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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PRISCILLA MONA DE AMORIM LATAS D’ÁGUA NAS CABEÇAS: PERCEPÇÕES SOBRE A ÁGUA NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA CAVALO CUIABÁ-MT 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PRISCILLA MONA DE AMORIM

LATAS D’ÁGUA NAS CABEÇAS: PERCEPÇÕES SOBRE A ÁGUA NA

COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA CAVALO

CUIABÁ-MT

2017

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PRISCILLA MONA DE AMORIM

LATAS D’ÁGUA NAS CABEÇAS: PERCEPÇÕES SOBRE A ÁGUA NA

COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA CAVALO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação do Instituto de Educação

da Universidade Federal de Mato Grosso, como

parte dos requisitos necessários para a obtenção do

título de Mestre em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª REGINA APARECIDA DA SILVA

Coorientadora: Prof.ª Dr.ª MICHÈLE SATO

CUIABÁ-MT

2017

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Dedicatória

Dedico este trabalho aos quilombolas de Mata Cavalo, que por meio desta pesquisa

me mostraram que apesar das adversidades impostas, somos capazes de lutar pelo que

sonhamos e acreditamos, principalmente por um mundo justo e melhor para se viver.

À minha primeira mestre, minha Mãe (Zeine), professora da maior Universidade, a

Vida. Por ser a grande responsável por minha formação pessoal, pelo incentivo, carinho,

apoio e suporte ao longo da minha vida, fazendo com que tudo que tenho sonhado possa

ser realizado e também por me fazer enxergar que a vida é muito maior que aquilo que os

nossos olhos possam ver, nossas mãos possam tocar, os nossos ouvidos ouvir e as nossas

pernas alcançar...

, ,

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Agradecimentos

Durante a escrita desta dissertação pude contar com a colaboração de pessoas que são

e se tornaram fundamentais em minha vida pessoal e acadêmica, sem as quais seria

impossível a realização deste trabalho. Valorizar e reconhecer os que me apoiaram ao longo

desta caminhada é imprescindível e me remete a uma das mais belas palavras que conheço:

Gratidão! É por meio da gratidão que posso expressar toda a minha admiração e carinho aos

que contribuíram para a realização de mais um sonho. Assim, sou grata...

À minha mãe (Zeine), mulher guerreira, amorosa, generosa. Meu exemplo de

persistência e honestidade, por quem tenho enorme admiração, orgulho e gratidão por tudo

que fez e faz por mim e meus irmãos.

Ao meu irmão Thiago e a minha irmã Pamela por serem essenciais em minha vida.

Aos quais procuro ser o melhor exemplo possível de que quando acreditamos e lutamos por

nossos sonhos a realização é apenas uma consequência.

Ao Eronaldo por todo carinho, incentivo e companheirismo ao longo de mais esta

caminhada.

À minha enorme família (tios, tias, primos e primas) pelo incentivo e carinho que

sempre demonstram por mim.

Ao GPEA pela belíssima formação acadêmica e pessoal que este grupo pesquisador

me proporcionou e principalmente pela oportunidade de conhecer outros mundos e sonhar

novos sonhos.

À minha orientadora pela qual tenho enorme admiração, Regina. Gratidão a você por

toda atenção, paciência, incentivo, compreensão, carinho e ensinamentos, sem os quais nada

disso seria possível e pelos quais serei eternamente grata.

À minha querida coorientadora Michèle, pela paciência, carinho, ensinamentos e

generosidade que estão expressas em cada página desta dissertação e especialmente nas artes

que embelezam e dão leveza a esta pesquisa, que tem muito desta pessoa especial pela qual

tenho infinita admiração e gratidão.

A Michelle Jaber, não apenas pelos competentes ensinamentos acadêmicos que me

proporcionou, mas também pelo lindo exemplo de mulher guerreira e amorosa que é para

todos os que a cercam.

Aos colegas gpeanos Cássia, Denize, Edilaine, Giseli, Giselly, Herman, Júlio,

Ronaldo, Rosana e Thiago, pelos aprendizados e experiências que me proporcionaram nos

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colóquios, nas reuniões, na militância, nos trabalhos de campo e também nos momentos de

descontração.

Aos parceiros do Processo Formativo realizado em Mata Cavalo, Regina, Michelle,

Déborah, Nicolas, Edilaine, Elizete, Júlio e Giselly, gratidão pela parceria e aprendizados.

Aos moradores, estudantes, professores e funcionários da comunidade escolar do

quilombo Mata Cavalo por toda solicitude ao longo da realização desta pesquisa, a eles toda

minha admiração e carinho.

Aos membros da banca examinadora, Profa. Dra. Michelle Jaber, Profa. Dra. Lúcia

Shiguemi e Prof. Dr. Luiz Augusto Passos, aos quais dedico enorme admiração pela forma

amorosa e competente com que vivem e exercem suas profissões. A eles sou grata pelo belo

exemplo que são para mim e pelas valiosas contribuições.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, nas pessoas de Luísa, Márcia, Marisa e

Marcos, pelo suporte e por serem tão atenciosos nos momentos das dúvidas burocráticas.

Aos professores Edson, Cândida e Elizabeth e aos colegas do mestrado pelas valiosas

contribuições com a minha pesquisa durante as disciplinas cursadas.

À Déborah, Amanda, Cristiane, Raquel e Jucieli, colegas que se tornaram grandes

amigas e a quem sou grata pela parceria, risadas, comilanças, passeios e força nos momentos

difíceis desta caminhada.

À CAPES, pela bolsa e imprescindível contribuição financeira para a realização desta

pesquisa.

A Deus, pela graça da vida e saúde que me permitiu concluir mais esta caminhada.

Gratidão!

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RESUMO

Essa pesquisa teve como área de estudos a comunidade quilombola de Mata Cavalo,

localizada no município de Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. Esta comunidade

convive historicamente com diversas lutas, dentre elas, a busca pelo título definitivo de posse

da terra e o acesso à água. Tivemos o objetivo de compreender a percepção que a comunidade

escolar de Mata Cavalo tem sobre a natureza, principalmente a água, assim como os fatores

que eles atribuem à falta de água, como também, às dificuldades e aos conflitos existentes em

relação a este bem natural. Nossa pesquisa foi realizada na comunidade escolar da Escola

Estadual Tereza Conceição Arruda. Nosso aporte metodológico foi a Cartografia do

Imaginário (elaborada por Michèle Sato) que nos proporcionou muitas formas de interpretar,

valorizando todos os passos dados no caminho, compreendendo que o caminhar é tão

importante quanto onde se quer chegar. Realizamos trabalhos de campo com entrevistas

semiestruturadas e oficinas de mapeamento participativo. Historicamente, o acesso a água é

uma das maiores dificuldades enfrentadas no quilombo, os entrevistados percebem a água

como algo essencial à vida e apontam que as ações humanas têm afetado na qualidade e

disponibilidade deste bem natural. As temáticas água e educação ambiental são trabalhadas

pontualmente na escola da comunidade, fato que pouco contribui com a formação crítica

necessária aos quilombolas que poderiam ter a escola como um dos espaços para compreender

os problemas socioambientais vivenciados cotidianamente. A solução apontada

unanimemente pelos quilombolas para a falta de água é a construção de poços artesianos em

seus quintais, que se justifica pela urgência em ter acesso à água e ao acesso limitado aos

córregos. A maioria dos poços está localizada nas propriedades dos fazendeiros, em áreas

ainda não regularizadas e indenizadas. Por se tratar de algo essencial à vida, é necessário que

a educação ambiental enfatize este problema enfrentado pelos quilombolas, pois isso os

fragiliza e, juntamente com o descaso do poder público, os tornam ainda mais vulneráveis ao

racismo e as injustiças ambientais.

Palavras-Chave: Educação Ambiental. Água. Quilombolas. Mata Cavalo.

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ABSTRACT

This research considered the Quilombola community of Mata Cavalo, located in the

municipality of Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. This community has historically

coexisted with several struggles, among them, the search for the definitive title of possession

of the land and access to water. We aimed to understand the perception that the Mata Cavalo

school community has about nature, especially water, as well as the factors they attribute to

the lack of water, as well as the difficulties and conflicts that exist in relation to this natural

element. Our research was carried out in the school community of the Tereza Conceição

Arruda State School. Our methodological contribution was Cartography of the Imaginary

(elaborated by Michèle Sato) that gave us many ways to interpret, valuing all the steps along

the way, understanding that research ways are important as what we want to reach. We

conducted fieldwork with semi-structured interviews and participatory mapping workshops.

Historically, access to water is one of the greatest difficulties faced in the Quilombo, the

interviewees perceived the water as something essential to life and indicated that human

actions have affected the quality and availability of this natural source. The themes of water

and environmental education are worked on a regular basis in the community school, that

contributes to the critical education necessary for the Quilombolas, who could have the school

as one of the spaces to understand the social and environmental problems experienced daily.

The solution unanimously suggested by the Quilombolas for the lack of water is the

construction of artesian wells in their backyards, which is justified by the urgency to have

access to water and limited access to streams. Most of the wells are located on farmer

properties, in areas not yet regularized and indemnified. Because life is essential,

environmental education must emphasize this problem faced by the Quilombolas, which

weakens them and, together with the neglect of public power, makes them even more

vulnerable to racism and environmental injustices.

Keywords: Environmental Education. Water. Quilombolas. Mata Cavalo.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Disponibilidade Hídrica no Brasil e no Mundo................................................... 23

Figura 2: Aquífero Guarani ............................................................................................... 26

Figura3: Diferenças entre Agricultura Camponesa e Agronegócio .................................... 27

Figura4: Mapa da Comunidade Quilombola de Mata Cavalo ............................................ 46

Figura5: Dona Tereza ....................................................................................................... 48

Figura6: Córrego Mata Cavalo .......................................................................................... 50

Figura7: Escola Estadual Tereza Conceição Arruda .......................................................... 53

Figura8: Poço que abastecia a Escola Estadual Tereza Conceição Arruda ......................... 54

Figura9: Poço que abastece a Escola e a Comunidade Mata Cavalo .................................. 54

Figura 10: Sistematização das vivências com Escolas Sustentáveis ................................... 73

Figura11: Processo Formativo em Mata Cavalo ................................................................ 76

Figura 12: Arte da Placa de Inauguração da Casa da Cultura Quilombola ......................... 77

Figura 13: Construção da Casa da Cultura Quilombola ..................................................... 78

Figura 14: Mapeamento dos conflitos que envolvem a água na comunidade ..................... 79

Figura 15: Quilombola levando água do poço para sua casa com a lata d’água na cabeça .. 89

Figura 16: Água armazenada em tambores ao redor da casa quilombola ........................... 91

Figura 17: Quilombolas pegando água no poço da comunidade ........................................ 98

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LISTA DE TABELA

Tabela 01: Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis no

Quilombo Mata Cavalo ................................................................................................... 72

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANA Agência Nacional de Águas

ClimBAP Projeto sobre mudança Climática na Bacia do Alto Paraguai

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

COM-VIDA Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida

EJA Educação de Jovens e Adultos

FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso

GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAU Instituto Nacional de Áreas Úmidas

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INTERMAT Instituto de Terras de Mato Grosso

IPCC Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PAEC Projeto Ambiental Escolar Comunitário

PET Programa de Educação Tutorial

PLANSAB Plano Nacional de Saneamento Básico

PNSH Plano Nacional de Segurança Hídrica

PPP Projeto Político Pedagógico

SEDUC Secretaria de Estado de Educação

SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SIH Secretaria Infraestrutura Hídrica

TFC Trabalho Final de Curso

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

WWF World Wide Fund for Nature

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I: Nascentes e identidades... .............................................................................. 13

1.1 Biografia Ecológica e Educação Ambiental ............................................................... 14

CAPÍTULO II: Borbulhar das águas... ................................................................................. 21

2.1 Água: Um elemento natural histórico essencial à vida .................................................... 22

2.2 Água: O desafio do século XXI ...................................................................................... 31

2.3 Alterações na natureza e Justiça Ambiental .................................................................... 37

CAPÍTULO III: Formação do rio... ...................................................................................... 45

3.1 Comunidade Quilombola de Mata Cavalo: Território, história e resistência .................... 46

3.2 A água no contexto da Escola Estadual Tereza Conceição Arruda .................................. 53

3.3 Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e as pesquisas

realizadas no quilombo Mata Cavalo .................................................................................... 55

CAPÍTULO IV: O deslizar das águas... ................................................................................ 65

4.1 Caminhos Metodológicos ............................................................................................... 66

4.2 Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis ................................. 71

4.2.1 Mapeamento dos conflitos com a água no quilombo Mata Cavalo ............................... 78

4.3 Entrevistas semiestruturadas ........................................................................................... 80

CAPÍTULO V: O encontro com o mar... ............................................................................... 84

5.1 Resultados e Compreensão ............................................................................................. 85

5.1.1 Dimensão Axiomática ................................................................................................. 86

5.1.2 Dimensão Praxiológica ................................................................................................ 95

5.1.3 Dimensão Epistemológica ......................................................................................... 101

5.2 Considerações sobre a pesquisa .................................................................................... 104

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 109

APÊNDICE ........................................................................................................................... 112

ANEXO ....................................................................................................................... .......... 113

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CAPÍTULO I: Nascentes e identidades...

A Vida

Há tantas definições na vida

Bonitas, tristes, expressivas, inexpressivas

A vida.

Alguns já definiram a vida como um mar

Um mar revolto, encapelado

De ondas violentas

De naufrágios e tempestades

Um mar tempestuoso.

Outros definiram a vida: um rio

O rio é a minha definição da vida

O rio imenso, farto,

Com as suas corredeiras e as suas margens.

A sua corredeira, sobretudo

E sobretudo os seus remansos.

Porque todo rio tem a sua veia corrente

O seu veio de corredeiras e tem seus

remansos

E toda corredeira lança tudo para o

remanso

O remanso aproxima-se da margem.

Da correnteza ao remanso, uma eternidade

Do remanso à margem, um pulo.

A ânsia dos moços que vão pela correnteza

A compreensão, a filosofia dos velhos

lançados no remanso

E passados para as margens.

Eu fiz a travessia da minha vida

Do rio da minha vida

Cora Coralina

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1.1 Biografia Ecológica e Educação Ambiental

Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo

amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo

que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos,

para sabermos o que seremos.

Paulo Freire

A biografia ecológica é uma das características do nosso grupo pesquisador. Nessas

linhas recordamos a nossa história de vida e as experiências com a educação ambiental ao

longo da caminhada até o mestrado. Meu primeiro contato com a educação ambiental me

remete à infância, quando, durante as férias escolares, junto a irmãos e muitos primos/as

íamos para o sítio de um tio, onde passávamos semanas. Durante esse período o contato com a

natureza era intenso, pois haviam muitos animais, rios e grandes árvores. Passávamos os dias

correndo entre as enormes árvores, comendo os deliciosos frutos que elas nos proporcionavam

e pescando em vários rios.

As memórias são muitas e maravilhosas. Naquela época não tínhamos maturidade para

perceber a educação ambiental no dia-a-dia, mas hoje, ao recordar aqueles momentos, percebo

que quando os meus tios ensinavam a cuidar dos animais, dos rios, da natureza e retirar desta

somente o necessário, eles estavam nos ensinando um dos princípios da educação ambiental –

cuidar da vida. Eles nos mostravam que era necessário cuidar hoje para termos o que comer

amanhã, além do fato de que muitas famílias dependiam da natureza1. São estas as memórias

dos primeiros contatos com a educação ambiental.

No decorrer da vida escolar o contato com a educação ambiental foi, como na maioria

das escolas do nosso país, com temas pontuais, como, por exemplo: as datas comemorativas,

o Dia da Árvore, Dia da Água, Dia do Índio, etc. Nossa formação escolar realizou-se em

escola pública, onde a qualidade do ensino é discutível, onde as estruturas físicas precárias e

todas as falhas da estrutura governamental do país se fazem presentes.

Após a conclusão do Ensino Médio, iniciei a vida acadêmica no Curso de

Geografia/Licenciatura na Universidade Federal de Mato Grosso. No começo dessa

caminhada, a indecisão era uma constante, mas a paixão pela Geografia e pelo curso, me

proporcionou um novo olhar sobre o mundo e toda a sua dinâmica. É importante destacar que

1 Nesta pesquisa usamos os termos “bem, elemento natural e natureza” ao invés de “recurso natural”, sendo que este último apregoa apenas e, principalmente, um valor financeiro à natureza. A substituição do termo é adotada

pelo GPEA, que não vê a natureza apenas como fornecedora de matérias prima e algo rentável financeiramente,

mas como algo essencial à vida e que desta forma deve ser conservado e preservado.

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durante todos os semestres realizamos muitas aulas de campo, o que me permitiu conhecer

muitas realidades, adquirir uma visão mais ampla da área de atuação e contribuiu para o

amadurecimento pessoal.

Durante a graduação surgiu a oportunidade de fazer parte do Programa de Educação

Tutorial (PET). Um grupo de doze estudantes da Licenciatura e Bacharelado em Geografia,

que tem a Pesquisa, Ensino e Extensão como seu tripé de atuação. Ao longo de dois anos e

seis meses, junto a esse grupo, adquiri inúmeras experiências acadêmicas que contribuíram

sobremaneira para minha formação: desenvolvi o gosto pela pesquisa e enriqueci meu

conhecimento acadêmico por meio da produção de trabalhos, participação em eventos,

aplicação de cursos, desenvolvimento de pesquisas e oficinas em escolas, ações que nos

permitiam dialogar com estudantes de escolas públicas sobre alguns dos conhecimentos

adquiridos na academia. É importante ressaltar que os conhecimentos adquiridos neste grupo

complementavam os assuntos que eram tratados na graduação, oportunizando assim, uma

formação mais abrangente, sendo este o objetivo do programa.

No Trabalho Final de Curso (TFC), sob orientação da professora Giseli Nora, optamos

por estudar e entender um pouco mais sobre o uso da água nas escolas de educação básica e

posteriormente nas escolas sustentáveis2

. Pensamos na elaboração de um sistema de

reaproveitamento de água da chuva nestas escolas que sofrem com a falta de água, problema

este que afeta diretamente o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.

Diante das possibilidades de melhor utilização dos elementos naturais e de amenizar

os problemas com a falta de água nos espaços escolares, buscamos compreender a

possibilidade de reaproveitamento de água da chuva no ambiente escolar como uma forma de

amenizar os impactos sofridos pela falta de água, bem como na construção do

ensino/aprendizagem.

Observando e trabalhando com o Programa do Governo Federal Escolas Sustentáveis

compreendemos que a inserção desta temática na gestão, no currículo e no espaço escolar,

resultaria em escolas que teriam a educação e consciência ambiental como princípios de seu

funcionamento.

A fim de continuar este trabalho, transformei o TFC em um projeto para ingressar no

Programa de Pós-Graduação em Educação e no Grupo Pesquisador em Educação Ambiental,

Comunicação e Arte (GPEA). Em conjunto à minha orientadora do mestrado, Regina Silva,

2 Um programa resultado da parceria de diversas instituições que visa a construção de um ambiente escolar

sustentável em parceria com a comunidade, considerando suas dimensões (currículo, gestão e espaço físico),

como explicaremos adiante.

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ajustamos a proposta de trabalho, que passou a ser “A percepção dos quilombolas de Mata

Cavalo sobre a água e natureza”.

O ingresso no grupo pesquisador me proporcionou muitas transformações acadêmicas

e pessoais. Ao participar deste grupo não conseguimos mais olhar o mundo da mesma forma,

adquirimos uma nova forma de olhar e compreender. E a vontade de transformar o mundo

injusto em que vivemos. Ainda, durante minha participação no GPEA surgiu a oportunidade

de ser membro do Instituto Caracol, uma Organização Não Governamental (ONG) com

caráter socioambiental, que tem como objetivo favorecer os espaços da sociedade civil para a

militância, participação e controle social das políticas publicas relacionadas às dimensões

socioambientais. Aqui destaco a aprendizagem de muitas coisas, entre elas a importância da

militância em nossa formação enquanto estudante, cidadão e pessoa.

Nos caminhos percorridos durante o mestrado foi necessário renunciar: não apenas as

horas de lazer que tiveram que se transformar em horas de estudos, mas renúncia dos

conhecimentos e conceitos que já não faziam mais sentido, outras que ganharam novos

sentidos e outras que reforçaram o sentido. Como afirma minha coorientadora Sato (2011, p.

12), das diversas leituras realizadas, e de tantos desejos em querer mudar a vida, muitas coisas

ficarão de fora, e “é preciso ter coragem para renunciar certos conceitos ou sonhos, do

contrário uma matriz colorida ofuscará a compreensão exata daquilo que estamos propondo a

estudar”.

Este foi nosso percurso até a etapa final do mestrado, sempre com a certeza de que é

apenas o início do caminho, este que é longo e nem sempre fácil, mas caminhando é que

conquistamos nossos objetivos, alcançamos nossos sonhos, damos a mão para que outras

pessoas também alcancem os seus, fazemos as pessoas que amamos felizes e, principalmente,

nos tornamos pessoas melhores. Este foi o maior e melhor aprendizado durante esta

caminhada: tornar-me uma pessoa mais pessoa, uma cidadã mais cidadã, um ser humano mais

humano e quem sabe ter contribuído para a transformação de outras pessoas.

Para delinear o caminho metodológico desta pesquisa optamos pela Cartografia do

Imaginário. Ao indicar os caminhos deste tipo de cartografia a pesquisadora Sato (2011)

aponta algumas perguntas que devem delinear os trajetos da pesquisa: O que? Por quê? Onde?

Como? Quando? Quanto? Com quem? Para quem? Contra quem? Estas perguntas devem

revelar a razão da pesquisa e todos os aspectos que a envolvam.

É preciso ponderar o quê, por que ou onde queremos chegar. Mas estas não são as únicas perguntas a serem feitas numa viagem investigativa. Como

iremos chegar é um processo que interessa metodologicamente a construção

do sabor da viagem. O que poderemos levar nas mochilas, malas ou sacolas

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é outro item essencialmente importante, e quando viajaremos também, do

contrário podemos cometer a insensatez em levar biquínis em pleno inverno rigoroso de algum lugar. E também perguntar quanto custará esta aventura.

Haverá parceiros? Com quem posso viajar? [...] Para quem, afinal, esta

viagem é importante? Posso também realizar uma “self” viagem, buscando em mim significados que talvez precisem ser decifrados? (SATO, 2011, p.

5).

O que estamos pesquisando? Nossa pesquisa busca compreender a percepção que a

comunidade escolar de Mata Cavalo possui sobre a natureza, principalmente no que diz

respeito à água, assim como os fatores que eles atribuem à falta de água que afeta,

historicamente a comunidade, as dificuldades e os conflitos existentes em relação a este bem

natural, as percepções sobre mudanças ambientais e climáticas e suas perspectivas em relação

ao futuro da água e natureza no quilombo.

Onde estamos pesquisando? Nossa pesquisa tem como área de estudo a comunidade

quilombola de Mata Cavalo, localizada no município de Nossa Senhora do Livramento (MT).

Esta comunidade convive historicamente com diversas lutas, entre elas a batalha pelo título

definitivo de posse da terra e pelo acesso à água.

Por que estamos pesquisando isto? Esta pesquisa se realiza pelo fato de ser importante

conhecer a percepção de pessoas que acessam com dificuldade algo essencial à vida (água),

além do fato de ser importante dar visibilidade aos problemas enfrentados pelos grupos

sociais vulneráveis brasileiros, que além da falta de água, sofrem com a dificuldade de acesso

à terra, saúde, saneamento básico e qualidade de vida, estes que são direitos muitas vezes

negados pelo poder público.

Como estamos realizando esta pesquisa? A pesquisa teve início com levantamentos

bibliográficos que embasam nossos conhecimentos teóricos a respeito do tema que nos

propomos pesquisar, como os contextos da água e a história da comunidade quilombola de

Mata Cavalo. Realizamos ainda um Processo Formativo, oficina de mapeamento dos conflitos

pela água no quilombo, trabalhos de campo na comunidade pesquisada e entrevistas

semiestruturadas para a compreensão dos resultados que buscamos encontrar por meio desta

pesquisa.

Quando se realizou a pesquisa? Por se tratar de uma dissertação de mestrado, a

pesquisa foi realizada ao longo de dois anos. Iniciou em março de 2015 e objetivamos

concluí-la em março de 2017 com a apresentação final da dissertação de mestrado.

Quanto custou a pesquisa? O GPEA participou do projeto sobre mudança climática na

Bacia do Alto Paraguai (ClimBAP), sob a coordenação do professor Dr. Pierre Girard da

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UFMT. Nossa atividade investigativa relaciona-se com a compreensão sobre os fenômenos

climáticos da comunidade escolar (escola e seu entorno).

Por meio destas interpretações, iniciamos um processo de formação coincidente com

os processos das escolas sustentáveis (TRAJBER e SATO, 2010). Três grandes dimensões

orientaram a construção de Projetos Ambientais Escolares Comunitários (PAEC), conforme

Senra, Sato e Oliveira (2009):

1) Currículo: Que garantisse a inserção ambiental na escola, na transcendência de

projetos ou pessoas, mas em processo permanente em todos os níveis e idades;

2) Espaço: Que fosse compreendido como todo e qualquer lugar que pudesse ter

potência pedagógica, além das considerações e cuidados na bioarquitetura escolar, reformas

ou propostas ambientais;

3) Gestão: Que não fosse compreendido somente em seu caráter empresarial, mas

sobremaneira na proposição de meios, táticas e técnicas que pudessem consolidar os PAEC.

Convém sublinhar que as ecotécnicas eram meras partes de um processo muito mais

complexo.

A realização do Processo Formativo foi possível por meio da parceria entre a ONG

WWF (World WideFund for Nature) e INAU (Instituto Nacional de Áreas Úmidas) que

destinaram o valor de 30 mil reais para a formação no quilombo Mata Cavalo e na

comunidade pantaneira de São Pedro de Joselândia em Mato Grosso.

Os custos da pesquisa dependem do olhar de quem compreende este aspecto.

Financeiramente e fisicamente consideramos que foram poucos os gastos, considerando os

ganhos adquiridos e os que ainda serão obtidos. Além do conhecimento, a visibilidade que

será dada à injustiça ambiental e ao problema de falta de água enfrentado pela comunidade

quilombola de Mata Cavalo possui valor imprescindível.

Com quem estamos pesquisando? Esta pesquisa é realizada não só por uma

pesquisadora, mas por um grupo pesquisador (GPEA) que tem como uma das principais

filosofias o trabalho em equipe, fato que justifica o uso do “nós” ao invés de “eu” em muitos

momentos para referir aos passos dados nesta caminhada que foi realizada, em grande parte

coletivamente. Não abandonamos o uso do “eu” por compreender que, embora a maior parte

da pesquisa seja realizada de forma coletiva, há momentos em que é necessária a escrita

individual e que o caminhar não permite outra companhia além de si mesmo. Contamos

também com a participação da comunidade escolar de Mata Cavalo que nos proporcionou

enormes aprendizados.

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Para quem esta pesquisa está sendo realizada? Esta pesquisa está sendo realizada para

contribuir com a comunidade quilombola de Mata Cavalo, que além das injustiças ambientais

sofridas cotidianamente, ainda tem a falta de água como um dos maiores problemas

enfrentados pela comunidade. Além de ser uma importante ferramenta para dar visibilidade ao

problema que atinge historicamente este povo.

Contra quem? Esta era a pergunta de Freire (1992) ao indagar nosso compromisso

político enquanto educadores ou pesquisadores. Na interface das ciências, no mestrado na

UFMT, outra face se faz presente: o lado militante e político que busca enfrentar o poder do

agronegócio e do capital perverso à busca da inclusão social, proteção ecológica e justiça

econômica e ambiental.

“Self” viagem: A realização desta pesquisa nos proporcionou olhar o mundo com

outros olhos, com olhos de quem tem sede e vê a água em uma distância absurda para saciá-

la, com o cansaço de quem precisa carregar a lata d’água na cabeça para ter água para beber

em casa, com os olhos tristes de quem um dia viu um córrego transbordando água e história e

hoje vê apenas um filete de água poluído. Com um olhar de esperança de quem olha para o

futuro e consegue ver água em abundância em suas casas; córregos transbordando água e

esperança; e ainda, a natureza verde e viva como os moradores antigos relatam que um dia

foi.

