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ApresentAção dA disciplinA
Ao iniciar os estudos sobre a formação da sociedade brasileira, torna-se imprescindível
considerar que antes de os povos europeus tomarem conhecimento oficial das terras e de suas
populações, inúmeros grupos humanos já habitavam essas terras, promovendo uma relação
de interação com o meio, vivendo em harmonia com todas as riquezas ofertadas por essa
terra considerada o seu bem mais precioso. O nascimento do Brasil como território do além-
mar português insere-se nos quadros do que a historiografia europeia passou a denominar de
expansão marítima europeia, que alicerça o que os estudiosos definiram como modernidade.
É nesse contexto que se configura a gênese da sociedade brasileira.
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A u l a 1
PINDORAMA PASSA A SER O BRASIL
Caro(a) aluno(a),
É com imensa satisfação que oferecemos a você a possibilidade de
revisitar a história do Brasil de modo amplo, de forma que possa dialogar
com suas visões de mundo e, assim, construir novos aprendizados. Isso
lhe permitirá rever (ou romper com) algumas imagens tradicionais já
construídas sobre a formação do Brasil.
Nesse primeiro momento você irá navegar pelas primeiras impressões
registradas sobre o Brasil. Vale ressaltar que todo o território que constituiria
o Brasil era ocupado por diversos grupos humanos, possuidores de uma
cultura própria. Partindo das interações entre europeus e nativos, foi
produzido esse itinerário: começando com uma descrição dos grupos
humanos e do território, antes da presença europeia em terras brasileiras,
seguindo dos conflitos étnicos, do choque entre as diferentes culturas
no processo de colonização, e concluindo com as marcas deixadas pelo
Estado português no Brasil. Marcas que caracterizam até hoje a vida
cultural e social do povo brasileiro.
objetivos
· Revisitar as origens históricas do Brasil,
possibilitando a formação de novos olhares;
· Conhecer os elementos mais significativos da
vida dos primeiros habitantes do Pindorama;
· Perceber as diferentes tensões geradas pelo
choque cultural entre nativos e europeus;
· Compreender a formação do Estado brasileiro e
suas implicações na sociedade contemporânea.
Projeto TICs 3
objetivos
· Revisitar as origens históricas do Brasil,
possibilitando a formação de novos olhares;
01Tópico
Ao estudarmos alguns elementos da história europeia, mais precisamente
de alguns povos que dominaram a Península Ibérica, de onde se formaram
Portugal e Espanha, vê-se que os habitantes dessa região acreditavam que
no além-mar existiriam terras; isso entrava em contradição com o fato de não se ter
certeza da esfericidade da terra. O imaginário medieval que antecede a era das “grandes
navegações” está repleto de história de monstros e dos perigos que habitavam o fundo
do mar. Os povos celtas, que habitaram no além-Tejo, deixaram registros sobre uma
dessas terras do outro lado do Atlântico, a Terra Brasilis.
ANTES DE CABRAL
Figura 1: mapa da Terra Brasilis (Atlas Miller, 1519). Atualmente na Biblioteca Nacional da França.
O rio Tejo é o maior rio da Península Ibérica e um dos mais importantes rios de Portugal. Os celtas foram povos que habitaram parte do território português.
Saiba mais!
4 CLP
Nesse amplo conjunto de imagens do final dos tempos medievais, está a crença
na descoberta de uma terra diferente, que se assemelha ao paraíso, difundida por
meio do poder da Igreja, que figurava como principal instituição da época. Portugal
e Espanha, nações católicas, acreditavam que, ao dominarem o mundo, estariam
restabelecendo o reino de Deus na terra.
