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Soraia, de 14 anos, divide o tempo entre a casa da mãe, Patrícia Rosa, e a do pai, Paulo Santos
Viver cada semana com umpai é cada vez mais frequenteAna [email protected]
Casais separadosdividem o tempoque passam comos filhos atravésda residênciaalternadafamília O paradigma está a
mudar. Os casais separados
começam cada vez mais a
optar pelo modelo da resi-dência alternada, que prevêuma divisão mais equilibra-da do tempo que passamcom os filhos em comum.Em vez de ficarem à guardade um dos progenitores (pornorma, a mãe) e estaremcom o outro aos fins de se-
mana e nas férias, há crian-
ças que mudam de casa a
cada semana.E mesmo quando esta não
é a solução escolhida pelospais, em alguns casos, são os
juizes que a começam a apli-car com mais frequênciaaquando da regulação das
responsabilidades paren-tais. A divisão do tempo nãoé rígida, o modelo prevê queum dos pais passe entre33% a 50% do tempo com a
criança."A residência alternada
pode ser uma forma de os fi-lhos manterem uma relaçãomais normal de laços fami-liares. Estarão com os dois
progenitores em convíviosemelhante e com as famí-lias também: avós, tios e pri-mos", explica ao JN a pedop-siquiatra Ana Vasconcelos.
Além disso, a experiência"mostra que muitas vezes o
facto de as pessoas terem de
aligeirar procedimentos en-tre eles, progenitores, é be-néfica" para ultrapassar"antigos desentendimen-tos do casal", sublinha.
"JÁ É UMA REALIDADE"Hoje em dia, este modelo"já é uma realidade alarga-da", adianta Ricardo Si-mões, presidente da Asso-
ciação Portuguesa para a
Igualdade Parental e Direi-tos dos Filhos (APIPDF).Não existem dados atualiza-dos sobre o número de deci-sões judiciais que estipula-ram a residência alternadana regulação das responsa-bilidades parentais: os queexistem são de 2006 e apon-tam para uma percentagemde 3% dos processos de re-
gulação em tribunal. "Os es-
tudos demonstram que hámuitas mais crianças a vive-rem neste regime", frisa.
A investigação da sociólo-
ga Sofia Marinho, do Insti-tuto de Ciências Sociais daUniversidade de Lisboa, in-dica o mesmo sentido: "Aincidência é muito maior do
que se pode imaginar. Amaior parte dos casais quese separam não passa pelotribunal e muitos optampela residência alternada".
Por isso, a APIPDF está a
promover uma petição pú-blica para que a Assembleiada República debata altera-
ções legislativas que permi-tam a presunção jurídica daresidência alternada. Ou
seja, que este se torne o mo-delo a aplicar - à exceção dos
casos em que é recomenda-da outra solução.
DESCONSTRUIR MITOS"A ideia de que a solução é
má, que causa instabilidade
para a criança, que fica sem
rotinas, é um mito que está
a ser desconstruído pelaprópria realidade", defendeRicardo Simões.
Na petição são citados vá-rios estudos internacionais.Um deles refere que a au-toestima das crianças em re-sidência alternada não apre-senta diferenças em relaçãoà dos filhos que vivem comos dois progenitores.
Mas nem todas as históriascorrem bem. Ana Paula Me-lo continua a defender a re-sidência alternada, emboraa sua experiência tenha sido
negativa. "O pai não aceitoubem a situação. Nós não co-
municávamos", lamenta.Cinco anos depois, a filha domeio "tem tido uma péssi-ma relação com o pai e cul-
pa-me por não ter feito nadaem relação à situação". Por
isso, defende que os tribu-nais deviam avaliar as medi-das e alterá-las se houver ne-cessidade. •
"Primeiro eles,depois nós"
regulação Quando Patrí-cia Rosa e Paulo Santos se
divorciaram, há oito anos, o
tribunal atribuiu a residên-cia da filha Soraia, na alturacom seis, à mãe, porque a
vida profissional do pai não
permitia que fosse de outraforma. "Fomos à Internet[procurar exemplos de acor-dos de regulação das respon-sabilidades parentais], fize-mos o básico, dentro do queestava estipulado e o juizaceitou", conta. Mas comomantêm um bom relaciona-
mento, o tempo que Paulo
passava com a filha foi sem-
pre adequado à sua disponi-bilidade, independente-mente daquilo que tinhasido formalizado.
Os primeiros meses em
que estiveram as duas sozi-nhas não foram fáceis. "OPaulo ficou a viver na nossa
Patrícia Rosamãe da Soraia
"Facilitamosa vida um aooutro sempre quehá necessidadede mudar o
que está acordado"
casa e eu saí com ela parauma emprestada. Ela detes-
tava-a, pois nada do que láestava era nosso. Infeliz-mente, a separação deu-setambém numa altura emque ela mudou de escola,entrou para o I.° ano e teve
que se adaptar a novas roti-nas, horários e espaço priva-do". Só quando a mãe foi vi-ver com o novo companhei-ro, "as coisas mudaram e
muito" e a Soraia começoua falar "na nossa casa" e na"casa do pai".
Em 2014, quando a situa-
ção profissional e pessoal de
Paulo se alterou, o ex-casaldecidiu mudar para a resi-dência alternada. Fê-lo por-que considera que esta é amelhor solução para a filha,
agora com 14 anos. "A Soraiaé feliz assim. Acho que pri-meiro estão eles, depois es-
tamos nós", diz a mãe.Atualmente, até porque a
casa do pai fica perto da es-cola e a divisão dos dias foifeita em função do horárioescolar, Soraia fica com Pau-lo à segunda e à terça-feira,e à quarta e quinta com a
mãe. "À sexta-feira, vai paraquem está com ela no fimde semana", um para a mãe,o seguinte para o pai, pros-segue. Mas mesmo esta di-visão pode ser flexibilizadaentre os dois. Nas férias, é a
Soraia que escolhe como
pretende dividir o tempo.Tal como as decisões - e
até os castigos, porque, afi-
nal, "não deixa de ser umacriança" -, as despesas tam-bém são partilhadas. Cada
um assegura o necessárionos dias em que estão com a
filha e partilham as despe-sas do material escolar,"porque é o mais caro".
Pedir ao tribunal que alte-re o regime para o de resi-dência alternada não é uma
hipótese. Por um lado, devi-do às custas judiciais, quesão elevadas; por outro, pornão terem a garantia de queo juiz esteja de acordo. "Aofim destes anos todos, nãofaz sentido", explica. •