Princípios estruturantes do Processo Penal Português (Parte III)

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  • 8/3/2019 Princpios estruturantes do Processo Penal Portugus (Parte III)

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    Princpios estruturantes do Processo Penal Portugus 1

    3. Grupo: Princpios atinentes forma ou dimenso formal do

    processo penal (3 princpios)

    Estes princpios tocam no aspecto formal, na forma como se haver deobter a deciso final, sendo os princpios estruturantes da audincia dediscusso e julgamento

    y Princpio da oralidade y Princpio da imediao y Princpio da publicidade

    Esta sistematizao no pretende ser uma categorizao fechada,estanque, mas interpenetrante.

    Estes trs princpios encontram matriz histrica comum, surgindo no

    mesmo perodo da Histria das Ideias e Instituies Poltico-Criminais.Basicamente, decorrem, na Europa, do Iderio Iluminista, que veio ater a sua concretizao normativa e institucional nas legislaes liberais(finais do sculo XVIII incios do sculo XIX). Emergem como umvector de reaco contra o modelo processual vigente at poca(sistema inquisitrio), no qual se manifestava o peso total dos autos,isto , das peas processuais escritas, elaboradas muitas vezes nocontexto de diligncias secretas e que serviam para o juiz tomar a suadeciso, sem que houvesse necessidade de o julgador ter contactodirecto com as fontes probatrias. Os homens do Liberalismo vmpropor um modelo antittico, propondo a obteno da deciso finalcom base em debate (oralidade), de modo a que o juiz pudesse

    1 Os apontamentos apresentados foram recolhidos em aulas tericas de Direito Processual Penal I,ministradas pelo Exmo. Professor Doutor Antnio Alberto Monteiro Medina de Seia, na Faculdade deDireito da Universidade do Porto (FDUP), no ano lectivo 2011/2012.

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    directamente fundar a sua convico, observando a produo de provadiante dele (imediao). Para no gerar suspeio, o debate seriaaberto, sujeito ao escrutnio pblico (publicidade).

    y Princpio da oralidade : com este princpio, pretende-seevidenciar que a deciso se deve fundar em elementos de provaproduzidos ou apresentados oralmente na audincia, atravs dediscusso oral realizada perante a entidade decisria.

    o Isto no significa que, no processo penal portugus, haja aexcluso da escrita, isto , no se probe que, dos actosrealizados oralmente, se faam registos, protocolos, actas,

    que servem, essencialmente, finalidades de controlo,quanto produo de prova, importantes para efeitos derecurso;

    o Pelo contrrio, revela-se til que existam tais registos, quepermitem preservar a informao e subtra-la volatilidade da declarao oral. Mas tais registos tm ummero valor documental ou preparatrio e no devemsubstituir, na mente do julgador, a impreciso imediata da

    declarao e do contexto em que a mesma foi realizada;o A lei, nos artigos 99. e seguintes CPP, estabelece, alis,

    regras quanto elaborao de autos. Assim, na fase deinqurito, existe um princpio geral de documentao dosprocedimentos de investigao (artigo 275. CPP); na fasede instruo, rege o artigo 296. CPP, que impe tambma documentao das diligncias de prova; finalmente, nafase de julgamento, importam os artigos 373. e 374.CPP, que prescrevem um princpio geral de documentaodas declaraes prestadas;

    o A diferena entre processo escrito e processo oral noest em existir ou no peas escritas ou existir ou nodeclaraes orais, porque num processo inquisitriotambm havia declaraes orais. A questo que distingue, pois, o modo como a deciso encontrada. Num

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    o A nossa Lei deu relevo ao princpio da imediao emambas as dimenses. Isso decorre claramente de algumasnormas, designadamente do artigo 355., n.1 CPP, queestabelece que a realizao da prova h-de ser feita

    perante o tribunal, no valendo toda a outra prova queno tenha sido produzida ou examinada em audinciaperante o juiz princpio da imediao em sentidoformal . A lei sancionou esta prova com uma proibio devalorao. Decorre, igualmente, dos artigos 356. e 357.CPP, que disciplinam as situaes em que admissvel aleitura de protocolos e autos de declaraesanteriormente prestadas. Constituem casos muitorestritos (por exemplo : declaraes de testemunhas napolcia, j realizadas). Importa, igualmente, o artigo 129.CPP, que se refere ao depoimento indirecto (outestemunho de ouvir dizer ). Estes artigos prendem-se,agora, com a dimenso material do princpio daimediao .

    o Princpio da imediao material ou objectiva Estabelece uma orientao ou regra de preferncia

    pelos meios probatrios mais prximos dos factos aprovar. o chamado princpio da utilizao damelhor prova disponvel (best evidence rule);

    Assim, este princpio probe sucedneosprobatrios, que so epistemologicamente menosdensos. Isto verifica-se em vrios domnios, umdeles o testemunho de ouvir dizer , aplicvel no

    sistema inquisitrio (denncia). Pode constituir umaopo contra-epistmica;

    No artigo 129. CPP, consagra-se que as vozespblicas e rumores no valem. S se pode valorar afonte mediata se o tribunal chamar a fonteimediata;

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    estrangeiro, isto , circunstncias que justificam aproduo imediata de prova, vlida no julgamento(registo antecipado de declaraes).

    y Princpio da publicidade o A publicidade dos julgamentos e, translatamente, do

    processo penal uma importante garantia para a justia. usual ver tal garantia numa dupla perspectiva :

    D e um prisma subjectivo : a publicidade exprimeuma garantia de defesa do arguido. nestadimenso que este princpio se encontrareconhecido na CEDH (artigo 6., n.1). Revela-se,assim, mais difcil lesar os seus direitos;

    D e um prisma objectivo : entende-se que apublicidade das audincias e, translatamente, doprocesso penal em geral, possibilita comunidadecontrolar, fiscalizar o desenvolvimento da actividadeprocessual judiciria. Deste modo, permite-sedissipar quaisquer desconfianas que possam existirquanto independncia e imparcialidade da justiapenal. E h quem veja mesmo na publicidadeprocessual uma decorrncia da ideia de democracia(artigo 2. CRP), como forma indirecta departicipao popular democrtica na administraoda Justia.

    o Num modelo processual como o nosso, de estrutura

    acusatria, no admira que se tenha consagrado esteprincpio, constitucionalmente plasmado no que dizrespeito s audincias, no artigo 206. CRP e no artigo321. CPP.

