Princípios estruturantes do Processo Penal Português (Parte I)

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    Princpios estruturantes do Processo Penal Portugus1

    As normas processuais penais so orientadas por um conjunto de

    princpios que exprimem as opes fundamentais do processo penal emcausa e que constituem, pois, horizonte de fundo para as mesmas normas,

    bem como de integrao em casos lacunosos. Estes princpios podem ser

    arrumados de diferentes maneiras, mas, aqui, seguimos o esquema de

    orientao constante das Lies do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias,

    coligidas por Maria Joo Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de

    Coimbra (1988-89), integrando tais princpios em quatro grandes grupos:

    1. Grupo: Princpios relativos iniciativa ou promoo processual (3

    princpios)

    y Princpio da oficialidadey Princpio da legalidadey Princpio da acusao

    2. Grupo: Princpios atinentes prossecuo ou marcha processual (4 princpios)

    y Princpio da investigaoy Princpio da suficinciay Princpio da contraditoriedade e audincia prviay Princpio da concentrao

    1Os apontamentos apresentados foram recolhidos em aulas tericas de Direito Processual Penal I,

    ministradas pelo Exmo. Professor Doutor Antnio Alberto Monteiro Medina de Seia, na Faculdade deDireito da Universidade do Porto (FDUP), no ano lectivo 2011/2012.

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    3. Grupo: Princpios relativos prova (3 princpios)

    y Princpio da investigaoy Princpio da livre apreciao da provay Princpio in dubio pro reo

    4. Grupo: Princpios relativos dimenso formal do processo ou

    forma do processo (3 princpios)

    y Princpio da publicidadey Princpio da oralidadey Princpio da imediao

    Sentido destes princpios

    Ns estamos em face de princpios e no de normas, portanto so

    mximas orientadoras da estrutura do processo penal. Nem todos eles

    encontram base normativa ou fundamento legal especfico. Alguns sim,

    como o princpio da investigao (artigo 340. CPP) ou o princpio da livre

    apreciao da prova (artigo 127. CPP), mas outros no, como o princpioin dubio pro reo, que decorre da conjugao de normas e princpios

    constitucionais.

    Meta-princpios regulativos de todo o sistema (2 vectores

    estruturantes)

    1. Princpio do fair trial ( processo justo, equitativo): nos ltimosanos, por influncia dos instrumentos internacionais de inspirao

    anglo-americana, designadamente a Conveno Europeia dos

    Direitos do Homem (CEDH, artigo 6.) e o Pacto Internacional dos

    Direitos Civis e Polticos (PIDCP, artigo 14.), a doutrina continental

    tem salientado a importncia deste princpio que funciona como

    pedra-de-toque de todo o processo. Este princpio j ganhou, entre

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    ns, dimenso constitucional, a partir da IV Reviso Constitucional

    (1997), no artigo 20. CRP, embora numa frmula semanticamente

    menos rica ( processo equitativo) e a doutrina v nele um

    elemento de unidade valorativa de todos os mecanismos

    destinados a garantir uma proteco alargada dos direitosfundamentais dos participantes no processo, sobretudo do arguido.

    A sua fundamentao ltima encontra-se, para a doutrina, no

    princpio do Estado de Direito e no princpio do Estado Social. um

    princpio que tem sido muito trabalhado pela jurisprudncia do

    Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que entende que

    a garantia do processo equitativo no vale exclusivamente pelos

    resultados a que conduz, mas sobretudo pelos instrumentos e

    mtodos de que se socorre para assegurar as prerrogativas do

    arguido e demais participantes. Acentua-se, pois, neste princpio, a

    dimenso procedimental da justia (justia processual). Na tradio

    anglo-americana, o fair trialencontra-se ligado ou decorre do

    princpio da igualdade de armas entre a acusao e a defesa. A

    doutrina continental no tem acompanhado integralmente esta

    tradio. Na verdade, luz do nosso Direito, no sustentvel um

    princpio de igualdade de armas, pois bem patente a assimetria

    nos estatutos processuais da acusao e da defesa. Por isso, a

    doutrina continental entende que o fair trialno impe uma

    identidade de armas ou igualdade de meios entre acusao e

    defesa, mas sim uma reciprocidade de direitos em ordem

    formao de prova, uma igual possibilidade de acesso s fontes

    probatrias.