São estes os caminhos percorridos e que ainda pretendemos percorrer nesta pesquisa,

desta forma para melhor compreensão do trabalho realizado esta dissertação está organizada

da seguinte forma:

No Capítulo I desta pesquisa apresento a Biografia Ecológica onde relatamos alguns

dos fatos relevantes de nossa caminhada até a entrada no Mestrado. Apresento as memórias

dos primeiros contatos com a educação ambiental, que ocorreram durante a infância e os

caminhos percorridos durante a realização desta pesquisa, mostrando como pretendemos

compreender a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água e natureza.

No Capítulo II abordamos o tema água em seus diversos aspectos. Inicialmente

apresentamos a importância da água para a humanidade e as diversas formas como ela se

apresenta em nosso planeta, mostrando também os conflitos e interesses que envolvem a água

na contemporaneidade. Apresentamos ainda a possibilidade das mudanças ambientais

locais/globais estarem ligadas direta ou indiretamente com as alterações na quantidade e

qualidade de água que temos disponível em nosso planeta.

No Capítulo III é apresentada uma contextualização histórica e social da comunidade

quilombola de Mata Cavalo, apontando alguns aspectos relevantes das lutas e características

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deste povo que ainda hoje tem muito para ser conquistado. Mostrando ainda como a água está

inserida no contexto escolar desta comunidade, considerando as dificuldades enfrentadas pela

escola para ter acesso a ela. Apresentamos um pouco da história do GPEA e a relação de

pesquisas e sentidos construídos ao longo de dez anos de parceria com a comunidade

quilombola Mata Cavalo.

No Capítulo IV indicamos que esta pesquisa tem um caráter qualitativo e segue a

metodologia da Cartografia do Imaginário. Relatamos o resultado da oficina de mapeamento

dos conflitos com a água (que foi realizado no decorrer do processo formativo em educação

ambiental) e escolas sustentáveis que foi promovido na escola da comunidade. Expomos que

os resultados foram obtidos por meio da realização de entrevistas semiestruturada com

estudantes e funcionários da escola, com moradores da comunidade e usuários do poço que

abastece a comunidade.

No Capítulo V apresentamos os resultados obtidos por meio dos trabalhos de campo e

entrevistas semiestruturadas que realizamos. Registramos algumas falas de nossos

entrevistados que revelam como percebem a água na comunidade, tanto por olhares

conflituosos, como por olhares de beleza e encantamento por este bem natural. Estas reflexões

e percepções são acompanhadas das ideias de alguns autores que dão suporte aos nossos

resultados e reforçam as reflexões dos entrevistados. A organização dos resultados foi

realizada considerando as dimensões das escolas sustentáveis, sendo elas: axiomática,

praxiológica e epistemológica. Apresentamos reflexões e percepções do tema pesquisado e

dos caminhos percorridos durante a pesquisa. É importante ressaltar que não pretendemos

com esta pesquisa extinguir os problemas dos quilombolas de Mata Cavalo, estes que são

afetados pela ausência de água e injustiças ambientais, mas sim dar visibilidade a um tema e a

um povo que vive às margens da sociedade. Na ultrapassagem do positivismo que vê a

pesquisa como solução de problemas, não tivemos a pretensão de dar um veredicto final sobre

a comunidade e sua relação com a água e natureza. Pretendemos compreendê-la na esteira da

fenomenologia proposta por Sato (2011) na Cartografia do Imaginário, buscando interpretar a

percepção de um povo que pode ter perdido muito na vida, menos sua capacidade de tecer

esperanças.

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CAPÍTULO II: Borbulhar das águas...

A falta d’água no mundo

Esta postagem é bem curta

Eu vou falar pra vocês Vim contar sobre a água

Mas com muita sensatez

Trago versos dum poema

Que nos deixou num dilema E se água acabar de vez?

De novo bem realista a ONU vem alertar

que na África e na China

a água pode faltar e conforme este argumento

não tendo planejamento

muita gente vai dançar

Sonho um Brasil d'água limpa

e vida cheia de moral

vencendo a poluição e qualquer um temporal

se no mundo água faltar

vamos daqui sustentar a demanda mundial[...]

Recuperar nossas águas

é nosso grande dever e convido a juventude

para lutar e vencer

e se alguém quiser mais água seja China ou Nicarágua

termos pra dar e vender

E não se deve estranhar se a escassez do produto,

levar potência estrangeira

a construir aguaduto até por baixo do mar

a fim de daqui levar

água mais pra seu reduto [...]

Pois nosso caso é dramático

Não dá pra se brincar

A FALTA D' ÁGUA NO MUNDO é coisa de arrepiar

se não houver uma ação

até em nossa nação a água pode faltar

João Batista Melo

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2.1 Água: Um elemento natural histórico essencial à vida

Entre os elementos naturais existentes podemos considerar a água um dos mais

importantes, pois é o único bem natural relacionado com todos os aspectos da civilização

humana. Como afirma Porto-Gonçalves (2004) têm-se noção da importância da água para o

desenvolvimento da humanidade quando observamos que é ao longo dos rios e litorais que se

concentram os maiores índices de densidade demográfica. Este fenômeno pode ser explicado

pelo fácil acesso à água e a utilização desta nas plantações, indústrias e serviços como um

todo, além da contribuição aos valores culturais da sociedade.

A origem e a manutenção da vida estão intimamente relacionadas com a água, sendo

que a sobrevivência dos seres vivos, tanto animais, quanto vegetais, são dependentes deste

elemento natural que é responsável pela manutenção da vida no Planeta. A água é inerente à

vida, de forma que é impossível dissociar uma da outra, assim pode-se considerar que o

próprio ser vivo é a água. Na reflexão de Porto-Gonçalves:

É sempre bom lembrar que a água é fluxo, movimento, circulação. Portanto,

por ela e com ela flui a vida e, assim, o ser vivo não se relaciona com a água:

ele é água. É como se a vida fosse um outro estado da matéria água, além do

líquido, do sólido e do gasoso – estado vivo (PORTO-GONÇALVES, 2004, p.152).

A água pode ser encontrada no ambiente em três estados físicos: sólido, líquido e

gasoso. O constante contato entre eles ocasiona o ciclo hidrológico, que pode ser comparado a

uma grande máquina de reciclagem da água, na qual operam processos tanto de transferência

entre os reservatórios como de transformação entre os estados gasoso, líquido e sólido

(TEIXEIRA, 2001). Este processo pode ser definido como o movimento contínuo das águas

presentes nos oceanos, continentes e atmosfera, devido à força da gravidade e energia do sol,

sendo de fundamental importância para a renovação e manutenção da qualidade da água.

Conforme Teixeira (2001), o ciclo hidrológico tem uma aplicação prática no estudo de

elementos hídricos que visa avaliar e monitorar a quantidade de água disponível na superfície

da Terra. A unidade geográfica para esses estudos é a bacia hidrográfica, definida como uma

área de captação da água de precipitação, demarcada por divisores topográficos, onde toda

água captada converge para um único ponto de saída (exutório). Desta forma, a bacia

hidrográfica é um sistema físico onde podemos quantificar o ciclo da água.

Do total de água encontrado no planeta, menos de 1% é adequado ao consumo

humano. Como afirma Barbosa (2014), 97,5% de toda água do planeta é salgada, enquanto a

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água doce, da qual muitos organismos vivos dependem, incluindo nós, representa 2,5% do

total, sendo que cerca de 75% disso está preso em calotas polares e glaciares, e outra parte

encontra-se em aquíferos. Na prática, menos de 1% da água do planeta está disponível em

locais de fácil acesso, como rios e lagos, para abastecer e alimentar seus 7,2 bilhões de

habitantes e outros seres vivos. Embora a quantidade disponível para consumo humano pareça

pouco em relação ao total de água disponível no planeta, esta quantidade é abundante, porém,

finita.

Pesquisando a distribuição dos bens hídricos do planeta, observa-se que o Brasil

possui grande parte da água consumível existente. A Agência Nacional de Águas (ANA)

apresentou, no Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil em 2013, que o país

é detentor de cerca de 12% de toda a água doce disponível no mundo, porém, a distribuição é

desigual, em torno de 68% estão concentrados na Região Hidrográfica Amazônica, onde se

concentra o menor contingente populacional, pouco mais de 5% da população brasileira,

como podemos observar na Figura 1:

Figura 1: Disponibilidade hídrica no Brasil e no mundo.

Fonte: ANA, 2010.

Apesar da abundância em quantidade de água doce, a distribuição desigual da água no

território brasileiro, dificulta o acesso de muitas pessoas a este elemento natural, considerando

Fonte: ANA, 2010.

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que as regiões Nordeste e Sudeste são as que apresentam maiores índices de densidade

demográfica e também as que possuem menor quantidade de água doce disponível em suas

regiões. É importante considerar também que as pessoas que mais sofrem com a distribuição

desigual da água no planeta, são os mais pobres e vulneráveis.

Ainda, de acordo com o relatório de Conjuntura de Recursos Hídricos do Brasil 2013,

toda a água doce que temos disponível em nosso território não é recomendada para consumo

direto do ser humano, considerando que apenas 6% da água doce no Brasil é considerada de

ótima qualidade, 76% de boa qualidade, 11% regular, 6% ruim e 1% de péssima qualidade.

Desta forma a água de boa qualidade para consumo humano é ainda mais limitado.

As águas consideradas de baixa qualidade para o consumo são encontradas,

principalmente, nos grandes centros urbanos, onde a poluição dos rios é constante, assim

como o desmatamento e a deficiência no tratamento de esgoto e lixo. Onde há maior número

de aglomeração de pessoas, há também maior descaso com a água.

O estado de Mato Grosso é considerado privilegiado quando o assunto em questão é a

água. Segundo a ANA (2010), em seu território encontram-se três grandes e importantes

bacias hidrográficas brasileiras: Amazônica, Platina e Tocantins/Araguaia, além de conter três

importantes biomas: a Floresta Amazônica, o Cerrado e o Pantanal, este último é a maior

planície alagável do mundo.

Independente da enorme riqueza hídrica, os rios de Mato Grosso vêm sofrendo com

grandes degradações, o que é resultado principalmente da base econômica do nosso estado, o

agronegócio. Esta atividade contribui para a degradação dos rios por meio do desmatamento,

poluição dos solos, além da grande quantidade de água demandada para a irrigação das

plantações.

Entre as formas de degradação ambientais provocadas pelo agronegócio o uso de

agrotóxicos pode ser considerado uma das formas mais nocivas à natureza e à vida como um

todo. Este mal afeta a todos direta ou indiretamente, mas os mais atingidos são os que

convivem diariamente com estes venenos. Uma dissertação de mestrado apresentada por

Palma (2011) e orientada pelo professor Wanderlei Pignati, mostra que o leite materno das

mães da cidade de Lucas do Rio Verde - MT foi contaminado, sendo que em 100% das

amostras foi encontrado no mínimo um tipo de princípio ativo dos agrotóxicos. De acordo

com o autor:

Independente do local de residência das nutrizes, quanto à distância das lavouras, as mesmas estão expostas aos efeitos dos agrotóxicos, devido a

localização do município em relação às lavouras e possivelmente foram

contaminadas através dos alimentos e componentes ambientais (ar, água,

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solo). O processo produtivo agrícola adotado no município de Lucas do Rio

Verde, com o uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras, foi determinante para a contaminação dos vários componentes ambientais, [...] e também deve

ter contribuído para a contaminação da população, das nutrizes e do leite

humano (PALMA, 2011, p. 84)

O estado de Mato Grosso assim como os demais, se encontra em ritmo de

desenvolvimento econômico crescente, porém, o cuidado ambiental não vem acompanhando

este crescimento, que vem seguido de desmatamento, poluição, assoreamento dos rios e do

solo e o uso desenfreado de agrotóxicos, que afeta diretamente todas as formas de vida, e

agora, comprovadamente, a vida humana desde a sua concepção.

Apesar da abundância, a distribuição da água em nosso estado é deficiente, assim

como o tratamento do esgoto. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), no ano de 2016, dos 141 municípios mato-grossenses apenas 31 possuem rede de

esgoto e 108 contam com o abastecimento de água. Diante destes aspectos, notamos que

apenas conhecer as fontes de água não é suficiente, sendo necessário conhecer seus usos e

impactos, e principalmente como colaborar com a preservação destes bens naturais que são

essenciais à vida.

É importante também não se preocupar apenas com o elemento natural em si, mas

também com os elementos que o cercam e são essenciais a sua manutenção. Como afirma

Automare (2015), no Brasil, a sociedade e os gestores privados dos elementos naturais

essenciais para a vida não consideram que a capacidade de recuperação de determinados

elementos naturais depende da manutenção e das condições de seu entorno. Quando falamos

da água não cuidamos de manter a paisagem em que se situam suas matas ciliares, diminuindo

a possibilidade de manutenção produtiva, dificultando a recuperação.

Dentre as águas disponíveis para consumo em nosso planeta, as águas subterrâneas são

mais proveitosas para o uso, pois são filtradas e purificadas naturalmente, o que é

determinante para a boa qualidade, dispensando tratamentos prévios, além de não ocupar

espaço na superfície e sofrer menor influência das variações climáticas.

Águas subterrâneas podem ser definidas como a água infiltrada no subsolo, onde a

força gravitacional e as características dos materiais presentes irão controlar o armazenamento

e o movimento das águas. De maneira simplificada, toda água que ocupa vazios em

formações rochosas ou no regolito é classificada como água subterrânea (TEIXEIRA, 2001).

Podemos citar como exemplo de água subterrânea e do grande potencial hídrico do Brasil, o

maior manancial do mundo, o Aquífero Guarani, que possui 2/3 localizados no Brasil. Este

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que está entre os principais sistemas aquíferos para abastecimento urbano de água no mundo

(ANA, 2010).

Conforme a ANA (2010) o Aquífero Guarani é o maior manancial de água doce do

mundo. Com um volume estimado de 46 mil quilômetros cúbicos, estas águas são utilizadas

com maior intensidade no Brasil do que nos países vizinhos para abastecimento público,

turismo termal e irrigação, entre outras utilizações. O aquífero estende-se pelo Brasil,

Paraguai, Uruguai e Argentina. A maior parte está inserida em no território brasileiro,

abrangendo os estados de Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo,

Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, como mostra a figura 2:

Figura 2: Aquífero Guarani

Fonte: ANA, 2010.

O abastecimento de água da população brasileira ocorre tanto por águas superficiais

como por águas subterrâneas. A maior ou menor frequência do uso desses mananciais

depende da localização, das demandas e da oferta de água que se tem disponível no local,

tanto em quantidade e qualidade, além da possibilidade técnica, financeira e institucional para

o melhor aproveitamento dos bens hídricos disponíveis.

A água possui um enorme valor econômico, ambiental e social, no entanto, um dos

principais desafios na atualidade, além do acesso de todos a este bem natural, é o atendimento

à demanda por água de boa qualidade. A agricultura merece maior atenção quando o assunto é

consumo de água, pois além de ser o setor que requer maior consumo, a aplicação de

agrotóxicos tem grande poder de devastação sobre este elemento natural por meio da

contaminação de nascentes, rios, solo e direta, ou indiretamente, os próprios seres vivos.

Nesse sentido, Porto-Gonçalves explica que:

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A agricultura é responsável pelo consumo de 70% da água de superfície no

planeta! Assim é todo o sistema agrário-agrícola que está implicado no “ciclo da água”! [...] Em todo o mundo, a indústria é responsável pelo

consumo de 20% da água superficial. Todo o sistema industrial se inscreve,

assim, como parte do “ciclo da água” e, deste modo, vai se mostrando toda a complexidade da relação sociedade-natureza implicada no ciclo da água

(PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 151).

A grande quantidade de água utilizada pelo agronegócio deve ser repensada,

principalmente quando se trata do Brasil, pois os grandes produtores de commodities

produzem apenas para a exportação, enquanto o país é abastecido pela agricultura camponesa

na qual o consumo de água não apresenta números expressivos, como acontece no

agronegócio, onde estes números tendem a crescer ainda mais, além de maior uso de mão de

obra e menor quantidade de terra, como podemos abaixo:

Figura 3: Diferenças entre Agricultura Camponesa e Agronegócio. Fonte: ROSSI, 2014.

Considerando a quantidade de água necessária para a utilização na agricultura

industrial, todos os contêineres que saem do Brasil diariamente, além das produções agrícolas,

percebemos que nosso país, mesmo que indiretamente, exporta grande parte da água que tem

disponível para consumo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Educação,

Ciência e Cultura (UNESCO) ao longo do ano o Brasil envia para o exterior, junto com as

commodities, cerca de 112 trilhões de litros de água doce. Sendo o quarto maior exportador

indireto de água, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Índia e China.

A quantidade de água que é utilizada na produção de alimentos poderia ser menor,

considerando a elevada quantidade de desperdício de alimentos que acontece no Brasil e no

mundo. Como afirma Barbosa (2014), o desperdício ultrajante de comida significa também

desperdício de elementos naturais, contribuindo assim para impactos ambientais negativos.

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De acordo com a ANA (2010), as indústrias aparecem em segundo lugar quando o

assunto é consumo de água. Além da poluição direta por emissão de poluentes no ambiente e

principalmente nos rios, ocorre também a poluição com o arrasto de lixo, resíduos e diversos

tipos de materiais sólidos que são depositados ou levados aos rios pelas enxurradas.

O reconhecimento da escassez e crise da água está crescendo em escala global, assim,

os investidores e consumidores estão cada vez mais exigentes com relação a atitudes das

empresas na preservação da água. As indústrias que tratam a água como um ponto estratégico

dentro dos seus negócios são mais valorizadas em relação às demais. Assim sendo, muitas

empresas procuram adotar o selo de consumo consciente de água não necessariamente

preocupando-se com a limitação deste bem natural, mas sim para passar uma imagem positiva

a seus consumidores a fim de manter o padrão de produção e ganhos financeiros.

Ainda de acordo com ANA (2010), o uso doméstico quanto ao consumo da água

aparece em terceiro lugar. O banheiro é responsável pela maior parte desse consumo, e

considerado uma forma cara de consumo devido aos grandes processos de tratamento que esta

água passa antes de chegar às residências. Ainda, o relatório aponta que a utilização desta

água nas residências ocorre de forma desnecessária e com grande número de desperdícios.

Por se tratar de bem natural essencial à vida, porém limitado, a água passou a ser

discutida politicamente e tendo destaque em congressos e conferências mundiais nos últimos

anos. No dia 28 de julho de 2010, por meio da resolução 64/292, a Organização das Nações

Unidas (ONU) declarou que a água limpa e segura e o saneamento são direitos humanos

essenciais para gozar plenamente a vida e todos os outros direitos humanos, sendo a água

essencial para a manutenção de todas as formas de vida em nosso planeta, não apenas a vida

dos seres humanos.

A partir de 1992, o dia 22 de março foi declarado pela ONU como o Dia Mundial da

Água. Esta data foi criada para que as discussões e cuidados em relação a água ganhassem

mais atenção. Não obstante, este tema é tratado de forma tímida, não recebendo a importância

que merece como afirma Porto-Gonçalves (2004), “a água não recebe o tratamento merecido

das autoridades sobre o assunto, podemos notar isto na forma como é tratada timidamente nos

documentos oficiais que tratam de questões ambientais”.

As principais conferências mundiais sobre o meio ambiente são realizadas pela ONU

(Organização das Nações Unidas), conferências como a de Estocolmo (1972)3, ECO 92

3 Conferência realizada no ano de 1972 na capital da Suécia, Estocolmo. Foi realizada com o intuito de

conscientizar a sociedade a melhorar a relação como o meio ambiente. É considerada a primeira atitude mundial

para preservação do meio ambiente (PESSINI; SGANZERLA, 2016).

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(1992)4, Rio + 10 (2002)

5e Rio + 20 (2012)

6, estabeleceram metas a serem cumpridas em

relação à conservação do ambiente natural e tiveram como resultados alguns documentos

oficiais como a Agenda 217, Carta da Terra

8 e Protocolo de Kyoto

9, que são assinados pelos

países que se comprometem com a melhoria do ambiente natural.

Se tomarmos tanto O nosso futuro comum, relatório da Comissão

Brundtland, com os diversos documentos e tratados saídos da Rio-92,

inclusive a Agenda XXI e a Carta da Terra, para ficarmos com as referências

mais importante do campo ambiental nos últimos vinte anos, chega a ser surpreendente o tratamento extremamente tímido que a água merece, se

comparamos com o destaque que vem merecendo na última década, a ponto

de ser apontada como a razão maior das guerras futuras (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 146).

Ainda que se trate de documentos oficiais e o planeta necessite de mudanças em

relação à sua conservação, são poucos os países que cumprem as metas propostas, e quando

estas não são cumpridas, são restabelecidas para os próximos anos com poucas mudanças. Ou

seja, as mudanças de atitudes dos seres humanos em relação à conservação da natureza são

sempre adiadas, e pode ser que o planeta não resista até os dias em que estas atitudes sejam

colocadas em prática.

O aumento populacional também é um fato que aponta para a necessidade de se

estabelecer critérios para o uso da água, principalmente com a grande migração do campo

para as cidades. Como assevera Barbosa (2014), somos seres cada vez mais urbanos. Hoje,

54% da população mundial vive em cidades, proporção que deverá aumentar para 66% até

2050. É um crescimento impressionante. Em 1950, apenas 746 milhões viviam em cidades.

Em 2014, a conta chegou a 3,9 bilhões.

A migração do campo para a cidade é o chamado êxodo rural e acontece por vários

motivos: a substituição da mão de obra por máquinas modernas que dispensam o trabalho

4 Também chamada de Cúpula da Terra, foi realizada no ano de 1992 na cidade do Rio de Janeiro e tinha o

objetivo de debater formas de desenvolvimento sustentável (PESSINI; SGANZERLA, 2016). 5 Conhecida também como Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, foi realizada no ano de 2002

em Johanesburgo, África do Sul. Teve como objetivo discutir as soluções já propostas na Agenda 21(PESSINI;

SGANZERLA, 2016). 6 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - foi realizada no ano de 2012 na cidade

do Rio de Janeiro. Teve como objetivo a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável

(PESSINI; SGANZERLA, 2016). 7 Documento que contém um conjunto de resoluções tomadas na conferência Eco-92 (PESSINI; SGANZERLA, 2016). 8 Documento proposto pela ONU em 1987, para defender os interesses sustentáveis, a paz e a justiça econômica

(PESSINI; SGANZERLA, 2016). 9 Entrou oficialmente em vigor no ano de 2005, após ter sido discutido e negociado em 1997 na cidade de Kyoto,

Japão. Teve por objetivo propor a redução da emissão de gases poluentes na atmosfera (PESSINI;

SGANZERLA, 2016).

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humano, a concentração de grandes terras nas mãos de poucas pessoas e também a busca por

facilidades e modernidades nos afazeres do cotidiano.

Na maioria das vezes o crescimento das cidades ocorre sem planejamento, e a ideia

que as pessoas tinham de melhorar de vida não acontece em razão da falta de acesso aos

serviços básicos que o cidadão tem direito. A expansão das cidades causa a demanda por

maior uso dos elementos naturais e consequentemente maior degradação da natureza. Para

Barbosa,

O uso de terra e solo causam particular preocupação, uma vez que são

recursos não renováveis em sua maioria. A má ocupação transforma

drasticamente as propriedades da terra, reduzindo a sua capacidade de desempenhar funções essenciais no ciclo hidrológico (BARBOSA, 2014, p.

32).

A urbanização sem planejamento ou qualquer tipo de cuidados não provoca apenas a

degradação dos elementos naturais, mas também a deterioração da sociedade em vários

aspectos. A exclusão social e a concentração de renda também são efeitos negativos deste

processo de expansão desordenada.

No Brasil, no dia 8 de janeiro de 1997 foi instituída a Política Nacional de Recursos

Hídricos e criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, a Lei nº 9.433

conhecida como a “Lei das águas”. Por se tratar de um país que possui ampla extensão

territorial, grande volume de água potável e diversas atividades que demandam o uso de água,

fez-se necessário estabelecer critérios e limites para o uso deste elemento natural.

A água é um direito de todos, conforme cita o artigo 1º da Lei 9.433 (BRASIL, 1997),

a água é um bem de domínio público, ou seja, todos podem e deve ter acesso a água. Porém

esta água deve ser de boa qualidade, e conforme cita o artigo 2º deve-se assegurar à atual e às

futuras gerações a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos

respectivos usos.

Por meio da Lei 9.984, de 17 de julho de 2000, foi criada a Agência Nacional de

Águas (ANA), que tem a competência de formular a Política Nacional dos Recursos Hídricos,

além de articular os planejamentos em todas as esferas políticas que envolvam o elemento

natural água (BRASIL, 2000). Ainda, o Ministério da Integração Nacional (2000), por

intermédio da Secretaria de Infraestrutura Hídrica (SIH), e a ANA, criaram em 2014 o Plano

Nacional de Segurança Hídrica (PNSH), que é voltado ao estabelecimento de diretrizes e

critérios para identificação de intervenções estruturantes de caráter estratégico em todo o

território nacional, a seleção e o detalhamento das intervenções que satisfaçam as diretrizes e

critérios elencados, propiciando a garantia da oferta de água para o abastecimento humano e o

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atendimento de demandas do setor produtivo, bem como a redução dos riscos associados a

eventos críticos (secas e cheias).

Este documento define ainda que a segurança hídrica está associada à garantia da

oferta de água para o abastecimento humano e para as atividades produtivas, de forma que se

possa enfrentar as secas e estiagens ou qualquer desequilíbrio entre a oferta e a demanda de

água que signifique restrição ao consumo e, consequentemente, ao desenvolvimento

econômico e regional.

Embora a água seja encontrada em abundância em nosso planeta, pouca parte desta é

consumível, e esta pouca parte é suficiente para atender a todas as necessidades dos seres

vivos, ainda que este seja um elemento natural limitado e independentemente de leis ou

decretos, a água é um bem necessário e deve ser acessível a todos.

Ter acesso à água, no entanto, não é uma questão de escolha. Todos

precisam dela. O próprio fato de que ela não pode ser substituída por nada

mais, faz da água um bem básico que não pode ser subordinado a um único princípio setorial de regulamentação, legitimação e valorização; ela se

enquadra nos princípios do funcionamento da sociedade como um todo. Isso

é precisamente aquilo que se chama de um bem social, um bem comum,

básico a qualquer comunidade humana (PETRELLA, 2002, p. 84).

A água é um elemento natural de valor inestimável, desta forma, não deve ser tratada

como um recurso, mas como um bem natural, social, cultural e comum a todos. Diante de

tamanha importância é necessário repensar a forma como este bem natural vem sendo tratado

nos dias atuais, principalmente nas formas de conservação por se tratar de um bem essencial a

vida, porém limitado.

2.2 Água: O desafio do século XXI

Em razão da sua importância para a sobrevivência dos seres vivos, principalmente o

ser humano, a água é considerada estratégica e valorosa em diversos aspectos, diante destes

fatos se torna alvo de disputas que ocasionam inúmeros conflitos. Desde muito tempo a água

vem se tornando um elemento em disputa, podendo ser considerado motivo de guerras e

conflitos socioambientais. Principalmente nos dias atuais em que este bem natural vem se

tornando escasso.

A história das relações entre os seres humanos e a água é difícil, tumultuada

e fascinante. É uma história de inclusão e de exclusão, de cooperação e de guerra, de racionalidade e de mistificação, de arte e de destruição. Desde os

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tempos primórdios, a água sempre foi um dos reguladores sociais mais

importantes (PETRELLA, 2002, p. 59).