O sonho de chegar a um novo éden povoava a cabeça de milhares de pessoas na
Europa, que teriam no processo de expansão marítima europeia a resolução de graves
problemas que afetavam aquela região. Na chamada baixa Idade Média, a Europa
foi atormentada por problemas naturais (secas), doenças (peste) e falta de terras
férteis. Além disso, com o renascimento comercial, surgia a necessidade de criar rotas
alternativas em direção às Índias, já que o comércio era dominado pelas cidades de
Gênova e Veneza. É com a busca de novas rotas comerciais que as terras brasileiras
entrarão no rumo da História da Civilização Ocidental.
Mas, do lado de cá, como viviam essas pessoas,
que não estavam inseridas na ordem do crescente
capitalismo moderno, onde a crença na acumulação
de riquezas definia a tônica de todas as relações?
No Pindorama, conforme era chamado o Brasil
pelos portugueses, as populações que habitavam
a vastidão do território dedicavam suas vidas a
compreender o sentido da natureza.
Por exemplo, não havia objetos de uso sem que
eles próprios os produzissem. Tudo era confeccionado
de acordo com suas necessidades: das casas aos
utensílios pessoais – redes, equipamentos de uso doméstico, de defesa pessoal,
enfeites (objetos de beleza e requinte). Da natureza, além dos alimentos, era retirado
todo um conjunto de elementos utilizados na cura das doenças e no culto aos deuses
e aos ancestrais. Não havia linguagem escrita, tudo se baseava na oralidade.
O modo de vida dos nativos contrastava enormemente com os padrões de
comportamento dos europeus. Um dos elementos de maior destaque pode ser
observado a partir da percepção da sexualidade. Na visão europeia, imperava a
ótica do pecado, assentada nos pressupostos da teologia medieval, época em que a
sexualidade era negada como elemento natural de base instintiva. Para as populações
nativas, o sexo era algo natural e a visão sobre o corpo também era diferente. Os
nativos andavam nus, sem que isso implicasse atentado à moral e aos bons costumes,
como se pensava na Europa.
Conforme descreve Caminha, na carta de “achamento” do Brasil (1997), “as vergonhas
V e j a A n t e s de ser definido o nome oficial da terra, o Brasil recebeu as seguintes denominações: Ilha de Vera Cruz (1500), Terra Nova (1501), Terra dos Papagaios (1501) Terra de Santa Cruz (1503), Terra de Santa Cruz do Brasil (1505) e Terra do Brasil (1505). Os estudos contemporâneos de alguns historiadores sobre esse período defendem a importância de referir-se às terras brasileiras como América Portuguesa. Somente no século XIX, após a formação do estado, é que o Brasil passa a ser definido como uma unidade territorial e política, o que o levou a ser visto como “Estado Brasileiro”.
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Projeto TICs 5
ficavam desnudas”. Não havia sentimento de culpa,
de pecado, de negação dos sentimentos que
habitam a alma humana. Eram homens, mulheres
e crianças que estavam distantes do conhecido
mundo moderno ocidental, mas que viviam a
vida de forma intensa e, além do mais, estavam
mais preocupados com a natureza. Nesse aspecto,
já se pode perceber que essas pessoas punham
em prática os princípios que hoje caracterizam
a “sustentabilidade social” e a “responsabilidade
social”, embora o fizessem sem ter consciência disso.
Era por Pindorama que os nativos dos vários
grupos linguísticos conheciam a terra por eles
habitada. Muitos desses grupos, que viviam
em unidade tribal, rivalizavam-se contra outros
grupos. Em alguns deles havia verdadeiras legiões
de guerreiros muito corajosos. Segundo um dos
cronistas que visitaram o Brasil, nem mesmo
os guerreiros europeus mais insanos lutariam
contra essas legiões. Apesar de esses povos terem
habilidades como essas, é importante mencionar
que todas as suas características e práticas
culturais foram negadas. O elemento europeu
passou a promover o que, em termos históricos e
antropológicos, denomina-se etnocídio e genocídio.
