estaremos pri-vados do seu amor, apesar de qual-quer pecado que possamos ter feito,rejeitando a sua presença na nossavida.

Esta esperança impele-nos a tomarconsciência da desorientação em quemuitas vezes cai a nossa existência,precisamente como sucedeu a Pedro,segundo a narração evangélica queouvimos: «No mesmo instante, o ga-lo cantou. E Pedro lembrou-se daspalavras de Jesus: “Antes de o galocantar, me negarás três vezes”. E,saindo, chorou amargamente» (Mt26, 74-75). O evangelista é extrema-mente sóbrio. O canto do galo pare-ce surpreender um homem aindaconfuso; depois, ele recorda-se daspalavras de Jesus e, finalmente, ras-ga-se o véu e Pedro começa a vis-lumbrar, por entre as lágrimas, queDeus se revela em Cristo esbofetea-do, insultado, renegado por ele, masque, por ele, vai morrer. Pedro, queteria desejado morrer por Jesus, ago-ra entende que deve deixar que Jesusmorra por ele. Pedro queria ensinaro seu Mestre, queria precedê-Lo; aocontrário, é Jesus que vai morrer porPedro; e isto, Pedro não o compreen-dera, não o quisera compreender.

Pedro confronta-se agora com oamor do Senhor e, finalmente, com-preende que Ele o ama e lhe pedepara se deixar amar. Pedro dá-seconta de que sempre se recusara adeixar-se amar, sempre se recusara adeixar-se salvar plenamente por Je-sus; afinal, não queria, de todo, queJesus o amasse.

Como é difícil deixar-se amar ver-dadeiramente! Sempre quereríamos

que algo de nós não estivesse obri-gado à gratidão, quando, na realida-de, somos devedores de tudo, por-que Deus é o primeiro a amar e, poramor, nos salva totalmente.

Peçamos agora ao Senhor a graçade nos dar a conhecer a grandeza doseu amor, que apaga todos os nossosp ecados.

Deixemo-nos purificar pelo amor,para reconhecer o verdadeiro amor!

Sieger Köder, «O galo de Pedro»

O confessor segundo o Pontífice

Apenas um instrumento da reconciliaçãoOs confessores não são os «donos dasconsciências», mas apenas os«instrumentos» da misericórdia e dareconciliação, realçou o Papa Franciscodurante a audiência — que teve lugarna manhã de 9 de março na SalaPaulo VI — aos participantes novigésimo nono curso sobre o Foroíntimo promovido pela Penitenciariaapostólica.

Amados irmãos, bom dia!Saúdo-vos a todos cordialmente, co-meçando pelo Cardeal Mauro Pia-cenza, ao qual agradeço as suas pa-lavras. Saúdo toda a família da Peni-tenciaria Apostólica e os participan-tes no Curso sobre o Foro íntimo,que este ano, tendo em vista o pró-ximo Sínodo sobre os jovens, trata arelação entre Confissão sacramentale discernimento vocacional. Trata-sede um tema muito oportuno, quemerece algumas reflexões que desejopartilhar convosco.

Vós confessores, sobretudo vós fu-turos confessores, tendes a vantagem— digamos assim — de ser jovens, eportanto de poder viver o sacramen-

to da Reconciliação como “jovensentre os jovens”; e, com frequência,a pouca diferença de idade favoreceo diálogo também sacramental, parauma natural afinidade de lingua-gens. Isto pode constituir uma facili-tação e é uma circunstância que de-ve ser vivida adequadamente, para aedificação de autênticas personalida-des cristãs. Contudo, é uma condi-ção com alguns limites e até riscos,porque estais no início do vosso mi-nistério e por isso tendes ainda queadquirir toda a bagagem de expe-riência que um “confessor que crioucalos” tem, depois de decénios deescuta de penitentes.

Então, como viver esta circunstân-cia? Quais atenções ter na escuta dasconfissões sacramentais, sobretudodos jovens, também em vista de umeventual discernimento vocacional?

Antes de mais diria que é necessá-rio redescobrir sempre, como afirmaSão Tomás de Aquino, a dimensãoinstrumental do nosso ministério. Osacerdote confessor não é a fonte daMisericórdia nem da Graça; certa-mente é o seu instrumento indispen-

sável, mas sempre apenas instrumen-to! E quando o sacerdote se apoderadele, impede que Deus aja nos cora-ções. Esta consciência deve favoreceruma vigilância atenta sobre o riscode se tornar “donos das consciên-cias”, sobretudo na relação com osjovens, cuja personalidade ainda estáem formação e, por isso, é mais fa-cilmente influenciável. Recordar quesomos, e que devemos ser, apenasinstrumentos da Reconciliação é aprimeira condição para assumir umaatitude de escuta humilde do Espíri-to Santo, que garante um esforço dediscernimento autêntico. Ser instru-mentos não é uma diminuição doministério, mas, ao contrário, é a suaplena realização, pois na medida emque o sacerdote desaparece e sobres-sai mais claramente Cristo, sumo eeterno Sacerdote, realiza-se a nossavocação de “servos inúteis”.

Em segundo lugar, é preciso saberouvir as perguntas, antes de ofereceras respostas. Dar respostas, sem sepreocupar em ouvir as perguntasdos jovens e, onde for necessário,sem ter procurado suscitar perguntas

autênticas, seria uma atitude errada.O confessor é chamado a ser homemda escuta: escuta humana do peni-tente e escuta divina do EspíritoSanto. Ouvindo deveras o irmão nodiálogo sacramental, nós ouvimos opróprio Jesus, pobre e humilde; ou-vindo o Espírito Santo colocamo-nos em obediência atenta, tornamo-nos ouvintes da Palavra e, por con-seguinte, oferecemos o maior serviçoaos nossos jovens penitentes: pomo-los em contacto com o próprio Je-sus.

Quando se aplicam estes dois ele-mentos, o diálogo sacramental podeabrir-se deveras àquele caminho pru-dente e orante que é o discernimentovocacional. Cada jovem deveria po-der ouvir a voz de Deus tanto naprópria consciência, como através daescuta da Palavra. E neste caminho éimportante que seja apoiado peloacompanhamento sábio do confes-sor, que por vezes pode tornar-se in-clusive — a pedido dos próprios jo-vens, mas nunca autopropondo-se —

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número 11, quinta-feira 15 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

No Angelus o Santo Padre explicou o domingo laetare

Coragem de se reconhecer frágilO «domingo “l a e t a re ”, ou seja,“a l e g ra - t e ”», é assim chamado porque«nos convida à alegria», explicou oPapa Francisco dando início à quartasemana de Quaresma com trinta milfiéis reunidos na praça de São Pedro,ao meio dia de 11 de março, para arecitação do Angelus.

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!Neste quarto domingo de Quares-ma, chamado domingo “l a e t a re ”, ouseja, “alegra-te”, porque assim reza aantífona de entrada da liturgia euca-rística, que nos convida à alegria:«Alegra-te, Jerusalém [...] — destemodo, é uma chamada à alegria —exultai e rejubilai, vós que vivíeis natristeza». Assim começa a Missa.Qual é a razão deste júbilo? O moti-vo é o grande amor de Deus pelahumanidade, como nos indica oEvangelho de hoje: «Com efeito,Deus amou o mundo de tal modo,que lhe deu o seu único Filho, paraque todo o que nele crer não pereça,mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).Estas palavras, pronunciadas por Je-sus durante o diálogo com Nicode-mos, resumem um tema que está nocerne do anúncio cristão: até quandoa situação parece desesperada, Deusintervém, oferecendo ao homem asalvação e a alegria. Com efeito,Deus não permanece à parte, masentra na história da humanidade,“mistura-se” na nossa vida, entra,para a animar com a sua graça e pa-ra a salvar.

Somos chamados a prestar ouvi-dos a este anúncio, rejeitando a ten-tação de nos considerarmos segurosde nós mesmos, de desejar renunciara Deus, reivindicando uma liberdadeabsoluta dele e da sua Palavra.Quando encontramos a coragem denos reconhecermos por aquilo quesomos — é preciso ter coragem paraisto! — compreendemos que somospessoas chamadas a fazer as contascom a nossa fragilidade e com osnossos limites. Então, pode aconte-cer que somos levados pela angústia,pela inquietação em relação ao futu-ro, pelo medo da doença e da mor-te. Isto explica por que razão tantaspessoas, procurando uma saída, porvezes tomam atalhos perigosos, co-

mo por exemplo o túnel da droga,ou aquele das superstições, ou deruinosos rituais de magia. É bom co-nhecer os próprios limites, as nossasfragilidades; devemos conhecê-los, enão para nos desesperarmos, maspara os oferecermos ao Senhor; eEle ajuda-nos no caminho da cura,pega-nos pela mão e nunca nos dei-xa sozinhos, nunca! Deus está con-nosco, e é por isso que hoje me “ale-g ro ”, nos “alegramos”: «Alegra-te,Jerusalém», diz, porque Deus estáconnosco.

perto, Jesus está na Cruz para noscurar. Nisto consiste o amor deDeus. Fitemos o Crucificado e diga-mos dentro: “Deus ama-me”. É ver-dade, existem estes limites, estas de-bilidades, estes pecados, mas Ele émaior do que os limites, as debilida-des e os pecados. Não vos esqueçaisdisto: Deus é maior do que as nos-sas debilidades, infidelidades e peca-dos. Assim, demos a mão ao Senhor,fitemos o Crucificado e vamos emf re n t e !

Maria, Mãe de misericórdia, in-funda no nosso coração a certeza deque somos amados por Deus. Per-maneça perto de nós nos momentosem que nos sentimos sós, quandosomos tentados a render-nos às difi-culdades da vida. Que Ela nos co-munique os sentimentos do seu Fi-lho Jesus, para que o nosso caminhoquaresmal se torne experiência deperdão, de acolhimento e de carida-de!

No final da prece mariana, o Pontíficesaudou os vários grupos presentes,entre os quais a a Comunidade

brasileira de Roma, proferindo asseguintes expressões.

Estimados irmãos e irmãs!

Saúdo todos vós, romanos e peregri-nos, vindos da Itália e de vários paí-ses, em particular os fiéis de Agro-poli, Pádua, Troina, Foggia e Calta-nissetta, bem como os jovens da pa-róquia de Santo António de Pádua,em Serra di Pepe.

Saúdo a Comunidade brasileira deRoma, os crismandos de Tívoli como seu Bispo, os jovens de Aviglianoe os adolescentes de Saronno.

Dirijo uma saudação especial aosestudantes universitários, provenien-tes de várias partes do mundo e reu-nidos no primeiro “Vatican Hacka-thon”, promovido pelo Dicastériopara a comunicação: caros jovens, ébom colocar a inteligência, queDeus nos concede, ao serviço da ver-dade e dos mais necessitados.

Desejo bom domingo a todos.Por favor, não vos esqueçais de rezarpor mim. Bom almoço e até à vista!

Jennifer Mills, «Fragile Human»

À associação suíça Fontaine de la miséricorde

Renascer na água viva

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O confessor segundo o Pontífice

Queridos amigos!É-me grato encontrar-vos por oca-sião da vossa peregrinação a Ro-ma. Dirijo a minha cordial sauda-ção aos membros da “Fonte da Mi-s e r i c ó rd i a ”, assim como a todas aspessoas que acolheis e acompa-nhais através das “Escolas de ora-ção” e da formação fraterna.

Juntamente convosco dou graçasao Senhor, que vos permitiu fazerexperiência da sua misericórdia eque vos levou a procurar e a pro-

por alguns meios a fim de que elapossa permanecer bem enraizadanos vossos corações e, por conse-guinte, vos ajude a olhar semprecom serenidade para a vida do diaa dia (cf. Carta. ap. Misericordia etm i s e ra , 3). Portanto, convido-vos aperseverar com constância e regula-ridade na oração. Vós bem o sa-beis: é ali, no encontro coração acoração com o Senhor, em escutada sua Palavra, que nos é concedi-do renascer todos os dia na águaviva da sua misericórdia, que brotado seu coração aberto. Possaistambém vós, através da vossa vidasacramental, tornar testemunhas damisericórdia de Deus, que é paratodos os homens uma chamada areconhecer a beleza e a alegria desermos amados por Ele.

Por fim, encorajo-vos, mediantea vida fraterna e com a ajuda doEspírito Santo, «a fazer cresceruma cultura da misericórdia, basea-da na redescoberta do encontrocom os outros: uma cultura ondeninguém olha para o próximo comindiferença nem vira o olhar quan-do vê o sofrimento dos irmãos»(ibid. n. 20).

Com esta esperança, confio-vosao Senhor e à intercessão da Vir-gem Maria; e, enquanto vos peçoque rezeis por mim, concedo-vos aBênção Apostólica, extensiva a to-dos os membros da Fonte da Mise-r i c ó rd i a .

padre espiritual. O discernimentovocacional é antes de mais uma lei-tura dos sinais, que o próprio Deusjá colocou na vida do jovem, atravésdas suas qualidades e inclinaçõespessoais, através de encontros feitos,e mediante a oração: uma oraçãoprolongada, na qual repetir, comsimplicidade, as palavras de Samuel:«Fala, Senhor, porque o teu servoouve» (1 Sm 3, 9).

O diálogo da Confissão sacra-mental torna-se assim ocasião privi-legiada de encontro, para se coloca-rem ambos, penitente e confessor, àescuta da vontade de Deus, desco-brindo qual possa ser o seu projeto,

independentemente da forma da vo-cação. Com efeito, a vocação nãocoincide, e nunca pode coincidir,com uma forma! Isto levaria ao for-malismo! A vocação é a própria re-lação com Jesus: relação vital e im-p re s c i n d í v e l .