Considerado direito do cidadão, a água vem apresentando outros sentidos além deste,

principalmente quando está associada ao capitalismo. De acordo com Automare (2015), a

água no modelo atual de mercado capitalista assume o papel de "bem econômico" e não

"direito do cidadão”. Entende-se que não basta ser cidadão para ter direito a água, é

necessário capital para adquirir o bem econômico que a água se tornou. Nesta perspectiva, os

desfavorecidos economicamente encontram, além das dificuldades naturais, também as

financeiras impostas pela ganância humana.

Nos dias atuais as disputas pelo controle da água estão cada vez mais acirradas. Isso se

justifica pelo fato de antigamente a escassez de água ter atingido somente as populações

desfavorecidas economicamente, enquanto hoje este problema atinge a todos, independente de

classe social, fato que também explica o destaque que o assunto tem atualmente. É importante

considerar que as pessoas com maior poder aquisitivo encontram menores dificuldades para

resolver os problemas que enfrentam com a falta de água, considerando a influência do

capitalismo na sociedade que vivemos.

Apesar desse súbito interesse pela água ser recente a água já era um

problema há muito tempo para parcelas significativas da população, sobretudo os mais pobres. [...] enquanto a água foi um problema somente

para as maiorias mais pobres da população, o assunto se manteve sem o

devido destaque (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 146).

Mesmo que a escassez de água atinja toda a sociedade independente de classe

econômica, as pessoas mais pobres são as mais atingidas. Se observarmos pelo viés da

agricultura ou produção de alimentos, durante os períodos de escassez é comum elevar o

preço dos alimentos devido a dificuldade de acesso a água, fato que encarece todo o processo

de produção, e os que mais sentem este encarecimento são os consumidores que possuem

menor poder aquisitivo.

A exclusão social é estimulada pelo próprio governo, isto ocorre quando o mesmo

promove a valorização de determinadas áreas dentro das cidades e estabelece valores que

pessoas que não possuem maior poder aquisitivo jamais poderão adquirir. Desta forma, criam-

se as barreiras de habitação onde as diferenças sociais são enormes, e o acesso aos serviços

básicos de qualidade fica prejudicado - só tem acesso a este quem pode pagar.

Os lugares que apresentam grandes diferenças sociais apresentam baixa qualidade e

expectativa de vida, estão em constantes conflitos e estão, consequentemente, mais expostos à

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carência dos bens naturais. Quando se trata da água, pela importância que este elemento

natural exerce na vida das pessoas, a falta deste bem torna estes lugares ainda mais

vulneráveis.

Na atualidade, a escassez é um dos principais problemas que envolvem a água. No

entanto, o processo de escassez da água não ocorreu repentinamente, além de ser um bem

natural limitado, fatores como desperdícios, poluição, desmatamentos e assoreamentos

contribuíram e ainda contribuem com a diminuição da água. Logo, quando determinado

problema não impacta de imediato a humanidade, este só é percebido quando acontece,

desconsiderando todo o processo que ocasionou tal acontecimento. Como afirma Automare

(2015), de forma irresponsável, crises e catástrofes sociais são consideradas somente quando

acontecem, motivo pelo qual essas questões não chamam a atenção da população.

O desperdício de água e a ausência de políticas ambientais eficientes são os fatores

que mais contribuem para a escassez de água no Brasil. Segundo uma pesquisa realizada pelo

Trata Brasil no ano de 201510

, o índice de desperdício de água potável no Brasil é de 37%

durante o processo de distribuição. A perda desta água é causada por conta de vazamentos,

pelo uso de hidrômetros adulterados, por ligações clandestinas, pela manutenção inadequada

das redes, e ainda poluição e mudanças climáticas, que são provocadas e/ou agravadas por

ações impensáveis e desenfreadas da humanidade. A urbanização é outro fator que contribui

com este processo de escassez e aumenta a necessidade por água.

A urbanização se coloca como um componente importante dessa maior demanda por água. Afinal, um habitante urbano consome em média três

vezes mais água do que um habitante rural, assim como a pegada ecológica,

água incluída, entre os habitantes do Primeiro Mundo e os Terceiro Mundo é extremamente desigual (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 153).

Por se tratar de um elemento natural limitado, o consumo da água deve ser planejado.

E este planejamento atrai grandes empresários, que vêm a água como uma grande

oportunidade de negócio. Junto a este fato o Poder Público objetiva se livrar das

responsabilidades que tem com os cidadãos conduzindo as responsabilidades para o Poder

Privado. É assim que estão ocorrendo os processos de privatização dos serviços públicos,

principalmente a água. Como afirma Petrella (2002, p. 33), a parceria público/privado com

relação à água tende a cultivar e a implementar as visões e abordagens do setor privado de

forma que a água (a fonte da vida) está em perigo de tornar-se gradualmente uma das

10 Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento-2015

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principais fontes de lucro, uma das últimas áreas a serem conquistadas para a acumulação

privada de capital.

O valor econômico atribuído a água nos últimos anos tem sido denominado de

“hidronegócio”, isso em alusão ao agronegócio que tem transformado todos os bens naturais

em mercadorias, fato que já está ocorrendo com a água atualmente. Para que ocorra a

privatização da água, os órgãos públicos costumam sucatear os serviços de abastecimento,

dando a entender para a população que não está conseguindo cumprir suas obrigações e nem

manter a qualidade dos serviços prestados. Ainda, aponta a concessão à iniciativa privada

como a melhor saída para o problema.

O discurso da qualidade foi um dos principais argumentos invocados para

toda a política de liberalização e privatização dos serviços de abastecimento e tratamento de água, cuja melhoria e ampliação estaria o Estado

impossibilitado de fazer por falta de recursos para investimentos (PORTO-

GONÇALVES, 2006, p. 439).

A partir da concessão dos serviços à iniciativa privada, o Poder Público se livra das

cobranças, estas que agora devem ser dirigidas às empresas responsáveis pelo ofício.

Cobranças que acontecem com frequência, pois os serviços prestados pela iniciativa privada

raramente são de boa qualidade, considerando ainda que muitas empresas que fornecem os

serviços têm alguma ligação com as autoridades políticas que lhe concederam o ofício, ou

seja, há todo um interesse, principalmente financeiro, por trás destas concessões precipitadas.

Petrella (2002, p. 58) afirma que uma das causas principais do problema da água nas

sociedades contemporâneas é o poder político, tecnocrático, econômico, financeiro, simbólico

e cultural exercido pela geração de “senhores” para quem a própria água é uma fonte de

poder, de riqueza e de dominação.

Devemos considerar ainda que a gestão das águas não deve estar ligada apenas ao

consumo, mas também à água já utilizada que é devolvida incorretamente para a natureza. As

carências no setor de saneamento básico implicam danos à qualidade de vida e à economia em

um todo, como afirma Barbosa (2014), a má gestão dos recursos hídricos traduz-se em

poluição e na redução da oferta de água limpa e segura, que, além de comprometer a saúde da

população, afeta a produção de alimentos, as indústrias e a geração de energia elétrica, assim

como o turismo, entre outros setores econômicos.

No Brasil é comum os interesses particulares dos políticos prevalecerem em relação

aos interesses e necessidades comuns da população. E com a água não é diferente, mesmo se

tratando de algo fundamental à vida e direito de todos, o egoísmo e os benefícios particulares

se tornam mais relevantes que o bem estar e a própria vida do cidadão. Petrella explica que:

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A ideia de que a água deve ser considerada principalmente como um bem

econômico ou um recurso comercializável, e que as leis do mercado irão,

portanto, permitir que os problemas da escassez ou até mesmo que os conflitos entre países sejam solucionados, é profundamente simplista. É

baseada em uma escolha puramente ideológica que, no momento em que dá

prioridade ao valor econômico em detrimento de todos os outros valores, está enfatizando apenas uma das muitas dimensões específicas da água

(PETRELLA, 2002, p.83).

Nas grandes cidades as empresas que detém o controle da água também possuem a

responsabilidade sobre o saneamento básico. A deficiência do saneamento básico é enorme,

não somente no Brasil, mas no mundo todo, pois menos da metade do esgoto recebe o

tratamento adequado, fato que resulta em outros problemas que atingem com mais intensidade

as pessoas desfavorecidas economicamente e socialmente vulneráveis. Nesse sentido, Barbosa

explana que:

Quase 2,5 bilhões de pessoas (40% da população mundial) ainda não têm acesso a saneamento básico adequado. A falta de tratamento de água e

ausência de redes de esgoto compromete a qualidade dos recursos naturais e

a saúde humana, facilitando a disseminação de uma série de doenças,

algumas até fatais. Os mais afetados são pobres e vivem em áreas de zonas rurais remotas ou bairros urbanos marginalizados (BARBOSA, 2014, p. 12).

Quando não é dado ao esgoto o tratamento correto, ele é lançado nos cursos d’água e o

lixo é depositado a céu aberto sem quaisquer estudos necessários ou planejamentos. Desta

forma toda a natureza é afetada, e também os seres humanos que sofrem impactos diretos da

falta destes serviços, principalmente os que têm contato direto com estas impurezas.

Como afirma Barbosa (2014), a falta de serviços básicos de saneamento fere o direito

à vida, uma vez que as condições insalubres de moradia colocam em risco a saúde física da

população. Se tratando de água, sua ausência ou contaminação torna-se fator limitante para o

próprio desenvolvimento socioeconômico.

Quando oferecido de forma correta à população, o saneamento básico provoca grandes

benefícios, porém o acesso de todos a estes serviços ainda é um desafio a ser superado. Para

que este serviço seja oferecido a toda população é preciso o envolvimento de muitos

segmentos sociais, e é claro com o dever e papel fundamental do poder público. Estes serviços

estão intimamente relacionados à promoção de qualidade de vida, ao processo de proteção dos

ambientes naturais, em especial dos elementos hídricos.

Em abril de 2011 foi aprovada a Proposta de Plano Nacional de Saneamento Básico

(PLANSAB) para regulamentar os serviços de saneamento básico no Brasil. Este documento

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orienta o planejamento para os próximos 20 anos no setor, entendido como os serviços de

abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de manejo de águas pluviais urbanas e dos

resíduos sólidos. O PLANSAB aponta ainda o total de investimentos que devem ser feitos

nestes setores nos próximos anos.

É perceptível a importância que estes serviços têm para a população e os danos para a

mesma em detrimento da sua ausência. Assim como o acesso à água de boa qualidade é

essencial, os serviços de saneamento básico também são importantes, pois como o nome

mesmo diz, é um dos serviços “básicos” que a população deve ter acesso.

No Brasil, os conflitos pelo controle da água envolvem ainda a construção de

hidroelétricas e muitos conflitos neste caso são resultados da intensa participação popular, que

busca conservar os elementos naturais que podem ser danificados pela interferência de

atividades com potencial de causar impactos na disponibilidade ou qualidade da água. A

construção destas enormes intervenções no ambiente natural afeta, principalmente, os grupos

sociais mais vulneráveis, visto que a maioria destes vive e retira da natureza os elementos

necessários para sua sobrevivência e sustento do seu povo.

A implantação das hidrelétricas é importante para o país, pois estas são as fontes de

energia que irão abastecer a população, mas os impactos gerados pela construção não

compensam tais benefícios. Estes impactos são variáveis de acordo com a população,

geralmente é determinada a remoção dos povos para outra área, é feita a inundação de grandes

áreas, a destruição de florestas e rios, a fauna e a flora são atingidas diretamente, além do fato

de muitas destas pessoas tirarem do rio o sustento de suas famílias e estas intervenções na

natureza acabam os impedindo de tais atividades.

Os conflitos que envolvem a água são enormes e a ganância do ser humano é um dos

fatores que contribuem para estes embates. Os padrões de consumo estabelecidos pela mídia

não considera a capacidade da natureza de acompanhá-los. Infelizmente a quantidade dos

bens naturais existentes não acompanham o crescimento do consumo e populacional,

considerando o quadro atual as previsões para o futuro não são otimistas.

Com a perspectiva de a escassez hídrica afetar quatro bilhões de pessoas até

2050, criam-se as condições para um século marcado por conflitos em torno

da água. À medida que a qualidade dos recursos hídricos piora e a

quantidade disponível tem de atender às crescentes demandas ao longo do tempo, a competição entre os usuários de água se intensifica (BARBOSA,

2014, p. 129).

Historicamente a água foi o elemento decisivo de várias guerras, mas os quadros atuais

se configuram para uma guerra pela água, e uma vez que a água está envolvida em todos os

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aspectos da vida esta guerra pode ser devastadora e talvez mais dolorosa, pois se trata de uma

guerra por algo essencial e insubstituível. Porto-Gonçalves (2004, p. 444), afirma que já

estamos imersos numa guerra mundial envolvendo a água, de forma que em todo lugar onde

há tentativa de se apropriar da água há resistência.

Os conflitos em relação a água crescem a cada dia e alguns fatores contribuem para o

aumento destes conflitos, como o aumento no preço dos alimentos, a má gestão dos elementos

naturais e as mudanças ambientais, são motivos que influenciam estes conflitos. Ao

considerarmos que a água é um bem comum e se administrada de forma justa e igualitária

compreendemos que todos podem ser contemplados com este elemento natural, evitando

assim conflitos e guerras.

Mesmo sendo considerado um direito de todos, o acesso a água de boa qualidade não é

privilégio de todos, principalmente quando se trata de pessoas desfavorecidas

economicamente. É função dos órgãos políticos competentes estabelecer critérios de uso da

água tanto para as pessoas, quanto para indústrias, incentivar e realizar a conservação das

diversas formas de apresentação da água no ambiente e garantir que todos tenham acesso ao

saneamento básico e a água de boa qualidade. Ainda se faz importante mudar o quadro atual

da água no planeta. Petrella salienta que:

Da maneira como estão as coisas, a água potável em particular não é

acessível para um grande e crescente número de pessoas e a poluição cada vez maior da água da superfície e subterrânea, ao lado de muitos outros

fatores, não nos estimula a pensar que o futuro será mais favorável

(PETRELLA, 2002, p. 24).

Como mencionado, a água possibilitou a construção de cidades, mas a sua falta e mau

uso está roubando dessas cidades a possibilidade de um futuro. Porém, nem tudo está perdido,

atitudes podem e devem ser tomadas, a natureza necessita e a vida agradece.

2.3 Alterações na natureza e Justiça Ambiental

O meio em que vivemos passa por constantes e intensas mudanças. Estas

transformações são ocasionadas por processos naturais da natureza e também por intervenção

dos seres humanos na natureza. Desde o surgimento do planeta as mudanças ambientais são

contínuas, seja por processos naturais ou pela ação humana, mas nos últimos anos

principalmente em consequência da crescente intervenção humana, as alterações no ambiente

são mais notáveis e prejudiciais à natureza e a todos os seres vivos.

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O modelo atual de desenvolvimento tem impulsionado o ser humano a buscar o

crescimento e a industrialização, e consequentemente o aumento do consumo, que tem como

prerrogativa igualar o patamar de desenvolvimento das nações. Mas como afirma Leroy

(2002, p. 14), a verdade é que não importa o quanto nos esforcemos, o fosso das

desigualdades entre essas nações e o resto do mundo não diminui, ao contrário, só cresce.

A utopia de que todas as nações podem alcançar o mesmo patamar de

desenvolvimento é a forma que a minoria detentora da concentração de renda mundial

encontrou para justificar a destruição em massa dos elementos naturais. E são justamente

estes os responsáveis pela maior parte da destruição em massa dos bens naturais presentes em

nosso planeta. Segundo Leroy (2002, p. 15) essa minoria gasta muito além da conta e vive

segundo padrões de consumo completamente insustentáveis.

As ações antrópicas na natureza ocorrem desde a existência do ser humano no planeta.

Desde o princípio o ser humano interage com esta, de forma que ele próprio é parte da

natureza, porém, o sentimento de pertencimento à natureza vem se perdendo. Para sua

sobrevivência os elementos naturais mais importantes para o ser humano são o ar, a água e os

alimentos. Anteriormente era retirado da natureza somente o essencial; a degradação

provocada por esta retirada eram de pequenas proporções, considerando ainda que neste

período as ambições, as necessidades e as tecnologias existentes eram diferentes.

Com o passar do tempo as ambições, as necessidades e as tecnologias foram

aumentando, e consequentemente a necessidade de retirar da natureza os elementos naturais

necessários para acompanhar esse crescimento também cresceram. As mudanças ambientais

estão cada vez mais presentes em nossa vida, este fato nos leva a refletir quanto ao modo

como estamos interagindo com o meio em que vivemos.

Temos o conhecimento de que os elementos naturais disponíveis para nossa

sobrevivência são limitados, no entanto, nossas atitudes diante deles pouco consideram os

seus limites. Com o surgimento do capitalismo além da degradação material do planeta temos

que lidar ainda com novas imposições de cidadania em que a ordem principal é o consumo

desenfreado e desnecessário.

A verdade é que o advento do capitalismo não deu início apenas a uma

operação de apropriação ideológica do mundo material, que aliás ainda está em curso. Muito mais do que isso, decompôs e degradou o imaginário social,

impondo-nos uma noção de cidadania a ser adquirida e medida através do

poder de compra, de consumo, ameaçando assim transformar nossos sonhos para o futuro num grandioso pesadelo que pode crescer até consumir todo o

planeta (LEROY, 2002, p. 23).

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O ser humano está em constante busca pelo bem estar e pelo atual padrão de vida

julgado ideal pela sociedade: quanto maior poder aquisitivo, maior a felicidade. No mundo

capitalista em que vivemos é praticamente impossível viver sem consumir, mas as pessoas

deixaram de consumir por necessidade e estão consumindo por futilidade. Logo, a

preocupação com os elementos naturais acaba ficando em segundo plano, se tornando quase

insignificante diante da ganância, de forma que o mais importante se torna o ter, e não o ser.

As mudanças nos padrões de produção e consumo na atualidade são agravantes do

processo de degradação ambiental. A necessidade tanto de consumo, quanto da conservação

ambiental, coloca a sociedade diante de um dos seus maiores desafios, que é a sintonia entre o

consumo e a conservação ambiental, para que se mantenha um padrão de consumo ativo para

manter a economia, porém, respeitando as limitações da natureza.

Diante da necessidade de se retirar da natureza elementos naturais para a manutenção

da vida humana e ainda respeitar os limites impostos pela natureza, se faz necessário optar por

um modo de produção e consumo que atenda as necessidades humanas, mas que também

respeite o tempo e o limite necessário para a recuperação e manutenção dos nossos bens

naturais.

Perante os quadros políticos, econômicos e sociais atuais é difícil imaginar que a

sustentabilidade possa fazer parte do nosso cotidiano, se tornando algo quase utópico diante

da ganância humana, que desconsidera qualquer limite da natureza. O aumento do consumo e

da produção aumenta a demanda por elementos naturais, o que resulta na degradação em

grande escala dos elementos naturais.

A degradação maior está pautada em um modelo de desenvolvimento de concentração

de renda/terras nas mãos da minoria. Segundo dados do INCRA as grandes propriedades

rurais somam hoje no Brasil 244 milhões de hectares. O agronegócio é um exemplo da

distribuição desigual de terra, e como já dissemos anteriormente, é justamente esta minoria

que detém o poder sobre as maiores áreas e são os responsáveis pela maior parte da

degradação da natureza.

O “mal desenvolvimento” brasileiro não resulta do insuficiente

aproveitamento dos recursos do país, mas sim do modo pelo qual eles são

distribuídos. O sentido da integração do território e da distribuição de seus recursos é que é posto em questão pelos efeitos daninhos de um modelo que

tem por base a expansão do mercado, a aceleração dos ritmos de produção e

de trabalho e a miserabilização em massa dos trabalhadores (LEROY, 2002, p. 67).

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O equilíbrio entre o consumo consciente e a conservação dos bens naturais é essencial

diante do atual estado do nosso planeta. Contudo, são raras as iniciativas para que este

objetivo seja alcançado, e aqueles que se propõe a dar os primeiros passos rumo a estas

conquistas recebem apoio de uma minoria e tem que lutar contra um sistema que preconiza

totalmente o contrário.

Dessa forma, é necessário impor limites às falsas necessidades, ditadas,

principalmente, pela mídia. A globalização, o processo de internacionalização das mídias e a

internet, fazem com que as falsas necessidades de consumo humano sejam propagadas de

maneira astronômica em diversas partes do globo terrestre, não se limitando a nenhuma

cultura ou classe social. Muitas vezes estes processos transformam povos e culturas que

deixam suas histórias, culturas e valores serem substituídos por ‘felicidades superficiais’.

A desterritorialização que acompanha a transnacionalização, não é só econômica, mas social, cultural, política; também influencia o subjetivo dos

indivíduos. [...] a internacionalização da mídia impõe padrões, valores,

sentimentos, deixando pouco espaço para criações individuais e para a autoconsciência (LEONARDI, 1995, p. 198).

Dominar a natureza em todos os seus aspectos tem sido o maior objetivo dos seres

humanos na contemporaneidade, como nos adverte Santos (2005, p. 32), “conquistar o

controle sobre a natureza tornou-se um valor social altamente estimado, não subordinado [...]

a nenhum outro valor.” Percebemos que, ao conquistar este objetivo, o ser humano não

pretende tratar a natureza como algo intocável, mas o contrário, ele pretende se apropriar

totalmente dos bens naturais de forma que estes podem ser vistos apenas como recursos.

Os elementos naturais são ligados entre si de forma que um depende do outro para

sobreviver, assim, quando uma parte sofre algum dano, de forma direta ou indireta, a natureza

é atingida por completo, logo, a atitude impensada diante de algum elemento natural tem

consequências inimagináveis. Ao compreender os danos que podem ser causados pela

intervenção humana na natureza torna-se necessário refletir sobre os valores capitalistas e

midiáticos a que somos expostos cotidianamente. Percebemos que diante da diversidade e

fragilidade de alguns grupos sociais uns cedem com mais facilidade a estes processos do que

outros. Harvey explica que:

Em diferentes fases de desenvolvimento, os fluxos de capital ocupam certos terrenos com mais facilidades do que outros. Além disso, no embate com o

mercado mundial capitalista, algumas formações sociais conseguem se

adaptar e se inserem agressivamente nas formas capitalistas relativas às

trocas de mercado, enquanto outras formações não são capazes disso (HARVEY, 2006, p. 201).

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A resistência aos processos de degradação da natureza é importante para a manutenção

da vida em nosso planeta. São as pessoas com maior poder aquisitivo e econômico que mais

contribuem para a degradação da natureza, e são as pessoas mais pobres e marginalizadas pela

sociedade que sofrem as consequências destes processos de degradação.

Conforme aponta Acselrad (2009) são sobre os mais pobres e os grupos étnicos

desprovidos de poder que recai desproporcionalmente a maior parte dos riscos ambientais

socialmente induzidos, seja no processo de extração dos elementos naturais, seja na

disposição de resíduos no ambiente. Diante desta enorme desigualdade e injustiça surge o

termo ‘Justiça Ambiental’.

Para designar esse fenômeno de imposição desproporcional de riscos

ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e informacionais tem sido consagrado o termo justiça ambiental. [...] Essa

noção tem sido utilizada, sobretudo, para constituir uma nova perspectiva a

integrar as lutas ambientais e sociais (ACSELRAD, 2009, p. 9).

É sobre as pessoas pobres que recaem não apenas os danos da injustiça ambiental, mas

também todas as mazelas econômicas e sociais da humanidade. Embora sejam os mais

necessitados da atenção e investimentos do governo, as populações desfavorecidas

economicamente e socialmente vulneráveis são as que menos recebem qualquer forma de

investimentos, fato que pode ser considerado além de descaso, uma intencionalidade.

É para as regiões pobres que se têm dirigido os empreendimentos econômicos mais danosos em termos ambientais. Do mesmo modo, é nas

áreas de maior privação socioeconômica e/ou habitadas por grupos sociais e

étnicos sem acesso às esferas decisórias do estado e do mercado que se

concentram a falta de investimentos em infra-estrutura, de saneamento, a ausência de política de controle dos depósitos de lixo tóxico, a moradia de

risco, a desertificação, entre outros fatores, concorrendo para suas más

condições ambientais de vida e trabalho (ACSELRAD, 2009, p. 8).

Diante de tamanhas desigualdades econômicas e sociais observamos que as

intervenções mais eficazes para o combate destas imensas diferenças deveriam vir do governo

que foi escolhido pelo povo como seu representante. No entanto, as autoridades do Estado,

principalmente em nosso país, não são acostumadas a ter cobranças populares em relação a

seus deveres, mas estas cobranças são necessárias principalmente quando as injustiças, tanto

ambientais, quanto sociais, são disseminadas desta forma. É necessária a compreensão

política da sociedade para que os injustiçados deixem de se ver como vítimas deste processo e

passem a se enxergar como agentes transformadores desta realidade.

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A partir do momento em que a sociedade, principalmente os excluídos

socioeconomicamente, passam a se enxergar como os principais atores das mudanças sociais

desejadas, o sistema se vê obrigado a mudar para que sejam atendidas as carências dos que

realmente necessitam. A justiça ambiental pode reforçar esta ideia de mudança, pois ela não

considera conveniente apenas as mudanças nas condições de vida dos seres humanos, mas de

todo o ambiente. Acselrad explica que

A noção de justiça ambiental implica, pois, o direito a um meio ambiente

seguro, sadio e produtivo para todos, onde o ‘meio ambiente’ é considerado

em sua totalidade, incluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, estéticas e econômicas. Refere-se, assim, às condições em

que tal direito pode ser livremente exercido, preservando, respeitando e

realizando plenamente as identidades individuais e de grupo, a dignidade e a

autonomia das comunidades (ACSELRAD, 2009, p. 16).

Embora as mudanças ambientais sejam bem visíveis e seus efeitos sejam sentidos de

forma nociva por todos os seres vivos, um ambiente saudável e em sintonia com as reais

necessidades humanas ainda é possível. Viver em um ambiente conservado é um direito de

todos, mas é necessário primeiramente cumprir com nossos deveres diante da natureza para

que depois nossos direitos sejam alcançados e usufruídos com justiça.

Nessa linha, os impactos causados pelas mudanças ambientais e climáticas atingem

todos os bens naturais presentes em nosso planeta, e com a água não é diferente. De acordo

com Marengo (2008, p. 84), no ano de 1988 foi criado o Intergovernamental Panelon Climate

Change [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] (IPCC), que tem como objetivo

fornecer informações técnicas e científicas sobre as mudanças climáticas.

Os relatórios divulgados pelo IPCC, juntamente com a ONU, apontam que grande

parte dos países menos desenvolvidos já enfrenta períodos incertos e irregulares de chuvas, e

as previsões para o futuro indicam que as mudanças climáticas vão tornar a oferta de água

cada vez menos previsível e confiável. As tendências atuais de exploração, degradação e

poluição dos elementos hídricos já alcançaram proporções alarmantes, e podem afetar a oferta

de água num futuro próximo caso não sejam revertidas (MARENGO, 2008, p. 84).

As mudanças climáticas e ambientais deixaram de ser previsões futuras e passaram a

fazer parte da nossa realidade, passando a atingir de forma devastadora os elementos naturais

e essenciais à sobrevivência dos seres vivos, principalmente a água. Como afirmam Silva,

Medeiros e Azevedo (2012, p. 186), sabe-se que a água percorre um ciclo natural e renovável.

Todavia, a água de boa qualidade torna-se a cada dia um bem natural finito, pois inúmeras

ações humanas deterioram, poluem e contaminam os elementos hídricos, de modo tal que a

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qualidade deste bem natural poderá, num futuro breve, não atender as diversas formas de vida

que dele dependem.

Embora os impactos causados pelas mudanças ambientais e climáticas possam ser

amenizados com ações mais conscientes dos seres humanos diante da natureza, é papel dos

nossos governantes elaborar políticas públicas eficientes que visem o melhor uso dos nossos

bens naturais, principalmente a água.

O impacto das variações e mudanças do clima pode ser acrescentado por

outros fatores não-ambientais, como os aspectos políticos e sociais, e todos

juntos podem gerar um custo elevado para a sociedade. A prova disso, é que

o problema da escassez de água afeta inúmeras sociedades, e os governantes parecem “fechar os olhos” diante desse problema, tendo em vista sua

negligência quanto a realizar ações efetivas de gestão e gerenciamento de

água para as populações que vivem a mercê da escassez hídrica (SILVA, MEDEIROS e AZEVEDO, 2012, p. 187).