    2. Princpio da presuno de inocncia: este princpio, que teve a suaprimeira consagrao normativa moderna em 1789, na Declarao

    dos Direitos do Homem e do Cidado (DDHC), foi incorporado emdiversos instrumentos de Direito Internacional, entre os quais a

    CEDH (artigo 6., n.2) e o PIDCP (artigo 14., n.2). Tambm a

    nossa Constituio o inclui entre as garantias do processo criminal

    (artigo 32., n.2 CRP). O contedo e alcance deste princpio no se

    mostram fceis de apresentar. Na verdade, tirando o princpio in

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    dubio pro reo, que a maior parte da doutrina faz decorrer do

    princpio da presuno da inocncia, as restantes dimenses desta

    garantia constitucional so menos claras. Este princpio pode ser

    visto em duas dimenses essenciais:

    a) Presuno de inocncia como regra de juzo: a presuno deinocncia postula que uma declarao de culpabilidade e a

    consequente aplicao da pena s podem ocorrer em funo

    de um processo (nullum crimen nulla poena sine judicio). A

    culpabilidade do arguido deve ser provada para l de toda a

    dvida razovel. Quando a mesma subsista no ltimo

    momento decisrio, o critrio epistemolgico de resoluo

    identifica-se com o princpio do favor rei(princpio in dubio

    pro reo). Em caso de dvida sempre a acusao decai e o

    juiz tem um critrio de juzo em caso de incerteza o in

    dubio pro reo , que decorre da presuno de inocncia. ao

    Estado que compete inverter esta presuno.

    b) Presuno de inocncia como regra de tratamento: levandoa presuno de inocncia s ltimas consequncias, todas as

    restries das liberdades antes da condenao transitada em

    julgado seriam ilegtimas. No entanto, este princpio

    comporta restries e compresses. A consagrao

    constitucional da presuno de inocncia tem refraces em

    matria de medidas restritivas da liberdade pessoal,

    designadamente em sede dos fins legitimadores dessas

    medidas. Por um lado, impede-se que o ordenamento

    atribua uma funo aflitiva qualquer priso preventiva e

    demais medidas de coaco. No podem ser vistas como

    ante pena, no tm uma funo de castigo, mas apenasservem o processo e suas finalidades. Assim, uma restrio

    das liberdades antes do julgamento e condenao que

    decorre do periculum libertatis s constitucionalmente

    legtima quando fundada em exigncias inerentes ao

    processo. Da presuno de inocncia, por outro lado, deriva

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    que o tratamento dos arguidos, presos preventivamente,

    deve ser diferenciado dos condenados a priso e, por norma,

    o arguido deve estar livre na sua pessoa em audincia.

    1. Grupo: Princpios relativos iniciativa ou promoo processual (3

    princpios)

    y Princpio da oficialidade: uma das primeiras questes que sepodem colocar acerca do incio de um processo penal a de

    saber a quem pertence o impulso processual, a quem cabe a

    competncia funcional para pr em marcha a actividade

    judiciria. Nos ordenamentos jurdicos mais antigos, tal impulso

    processual no competia ao Estado ou comunidade

    organizada, mas sim aos particulares e isto podia acontecer

    atravs de uma de duas formas:

    o Na forma de uma aco privada (sistema de acoprivada), tpico do antigo Direito Germnico, no qual o

    processo se iniciava com a acusao do particular

    ofendido ou de um membro da sua famlia. Este modelo

    encontra-se ligado a uma compreenso do crime como

    fenmeno privado das pessoas vitimadas (como um dano

    civil);

    o Na forma de aco popular, que foi praticado no antigoDireito Romano, segundo o qual qualquer cidado podia

    deduzir acusao e iniciar um processo penal (ideia de

    responsabilidade solidria).