Correspondem à realidade as ca-tegorias com as quais o confessor édefinido: “médico e juiz”, “pastor epai”, “mestre e educador”. Mas so-bretudo para os mais jovens, o con-fessor é chamado a ser principal-mente uma testemunha. Testemunhano sentido de “mártir”, chamado acom-padecer pelos pecados dos ir-mãos, como o Senhor Jesus; e de-pois testemunha da misericórdia,daquele coração do Evangelho que

é o abraço do Pai ao filho pródigoque volta para casa. O confessor-testemunha torna mais eficaz a ex-periência da misericórdia, escanca-rando aos fiéis um horizonte novo egrande, que só Deus pode dar aohomem.

Queridos jovens sacerdotes, futu-ros sacerdotes e estimados Peniten-cieiros, sede testemunhas da miseri-córdia, sede ouvintes humildes dosjovens e da vontade de Deus paraeles, sede sempre respeitosos daconsciência e da liberdade de quemse aproxima do confessionário, por-que o próprio Deus ama a liberdadedeles. E confiai os penitentes àquelaque é Refúgio dos pecadores e Mãede misericórdia.

«É no encontro coração a coração com o Senhor, à escuta da sua Palavra,que nos é concedido renascer todos os dias na água viva da suamisericórdia»: afirmou o Pontífice no discurso dirigido aos membros daassociação suíça “Fontaine de la miséricorde” recebidos em audiência namanhã do dia 10 de março, na Sala do consistório.

E nós temos a verdadeira e grandeesperança em Deus Pai, rico de mi-sericórdia, que nos ofereceu o seuFilho para nos salvar, e esta é a nos-sa alegria. Temos também muitastristezas, mas quando somos verda-deiros cristãos, temos aquela espe-rança, a qual é uma pequena alegriaque cresce e nos dá segurança. Nãodevemos desanimar, quando vemosos nossos limites, os nossos pecados,as nossas debilidades: Deus está ali

página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 15 de março de 2018, número 11

Coleta anual para a Terra Santa

Não os deixemos sozinhosPublicamos a carta enviada no passa-do dia 14 de fevereiro, quarta-feira deCinzas, aos bispos de todo o mundo pe-lo cardeal Leonardo Sandri e pelo ar-cebispo Cyril Vasil’, respetivamente pre-feito e secretário da Congregação paraas Igrejas orientais, por ocasião daanual coleta para a Terra Santa.

O itinerário quaresmal que estamosa viver convida-nos a subir a Jerusa-lém pela estrada da cruz onde o Fi-lho de Deus consumará a sua missãoredentora. Nesta peregrinação somosacompanhados pelo Espírito Santoque nos desvenda o sentido da Pala-vra de Deus. Além dos Sacramentos,especialmente da Eucaristia e da Pe-nitência, somos vivificados pelo je-jum, a oração e a esmola. É este,pois, um tempo propício para nosavizinharmos de Cristo reconhecen-do a nossa pobreza e os nossos pe-cados e viver a humilhação e aniqui-lamento do Filho de Deus Aqueleque «era rico, mas fez-se pobre porvossa causa, para vos enriquecer coma sua pobreza» (2 Cor 8, 9).

É, também, um tempo por exce-lência para nos tornarmos mais pró-ximos dos outros através das obrasde caridade, considerando que o ca-minho quaresmal não é um ato soli-tário, mas sim um itinerário de soli-dariedade no qual cada um é chama-do a abeirar-se, como o fez o BomSamaritano, colocando-se ao ladodos irmãos que têm dificuldades emlevantar-se e a retomar a estrada pormúltiplas razões.

Mais uma vez, este ano, a tradi-cional Collecta pro Terra Sancta deSexta-feira Santa, será para os fiéisuma ocasião propícia para se uniremaos nossos irmãos da Terra Santa edo Médio Oriente. Infelizmente,desta zona, o grito de milhares depessoas, que se encontram privadasde tudo, até ao limite da própriadignidade de homens, continua asentir-se, ferindo os nossos coraçõese convidando-nos a abraçá-los na ca-ridade cristã, fonte segura de espe-rança.

Sem o espírito de Cristo que «seaniquilou a si próprio. Assumindo acondição de servo, tornou-se seme-lhante aos homens. Aparecendo co-mo homem, humilhou-se ainda mais,obedecendo até à morte, e morte decruz» (Fl 2, 7-8), o grito do irmãopermanece inaudível e os rostos demilhares de pessoas desfavorecidasficam na indiferença.

Qual poderia ser o modo melhorpara meditar nesta Kenosis do Filhode Deus senão os próprios lugaresque conservam, depois de mais de2000 anos, a memória da nossa re-denção? Indico, com particular aten-ção, as duas Basílicas: a da Nativida-de, em Belém, construída sobre agruta onde nasceu Jesus; e a Basílicado Santo Sepulcro, em Jerusalém,construída sobre o túmulo de Jesus,que se tornou o gérmen da vida coma sua Ressurreição. Ambas, graças àcolaboração e generosidade de tantís-simas pessoas de boa vontade, foram

restauradas no ano passado. Edificara Igreja da Terra Santa, nos seus edi-fícios e nas suas pedras vivas, quesão os fiéis cristãos, é responsabilida-de de toda a Igreja Cristã particular,conscientes de que a fé cristã tevecomo seu primeiro centro propulsora Igreja Mãe de Jerusalém.

A comunidade católica da TerraSanta, nos seus diversos rostos, co-mo seja o da Igreja latina da Dioce-se Patriarcal de Jerusalém, o da Cus-tódia franciscana e de outras Cir-cunscrições, como o da Igreja dosorientais — greco-melequita, copta,maronita, síria, caldeia, armena —com as famílias religiosas e os orga-nismos de todo o género, têm a vo-cação especial de viver a fé naquelecontexto multirreligioso, político, so-cial e cultural. Apesar dos desafios einseguranças, as paróquias conti-nuam o fazer o seu trabalho pastoraldando atenção preferencial aos po-bres. As escolas são lugares de for-mação e encontro entre cristãos emuçulmanos, esperando, contra todaa esperança, um futuro de respeito ede colaboração. Os hospitais e osambulatórios, os hospícios e os cen-tros de encontro continuam a aco-lher doentes e necessitados, desloca-dos e refugiados, pessoas de todas asidades e religiões que foram atingi-das com o horror da guerra.

Não podemos esquecer milharesde famílias, entre as quais crianças ejovens, que escapam da guerra naSíria e no Iraque, muitos dos quaisem idade escolar, que apelam à nos-sa generosidade para retomar a vidaescolástica e assim poderem sonharcom um futuro melhor.

Uma lembrança particular vai pa-ra a pequena comunidade cristã doMédio Oriente que continua a man-ter a fé entre os refugiados no Ira-que e na Síria, ou na Jordânia e noLíbano assistida pelos seus pastores,religiosos e voluntários de váriospaíses. Os rostos destas pessoas in-

terrogam-nos sobre o sentido do sercristão, as suas vidas em extrema di-ficuldade inspiram-nos. O Santo Pa-dre Francisco na sua mensagem paraa celebração da jornada mundial dapaz deste ano afirma: «Com espíritode misericórdia, abracemos todosaqueles que fogem da guerra e dafome e que são obrigados a deixaras suas terras por causa das discrimi-nações, perseguições, pobreza e de-gradação ambiental». Somos chama-dos a mostrar-lhes a nossa proximi-dade, concretizada através da nossaoração constante e mediante a ajudaeconómica, em particular depois da

libertação da Planície de Nínive.Muitos cristãos iraquianos e síriosdesejam retornar à sua própria terraonde as suas casas foram destruídas,onde escolas, hospitais e igrejas fo-ram devastadas. Não os deixemossós!

Todos somos convidados a reto-mar as peregrinações à Terra Santa,porque o conhecimento e a expe-riência vivida nos lugares da nossaredenção seguindo as pegadas de Je-sus, Maria, José e os seus discípulos,ajudam a aprofundar a nossa fé e,também, a compreender o contextoem que vivem os cristãos da TerraSanta. As peregrinações constituem,entre outras, uma ajuda preciosa pa-ra a sobrevivência de milhares de fa-mílias.

Nestes dias de preparação para aPáscoa, convido-vos fraternalmente aempenhar-vos em vencer o ódio como amor, a tristeza com a alegria, re-zando e trabalhando, para que a pazhabite no coração de cada pessoa,especialmente no dos nossos irmãosda Terra Santa e do Médio Oriente.

A Vossa Reverência Senhor Bispo,aos Sacerdotes, aos Consagrados eaos Fiéis que se empenham para queesta Coleta seja bem conseguida, te-nho a alegria de transmitir o vivo re-conhecimento do Santo Padre Fran-cisco, juntamente com a gratidão daCongregação para as Igrejas Orien-tais. Invocando sobre a sua pessoa eministério pastoral, e sobre todos osfiéis da sua jurisdição, copiosas bên-çãos divinas e a mais fraterna sauda-ção no Senhor Jesus, desejo os me-lhores votos de uma feliz e boa Pás-coa!

Relatório da Custódia franciscanaA ordem dos frades menores desde há séculos está engajada na conser-vação e revitalização dos lugares santos do cristianismo na terra de Jesuse em todo o Médio Oriente. Entre os vários objetivos da missão francis-cana, temos que recordar o apoio e o desenvolvimento da minoria cristãque nela habita, a conservação e a valorização de áreas arqueológicas esantuários, a intervenção em casos de emergência, a liturgia dos lugaresde culto, as obras apostólicas e a assistência aos peregrinos. Também pa-ra o biénio 2016-2017, a presença franciscana em Terra Santa manifestou-se através da planificação, programação e execução de projetos e obras,como documenta o Relatório de síntese 2016-2017 divulgado pela Custó-dia e que pode ser consultado no site do nosso jornal (www.osservatore-ro m a n o .v a )

Visita «ad limina» dos bisposlatinos das regiões árabes

Na manhã de quinta-feira 8 de março, o Papa recebeu os membros da Conferência episcopalde rito latino das regiões árabes (Celra) em visita «ad limina Apostolorum»

Cristãos iraquianos deslocados em Erbil

número 11, quinta-feira 15 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Conversão ecológica Abusar da criação é um pecado

Encontro internacionalna GregorianaA pontifícia universidade Gregoriana, em colaboração com as embaixadas junto daSanta Sé da Geórgia, Alemanha e Países Baixos, hospedou nos dias 7 e 8 de marçoa conferência internacional dedicada aos ensinamentos da encíclica Laudato si’.Objetivo dos trabalhos foi a busca de novos caminhos que levem a uma radicalconversão ecológica das pessoas individualmente e das comunidades económicas,sociais e políticas. O encontro foi inaugurado com a saudação do reitor daGregoriana, o jesuíta Nuno da Silva Gonçalves. Depois, foram lidas as mensagensdo Papa Francisco e do Patriarca Bartolomeu (ambas publicadas na íntegra nestapágina). Sucessivamente, o relatório introdutivo do cardeal Peter Kodwo AppiahTurkson, prefeito do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humanointegral, deu início aos trabalhos. A conferência foi ocasião para instituir o novo«Joint diploma em ecologia integral», o percurso formativo quinquenalcompartilhado pelas pontifícias universidades romanas, para valorizar e propagar amissão e a visão da Laudato si’.

Aos reitores de seminários de língua alemã

Sacerdotes em saída

Linda Lennea, «A criação»

Publicamos a tradução da mensagem enviada pelo PapaFrancisco por ocasião da conferência sobre o tema «Conversãoecológica radical depois da Laudato si’», promovida pelapontifícia universidade Gregoriana.

A Sua EminênciaCardeal Peter TurksonPrefeito do Dicastério

para o Serviçodo Desenvolvimento

Humano Integral

Por ocasião da Conferência internacional intitulada «Con-versão ecológica radical depois da Laudato si’», peço-lheque transmita as minhas cordiais saudações e os meus oran-tes bons votos a todos os participantes. Consciente, de mo-do particular neste tempo de Quaresma, da importância daconversão na renovação da vida cristã, que compreende agestão responsável da criação, encorajo todos os participan-tes a confirmar o seu compromisso na promoção de umagratidão mais profunda pelo dom da nossa casa comum.Confio também que, através das suas deliberações, conse-guirão comunicar melhor ao mundo a bonita verdade quecada criatura é «objeto da ternura do Pai, que lhe atribuium lugar no mundo. Até a vida efémera do ser mais insig-nificante é objeto do seu amor e, naqueles poucos segun-dos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho» (Lau-dato si’, 77). Sobre todos os presentes neste importanteevento, invoco de bom grado a abundância das Bênçãos deDeus Todo-Poderoso.

FRANCISCO

Os sacerdotes estão chamados a sair dopróprio “eu” e a olhar para asnecessidades «de quem precisa daproximidade dos homens e de Deus»,disse o Papa aos participantes naconferência dos reitores de semináriosde língua alemã, recebidos emaudiência no dia 8 de março, na Salado Consistório.

Queridos irmãos!Saúdo-vos de coração agradecendo-vos este encontro fraterno, que nosfortalece no caminho da nova evan-gelização do nosso continente euro-peu. Agradeço ao Reitor Niehues assuas gentis palavras.

Como pessoas humanas e comosacerdotes confiamos no patrimóniodas nossas experiências. Mas aomesmo tempo devemos reconhecerque estão a surgir novas e diversasformas culturais que não se enqua-

dram nos modelos que conhecemos.Devemos despojar-nos de alguns há-bitos aos quais estamos apegados ededicar-nos ao que ainda é desco-nhecido. Mas também nisto pode-mos dirigir sempre o olhar para Je-sus que sofreu, morreu e ressuscitou.Nas suas feridas, assim como nas do

mundo, podemos reconhecer os si-nais da Ressurreição. Esta certezapõe-nos sempre de novo a caminhocomo testemunhas da esperança.