É importante considerar que as pessoas que mais sofrem com os impactos causados

pelas mudanças ambientais e climáticas sobre a água são as pessoas que vivem às margens da

sociedade em diversos aspectos, principalmente quando se trata de acesso a serviços públicos

de qualidade. São as pessoas desfavorecidas economicamente que tem contato com as águas

dos córregos e rios poluídos, e por não possuírem recursos financeiros não podem pagar por

água de boa qualidade para consumir, tendo as águas poluídas de suas comunidades como

única alternativa de acesso a água.

Os estudos científicos sobre a água suas propriedades, escassez ou acesso são bastante

importantes e contribuem com a vida, no sentido de trazer elementos que ajudem enxergar os

dilemas socioambientais. Contudo, há situações de risco que carecem de urgência, já que

envolvem vidas (humanas e não humanas) com direito à existência. Estas situações

dramáticas são causadas pelas ações humanas movidas pelo capital e consumo, afetando

majoritariamente grupos sociais vulneráveis, ou economicamente desfavorecidos (SALVE,

2005).

Para muito além do valor de mercado enraizado na palavra “recurso”, a água possui

dimensões míticas que transcendem o preço comercial. Incalculável na economia, a água

ganha corpo e dimensões etnográficas de significados exuberantes. Alguns estudos com a

mitologia da água buscam compreender o imaginário das pessoas sob as esteiras da

fenomenologia de Gaston Bachelard. A água como simbologia da gênese, da purificação, da

limpeza ou até mesmo da morte (BACHELARD, 1989) são componentes que habitam a

tessitura etnográfica da imaginação, criação e reinvenção de povos de todo o mundo.

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No GPEA temos, atualmente, exemplos de pesquisadoras que buscam compreender a

água além de seu aspecto utilitarista. Sato, Manfrinate e Dalla-Nora realizam dentro do GPEA

estudos interpretativos sobre a água em três locais distintos: Galícia, Espanha (água salgada),

Joselândia (água doce) e Mata Cavalo (ausência de água). Embora tais estudos ainda estejam

em andamento, Sato já revelou a importância da epistemologia popular sobre a água.

Considerando todos os aspectos que permeiam a água, essa dissertação tem como

escopo a compreensão da percepção da comunidade escolar de Mata Cavalo sobre a natureza,

principalmente a água. Também os fatores que eles atribuem à falta de água, que afeta

historicamente a comunidade, as dificuldades e os conflitos existentes em relação a este bem

natural, as percepções sobre mudanças ambientais e climáticas e suas perspectivas em relação

ao futuro da água e natureza no quilombo. Tais percepções auxiliam a mapear os conflitos

socioambientais de acordo com o contexto etnográfico, favorecendo que a educação

ambiental seja correspondente à cultura e natureza local.

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CAPÍTULO III: Formação do rio...

Súplica Cearense

Oh! Deus, perdoe esse pobre coitado, Que de joelhos rezou um bocado,

Pedindo pra chuva cair, cair sem para

Oh! Deus será que o senhor se zangou,

E é só por isso que o sol se arretirou,

Fazendo cair toda chuva que há

Oh! Senhor, pedi pro sol se esconder um pouquinho

Pedi pra chover, mas chover de mansinho,

Pra ver se nascia uma planta, uma planta no chão

Oh! Meu Deus, se eu não rezei direito,

A culpa é do sujeito, Desse pobre que nem sabe fazer a oração.

Meu Deus, perdoe encher meus olhos d'água,

E ter-lhe pedido cheio de mágoa, Pro sol inclemente, se arretirar, retirar

Desculpe, pedir a toda hora, Pra chegar o inverno e agora,

O inferno queima o meu humilde Ceará

Oh! Senhor, pedi pro sol se esconder um pouquinho,

Pedi pra chover, mas chover de mansinho,

Pra ver se nascia uma planta, planta no chão

Violência demais, chuva não tem mais,

Roubo demais, política demais,

Tristeza demais. Interesse tem demais!

Ganância demais, fome demais,

Falta demais, promessa demais,

Seca demais, chuva não tem mais!

Oh! Deus. Só se tiver Deus. Oh! Deus

O Rappa

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3.1 Comunidade Quilombola de Mata Cavalo: Território, história e resistência

Esta pesquisa tem como área de estudo a Comunidade Quilombola de Mata Cavalo,

que está localizada no município de Nossa Senhora do Livramento (MT), às margens da

rodovia MT 060 (Figura 4).

Segundo Manfrinate (2011), o Instituto de Terras de Mato Grosso (INTERMAT)

demarcou durante dez anos as terras do quilombo de Mata Cavalo como sendo de 11 mil

hectares, os quais corresponderiam às fazendas que ocupavam as terras quilombolas.

Entretanto, esse número foi contestado pela Associação de Mata Cavalo e o Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que fizeram uma nova medição a partir de 2007,

alterando para 15 mil hectares para as demarcações e desapropriações. Segundo o cadastro da

Associação são 415 famílias que vivem no quilombo.

Figura 4: Mapa da Comunidade Quilombola de Mata Cavalo.

Fonte: SILVA, 2011.

Por meio do mapeamento social realizado por Silva (2011), identificou-se que no

estado de Mato Grosso há 69 comunidades quilombolas distribuídas entre dez municípios. É

afirmado ainda que as comunidades quilombolas em Mato Grosso continuam marginalizadas,

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pois se observa a falta de titulação das terras quilombolas no estado e o acesso à educação,

saúde e direitos básicos. Além de tudo isso, há muitos conflitos socioambientais acarretados

pela negligência do governo, que acirra as disputas pelo território e o desrespeito aos direitos

dos quilombolas. Neste contexto Jaber-Silva define conflitos como:

Os conflitos socioambientais podem ser considerados implicações do

histórico de hegemonia e dominação do espaço, previamente narrado.

O estudo destes conflitos faz-se num campo polissêmico marcado por

disputas, atritos e tensões que pressupõem relações de poder

(assimétricas) que permeiam as práticas sociais. Comumente, os

conflitos socioambientais surgem quando os territórios apropriados

por grupos que apresentam modos diferenciados de viver e de se

relacionar com o ambiente, chocam-se com a dominação exercida pelo

poder do capital. (JABER-SILVA, 2012, p. 40)

Algumas comunidades quilombolas têm origem a partir dos processos de escravidão

vividos pelo Brasil durante a colonização. No decorrer deste período muitos escravos fugiam

da dominação existente no contexto da escravidão e se abrigavam em locais de difícil acesso

no meio da mata, denominados hoje de quilombos. Conforme a Fundação Cultural

Palmares11

, os quilombolas são descendentes de africanos escravizados que fugiram para

áreas denominadas de quilombo em busca de melhores condições de vida e ainda hoje

mantém suas tradições culturais.

Por meio de leituras e relatos dos quilombolas de Mata Cavalo foi possível

compreender que as terras ocupadas hoje por esta comunidade é fruto de uma doação de terras

para alguns escravos, que foi feita por uma antiga dona de sesmaria no ano de 1876. A

senhora Ana Silva Tavares, deixou, em 1883, um testamento lavrado em cartório, o qual

atestava parte de sua terra, a sesmaria Boa Vida aos seus escravos e ex-escravos. Partes da

terra também foram compradas pelos escravos e seus descendentes no século XIX, e com o

fim da escravidão em 1888, negros livres também chegaram a Mata Cavalo com o intuito de

moradia e vida nova (BARROS, 2007).

Desde a chegada dos ex-escravos ao quilombo de Mata Cavalo a luta é intensa para

obter o título definitivo da terra, pois o único documento que comprovava a doação feita por

Ana Silva Tavares desapareceu misteriosamente, fato que fortaleceu ainda mais os

fazendeiros que disputam as terras com os quilombolas.

11 A Fundação Cultural Palmares tem a função de formalizar a existência de comunidades quilombolas, que são

descendentes de escravos africanos e mantém tradições culturais, de subsistência e religiosas ao longo do tempo.

A fundação desenvolve projetos, programas e políticas públicas de acesso à cidadania, além de assessorá-los

juridicamente.

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Além de todas essas considerações pesando contra o estabelecimento da

Comunidade de Mata Cavalo, a documentação original de doação das terras do quilombo também foi extraviada do cartório em que foi lavrada, sendo

um ponto a mais para a contestação dos fazendeiros (MANFRINATE, 2011,

p. 55).

Para fortalecer e formalizar as lutas, os moradores dos quilombos criaram, a partir de

1996, as associações de moradores da comunidade, conforme esclarece Barros (2007). O

quilombo de Mata Cavalo é dividido em seis associações rurais diferentes que são

matriculadas em cartório como: Mata Cavalo de Cima; Mata Cavalo de Baixo; Ponte da

Estiva (Fazenda Ourinhos); Ventura Capim Verde; Mutuca e Aguassú. É importante destacar

que embora consideramos todo o contexto histórico e cultural das seis associações, nossa

pesquisa tem como local específico a comunidade escolar de Mata Cavalo de Baixo.

A criação das seis associações deu força à comunidade, que conseguiu a certificação

de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, passando então a ser reconhecida pelas

instituições que atuam na área, fato que fortalece o movimento pela posse definitiva da terra e

reivindicação de seus direitos. Desde a criação destas associações a liderança de Dona Tereza

(in memorian) é considerada a mais marcante, pelo fato desta ter sempre lutado pelas causas

da comunidade (Figura 5).

Figura 5: Dona Tereza

Fonte: MANFRINATE, 2011.

A liderança feminina sempre foi um diferencial na comunidade quilombola de Mata

Cavalo. Sato (2013) ensina que este é um quilombo eminentemente feminino, “com marcas

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fortes das lideranças de mulheres que ousaram escrever outra história, mas que ainda padecem

do descaso político e do vergonhoso racismo ambiental”. Ao longo da história do quilombo

eram as mulheres que exerciam a liderança diante das adversidades e lutas, muitas vezes

enfrentando os fazendeiros por meio de confrontos físicos para proteger e reivindicar suas

terras.

É um fenômeno muito relevante a atuação feminina em Mata Cavalo,

levando-se em consideração que, até o início da década de 90, a comunidade estava desmobilizada e em poucos anos eles se agruparam, reconhecendo-se

como comunidade e passaram a enfrentar os fazendeiros da região, ficando

as mulheres como barreira para o confronto propriamente dito (MANFRINATE, 2011, p. 20).

O fato de Dona Tereza ter sido professora e uma das únicas mulheres a conseguir

concluir os estudos naquele período influenciou em seu papel de liderança dentro do

quilombo. Como afirma Manfrinate (2011), além de professora Dona Tereza, exercia outros

papeis significativos dentro da comunidade como: parteira, benzedeira, mãe de santo e

catequizadora. A liderança exercida por Dona Tereza sempre teve o apoio da maioria dos

quilombolas, que assim como ela lutaram e ainda lutam para manter a identidade e garantir

seus direitos.

A mulher, em Mata Cavalo, sem dúvida experimenta um nível de prestígio e

reconhecimento que muitas vezes não encontramos em outros lugares. Dona Tereza representa o poder, mas não lidera sozinha, ela precisa do apoio dos

outros quilombolas que a acompanham nessa jornada. Juntas elas constroem

suas identidades em seu espaço reconquistado, o espaço da sua cultura, da

sua história e do seu passado. A terra não serve apenas para ser a ferramenta de subsistência, mas serve de território para se formarem como mulheres

negras e quilombolas, que encontraram o seu lugar de verdade

(MANFRINATE, 2011, p. 143).

Ainda hoje a liderança no quilombo é marcada pelo poder feminino, pois a presidência

da associação de moradores é de uma mulher – Arlete Pereira – que está à frente da

associação de moradores Mata Cavalo de Baixo há dois anos. O poder feminino existente

ainda hoje no quilombo pode ser considerado um legado de Dona Tereza, que durante sua

história fortaleceu o papel da mulher na comunidade. De acordo com Manfrinate (2011), o

papel social construído pela liderança de Dona Tereza é importante não só pela afirmação de

gênero, mas também pela afirmação da identidade e a conquista da territorialidade como

quilombola que luta pelo seu direito de herança e pela conservação de sua cultura.

As lutas e os conflitos fazem parte da realidade dos quilombolas que são os herdeiros e

tem o direito legal a terra. Ainda hoje, em meio às invasões e expulsões, eles lutam para

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garantir a posse definitiva da terra, visto que muitos fazendeiros da região são contra. Simione

(2008) relata que por anos os quilombolas foram perseguidos, ameaçados, humilhados, presos

e expulsos de suas casas e sítios por fazendeiros que chegavam na região e tinham o interesse

de expandir suas terras para agropecuária.

Por meio de leituras e relatos dos moradores do quilombo é possível perceber que os

fazendeiros utilizavam métodos desumanos para expulsar os quilombolas de suas terras.

Dentre estas ateavam fogo nas casas (que eram feitas de palha de babaçu) e contaminavam

suas águas com veneno para impedir o consumo. Nos dias de hoje muitos fazendeiros já

abandonaram o quilombo e os que permanecem não se utilizam mais destes métodos para

intimidar os quilombolas.

A área do quilombo é cortada pelo córrego que dá nome à comunidade, o córrego

Mata Cavalo, que segundo relato dos moradores antigamente apresentava maior quantidade e

qualidade de água. O garimpo e o desmatamento presentes na região influenciaram as

mudanças desta água, que hoje não é mais consumida para beber como antigamente, apenas

para afazeres domésticos por alguns moradores (Figura 6).

Figura 6: Córrego Mata Cavalo

Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla Amorim, 2016.

As casas antigas da comunidade e a maioria das moradias atuais são construídas nos

moldes antigos utilizados pelos escravos. De acordo com Manfrinate (2011) a maioria das

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casas da comunidade foi construída com palha de babaçu (coqueiro natural da região), que são

prensadas juntas, principalmente o telhado, que recebe uma cobertura mais pesada e mais

larga para evitar a entrada da água da chuva.

Embora lentamente, as condições de moradia dos quilombolas têm melhorado com a

construção de casas de alvenaria, o que não se via antigamente pelo fato da preocupação dos

moradores em obter o título definitivo da terra e correrem risco de serem despejados a

qualquer momento, fato que impossibilitava maiores investimentos na moradia.

As casas dos quilombolas estão localizadas ao longo do território e nas margens das

estradas, sendo umas afastadas das outras. Os membros da mesma família geralmente moram

próximos na mesma área do quilombo. As divisões estabelecidas pelas famílias não são

definitivas, pois ainda esperam o título definitivo da terra.

A disposição espacial das casas por entre o território do quilombo ainda não é a definitiva, pois precisam dos títulos para uma divisão mais exata, mas

preliminarmente eles já se acomodaram em alguns pontos específicos,

construíram suas casas num pequeno conglomerado em família: os pais e os filhos casados, distante alguns metros ou poucos quilômetros de outros

conglomerados onde residem outras famílias (MANFRINATE, 2011, p. 65).

Historicamente a comunidade quilombola de Mata Cavalo sofre com o descaso por

parte do Poder Público, que não garante aos quilombolas seus direitos básicos, como o acesso

à saúde, saneamento básico e água potável. Quando passam por algum problema de saúde,

procurar um médico é a ultima opção, devido a distância e as dificuldades com os meios de

transporte. Como afirma Manfrinate (2011), a ida ao médico é sempre o último recurso

procurado, quando doentes eles geralmente se utilizam de chás de ervas encontradas na

vegetação do próprio local, além de benzeduras e de rezas.

A comunidade também é deficiente em relação ao comércio e serviços bancários.

Quando estes precisam ser realizados os moradores têm que se deslocar até as cidades

vizinhas (Poconé, Nossa Senhora do Livramento, Cuiabá e Várzea Grande). Considera-se

ainda a dificuldade no deslocamento, pois os que dependem do transporte público têm que

esperar às margens da MT-060 por ônibus que não passam com frequência pelo local.

Outro problema enfrentado pela comunidade é a falta de acesso aos serviços de

saneamento básico, que não existem na comunidade. Os quilombolas utilizam de seus

próprios recursos para ter acesso a estes serviços, fato este que contribui com a degradação da

natureza, pois muitos fazem uso de fossas negras, que são apenas escavações no solo sem

nenhuma proteção, o que pode causar a contaminação dos lençóis freáticos.

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A coleta de lixo é inexistente na comunidade e para eliminar os resíduos e entulhos os

moradores optam por queimá-los no quintal de casa. Segundo relato dos moradores, além da

comunidade não ter acesso ao serviço de coleta de lixo, é comum moradores de Nossa

Senhora do Livramento irem até a comunidade para descartar os lixos produzidos na cidade,

que são descartados nas matas ou às margens da MT-060, que corta a comunidade.

A falta de água é apontada pelos moradores como o maior problema na comunidade

atualmente, este problema afeta a todos e é agravado com as ações dos fazendeiros e

garimpeiros que provocam desmatamentos e erosões. Os conflitos socioambientais são

agravados pelo embate com os fazendeiros. Desta forma:

Os povos quilombolas vêm enfrentando um processo longo de conflitos

ambientais centrados essencialmente nas disputas pelos seus territórios e na

luta pelo reconhecimento de seus direitos ancestrais. Os conflitos com os fazendeiros fizeram com que muitos quilombolas abandonassem suas terras,

mesmo com um refluxo recente podemos perceber que muitos dos seus

hábitos foram alterados pela privação do contato com o território (SILVA,

2011, p. 149).

Percebe-se que o passado e o presente da comunidade Mata Cavalo é marcado por

inúmeros conflitos étnicos, culturais, socioambientais e políticos. Ainda nos dias de hoje há

relatos destes, porém, com menos intensidade se comparado com antigamente, quando os

conflitos eram acentuados, principalmente com os fazendeiros da região. Assim Manfrinate

(2011) afirma que os fios da história de Mata Cavalo vêm se desenrolando por longa data em

coro com os de outros quilombos no Brasil que, para garantir seus direitos, precisam passar

anos em disputas judiciais por suas terras.

A maioria dos moradores da comunidade pratica a agricultura de subsistência por meio

das roças que cultivam em seus quintais e da venda de sua produção. Muitas mulheres obtêm

renda por meio da produção de artesanatos e doces regionais, que ajudam na renda das

famílias. Na comunidade não há oferta de emprego, desta forma os que optam por trabalhar

em outras áreas, principalmente os jovens, se mudam para as cidades vizinhas.

Segundo relato dos moradores, quando os quilombolas optam por trabalhar em outras

cidades, dificilmente voltam a morar no quilombo, principalmente pelas dificuldades

enfrentadas nas terras quilombolas. Nas cidades que escolhem viver, eles casam, constroem

novas famílias e voltam ao quilombo apenas para passeio e para visitar os parentes que ainda

vivem na comunidade. Os motivos de não retornarem definitivamente ao quilombo é a

dificuldade de acesso aos serviços públicos, as moradias precárias e a falta de oportunidades,

que afasta principalmente os jovens das terras quilombolas.

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Apesar dos inúmeros conflitos, esta comunidade tem grandes potencialidades

históricas e culturais, que são mantidas pelos moradores para que permaneça viva a identidade

e memória de seus antepassados. Esta cultura se manifesta na comunidade por meio de

danças, cantos, artesanatos, festas e também pela memória dos moradores mais antigos, que

presenciaram grande parte das lutas. Ainda em meio a estas lutas e conflitos, os quilombolas

procuram manter viva a identidade e a cultura, o que os torna um povo singular quando se

trata de tradição, cultura e resistência às adversidades.

3.2 A água no contexto da Escola Estadual Tereza Conceição Arruda

A Escola Estadual Tereza Conceição Arruda (Figura 7), inaugurada em junho de 2012,

é fruto das lutas da comunidade por condições melhores para os estudantes. A escola tem este

nome para homenagear uma das lideranças femininas mais fortes na comunidade, Dona

Tereza, que sempre esteve à frente das lutas e reivindicações da comunidade, como relatamos

anteriormente. Conforme relatos dos quilombolas, a antiga escola que atendia à comunidade

tinha o nome de São Benedito e apresentava condições e estruturas precárias para atender aos

estudantes, o que influenciava diretamente na qualidade de ensino-aprendizagem.

Figura7: Escola Estadual Professora Tereza Conceição Arruda.

Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla Amorim, 2016.

A nova escola foi construída com recursos federais e estaduais e apresenta estruturas

modernas se comparada com a antiga escola da comunidade. Possui sala de informática,

refeitório, ginásio coberto para práticas esportivas, banheiros e salas de aula suficientes para

atender a comunidade. O ensino oferecido pela escola abrange desde a educação infantil,

fundamental, médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

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Segundos relatos, atualmente o principal problema enfrentado pela escola é a

dificuldade de acesso à água, já que o poço que abastece a escola (Figura 8) se encontra

interditado por que desbarrancou, impossibilitando seu uso. Com a inviabilidade de usar o

poço da escola, esta é abastecida pelo poço da comunidade (Figura 9), fato que é alvo de

muitos conflitos.

De acordo com relatos, o conserto do poço já foi solicitado inúmeras vezes para a

Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), porém, como até hoje não foram atendidos a

escola utiliza a água do poço da comunidade em todas as atividades que demandam água na

escola, inclusive para beber. De acordo com a presidente da Associação de Moradores de

Mata Cavalo de Baixo, os cerca de 300 alunos matriculados na escola da comunidade e cerca

de 150 famílias dependem exclusivamente da água do poço comunitário. Não há estudos ou

dados sobre a capacidade de oferta de água do poço comunitário, assim como não existe

controle da retirada de água pelos usuários, desta forma, não há perspectivas concretas e

futuras em relação à disponibilidade de água do poço.

Considerando que esta pesquisa envolve a comunidade escolar de Mata Cavalo é

interessante ressaltar o poder que a atual escola da comunidade tem na manutenção da

identidade quilombola. Entendemos por comunidade escolar os estudantes, professores,

funcionários da escola, pais e moradores da comunidade que frequentam a escola. A Escola

Figura 8: Poço que abastecia a

Escola Estadual Prof.ª Tereza

Conceição Arruda. Fonte: Arquivo pessoal da autora

Priscilla Amorim, 2016.

Figura 9: Poço que abastece a Escola e a

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo.

Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla

Amorim, 2016.

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Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda é um espaço não apenas educacional, mas

um local onde a comunidade se reúne para manter viva a cultura e tomada de decisões

pertinentes ao convívio e futuro desta comunidade.

Como afirma Senra (2009), as escolas são os centros das comunidades e é o local

privilegiado para a tomada de decisões a respeito da associação dos moradores, das festas, dos

encontros, das celebrações representando assim um instrumento de luta para a causa

quilombola. Em Mata Cavalo a escola e a comunidade tem grande ligação, e uma acaba

exercendo, mesmo que indiretamente, influências sobre a outra. A escola é o centro de poder,

de tomada de decisões e de interação entre a comunidade, tanto que a presença da

comunidade na escola é frequente, o que reforça ainda mais esta ligação.

Assim, a comunidade, de um modo geral pode possibilitar inúmeras

compreensões e aprendizagens de forma muito mais significativa do processo educativo, constituindo a interface curricular que tanto é

reivindicada pelos discursos pedagógicos (SENRA, 2009, p. 99).

Desta forma a educação interfere diretamente no ambiente em que está inserida, e a

comunidade faz a escola de acordo com suas necessidades. Reforçando esta ideia, é

interessante que:

Para além de um ensinar apenas como repasse e transmissão da cultura local,

estes fenômenos dentro da comunidade devem ser percebidos na relação dialógica do processo de ensino-aprendizado coletivo e sua afirmação

encarada também como um ato de resistência (SENRA, 2009, p. 98).

As transformações ocorridas no ambiente escolar influenciam diretamente no

conteúdo que os estudantes aprendem em sala de aula, principalmente quando se trata de

educação ambiental. Desta forma, é importante que a escola faça com que os estudantes

vejam, por meio da realidade na qual estão inseridos, mais sentido no que aprendem na sala

de aula.

3.3 Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e as pesquisas

realizadas no quilombo Mata Cavalo

O Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da

Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) foi criado no ano de 1997 por Michèle Sato.

Desde a sua origem, o GPEA tem atuado principalmente em parceria com a sociedade civil, as

comunidades tradicionais e os grupos sociais vulneráveis. De acordo com Sato (2013), este

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grupo pesquisador foi instituído com vistas a fortalecer não somente o campo teórico

(episteme) da educação ambiental, mas também as vivências, intervenções e metodologia

(práxis), além de colaborar com os valores éticos (axioma) e participativos da construção de

políticas públicas. Faço parte deste grupo pesquisador desde o meu ingresso no mestrado

(2015) e desde então temos como base de nossa orientação a investigação, sendo necessário

reconhecer a importância da educação inicial e contínua.

Um dos principais valores do GPEA é que este não é um grupo de pesquisas, e sim um

grupo pesquisador. Essa diretriz reflete diretamente a forma como as pesquisas são realizadas:

em grupo de pesquisa, o pesquisador realiza a maior parte dos processos da pesquisa de forma

individual; em um grupo pesquisador grande parte das etapas que envolvem a pesquisa são

realizadas em coletivo, fato que agrega diversos valores e olhares sob o tema pesquisado.

Assumindo a diferença entre um “grupo de pesquisa” e um “grupo pesquisador”, o GPEA busca transcender o isolamento do pesquisador,

valorizando diálogos entre as diferentes estrelas que podem se esconder

entre as poeiras e nebulosas, mas também reluzem a céu aberto nos desejos da transparência da ciência. Embasada na Pedagogia de Paulo Freire, o

diálogo de saberes perpassa a relação pedagógica e é pressuposto epistemo-

praxiológico para o processo de investigação científica (SATO e SENRA,

2009, p. 140).

O GPEA tem como principal área de atuação o estado de Mato Grosso. Dispomos de

um olhar especial junto às populações socialmente vulneráveis, atuando com ética e

respeitando a natureza e as diversidades. Buscamos compreender e fortalecer as lutas daqueles

que assim como nós acreditam em um mundo justo e melhor para todos, no qual as injustiças

sociais sejam mínimas.

Somos os estudiosos que se aventuram nos territórios mato-grossenses

tentando interpretar o mosaico humano em contato com o ambiente. Construímos sonhos para “um outro mundo possível” por meio de políticas

públicas, aliando conceitos, teorias e campos epistemológicos; tateando na

prática, criando métodos, errando e construindo atos praxiológicos; mas que no fundo, buscam alicerçar a pesquisa no substrato axiomático de valores, fé,

ideologia e ética de quem não se cansa em tentar combater as injustiças

sociais, reconhecendo que elas estão intrinsecamente conectadas ao mundo biofísico, que lamentavelmente para muitos, virou mero mercado sob a égide

da denominação de “recursos naturais” (SATO, 2013).

O GPEA prima, além dos valores científicos necessários às pesquisas acadêmicas,

também os valores humanos. De acordo com Sato e Senra (2009, p. 140), o GPEA visa à

formação de um grupo pesquisador que não privilegie somente a racionalidade, mas que

acolha os sentimentos, a subjetividade e a afetividade na construção e produção do saber. A

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compreensão e consideração destes valores agregam um valor especial à pesquisa, não

desconsiderando os saberes científicos, mas enriquecendo-os com os saberes e sentimentos de

quem sente na pele o que propõe pesquisar.

Percebemos a consideração do GPEA pela diversidade quando compreendemos que a

formação inicial dos pesquisadores que compõe o grupo é oriunda de diversas áreas do

conhecimento, o que torna os diálogos abrangentes e enriquecedores. Estes diálogos

acontecem nos caminhos percorridos durante as pesquisas e também nos colóquios realizados

pelo grupo, em que são dialogados as pesquisa em andamento e diversos temas que sejam

pertinentes à construção das pesquisas e à formação dos pesquisadores.

A militância é outro fator que enriquece o nosso grupo. Esta, juntamente com o saber

acadêmico, complementa nossa formação e nos fortalece para as lutas conjuntas com as

populações socialmente vulneráveis. De acordo com Sato e Senra (2009, p. 142), a aliança

entre o saber científico e a militância é um exercício cidadão na pedagogia participativa do

GPEA, onde a sabedoria e as táticas de luta resultam em um controle social necessário para

combater as injustiças.