É importante pensar que praticamente todo o
conjunto de conceitos com os quais se faz referência
às populações nativas foi construído sob o olhar do
europeu, daí figurar, para muitas pessoas, a ideia
de um nativo idealizado, um sujeito pertencente a
um momento distante da história do Brasil. Veja-se,
por exemplo, como foi construído o
conceito de “índio”:“O termo índio remonta à época das grandes navegações, durante as quais os europeus, tentando chegar ao oriente, aportaram no continente americano e
Tem sido comum em jornais e noticiários a abordagem de temas como “responsabilidade social” e “sustentabilidade”. Tais expressões são termos relativamente novos, e suas ações práticas ainda se encontram em construção. No início do século XX, houve na Europa os primeiros estudos falando sobre o tema da responsabilidade social. No mundo pós-guerra, as discussões ganham fôlego, pois anteriormente as empresas pensavam que responsabilidade social estava ligada a medidas socialistas. Na prática, a responsabilidade social está ligada a ações de promoção do bem-estar, desde os funcionários, passando pela comunidade e incluindo ações mais amplas, como algumas ligadas ao meio ambiente.
Já sustentabilidade é um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana.
Trata-se de um meio de configurar a civilização e as atividade humanas de tal forma que a sociedade, os seus membros e as suas economias possam preencher as suas necessidades e expressar o seu maior potencial no presente, e ao mesmo tempo preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, planejando e agindo de forma a atingir pró-eficiência na manutenção indefinida desses ideais.
A sustentabilidade abrange vários níveis de organização, desde a vizinhança local até o planeta inteiro.
Adaptado a partir de texto disponível em: http://www.sustentabilidade.org.br.
Guarde bem isso!
Por etnocídio, compreende-se todo o processo de extermínio cultural, de negação da cultura nativa e imposição da cultura europeia.
Por genocídio, compreende-se extermínio em massa, matança de seres humanos.
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passaram, equivocadamente, a chamar todos os povos de índios, por acreditar que eles faziam parte da população das Índias.Aos poucos, a palavra passou a ser usada de forma genérica, visando designar populações nativas existentes no Brasil e em outras regiões do planeta. Na Austrália, contudo, é empregado o termo aborígene. Estima-se que exista hoje no mundo pelo menos 5 mil povos indígenas, somando cerca de 350 milhões de pessoas.No Brasil há mais de duzentos desses povos. Eles reúnem cerca de 370 mil pessoas, aproximadamente 0,2% da população do país. Alguns estão ameaçados de extinção. Os Juma, por exemplo, da região do rio Purus, no Amazonas, resumiam-se, em 2002, a apenas cinco pessoas: um pai, três filhas e uma neta. Outros onze povos indígenas do Brasil (51%) não têm mais do que quinhentos integrantes. Apenas três deles – os Ticuna, os Guarani e os Kaigang – constam com mais de 25 mil homens, mulheres e crianças.”
Fonte: Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil. (Disponível em: http://200.170.199.245/pib/portugues/quonqua/quadro.asp. Acesso em 15dez. 2010.
Uma das fortes razões que levaram ao extermínio de índios brasileiros deve-se
às diferentes visões de mundo entre os eles e os europeus. Isso foi se agravando ao
longo do massacrante processo de colonização implementado nas terras brasileiras.
Ao se chocarem, os traços culturais que distinguem os diferentes povos causaram
uma verdadeira ebulição. Os europeus cobiçavam as riquezas destas terras, as quais
representavam, para os diferentes grupos que aqui habitavam, simples elementos
oferecidos pela natureza. Numa relação movida pela lógica do mercado, os europeus,
com as bênçãos da Igreja, exploraram a terra e todas as populações residentes. Dessa
forma foi construída a história do chamado “Novo Mundo”.
Projeto TICs 7
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02Tópico
CONFLITOS ÉTNICOS: NATIVOS E EUROPEUS
OBJETIVOConhecer os elementos mais significativos da vida dos primeiros habitantes do Pindorama.
Figura 2 - desembarque de Cabral em Porto Seguro. Oscar Pereira da Silva, 1904. Acervo do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro.