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    o Qual o contedo deste princpio? O mbito deste princpio vem descrito na Lei, no

    artigo 86., n.6 CPP. Significa, assim, a assistnciapelo pblico em geral dos actos processuais. Se

    pblico, pode contar-se o que l aconteceu (mesmopor via dos meios de comunicao social) e podeconsultar-se os autos e obter cpias (por exemplo : extrair certides).

    o Ao longo do processo, qual o seu relevo? igual em todoo processo penal?

    Na fase do julgamento, o princpio da publicidadetem uma incidncia muito grande, merecendoinclusive consagrao constitucional. Porm,mesmo no julgamento, no um princpio absoluto,conhecendo excepes. Com efeito, a publicidadeexterna pode, nalguns casos, ser limitada (artigo88. CPP), quer no que diz respeito assistnciapelo pblico, quer no que toca narrao dos actosprocessuais. A prpria Constituio, no artigo 206.,admite que haja restries publicidade, seja parasalvaguardar a dignidade das pessoas e a moralpblica, seja para garantir o normal funcionamentoda audincia (por exemplo : nos casos mediticos),concretizadas na Lei Processual Penal, no artigo 87.CPP, onde se descrevem casos onde pode haverexcluso da publicidade;

    H casos em que a excluso a norma (artigo 87.,

    n.3 CPP) e no a excepo. Os processos por crimesde trfico de pessoas e os crimes atentatrios daliberdade e autodeterminao sexual funcionam,em regra, com excluso da publicidade. Havendoexcluso da publicidade, podem assistir as pessoasmencionadas no artigo 87., n.4 CPP.

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    A leitura da sentena sempre pblica; O artigo 88., n.2 CPP estabelece os termos em que

    a Comunicao Social pode narrar os actosprocessuais, estando sujeita a restries muito

    importantes (por exemplo : divulgao da identidadedas vtimas), cuja violao est sujeita sanoprevista para o crime de desobedincia;

    O contedo do princpio da publicidade assume oseu mximo no julgamento. Contudo, h tambm asfases do inqurito e da instruo. At h poucotempo, vigorava o segredo de justia nas fases deinqurito e instruo, tornando-se o processopblico na fase de julgamento. Todavia, a lei mudourecentemente.

    Q uando se fala em segredo de justia , importaprecisar o sentido de tal conceito. usual decomportal noo em dois blocos ou categorias :

    Segredo interno : tendo um mbito subjectivode aplicao mais amplo, impede o acessoaos autos e elementos probatrios que nelesconstem s prprias pessoas envolvidas narelao processual, sobretudo o arguido e seudefensor, mas tambm a assistente e partescivis (por exemplo: requerimento de escutatelefnica pelo Ministrio Pblico). A eleesto vinculados o Ministrio Pblico, juzes efuncionrios judiciais.Q uanto menos segredo houver, mais risco hpara a investigao. Com o segredo interno ,visa-se garantir a eficcia da investigaocriminal, evitando intromisses quepudessem prejudicar a sua eficcia.

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    Segredo externo : a comunidade em geral nopode ter acesso ao contedo dos autos. Visa-se garantir a funcionalidade da mquina judiciria e a proteco da honra e intimidade

    das pessoas envolvidas.

    mbito do segredo de justia At 2007, o processo penal era pblico a

    partir da deciso instrutria. Este regimesofreu uma alterao profunda por fora dodenominado comummente Processo CasaPia , consagrada no artigo 86. CPP;

    Em 2007, foi operada uma revoluo, sendo,hoje, o processo penal de carcter pblico,sob pena de nulidade, desde o seu incio,admitindo-se, ainda assim, excepes/restries (artigo 86., n.2 CPP).

    o Assim, quando requerido, o juiz deinstruo pode determinar que oprocesso fique sujeito a segredo de justia, cujo contedo do artigo 86.,n. 8 CPP;

    o Tambm pode haver segredo de justiaquando o Ministrio Pblico entendaque a investigao assim o exige.Porm, esta sujeio do processo asegredo de justia est dependente davalidao pelo juiz de instruo, isto

    apesar de o MP dirigir a investigao ede o juiz de instruo estar dotado demenos elementos para fiscalizar talnecessidade;

    o Q uando o processo est em segredo de justia, o arguido, o assistente ou o

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    ofendido podem requerer o seulevantamento. Recusando o MinistrioPblico tal hiptese, ainda assim adeciso sobre tal questo reside no juiz

    de instruo criminal.

    As modificaes foram bastante profundas,tendo-se criado para o MP e rgos de polciacriminal grandes dificuldades. Da que, hquem tenha questionado se esta alteraoestava em conformidade com a CRP, maxime com o seu artigo 20., n.3, que consagra quea Lei assegurar a adequada proteco dosegredo de justia.