A educação ambiental proposta pelo GPEA foge dos moldes tradicionais da educação

ambiental que propõe somente a conservação e a resolução momentânea dos problemas já

enfrentados pela natureza. A educação ambiental proposta e defendida pelo GPEA procura

contrapor o modelo de expropriação da natureza e dos sujeitos socialmente vulneráveis que

são invisibilizados e marginalizados em prol de um modelo econômico que não mede

consequências para obter lucro, mesmo que isto implique na destruição da natureza. Desta

forma, acreditamos que a educação ambiental pode ser uma contribuição para a transformação

do mundo em que vivemos.

A pesquisa em educação ambiental assumida pelo GPEA quer combater as secas geradas pelas queimadas e desmates que dão consequências às cercas

que segregam mundos tão desiguais. No poder econômico de ruralistas e

grandes produtores da monocultura, a ecologia de resistência quer bradar contra a fome e desigualdade social geradas pelo acúmulo do capital da

minoria (SATO e SENRA, 2009, p. 143).

A educação ambiental comprometida com as mudanças necessárias para a

transformação de nossa realidade e a coletividade é uma das principais características deste

grupo que tem no diálogo coletivo um dos elementos essenciais da pesquisa. Justamente por

esta coletividade afetuosa nos caminhos percorridos durante a pesquisa é que escolhemos a

comunidade quilombola Mata Cavalo como o local para realizá-la.

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Nos caminhos da pesquisa coletiva a comunidade quilombola de Mata Cavalo é

estudada pelo GPEA desde o ano de 2006. Algumas dissertações de mestrado, cadernos

pedagógicos, teses de doutorado e projetos12

tiveram e ainda tem a comunidade como campo

de pesquisa.

A parceria entre o GPEA e a comunidade quilombola Mata Cavalo resultou na

realização de alguns projetos nesta comunidade, como:

Territorialidade e temporalidade na comunidade quilombola Mata Cavalo – foi

desenvolvido no período de 2008 a 2011 e financiado pela Fundação de Amparo à

Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT). Tinha por objetivo diagnosticar os conflitos

ambientais e seus efeitos sobre a comunidade. Foram construídos indicadores que

revelaram o conceito de sustentabilidade para propor a educação ambiental que

aliasse natureza e cultura do quilombo.

Identidades partilhadas em territórios de comunidades africanas e

brasileiras (Pró-África) – foi executado no quilombo no período de 2010 a 2012,

financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) e teve como objetivo realizar uma pesquisa etnográfica e artística, na

perspectiva de recuperação identitária de gênero e ambiente; compreender os saberes

e as formas de resistências do colorido identitário da culinária de dois grupos de

mulheres negras, do Brasil (Quilombo Mata Cavalo) e da África (Cabo Verde);

iniciar um prognóstico dos principais impactos ambientais e sociais, realizando um

prognóstico entre as duas localidades para interpretação de quais são as identidades

construídas nos territórios.

Identidades e territórios: caminhos para uma cartografia socioambiental – foi

realizado no quilombo no período de 2010 a 2012 e financiado pelo Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com o objetivo de

construir a cartografia socioambiental de duas comunidades mato-grossenses: Mata

Cavalo e São Pedro de Joselândia, além de uma comunidade africana “Cidade

Velha”, situada no país de Cabo Verde. A arte-educação-ambiental foram guias no

desenho destas cartografias, no sentido desvelador das mundividências das

comunidades.

Educação Popular pelos trabalhos ambientais e Mapas Sociais – este projeto foi

realizado no ano de 2012 e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento

12 Todas as teses, dissertações, cadernos pedagógicos e projetos aqui mencionados podem ser consultados no

blog do GPEA, por meio do endereço: http://gpeaufmt.blogspot.com.br/

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Científico e Tecnológico (CNPq) com o objetivo de construir um amplo mapeamento

social (serviços ecossistêmicos; conflitos socioambientais; táticas de sobrevivência;

trabalho e ambiente; cultura popular e arte e seres imaginário) sendo três

comunidades para intervenção mais direta, sendo representativas da Amazônia (Povo

Indígena Panará), Cerrado (Quilombo Mata Cavalo) e Pantanal (São Pedro de

Joselândia).

Escolas sustentáveis no quilombo Mata Cavalo – este projeto foi realizado no

quilombo no período de 2015 a 2016, sendo que está presente na metodologia e

resultados desta pesquisa. Foi financiado pela ONG WWF e teve o objetivo de

compreender as percepções acerca das mudanças climáticas, fomentando a dimensão

política da justiça climática; promover um curso de formação à comunidade escolar

(professores, estudantes e moradores), com conceitos relacionados à educação

ambiental, pegada ecológica, justiça climática, justiça ambiental, água, mulheres,

mitologia, conflitos socioambientais e grupos sociais vulneráveis; estimular a

construção de Projetos Ambientais Escolares Comunitários (PAEC), que possua um

currículo ambientalizado à criação de técnicas sustentáveis, bem como processos de

bioarquitetura, aproveitamento da água da chuva e demais temas relacionados às

políticas das escolas sustentáveis.

Também foram publicados alguns artigos em revistas que são resultados das pesquisas

e projetos realizados em Mata Cavalo, seguem alguns deles:

O teatro como forma de atuação da educação ambiental para a emancipação

política no quilombo de Mata Cavalo foi publicado no ano de 2011, na revista

impressa Olhar de Professor (UEPG), por Rosana Manfrinate, Ivan Belém e

Michèle Sato. Este artigo buscou demonstrar a luta política do quilombo de Mata

Cavalo na reinvenção do Teatro do Oprimido.

Injustiças ambientais no quilombo Mata Cavalo foi publicado em 2009 na

versão online da Revista Brasileira de Educação Ambiental, por Michelle Jaber,

Regina Silva e Michèle Sato. Esta pesquisa teve o objetivo de compreender as

injustiças ambientais vivenciadas pelos quilombolas.

Racismo ambiental na comunidade quilombola de Mata Cavalo foi publicado

no ano de 2009, na revista impressa Acervo (RJ), por Ronaldo Senra, Samuel

Borges, Herman Oliveira e Michèle Sato. O texto mostra as diversas formas de

racismo ambiental vividas cotidianamente pelos quilombolas de Mata Cavalo.

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Como resultado das pesquisas realizadas pelo GPEA em Mata Cavalo foram feitos

alguns cadernos pedagógicos que tiveram o quilombo de Mata Cavalo como local de

pesquisa:

Foi elaborado por Michelle Jaber e Michèle Sato no ano de 2012, o caderno

pedagógico intitulado “Mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato

Grosso: escala de resistência e ritmos de esperanças”. Este caderno pedagógico é

parte do projeto de pesquisa “Mapeamento social das identidades e territórios de

Mato Grosso”, que foi desenvolvido pelo GPEA e teve por objetivo revelar as

diversas identidades e mapear seus processos de conflitos socioambientais. Entre

estas identidades está a comunidade quilombola Mata Cavalo.

O caderno pedagógico intitulado “Mapa social: mapeando os grupos sociais do

estado de Mato Grosso, Brasil” foi elaborado por Regina Silva e Michèle Sato no

ano de 2012. Este caderno pedagógico é parte da tese de doutorado que tem como

título: “Do invisível ao visível: o mapeamento dos grupos sociais do estado de

Mato Grosso – Brasil”, cuja finalidade foi identificar e registrar os grupos sociais

do estado de Mato Grosso com suas identidades e territórios, assim como seus

processos de conflito e injustiças ambientais. A base do mapeamento foram os

grupos sociais que lutam contra as injustiças sociais de seus territórios. Entre estes

grupos está a comunidade quilombola Mata Cavalo.

Elaborado no ano de 2010 por Michèle Sato, Imara Quadros, Maria Liete Alves,

Michelle Jaber e Regina Silva, o caderno pedagógico intitulado Comunidade

Quilombola de Mata Cavalo é parte do projeto de pesquisa Mapeamento Social

das Identidades e Territórios de Mato Grosso. Teve o objetivo de construir um

prognóstico das identidades e territórios onde os integrantes das comunidades se

reconheçam como protagonistas.

Os dez anos de parceria entre o GPEA e a comunidade quilombola Mata Cavalo

resultou na elaboração de projetos de pesquisa que tiveram o quilombo como local de estudos.

Nestas pesquisas foram considerados diversos aspectos de lutas, conflitos, saberes, culturas e

relação com a natureza.

Roberta Simione desenvolveu sua dissertação de mestrado no quilombo Mata

Cavalo no ano de 2008. Sua pesquisa teve como tema “Território de Mata

Cavalo: identidades em movimento na educação ambiental”. O objetivo de sua

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pesquisa foi investigar as identidades territoriais quilombola e sua relação com a

educação ambiental.

Ronaldo Senra elaborou, no ano de 2009, a pesquisa de mestrado intitulada “Uma

contrapedagogia libertadora no ambiente do quilombo de Mata Cavalo”

investigando a educação da comunidade pelo viés da justiça ambiental e da

contrapedagogia ambiental.

A dissertação de mestrado de Thays Machado, elaborada no ano de 2010, teve

como local de pesquisa a comunidade quilombola Mata Cavalo. Sua pesquisa teve

como tema “Direitos humanos e educação ambiental”. O objetivo de sua

dissertação foi investigar os direitos humanos e o racismo ambiental pelo viés da

educação ambiental na comunidade quilombola de Mata Cavalo.

Rosana Manfrinate elaborou sua pesquisa de mestrado na comunidade quilombola

Mata Cavalo no ano de 2011. Sua dissertação teve como tema “Histórias

femininas: poder, resistência e educação no Quilombo de Mata Cavalo”. O

objetivo de sua pesquisa foi refletir sobre as relações de gênero e educação

ambiental no quilombo, tendo como base a história de vida de Dona Tereza

Conceição Arruda.

Ronaldo Santana realizou sua pesquisa de mestrado na comunidade quilombola

Mata Cavalo no ano de 2011. Sua dissertação de mestrado teve como tema

“Serpentes e educação ambiental: mediatizando saberes no quilombo de Mata

Cavalo”. A pesquisa teve como objetivo compreender os mitos sobre as serpentes e

sua relação com a educação ambiental e os saberes comunitários dos quilombolas

de Mata Cavalo.

A dissertação de mestrado de Elizete Gonçalves, elaborada no ano de 2015, teve

como local de estudos a comunidade quilombola Mata Cavalo. Sua dissertação de

mestrado teve como tema “Labirinto de gênero e ambiente: diálogos com alguns

jovens quilombolas da comunidade de Mata Cavalo”. A pesquisa objetivou

compreender a percepção de gênero e ambiente dos jovens estudantes quilombolas.

Regina Silva realizou parte de sua pesquisa de doutorado na comunidade

quilombola de Mata Cavalo no ano de 2011. Este trabalho teve como tema “Do

invisível ao visível: o mapeamento dos grupos sociais do estado de Mato

Grosso – Brasil”. A tese de doutorado objetivou pesquisar e mapear os grupos

sociais do estado de Mato Grosso por meio da metodologia inovadora denominada

Mapa Social. Em Mata Cavalo, por meio de oficinas realizadas na comunidade, foi

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possível compreender os conceitos de território e identidade construídos pelos

quilombolas.

A tese de doutorado de Michelle Jaber Silva, defendida em 2012, teve como parte

da área de estudos da pesquisa a comunidade quilombola Mata Cavalo. A tese teve

como tema: “O mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato Grosso:

denunciando injustiças ambientais e anunciando táticas de resistência”. E a

pesquisa de doutorado objetivou mapear os conflitos socioambientais existentes no

estado de Mato Grosso. No quilombo, esta pesquisa evidenciou as lutas dos

quilombolas diante dos conflitos socioambientais presentes em seu território.

Atualmente o quilombo Mata Cavalo é o local de pesquisas de dissertações e teses

produzidas pelo GPEA. Assim como as anteriores realizadas por outros pesquisadores do

GPEA, também procuram investigar a comunidade em seus diversos aspectos.

A tese de doutorado que está sendo elaborada por Giseli Dalla Nora tem como parte

de sua área de pesquisas a comunidade quilombola Mata Cavalo. Objetiva

ressignificar a educação ambiental alicerçada na justiça climática, considerando três

territórios: Pantanal e Cerrado (Brasil) e Atlântico Norte (Espanha), com especial

consideração à construção de políticas públicas que fortaleçam os grupos

vulneráveis mais atingidos pela escassez e acesso a água, tendo o quilombo de Mata

Cavalo incluído nestes grupos sociais vulneráveis.

A pesquisa que está sendo desenvolvida por Rosana Manfrinate em sua tese de

doutorado inclui o quilombo Mata Cavalo como parte de sua área de estudos, sendo

complementada pelo Pantanal e Cerrado (Brasil) e Atlântico Norte (Espanha). Sua

pesquisa busca compreender a capacidade das mulheres desses locais em gerir a

crise causada pelas injustiças climáticas, em especifico em relação à água, e quais

os saberes e processos do cotidiano feminino podem servir de resistência as

consequências nas comunidades ás mudanças climáticas.

Transmídia é a tese de doutorado em desenvolvimento por Thiago Cury Luiz,

professor da Comunicação da UFMT que participa de um projeto sobre o assunto,

envolvendo 10 escolas-piloto. Sua pesquisa tem como título "Comunicação e meio

ambiente: narrativa transmídia como elemento pedagógico na Educação

Ambiental". Consiste em aplicar a narrativa transmídia, que é um modelo de

comunicação cuja história transita por diferentes plataformas midiáticas, como

elemento didático-pedagógico em Educação Ambiental. Pretende-se produzir uma

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reportagem sobre justiça climática e, a partir das lacunas deixadas por ela, propor

aos estudantes em Mata Cavalo que registrem vídeos, fotos e áudios sobre a

realidade ambiental da comunidade.

A dissertação de mestrado que está sendo elaborada por Déborah Moreira tem

como local de pesquisa a comunidade quilombola Mata Cavalo. O foco são

injustiças ambientais vivenciadas pelos quilombolas. Esta pesquisa tem o objetivo

de compreender a identidade quilombola, os conflitos, as injustiças e as táticas de

resistência adotada por este grupo social vulnerável.

A pesquisa de mestrado de Amanda Areval que está sendo desenvolvida no

quilombo Mata Cavalo, pretende realizar um registro do território de aprendizagem

no quilombo, refletindo a Educação Ambiental e o currículo da escola do quilombo.

Esta pesquisa propõe ainda a construção de um currículo que proporcione espaços

de diálogos e que tenha conexão com a Casa da Cultura Quilombola, o ambiente

escolar e a comunidade.

A dissertação de mestrado que está sendo elaborada por Cristiane Soares no

quilombo de Mata Cavalo tem o objetivo de compreender os limites e as

possibilidades da construção coletiva de uma proposta de Educomunicação para a

Casa da Cultura Quilombola. Esta pesquisa propõe elaborar produtos

educomunicativos que serão apresentados à comunidade, registrando a história, a

cultura, os costumes, os conflitos e os sonhos construídos coletivamente pelos

participantes da pesquisa.

As teses e dissertações citadas permitiram que nossa pesquisa tivesse vários olhares e

percepções sobre a comunidade quilombola de Mata Cavalo. De acordo com Sato e Senra

(2009), dentro da proposta de uma educação ambiental significativa, “a astrofísica do GPEA

ilumina o foco em conhecimentos biorregionais, pois estes nos auxiliam na compreensão das

vivências empíricas das pesquisas realizadas em comunidades”.

As pesquisas realizadas no quilombo contribuíram significativamente para a

construção deste estudo, pois os temas estudados por outros pesquisadores do GPEA no

quilombo Mata Cavalo, nos permitiu desfrutar de valiosos conhecimentos sobre esta

comunidade por meio de outros olhares. Nesta pesquisa, o papel do grupo pesquisador

ocorreu por meio de conversas com outros pesquisadores sobre as vivências na comunidade;

pelos trabalhos de campo realizados no quilombo, sempre em companhia de outros gpeanos;

pelos colóquios que nos permitem dialogar sobre o desenvolvimento de nossas pesquisas e

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também pela parceria em outras diversas atividades desenvolvidas pelo grupo, que vão além

das produções acadêmicas e perpassam pela militância, pelo olhar e cuidar do outro, e,

principalmente, pela busca e construção de um mundo melhor.

A escolha por desenvolver esta dissertação de mestrado nesta comunidade se justifica

também pelo fato do grupo pesquisador ter uma longa relação com esta comunidade, que foi

construída por meio de estudos que evidenciaram a história, a cultura, os saberes, as lutas e os

conflitos existentes nesta comunidade. Como afirmam Sato e Senra (2009, p. 145), as

pesquisas realizadas pelo GPEA não se preocupam somente com o que aprender, mas inclui o

como ensinar, quando dialogar ou com quem educar. Nossas pesquisas indagam também

contra quem podemos usar a força da educação para que a pesquisa construa táticas de

resistência, especialmente porque sabemos que este planeta é formado por territórios

construídos com múltiplas identidades.

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CAPÍTULO IV: O deslizar das águas...

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira

era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

Manoel de Barros

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4.1 Caminhos Metodológicos

O aporte metodológico que fundamentou esta pesquisa foi a Cartografia do

Imaginário. Esta pertence ao método qualitativo, sendo uma pesquisa subjetiva que busca

compreender os olhares dos sujeitos pesquisados sobre determinado tema. Neste caso

buscamos compreender a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água na

comunidade, considerando ainda as mudanças ambientais e climáticas e a influência destes

fenômenos na quantidade e qualidade de água no quilombo.

De acordo com Zanten (2004) a pesquisa qualitativa surgiu no final do século XIX e

início do século XX. A princípio este método foi desenvolvido para trabalhar com grupos sem

cultura escrita, com sociedades excluídas do mundo desenvolvido ou com grupos

marginalizados na sociedade. A pesquisa qualitativa busca entender globalmente as categorias

que mobilizam os atores para compreender a realidade e atuar sobre ela.

A pesquisa qualitativa procura compreender a pesquisa em todos os seus aspectos,

considerando ainda sua historicidade. Conforme Gamboa (2003), este tipo de pesquisa prima

pela compreensão dos fenômenos nas suas especificidades históricas e pela interpretação

intersubjetiva dos eventos e acontecimentos. Deve-se considerar ainda a relação

sujeito/objeto, e como esta se estabelece, por meio da interpretação e compreensão subjetiva

dos fenômenos sociais.

Na pesquisa qualitativa há uma intensa proximidade entre o pesquisador e os seus

pesquisados, de modo que é comum o pesquisador considerar seus valores e suas experiências

pessoais ao interpretar os dados coletados, além de sua intuição e criação serem primordiais

durante a interpretação. De acordo com Martins:

Se há uma característica que constitui a marca dos métodos qualitativos ela é

a flexibilidade, principalmente quanto às técnicas de coleta de dados, incorporando aquelas mais adequadas à observação que está sendo feita. [...]

Outra característica importante da metodologia qualitativa consiste na

heterodoxia no momento da análise dos dados. A variedade de material

obtido qualitativamente exige do pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do desenvolvimento de uma capacidade

criadora e intuitiva. [...] A metodologia qualitativa, mais do que qualquer

outra, levanta questões éticas, principalmente, devido à proximidade entre pesquisador e pesquisados (MARTINS, 2004, p. 295).

A relação estabelecida entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa deve acontecer de

forma natural e agradável para que contribua na obtenção dos resultados desejados, onde os

saberes empíricos são essenciais para compreender a situação pesquisada. Como afirma

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Godoy (1995, p. 62), os estudos denominados qualitativos têm como preocupação

fundamental o estudo e a análise do mundo empírico em seu ambiente natural. Nessa

abordagem valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a

situação que está sendo pesquisada.

O método qualitativo nos permite interpretar a pesquisa nos vários sentidos possíveis,

não limitando o pesquisador a uma única interpretação, como acontece na pesquisa

quantitativa. É necessário ainda considerar os gestos e comportamentos subjetivos dos

pesquisados, assim como o contexto social e cultural em que o indivíduo está inserido. Como

afirma Gamboa (2003, p. 399), na busca dos sentidos da pesquisa, é necessária a recuperação

dos contextos sociais e culturais onde as palavras, os gestos, os símbolos, as figuras, as

diversas expressões e manifestações humanas têm um específico significado.

Desta forma o método de pesquisa qualitativa nos permite não considerar apenas o

momento da realização da pesquisa, mas também o contexto histórico do quilombo, a relação

estabelecida entre os quilombolas e a natureza, as suas formas de organização social e

manifestação cultural que resultaram na forma como vivem atualmente no quilombo, assim

como a influência do passado e do presente na construção do que a nossa pesquisa busca

compreender mediante a compreensão de palavras e expressões dos pesquisados.

A abordagem realizada por meio da Cartografia do Imaginário apresenta os mesmos

princípios da pesquisa qualitativa, em que os caminhos percorridos são tão importantes

quanto os resultados pretendidos. De acordo com Godoy (1995, p. 63), os pesquisadores

qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente com os resultados ou

produto, fato que torna todos os processos da pesquisa importantes.

Na pesquisa qualitativa os objetivos são alcançados por meio da percepção dos

sujeitos da pesquisa, são estes olhares que direcionam os próximos passos dos estudos

realizados. As informações em uma pesquisa qualitativa são obtidas por meio de entrevistas,

estas podem desconstruir as hipóteses idealizadas no início, podem reforçá-las ou ainda criar

novas hipóteses não previstas nos passos iniciais da pesquisa. Nesse sentido,

A pesquisa qualitativa parte de questões ou focos de interesses amplos, que

vão se definindo a medida que o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção

de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando

compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos

participantes da situação em estudo (GODOY, 1995, p. 58).

Como poderemos observar nos resultados apresentados por esta dissertação, os

objetivos pretendidos e as hipóteses idealizadas foram confirmadas, porém, por meio das

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entrevistas surgiram novos olhares e fatos não previstos no início deste trabalho, que

contribuíram para reforçar os objetivos iniciais e oportunizaram o surgimento de novas

hipóteses, sendo que estas situações são comuns em pesquisas de caráter qualitativa.

Desta forma, o resultado final tornou-se mais um elemento da pesquisa, em que o

caminho percorrido, as experiências vividas e os aprendizados adquiridos nos fazem entender

os verdadeiros sentidos que nos motivam no decorrer da pesquisa, de modo que o caminhar é

tão importante quanto o onde se quer chegar.

Assim, conforme mencionado anteriormente, temos como aporte metodológico desta

dissertação a Cartografia do Imaginário. Esta que proporciona muitas formas de interpretar as

descobertas surgidas durante o estudo e valoriza todos os ângulos da pesquisa. Elaborada por

Michèle Sato (2011), a Cartografia do Imaginário propõe que a pesquisa pode revelar o que

somos no espaço real (existência), mas também o que queremos ser no espaço ilusório (devir).

Esta metodologia não prende o(a) pesquisador(a) em apenas um caminho, uma única

possibilidade, deixa-o livre para percorrer os caminhos que julgar necessário para alcançar os

resultados desejados, assim sendo:

[...] na cartografia do imaginário, entretanto, o que talvez importe não seja o destino final, mas a rota e a viagem realizada nos percalços de uma longa

viagem. Usando a imaginação e permitindo que a intuição também seja

parceira na pesquisa, talvez possamos realizar uma viagem que conta com vários meios de transportes (SATO, 2011, p.4).

Ao percorrer os caminhos da pesquisa, o pesquisador tem que saber quais são os

primeiros passos que deve dar, mas não deve se apegar apenas aos resultados finais que serão

obtidos, mas às experiências e sensações adquiridas ao longo do caminho que percorreu. Deve

também estar ciente de que o caminho traçado pode não ser rigorosamente seguido, pois este

é incerto, mas deve ser proveitoso.

Michèle Sato tem como base da Cartografia do Imaginário o filósofo e poeta francês

Gaston Bachelard. Para dar suporte a esta metodologia a autora recorreu aos quatro elementos

bachelardianos (ar, fogo, terra e água), que podem ser considerados como substratos

fenomenológicos da investigação.

Assim sendo, delineamos o trajeto da pesquisa que de acordo com Sato (2011). A

formação (água) é a nossa constituição original composta por todas as experiências e

aprendizados adquiridos ao longo da vida; a deformação (terra) é o rompimento dos

obstáculos epistemológicos e o momento de “reaprender a aprender”; a transformação (fogo)

é o momento em que o pesquisador passa pelas mudanças desejadas e o auge do engajamento

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e envolvimento com a pesquisa e a reformação (ar) é o tempo de repouso para o início de um

novo ciclo e a consideração da viagem e do encantamento com a pesquisa.

Ainda de acordo com Sato (2011), “não há receitas para se fazer pesquisa, do

contrário, não seria pesquisa, pois pesquisar é descobrir, olhar diferente, registrar, anotar,

observar, extrapolar, propor e sonhar”. Considerando as palavras da autora, percebemos que

não há uma receita pronta para a realização de uma pesquisa, esta é construída e aprimorada

ao longo de sua prática. Desse modo, aprendemos a fazer pesquisa percorrendo os caminhos

desta.

Aliando os princípios do GPEA e da Cartografia do Imaginário, percebemos que os

procedimentos de uma pesquisa são também essenciais para a transformação do mundo

injusto em que vivemos. Muitas vezes os limites impostos pela falta de informações ou

conhecimentos ditos “cultos” são determinantes para a liberdade ou prisão de um povo, não

desvalorizando os conhecimentos empíricos, pois este é uma das grandes riquezas que nossos

pesquisados podem nos ensinar.

Na pesquisa do GPEA, a esperança se alia à arte, à educação, aos processos

comunicativos, à identidade, aos conflitos [...] Tudo isso parece estar transversalizado na luta por um mundo mais justo, de uma sociedade global

livre da miséria, com farta ecologia que dê sustentação à beleza de amar

(SATO, 2013, p. 20).

A Cartografia do Imaginário mostra que o aprendizado é um ciclo contínuo presente

em todas as fases da pesquisa que nos propomos a realizar. No decorrer de nossa pesquisa os

aprendizados foram construídos desde as primeiras leituras e contato com a comunidade

quilombola Mata Cavalo. Estes aprendizados não devem subestimar o imaginário construído

pelo ser e a redefinição do viver e do saber, que assim como o aprendizado são constantes nos

caminhos da pesquisa.

Com base na Cartografia do Imaginário devemos valorizar as percepções e imaginário

dos quilombolas. Estas percepções e imaginações são resultados dos momentos vivenciados

durante sua existência em meio às lutas, conflitos e prazeres no quilombo. As percepções e

imaginários construídos são frutos do que vivenciaram, resultando na identidade que possuem

e jamais devem ser desconsideradas. Sato explica que:

Realizamos nossos itinerários de pesquisa, em cartografias que penetram a

terra, afundam em águas e sentem o calor ou o frio de uma estação.

Inauguramos um caminho e retornamos por trilhas diferenciadas, já que há uma renovação constante das informações, intervenções ou descobertas

realizadas. No contexto de um grupo pesquisador, a cartografia jamais se

divorcia da história (SATO, 2013, p. 24).

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Para nos mostrar que além de respeitar a história construída por nossos sujeitos de

pesquisa e sua coletividade, Sato (2011) usa a metáfora sobre “o direito de janela e o dever de

árvore”, que foi construída com base nas ideias do arquiteto e ecologista austríaco

Friedensreich Hundertwasser. Esta metáfora nos mostra que temos o direito de enfeitar coisas

íntimas, como o olho de nossa janela, mas respeitar o espaço coletivo, reconhecendo a árvore

como oikos de todos.

A janela nos permite olhar as árvores que nos cercam por meio de nossa

individualidade, e o mundo exterior que percebemos é refletido de volta para a natureza por

meio dos nossos sonhos. A experiência de olhar o mundo por nossas janelas nos permite a

liberdade de compreender o que vemos de acordo com os nossos conhecimentos e identidade,

sem interferências na coletividade observada.