Amados irmãos, nós não podemoscriar as vocações. Ao contrário, po-demos ser testemunhas da chamadaque Deus misericordioso nos dirige.

Ele chama-nos para que saiamos donosso “eu” e nos dirijamos ao “tu”.Este “tu” é a pessoa concreta do ne-cessitado, de quem precisa da proxi-midade dos homens e da proximida-de de Deus. E sobre isto desejamossensibilizar também os jovens que sepreparam para o sacerdócio. Aomesmo tempo, todos nós estamossempre chamados também a umacomunidade maior, a dos kyriakoi, osque pertencem ao Senhor. Esta co-munidade ampara-nos, para quepossamos responder com todo o co-ração à chamada de Deus.

Confio-vos, bem como os candi-datos ao sacerdócio dos países delíngua alemã, à Bem-AventuradaVirgem Maria, Mãe da Igreja. E aopedir-vos, por favor, que rezeis tam-bém por mim, de coração concedo avós e às vossas comunidades a Bên-ção Apostólica.

BARTOLOMEU

É uma grande alegria dirigir uma brevemensagem à conferência organizada pelasembaixadas da Geórgia, Alemanha e PaísesBaixos junto da Santa Sé, que tem lugar napontifícia universidade Gregoriana sobre otema «Conversão ecológica radical depoisda Laudato si’». Saudamos cordialmente osilustres oradores e os atentos participantes,provenientes de diferentes âmbitos ecumé-nicos e disciplinas académicas, que debate-rão sobre o valor intrínseco da criação, coma finalidade de discernir modos como so-mos chamados a cuidar dela e celebrá-la emtoda a sua plenitude.

Durante os últimos anos intensificamosos nossos esforços para trabalhar juntamen-te com Sua Santidade, nosso irmão o PapaFrancisco, com a finalidade de enfrentar asmaneiras de evidenciar as ligações íntimas einerentes entre todas as criaturas de Deus.Foi por isso que, na nossa mensagem co-mum do passado dia 1 de setembro, decla-ramos juntos que «o dever que temos deusar responsavelmente os bens da terra im-plica o reconhecimento e o respeito por ca-da pessoa e por todas as criaturas vivas».

Através do nosso ministério de sensibili-zação sobre o cuidado da criação, ressalta-mos sempre que não podemos separar omodo como tratamos o meio ambiente na-tural, da maneira de nos relacionarmos comos nossos irmãos e irmãs. Além disso, sa-

lientamos a dimensão de pecado de abusoda criação, que se reflete no modo comoexploramos os seres humanos.

É trágica o facto de isolarmos os váriosaspetos da nossa vida, para justificar o nos-so comportamento contraditório. A conver-são — como arrependimento, ouμετάνοια (metanoia) — exige o regresso auma visão de integridade no nosso modode levar a vida. Não podem existir duasmaneiras de se comportar. A nossa prega-ção e a nossa conduta não podem estar de-sligadas uma da outra. Hoje conhecemos oalto preço que toda a criação paga quandoo discurso político está em conflito com anossa intercessão orante e quando os nossosinteresses espirituais estão em contraste comos nossos investimentos empresariais.

Estimados amigos, a conversão é mais doque uma simples correção. E o arrependi-mento não diz respeito apenas ao remorso.Tanto a conversão como o arrependimentoindicam a importância de unir as váriaspartes do nosso coração e da nossa vida, demaneira que deixemos de servir a dois se-nhores (cf. Mt 6, 24). «Portanto, se o teuolho for sadio [ou, segundo muitas tradu-ções, “só”], todo o teu corpo será ilumina-do» (Mt 6, 22).

Invocamos sobre todos vós — o rg a n i z a -dores e oradores, participantes e estudantes— a luz de Cristo, verdadeira Luz; que a luzdo seu rosto ilumine os vossos corações e asvossas deliberações.

número 11, quinta-feira 15 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Cinco palavras para Francisco

M i s e r i c ó rd i aJEAN-MARIE GUÉNOIS

Há quem se recorda da “M i s e r i c o rd i n a ”? Aquelas pequenas caixas quepareciam um remédio mas que continham um rosário e uma pequenaimagem, remédio espiritual para curar e sarar profundamente o coração e o

espírito? Fizeram furor no início do pontificado porque aquela farmácia do coraçãoera um símbolo perfeito do tratamento prescrito para a Igreja católica pelo novoPapa. Nas instruções liam-se duas palavras muitas vezes repetidas por Francisco:«revolução da ternura».Indicavam uma terapia mas também e sobretudo um diagnóstico. A de uma Igrejacatólica que não conseguia transmitir a sua mensagem mais essencial, a compaixão ea misericórdia de Cristo para todas as misérias da vida. O Salvador não recusanenhuma delas, sobretudo as mais escondidas, as mais inconfessáveis, aquele tecidocelular invisível onde prospera a verdadeira acidez da consciência humana, aquelevírus letal que persuade o homem de duas coisas: que nunca poderá sair do seusubmundo e que Deus nunca o perdoará. Um ingrediente perfeito, por ser silenciosoe secreto, do profundo desespero.Contudo, a mensagem da misericórdia vinha de longe e desde há muito tempo.Permanecendo no século XX, a irmã Faustina Kowalska, a santa polaca da divinamisericórdia, teve uma influência decisiva sobre Karol Wojtyła, que à misericórdia

Pe r i f e r i a sLU C E T TA SCARAFFIA

OPapa vindo do fim do mundo trouxe imediatamente para Roma,para o Vaticano, a periferia através dos seus olhos. O ponto de vistado qual olhou para o papel que devia desempenhar, para o modo

de viver previsto para um Papa, era tão inovador, a ponto que se apercebeuimediatamente do risco de se afastar da vida verdadeira, das relações com osoutros seres humanos, sobretudo daqueles relacionamentos imprevistos dosquais — ele bem o sabia — podiam surgir inspiração e força.Olhar para o mundo do ponto de vista das periferias inspirou cada gesto edecisão do seu pontificado: desde a primeira viagem a Lampedusa, ilhaperdida no Mediterrâneo, cujo interesse aos seus olhos era o de ser pontode chegada de milhares de migrantes, periferia que acolhia quantos fugiamdas periferias funestas do mundo. Depois tiveram lugar as viagens àfronteira entre o México e os Estados Unidos, outro lugar onde sedesencadeia a tragédia das migrações, e nas zonas mais devastadas doplaneta — como os bairros de lata das cidades latino-americanas onde seprepara e distribui a droga, que depois é vendida nos países ricos — s e m p reem busca das palavras certas para demover um mundo rico que não querouvir falar dos pobres.O Papa Francisco bem sabe que das periferias vem o mal e, porconseguinte, pode vir o bem para o mundo. Nesta ótica, revolucionando astradições curiais, criou muitos cardeais que trabalham em lugares periféricose considerados de pouca importância, para fazer compreender mais uma vezque olhar para as periferias significa virar a mesa e renovar a sério.São duas as ações mais fortes que realizou: a encíclica Laudati si’, queinverteu completamente o ponto de vista do qual se olha para a poluição,colocando diante dos olhos do mundo — habituado às lamentações pelosmog das grandes cidades — o preço enorme e injusto que pagam quantosvivem nos países pobres por um progresso que não tem em consideração asexigências dos seres humanos e da natureza, mas apenas do lucro. E depoisa inauguração do jubileu da misericórdia em Bangui: quando Franciscoabriu a porta daquela pobre catedral, no meio de uma população dilaceradapela guerra, todo o mundo compreendeu que a era da Igreja triunfal que,de São Pedro, mostra a sua beleza e a sua opulência estava superada. Era aprópria Igreja que pedia misericórdia para as periferias muitas vezesesquecidas.Mas há ainda outra periferia para salvar, precisamente no coração da Igreja:as mulheres, religiosas e leigas, que tanto têm a dizer, a dar, e não sãoouvidas.

P o b re sJOSÉ BE LT R Á N

Interior da Capela Sistina. Aclamação. A contagem dos votos terminou.Não se pode voltar atrás. Primeiro plano. O rosto sereno de Bergoglio,meditativo. Ao lado dele Hummes. Um abraço. Sussurra algo ao seu

ouvido. Primeiríssimo plano. «Não te esqueças dos pobres». Um sussurro dobrasileiro. Deus, em voz baixa. Briza do Espírito que se faz eco na mente doargentino, «os pobres, os pobres». Imediatamente outra palavra surge docoração. Nasce Francisco. Outro “p obrezinho”. Aqueles que não contam para asociedade, os condenados a viver sem nome, dão nome ao novo pontificado. Esentido. Minuto zero. «Sonho com uma Igreja pobre e para os pobres». Oprograma do bispo de Roma para todos os católicos. Sonho, não fantasia.Tabela de marcha que ele mesmo estabelece com o seu passo, com sandálias depescador gastas que o levam, como primeiro destino, a Lampedusa. Osrefugiados que o mar engole, empurrados para o abismo pelos poderosos.Pobres entre os pobres. Desde então a mala papal viaja pelos subúrbios domundo. De uma menina vítima do tráfico nas Filipinas às mães detidas naColômbia. Para lavar os pés a um migrante muçulmano e para dar a mão aosultrajados rohingyas. «Pegando numa criança, colocou-a no meio deles eabraçou-a». Da periferia para o centro.Francisco abraça a pobreza como estilo de vida. Uma provocação. Porque apobreza tem um mau cheiro, não é fotogénica e só acarreta problemas. Sabe-obem o pastor que percorreu em comprimento e largura as villas de BuenosAires, que quis complicar a sua vida com os c a r t o n e ro s , com as criançasdependentes do paco e com as mães solteiras. E como Papa complicou a vida avárias pessoas que preferiam olhar de longe para aquela realidade. Ou, nomáximo, tocar nela com luvas esterilizadas. Francisco obrigou a Igreja a descerdo automóvel oficial da falsa compaixão para se sujar com a lama. Não sededicou a discursos de salão, todos os dias pronuncia em Santa Marta ahomilia da austeridade, da humildade e da simplicidade que nasce daestrebaria de Belém.Pois, para ele, abraçar a pobreza não é um postulado ético nem meroassistencialismo. É o Evangelho, descobrir o rosto de Jesus no olhar do

Saída

dedicou a sua segunda encíclica. Eprecisamente no sinal da misericórdia,coração do Evangelho, o concílio foraaberto e concluído. Com um olharretrospetivo pode-se dizer que aquelapreciosa mensagem da misericórdia divinafoi muito notada mas não conseguiuconquistar o favor da opinião pública,crente e não crente, cristã e até católica.Opinião pública que continuava a ter daIgreja católica a imagem de um gendarmemoral intransigente. Com efeito era difícil,depois de séculos de moralismoescrupuloso, cancelar aquela imagemnegativa explicando que agora reinava «amisericórdia inconcebível», como dizia airmã Faustina, e já não a tristecontabilidade dos pecados.Eis talvez uma das grandes obras-primasdestes primeiros cinco anos de pontificadode Francisco. Este Papa, insistindo sobre aconfissão, celebrando um ano santoextraordinário dedicado à misericórdia,conseguiu conquistar o grande público ecomunicar aquela mensagem espiritual doamor divino incondicional, a misericórdia.Aquilo que os seus predecessoressemearam vê-se agora cultivado em vastaescala por Francisco. E sob forma dealimento espiritual para todos.

SI LV I N A PÉREZ

Saída. Uma palavra que encerra uma das novidades do pontificado deFrancisco, palavra em volta da qual se concentrou o programa pastoralentregue na exortação apostólica Evangelii gaudium. Sem dúvida é uma

expressão com a qual o Pontífice quer explicar como, diante de uma humanidadesofredora devido a feridas de todos os tipos, se deve realizar a evangelização, ouseja, levando o Evangelho até às periferias existenciais. «Ide às saídas doscaminhos, e convidai para as bodas a todos os que encontrardes», sem excluir

Giuseppe Ducrot, busto de Franciscoem cerâmica vetrificada branca

D iabo

indigente que penetra o íntimo. É comover-se até às vísceras como o pai do filhopródigo, para se rebelar contra as situaçõesde injustiça que levaram a criar guetos emtodos os povos. A premissa bergogliana: oprivilegiado sou eu por estar em dívida como pobre e não o contrário. Por isso, este éum papado que incomoda. Para o primeiroPapa latino-americano abraçar a pobrezasignifica denunciar as causas e combatê-las.Indignação face à desigualdade. Gritar parapôr fim a uma economia que descarta e matade fome, contra uma guerra aos bocados quecausa novas bolsas de miséria, contra umaopinião pública que torna invisível quemdorme diante de um banco ou pede esmola àentrada de um supermercado. Os pobres, emprimeiro plano para Francisco. Desde ominuto zero. Até hoje.

ninguém (cf. Mt 22, 9). Acompanhaisobretudo quem está na margem docaminho, «coxos, aleijados, cegos,surdos» (cf. Mt 15, 30). Onde quer queestejais, nunca construais muros nemfronteiras, mas praças e hospitais decampo». Com estas palavras, dirigidasaos bispos italianos a 10 de novembrode 2015 na catedral florentina de SantaMaria “del Fiore”, o Papa indica qualdeve ser o estilo da Igreja “em saída”,capaz de consolar, socorrer, curar esobretudo tornar visível a misericórdiade Deus.Ser uma Igreja em saída pressupõe quese procure quem está perdido e acolherquem pede ajuda. Por conseguinte, aIgreja é um «dinamismo de “saída”»,por estar animada pelo «poderlibertador e renovador» da palavra deDeus. Mas para Francisco a saída prevêque se dê primeiro um passo: o daconversão, pois não estamos prontos seprimeiro não sairmos de nós mesmos,indo rumo a Deus e aos outros. Adisponibilidade à escuta em saída éuma das chaves interpretativas paracompreender toda a ação de Francisco,é o modo como o Papa vê no seumagistério os sinais da naturezamissionária da Igreja. Bergoglio teve aintuição eclesial e pastoral de sair, de iràs periferias e de inverter o olharpartindo de novo precisamente dasmesmas, onde com a celebração daEucaristia em comunhão encontra aimagem de Igreja que prefere: a que éexpressa pelo Vaticano II na Lumengentium, do «santo povo fiel de Deus».Por conseguinte, sentire cum ecclesiasignifica para o Papa Francisco serIgreja «em estado permanente demissão». Uma Igreja “em saída”também da autorreferencialidadefechada «numa pequena capela quepode conter apenas um grupinho depessoas selecionadas». Uma Igrejamissionária projetada num mundo noqual prevalece a «globalização daindiferença». Indiferença que provocaaquela «cultura do descarte» baseadana preeminência do interesse individualao qual segundo Francisco se devecontrapor o Evangelho da misericórdia.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

A força do nome

quele nome, que o Papa Bergoglio quisexplicar aos jornalistas com os quais seencontrou três dias depois da eleição.Nome que recorda a figura de São Fran-cisco por três motivos: a atenção e a pro-ximidade aos pobres, recomendadas aonovo pontífice por «um grande amigo»(o cardeal brasileiro Cláudio Hummesque estava ao lado dele na capela Sisti-na) quando os votos já tinham superadoos dois terços necessários, a pregação dapaz, a preservação da criação. Três com-ponentes da mensagem cristã que estão acaracterizar o andamento dos dias doprimeiro Papa americano, que é tambémo primeiro não europeu desde há quasetreze séculos e o primeiro jesuíta.