    Porm, a partir de certa poca histrica, comeou a ver-se queos interesses tutelados pelo Direito Penal tinham uma

    ressonncia comunitria, mesmo quando atingiam bens

    individuais e no meramente uma dimenso privatstica,

    decorrente da proteco desse bem/valor jurdico fundamental.

    A Histria trouxe, por outro lado, o monoplio do Estado na

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    administrao da justia penal. Estes vectores justificam a

    mudana na competncia para a iniciativa processual e,

    progressivamente, este impulso processual veio a ser confiado a

    uma autoridade pblica, dando corpo ao princpio da

    oficialidade, segundo o qual a competncia para promover aaco penal, bem como para decidir da submisso ou no dos

    factos e do arguido a julgamento pertence a uma autoridade

    pblica Ministrio Pblico que a exerce por dever de ofcio

    (ex officio), independentemente da vontade ou da posio

    assumida pelos particulares atingidos pelo crime.

    Como mencionado, o princpio da oficialidade actua em dois

    momentos: no momento da abertura do inqurito, em que cabe

    ao Ministrio Pblico, enquanto titular da aco penal (artigo

    219. CRP), a iniciativa da promoo do processo (artigo 48.

    CPP); no momento da deciso sobre a acusao ou o

    arquivamento do processo, que ocorre no termo do inqurito

    (artigo 53., n.2, alnea c) CPP, artigo 277. CPP e artigo 283.,

    n.1 CPP).

    O princpio da oficialidade no vale, porm, para todos os

    crimes. H crimes em que ele no se aplica inteiramente, isto ,

    conhecemos desvios e excepes ao princpio da oficialidade.

    Tem isto a ver com a natureza jurdico-criminal dos crimes. Deste

    ponto de vista usual classificar-se os crimes em duas grandes

    categorias:

    o Crimes pblicoso Crimes particulares em sentido amplo, que se subdividem

    em:

    Crimes semi-pblicos Crimes particulares em sentido estrito

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    Nos crimes pblicos, vale integralmente o princpio da

    oficialidade, nos dois momentos assinalados. Quer a abertura do

    inqurito, quer a deciso sobre acusar ou no esto entregues a

    uma entidade pblica, que actua independentemente da

    vontade dos particulares afectados. Porqu estes crimes?Prende-se com a natureza dos interessados em causa, no

    contendendo apenas com bens supra-individuais, como no

    sucede com o homicdio ou o roubo, que so crimes pblicos.

    Nem todos os crimes so pblicos, havendo crimes particulares

    em sentido amplo:

    o Crimes semi-pblicos: so aqueles em que a legitimidadeprocessual do Ministrio Pblico precisa de ser integrada

    por uma manifestao de vontade por parte do ofendido

    ou de outra pessoa legalmente autorizada (queixa, artigo

    49. CPP). Os crimes semi-pblicos constituem apenas um

    desvio ou uma limitao do princpio da oficialidade, uma

    vez que somente uma das vertentes em que esse princpio

    se concretiza se encontra afastada (momento da abertura

    do inqurito). A competncia para decidir se h ou no

    inqurito pertence ao particular, o Ministrio Pblico no

    pode instaurar inqurito sem a queixa do particular. J no

    segundo momento a competncia pertence ao MP.

    o Crimes particulares em sentido estrito: constituem umaverdadeira excepo ao princpio da oficialidade, que j

    no se aplica em qualquer dos momentos, sendo a

    competncia para tais decises do particular. Assim, nos

    crimes particulares stricto sensu necessrio haver queixado ofendido para se promover o inqurito. Terminado

    este, a competncia para decidir da acusao no

    pertence ao MP, mas sim ao particular que, entretanto, h

    de ter assumido um estatuto processual especfico: o

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    estatuto de assistente (artigo 50. CPP; artigo 68., n.2

    CPP; artigo 246., n.4 CPP; artigo 285. CPP).