Uma janela traz o mundo externo para o nosso interior, e dialeticamente, ela

nos projeta ao exterior cintilando nossos sonhos. É o símbolo da apreensão de um mundo em devir que se oculta em seu interior. Enxergamos a floresta

de nossas janelas, distante em seu conjunto de paisagem externa. É o nosso

direito do pensamento poético [eu com o mundo, na ressonância de uma energia centrípeta], fugido nas palavras e ações, mas na intimidade de uma

moldura que vê e sente o mundo (SATO, 2011, p. 6).

Ao relacionar o direito de janela e o dever da árvore com a nossa pesquisa,

compreendemos que estamos observando as árvores pela janela quando estamos realizando

nossos estudos bibliográficos para compreender o que nos propomos a pesquisar. Ao nos

aproximar dos nossos sujeitos de pesquisa, deixamos de observar pela janela e passamos a ter

contato direto com as árvores, o que nos permite buscar e compreender as percepções dos

sujeitos pesquisados.

Considerando esta metáfora, quando entramos em contato direto com as árvores

devemos buscar nossos resultados respeitando a coletividade destas, sem interferir em suas

identidades e cultura. Ao se erguerem do solo para a superfície, estas árvores passaram por

diversos processos que resultaram nas folhas verdes no alto das copas, estas que podem trazer

as marcas dos solos difíceis que tiveram que superar para ter acesso ao ar, a água e fazer parte

das florestas que trilhamos.

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4.2 Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis

No decorrer desta pesquisa realizou-se na comunidade quilombola de Mata Cavalo,

especialmente na Escola Estadual Tereza Conceição de Arruda, o processo formativo em

educação ambiental e escolas sustentáveis. Este processo formador envolveu toda a

comunidade escolar durante os meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2015,

tendo a duração de 90 horas.

O GPEA, em parceria com o Instituto Caracol e a organização não governamental

World Wide Fund for Nature (WWF)13

, e outras instituições, propôs nesse projeto caminhos

possíveis para a construção de espaços educadores sustentáveis. O processo formativo

possibilitou a aliança entre o ensino, a pesquisa e a extensão para favorecer os grupos sociais

vulneráveis, que muitas vezes são invisibilizados em suas lutas cotidianas.

Por meio deste processo formativo foi apresentado aos quilombolas que a educação

ambiental pode exercer grandes influências na comunidade escolar, desenvolvendo a

sensibilidade ambiental e adaptando ao seu cotidiano. Para fortalecer e fazer com que a

educação ambiental contribua com estas melhorias, é preciso o envolvimento de escola e

comunidade, para que esta se torne uma escola onde a educação ambiental seja contemplada

em toda a comunidade escolar.

A ideia básica de que devemos obter o que precisamos sem comprometer a

sobrevivência das gerações futuras é fundamental para propor uma educação ambiental que

realmente concretize as melhorias necessárias para a conservação e recuperação do ambiente

natural. Sendo que o espaço escolar figura como um local de produção e reprodução de seres

pensantes e ativos no meio que habitam.

A educação ambiental que acreditamos foge aos moldes tradicionais, nos quais os

fenômenos existentes são menosprezados e as relações de poder não são reveladas para a

sociedade, em que a minoria tem poder sobre a maioria e são os responsáveis por muitas das

desigualdades e complicações das mudanças ambientais. Guimarães (2004, p. 25) nos mostra

que a educação ambiental crítica não é uma ressignificação da anterior, e sim uma

contraposição e superação da forma tradicional.

A comunidade escolar de Mata Cavalo pode ter a educação ambiental como um

importante caminho para transformar a realidade em que vivem, com o apoio de uma

formação crítica que lhes proporcione olhar de forma diferente para os problemas

13 Organização Não Governamental (ONG) internacional, que tem como objetivo conservar, investigar e

recuperar o meio ambiente.

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socioambientais enfrentados por seu povo. Neste processo de transformação é necessário que

educadores, educandos e comunidade possam intervir de forma crítica sobre a realidade que

os cercam. Nesse sentido, Guimarãens explica que:

A Educação Ambiental Crítica objetiva promover ambientes educativos de mobilização desses processos de intervenção sobre a realidade e seus

problemas socioambientais, para que possamos nestes ambientes superar as

armadilhas paradigmáticas e propiciar um processo educativo, em que nesse

exercício, estejamos, educandos e educadores, nos formando e contribuindo, pelo exercício de uma cidadania ativa, na transformação da grave crise

socioambiental que vivenciamos todos (GUIMARÃES 2004, p. 30).

Com base na educação ambiental crítica, a comunidade escolar pode buscar

compreender que a relação de poder existente no quilombo influencia no acesso à água e nos

demais problemas enfrentados no quilombo. Sabemos que nas fazendas existentes no

quilombo não existe falta de água, o fato de a maioria dos quilombolas não terem acesso à

água está claramente ligado às precárias condições sociais em que vivem.

Por meio de formação política os quilombolas podem compreender que são vítimas de

racismo ambiental e que podem criar táticas de resistência e lutas para o enfrentamento desta

e de outras desigualdades que os acompanham historicamente. A educação ambiental

apresentada no processo formativo não pretende resolver os problemas enfrentados

diariamente pelos quilombolas, mas é uma forma de, no mínimo, compreender criticamente a

realidade em que vivem e lutar contra as injustiças socioambientais.

Os princípios e conceitos da educação ambiental foram apresentados aos quilombolas

simultaneamente com a proposta de escolas sustentáveis, esta que é resultado de diversas

construções e reconstruções por meio da parceria entre a Coordenadoria Geral de Educação

Ambiental (CGEA), do Ministério da Educação (MEC), a UFMT, a Universidade Federal de

Ouro Preto (UFOP) e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Estas

instituições, em parceria com a educação à distância e a Universidade Aberta do Brasil

(UAB), lançaram no ano de 2010 o programa escolas sustentáveis em Mato Grosso. Por meio

desta proposta o currículo, a gestão e o espaço físico precisam estar conectados entre si

(Figura 10). Os princípios das escolas sustentáveis, assim como o envolvimento de todos os

integrantes da escola e a comunidade em seu entorno, são imprescindíveis para que desta

maneira a escola sustentável seja concretizada.

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Figura 10: Sistematização das vivências com escolas sustentáveis.

Fonte: CGEA/MEC, 2012.

De acordo com Sato (2010) o programa escolas sustentáveis propõe que a escola se

organize e convide a comunidade a participar das três dimensões (currículo, gestão e espaço

físico) que são inseparáveis. A autora mostra que o currículo precisa ser fenomenológico, que

deve se concretizar e adaptar em cada contexto histórico, potencializando a existência da

escola. A gestão deve propor as dimensões da sustentabilidade e considerar as práticas

sustentáveis. O espaço deve visar o cuidado e respeito à diversidade do mundo que habitamos.

Com o suporte destes conceitos e princípios, o processo formativo promovido com a

comunidade escolar foi a realização de um projeto que ofereceu formação continuada em

educação ambiental e escolas sustentáveis, debatendo sobre currículo, gestão e espaço físico

na elaboração de Projetos Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC) naquela comunidade

escolar.

No decorrer da formação foram trabalhados os temas: Sustentabilidade Planetária e

Escolas sustentáveis; Mapeamento Social: Grupos Sociais e Conflitos Socioambientais;

Projeto Político Pedagógico e Educação Ambiental; Comissão de Meio Ambiente e Qualidade

CGEA/MEC, 2012.

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de Vida na Escola (COM-VIDA)14

, experiências de Escolas sustentáveis em MT e Projetos

Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC), como podemos ver na tabela 01:

Tabela 01: Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis no quilombo

Mata Cavalo

Encontro Data Tema N° de

Participantes

Carga

Horária

1º 27/08/2015

Sustentabilidade

planetária e

escolas

sustentáveis

52 4 h

2º 03/09/2015 Mapeamento

Social 64 4 h

3º 10/09/2015

Educação

Ambiental no

Projeto Político

Pedagógico da

escola

20

4 h Importância do

protagonismo

juvenil para o

fortalecimento

das lutas no

quilombo

25

4º 17/09/2015

Escolas

sustentáveis em

Mato Grosso e

Com-vida

55 4 h

5º 24/09/2015 PAEC 50 4 h

6º 01/10/2015 Elaboração dos

PAEC 45 4 h

7° 08/10/2015

Socialização

das propostas e

escolha do

PAEC

40 4 h

8° 26/10/2015 a

12/11/2015

Construção do

PAEC (Casa da

Cultura

Quilombola)

70 15 dias

A formação foi ofertada aos professores, servidores, estudantes e comunidade. Foram

trabalhados temas ligados à educação ambiental e escolas sustentáveis, para que ao final do

processo formativo fosse implantado um PAEC na escola. O recurso para a implantação do

14 Forma de organização na escola, que tem a ideia de criar conselhos de meio ambiente e círculos de

aprendizagem e cultura nas escolas que debatam e gerenciem ideias e ações voltadas ao meio ambiente.

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PAEC foi fornecido pela ONG WWF-Brasil, e é destinado à implantação de projetos que

visam a conservação e o uso consciente dos elementos naturais.

No decorrer do primeiro encontro que teve como tema a “Sustentabilidade planetária e

escolas sustentáveis” os quilombolas foram provocados a refletir sobre a relação estabelecida

entre os seres humanos e os elementos naturais, principalmente o consumismo e os impactos

causados na natureza.

O segundo encontro foi conduzido por meio do “Mapeamento Social”, onde foram

apresentado os resultados do Mapeamento Social (SILVA, 2011) e do Mapa dos Conflitos

(JABER-SILVA, 2012), ambos do estado de Mato Grosso. Neste encontro os quilombolas

puderam compreender o contexto e os conflitos existentes em nosso estado que também

fazem parte da realidade do quilombo Mata Cavalo. Neste encontro foi realizado uma oficina

de mapeamento dos conflitos vivenciados no quilombo, onde, por meio de mapas, os próprios

quilombolas identificaram e demarcaram suas realidades, este que será descrito nas próximas

páginas, considerando principalmente os conflitos com a água.

No terceiro encontro os quilombolas foram divididos em dois grupos. Com o primeiro

grupo, formado por professores, funcionários/as da escola e moradores da comunidade, foi

discutida a importância da inserção da “Educação Ambiental no Projeto Político Pedagógico

(PPP) da escola”, considerando o viés político da Educação Ambiental e seu poder para o

fortalecimento das identidades e das lutas das comunidades tradicionais. Com o segundo

grupo, formado por estudantes, discutimos a “Importância do protagonismo juvenil para o

fortalecimento das lutas no quilombo”, destacando a importância da formação política como

instrumento de resistência.

No quarto encontro expomos aos quilombolas as experiências já realizadas com

“Escolas sustentáveis em Mato Grosso”, considerando o processo de formação, construção e

manutenção destas escolas. Foi apresentado à comunidade escolar a “Com-vida”, todos se

mostraram interessados em instituir este projeto na escola, este que é um dos próximos passos

do Gpea em parceria com a comunidade.

Ao longo do quinto, sexto e sétimo encontros foram compartilhados com os

quilombolas “Propostas e projetos de PAEC” que poderiam futuramente fazer parte do

currículo e espaço físico escolar em Mata Cavalo, a escolha e construção deste projeto

ocorreram de forma coletiva, este que é um dos princípios do PAEC.

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Figura 11: Processo Formativo em Mata Cavalo.

Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla Amorim, 2016.

Na maioria das escolas a educação ambiental é trabalhada por meio de comemorações

pontuais que estão relacionadas com a natureza. Contrapondo-se a esta proposta o PAEC

busca a participação coletiva, tanto da escola, quanto da comunidade, na construção de

projetos que materializem a educação ambiental e levem à reflexão da importância de cada

um na construção e manutenção desta.

Os projetos poderão versar sobre múltiplos temas, afinidades e opções, incentivados à descoberta do próprio meio que cada escola se insere, no

conhecimento local, de profissionais atuantes no pequeno sistema, de

valorização do saber popular, com o envolvimento dos moradores do bairro. Através da identificação das estratégias, é preciso construir uma intervenção

de cunho participativo e reflexivo, sempre avaliando as etapas percorridas.

Torna-se necessário estimular temas das realidades escolares, sem, contudo

abandonar as preocupações do Estado, do Brasil e do cenário mundial (MATO GROSSO, 2004, p. 25).

Por meio do diálogo entre escola e comunidade, e tendo como base o processo

formativo realizado na escola, foi possível decidir qual projeto atenderia às necessidades da

comunidade escolar, concretizando a implantação do PAEC, que são projetos implantados nas

escolas, visando melhorias no ambiente escolar e na qualidade do ensino.

A comunidade escolar tinha várias opções e necessidades (Telhado verde, sistema de

reaproveitamento de água da chuva, etc.) para a implantação do PAEC na escola. Eles

optaram pela construção de um espaço educador sustentável chamado “Casa da Cultura da

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo” (Figura 12).

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Figura 12: Arte da placa de inauguração da Casa da Cultura Quilombola.

Fonte: Elaborado por Regina Silva, 2015.

A construção da Casa da Cultura15

envolveu os membros da escola, estudantes,

membros da comunidade quilombola, do GPEA e estudantes de graduação da UFMT

integrantes do PET Conexões de Saberes “Diferentes Saberes e Fazeres na UFMT”. Para a

construção da casa foi necessária muita força física, espírito de equipe e muita boa vontade,

características que são comuns nesta comunidade escolar.

A Casa da Cultura é um sonho antigo da comunidade e foi construída pela força de

muitas mãos. Buscando aspectos de sustentabilidade e da ancestralidade, a casa foi feita de

barrote (pau-a-pique), como costume dos ancestrais quilombolas, e foram amarradas madeiras

e bambus para que o barro tivesse aderência nas paredes e não desprendesse dela. O chão

batido é de cupim, pois a liga formada pela saliva faz com que o chão se torne resistente,

emita menos calor e poeira no ambiente interno da casa.

A cobertura da casa é um telhado verde de grama (busca de conforto térmico),

considerando que a região do quilombo apresenta temperatura elevada tanto por fatores

naturais, quanto antrópicos, como o desmatamento; o telhado abriga um pequeno sistema de

captação de água que é captada por uma cisterna. O interior da casa de 80m² está organizado

como casa-museu e apresenta aspectos peculiares da cultura local: o fogão de barro, a rede, o

pote de água, os artefatos tradicionais, os artesanatos produzidos pela comunidade, fotografias

que registram personalidades e ancestralidade, a identidade, a luta, a dança, os sabores, os

saberes, as tradições, etc.

15 Foi produzido um vídeo da construção da Casa da Cultura Quilombola, que pode ser acessado pelo endereço:

https://www.youtube.com/watch?v=lYmUbnn_LSQ

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Figura 13: Construção da Casa da Cultura Quilombola.

Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim e Regina Silva, 2015.

A construção da Casa Cultural Quilombola foi importante para a comunidade escolar,

de forma que a memória de seus antepassados está presente na comunidade por meio desta

casa. A casa agregou valores históricos, culturais, educacionais, emocionais e também

financeiros para a comunidade, considerando que esta também será utilizada como local de

exposição e comercialização de artesanatos e doces tradicionais produzidos pela escola e

comunidade.

Este foi um momento muito importante da pesquisa, visto que houve o fortalecimento

do contato do pesquisador com os seus pesquisados, que contribuiu muito para nossa

formação acadêmica e pessoal.

4.2.1 Mapeamento dos conflitos com a água no quilombo Mata Cavalo

Durante o processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis realizado

na Escola Estadual Prof.ª Tereza Conceição Arruda, foi realizada uma oficina de mapeamento

dos conflitos existentes no quilombo. Além dos conflitos que envolvem a disputa por terras e

água, os quilombolas identificaram nos mapas os serviços que são prestados pelo governo

dentro da comunidade, como a coleta de lixo, saneamento básico, presença de algum serviço

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de saúde e educação e ainda a existência de ruas/estradas/rodovias, córregos e outros pontos

que os participantes consideraram pertinentes destacar.

Participaram deste mapeamento todos os envolvidos no processo formativo: GPEA,

estudantes, funcionários da escola e moradores da comunidade. Procuramos nesta parte da

pesquisa destacar os resultados do mapeamento com foco na questão da água no quilombo,

este que é o tema da nossa pesquisa. O mapeamento dos conflitos com a água na comunidade

teve o objetivo de incentivar os quilombolas a identificar, localizar, demarcar e compreender

os conflitos existentes que envolvem a água na comunidade. Para a realização da oficina os

participantes foram divididos em cinco grupos de trabalho e foi entregue aos grupos canetas

coloridas e mapas do território quilombola para serem demarcados considerando o processo

histórico do quilombo.

Não houve critérios para a divisão dos grupos. Desta forma, os grupos formados

refletiam a heterogeneidade, com estudantes, funcionários da escola e moradores da

comunidade. É importante ressaltar que o mapeamento dos conflitos foi realizado depois de

vários momentos de formação oferecidos pelo GPEA, desta forma, os participantes tinham

embasamentos teóricos para participar da oficina.

Como podemos observar na figura 14, com os resultados do mapeamento

compreendemos que os conflitos que envolvem a água no quilombo estão presentes em toda a

comunidade, pois ao demarcar os conflitos no mapa, estes foram identificados em

praticamente todo o território. Após a demarcação no mapa alguns representantes dos grupos

apresentaram o resultado final da demarcação feita pelo grupo aos demais participantes.

Figura 14: Mapeamento dos conflitos que envolve a água na comunidade.

Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim e Regina Silva, 2015.

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Ao apresentarem os resultados do mapeamento aos demais participantes da oficina, os

representantes dos grupos mostraram que os conflitos que envolvem a água na comunidade

não têm locais específicos para acontecer. Segundo eles, estes conflitos estão presentes em

todo o território quilombola. Também foi possível identificar alguns desentendimentos

durante a apresentação dos grupos, pois as opiniões não eram semelhantes.

Minha formação em Geografia me permite considerar que o fato dos mapas

demarcados durante o mapeamento não apresentarem pontos específicos de conflitos com a

água, não deixa de ser considerado um resultado. Isso mostra que os conflitos estão presentes

em todo o quilombo e não podem ser considerados ou compreendidos de forma isolada.

Assim como os resultados do mapeamento provocou desentendimentos durante a

socialização dos resultados, compreendemos que os conflitos não só fazem parte da história

do quilombo, mas é realidade nos dias de hoje. Estes fatos nos fazem compreender que além

dos conflitos existentes historicamente com os fazendeiros da região, existem ainda

desentendimentos entre os próprios quilombolas, fato que enfraquece a luta e identidade deste

povo.

Os conflitos identificados durante o mapeamento envolvem o uso do poço que fornece

água para a comunidade; a bomba deste poço, que quando quebrada seu conserto é alvo de

desentendimentos; o uso inadequado da água do poço comunitário; o poço desmoronado da

escola; a degradação dos rios; o desperdício e a falta de água. Estes conflitos foram também

identificados durante a realização das entrevistas e serão melhor compreendidos adiante.

4.3 Entrevistas semiestruturadas

Para alcançar os objetivos propostos realizamos entrevistas semiestruturadas e

observação direta do cotidiano na comunidade escolar de Mata Cavalo. Estas entrevistas

tiveram o objetivo de conhecer a percepção da comunidade escolar a respeito do tema tratado.

Por se tratar de uma entrevista subjetiva, foi necessário não se apegar apenas às palavras ditas

pelos entrevistados, mas a forma como diziam. Com o aporte metodológico desta pesquisa é

Cartografia do Imaginário, os gestos, o silêncio e a forma de expressar dos entrevistados

foram considerados para compreender a percepção que eles têm sobre a água.

Inicialmente as entrevistas seriam realizadas com quinze pessoas da comunidade

escolar, sendo cinco moradores da comunidade, cinco estudantes e cinco funcionários da

escola. Porém, no decorrer das pesquisas de campo e em conversa com as orientadoras,

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notamos a necessidade de entrevistar também os usuários do poço que abastece a

comunidade.

Desta forma, o número de sujeitos entrevistados aumentou para vinte, incluindo os

usuários do poço comunitário, estes foram incluídos por considerarmos suas percepções sobre

a água diferentes das que encontraríamos na comunidade escolar e, ainda, por perceber o

grande valor que a comunidade atribui ao poço, sendo que esse olhar trouxe grande

contribuição para a pesquisa que se realizou.

É interessante destacar que a comunidade está sempre presente na escola, pois esta

oferece a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Também existem cursos para a

comunidade oferecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), e muitos

ainda têm a escola como local de trabalho, e ainda, as reuniões da associação de moradores

são realizadas também na escola.

Os sujeitos entrevistados foram escolhidos com o objetivo de conhecer percepções e

olhares diferenciados sobre o objetivo da pesquisa. Foram entrevistadas pessoas de 13 até 72

anos de idade. A diferença de idade dos entrevistados permite conhecer visões diferenciadas

sobre o tema pesquisado, enquanto as pessoas mais vividas relatam com sabedoria o que já

vivenciaram no quilombo, os jovens nos permitem compreender sobre o que esperar para o

futuro da comunidade.

Ao entrevistar as pessoas mais antigas da comunidade nos tornamos sujeitos e objetos

de nossa própria pesquisa. Bosi (1994, p. 38) ensina que nos tornamos sujeito enquanto

indagamos. Assim, procuramos saber sobre o objeto enquanto ouvíamos, registrávamos,

sendo como que um instrumento para receber e transmitir suas lembranças.

O IPCC recomenda que se obtenha informações intergeracionais, dos mais idosos

contando histórias à geração mais nova. Esse método permite compreender as leituras

climáticas e as transformações ocorridas no local. No âmbito das pesquisas do GPEA, as

narrativas populares revelam sabedoria etnográfica que deve ser revisitada, relembrada,

registrada e respeitada. São arcabouços do que Sato e Senra (2009) denominam de

“epistemologia popular” que auxiliam na construção histórica da biorregião, aliando

informação dos espaços naturezas e culturas.

As entrevistas realizadas na escola com a comunidade, estudantes e funcionários da

escola foram feitas na Casa Cultural Quilombola. Este local foi escolhido primeiramente pelo

silêncio necessário para a realização das entrevistas e também para que o local pudesse

remeter aos entrevistados memórias sobre sua história e cultura, o que contribuiu para o

enriquecimento das entrevistas.

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Ao planejar as entrevistas com os usuários do poço comunitário tínhamos como

objetivo entrevistá-los quando fossem retirar água do poço, porém, os horários em que me

deslocava para a comunidade pra realizar as entrevistas não eram compatíveis com os horários

que os usuários iam até o poço, o que acontecia no início da manhã (6 h) e no início da noite

(19 h). Desta forma as entrevistas com os usuários do poço foram realizadas em suas casas.

As entrevistas foram registradas por meio de gravação de voz. Ao perguntar aos

entrevistados se as entrevistas poderiam ser gravadas muitos se sentiam inibidos e um pouco

constrangidos, mas ao entenderem que a gravação seria necessária para o andamento de nossa

pesquisa, foi autorizada a gravação de voz e ao longo da conversa iam se sentindo mais a

vontade. Muitas vezes até esqueciam de que a entrevista estava sendo gravada, o que

proporcionou um melhor desenvolvimento da conversa.

As perguntas realizadas nas entrevistas eram diferentes para a comunidade escolar e

para os usuários do poço. As perguntas comuns para os dois grupos entrevistados eram sobre

a água, tal como a importância, a relação do entrevistado com a água e também a percepção

que tinham sobre alguns aspectos que envolvem a água.

Ao entrevistar a comunidade escolar, fizemos perguntas que relacionam a água com a

escola da comunidade. Estas perguntas tinham o objetivo de conhecer como é trabalhado o

tema água na escola, ou se ao menos este é um tema presente no currículo escolar, se está nos

planos da gestão escolar ou se está presente de alguma forma no espaço físico escolar.

Ao entrevistar os usuários do poço comunitário buscamos compreender os motivos

que os levavam a consumir a água do poço, para qual finalidade a água era utilizada e os

conflitos que envolvem a retirada da água daquele local, assim como, as dificuldades de

acesso ao poço por variáveis motivos.

As entrevistas foram realizadas buscando compreender a percepção da comunidade

escolar de Mata Cavalo têm sobre a natureza, principalmente a água, assim como os fatores

que eles atribuem à falta de água que afeta, historicamente, a comunidade, as dificuldades e os

conflitos existentes em relação a este bem natural, as percepções sobre mudanças ambientais e

climáticas e suas perspectivas em relação ao futuro da água e natureza no quilombo.

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Por meio deste objetivo foram realizadas as seguintes perguntas aos quilombolas de

Mata cavalo:

1) Dados de Identificação

Nome | Idade | Local de nascimento | Local de Moradia | Tempo de Residência na

Comunidade | Tempo de trabalho na escola (Funcionário) Tempo que estuda na escola

(estudante) | Relação com a escola (comunidade)

2) Percepção da água (Espaço)

O que é água para você? Qual a origem da água que você utiliza na sua casa? Você

percebe diferenças na oferta e na qualidade da água hoje e no passado? Se sim, o que percebe

que mudou e o que provocou a mudança? O ambiente (natureza) mudou? Se sim, consegue

perceber a relação entre as alterações no ambiente e oferta de água? Qual a sua expectativa

para o futuro em relação à água?

3) Percepção da educação ambiental e da temática água no contexto escolar

(Currículo)

A educação ambiental faz parte dos conteúdos ensinados na escola? Se sim, como a

educação ambiental é abordada? A temática água é trabalhada pela escola? Se sim, como este

tema é abordado?

4) Percepções sobre água dos usuários do poço comunitário (Gestão)

Por que você utiliza a água do poço? Há quanto tempo? Qual a distância que você

percorre para chegar ao poço? E qual o meio utilizado para o deslocamento de sua casa até o

poço? Com que frequência você retira água do poço? Para que é utilizada a água retirada do

poço? Você considera a água retirada do poço de boa qualidade? Você percebe algum conflito

em relação a água ou ao poço na comunidade? Por que estes conflitos ocorrem? Qual a sua

expectativa para o futuro da água na comunidade?

As percepções individuais dos nossos entrevistados nos auxiliaram a compreender a

percepção coletiva sobre o tema que pesquisamos. Bosi (1994, p. 419) afirma que “a memória

grupal é feita de memórias individuais”, e são estas memórias individuais que formam a

identidade coletiva do quilombo. Assim, por meio da realização das entrevistas

semiestruturadas; dos trabalhos de campo; das vivências com a comunidade; das leituras e

levantamentos teóricos; dos diálogos com os quilombolas de Mata Cavalo e colegas do grupo

pesquisador chegamos ao resultado da nossa pesquisa que será apresentado no próximo

capítulo.

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CAPÍTULO V: O encontro com o mar...

Canto das Três Raças

Ninguém ouviu

Um soluçar de dor

No canto do Brasil

Um lamento triste

Sempre ecoou

Desde que o índio guerreiro

Foi pro cativeiro

E de lá cantou

Negro entoou

Um canto de revolta pelos ares

No Quilombo dos Palmares

Onde se refugiou

Fora a luta dos Inconfidentes

Pela quebra das correntes

Nada adiantou

E de guerra em paz

De paz em guerra

Todo o povo dessa terra

Quando pode cantar

Canta de dor

E ecoa noite e dia

É ensurdecedor

Ai, mas que agonia

O canto do trabalhador

Esse canto que devia

Ser um canto de alegria

Soa apenas

Como um soluçar de dor.

Clara Nunes

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5.1 Resultados e Compreensão

Os resultados desta pesquisa foram obtidos por meio da realização de entrevistas

semiestruturadas com a comunidade escolar da Escola Estadual Professora Tereza Conceição

Arruda, da comunidade quilombola de Mata Cavalo. Foram entrevistadas vinte pessoas

divididas entre estudantes, funcionários da escola, comunidade e usuários do poço que

abastece a comunidade16

.

Os sujeitos entrevistados foram escolhidos por permitir identificar diferentes

percepções sobre o tema pesquisado, que é a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo

sobre a água. Os estudantes nos mostraram quais atitudes poderíamos esperar deles em

relação ao futuro, suas perspectivas em relação à água na comunidade e também se estão

sendo incentivados em suas aulas a ter conhecimentos e posicionamentos crítico sobre as

questões ambientais e climáticas, principalmente as que envolvem a água.