Indicando a necessidade para a Igrejade ir às periferias reais e metafóricas domundo para anunciar o Evangelho, o ar-

cebispo de Buenos Aires traçava poucoantes do conclave as linhas de um ponti-ficado essencialmente missionário, linhasque dali a poucos meses teriam sido de-senvolvidas no longo documento progra-mático Evangelii gaudium. Alegria, sim,não obstante as perseguições e o martíriode tantos cristãos, não obstante o dese-quilíbrio que aumenta entre norte e suldo mundo, não obstante aquela guerramundial «aos bocados» muitas vezes de-nunciada, não obstante a devastação doplaneta em detrimento antes de tudo dospobres descrita na Laudati si', uma encí-clica acolhida com interesse e esperançaaté por muitíssimas pessoas que parecemnão se identificarem com a Igreja. Assimcomo está a chegar muito além dos con-fins visíveis da Igreja a palavra simples eapaixonada de um cristão que, carregan-do um grande peso, pede todos os diasque rezem por ele.

ENZO BIANCHI

«O diabo existe também no século XXI e devemosaprender do Evangelho como lutar contraele». Nesta frase da homilia em Santa Marta

de 11 de abril de 2014 está condensado o pensamento doPapa Francisco não tanto acerca da existência do diabo,quanto — muito mais em profundidade — sobre o modocomo o cristão deve enfrentar esta presença que, mesmo sedesprovida de imagens e personificações estereotipadas,não deixa de incidir na vivência diária de cada um. AFrancisco não interessa tanto descrever o demónio, o“divisor” que procura incessantemente separar-nos de Deuse contrapor-nos uns aos outros. O Papa preocupa-seprincipalmente a fim de que o cristão saiba lutar dia apósdia contra os demónios, usando como arma o Evangelho, aboa nova do Deus que se fez homem para curar osdoentes, salvar quem estava perdido, reconciliar consigotodas as criaturas. E as armas do Evangelho que é JesusCristo afinam-se com o discernimento — dos pensamentos,das palavras, das obras e das omissões — que leva areconhecer o que vem de Deus e o que vem do maligno.Um discernimento que sabe captar a maneira de ganharforma em nós (como indivíduos e como comunidadeeclesial) a tentação por parte do demónio, que «tem trêscaracterísticas, cresce, contagia e se justifica» esclarece oPapa. Sim, o tentador, como um vírus, insinua-se

astutamente, mostrando-se primeiro de leve entidade,depois difundindo à sua volta o próprio contágio, atéresultar uma condição, no fim de contas, justificável. A lutadeve então ser travada com a espada da palavra de Deus(cf. Hb 4, 12) que penetra e realiza uma “divisão”contraposta à do demónio, inspirando uma tomada deposição que volta a pôr o cristão no seguimento doSenhor, endireita o seu caminho, guia-o para a conversão.É a assiduidade à palavra de Deus que impede que atentação cresça e ganhe raízes, que interrompe o seucontágio e aniquila as justificações. Ao mesmo tempo, oEspírito luta em nós e ao nosso lado, confortando-nos,aliviando-nos do desespero, anunciando-nos a boa nova doSenhor que perdoa os nossos pecados.Este rosto misericordioso do Senhor é o antídoto queFrancisco recorda constantemente para fortalecer os cristãosna luta anti-idolátrica e para consolar quem é tentado aceder às lisonjas do diabo. É o Senhor Jesus — narrado epregado no Evangelho, aquele que derrubou o muro deseparação, que criou a unidade dos dois povos (cf. Ef 2,14) e que todos os dias recria a comunhão entre os seusdiscípulos — o único que pode derrotar o divisor e unificaro nosso coração. De resto, o Papa afirmou isto desde o diada sua eleição, citando Léon Bloy: «Quando não seconfessa Jesus Cristo, confessa-se a mundanidade dodiab o».

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 15 de março de 2018, número 11

Paulo VI na série secular dos diários escrita pelos cerimoniários pontifícios

História mínimaLEONARD O SAPIENZA

Paulo VI foi o Papa de gestos profé-ticos, de magistério profundo, mas,ao mesmo tempo, um homem muitosimples.

Contrariamente ao cliché que umacerta imprensa lhe atribuíra, de ho-mem frio, distante, “hamlético”,quem o conhecia em privado podiatestemunhar a sua afabilidade, deli-cadeza de espírito, e até de subtilhumorismo e auto-ironia.

Disto se encontram vestígios nu-ma fonte surpreendente: o Diáriodos cerimoniários pontifícios. Emparticular, nos volumes cuidadospor monsenhor Virgilio Noè, que foimestre das cerimónias pontifícias de1970 a 1982.

No arquivo daquele que agora sechama Departamento das celebra-ções litúrgicas do Sumo Pontífice,encontram-se os Diários iniciadospor Johannes Burckard, nos quaisos cerimoniários escreviam o que serelacionava com a preparação e oandamento das celebrações presidi-das pelos Pontífices.

Monsenhor Virgilio Noè conti-nuou esta tradição, no delicado pe-ríodo pós-conciliar, com a reformalitúrgica, com a adaptação dos no-vos ritos. Assim as celebrações litúr-gicas papais tornaram-se um pontode referência exemplar para a reali-zação da reforma litúrgica.

Numa anotação, Monsenhor Noèescreve que «Paulo VI celebrava a li-turgia com o mesmo entusiasmo efrequência de Gregório Magno».

Pode-se afirmar que Paulo VI foio principal protagonista da renova-ção litúrgica.

Quantas vezes apoiara a reformalitúrgica e a levara por diante, purae íntegra, defendendo-a contra pro-gressistas e conservadores.

No centro da sua vida de oração epensamento pusera a liturgia.

As suas “l i t u rg i a s ” tiveram semprevalor exemplar, eficácia pastoral, ri-

queza doutrinal. Foi observado que«todos os gestos de Paulo VI teste-munhavam a intensidade da suaadesão ao Senhor».

Dos “D iários” que se referem aopontificado de Paulo VI extraímos asnotícias, as palavras, as “piadas” doPapa Montini, que revelam porme-nores desconhecidos e inéditos dasua personalidade.

Nas páginas do “D iário” há umahistória mínima de tantos aconteci-mentos, escrita por alguém que a vi-veu diretamente. Uma pequena cró-nica que ajuda a ter uma ideia maiscompleta da personalidade de PauloVI.

Devemos agradecer a MonsenhorNoè por ter conservado e legadonão só o frio relato do desenvolvi-mento das liturgias, mas sobretudogestos, pensamentos e palavras que,de outro modo, se teriam perdido. Eenriqueceu o Diário também comanotações e recordações que tornaminteressante a leitura.

O mestre das cerimónias tinha umlugar privilegiado de observação: aolado do Papa em todas as liturgias,guiava o celebrante em cada movi-mento. E podia também ouvir tudoo que o Papa dizia. Quando voltavapara o escritório, também com aajuda dos vários cerimoniários, redi-gia um relatório detalhado de quan-to tinha acontecido.

Assim, esta recolha torna-se paramim também uma grata memória.Além de monsenhor Virgilio Noè,que me chamou ao serviço nas litur-gias papais, sinto o dever de recor-dar ainda os demais cerimoniários,com os quais tive a honra de cola-borar no serviço, como secretário doDepartamento das cerimónias: osmonsenhores John Magee, mestredas cerimónias de 1982 a 1987, Ora-zio Cocchetti, Marcello Rossetti, Vi-to Gemmiti, Angelo Di Pasquale,Renato Balzanelli, Marcello Venturi,Mariano De Nicolò que depois foibispo de Rimini, Antonio Massone,

Piero Marini, mestre das celebraçõeslitúrgicas de 1987 a 2007, FrancescoCamaldo.

Dirijo um pensamento grato amonsenhor Guido Marini, atualmestre das celebrações litúrgicas doSumo Pontífice, que permitiu a con-sulta dos volumes dos “D iários”.

Escreve monsenhor Noè numapágina do “D iário”: «Quem o lê de-le beneficiará. Foi assim para nósque escrevemos, abandonando-nosao prazer da memória».

Também nós desejamos que osleitores destes “sacrifícios” de PauloVI deles tirem benefício, sobretudopara aprofundar cada vez mais o co-nhecimento da personalidade de umgrande Papa.

Podem parecer pequenas coisas.Mas, como escrevia Nicolas deChamfort: «Nas grandes coisas oshomens mostram-se como lhes con-vém. Ao contrário, nas pequenas,mostram-se tal como são».

Nas pegadasde BurckardPrecisamente enquanto o Papa seencontrava com o prefeito daCongregação para as causas dossantos e autorizava a publicaçãodo decreto relativo ao milagreatribuído à intercessão do seupredecessor Giovanni BattistaMontini chegavam ao Vaticano asprimeiras cópias de um novopequeno livro nascido da devoçãoe da original intuição demonsenhor Leonardo Sapienza(Paulo VI. Una storia minima,Monopoli, Edições Viverein, 2018,118 páginas). De facto, baseando-se na série secular dos diáriosescritos pelos cerimoniáriospontifícios que remonta a finaisdo século XV com o Liber notarumdo alemão Johannes Burckard,cerimoniário de Alexandre VI, oautor reconstruiu um perfil sobmuitos aspetos inédito do PapaMontini. Trata-se de verdadeirosfrustula, textos muito breves dopontífice, captados e anotadospelos cerimoniários, em particularpor Virgilio Noè, depois cardeal,graças ao seu papelparticularíssimo que permiteproximidade e confidência com oPapa. «É necessário escrevertambém o diário, para que muitasnotícias não se percam» diz apropósito Paulo VI a 14 defevereiro de 1970. É o ano daúltima viagem internacional à Ásiae à Oceânia, durante a qual emManila o pontífice é ferido comum punhal num atentado quepodia ser fatal, mas que passaquase despercebido, como se sabe.Atentíssimo à liturgia que ofascinou quando era ainda muitojovem e que esteve na base da suavocação, Montini a 29 de marçode 1970 louva a «lindíssimacelebração» e comenta:«Esperemos que fique algumacoisa, sobretudo que hajacaridade, que haja amor. Falamtão mal desta Cúria Romana...».(g . m . v. )

Paulo VI

com monsenhor Virgilio Noè

O momento do atentado em Manila (27 de novembro de 1970)

número 11, quinta-feira 15 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Com o estiloda mulher

Cara Maria Teresa!Obrigado pelo teu livro Diez cosas

que el papa Francisco propone a lasm u j e re s , onde meditas sobre algumasdas minhas sugestões. Sinto que astuas palavras são fruto da tua expe-riência e da tua reflexão sobre váriostemas que dizem respeito e derivamda vocação e da missão da mulher.

Preocupa-me a persistência deuma certa mentalidade machista, aténas sociedades mais avançadas, ondese perpetram atos de violência con-tra a mulher, transformando-a emobjeto de maus-tratos, de tráfico ede lucro, assim como de exploraçãona publicidade e na indústria doconsumo e da diversão. Preocupa-me também que, na própria Igreja, opapel de serviço ao qual cada cristãoé chamado, às vezes decaia, no casodas mulheres, mais em funções deservidão do que de verdadeiro servi-ço.

Seguindo o pensamento dos meuspredecessores, acho que é necessáriauma renovada pesquisa antropológi-ca que inclua os novos progressos daciência e das atuais sensibilidadesculturais, para penetrar cada vezmais profundamente, não só a iden-tidade feminina, mas inclusive namasculina, a fim de servir melhor oser humano no seu conjunto. Avan-çar nesta direção significa preparar-nos para uma humanidade nova esempre renovada. Espero que o teulivro seja mais uma contribuição nes-te sentido.