    Importa saber, agora, os motivos pelos quais os crimesparticulares lato sensu no so crimes pblicos, dado

    ultrapassar-se a dimenso privatstica. H vrias razes para nem

    todos os crimes estarem subsumidos ao princpio supra citado:

    1) Crimes que revelam pequena gravidade e que no serelacionam de forma to marcante com os bens

    comunitrios, incidindo antes numa esfera de interesses

    claramente individuais. Por exemplo: crime de dano

    simples, crime de injria, crime de furto simples, crime de

    ofensas corporais simples.

    Nestes casos de crimes de menor gravidade e menor

    ressonncia comunitria, o Estado s considera necessrio

    reagir contra o eventual infractor caso o ofendido

    manifeste a sua vontade inequvoca nesse sentido. H

    uma certa medida de disponibilidade do bem jurdico;

    2) Tambm h casos de crimes que se inscrevem num mbitode relaes inter-pessoais em que o Estado considera

    prefervel no intervir sob pena de agudizar os conflitos.

    o caso, por exemplo, do furto entre familiares e foi, at h

    algum tempo atrs, dos maus tratos entre familiares

    (violncia domstica);

    3) H ainda outro tipo de infraces em que, apesar da suarelevncia comunitria e gravidade, no vale o princpio daoficialidade, pois a promoo do inqurito est

    dependente de queixa do ofendido. So crimes que esto

    intimamente ligados a uma esfera da reserva de

    intimidade, como sucede na maior parte dos crimes

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    sexuais. Por exemplo: crime de violao, salvo se for

    contra menor.

    uma tentativa de proteger a vtima, no a sujeitando a

    um processo penal, que pode representar uma segunda

    vitimizao.

    4) H outras razes ainda para justificar porque nem todosos crimes so pblicos. A existncia destes desvios e

    excepes ao princpio da oficialidade tambm pretende

    aliviar a presso sobre a mquina judiciria.

    Como sabemos se um crime pblico ou particular?

    A resposta resulta do Cdigo Penal, junto de cada tipo legal de

    crime. Assim:

    o Quando no tipo legal nada se refere quanto aoprocedimento processual, o crime diz-se pblico;

    o Quando no tipo legal se diz que o procedimento dependede queixa um crime semi-pblico;

    o Quando no tipo legal se diz que o procedimento dependede acusao particular +e um crime particular em sentido

    estrito.

    N.B: Esta indicao pode no constar sempre do tipo legal, mas

    surgir mais frente numa norma geral, como sucede, por

    exemplo, com o crime de difamao (artigo 180. CP), em que

    norma posterior diz qual a categoria de crime em que se integra.

    Os crimes semi-pblicos e particulares em sentido estrito

    apresentam pressupostos de procedibilidade especficos: queixae acusao particular. A disciplina normativa desses institutos

    encontra-se consagrada, essencialmente, no Cdigo Penal

    (artigos 113. e seguintes CP). A se define quem so os titulares

    do direito de queixa. Por regra o ofendido que, para este

    efeito, o titular dos interesses que a lei quis especialmente

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    proteger com a incriminao. H casos, no entanto, em que o

    ofendido em sentido estrito no pode apresentar queixa,

    transmitindo-se tal direito aos seus sucessores, indicados no

    artigo 113., n.2 CP. Noutros casos, o ofendido incapaz por

    razo da idade ou por incapacidade psquica, cabendo a odireito de queixa ao seu representante legal. O direito de queixa

    tem um prazo para ser exercido, sob pena de caducidade, e o

    seu titular pode renunciar ao exerccio ou desistir da queixa

    apresentada.

    y Princpio da legalidadeTem a ver com um problema, uma questo por ele respondida:

    saber de que modo devem ser exercidas as competncias

    funcionais conferidas ao MP, em matria de promoo

    processual.