Os funcionários da escola mostraram como a gestão, o currículo e o espaço físico da

escola tratam da educação ambiental, se os conteúdos ensinados em sala de aula consideram

as questões ambientais e ainda suas percepções e perspectivas em relação a água na escola e

na comunidade.

A presença da comunidade na escola é constante, estes que vão até a escola para

estudar na modalidade EJA, para fazer os cursos que são oferecidos na escola ou apenas por

costume de passar algum tempo na escola. Considerando ainda que seriam percepções

interessantes em relação a pesquisa, pois em sua maioria são pessoas com mais idade, com

muitas histórias e experiências para contar, além da contribuição e pontos de vista

enriquecedores para a pesquisa.

Ao delimitar os sujeitos que seriam entrevistados durante a pesquisa, a priori,

havíamos considerado apenas os estudantes, os funcionários da escola e a comunidade, mas

durante as pesquisas de campo compreendemos a necessidade de conhecer também a

percepção dos usuários do poço da comunidade sobre a água. Considerando que este poço fica

ao lado da escola e que seriam percepções diferentes em relação aos demais entrevistados

sobre o tema pesquisado.

A identidade de nossos entrevistados não pode ser revelada ou publicada, pois

seguimos as normas do Comitê de Ética ao qual esta pesquisa foi submetida e aprovada. Desta

forma optamos por nomear nossos entrevistados de acordo com as fontes de água existentes

16 É uma opção das pesquisadoras as adequações gramaticais na fala dos entrevistados. Contudo foram

preservados os trechos que revelam especificidades regionais e culturais.

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no quilombo (Córgo, Cacimba, Córrego, Rio, Poço, etc.) estas que permitem aos quilombolas

ter acesso em meio a grandes dificuldades a este bem natural.

No contexto dos princípios das escolas sustentáveis, há três dimensões subdivididas,

porém, que estão intrinsecamente conectadas. O saber político da educação ambiental não é

fragmentado, mas por algum efeito pedagógico ou de compreensão privilegiou-se um eixo

mais imediato e visível (Gestão da escola) e outros dois mais processuais e permanentes

(Espaço e Currículo).

O cenário brasileiro tem enfatizado muito as ecotécnicas, porque são mais concretas e

visíveis, contudo, compreendemos que a aprendizagem significativa na escola (Currículo) e a

compreensão do espaço como território de lutas e identidades são mais significativos e mais

consistentes do ponto de vista educativo.

Para a interpretação das percepções dos sujeitos entrevistados, resolvemos agregar as

respostas em três dimensões, sendo elas: axiomática, praxiológica e epistemológica que

correspondem às escolas sustentáveis, compreendendo que a pequena alteração é fruto

também da inovação investigativa, ou da licença poética de uma pesquisa guiada pela

Cartografia do Imaginário.

Assim, a matriz compreensiva das entrevistas foi agrupada em três blocos conectados

entre si, muitas vezes sem a possibilidade de segregá-los, representando simultaneamente três

dimensões das escolas sustentáveis. Pretendemos desta forma compreender as percepções dos

quilombolas de Mata Cavalo sobre a água na comunidade, discorrendo ainda sobre temas que

envolvam mudanças ambientais e climáticas e a abordagem destes temas no ambiente escolar.

5.1.1 Dimensão Axiomática

Compreendemos o espaço como uma possibilidade física e não física de

aprendizagem. Aqui as percepções sobre a água e natureza se fazem mais relevantes, junto

com o contexto político da valoração da vida, fé, crença, participação e cidadania. Por isso os

conflitos sobre os entrevistados são também aqui contextualizados, pois compreendemos que

o caos faz parte das aprendizagens significativas e não devemos temê-las, mas implicá-las na

existência humana e na construção da cidadania.

Nos caminhos percorridos durante esta pesquisa compreendemos que a água é vista

como um bem natural essencial à vida. Os quilombolas de Mata Cavalo exaltam a importância

da água para as suas vidas ao apontarem que outras necessidades humanas como o acesso a

alimentação e energia elétrica são dispensáveis, mas sem água é impossível viver.

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Córgo “Água para mim é um ato de vida, água é tudo, é o que nos mantém

de pé e vivo”.

Poço

“Água é vida, água é tudo. Prefiro ficar sem luz, mas sem água é

impossível, não tem como viver sem água.”

Lata d’água “Água é a melhor coisa, até com fome a gente passa, mas sem a água

não tem condição. A fome a gente segura, mas a sede não dá.”

Os quilombolas de Mata Cavalo consideram a água como algo importante e essencial

à vida, tanto que diante das compreensões água e vida parecem se tornar algo singular. A

água, para esta comunidade, ultrapassa o sentido de ser apenas um bem natural e essencial à

vida, pois dos relatos dos quilombolas depreende-se que a água apresenta um valor afetivo e

imaterial inestimável. Percebemos isto por meio das relações estabelecidas entre a

comunidade e as fontes de água no quilombo, como, por exemplo, os córregos.

Cacimba

“[...] O córrego Mata Cavalo era lindo, agora até ainda tem água,

mas a água era de correnteza mesmo. A gente pegava câmera de

pneu e subia em cima e ia descendo pelo rio, era muito bom. E nesta

questão de mudanças a água do rio diminuiu muito, muito mesmo.”

Córrego “Antigamente a gente usava a água dos corgos17

para beber,

cozinhar, tomar banho, lavar roupas, dava até para pescar peixes

pequenos.”

Os córregos da comunidade remetem aos quilombolas valores que estão intimamente

relacionados aos seus antepassados, que tinham nos córregos fontes de alimentos, lazer, bem-

estar e sobrevivência. A água pode ser uma fonte de energia, como afirma Bachelard (1989,

P.153), “com sua substância fresca e jovem, a água nos ajuda a nos sentir enérgicos.”. Esta

energia pode ser percebida nas falas dos nossos entrevistados, pois antigamente os poços não

existiam para suprir suas necessidades e ainda hoje, embora em menor quantidade, alguns

quilombolas ainda atribuem estes valores aos córregos da comunidade. De acordo com

Santos:

17 Nome utilizado popularmente para se referir aos córregos.

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O conhecimento tradicional é um legado das gerações passadas e daí deriva

a noção, por exemplo, de propriedade coletiva e a responsabilidade pelo seu uso. E é esta relação entre ser humano e natureza que deve assegurar a

conservação desta, uma vez que, caso não seja mantido em boas condições, o

mundo se pode desestruturar, sendo importante assegurar, por isso, a ordem do cosmos (SANTOS, 2005, p. 297).

A água pode ser compreendida além de seus aspectos físicos, econômicos e

conflituosos que são os aspectos já abordados nesta pesquisa. Para muitas pessoas e povos,

assim como para os quilombolas, a água tem um enorme valor imaterial, simbólico e

mitológico, estes valores não podem ser medidos, pois se trata na maioria das vezes de algo

subjetivo e interno em cada ser humano. Como afirma Bachelard (1989, p. 155),

“compreende-se, pois que a água pura, que a água-substância, que a água em si possa tomar,

aos olhos de certas imaginações, o lugar de uma matéria primordial.”

A água está totalmente associada à cultura quando procuramos percebê-la por outros

aspectos que não sejam suas classificações tradicionais (classificações físicas e químicas;

quantidade e qualidade; formas de distribuição no planeta). Quando a água é percebida como

algo imaterial seus valores e conceitos variam de acordo com os costumes e saberes do

ambiente onde está localizada. Nas palavras de Bruni:

Se levarmos em consideração o papel que a água desempenha nas mais variadas culturas humanas, nas religiões, nas cosmogonias, nos mitos, nas

artes, nas literaturas, e na própria filosofia [como já veremos], abre-se

perante nós toda uma outra perspectiva em que a água deixa de ser apenas parte fundamental da natureza externa e da vida biológica para tornar-se

dimensão essencial da vida especificamente humana. Isto é, é na dimensão

simbólica que a água diz respeito mais profundamente à vida e ao homem

(BRUNI, 1994, p. 57).

Os saberes tradicionais dos quilombolas estão presentes na maioria de suas falas. E

procuramos evidenciar aqui um saber tradicional que está diretamente relacionado com o

acesso à água no quilombo, que é por meio da construção de cacimbas18

em seus quintais. Por

meio das falas compreendemos que a construção destas cacimbas não são acompanhadas de

estudos científicos ou técnicos prévios, mas sim da necessidade de acesso a água e ainda por

ser um conhecimento passado entre as gerações.

Córrego “Antigamente eu usava água do leito do rio (Mata Cavalo), tinha

cabeceira, a água era boa, aí a gente fazia cacimba, fazia na beira do

18 São buracos cavados na superfície do solo para ter acesso a água, são feitos normalmente em locais com

lençóis freáticos aflorados.

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brejo de dois ou três metros, aí lá puxava na caçambinha com lata, aí

carregava nas costas e trazia em casa.”

Rio

“Eu uso água de cacimba. Já existia a cacimba, os antigos

construíram. Dona Tereza pegava água nessa cacimba quando veio

para cá. Nós apenas revitalizamos a cacimba, aí eu uso essa água.

Ela é preservada, a gente plantou bastante árvore ao redor pra não

secar”.

Cacimba

“Antes a gente tinha água de cacimba que era bem fresquinha e

gostosa, agora não tem mais, pois a cacimba secou”.

É enriquecedor ouvir as histórias contadas pelos quilombolas, as histórias nos

impressionam, comovem e nos ensinam muita coisa. Ao relatarem a origem da água que usam

em suas casas os moradores da comunidade apontam que antigamente a água que utilizavam

vinha de rios e cacimbas, e eram carregadas em carrinhos, caçambas e com as latas d’água na

cabeça (Figura 15).

Figura 15: Quilombola levando água do poço para sua casa com a lata d’água na cabeça

Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim, 2016.

A manutenção dos saberes tradicionais da comunidade é importante para a

conservação da identidade quilombola e dos bens naturais existentes na comunidade. Estes

conhecimentos são legados da comunidade que atribuem aos quilombolas um sentimento de

propriedade coletiva aos elementos naturais, o que aumenta ainda mais a responsabilidade em

relação à conservação deste bem natural.

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A relação entre natureza e cultura varia, pois, de acordo com o grupo étnico

de que se trata; isto possibilitaria, inclusive dentro de um sistema próprio, uma regulação do acesso ao conhecimento que não fosse uniforme, devendo

ser adaptada de acordo com determinada comunidade ou povo. [...] E toda

esta relação está situada em determinado território concebido como unidade

e que determina a relação entre os seres vivos que o habitam (SANTOS, 2005, p. 297).

Os conhecimentos dos antepassados associados aos córregos devem ser preservados

para que não sejam esquecidos os valores e as percepções que a água teve na comunidade,

considerando ainda que os poços estão tomando o lugar dos córregos e com o passar dos anos

os valores e os conhecimentos serão outros.

A mudança de valores pode ser associada às mudanças na quantidade e qualidade da

água na comunidade. Os quilombolas apontam as ações humanas diante deste elemento

natural como uma das principais causas destas mudanças, além das ações dos fazendeiros da

região que muitas vezes privavam os quilombolas de ter acesso a água. O córrego que antes

era o principal meio de conseguir água na comunidade deu lugar aos poços, e alguns

quilombolas veem esta mudança com bons olhos.

Córgo

“Acho que hoje tem menos água. [...] mas está acabando muito

rápido porque o povo não está preservando o que é deles de verdade.

Estão usando as nascentes para garimpo. [...] O povo não conhecia

esse negócio de poço, pegava água no rio, lavava roupas. Tinha

fazendeiros que não deixavam as pessoas pegarem água nos rios.

Muitas pessoas esperavam chover para pegar água que ficava nos

buracos do asfalto e a água era muito suja, pegavam de possas de

lama.”

Rio “Qualquer corguinho que a gente ia que estava correndo água a

gente podia pegar e beber, não tinha poluição, hoje em dia é muito

poluído e tinha também o garimpo”.

Córrego

“Hoje é melhor. Eu digo que é melhor porque antes a gente dependia

do rio, do corgo Mata Cavalo, que é um corgo mais afastado, onde a

dificuldade é maior, a gente tem que entrar no meio do mato para

chegar até a margem do rio. Hoje não existe isso, hoje a gente tem

condição melhor, porque a estrada é melhor, você chega mais rápido

até o poço.”

Ao relatarem as causas da mudança na quantidade e qualidade da água, os quilombolas

apontam causas que são historicamente causadoras de conflitos na comunidade. Os

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fazendeiros se sentiam proprietários da comunidade, inclusive dos rios. Ao serem impedidos

de ter acesso ao rio, muitas pessoas usavam a água empossada nos buracos do asfalto para

consumo, esta que era de péssima qualidade podendo ser comparada a lama.

Os quilombolas de Mata Cavalo atribuem as mudanças na quantidade e qualidade da

água às ações humanas diante da natureza. Para eles as queimadas e desmatamentos são as

principais causas das alterações na oferta e qualidade da água e o combate a estas ações

poderia reverter o atual quadro em que se encontra este bem natural. As compreensões em

relação as mudanças na oferta e qualidade da água não foram unânimes, enquanto alguns

responderam que melhorou, outros responderam que está pior.

De maneira geral os quilombolas compreendem a relação com a água de formas

contrastantes. Assimilam a melhoria com o acesso aos poços, por outro lado percebem que a

degradação dos córregos mudou os seus hábitos, sobretudo a alimentação (pesca), lazer,

consumo e saúde. As percepções que indicam que está pior atribuem às mudanças ao desgaste

sofrido pelo córrego Mata Cavalo e também ao aumento do número de moradores na

comunidade, que consequentemente aumenta a demanda por água.

Figura 16: Água armazenada em tambores ao redor da casa quilombola

Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim, 2016.

A percepção que os quilombolas têm sobre a água não difere de suas percepções sobre

a natureza e o clima, pois estes reconhecem que ambos são essenciais para nossa existência e

que assim como a água, a natureza e o clima já não são mais os mesmos e sofrem alterações

principalmente causadas pelas ações humanas.

Rio

“Tem mudado, eu sempre falo para minha mãe que quando a gente

acordava cansava de ouvir passarinho, era todo tipo de passarinho

de manhã cedo que te acordava, agora a gente não vê mais nada.

Acho que é por causa do desmatamento que foram tirando a casa

deles e eles foram embora ou morreram. [...] E o clima está mais

quente”.

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Cacimba

“Mudou sim, principalmente a questão da paisagem. Tem árvores

que nós víamos na estrada, tem uma que eu achava linda que no final

do ano dava frutas, no caminho da minha casa era cheio dessas

árvores e agora não tem mais, acho que o desmatamento é

responsável por isso.”

Lata d’água “Mudou. Tudo agora é fora de época, chuva não chove na época

certa, o frio não está mais sendo na época certa que era. [...] Você

podia plantar hoje e saber que amanhã ia chover, hoje não”.

Todos percebemos que a natureza e o clima não são mais os mesmos, tanto para os

quilombolas, quanto para todos os demais habitantes do planeta. Para a sobrevivência do ser

humano é necessário retirar da natureza os elementos essenciais para sua sobrevivência, mas

podemos fazer isto de forma menos agressiva. A partir do momento em que o ser humano

entender que nossos bens naturais são limitados e estão se esgotando, talvez possam entender

a importância de respeitar o tempo de recuperação para que a natureza se recomponha.

As mudanças ambientais e climáticas são compreendidas pelos quilombolas como

frutos da degradação da natureza. Eles percebem que suas ações contribuem com a

degradação da natureza, mas não conseguem se enxergar como agentes transformadores desta

realidade. Por mais que eles possam se colocar enquanto seres humanos que contribuem com

a degradação da natureza, os impactos provocados pelos quilombolas quando comparado com

o impacto provocado pelos fazendeiros no entorno do quilombo, apresentam-se irrisórios.

Quanto a esse aspecto também se considera que a população do quilombo é muito

maior em relação ao número de fazendeiros, sendo desproporcional o impacto causado à

natureza, pois os fazendeiros mesmo em menor número em relação aos quilombolas

degradam com maior proporção o ecossistema local em detrimento dos quilombolas.

As mudanças ambientais atingem toda a humanidade, mas não da mesma forma. Nesse

sentindo concordamos com Acselrad (2005, p. 222) quando afirma que “a injustiça social e a

degradação ambiental tem a mesma raiz”. Os quilombolas são pessoas carentes dos serviços

públicos e por não possuírem riqueza financeira e influência política, muitas vezes, não tem

acesso aos serviços básicos que uma comunidade precisa para se manter com dignidade.

Em meio às dificuldades enfrentadas pelos quilombolas, em que a maior delas é a não

obtenção do título definitivo da terra, eles ainda convivem com inúmeros conflitos. Os

confrontos com os fazendeiros são históricos na comunidade, desde a expulsão e o retorno dos

quilombolas ao quilombo há disputas por terras em que os fazendeiros são os maiores rivais.

Houve relatos de que os fazendeiros contaminavam a água dos quilombolas, destruíam

suas plantações e matavam seus animais para dificultar a sobrevivência no quilombo,

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resultando no abandono das terras. Muitos quilombolas abandonaram as terras e voltaram

depois, outros resistiram e lutaram e ainda hoje continuam em suas terras. Apesar de ainda

existirem fazendeiros na comunidade é relatado pelos quilombolas que não existem conflitos,

e sim desentendimentos que são pontuais e com menor intensidade se comparados aos de

antigamente.

Rio

“Conflitos tinham com os fazendeiros, o povo fazia poço, aí eles

vinham de lá e jogavam porcarias no poço para ninguém pegar. Eles

jogavam coisas mortas, jogavam óleo diesel nos poços das casas das

pessoas.”

O acesso à água é outro motivo de conflito entre os quilombolas na comunidade,

principalmente quando relacionados ao poço que abastece a comunidade. Por ser um poço de

uso comunitário, sua manutenção e cuidados também deveriam ser coletivos. Como podemos

compreender com as falas de nossos entrevistados, muitos usuários não veem o poço como

um bem de uso coletivo, mas como uma forma de tirar proveitos de algo escasso na

comunidade.

Córrego “As pessoas além de encher as vasilhas jogam água no pé ou jogam

água no carro e isso sempre gera confusão. Ás vezes usam a bomba e

deixam ligado derramando água a noite toda.”

Poço

“Tem um pessoal quem vem pegar água no poço para vender e isso

não é correto, porque se a água é um bem para todos como que vai

vender?”

Quando se trata do acesso aos bens naturais os relatos de conflitos são intensos, não

apenas em Mata Cavalo, mas em todo o mundo. Em geral os interesses econômicos e pessoais

diante destes conflitos não consideram as consequências sofridas pela natureza. De acordo

com Harvey:

Há por exemplo muitos conflitos em lugares nos quais as preocupações

locais em torno do acesso a recursos, à criação de melhores condições de

vida e da obtenção de formas elementares de segurança econômica se

sobrepõem a todos os esforços de cultivar o respeito a questões globais importantes como o são, por exemplo, os direitos humanos, a emissão de

gases do efeito estufa, a preservação da biodiversidade ou a regulamentação

dos usos da terra destinada a evitar o desflorestamento ou a desertificação (HARVEY, 2009, p. 114.).

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O fato do poço da escola não estar em condição de uso provoca alguns conflitos com

os usuários do poço comunitário, que é de onde a escola usa a água enquanto não é construído

um novo poço. A princípio, por meio de conversas com a comunidade escolar nós

pesquisadores pensávamos que o problema de abastecimento de água na escola era apenas por

causa da bomba de água que estava quebrada, mas durante conversas e entrevistas com os

funcionários da escola foi possível compreender que o problema é mais grave, como afirma:

Cacimba

“Nós temos poço, só que nosso poço foi condenado e desbarrancou.

A escola mesmo não tem água, a água usada é do poço da

comunidade.”

Conforme os relatos é possível perceber que o poço da escola desmoronou e está

condenado, não havendo como consertar, sendo que a única solução é a construção de um

novo poço na escola, construção esta que já foi solicitada inúmeras vezes à SEDUC e até hoje

não foi atendida. O fato de a escola fazer uso da água do poço da comunidade tem como

resultados alguns conflitos, e é ainda pauta na reunião de associação de moradores que ocorre

na comunidade.

Lata d’água

“Ás vezes desligam a água lá e nós ficamos sem aqui, às vezes nós

ligamos aqui e eles ficam sem lá, aí fica aquele tropé. E quer água

para fazer casa , água para beber e para fazer comida. Aí vira aquele

trabalho duro aí temos que marcar reunião, falar na reunião que a

escola é parceira da comunidade e a comunidade é parceira da

escola, então tem que saber dividir.”

De acordo com a entrevistada, a forma encontrada para resolver estes conflitos é o

diálogo, que é feito durante as reuniões da associação. Nestes diálogos eles procuram

enfatizar a união entre a comunidade e a escola, destacando suas parcerias. Os quilombolas

também apontam que muitos moradores utilizam a água do poço para construir casas, atitude

que é condenada pela maioria dos moradores, a entrevistada sugere que atividades como estas

devem ser feitas com a água dos rios.

Cacimba

“Igual eu falo, gente como nós tem rios, então quem quer construir

casas que pegue a água do rio. Vamos começar a cuidar melhor do

poço, não deixar jorrar água igual fica aberto. Tem gente que deixa

aberto, aí não vem água para cá. Sempre tem rixas deles por causa

da água. Eu acho que depois que tiver o poço da escola vai melhorar

bastante”.

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Para a resolução dos conflitos da escola com os usuários do poço comunitário os

quilombolas sugerem que seja construído o poço da escola, pois desta forma a escola usaria a

água do próprio poço, deixando a água do poço comunitário apenas para o uso da própria

comunidade. Diante da dificuldade de acesso à água os quilombolas tornaram-se mais

prudentes, principalmente em relação aos desperdícios. Conforme diz Harvey (2009, p. 289),

a prudência diante de riscos é uma atitude perfeitamente razoável. Ela também proporciona

uma base mais provável para forjarmos algum sentido coletivo de como assumir na prática as

nossas responsabilidades tanto perante a natureza como perante a natureza humana.

5.1.2 Dimensão Praxiológica

Embora a palavra “gestão” possa ser relacionada com o mundo empresarial e é preciso

cuidar para que não se limite aos aspectos meramente tecnicistas, essa dimensão agrega os

dilemas da escassez de água, as formas variadas de acesso à água e os meios de se vencer

alguns problemas socioambientais. A casa da cultura, por exemplo, não pode ser interpretada

somente à luz da ecotécnica, já que ela agrega uma história etnográfica de significado

identitário.

A origem da água utilizada pelos quilombolas em suas casas já não é mais a mesma de

seus antepassados que tinham os córregos da comunidade como fonte de água. Ainda hoje

alguns quilombolas fazem uso da água dos córregos, mas não com a mesma frequência de

antigamente, pois naquele período era a única opção para os que possuíam poucos recursos

financeiros.

Rio

“Quando chegamos aqui a gente usava água do córrego Mata

Cavalo. A gente pegava em garrafas, carrinho, garrafão, essas

coisas. A gente pegava água no poço artesiano, a gente carregava no

carrinho, carregava no ombro. Aí meu marido comprou uma bomba,

a gente não estava mais aguentando baldear água.”

Córrego

“A gente tinha que pegar água na cabeça, pegar água longe. [...]

passamos um tempão sofrendo porque não tinha dinheiro para

comprar bomba para puxar água, era na cabeça, quando conseguia

alguma charrete, ia de charrete.”

Poço

“A água que pegamos no leito do rio no tomar a gente sente que é

uma água mais leve que essa do poço. Antigamente na minha época,

numa época de novembro para dezembro em todos os corguinhos que

fosse o rio estava cheio, subia bastante peixe, hoje em dia você não

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vê mais peixe subindo por aqui não e água baixou. Hoje em dia o

corgo que eu nunca vi na minha vida desde criança seco, toda vida

correndo, hoje em dia está seco.”

Com a fala dos entrevistados percebemos que a água do córrego não era utilizada

apenas para consumo, mas também para pescar, pois era o local de onde muitos quilombolas

retiravam seus alimentos. Com o passar dos anos e a deterioração da natureza, e

consequentemente do córrego que fornecia água e alimentos, a comunidade passou-se a fazer

uso dos poços.

Procurando saber sobre a origem do poço comunitário do quilombo, conversamos com

alguns entrevistados. A princípio sabíamos que o recurso destinado a construção do poço teve

origem por meio de uma doação feita a comunidade. Partindo desta informação chegamos a

duas versões. Na primeira, o responsável por cuidar do poço da comunidade relata que o poço

é fruto de uma doação feita por um japonês nos anos 80.

Córrego “O poço da comunidade foi feito em 87. Esse poço foi doado para a

comunidade por um japonês.”

Na segunda versão outra entrevistada relata que o poço é resultado de doação, mas de

outras pessoas, ela afirma que:

Rio

“O poço da comunidade é uma doação feita pela rede salesiana de

Cuiabá.”

O responsável por cuidar do poço acredita que o lugar onde o poço foi construído é o

melhor possível, pois diante da quantidade de usuários e desperdícios diários o poço nunca

secou, ele afirma que:

Lata d’água “Eu falo que é uma veia de água muito forte, porque do jeito que

fazem aí com a água já era para ter secado. Vem pessoas de outras

comunidades pegar água aqui”.

Segundo os moradores da comunidade o poço da comunidade não é usado apenas

pelos quilombolas, pois vêm pessoas e outras comunidades e até de cidades vizinhas para

pegar água do poço. Todos os entrevistados consideram a água do poço de boa qualidade, e

ainda um poço com grande profundidade, como afirma o responsável pelo poço:

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Rio “O poço tem 65 metros, a água aqui é uma água boa.”

Atualmente os quilombolas preferem pegar água nos poços, tanto pela qualidade,

quanto pela comodidade. Por considerarem a água do poço da comunidade de boa qualidade

os quilombolas a utilizam para todos os afazeres domésticos, inclusive para cozinhar e beber.

Todas as respostas dos quilombolas são unânimes ao dizer que a água do poço é de boa

qualidade, inclusive um dos usuários afirmou já ter feito testes com a água do poço por meio

de um curso que foi oferecido na escola, e por meio deste teste ele garante que a água é de boa

qualidade.

Córgo “A água é boa, eu já fiz teste nela em um curso que fiz na escola. Eu

uso para tudo, inclusive pra alimentar os animais.”

Cacimba “A água é gostosa, igual água mineral. Eu uso para tudo. Para fazer

comida, para tomar banho, só não uso pra lavar roupa porque

precisa de muita água e eu não aguento pegar, aí nós lavamos no

rio.”

Para chegar ao poço muitos quilombolas percorrem longas distâncias com os mais

variados meios de transporte (Figura 15). Eles preferem pegar água no poço ao amanhecer, ou

ao entardecer, para evitar o contato com o sol intenso e também para que o trajeto seja menos

cansativo.

Poço

“Quando a gente não tinha carro ou moto a gente vinha pegar água

no poço de bicicleta. Aí vinha eu, meu pai e minha mãe de tardezinha

quando estava já para escurecer. Hoje a gente vem de carro ou de

moto.”

Córgo

“Eu ando 900 metros até o poço. Eu uso por que é a única opção, eu

uso há 14 anos. Eu tinha um poço na minha casa, mas secou.”

Rio

“Eu pego água na cabeça, de bicicleta. Eu pego água duas vezes na

semana.”

Cacimba

“Minha água vem de um poço que tem na minha casa. Antes de ter o

poço eu usava água do corgo Mata Cavalo e carregava na cabeça,

com a lata d’água na cabeça.”

Os quilombolas usam a água do poço comunitário desde a construção do poço. Eles

alegam que usam esta água por que as cacimbas ou poços que tinham em suas casas secaram e

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principalmente por não terem recursos financeiros para construir poços em suas casas. Para

pegar a água do poço os usuários vão de carro, bicicleta, carrinho de mão, a pé e com a lata

d’água na cabeça.

Ao longo das entrevistas percebemos que as pessoas que tem meios de transporte mais

confortáveis e práticos como o carro, vão com menos frequência ao poço durante a semana, já

as que precisam ir a pé, vão com mais frequência, isso se justifica pelo esforço físico

necessário durante o trajeto e também pela capacidade de conseguir carregar água em menor

quantidade durante o percurso.