Parece-me correto que na tua re-flexão não te esqueceste de Maria,Bendita entre as mulheres. Acho quedo ser mulher de Maria emerge algoespecial ao que, na minha Exortaçãoapostólica Evangelii gaudium (cf. n.288), chamei «estilo mariano». Umestilo que convida a Igreja inteira aser Mãe que ama todos com ternurae carinho. Na Igreja, os homens e asmulheres não devem perder de vistaesta perspetiva, hoje tão crucial.

Que estas «dez coisas» possambeneficiar quem as ler e que o Se-nhor as multiplique, caminhandosempre rumo a uma maior sensibili-dade e reconhecimento da missão eda vocação da mulher.

O Senhor te abençoe e a VirgemSanta te preserve. Que o Senhor teassista na tua tarefa de pesquisa e dedocência, ajudando as outras pes-soas a descobrir a Face de Jesus, queamou homens e mulheres sem dis-tinção, principalmente as pessoasmais pobres e frágeis.

Não te esqueças de rezar pormim!

Fr a t e r n a l m e n t e ,

FRANCISCO

Cidade do Vaticano12 de fevereiro de 2018

Abater um muroMARIA TERESA COMPTE GR AU

No dia 28 de julho de 2013, duran-te o voo de volta para Roma doRio de Janeiro, o jornalista de «LeFigaro», Jean-Marie Guénois, diri-giu ao Papa uma pergunta sobre odiaconado feminino e acerca dapresença da mulher nos Dicastériospontifícios. O Papa respondeu-lhe:«Acho que ainda não fizemos umaprofunda teologia da mulher naIgreja. Limitamo-nos a dizer quepode fazer isto, pode fazer aquilo,agora faz a coroinha, depois lê aLeitura, é a presidente da Cáritas...Mas, há muito mais! É necessáriofazer uma profunda teologia damulher». Vinte e dois dias mais tar-de, durante uma entrevista em San-ta Marta, o jesuíta Antonio Spada-ro dirigiu-lhe novamente esta per-gunta. E Francisco retorquiu: «Énecessário, pois, aprofundar melhora figura da mulher na Igreja. É pre-ciso trabalhar mais para fazer umaprofunda teologia da mulher. Sórealizando esta etapa se poderá re-fletir melhor sobre a função da mu-lher no interior da Igreja».

Depois de ter lido reiteradamenteestas e outras declarações semelhan-tes, tive a tentação de renunciar àtarefa que o diretor de Publicacio-nes Claretianas me confiara. Dadoque o processo de elaboração de

uma teologia da mulher ainda nãoparecia ter iniciado, pelo menos demodo explícito, tinha sentido inves-tir tempo naquele projeto? Se tería-mos acabado por repetir sempre asmesmas afirmações, valia a penaengajar-se nisto?

Mas a firme convicção de que aquestão da mulher no seio da Igre-ja devia ser enfrentada impôs-se so-bre a tentação. Estou persuadida deque, por mais importante que seja areflexão sobre o diaconado, esta te-mática não pode reduzir-se a aspe-tos ministeriais de âmbito intraecle-sial, nem se pode limitar à maiorou menor presença de mulheres in-signes nas atividades teológicas, enem sequer ser medida em funçãodo número de mulheres que ocu-pam os vários cargos. A questão vaimuito além da eterna perguntaacerca do génio feminino, como sese tratasse de um mistério insondá-vel. Pelo contrário, acho que é ne-cessário enfrentar este tema a partirda humanidade da mulher e dassuas manifestações, assim como dafunção que as condições materiais eespirituais da existência desempe-nham na promoção ou no impedi-mento do pleno desenvolvimentohumano das mulheres. Estou con-victa de que esta perspetiva, intuídapor Edith Stein nas suas Conferên-cias sobre a mulher (1928-1933), p o-

de contribuir para elucidar o derra-deiro significado das sempre con-troversas reivindicações de liberta-ção da mulher.

A Igreja não tem apenas o direi-to, mas também o dever de dizeruma palavra e de oferecer propostasde ações sobre estas e outras ques-tões ligadas às mulheres. Devemosfazê-lo a partir do Evangelho, daexperiência comunitária da fé e dateologia. E devemos agir em diálo-go com o mundo, com as teoriasque se elaboram há décadas, basea-dos na experiência e com os movi-mentos das mulheres. E tudo istosignifica dialogar com os feminis-mos.

Entendo que, perante a dinâmicaprofundamente inovadora desta fi-losofia prática e da força radical-mente transformadora deste movi-mento histórico, alguns estejam as-sustados. De qualquer maneira, épreciso derrubar este muro. Na rea-lidade, isto já está a ser feito. O su-plemento mulheres igreja mundo, que«L’Osservatore Romano» publicadesde maio de 2012, nasceu com avontade de favorecer o diálogo apartir do seio da Igreja. A Itália eos Estados Unidos demonstram-nosque esta proposta de diálogo a par-tir da sociedade civil e sobre temá-ticas como, por exemplo, a da ma-ternidade de substituição, está a darótimos frutos.

O diálogo franco e sincero nãodeve ser ulteriormente adiado. Esteé o momento propício. As Exorta-ções apostólicas Evangelii gaudium(24 de novembro de 2013) e Am o r i slaetitia (19 de março de 2016); a En-cíclica Laudato si’ (24 de maio de2015); as reformas da Pontifícia aca-demia para a vida (18 de dezembrode 2016) e do Instituto João PauloII (19 de setembro de 2017); assimcomo a criação do Dicastério parao serviço do desenvolvimento hu-mano integral (17 de agosto de2016), têm muito a oferecer às jus-tas aspirações de igualdade, liberda-de e direitos das mulheres.

Dez coisas

Diez cosas que el papa Francisco propone a las mujeres (“Dez coisas queo Papa Francisco propõe às mulheres”): é o título do livro de MaríaTeresa Compte Grau (Madrid, Publicaciones Claretianas, 2018, 85páginas), que foi apresentado no dia 7 de março na capital espanhola,na sede da Fundación Pablo VI, por Mirian de las Mercedes CortésDiéguez, reitora da pontifícia universidade de Salamanca; NataliaPeiro Pérez, secretária-geral da Cáritas espanhola; Clara Pardo Gil,presidente de «Manos Unidas»; e Mariña Ríos, presidente daConferência espanhola dos religiosos (Confer). Nesta página, oagradecimento enviado pelo Pontífice à autora, publicado na aberturado volume, e a introdução.

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 15 de março de 2018, número 11

Missas matutinas em Santa MartaSegunda-feira, 5 de março

Conversão do pensamento«Converter o pensamento», alémdas «obras e dos sentimentos», para«mudar o estilo de pensar» na con-vicção de que «a fé não é um espe-táculo»: eis a sugestão proposta peloPapa Francisco para a QuaresmaPorque, afirmou, «é importante nãosó o que penso mas como penso».«Neste tempo de Quaresma, tempode conversão, hoje a Igreja faz-nosrefletir sobre a conversão do pensa-mento» observou o Pontífice. Sim«também o pensamento deve con-verter-se: não só pelo que se pensamas pelo modo como se pensa». Eassim precisamente «também o estilode pensamento deve converter-se».

De resto, afirmou Francisco, «aIgreja diz-nos que as nossas obrasdevem converter-se e fala-nos do je-jum, da esmola, da penitência: éuma conversão das obras». Trata-sesubstancialmente, disse o Papa, de«praticar obras novas, com o estilocristão, o estilo que vem das Bem-aventuranças» como são apresenta-das por Mateus no capítulo 25 doseu Evangelho. Portanto, é precisoaplicar à nossa vida o estilo dasb em-aventuranças.

Mas «a Igreja fala-nos também daconversão dos sentimentos» explicouFrancisco, porque «também os senti-mentos devem converter-se: pense-mos por exemplo na parábola dobom samaritano» que nos chama a«converter-nos à compaixão».

Portanto, «sentimentos cristãos»,afirmou o Papa, juntamente com a«conversão das obras, dos sentimen-tos mas, hoje» a Igreja «fala-nos da“conversão do pensamento”: não doque pensamos mas também do mo-do como pensamos, do estilo dopensamento». Desta forma convémquestionar-se: «Penso com um estilocristão ou com um estilo pagão?».

Precisamente «esta é a mensagemque hoje a Igreja nos transmite» ob-servou o Pontífice, referindo-se às«duas histórias» propostas pela li-turgia que «nos ajudam a compreen-der. Antes de tudo, explicou refletin-do sobre o trecho bíblico tirado dosegundo livro dos Reis (5, 1-15),«Naaman, o sírio, que vai ter comEliseu para ser curado», mas «quan-do ouve o que o profeta lhe diz parafazer, irrita-se, indigna-se e quer reti-rar-se sem o fazer» dizendo «é umabrincadeira, ele zomba de mim, nóstemos rios mais bonitos do que esteJordão». E explicou Francisco, «se-rão os servos, que têm um sentidoda realidade muitas vezes mais cor-reto, que lhe disseram “exp erimen-ta”», a imergir-te sete vezes no rioJordão para te curares da lepra.

A questão, afirmou o Papa, é queNaaman «esperava o espetáculo,pensava que Deus viesse só no espe-táculo e, dentro do espetáculo» es-perava também «a cura». Com efei-to, lê-se no trecho bíblico que às pa-lavras de Eliseu «Naaman despeita-do retirou-se dizendo “pensava queele viria receber-me e diante de miminvocaria o Senhor, seu Deus, colo-caria a sua mão no lugar infetadopela lepra e curar-me-ia”».

Mas «o estilo de Deus é outro:cura de outro modo» advertiu o

Pontífice. E «devemos aprender apensar num novo estilo», «Devemosconverter a maneira de pensar».

«O mesmo acontece com Jesus»explicou Francisco em relação aotrecho evangélico de Lucas (4, 24-30): «Jesus volta a Nazaré, vai à si-nagoga e como era costume, ofere-cem-lhe o livro para o ler e ele lêaquele excerto de Isaías e por fimdiz: “Hoje esta palavra foi realizadaaqui, cumpriu-se”».

Em particular, afirmou o Papa, «otexto antes daquele de hoje, a pri-meira parte, diz que as pessoas olha-vam para ele, estavam admiradas —«que bom, o que diz, que bom!» —estavam contentes». Mas, prosse-guiu, «nunca falta um mexeriqueiroque começa a dizer “este é o filhodo carpinteiro, o que nos ensina, emqual universidade estudou?» —«Sim, é o filho de José». E assim,disse Francisco, «começaram a tro-car as opiniões e a atitude das pes-soas muda: querem matá-lo». Passa-se «da admiração, do espanto, paraa vontade de o matar».

O facto, prosseguiu o Papa, é que«também eles» que estavam na sina-goga de Nazaré «queriam o espetá-culo» por parte de Jesus e com efei-to diziam «que faça alguns milagres,como dizem que fez na Galileia, enós acreditaremos». Eis, ao contrá-rio, que Jesus explica como estão ascoisas: «Em verdade vos digo: ne-nhum profeta é bem aceite na suapátria».

Na realidade, observou o Papa,«nós não queremos dizer que algumde nós pode corrigir-nos: deve viralguém com o espetáculo para noscorrigir». Mas «a religião não é umespetáculo, a fé não é um espetácu-lo: é a palavra de Deus e o EspíritoSanto que age nos corações».

«A Igreja hoje convida-nos a mu-dar o modo de pensar, o estilo depensar» insistiu o Pontífice. A pontoque «poderás recitar o Credo inteiroinclusive todos os dogmas da Igreja,mas se não o fizeres com o espíritocristão de nada serve». Porque «nãosó é importante o que penso mas omodo como penso». Então, sugeriuFrancisco, perguntemo-nos «comqual espírito pensamos: com espíritocristão ou com espírito mundano?».E «o mesmo pensamento tem um

valor muito diverso tanto de um la-do como do outro».

Eis a importância da «conversãodo pensamento», do «pensar comocristão». E «o Evangelho está cheiodisto»: por exemplo «quando Jesusdiz continuamente “foi-vos ditoaquilo, mas eu digo-vos isto” mudao estilo do pensamento». Acontece omesmo «quando diz ao povo, falan-do dos doutores da lei, “fazei o quevos dizem mas não o que fazem;acreditai em tudo o que vos ensinammas não no seu modo de acredi-tar”». Precisamente esta é «a conver-são do pensamento».

Na realidade, reconheceu Francis-co, «não é habitual que nós pense-mos deste modo» e por esta razão«também o modo de pensar, a ma-neira de acreditar deve ser converti-da». Concretamente o Papa propôsalgumas questões a si mesmo: «Comqual espírito eu penso? Com o espí-rito do Senhor ou com o espíritopróprio, o espírito da comunidade,do grupinho, da classe social ou dopartido político ao qual pertenço?Com qual espírito eu penso?». Des-ta forma, verificando «se penso de-veras com o espírito de Deus, devopedir a graça de discernir quandopenso com o espírito do mundo equando penso com o espírito deDeus». E por isso, concluiu Francis-co, é importante pedir a Deus tam-bém «a graça da conversão do pen-samento».

«Sempre neste caminho de con-versão que é a Quaresma hoje aIgreja faz-nos refletir sobre o per-dão» observou o Papa, perguntan-do-se: «O que é o perdão? De ondevem ele?». Para responder a estasquestões Francisco inspirou-se nas«duas leituras de hoje» que, disse,«podemos explicar com duas pala-vras simples: infelizmente e contantoque». São precisamente estas «asduas palavras da mensagem hodier-na».