    Tais competncias correspondem ao exerccio de um dever ou

    de uma simples faculdade?

    No nosso pas, segue-se o princpio da legalidade, segundo o qual

    a promoo e prossecuo processual constituem um dever para

    o MP. Assim, e num primeiro momento, verificadas as condies

    objectivas consignadas pela Lei notcia do crime , o MP deve

    abrir inqurito; num segundo momento, verificadas as condies

    objectivas consignadas na Lei indcios suficientes , o MP deve

    deduzir acusao.

    Na promoo processual, a actividade do MP desenvolve-se em

    vinculao estrita Lei e no segundo consideraes de

    oportunidade ou convenincia de qualquer espcie, como, porexemplo, de convenincia financeira, poltica ou burocrtica.

    Historicamente, o princpio da legalidade da promoo

    processual encontra-se ligado a um modelo inquisitrio do

    processo, encontrando a sua principal fundamentao teortica

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    nas concepes retribucionistas ou absolutas dos fins das penas.

    Nestas concepes, a pena constitui um fim em si mesmo,

    punindo-se por um imperativo de justia, e o Estado deve

    pautar-se, no plano processual, com o dever de investigar tudo e

    perseguir todos os crimes.Contudo, actualmente, as concepes absolutas j no

    dominam, adoptando-se, em alternativa, as teorias utilitrias ou

    relativas, com fins preventivos (preveno geral positiva ou

    negativa e preveno especial), que se tornaram

    progressivamente dominantes, com repercusses no processo

    penal, designadamente ao nvel deste princpio, seguindo-se

    critrios de utilidade.

    O progressivo abandono do iderio retribucionista e a sua

    substituio gradual por concepes utilitrias de base

    preventiva teve reflexos no princpio da legalidade, que tem

    vindo a perder muita da sua sustentabilidade terica. Assim,

    neste novo horizonte da poltica criminal, o MP j no deve estar

    subsumido mecanicamente ao princpio da legalidade, devendo

    ter margem de deciso conformada por critrios de

    convenincia e oportunidade.

    Entre ns, a tradio ainda dominante a continental, que

    assenta no princpio da legalidade (artigo 219. CRP). Apesar de

    j no justificado pelos ideais retribucionistas, o seu fundamento

    mais relevante decorre do princpio da igualdade (artigo 13.

    CRP), o que probe um tratamento diferenciado de arguidos e de

    crimes. Por outro lado, atravs do princpio da legalidade,

    consagra-se a imparcialidade e a independncia da

    administrao da justia, resguardando-a de presses externas e,deste modo, reforando e potenciando a confiana da

    comunidade no sistema jurdico-penal e, deste modo, ampliando

    os efeitos preventivo-gerais.

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    Em concluso, pois, o nosso sistema continua a ser orientado

    pelo princpio da legalidade, significando que a entidade pblica

    para a promoo processual dotada de competncia est

    obrigada a:

    o Promover o processo penal, abrindo inqurito sempre quetenha recebido a notcia do crime (artigo 262., n.2 CPP);

    o Deduzir acusao sempre que do inqurito tenhamresultado indcios suficientes (artigo 283. CPP) e arquivar

    caso no haja indcios suficientes (artigo 276. CPP).

    Do princpio da legalidade decorre ainda o princpio da

    imutabilidade da acusao, segundo o qual, uma vez deduzida a

    acusao, a mesma no pode ser retirada por renncia ou

    desistncia do MP.

    O princpio da legalidade conhece, no entanto, desvios e

    excepes, por fora da mutao do horizonte poltico-criminal.

    A partir do Cdigo de Processo Penal de 1987, foram

    introduzidos mecanismos processuais que constituem um

    afastamento do princpio da legalidade entendido na sua forma

    rigorosa.