A opinião dos quilombolas em relação à melhoria de acesso à água na comunidade é a

construção de poços artesianos. Para eles a construção de mais poços na comunidade

resolveria a maioria dos problemas, e seria melhor ainda se estes poços fossem construídos

próximo as suas casas, facilitando o acesso ao poço.

Rio

“Eu acho que vai melhorar. Se tivesse um poço mais perto ia ficar

melhor.”

Cacimba

“Nós temos que correr atrás dos nossos objetivos que são os poços

artesianos. A construção dos poços vai resolver os problemas, aí

podem irrigar, podem plantar.”

Lata d’água

“Eu acho que pode melhorar se construir poços semi-artesianos. Não

precisa ser na casa das pessoas se não pode afetar os lençóis

freáticos, mas distribuir pela comunidade nos locais onde têm mais

moradores.”

Figura 17: Quilombolas pegando água no poço da comunidade

Fonte: Arquivo pessoal de Regina Silva, 2009.

Os quilombolas relacionam a melhoria do acesso à água com a construção dos poços,

sendo o poço uma técnica que não era necessária anteriormente, pois a água dos córregos

apresentava boa quantidade e qualidade. A técnica da construção dos poços pode ser vista

como uma imposição cultural, uma vez que o uso da água de poços não fazia parte de seus

costumes e sim o uso da água dos córregos da comunidade, sendo a mudança na fonte de água

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no quilombo também uma transformação na cultura quilombola. Devemos considerar que

para os quilombolas a construção de poço na comunidade é vista como a alternativa mais

fácil, visto que o acesso aos córregos para sua revitalização é quase impossível, pois estes

estão localizados em sua maioria nas propriedades dos fazendeiros.

Os moradores do quilombo que tem melhores condições financeiras já construíram

poços em seus quintais, porém, aqueles que possuem poucos recursos financeiros dependem

do poço da comunidade. Se fosse atendida a demanda dos moradores para a construção de

poços em seus quintais provavelmente os lençóis freáticos não suportariam toda a demanda.

Assim, a construção de poços na comunidade é visto pelos quilombolas como a solução de

seus problemas com a água, e consequentemente melhoria da qualidade de vida.

Podemos atribuir a dificuldade de acesso à água e muitos dos problemas enfrentados

pelos quilombolas de Mata Cavalo ao racismo ambiental. Entendemos por racismo ambiental

as injustiças sociais e ambientais sofridas com maior intensidade por pessoas que são

discriminadas por sua origem ou cor, como os quilombolas de Mata Cavalo. No ensinamento

de Cavalcanti:

Todo indivíduo deseja ser feliz, viver uma longa vida, alcançar a plena realização de si próprio. O desenvolvimento pode levar a tais objetivos. No

entanto, não é necessário se aumentar a posse de bens para que uma pessoa

se sinta mais feliz. Sem embargo, a possibilidade de se ter mais e mais de cada coisa converteu-se no fim supremo do progresso. Pobreza, porém, não é

sinônimo de felicidade. Em princípio, a felicidade pode ser alcançada com

afluência. O que é importante notar aqui é que nosso módulo a natureza, é

austero, sóbrio, balanceado. Não é possível para todo mundo ser afluente simultaneamente em um planeta de 5,6 bilhões de pessoas [Segundo a ONU,

atualmente, no ano de 2016, somos cerca de 7 bilhões de pessoas no

planeta]. Naturalmente, é preciso definir a ideia de riqueza que cada um tem na cabeça (CAVALCANTI, 1995, p. 163).

Hoje a principal fonte de água da comunidade são os poços. A mudança na fonte de

água da comunidade, dos córregos para os poços, provocou mudanças na cultura e nos

costumes. A partir da degradação dos córregos, provocada pelos desmatamentos, garimpos,

pecuária e atividades de mineração na região; considerando ainda que muitos córregos estão

localizados nas propriedades dos fazendeiros, fato que impede os quilombolas de ter acesso a

estas águas, os moradores deste quilombo passaram a depender de outras fontes de água,

sendo os poços a principal delas.

As pessoas com menor poder aquisitivo são as que menos contribuem com a

degradação da natureza, mas são as que mais sofrem as consequências. Neste sentido,

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acreditamos que a educação ambiental pode fortalecer as lutas quilombolas e ajudar na

solução dos problemas enfrentados com a água.

O fato das pessoas socialmente vulneráveis não buscarem seus direitos junto ao poder

público pode se justificar pela falta de informação/formação necessária para que possam

buscar amenizar os problemas enfrentados, não só com a água, mas as demais carências da

comunidade como o acesso a saúde, saneamento básico e moradias dignas. Para fazer valer

seus direitos é importante que a comunidade se organize e participe junto ao governo na

elaboração de políticas públicas que possam amenizar suas necessidades. Santos explica que:

As minorias, os excluídos, as populações locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os anteriores e os distantes que não participam da direção do

Estado têm seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e

ambientais escolhidos pelo Estado ou pela classe dirigente do Estado, e não por sua organização própria (SANTOS, 2010, p. 106).

As famílias quilombolas obtém renda por meio de pequenas plantações e criação de

animais, fabricação de artesanatos e doces ou por meio de programas assistenciais do

governo. É comum ouvir que a melhor forma de combater as diferenças sociais é a melhor

distribuição de renda. Como afirma Harvey (2009, p. 290) “as formas tradicionais de

considerar a solução para a pobreza, que se apoiam inteiramente na redistribuição de renda a

partir do crescimento econômico [...] não podem ser mantidas com facilidade”. É necessário

valorizar outras maneiras de alcançar esses objetivos políticos e sociais, sem que o

crescimento econômico seja visto como o único caminho.

A falta de água não é um problema exclusivo da comunidade quilombola de Mata

Cavalo, este é um problema que atinge milhares de pessoas em nível mundial, assim como os

conflitos. As comunidades tradicionais marginalizadas são muitas em nosso país, embora

tenham histórias e culturas diferentes, as semelhanças se apresentam de várias formas. Como

afirma Leonardi (1995, p. 195), apesar das diferenças existentes entre essas sociedades quanto

a seus níveis sociais, econômicos, políticos, tecnológicos, culturais, é possível distinguir nelas

estruturas, relações e processos semelhantes.

Quando se tem um governo que garante seus direitos, a população deve fiscalizar e

cobrá-lo em relação a isto. Se o governo lhes garante as condições mínimas de sobrevivência

é necessário transformar este estado para que suas necessidades sejam atendidas.

Por isso as minorias, os excluídos, as populações locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os anteriores, os distantes, os que não tem

capital, precisam de um Estado forte que os proteja dos direitos individuais,

dos proprietários, dos capitais e dos poderes globais. Precisam reinventar o

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Estado, retirando-lhe a lógica do capital, substituindo-a pela lógica dos

povos (SANTOS, 2010, p.108).

Compreendemos que a construção de poços na comunidade transforma os costumes e

a identidade de um povo que sempre dependeu dos córregos para ter acesso a água. Não

queremos aqui defender que eles retornem a sua condição anterior, o que acreditamos é que

eles não devem estar amarrados a apenas uma técnica. A escolha pelo modo de vida não deve

ser imposta, mas o seu autoconhecimento e reconhecimento deverem ser suficientes para que

eles possam escolher a melhor forma de suprir suas necessidades.

5.1.3 Dimensão Epistemológica

Diferenciamos, aqui, o currículo da escola e o currículo da comunidade por uma

simples opção pedagógica, sem estabelecer hierarquia ou supremacia entre estes dois

currículos. Ao evidenciarmos o currículo da comunidade partimos do conceito de Freire

(1992) que retrata o “saber de experiência feito” que são construídos a partir do saber da

experiência sociocultural transferida de gerações a gerações. E buscamos seguir os princípios

das escolas sustentáveis dando ênfase à escola e ao seu espaço formal de aprendizagem.

Trataremos sobre a dimensão disciplinar, conceitos e formalidades pedagógicas da Escola

quilombola Tereza Conceição Arruda.

Os conflitos, a dificuldade de acesso a água, as mudanças ambientais e climáticas

fazem parte do cotidiano dos moradores do quilombo de Mata Cavalo, mas o que esperar em

relação ao futuro? Os jovens estão cientes dos problemas socioambientais de sua

comunidade? A escola aborda estes assuntos?

Neste sentido fez-se importante compreender como a educação ambiental e a temática

água são trabalhadas no contexto escolar para entender qual a formação que estes estudantes

estão recebendo em relação a estes temas que são importantes e constantes na realidade da

comunidade. Desta forma, foi perguntado aos estudantes se estes temas são abordados em sala

de aula e como são abordados.

Rio

“Eles explicam como preservar e como a água pode ser

contaminada, a luta pela água e pelos poços.”

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Córgo

“[...] Eles falam de várias formas, a gente estuda nas aulas de

biologia, de geografia e história. Eu vejo que a água deveria ser

melhor tratado no espaço físico da escola, por que quando as caixas

de água estão enchendo e começam a derramar todos veem mas

ninguém desliga.”

Os estudantes afirmam que os temas são trabalhados na escola, mas acham que

deveriam dar mais atenção a estes assuntos. Os professores trabalham apenas questões

pontuais como queimadas, desmatamentos, poluição e desperdícios de água. Um dos

estudantes cita exemplos de desperdícios dentro da própria escola, como quando a água

derrama das caixas já cheias e são poucas as pessoas que se importam em desligar.

Conforme relatos de professores e estudantes foi possível entender que a história da

comunidade, assim como estes temas não estão inseridos no PPP da escola, desta forma não

são obrigados a serem abordados pelos professores.

Assim como para os estudantes, perguntamos aos funcionários da escola como a

educação ambiental e a temática água são trabalhados na escola. Eles responderam que:

Cacimba

“A gente trabalha sobre água, queimadas, lixo, como que faz com o

lixo, se pode queimar, se não pode. [...] Quando construiu a escola as

árvores foram derrubadas para construir a escola, quem plantou as

árvores da escola foram os alunos.”

Lata d’água

“Não é muito falado. Eu como sou professora tenho que abordar

estes assuntos, mas não está inserido no PPP da escola. Eu acho que

é uma parte que tem que melhorar e que muitos alunos não tem

noção. [...] É abordada de forma indireta, por exemplo, na época das

queimadas eles reclamam que está calor aí eu tento introduzir o

assunto na aula.”

Os funcionários da escola têm opiniões divergentes sobre a abordagem destes temas

em sala de aula. Uma funcionária da escola afirma que estes temas são trabalhados, mas da

forma como relatou percebemos que são tratados de forma superficial e tradicional,

abrangendo apenas ações pontuais. Como constatamos no PPP da escola e também de acordo

com uma professora entrevistada, estes temas não são tratados como deveriam, também não

fazem parte do Projeto Político Pedagógico da escola e são abordados apenas de forma

indireta durante as aulas.

O que esperar do futuro da comunidade se os jovens não estão cientes de suas

histórias, de suas lutas e dos conflitos que os cercam? O conhecimento é essencial na luta pelo

território. Como afirma Santos (2005, p. 300), o conhecimento exprime-se territorialmente e o

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território é a expressão material da rede de relações que constrói o conhecimento, incluindo o

idioma e outras manifestações da cultura. Os direitos intelectuais são entendidos, então, como

um prolongamento dos direitos territoriais.

Durante a entrevista com uma professora da escola compreendemos que os problemas

socioambientais que atingem o quilombo Mata Cavalo, principalmente a dificuldade de

acesso à água pode ser percebido dentro das salas de aula, a professora afirma que:

Cacimba

“Tem alunos aqui que não tem a comodidade de tomar banho em um

banheiro, com chuveiro, tem que ser no balde e isso é complicado

porque interfere na higiene dos alunos, às vezes tem alunos que vem

sujos pra escola e às vezes não é porque quer, é por que não tem

água com facilidade em casa e às vezes sai muito cedo aí fica mais

difícil pegar água, aí do jeito que acorda vem para escola.”

Por ser uma escola localizada na zona rural do município, a distância entre as casas e a

escola é na maioria das vezes longas, fato que demanda o uso de um ônibus para transportar

os alunos. A longa distância somada à dificuldade de acesso à água faz com que muitos

estudantes vão para a escola sem a possibilidade de tomar um banho ou outras formas de

higiene. Devemos considerar ainda que é comum a própria escola sofrer com a falta de água,

tanto para beber, quanto para outros usos, desta forma compreendemos que a falta de água na

comunidade está presente em muitos momentos do cotidiano quilombola.

Os jovens precisam estar informados e instruídos sobre o que ocorre em sua

comunidade e também no mundo, precisam compreender como se dá o processo de

globalização e a concentração de riquezas nas mãos da minoria, como sua realidade tem

relação com as diversas realidades econômicas, sociais e culturais ao redor do mundo.

Segundo Harvey,

A globalização envolve, por exemplo, um alto nível de autodestruição, de

desvalorização e de falência em diferentes escalas e distintos lugares. Ela torna populações inteiras seletivamente vulneráveis à violência da redução

de níveis funcionais, ao desemprego ao colapso dos serviços, à degradação

dos padrões de vida e à perda de recursos e qualidades ambientais. Ela põe em risco instituições políticas e legais existentes, bem como inteiras

configurações culturais e modos de vida, e o faz numa variedade de escalas

espaciais. A globalização faz tudo isso ao mesmo tempo em que concentra riqueza e poder e promove oportunidades político-econômicas numas poucas

localidades seletivamente escolhidas e no âmbito de uns poucos estratos

restritos da população (HARVEY, 2009, p. 115.).

Entender os processos que resultam nas diferenças sociais é importante para combater

estas diferenças. O conhecimento é a melhor forma de se opor ao sistema e lutar pelos seus

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direitos e de sua comunidade. A escola não pode se negar a exercer seu papel de conceber

uma compreensão crítica da realidade com práticas libertadoras e emancipatórias contribuindo

na formação crítica e política dos discentes (FREIRE, 1987).

O que esperar do futuro quando o presente não está sendo tratado como deveria?

Harvey (2009, p. 286) afirma que “tal como muitas outras espécies, somos perfeitamente

capazes de destruir nosso próprio ninho ou dilapidar nossos próprios recursos básicos de

forma a ameaçar gravemente nossas próprias condições de sobrevivência.” A humanidade

está totalmente propensa a isso se atitudes não forem tomadas desde o início da nossa

formação, pois a natureza já fragilizada vem nos mostrando seus limites cotidianamente.

5.2 Considerações sobre a pesquisa

A realização desta pesquisa nos proporcionou compreender um problema grave de

uma comunidade que enfrenta outros inúmeros desafios. Com o objetivo de compreender a

percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água esta pesquisa nos mostrou muito

mais do que pretendíamos ver, ouvir, sentir, saber ou pesquisar.

Compreendemos a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água. Os

resultados encontrados foram além de nossas expectativas, de forma que os caminhos

percorridos se tornaram mais gratificantes e prazerosos. Os problemas com a falta de água na

comunidade não foram resolvidos com a conclusão deste trabalho, pois este não era o objetivo

proposto pela pesquisa.

O problema de falta de água na comunidade existe há muito tempo, continuou no

decorrer de nosso trabalho e não temos previsão de quando será resolvido ou amenizado.

Porém, compreendemos como os quilombolas enfrentam este problema, como contribuem

para a perpetuação ou solução deste e, ainda, o que esperam do futuro em relação à água na

comunidade.

Os quilombolas de Mata Cavalo percebem que a origem da água que utilizam em suas

casas mudou, que os córregos de onde retiravam água para sobreviver já não são mais os

mesmos, impossibilitando seu uso como antigamente. Os córregos não são mais os mesmos

por que o desmatamento, a poluição, o garimpo, as queimadas e outras intervenções humanas,

os destruíram.

A natureza, o ambiente natural e o clima também não são mais os mesmos, tudo está

muito diferente. Os animais, as árvores e os córregos estão desaparecendo, o clima está mais

quente e as chuvas não caem nos períodos certos. Estas mudanças são atribuídas às ações

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humanas diante da natureza, e eles os quilombolas também se veem como parte destas

pessoas que não tratam a natureza como ela merece.

Os conflitos na comunidade mais comuns envolvem o poço artesiano da comunidade,

este que está conseguindo abastecer a comunidade há quase trinta anos, apenas os poucos

moradores que tem seus próprios poços em seus quintais não utilizam a água do poço da

comunidade.

A solução apontada unanimemente pelos quilombolas para o problema com a falta de

água é a construção de mais poços artesianos na comunidade. Esta solução é desanimadora

quando percebemos que a construção dos poços é mais importante para eles do que a

conservação e recuperação dos córregos dos quais retiravam água antigamente. Ao apontarem

que precisam de mais poços na comunidade eles se esquecem de que há outras formas de ter

acesso a água no quilombo, como a construção de cisternas para reaproveitamento de água da

chuva e, principalmente, de recuperar o ambiente natural em que estão inseridos, embora o

acesso aos córregos pelos quilombolas seja limitado pelo fato da maioria estar localizado nas

propriedades dos fazendeiros da região.

A qualidade e a quantidade de água mudaram com o decorrer do tempo, e para a

maioria dos quilombolas mudou para melhor. Para eles não existe diferença na qualidade da

água que retiram dos poços e a água que buscavam nos córregos antigamente. A quantidade e

o acesso à água melhoraram por causa da construção dos poços, para eles é mais fácil utilizar

algum meio de transporte ou mesmo com a lata d’água na cabeça, irem até os poços para

pegar água do que ter que percorrer longas distâncias dentro da mata até os córregos.

As mudanças são necessárias, tanto dos quilombolas e fazendeiros da região com suas

atitudes em relação aos bens naturais, quanto do Poder Público que deveria atender as

necessidades básicas deste povo vulnerável. Muito mais do que soluções pontuais, a reflexão

da educação ambiental neste contexto deve ser o alcance da percepção da injustiça

socioambiental e descaso político. É necessário repensar a construção de vários poços na

comunidade e avaliar se a natureza suportaria toda esta demanda. É difícil apontar uma

solução para este problema, mas compreendemos que conservar os bens naturais é o começo

para qualquer solução.

O que esperar para o futuro se os jovens que são o futuro da comunidade têm pouco

acesso às informações que possam embasar seus conhecimentos para combater os problemas

de seu povo? Alguns dos principais problemas da comunidade, como a falta de água e a

degradação da natureza, são pouco abordados pela escola, esta que tem a responsabilidade de

formar cidadãos críticos e conscientes de seu papel diante da sociedade e natureza. Não

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desconsiderando os labirintos de aprendizados cotidiano dos quilombolas, por meio do

contato com a história e cultura no quilombo, que serve também para a manutenção da

identidade desse povo.

A globalização tem o poder de transformar o mundo em questão de minutos e

infelizmente ninguém está isento deste movimento que transforma culturas, saberes, costumes

e um povo. A crença e o desejo de resolver os problemas na individualidade enfraquecem a

coletividade e a força comunitária, trazendo à tona a visão típica desenvolvimentista. Os

quilombolas que buscavam água com a lata d’água na cabeça, ou os poucos que ainda fazem

isso, preferem uma bomba d’água que leve até eles de forma mais confortável e rápida a água

que precisam. As novas tecnologias têm a vantagem de facilitar nossas vidas em muitos

aspectos, mas é necessário ter discernimento para optar pelo que nos ajude de forma completa

e, principalmente, respeitando nossas culturas e a natureza.

A educação ambiental proposta pelo GPEA e trabalhada ao longo dos dez anos em

parceria com a comunidade quilombola de Mata Cavalo pode ser um importante caminho para

fortalecer as lutas do quilombo e os ajudar a extrapolar a visão de que mais poços ou recursos

financeiros possam resolver seus problemas definitivamente. É importante compreender que

assim como a construção de poços, embora seja uma forma imediata de ter acesso à água, a

recuperação do ambiente natural que habitam também é uma forma de ter acesso à água,

embora não atenda as suas necessidades com a urgência necessária.

Aliando os conceitos e princípios da Cartografia do Imaginário e escolas sustentáveis

apresentamos as percepções dos nossos entrevistados considerando as dimensões axiomática,

praxiológica e epistemológica. Acreditamos que as três dimensões contemplam todas as

percepções que nos propomos a pesquisar, sendo que essas dimensões se complementam e

dão sentido às várias percepções de nossos entrevistados.

A dimensão axiomática nos permitiu compreender as percepções em relação à

natureza e a água no quilombo e a relação estabelecida pelos mais antigos com os córregos,

por meio das lembranças afetivas da infância. A substituição dos córregos pelos poços

provocaram mudanças no cotidiano dos quilombolas, fato que contribuiu ainda para o

surgimento de desentendimentos em relação ao uso do poço comunitário.

A dimensão praxiológica evidenciou as vivências no quilombo por meio dos relatos

que mostraram os caminhos percorridos antigamente até os córregos e hoje até os poços. Esta

dimensão nos mostrou também que o poder aquisitivo de cada quilombola interfere nos

costumes de ter acesso à água pelos córregos, pelos poços ou na construção de poços em seus

quintais, esse para quem tem condições de pagar.

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A dimensão epistemológica nos permitiu conhecer e compreender o contexto em que a

escola aborda a educação ambiental ou os problemas enfrentados pelos quilombolas no

currículo da escola. Não desconsideramos o currículo da comunidade, que pode ser

evidenciado pelos saberes passados entre as gerações dentro da comunidade.

A compreensão das dimensões axiomática, praxiológica e epistemológica nos

propiciou conhecer a comunidade quilombola de Mata Cavalo por diversos olhares em seus

diversos aspectos. Acreditamos que estas dimensões se complementam, assim como o

axioma, a práxis e a episteme desta comunidade.

Com o aporte da Cartografia do Imaginário realizamos esta viagem que nos trouxe

muitas descobertas, prazeres e conhecimentos. Descobrimos a história de um povo que em

meio a grandes lutas e dificuldades procuram olhar o lado bom dos acontecimentos sempre

com sorrisos no rosto e o brilho de esperança nos olhos por acreditarem que dias melhores

virão. Tivemos o prazer de conviver com pessoas fortes que nos permitiu entrar em suas casas

e conhecer além de suas histórias, também seus sentimentos.

A viagem foi muito proveitosa e voltamos desta com a bagagem cheia de experiências,

transformações e ótimas lembranças. As vivências na comunidade permitiram ver o mundo

com outros olhos e rever nossos conceitos de dificuldades, pois existem pessoas que são

completamente alheias aos serviços que o governo tem obrigação de oferecer ou mesmo não

tem um pouco de terra para chamar de sua, enquanto os fazendeiros ao redor de sua

comunidade possuem muito mais do que precisam.

Esperamos que nossa pesquisa contribua para que os quilombolas se vejam como

agentes transformadores da realidade que os cercam, e que embora as dificuldades sejam

notórias em seu cotidiano é possível e é necessário lutar por seus direitos e principalmente por

um mundo melhor e justo, em que a cor da pele e as condições financeiras não sejam

determinantes para a forma de viver.

Retomando a metáfora do “direito de janela e o dever de árvore”, compreendemos que

chegando ao final desta viagem e ao olharmos novamente pela janela já não conseguimos

compreender as árvores como no início. Agora conseguimos entender as dificuldades em

passar pelo solo pedregoso para chegar à superfície e também grande parte das cicatrizes em

suas folhas e troncos, que com certeza as tornaram mais resistentes às dificuldades.

Embora as condições naturais necessárias para a manutenção da vida destas árvores

não sejam as mais propícias, elas nos mostram que suas folhas podem ser verdes e que podem

ainda produzir saborosos frutos. Podemos ver esses frutos como sonhos, pois embora as

adversidades estejam presentes cotidianamente no quilombo, os sonhos também estão

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presentes e são eles os responsáveis por não deixar as árvores serem afetadas pelos problemas

socioambientais.

A viagem nos proporcionou conhecer muitas árvores, mas sabemos que sempre há

mais para se aprender, descobrir e se encantar. Há muitas florestas repletas de árvores que

esperam ser conhecidas, pode ser que estas árvores sejam conhecidas e desvendadas por mim,

por outros pesquisadores ou talvez continuem anônimas em suas florestas. O futuro é incerto,

mas sabemos que as árvores existem e que muitas precisam ser conhecidas e compreendidas.

O acesso à água de boa qualidade é uma necessidade e direito de todos independente

de ser humano, árvore ou qualquer ser vivo. A classe econômica, social ou cultural não deve

definir quem pode ter acesso a este bem natural essencial. É necessário ter um olhar especial

para este problema que é um dos maiores da humanidade, pois compreendemos que sem água

absolutamente ninguém consegue sobreviver, mas não se trata apenas de água, mas de água

acessível a todos e de boa qualidade.

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APÊNDICE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Você está sendo convidada (o) à participar, como voluntário, da pesquisa: Lata d’água

na cabeça: Um olhar sobre a percepção da água na comunidade quilombola de Mata

Cavalo, a ser desenvolvida por Priscilla Mona de Amorim, pesquisadora no Grupo

Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) do Programa de Pós-

Graduação em Educação (PPGE) do Instituto de Educação (IE) da Universidade Federal de

Mato Grosso (UFMT), sob a orientação da Profª. Drª. Regina Aparecida da Silva. A pesquisa

tem a finalidade de obter informações para desenvolvimento da dissertação de Mestrado.

Após ser esclarecida (o) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do

estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias, uma delas é sua e a outra é da

pesquisadora responsável. O objetivo deste estudo é compreender a percepção dos

quilombolas de Mata Cavalo sobre a água. Sua participação nesta pesquisa consistirá em

conceder entrevista a pesquisadora, por meio de um roteiro de entrevistas semi-estruturada,

com tópicos a serem abordados pela pesquisadora, estes facilitarão o diálogo que será

gravado, fotografado e filmado. Os riscos relacionados à sua participação na pesquisa são possíveis desconfortos devido aos

constrangimentos decorrentes das entrevistas, porém caso as perguntas causem algum constrangimento, asseguro que as mesmas serão interrompidas. Os benefícios dessa pesquisa para sua

comunidade é que ela tem o potencial de valorizar o olhar e percepção que os quilombolas têm sobre a

água. O estudo da percepção sobre este elemento natural permitirá entender a relação que os quilombolas têm com a água apesar do histórico de falta de água enfrentado pela comunidade.

Seus direitos enquanto participante da pesquisa serão preservados: garantia de

esclarecimentos a qualquer momento sobre esta pesquisa e sobre sua participação, liberdade

para retirar-se sem penalização, ou seja, você pode desistir de participar da pesquisa em

qualquer momento, mesmo que já tenha assinado este termo. As informações desta pesquisa

serão divulgadas em sites da web, eventos e publicações científicas, havendo identificação

dos participantes bem como o uso de imagens fotográficas e fílmicas. Este termo contém o

nome, telefone, local de estudo e o e-mail da pesquisadora responsável, para que você possa

localizá-la a qualquer momento.

Meu nome é Priscilla Mona de Amorim, estudo no Instituto de Educação-UFMT,

Cuiabá-MT, meu telefone de contato é (65) 92043678 e e-mail:

[email protected] . Minha orientadora é a professora Drª. Regina Aparecida

da Silva, da UFMT/Cuiabá e seu e-mail: [email protected] . Em caso de dúvida você pode

procurar o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller - UFMT- pelo

telefone (65) 36158254, sob a coordenação de Dra. Shirley Ferreira Pereira.

Ressalto ainda que não haverá nenhum gasto ou remuneração com sua participação

nesta pesquisa.

Considerando as informações acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e

verbalmente do objetivo desta pesquisa e em caso de divulgação AUTORIZA a publicação.

Eu __________________________________________________, Idade:__________,

Sexo:_______________, Natural de:________________________ RG __________________

declaro que sinto-me suficiente e devidamente esclarecida(o) e entendi os objetivos da

pesquisa, bem como os riscos e benefícios de minha participação na mesma, como está escrito

neste termo declaro que consinto em participar da pesquisa por livre vontade, não tendo

sofrido nenhuma forma de pressão ou influência indevida.

_______________________, _______ de _____________________ de 2016.

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ANEXO

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