Na primeira leitura tirada do livrode Daniel (3, 25.34-43) «Azarias, depé, no meio das chamas, fez estaprece: “Por amor do vosso nomenão nos abandoneis para sempre”».Azarias «estava no meio das chamasporque não quis adorar o ídolo:adorava apenas Deus». E, com efei-to, «ele não repreende Deus, nãodiz: “Olhai, expus-me por vossa cau-sa, e vós assim me pagais?”». Por-tanto Azarias «não diz isto; vai àraiz» e pergunta: «Por que aconteceisto a mim e ao nosso povo? Porquepecámos. Vós sois grande, Senhor,sois grande. Salvastes-nos sempremas, infelizmente, pecámos. Quería-mos servir-vos mas, infelizmente, so-mos pecadores».

Precisamente «naquele momento— disse o Pontífice — Azarias confes-sa o próprio pecado: o pecado dopovo. Acusa-se a si mesmo». E, defacto, «acusarmo-nos a nós mesmosé o primeiro passo para o perdão:“Senhor, não nos priveis da vossamisericórdia. Estamos reduzidos anada. Apesar disso, que a contriçãodo nosso coração e a humilhação donosso espírito nos façam bom aco-lhimento junto de vós, Senhor!”».Eis, portanto, a acusação a si mes-mo: «Pecámos, vós sois grande, infe-lizemnte pequei».

«Acusar-se a si mesmo faz parteda sabedoria cristã», insistiu o Papa.Certamente não é sabedoria cristã«acusar os outros». Ao contrário, épreciso acusar-se «a si mesmo» eafirmar: «pequei». E «quando nosaproximarmos do sacramento da pe-nitência», sugeriu Francisco, é preci-so «ter isto em mente: Deus é gran-

Terça-feira, 6 de março

Pe rd o a rpara ser perdoado

«Infelizmente» e «contanto que»:com estas duas expressões o PapaFrancisco explicou o que significa ecomo se vive deveras e totalmente operdão. O Pontífice sugeriu que nãotenhamos vergonha de nos acusar-mos de ser pecadores «infelizmen-te». E recordou que o Senhor estásempre pronto a perdoar-nos «con-tanto que» perdoemos os outros. CO N T I N UA NA PÁGINA 13

Cody Miller, «O filho pródigo»

Lika Shkhvatsabaia, «Conversão»

número 11, quinta-feira 15 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 12 Missa em Santa Marta

Missa de sufrágiopelo arcebispo Paul Bùi Văn Đoc

«Ofereço esta missa pelo eter-no descanso de D. Paul, arce-bispo de Hô Chi Minh City,falecido anteontem, durante avisita ad limina». Com estaspalavras pronunciadas no iní-cio da missa em Santa Martana manhã de 8 de março, oPapa quis recordar D. PaulBùi Văn Ðoc, o prelado viet-namita falecido no final datarde do dia 6, no hospital ro-mano de San Camillo. O arce-bispo, que na manhã de terça-feira tinha celebrado a liturgiaem São Paulo fora dos Muros,teve os primeiros sintomas deum mal-estar, sucessivamentefoi acompanhado ao hospital,onde as suas condições piora-ram progressivamente.

Terceira pregação de quaresma

Humildade rima com verdade

Visita «ad limina»dos bispos do Vietname

Na manhã de segunda-feira, 5 de março, o Papa recebeu em audiência os preladosda Conferência episcopal do Vietname em visita «ad limina Apostolorum»

de e concedeu-nos muitas graçasmas infelizmente eu pequei, ofendi oSenhor e peço salvação». Mas «sevou ao sacramento da confissão, dapenitência e começo a falar dos pe-cados dos outros, não sei o que pro-curo», afirmou o Papa: certamente«não busco o perdão». Aliás «pro-curo justificar-me e ninguém se po-de justificar a si mesmo, só Deusnos justifica».

«Recordo — confidenciou Francis-co — aquela anedota histórica deuma senhora que se aproximou doconfessionário e começou a falar dasogra: sobre o comportamento dasogra e como a fazia sofrer». «Passa-dos quinze minutos o confessor dis-se-lhe: “Senhora, está bem, confes-sou os pecados da sua sogra, agoraconfesse os seus”».

«Muitas vezes vamos pedir per-dão ao Senhor justificando-nos, ven-do o que de mau fizeram os outros»,afirmou o Pontífice. Mas a atitudecorreta é reconhecer que, «infeliz-

mente, pequei». Resumindo, «acu-sar-se a si mesmo». Isto «agrada aoSenhor, porque o Senhor recebe ocoração contrito». A tal propósitosão claras as palavras de Azarias:«Não há desilusão para quantosconfiam em vós». Porque «o cora-ção contrito diz a verdade ao Se-nhor: “Senhor, cometi um pecadocontra vós”». Mas «o Senhor tapa-lhe a boca, como o pai ao filho pró-digo, não o deixa falar: o seu amorcobre-o, perdoa tudo».

Portanto, «acusar-nos a nós mes-mos». «Quando vou confessar, oque faço? Justifico-me ou acuso-me?» foi a pergunta formulada porFrancisco. Com a sugestão de «nãosentir vergonha, ele justifica-nos:“Senhor, sois grande, concedestes-me tantas graças mas infelizmente,p equei”».

«O Senhor perdoa-nos, sempre enão uma só vez», afirmou o Pontífi-ce. «A nós — acrescentou — diz paraperdoar setenta vezes sete, sempre,

porque ele perdoa sempre: “Perdo o-te, contanto que perdoes os ou-t ro s ”». Referindo-se ao trecho evan-gélico de Mateus (18, 21-35), o Papaobservou que «se tu fores pedir per-dão ao Senhor como este emprega-do, o Senhor perdoa! Mas depois seo empregado não perdoar o seu co-lega...». Assim, acrescentou, «o per-dão de Deus chega até nós com for-ça, contanto que perdoemos os ou-tros». Mas, advertiu Francisco, «istonão é fácil porque o rancor faz umninho no nosso coração e permaneceaquela amargura». De facto «muitasvezes trazemos em nós a lista do quenos fizeram: fez-me aquilo, fez-meisto». Sem perdoar.

«Um confessor — prosseguiu oPontífice partilhando outra recorda-ção — disse-me certa vez que se sen-tiu em dificuldade quando foi admi-nistrar os sacramentos a uma idosaque estava para morrer. Confessouos seus pecados e até contou histó-rias de família. E o sacerdote disse:

“Mas a Senhora perdoa estes fami-l i a re s ? ” — “Não, não perdoo”». Amulher, afirmou o Papa, estava«apegada ao ódio, o diabo tinha-aacorrentado àquele ódio». E destaforma «aquela idosa — idosa! — queestava para morrer dizia: “não per-do o”». O confessor, disse Francisco,procurou falar-lhe de Jesus, que erabom e ela respondia que sim, erabom e assim falando, falando, disse-lhe: “Mas a senhora acredita que Je-sus é bom?” — “sim, sim”». E o con-fessor «concedeu a absolvição, maso ódio escravizava-a».

«Perdoo-te, contanto que perdoesos outros: estas são as duas situaçõesque nos ajudarão a compreender ocaminho do perdão» concluiu oPontífice. E depois devemos «glori-ficar Deus: “Sois grande, Senhor,concedestes-me muitas graças, masinfelizmente pequei. Perdoai-me” —“Sim, perdoo-te, setenta vezes sete,contanto que perdoes os outros”».Que «o Senhor — acrescentou — nosfaça entender tudo isto».

«Não tenhais uma ideia demasiadoelevada de vós mesmos»: sobre estachamada à humildade cristã autênti-ca, entendida como verdade, o padreRaniero Cantalamessa centrou a ter-ceira pregação de Quaresma, na ma-nhã de sexta-feira 9 de março, naCapela Redemptoris Mater, na pre-sença do Papa.

O pregador da Casa pontifícia ob-servou imediatamente que na cartaaos Romanos (12, 3.16), sobre a qualbaseou a meditação, Paulo não seperde em «simples recomendações àmoderação e à modéstia» mas «abrediante de nós o amplo horizonte dahumildade», porque «ao lado da ca-ridade indica a humildade como se-gundo valor fundamental, a segundadireção na qual se deve trabalhar pa-ra renovar, no Espírito, a própria vi-da e edificar a comunidade».

O apóstolo, explicou o religioso,indica «a presunção da mente e aambição da vontade». Na realidade,«o conceito decisivo que Paulo in-troduz no discurso centrado sobre ahumildade é o conceito de verdade:Deus ama o humilde porque o hu-

milde está na verdade; é um homemverdadeiro, autêntico». E «pune asoberba, porque a soberba, antes deser arrogância, é mentira: com efeito,tudo aquilo que, no homem, não éhumildade, é mentira».

A palavra usada por Paulo, sem-pre na carta aos Romanos, «para in-dicar a humildade-verdade é a pala-vra sobriedade ou sabedoria». E as-sim «exorta os cristãos a não formu-larem uma ideia errada e exageradade si mesmos, mas antes a fazeremde si uma avaliação justa, sóbria, po-deríamos quase dizer, objetiva».«Humilhando-se o homem aproxi-ma-se da verdade», afirmou o prega-d o r.

Outra frase paulina diz: «Porque,se alguém cuida ser alguma coisa,não sendo nada, engana-se a si mes-mo» (Gl 6, 3). Portanto, afirmou opregador, «a justa avaliação de nósmesmos é reconhecer o nosso nada».Ou melhor, «somos um nada sober-bo: eu sou aquele alguém que “p en-sa que é algo” mas, ao contrário, sou“nada”. E esta, admoestou, «não é asituação de alguns, mas uma miséria

de todos. É a própria definição dohomem velho: um nada que pensaque é alguma coisa, um nada sober-b o».

A sugestão espiritual concreta éviver o «sentimento de ser um nada,e um nada soberbo, e não ver os de-feitos do próximo ou vê-los noutraluz; compreende-se que é possível,com a graça e com a prática, realizaraquilo que o apóstolo diz e que pa-rece, à primeira vista, excessivo, ouseja, considerar os outros superioresa si». Por conseguinte, trata-se de«se fechar ao egoísmo e não noegoísmo» para obter a «vitória sobreum dos males que até a modernapsicologia julga nociva para a pessoahumana: o narcisismo».

«A luta da humildade — afirmouo padre Cantalamessa — dura a vidainteira e abrange todos os aspetos

da vida: o orgulho é capaz de se ali-mentar tanto do mal como do beme, por conseguinte, de sobreviver emqualquer situação e “clima”, aliás, aocontrário do que acontece com qual-quer outro vício, o bem, não o mal,é o terreno de cultura preferido des-te terrível vírus».

Mas «com a graça podemos sairvencedores até desta batalha tremen-da». Além disso, «a humildade nãoé só importante para o progressopessoal no caminho da santidademas é essencial também para o bomfuncionamento da vida de comuni-dade, para a edificação da Igreja».Deveras «a humildade é o isolantena vida da Igreja, a qual permiteque a corrente divina da graça passeatravés de uma pessoa sem se dissi-par, ou pior, sem causar impetuosi-dades de orgulho e de rivalidade».

página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 15 de março de 2018, número 11

Fa l e c e uo cardeal Karl Lehmann

Bispo emérito de MainzO cardeal Karl Lehmann, bispo emérito de Mainz, na Alemanha, faleceu na ma-drugada de 11 de março, devido às consequências de um Avc e de uma hemorra-gia cerebral. Enfermo há tempos, as suas condições agravaram-se a partir de se-tembro passado, a ponto que o seu sucessor em Mainz, D. Peter Kohlgraf, tinhapedido aos fiéis para rezar pelo seu pastor emérito. Tendo nascido a 16 de maiode 1936 em Sigmaringen, arquidiocese de Freiburg und Breisgau, Lehmann foiordenado sacerdote a 10 de outubro de 1963. Nomeado bispo de Mainz em 21 dejunho de 1983, recebeu a ordenação episcopal no dia 2 de outubro seguinte. JoãoPaulo II criou-o e publicou-o cardeal do título de São Leão I no consistório de 21de fevereiro de 2001. A 16 de maio de 2016 renunciou ao governo pastoral dadiocese. As exéquias serão celebradas na tarde de 21 de março, na catedral deMa i n z .

académico e começar a tese de habi-litação sobre o tema O Deus escondi-do e o conceito de Revelação.

Em 1968 venceu a cátedra de dog-mática da faculdade de teologia ca-tólica da Universidade JohannesGutenberg em Mainz. Depois, em1969, tornou-se membro do círculodo trabalho ecuménico dos teólogosevangélicos e católicos (Jaeger-Stäh-lin-Kreis) e, a partir de 1975, tam-bém consultor científico da parte ca-tólica para depois se tornar presi-dente, em 1989.

Desde 1971 coeditor da revista in-ternacional Communio, de 1969 a1983 foi membro do Comité centraldos católicos alemães (ZDK), e de1971 a 1983 desempenhou o cargo deprofessor de dogmática e de teologiaecuménica na faculdade de teologiacatólica na Albert Ludwigs-Universi-tät de Freiburg. Além disso, em 1974tornou-se membro da Comissão teo-lógica internacional. De 1975 a 1978foi curador responsável da ediçãooficial dos documentos do Sínodoordinário das dioceses na RepúblicaFederal alemã, realizado em Würz-burg (1971-1975).

Em 1979 foi eleito prelado de hon-ra de Sua Santidade e a 23 de junhode 1983, nomeado bispo de Mainz.Quem lhe conferiu a ordenação epis-copal, no dia 2 de outubro seguinte,foi o cardeal Hermann Volk. Comolema episcopal, escolheu o “State infide”, “Permanecei firmes na fé”, umaexpressão de São Paulo na PrimeiraCarta aos Coríntios (16, 13), que lheera particularmente querida.