    Em primeiro lugar, esse ideal de perseguir todos os crimes uma

    impossibilidade, dado no haver sistema processual capaz de dar

    resposta a todas as expresses de criminalidade, sendo que

    muitas deles nem sequer chegam ao conhecimento das

    instncias formais de controlo, dando origem quilo que sechama cifras negras, isto , a percentagem de criminalidade

    que no entra nos corredores dos processos penais.

    Tambm sabemos que muita da criminalidade que entra no

    processamento das instncias de controlo vai sendo

    seleccionada, dando origem ao efeito funil, atravs de

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    mecanismos de seleco. Ora, esses mecanismos de seleco

    no decorrem todos, claro, do princpio da legalidade, antes pelo

    contrrio. Mesmo num pas orientado por um princpio de

    legalidade rgido no se pode perseguir todos os crimes

    (impossibilidade no plano dos factos).

    Institutos que as leis prevem e que constituem manifestao de

    oportunidade processual (desvios e excepes ao princpio da

    legalidade)

    o A consagrao de tais mecanismos devedora de muitosfactores, entre eles a necessidade de aliviar o sistema

    judicirio, lanando mo de solues menos pesadas para

    os intervenientes no conflito. Por outro lado, importa ter

    presente que a Criminologia, sobretudo a partir dos anos

    50/60 do sculo XX, chamou a ateno para o efeito

    crimingeno e estigmatizante que o processo penal

    formal pode desencadear, isto , quando algum

    (arguido, vtima) intervm num procedimento, assume um

    papel que fica agarrado como um estigma a essa pessoa e

    com efeitos dessocializadores teoria do labeling

    approach, da etiquetagem ou do interaccionismo

    simblico. Constitui uma criminalizao secundria gerada

    pelo sistema.

    o A partir dos anos 60, nos pases que seguem o figurino dalegalidade (Alemanha, ustria, Itlia, Espanha) surge a

    defesa, ento, da convenincia de criar mecanismos

    alternativos mecanismos de diverso.

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    o Mecanismos alternativos resoluo do conflito, fora dosistema processual penal formal

    o O Cdigo de Processo Penal consagra duas figuras: Arquivamento em caso de dispensa de pena(artigo 280. CPP): esta figura est pensada

    para a pequena criminalidade, isto , para

    crimes punveis com pena de priso at 6

    meses ou multa at 120 dias. Noutras

    palavras, pode-se dizer que esta figura tem

    lugar nos crimes susceptveis de aplicao do

    instituto da dispensa de pena (artigo 74. CP).

    O MP, terminado o inqurito, recolheu

    indcios suficientes de que houve crime e de

    quem foi o seu agente. Devia deduzir

    acusao, ao abrigo do princpio da

    legalidade. Porm, o MP verifica que o crime

    em causa um delito para o qual a lei prev

    este instituto, sendo provvel que, se o

    processo seguir para julgamento, o tribunal

    venha a aplicar o instituto da dispensa de

    pena. Assim, talvez seja prefervel resolver j

    o conflito, arquivando o processo. No se

    pode, contudo, confundir esta figura com

    aquela prevista no artigo 277. CPP, que

    uma manifestao do princpio da legalidade.

    , assim, mais oportuno e conveniente no

    acusar. Os pressupostos de aplicao destemecanismo constam da legislao processual

    penal, sendo exigvel a concordncia do juiz

    de instruo criminal.

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    Querendo potenciar os efeitos positivos desta

    soluo, o legislador previu que este

    mecanismo pode ter lugar mesmo depois da

    acusao. Se, por exemplo, o MP acusou e

    requerida a abertura de instruo, permite-seque, nesta fase, o juiz de instruo criminal

    proceda ao arquivamento, desde que com a

    concordncia do MP e do arguido.

    Suspenso provisria do processo (artigo281. e 307., n.1 CPP): constitui uma

    soluo mais ampla e ousada, no mbito da

    pequena e mdia criminalidade, isto porque

    esta figura aplicvel a crimes com pena

    mxima de priso at 5 anos.