Embora a historiografia registre primeiro a presença de espanhóis nas terras
brasileiras, foram os portugueses quem realmente dominaram o país. Isso,
certamente, trouxe consequências até hoje observadas, como a língua oficial que
usamos atualmente, diferente da língua oficial falada por outros povos latino-
americanos. O fato de falarmos português e não espanhol representa uma das ações
portuguesas sobre as terras brasileiras, de modo que hoje se podem testemunhar as
marcas do povo português sobre o processo de formação da sociedade brasileira.
O processo hoje conhecido como colonização só se efetiva a partir da
terceira década do século XVI. Antes, esporadicamente, o Brasil recebeu visita
de expedições sem grande relevância. Nesse ínterim, Portugal se rendeu ao
comércio com as Índias, dando atenção ao Brasil no que se refere à exploração
do pau-brasil (Caesalpinia echinata), madeira de grande qualidade, de onde
se extraíam corantes utilizados para o tingimento de roupas na Europa. Nesse
primeiro momento, as únicas construções consistiam de feitorias construídas em
pontos estratégicos do litoral, as quais não constituíram núcleos de povoamento.
A ilustração a seguir evidencia o modo de extração do material, retirado
da mata atlântica brasileira. Na visão dos europeus, a exploração do homem
e da terra pode ser compreendida na perspectiva da acumulação de riquezas.
Projeto TICs 9
Figura 3 - derrubada do pau-brasil, em ilustração da Cosmografia Universal, de André Thevet, 1575.
Portugal não dispunha de meios para implementar a ocupação e exploração da
terra, e tal entrave foi resolvido por meio do uso da mão de obra indígena. Existiram
casos de contatos amistosos com os índios, nos quais o europeu buscou no “escambo”
um meio de troca vantajoso em relação a utilização do trabalho com o nativo.
Sobre as trocas entre os europeus e os nativos, comenta Jean de Lèri (1941, p. 19): “Em troca de algumas roupas, camisas de linho, chapéus, facas, machados, cunhas de ferro e demais ferramentas trazidos pelos franceses e outros europeus, (os índios) cortam, serram, racham, atoram e desbastam léguas de distância, por montes e sítios escabrosos...”.
Esse cronista francês esteve no Rio de Janeiro em 1557 e escreveu a obra Viagem
à terra do Brasil.
Tal produção, como as de Hans Staden (1557), Fernão Cardim (1925) e Gabriel
Soares de Sousa (1587), contribuiu para a formação de um ideário negativo do Brasil e
de seus habitantes. Nesse sentido, os europeus implementaram suas ações, tomando
por base a submissão dos nativos a sua necessidade de mão de obra nesse lado do
Atlântico.
Nesse quadro mercantilista, em que o Brasil se configurava como colônia de
exploração, houve o apressamento indiscriminado dos indígenas. A utilização da
nefasta prática do escravismo foi experimentada como forma de dominação dessas
populações, com claro objetivo de montar um sistema colonial no Brasil.
Entre os nativos, a prática do escravismo não logrou o êxito esperado. Os indígenas
estavam acostumados a um tipo próprio de vida, em que o trabalho é apenas um dos
elementos. Para esses povos, o sentido da vida estava em produzir somente o que
seria consumido, nunca armazenar e jamais provocar danos à mãe natureza.
Com o início da colonização, experimentaram-se formas de organização política
diferentes. A primeira delas foi a divisão em capitanias hereditárias, que não logrou
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êxito. Alguns donatários, como o do Ceará, sequer tomaram posse de sua capitania.
Objetivando centralização, a coroa portuguesa optou pela criação dos governos-
gerais.
No ano de 1549, chegou ao Brasil o primeiro governador geral: Duarte da Costa,
que criou em Salvador a primeira capital do Brasil. Na missão governamental, vieram
os primeiros jesuítas. Era o tempo da Contra-Reforma ou Reforma Católica, movimento
de conflito decorrente de questões religiosas, principalmente em virtude do avanço
do protestantismo. Daí criou-se uma organização militar e religiosa para divulgar as
doutrinas do cristianismo de Roma. Essa presença jesuítica no Brasil deixou marcas
indeléveis em nossa história.