Em 1984, no sulco do seu compro-misso ecuménico, tornou-se membrodo círculo para o diálogo entre re-presentantes da Conferência episco-pal alemã e do Conselho da Igrejaevangélica da Alemanha. Em segui-da, de março de 1986 a 1988, foi pri-meiro membro e depois presidentepara a parte católica do Diálogoevangélico luterano-católico romanoentre a Federação luterana mundiale o Pontifício conselho para a pro-moção da unidade dos cristãos.

Confirmando o seu papel de pri-meiro plano na vida eclesial não sóalemã, de 1993 a 2001 foi vice-presi-dente do Conselho das conferênciasepiscopais europeias (CCEE). Alémde ter participado em vários sínodos,desempenhando em 1991 a função desecretário extraordinário da Assem-bleia especial para a Europa, no âm-bito da Cúria romana foi membroda Congregação para a doutrina dafé, da Congregação para os bispos,da Congregação para as Igrejas

orientais e do Pontifício conselhopara as comunicações sociais.

Além disso, recebeu numerosas eprestigiosas honorificências, inclusivea grande Cruz (Grosses Verdienstkreuzmit Stern und Schulterband) ao méri-to da República federal alemã, e di-versas licenciaturas ad honorem: e n t reoutras, das Universidades austríacasde Innsbrück e de Graz, da CatholicUniversity de Washington, da Uni-versidade irlandesa de Saint Patricke da Universidade católica de Wars-zawa. Em 1991 foi incluído na Aca-demia europeia das ciências, e em1994 recebeu o prémio Karl Barth daIgreja evangélica da união e em 1996o prémio Cardeal Döpfner da parteda Academia católica na Baviera.São numerosíssimas as suas publica-ções e as suas prestigiosas contribui-ções teológicas: é autor de mais dequatro mil monografias e artigos, e asua biblioteca pessoal conta mais decem mil volumes.

Por vinte e um anos presidente daConferência episcopal alemã — eleitoquatro vezes: em 1987, 1993, 1999 e2005 — Karl Lehmann tinha escolhi-do como lema episcopal “Pe r m a n e -cei firmes na fé”, pondo-o em práti-ca fielmente, quer nos seus aprofun-dados estudos teológicos, quer naação pastoral, prestando atenção es-pecial aos pobres e às questões cru-ciais da vida das famílias. Nestas ho-ras de pesar unânime na Alemanha,ao cardeal Lehmann é reconhecidosobretudo um papel saliente — con-firmado pela chanceler Angela Mer-kel na sua mensagem — no diálogoecuménico com os luteranos: a 31 deoutubro de 2016 foi o primeiro cató-lico que recebeu a Martin LutherMedal, o mais alto reconhecimentoda comunidade luterana alemã. Gra-tidão e apreço pelo seu compromissoa favor do diálogo e da pacificaçãodo velho continente foram expressostambém pelo presidente da Comis-são europeia, Jean-Claude Juncker.

Filho de um professor, em 1956 re-cebeu o diploma no liceu estatal dasua cidade natal, e depois estudoufilosofia e teologia na AlbertLudwigs-Universität em Freiburg.Em 1957 chegou a Roma para fre-quentar o Pontifício Colégio Germa-no-Húngaro e até 1964 estudou filo-sofia — formando-se com uma tesesobre “Orígenes e o sentido da ques-tão do ser no pensamento de MartinHeidegger” — e depois teologia naPontifícia Universidade Gregoriana.Precisamente em Roma, a 10 de ou-tubro de 1963, foi ordenado sacerdo-te pelo cardeal Julius Döpfner.

Naquele período teve a oportuni-dade de viver o clima do ConcílioVaticano II. Além disso, de 1964 a1967 foi assistente do jesuíta KarlRahner no âmbito do seminário so-bre a visão cristã do mundo e a filo-sofia da religião, na faculdade de fi-losofia da Ludwig Maximilians-Uni-versität de München.

Depois, em 1967, formou-se emteologia, ainda na Gregoriana, coma tese Ressuscitado no terceiro dia se-gundo as Escrituras. Estudos exegéticose teológicos sobre a Primeira Carta aosCoríntios, 15, 3b-5. Após a licenciatu-ra, retomou o seu trabalho de assis-tente de Rahner para a cátedra dedogmática e de história dos dogmasna faculdade de teologia católica daWestfälischen Wilhelms-Universitätde Münster e, sucessivamente, rece-beu uma bolsa de estudo para a ha-bilitação da Deutschen Forschun-gsgemeinschaf. O arcebispo de Frei-burg dispensou-o da função pastoralpara lhe permitir seguir o caminho

Pe s a rdo Santo Padre

Ao receber a notícia, o PapaFrancisco enviou a D. PeterKohlgraf, sucessor do cardealLehmann na diocese de Mainz, oseguinte telegrama de condolências.

Foi com pesar que tomei conheci-mento da morte do Eminentíssi-mo Cardeal Karl Lehmann. Ex-primo a Vossa Excelência e aosfiéis da Diocese de Mainz osmeus sentidos pêsames, garantin-do a minha oração pelo saudosoPurpurado, que o Senhor chamoua si depois da grave doença e so-frimento. Na sua longa atividadede teólogo e Bispo, assim comode Presidente da ConferênciaEpiscopal Alemã, contribuiu paraplasmar a vida da Igreja e da so-ciedade. Preocupou-se semprecom a abertura às questões e aosdesafios do tempo e em oferecerrespostas e orientações a partir damensagem de Cristo, para acom-panhar as pessoas ao longo docaminho, procurando o que unepara além dos confins das confis-sões, convicções e Estados. Jesus,Bom Pastor, conceda ao seu servofiel o cumprimento e a plenitudeda vida no seu Reino celestial.Concedo de coração a BênçãoApostólica a Vossa Excelência e aquantos choram e recordam naoração o saudoso Cardeal.

FRANCISCO

Audiência ao chancelerda República federal austríaca

Na manhã de 5 de março, o Papa recebeu em audiência, no Palácio apos-tólico do Vaticano, o chanceler da República da Áustria, Sebastian Kurz,o qual sucessivamente se encontrou com o cardeal Pietro Parolin, secretá-rio de Estado, acompanhado por monsenhor Antoine Camilleri, subsecre-tário para as relações com os Estados.

Durante os cordiais colóquios foram mencionadas as boas relações bila-terais e a colaboração frutuosa existentes entre a Santa Sé e a Áustria, fri-sando a importância da tutela da vida e da família e da promoção dobem comum da sociedade, sobretudo no que diz respeito às camadasmais débeis da população. Prosseguindo o encontro, foram comentados ocontributo do país no seio da União Europeia e a necessidade da solida-riedade entre os povos. Por fim, foram tratados alguns temas de atualida-de internacional, entre os quais a paz, o desarmamento nuclear e as mi-grações.

número 11, quinta-feira 15 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiências particulares:

No dia 8 de marçoD. Luis Francisco Ladaria Ferrer, Prefeito daCongregação para a Doutrina da Fé; e os seguin-tes Prelados de rito latino das regiões árabes, emvisita «ad limina Apostolorum»: D. PierbattistaPizzaballa, Administrador Apostólico «sede va-cante» do Patriarcado de Jerusalém dos Latinos,com os Auxiliares D. Giacinto-Boulos Marcuzzo,Bispo para Israel, e D. William Hanna Shomali,Bispo para a Jordânia, e com os Sacerdotes Han-na Kaldani, Vigário Patriarcal para Israel, JerzyKraj, O.F.M., Vigário Patriarcal para Chipre, e Da-vid Neuhaus, S.I., Vigário Patriarcal Emérito paraos fiéis católicos de expressão hebraica; D. JeanBenjamin Sleiman, Arcebispo de Bagdad dos La-tinos (Iraque); D. Giorgio Bertin, Bispo de Dji-buti (República do Djibuti), Administrador Apos-tólico «ad nutum Sanctae Sedis» de Mogadíscio;D. Paul Hinder, Vigário Apostólico da Arábia doSul (Emirados Árabes Unidos); D. Camillo Bal-lin, Vigário Apostólico da Arábia do Norte (Bah-rein); D. Georges Abou Khazen, Vigário Apostó-lico de Alepo (Síria); D. Adel Zaki, Vigário Apos-tólico de Alexandria (Egito); e D. Cesar Essayan,Vigário Apostólico de Beirute (Líbano).

No dia 9 de marçoO Senhor Cardeal Baltazar Enrique Porras Car-dozo, Arcebispo de Mérida (Venezuela); e D. An-drés Carrascosa Coso, Arcebispo Titular de Elo,Núncio Apostólico no Equador.

No dia 10 de marçoO Senhor Cardeal Marc Ouellet, Prefeito daCongregação para os Bispos; — Cyprian KizitoLwanga, Arcivescovo di Kampala (Uganda); D.Gustavo Óscar Zanchetta, Assessor da Adminis-tração do Património da Sé Apostólica, com oR e v. mo Mons. Brian Edwin Ferme, Secretário doConselho para a Economia; e o Senhor CardealLeopoldo José Brenes Solórzano, Arcebispo deManágua (Nicarágua).

No dia 12 de marçoD. Juan Rubén Martínez, Bispo de Posadas (Ar-gentina); D. Bruno Musarò, Arcebispo Titular deAbari, Núncio Apostólico na República Árabe doEgito, Delegado da Santa Sé junto da Liga dosEstados Árabes; e D. Han Lim Moon, Bispo Au-xiliar da Diocese de San Martín (Argentina).Irmão Alois, Prior de Taizé.A Senhora Bernice Albertine King.Na parte da tarde: os Senhores Cardeais Jean-Louis Tauran, Presidente do Pontifício Conselhopara o Diálogo Inter-Religioso; e Gualtiero Bas-setti, Arcebispo de Perugia — Città della Pieve,Presidente da Conferência Episcopal Italiana.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 9 de marçoDe D. Slobodan Štambuk, ao governo pastoralda Diocese de Hvar (Croácia).

A 12 de marçoDe D. Mário Lukunde, ao governo pastoral daDiocese de Menongue (Angola).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 8 de marçoNúncio Apostólico na Geórgia, D. José AvelinoBettencourt, Arcebispo Titular de Aemona, atual-mente Núncio Apostólico na Arménia.

No dia 9 de marçoNúncio Apostólico no Suriname, D. FortunatusNwachukwu, Arcebispo titular de Aquaviva,atualmente Núncio Apostólico em Trindade e To-bago, Antígua e Barbuda, Barbados, Dominica,Jamaica, São Cristóvão e Nevis, São Vicente eGranadine, República Cooperativista da Guiana,Santa Lúcia, Granada e Bahamas, e DelegadoApostólico nas Antilhas.Bispo de Hvar (Croácia), o Rev.do Pe. Petar Palić,do clero da Diocese de Dubrovnik, até agora Se-cretário-Geral da Conferência Episcopal Croata.

D. Petar Palić nasceu a 3 de julho de 1972 emPristina, no Kosovo, e foi ordenado Presbítero no dia1 de junho de 1996.

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Bordeaux(França), D. Jean-Marie Le Vert, até à presentedata Bispo Emérito de Quimper et Léon, simulta-neamente eleito Titular de Briançonnet.

No dia 10 de marçoBispo Prelado Coadjutor da Prelazia Territorialde Humahuaca (Argentina), o Rev.do Pe. Floren-cio Félix Paredes Cruz, C.R.L., até esta data Páro-co da Paróquia de Nuestra Señora de Belén, namesma Circunscrição Eclesiástica.

D. Florencio Félix Paredes Cruz, C.R.L., nasceuno dia 28 de outubro de 1961 em Selochea, na Bolí-via, e recebeu a Ordenação presbiteral a 1 de fevereirode 1995.

No dia 12 de marçoBispo de Kabankalan, nas Filipinas, o Rev.mo

Mons. Louie Patalinghug Galbines, do clero daDiocese de Bacolod, até à presente data Vigário-Geral da mesma Sede.

D. Louie Patalinghug Galbines nasceu em Aliwa-nag, Sagay, Negros Occidental (Filipinas), e foi orde-nado Sacerdote no dia 29 de abril de 1994.

Disposições especiais

Sua Santidade estabeleceu:

A 8 de marçoQue a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispospara a Região Pan-Amazônica, que se realizará nomês de outubro de 2019, terá o seguinte tema«Amazônia: novos caminhos para a Igreja e parauma ecologia integral», nomeando os Membrosdo Conselho pré-sinodal, que colaborará com aSecretaria Geral na preparação da mencionadaAssembleia Especial: os Senhores Cardeais Cláu-dio Hummes, O.F.M., Arcebispo Emérito de SãoPaulo (Brasil), Presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica; Peter Kodwo Appiah Turkson, Prefei-to do Dicastério para o Serviço do Desenvolvi-mento Humano Integral; e Carlos Aguiar Retes,Arcebispo de México (México); D. Pedro RicardoBarreto Jimeno, S.I., Arcebispo de Huancayo (Pe-ru), Vice-Presidente da Rede Eclesial Pan-Amazô-nica; D. Paul Richard Gallagher, Secretário paraas Relações com os Estados; D. Edmundo Pon-ciano Valenzuela Mellid, Arcebispo de Assunção(Paraguai); D. Roque Paloschi, Arcebispo de Por-to Velho, Rondônia (Brasil); D. Óscar VicenteOjea, Bispo de San Isidro, Presidente da Confe-rência Episcopal (Argentina); D. Neri José Ton-dello, Bispo de Juína, Mato Grosso (Brasil); D.Karel Martinus Choennie, Bispo de Paramaribo(Suriname); D. Erwin Kräutler, C.P P.S., Bispo Pre-lado Emérito de Xingu, Pará (Brasil); D. José Án-gel Divassón Cilveti, S.D.B., ex-Vigário Apostólicode Puerto Ayacucho (Venezuela); D. Rafael CobGarcía, Vigário Apostólico de Puyo (Equador);D. Eugenio Coter, Vigário Apostólico de Pando(Bolívia); D. Joaquín Humberto Pinzón Güiza,I.M.C., Vigário Apostólico de Puerto Leguízamo —Solano (Colômbia); D. David Martínez de Aguir-re Guinea, O.P., Vigário Apostólico de PuertoMaldonado (Peru); Ir. María Irene Lopes dosSantos, S.C.M.S.T.B.G., Delegada da Confederação

Latino-Americana e Caribenha de Religiosos eReligiosas (CLAR); e o Sr. Mauricio López, Secre-tário Executivo da R E PA M (Equador).