    A Lei permite, aqui, que o MP, apesar de estar

    dotado de indcios suficientes de que houve

    crime e de quem o cometeu, o possa

    suspender durante um tempo, no acusando.

    Durante esse tempo, o arguido fica sujeito a

    um conjunto largo de injunes e de regras de

    conduta, que visam dar consistncia a esta

    suspenso e promover a ressocializao do

    arguido.

    A aplicao deste instituto, da competncia

    do MP, depende da concordncia do juiz de

    instruo criminal, do arguido e do assistente,

    bem como do preenchimento dos demaispressupostos indicados no artigo 281., n.1

    CPP.

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    A suspenso pode ir at 2 anos, excepto nas

    situaes previstas no artigo 281., nmeros

    6 e 7 CPP (crimes de violncia domstica e

    crimes contra a liberdade sexual de menor),em que a suspenso se pode estender at 5

    anos. Se durante o prazo de suspenso o

    arguido cumprir as regras de conduta e

    injunes, cumprido o mesmo, o processo

    arquivado e no mais pode ser reaberto

    (deciso insusceptvel de impugnao).

    Porm, se o arguido no cumprir as injunes

    e regras de conduta, eventualmente

    cometendo, durante a suspenso, crime da

    mesma natureza, o processo segue para

    julgamento.

    o Fora do Cdigo, em legislao extravagante, temosde recordar a figura da mediao penal, regulada na

    Lei n. 21/87, de 12 de Junho.

    H muito tempo se tem vindo a falar da crisedo velho modelo de justia, mencionando-se

    muito, hoje, o modelo da justia

    restaurativa, como alternativa ao modelo

    tradicional, tambm por forte presso da

    Unio Europeia;

    Foi introduzida em 2007, constituindo umprocesso informal e flexvel de resoluo de

    conflitos penais, para os crimes particularesem sentido estrito e crimes semi-pblicos,

    desde que a pena mxima abstractamente

    prevista no seja superior a 5 anos;

    O MP pode remeter para a mediao,visando-se a obteno de consenso entre

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    vtima e arguido, a cabo de um tcnico

    especializado o mediador. O acordo obtido

    pode constituir num pedido de desculpa ou

    numa compensao monetria, desde que

    no contenda com direitos fundamentais; Tal mecanismo favorece as pessoas com

    maiores capacidades econmicas.

    Por fora de tais mecanismos, Manuel da Costa

    Andrade fala neste sentido, num princpio de

    legalidade mitigada ou legalidade aberta.

    y Princpio da acusao: constitui um elemento estruturante nadefinio do modelo processual acusatrio.

    o A entidade (a pessoa e no a funo) que investiga e acusatem de ser materialmente distinta da entidade que julga.

    o Este princpio no vigorava no modelo inquisitrio, spassando a aplicar-se, na Europa, a partir da Revoluo

    Francesa;

    o Entre 1929 e 1945, vigora um modelo acusatrio formalou inquisitrio mitigado, marcado por uma separao

    formal entre a entidade que investiga e acusa e a entidade

    que julga;

    o Deste princpio decorrem importantes impedimentos. Asua justificao enquanto princpio decorre da importncia

    no julgamento;

    o Do princpio da acusao decorrem alguns corolrios:1) O princpio da acusao implica que no seja o

    tribunal de julgamento a ter a iniciativa de

    investigao;

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    2) A actividade do tribunal est dependente de prviadeduo de uma acusao por entidade distinta do

    tribunal (MP ou particular, consoante o tipo de

    crime). A deduo da acusao pressuposto de

    toda a actividade judicativa (no h julgamento semacusao).

    3) A acusao que define e fixa o objecto doprocesso, aquele quid sobre o qual vai incidir a

    actividade do tribunal. A acusao estabelece a

    denominada vinculao temtica do tribunal.