Na difusão da catequese, a peça chave dos jesuítas foram os nativos, que em nome
de Deus e da Santa Igreja começaram a negar a
fé em seus deuses ancestrais e substituíram estes
por um deus europeu que eles não conheciam.
Os jesuítas aprenderam a língua dos nativos e
passaram a pregar usando esse idioma. Dessa
forma, instalava-se um quadro de etnocídio. Todos
os elementos significativos da vida cultural desses povos foram rechaçados: negação
dos deuses, perda da língua, mudança de hábitos (como o de uso de vestimentas,
pois, como já dissemos, a nudez, na visão cristã, era perniciosa, remetia ao pecado e
por isso deveria ser negada).
A mudança de hábitos alimentares e o contato com o outro fragilizaram o organismo
nativo, não acostumado a conviver com doenças e outras pestes trazidas pelos
colonizadores. A imposição cultural promovia o etnocídio; as doenças e o domínio
pela imposição das armas de fogo provocaram o genocídio dessas populações, ou
seja, o extermínio em massa desses povos que não tiveram como se defender de
tamanha forma de dominação.
A partir da visão dos conquistadores, os nativos ganharam inúmeros adjetivos
negativos, de preguiçosos a indolentes. Em sua prática colonialista, marcada por uma
visão mecanicista, em que a relação com a colônia se baseava no binômio “usar-gastar”,
o homem branco europeu desejava enriquecer com os frutos da terra, como tão bem
definiu Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1996). Além do colonizador,
os catequizadores se dedicaram a montar uma
empresa dentro da estrutura burocrática do
estado português em terras brasileiras. Os índios
não deviam ser escravizados pelos portugueses,
mas poderiam trabalhar e produzir riqueza para
os jesuítas, pois tal prática não se constituía
em pecado ou exploração; os nativos, que
V e j a U m f i l m e interessante que mostra a ação da Igreja (durante a Contra-Reforma) dominando os nativos e o conflito entre jesuítas e aprisionadores de índios é A Missão (Inglaterra, 1986).
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V e j a Durante t o d a a Idade Média e em parte da Idade Moderna, a Igreja Católica negociava o perdão dos pecados com os seus fiéis. Tal prática era denominada de indulgência, que significava o “perdão dos pecados”. O filme Lutero (Alemanha/EUA2003) aborda esse tema, um dos pontos que leva o monge a romper com a Igreja.
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Projeto TICs 11
inicialmente eram batizados e recebiam nomes europeus, poderiam trabalhar e,
dessa forma, garantir um terreno no céu.
Os diferentes povos foram obrigados a conviver com um “Estado” que já se
encontrava pronto e que chegara com as caravelas. Caracterizado por inúmeras
contradições, deixava no novo território suas práticas arcaicas, já consagradas em seu
berço e implementado no modo de vida das populações residentes, sem que hábitos
e costumes locais fossem levados em consideração. Reside aqui uma das faces mais
obscuras do colonialismo europeu nas terras do chamado novo mundo.
Nas terras do além-mar, onde muitos sonhavam com a compilação do paraíso,
configura-se um espaço de interesse das elites portuguesas, que por séculos usarão
e gastarão as riquezas desse paraíso de inúmeras formas. Reside aqui a gênese de
um povo que, por apresentar características que o fazem ser visto como portadores
de uma cultura peculiar, até hoje se configura como objeto de inúmeros estudos: O
povo brasileiro (Darcy Ribeiro); Os sertões (Euclides da Cunha); Casa grande e senzala
(Gilberto Freyre); Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda),
Resquícios de práticas da época da colonização ainda podem ser vistos em
uma das particularidades mais relevantes que se preserva na sociedade brasileira
atual: o fato de as ações do estado e da administração pública serem tratadas como
elementos da esfera privada. De acordo com a condição particular do individuo, este
pode ter acesso a privilégios, que só se configuram pela forma com ele se relaciona
em sociedade. Funciona a velha máxima “Aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Daí a
explicação de por que a democracia no país caminhar a passos lentos.