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 1 de marçoD. Jean-Guy Hamelin, Bispo Emérito de Rouyn-Noranda, no Canadá.

O venerando Prelado nasceu no dia 8 de outubrode 1925 em St-Sévérin-de-Proulxville (Canadá). Foiordenado Presbítero a 11 de junho de 1949 e recebeua Ordenação episcopal em 9 de fevereiro de 1974.

No dia 5 de marçoD. Tomas Aguon Camacho, Bispo Emérito deChalan Kanoa, nas Ilhas Marianas do Norte.

O venerando Prelado nasceu em Chalan Kanoa(Ilhas Marianas do Norte), no dia 18 de setembrode 1933. Recebeu a Ordenação sacerdotal a 14 dejunho de 1961 e foi ordenado Bispo em 13 de janeirode 1985.

No dia 6 de marçoD. Paul Bùi Văn Ðoc, Arcebispo de Hô Chi Mi-nh City, no Vietname.

O ilustre Prelado nasceu em Ðà Lat (Vietname),a 11 de novembro de 1944. Foi ordenado Sacerdoteno dia 17 de dezembro de 1970 e recebeu a Ordena-ção episcopal em 20 de maio de 1999.

No dia 7 de marçoD. Werner Radspieler, Bispo Auxiliar Emérito deBamberg, na Alemanha.

O saudoso Prelado nasceu em Nürnberg (Alema-nha), no dia 13 de agosto de 1938. Recebeu a Orde-nação presbiteral a 8 de março de 1964 e foi ordena-do Bispo em 21 de dezembro de 1986.

No dia 9 de marçoD. Elías Yanes Álvarez, Arcebispo Emérito de Za-ragoza (Espanha).

O venerando Prelado nasceu a 16 de fevereiro de1928, em Mazo, na Espanha. Foi ordenado Sacerdo-te em 31 de maio de 1952 e recebeu a Ordenaçãoepiscopal no dia 28 de novembro de 1970.

No dia 10 de marçoD. Roch Pedneualt, Bispo Auxiliar Emérito deChicoutimi, no Canadá.

O venerando Prelado nasceu a 10 de abril de1927, em Saint-Joseph-d’Alma (Canadá). Foi orde-nado Sacerdote no dia 8 de fevereiro de 1953 e rece-beu a Ordenação episcopal em 29 de junho de 1974.

No dia 11 de marçoD. Jean Damascène Bimenyimana, Bispo deCyangugu (Ruanda).

O saudoso Prelado nasceu em Shangi, no Ruanda,a 22 de junho de 1953. Foi ordenado Presbítero nodia 6 de julho de 1980 e recebeu a Ordenação epis-copal em 16 de março de 1997.

Início de Missãode Núncios Apostólicos

D. Mirosław Adamczyk, Arcebispo Titular deOtriculum, no Panamá (20 de novembro de2017).D. Savio Hon Tai-Fai, S.D.B., Arcebispo Titularde Sila, na Grécia (22 de novembro de 2017).D. Piero Pioppo, Arcebispo Titular de Torcello,na Indonésia (17 de janeiro).D. James Patrick Green, Arcebispo Titular de Al-tinum, na Noruega (25 de janeiro).

página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 15 de março de 2018, número 11

Como rezava JesusNa audiência geral o Papa falou do Pai-Nosso

«Quando recitamos o Pai-Nosso,rezamos como Jesus», recordou o PapaFrancisco aos fiéis reunidos na praçade São Pedro para a audiência geralde quarta-feira, 14 de março. Noâmbito das catequeses dedicadas àmissa, o Pontífice continuou a reflexãosobre a liturgia eucarística.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!Continuemos com a Catequese sobrea Santa Missa. Na última Ceia, de-pois de ter tomado o pão e o cálicedo vinho, e de ter dado graças aDeus, sabemos que Jesus «partiu opão». A esta ação corresponde, naLiturgia eucarística da Missa, a f ra -ção do Pão, precedida pela oraçãoque o Senhor nos ensinou, ou seja, o“Pa i - N o s s o ”.

E assim começam os ritos de Co-munhão, prolongando o louvor e asúplica da Oração eucarística com arecitação comunitária do “Pai-Nos-so”. Esta não é uma das tantas ora-ções cristãs, mas é a oração dos fi-lhos de Deus: é a grande oração que

Jesus nos ensinou. Com efeito, en-tregue a nós no dia do nosso Batis-mo, o “Pa i - N o s s o ” faz ressoar emnós os mesmos sentimentos de JesusCristo. Quando rezamos o “Pa i - N o s -so”, oramos como Jesus. Foi a ora-ção que Jesus proferiu e que nos en-sinou; quando os discípulos lhe dis-seram: “Mestre, ensina-nos a rezarcomo tu rezas”. E Jesus rezava destemodo. É tão bonito rezar como Je-sus! Formados pelo seu divino ensi-namento, ousamos dirigir-nos aDeus chamando-o “Pa i ” porque re-nascemos como seus filhos atravésda água e do Espírito Santo (cf. Ef1, 5). Na verdade, ninguém poderiachamá-lo familiarmente “Ab b á ” —“Pa i ” — sem ter sido gerado porDeus, sem a inspiração do Espírito,como ensina São Paulo (cf. Rm 8,15). Devemos pensar: ninguém podechamá-lo “Pa i ” sem a inspiração doEspírito. Quantas vezes as pessoasdizem “Pai Nosso”, mas não sabemo que estão a dizer. Porque sim, é oPai, mas será que quando dizes“Pa i ” sentes que Ele é o Pai, o teuPai, o Pai da humanidade, o Pai deJesus Cristo? Tens uma relação comeste Pai? Quando rezamos o “Pa i -Nosso”, entramos em relação com oPai que nos ama, mas é o Espíritoquem nos confere esta relação, estesentimento de sermos filhos deD eus.

Que oração melhor do que aquelaque Jesus nos ensinou pode predis-por-nos para a Comunhão sacra-mental com Ele? Além da Missa, o“Pa i - N o s s o ” é rezado, durante a ma-nhã e à noite, nas Laudes e nas Vés-peras; deste modo, a atitude filialem relação a Deus e de fraternidadepara com o próximo contribuem pa-ra dar forma cristã aos nossos dias.

Na Oração do Senhor — no “Pa i -Nosso” — pedimos o «pão de cadadia», no qual entrevemos uma espe-cial referência ao Pão eucarístico, doqual necessitamos para viver comofilhos de Deus. Imploramos também«o perdão dos nossos pecados», epara sermos dignos de receber operdão de Deus comprometemo-nosa perdoar a quem nos tem ofendido.E isto não é fácil. Perdoar as pessoasque nos ofenderam não é fácil; éuma graça que devemos pedir: “Se-nhor, ensina-me a perdoar como tume perdoaste”. É uma graça. Comas nossas forças não podemos: per-

doar é uma graça do Espírito Santo.Assim, enquanto nos abre o coraçãoa Deus, o “Pa i - N o s s o ” dispõe-nostambém ao amor fraterno. Por fim,peçamos ainda a Deus para «nos li-bertar do mal» que nos separa d’Elee nos divide dos nossos irmãos.Compreendemos bem que estas sãoexigências muito adequadas paranos prepararmos para a Sagrada Co-munhão (cf. Ordenamento Geral doMissal Romano, 81).

Com efeito, quanto pedimos no“Pa i - N o s s o ” é prolongado pela ora-ção do sacerdote que, em nome detodos, suplica: «Livrai-nos de todosos males, ó Pai, e dai-nos hoje a vos-sa paz». E depois recebe uma espé-cie de selo no rito da paz: em pri-meiro lugar, invoca-se de Cristo queo dom da sua paz (cf. Jo 14, 27) —tão diferente da paz do mundo — fa-ça crescer a Igreja na unidade e napaz, segundo a sua vontade; portan-to, com o gesto concreto trocado en-tre nós, expressamos «a comunhãoeclesial e o amor recíproco, antes dereceber o Sacramento» (OGMR, 82).No Rito romano a troca do sinal depaz, colocado desde a antiguidadeantes da Comunhão, visa a Comu-nhão eucarística. Segundo a ad-moestação de São Paulo, não é pos-sível comungar o único Pão que nostorna um só Corpo em Cristo, semnos reconhecermos pacificados peloamor fraterno (cf. 1 Cor 10, 16-17; 11,29). A paz de Cristo não pode enrai-zar-se num coração incapaz de vivera fraternidade e de a reparar depoisde a ter ferido. É o Senhor quemconcede a paz: Ele dá-nos a graçade perdoar a quem nos tem ofendi-do.

O gesto da paz é seguido pela f ra -ção do Pão, que desde o tempo dosapóstolos conferiu o nome a toda acelebração da Eucaristia (cf. OGMR,83; Catecismo da Igreja Católica,1329). Cumprido por Jesus durantela última Ceia, partir o Pão é o ges-to revelador que permitiu aos discí-pulos reconhecê-lo depois da suaressurreição. Recordemos os discípu-los de Emaús, os quais, falando doencontro com o Ressuscitado, nar-ram «como o tinham reconhecido aopartir o pão» (cf. Lc 24, 30-31.35).

A fração do Pão eucarístico éacompanhada pela invocação do«Cordeiro de Deus», figura com aqual João Batista indicou em Jesus«aquele que tira o pecado do mun-do» (Jo 1, 29). A imagem bíblica docordeiro fala da redenção (cf. Êx 12,1-14; Is 53, 7; 1 Pd 1, 19; Ap 7, 14).No Pão eucarístico, partido pela vi-da do mundo, a assembleia orantereconhece o verdadeiro Cordeiro deDeus, ou seja, Cristo Redentor, e su-plica-o: «Tende piedade de nós...dai-nos a paz».

«Tende piedade de nós», «dai-nosa paz» são invocações que, da ora-ção do “Pa i - N o s s o ” à fração do Pão,nos ajudam a predispor a alma aparticipar no banquete eucarístico,fonte de comunhão com Deus e comos irmãos.

Não nos esqueçamos da grandeoração: a que Jesus nos ensinou, eque é a oração com a qual Ele reza-va ao Pai. E esta oração prepara-nospara a Comunhão.

No final o Santo Padre proferiu, entreoutras, as seguintes expressões.

Saúdo os peregrinos de língua por-tuguesa, com menção particular dosfiéis das Lages do Pico e Coimbra.Faço votos que este encontro vosajude a renovar nas vossas comuni-dades o compromisso de serdes ins-trumentos de misericórdia e paz, co-mo nos inspira a oração do Pai-Nos-so. Que Deus vos abençoe!

Dirijo um pensamento especialaos jovens, aos idosos, aos doentes eaos recém-casados. Caros amigos,Cristo prometeu permanecer sempreconnosco e manifesta de muitas for-mas a sua presença. A cada um cabea tarefa responsável e corajosa deanunciar e testemunhar o seu amorque nos sustenta em todas as oca-siões da vida. Portanto, não vos can-seis de vos confiardes a Cristo e dedifundir em toda a parte o seuEvangelho.

A uma delegação taoista de Taipé

Crescer no diálogoCrescer no diálogo: eis os auspícios expressos pelo Papa Francisco aoencontrar-se antes da audiência geral de quarta-feira, no pequeno gabinete daSala Nervi, com uma delegação taoista do Bao’an temple de Taipé, Taiwan.

Agradeço-vos muito a vossa visita e as vossas palavras. Estou feliz por es-te trabalho conjunto com o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Re-ligioso. É um diálogo não apenas de ideias, é um diálogo humano, depessoa a pessoa, que ajuda todos a crescer, crescer como pessoas, no nos-so caminho de busca do absoluto, de Deus. Muito obrigado, obrigadopela boa vontade. Obrigado pela visita e obrigado pelo convite a visitarTaiwan. Aprecio muito isto.

Que o Senhor vos abençoe a todos, and pray for me.

Mustafáe os seus amigos

Mustafá tem seis anos e fugiu daSíria depois que o seu irmão foibrutalmente degolado diante dosseus olhos: na audiência geralsubiu ao jipe do Papa,juntamente com outras seiscrianças sírias e eritreias. «Écomo um sonho, estou muitofeliz», são as únicas palavras querepete Mustafá. Com um sorriso.As mesmas palavras e os mesmossorrisos de Mohamed, Abud,Degyat, Kosei, Mauohamed e dapequena Sanon: todos hóspedesda cooperativa Auxilium nocentro «Mondo Migliore», que seencontra perto de Roma. Napraça o Papa abraçou também«cinquenta eritreus, somalís esírios requerentes de asilo, quevieram da Líbia graças aoprimeiro corredor humanitárioorganizado pelo governo italiano,em colaboração com aconferência episcopal, a 22 dedezembro passado», explicou ofundador de Auxilium, AngeloChiorazzo. As vinte e setecrianças presentes trouxeram aoPapa cartas e desenhos para lhecontar as suas histórias e as suasesp eranças.