Sob práticas desse tipo é que se constitui
gradativamente a sociedade brasileira. Do Brasil
colônia aos tempos atuais, muitas foram as formas
com as quais o “Estado” orientou ações de natureza
autoritária contra o país. Em todos os momentos
históricos (estudados, no modo tradicional, por
meio da divisão em Colônia, Império e República),
percebem-se claramente as ações de controle do
Estado frente aos movimentos sociais, agindo no
sentido de garantir que os grupos tradicionais representantes das elites econômicas
sempre obtenham vantagens. Por sua vez, o povo brasileiro acabou por assistir ao
trem da história dos grandes eventos políticos, mas sem participar efetivamente.
No entanto, isso não implica dizer que o “povo brasileiro” é ordeiro, pacífico, pois
desde a colônia aconteceram inúmeros movimentos de contestação à ordem vigente,
o que ainda hoje é visto quando a sociedade se mobiliza para garantir os seus direitos
civis, políticos e, com maior destaque, a gama de direitos sociais, que existem na forma
da lei, mas na prática acabam não sendo cumpridos.
O Brasil possui uma lei que proíbe o nepotismo, a qual não é cumprida na prática. Basta olhar para exemplos próximos, como no governo do Estado do Ceará e em muitas prefeituras de municípios cearenses, em que cargos ligados ao chefe do Executivo são desempenhados por parentes diretos, “sem nenhum problema”. O tempo passa, mas a sociedade brasileira continua como em Bruzundanga, país fictício criado pelo escritor Lima Barreto, em um de seus mais belos textos de crítica social sobre o povo brasileiro.
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OBJETIVOPerceber as diferentes tensões geradas pelo choque cultural entre nativos e europeus.
03Tópico
O ESTADO PORTUGUÊS EM TERRAS BRASILEIRAS: DOMINAÇÃO, RESISTÊNCIA, NEGOCIAÇÃO. EIS O BRASIL!
Bem antes em que se pensasse na formação de uma sociedade no Brasil, as ações
do Estado português já operavam em terras brasileiras. Juntamente com as caravelas
que trouxeram Cabral e toda sua esquadra, chegaram as ordenações de sua majestade
real, chefe do poder absoluto em Portugal, que, com a posse do Brasil, expandia seus
domínios para as regiões ultramarinas. Por determinação real, eram nomeados todos
os funcionários que prestavam serviço à coroa. No processo de dominação do Brasil,
além do governador geral, configuraram-se três cargos importantes na administração
colonial: o capitão-mor da costa (encarregado da defesa), o provedor-mor (encarregado
da fazenda) e o ouvidor-mor (encarregado das ações jurídicas do Estado).
Com a formação das vilas e o aparecimento de novos personagens no cenário
político, são instituídas as câmaras municipais, que por muito tempo se configuraram
como casas de câmara e cadeia, pois cabia ao município o controle sobre o direito
de ir e vir. No Brasil colonial, foi criada a alcunha de “homens bons” para designar os
indivíduos que deveriam tomar assento nas câmaras municipais.
Por anos os historiadores brasileiros ligados à vanguarda marxista, mais
particularmente ao Partido Comunista Brasileiro, defenderam a tese de que a adoção
do sistema de capitanias no Brasil era uma tentativa de implantação do feudalismo.
Ao longo do tempo, novos estudos foram propostos, defendendo que a organização
do Brasil fora definida com base no escravismo, regime em que a base se concentra
na condição do “escravizado” ser objeto de posse do seu senhor, que tem direito sobre
sua vida e sua morte.
Como vemos, a presença de Portugal em terras brasileiras implementou o uso
de práticas que chancelaram marcas as quais não podem ser desconsideradas em
qualquer forma de investigação da nossa sociedade. Veja-se, como exemplo, a doação
Projeto TICs 13
das capitanias hereditárias. Esse ato, em princípio, se fazia por intermédio do Estado,
que doava a terra a outrem. Contudo, era facultado ao beneficiário doar a mesma
terra; ou seja, uma posse do Estado passava às mãos de entes privados de acordo com
a decisão de particulares. Essa prática, pela qual o estado distribui bens e riquezas,
enquadra-se no que os estudos sociológicos denominam “patrimonialismo”.
O Estado iniciava sua ação patrimonial, que
implicava doações menores e sistemáticas.
Isso configurava as práticas de clientelismo –
favorecimento pessoal entre as partes envolvidas
em uma negociação – e caracterizava também
o nepotismo – favorecimento entre parentes e
familiares. Todos esses ismos, que têm origem na
história do Brasil colonial, tornaram-se marcas da
sociedade brasileira contemporânea.
Não há nenhuma forma de observar a sociedade
brasileira que não leve a essas marcas do passado.
Por exemplo, quando o Estado legitima, num
primeiro momento, a escravização dos nativos,
e depois vem a Igreja e proíbe a prática, mas os
descumpridores da lei não são punidos, isso é
uma forma de percebermos como os desmandos
ocorriam. O Estado era conivente com a prática
da escravidão. Tempos depois, o Estado instituiu a
escravidão de negros africanos, o que já é um outro
capítulo de nossa história colonial.
Numa terra com a qual a natureza foi generosa,
Portugal, em conjunto com todos os seus comandados, agiu de forma impiedosa,
dizimando sistematicamente as populações nativas do território. Denominações
de bugres, selvagens, silvícolas foram muitas as formas conceituais empregadas
a tais populações. Os diversos elementos da cultura foram alvos de retaliação, de
comparação com o atraso.
Um dos exemplos mais marcantes pode ser visto na obra de Gândavo (2004), cronista
português que, devido os nativos não usarem, em sua língua, os sons correspondentes
às letras f, l e r, deduziu que eles não possuíam fé nem lei nem rei. Isso só era cabível
na visão do colonizador europeu, que vivia sob a égide do Estado nacional moderno,
cuja lógica se assentava em valores absolutos: um rei forte apoiado por um exército,
uma lei que servisse para todos, o monoteísmo religioso, tudo alinhado aos interesses
do Estado. Outros elementos diferenciam o momento histórico. Destacam-se, aqui, as
línguas oficiais, as moedas e a unidade territorial, marcas típicas da Europa moderna.
Karl Marx (1818-1883)
Filósofo, economista, historiador, teórico político, são muitos os atributos conferidos ao pensador alemão. Esse pensador influenciou de modo marcante todo o pensamento da civilização ocidental. Em relação à história da humanidade, Marx defendia que o “motor da história é a luta de classes”, daí a economia se configurar como elemento mais importante e determinante da sociedade. Por muito tempo os historiadores, influenciados por Marx, acreditaram nessa premissa. Ao longo do século XX, houve movimentos que se definiam como renovações do Marxismo. Embora se conheçam os limites da teoria Marxiana para explicar o mundo contemporâneo, ainda existem intelectuais que se dizem “marxistas ortodoxos”.
Disponível em: gnosisonline.org.
Saiba mais!
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Outros hábitos indígenas condenados pelos europeus (incluindo Estado e Igreja)
eram as práticas da antropofagia e do canibalismo. Tribos inteiras foram dizimadas
pela ação estatal, que desejava buscar as diversas riquezas do território. Sobre esse
aspecto da nossa formação como sociedade brasileira, Darcy Ribeiro (1995) afirmou
que, apesar da ação imperativa de violência dos portugueses e da ação de violência
física e ideológica praticada pelos jesuítas, o novo povo que se formou nem era índio,
nem europeu nem africano. O povo brasileiro foi bastante marcado pelo modo de vida
e da cultura nativa, o que pode ser visto desde o gosto por determinados alimentos
nativos (mandioca e seus derivados), chegando à doce prática de dormir de rede,
mesmo que seja em arranha-céus das grandes metrópoles brasileiras.
Conforme abordamos ao longo da aula, você percebeu que a formação da sociedade
brasileira ocorreu de maneira conflituosa, pois, inseridos na lógica do colonialismo
moderno, os europeus desejavam riquezas para sustentar os privilégios de suas elites.
Por outro lado, o colonizado se percebeu em uma realidade diferente, na qual tiveram
que lutar contra as armas portuguesas e o domínio ideológico da Igreja Católica. É
importante lembrar que, na dinâmica da luta pela sobrevivência, houve a “adaptação”
às doenças trazidas pelo “colonizador”, que vitimaram inúmeras populações.
É necessário salientar que as populações que habitavam o território brasileiro
bem antes da chegada dos europeus ainda se constituem como grupos relevantes
da sociedade brasileira atual. Os “índios”, antes de serem brasileiros, pertencem as
suas etnias. Dentre as demandas dessas populações, está a luta pela demarcação
de suas terras, que, antes de serem “um meio de produção”, designam a relação de
pertencimento, pois é partindo do lugar de origem que eles criam suas identificações.
Daí vem a necessidade de se manterem em seus lugares de origem, de modo que
tenham como sobreviver do cultivo dessas terras.
Rompendo com a ideia de índio bonzinho (como o Peri, de José de Alencar),
de selvagem, ou preguiçoso (segundo a visão capitalista), as populações nativas vivem
em grande parte desenvolvendo ações pelo reconhecimento de seus direitos. Além
das terras, a constituição lhes assegura as escolas indígenas, o que permite que hoje,
em várias tribos, haja pessoas com nível superior (inclusive pós-graduação). Além
disso, eles também têm representantes em mandatos políticos. E até nas relações de
gênero os índios estão bem a frente: na tribo dos Jenipapos-Kanindé, de Aquiraz no
Ceará, o cacique do grupo é uma mulher, a cacique
Pequena. Isso mostra como essas populações
estão em sintonia com as grandes questões do
mundo contemporâneo.
V e j a U m r e t r a t o das populações indígenas no tempo presente é mostrado no documentário As caravelas passam, que, com maestria, apresenta todo o panorama do modo de vida dessas pessoas e como a sociedade configura essas populações.
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Projeto TICs 15
VOCÊ SABIA?
ATIVIDADES1. Faça uma consulta de modo livre (internet, livros, etc.) sobre o mito latino,
denominado “mito do cuidado” ou “mito de Higino”. Em seguida, produza um texto relacionando a visão da terra apresentada pelos portugueses à visão dos nativos brasileiros. (Máximo de uma lauda)
2. Assista ao curta metragem intitulado A conquista da terra e da gente (Série “Brasil 500 anos: o Brasil-colônia na TV”), disponível no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=X7ZjKwCiAuY. Em seguida, participe do Fórum I, intitulado “A espoliação dos nativos”, apresentando um comentário sobre o sentido da exploração praticada por colonizadores e jesuítas. Em seguida, escolha o comentário de um colega e veja como pode acrescentar novas informações.
3. Produção de um “glossário”. Escolha dois verbetes não conhecidos e em
seguida poste no glossário. Caso alguém já tenha abordado o verbete por você
escolhido, atue de modo a ampliar os significados e, dessa forma, ampliar o
aprendizado.
REFERÊNCIASCARDIM, Fernão. Tratado da terra e da gente do Brasil. Rio de Janeiro: Brasiliana da Biblioteca Nacional, 2001.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil. São Paulo: Martin Claret, 1997.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Três, 1984.
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GÂNDAVO, Pero de Magalhães. A primeira História do Brasil. História da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
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