UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PRISCILLA MONA DE AMORIM
LATAS D’ÁGUA NAS CABEÇAS: PERCEPÇÕES SOBRE A ÁGUA NA
COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA CAVALO
CUIABÁ-MT
2017
PRISCILLA MONA DE AMORIM
LATAS D’ÁGUA NAS CABEÇAS: PERCEPÇÕES SOBRE A ÁGUA NA
COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA CAVALO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso, como
parte dos requisitos necessários para a obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª REGINA APARECIDA DA SILVA
Coorientadora: Prof.ª Dr.ª MICHÈLE SATO
CUIABÁ-MT
2017
Dedicatória
Dedico este trabalho aos quilombolas de Mata Cavalo, que por meio desta pesquisa
me mostraram que apesar das adversidades impostas, somos capazes de lutar pelo que
sonhamos e acreditamos, principalmente por um mundo justo e melhor para se viver.
À minha primeira mestre, minha Mãe (Zeine), professora da maior Universidade, a
Vida. Por ser a grande responsável por minha formação pessoal, pelo incentivo, carinho,
apoio e suporte ao longo da minha vida, fazendo com que tudo que tenho sonhado possa
ser realizado e também por me fazer enxergar que a vida é muito maior que aquilo que os
nossos olhos possam ver, nossas mãos possam tocar, os nossos ouvidos ouvir e as nossas
pernas alcançar...
, ,
Agradecimentos
Durante a escrita desta dissertação pude contar com a colaboração de pessoas que são
e se tornaram fundamentais em minha vida pessoal e acadêmica, sem as quais seria
impossível a realização deste trabalho. Valorizar e reconhecer os que me apoiaram ao longo
desta caminhada é imprescindível e me remete a uma das mais belas palavras que conheço:
Gratidão! É por meio da gratidão que posso expressar toda a minha admiração e carinho aos
que contribuíram para a realização de mais um sonho. Assim, sou grata...
À minha mãe (Zeine), mulher guerreira, amorosa, generosa. Meu exemplo de
persistência e honestidade, por quem tenho enorme admiração, orgulho e gratidão por tudo
que fez e faz por mim e meus irmãos.
Ao meu irmão Thiago e a minha irmã Pamela por serem essenciais em minha vida.
Aos quais procuro ser o melhor exemplo possível de que quando acreditamos e lutamos por
nossos sonhos a realização é apenas uma consequência.
Ao Eronaldo por todo carinho, incentivo e companheirismo ao longo de mais esta
caminhada.
À minha enorme família (tios, tias, primos e primas) pelo incentivo e carinho que
sempre demonstram por mim.
Ao GPEA pela belíssima formação acadêmica e pessoal que este grupo pesquisador
me proporcionou e principalmente pela oportunidade de conhecer outros mundos e sonhar
novos sonhos.
À minha orientadora pela qual tenho enorme admiração, Regina. Gratidão a você por
toda atenção, paciência, incentivo, compreensão, carinho e ensinamentos, sem os quais nada
disso seria possível e pelos quais serei eternamente grata.
À minha querida coorientadora Michèle, pela paciência, carinho, ensinamentos e
generosidade que estão expressas em cada página desta dissertação e especialmente nas artes
que embelezam e dão leveza a esta pesquisa, que tem muito desta pessoa especial pela qual
tenho infinita admiração e gratidão.
A Michelle Jaber, não apenas pelos competentes ensinamentos acadêmicos que me
proporcionou, mas também pelo lindo exemplo de mulher guerreira e amorosa que é para
todos os que a cercam.
Aos colegas gpeanos Cássia, Denize, Edilaine, Giseli, Giselly, Herman, Júlio,
Ronaldo, Rosana e Thiago, pelos aprendizados e experiências que me proporcionaram nos
colóquios, nas reuniões, na militância, nos trabalhos de campo e também nos momentos de
descontração.
Aos parceiros do Processo Formativo realizado em Mata Cavalo, Regina, Michelle,
Déborah, Nicolas, Edilaine, Elizete, Júlio e Giselly, gratidão pela parceria e aprendizados.
Aos moradores, estudantes, professores e funcionários da comunidade escolar do
quilombo Mata Cavalo por toda solicitude ao longo da realização desta pesquisa, a eles toda
minha admiração e carinho.
Aos membros da banca examinadora, Profa. Dra. Michelle Jaber, Profa. Dra. Lúcia
Shiguemi e Prof. Dr. Luiz Augusto Passos, aos quais dedico enorme admiração pela forma
amorosa e competente com que vivem e exercem suas profissões. A eles sou grata pelo belo
exemplo que são para mim e pelas valiosas contribuições.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, nas pessoas de Luísa, Márcia, Marisa e
Marcos, pelo suporte e por serem tão atenciosos nos momentos das dúvidas burocráticas.
Aos professores Edson, Cândida e Elizabeth e aos colegas do mestrado pelas valiosas
contribuições com a minha pesquisa durante as disciplinas cursadas.
À Déborah, Amanda, Cristiane, Raquel e Jucieli, colegas que se tornaram grandes
amigas e a quem sou grata pela parceria, risadas, comilanças, passeios e força nos momentos
difíceis desta caminhada.
À CAPES, pela bolsa e imprescindível contribuição financeira para a realização desta
pesquisa.
A Deus, pela graça da vida e saúde que me permitiu concluir mais esta caminhada.
Gratidão!
RESUMO
Essa pesquisa teve como área de estudos a comunidade quilombola de Mata Cavalo,
localizada no município de Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. Esta comunidade
convive historicamente com diversas lutas, dentre elas, a busca pelo título definitivo de posse
da terra e o acesso à água. Tivemos o objetivo de compreender a percepção que a comunidade
escolar de Mata Cavalo tem sobre a natureza, principalmente a água, assim como os fatores
que eles atribuem à falta de água, como também, às dificuldades e aos conflitos existentes em
relação a este bem natural. Nossa pesquisa foi realizada na comunidade escolar da Escola
Estadual Tereza Conceição Arruda. Nosso aporte metodológico foi a Cartografia do
Imaginário (elaborada por Michèle Sato) que nos proporcionou muitas formas de interpretar,
valorizando todos os passos dados no caminho, compreendendo que o caminhar é tão
importante quanto onde se quer chegar. Realizamos trabalhos de campo com entrevistas
semiestruturadas e oficinas de mapeamento participativo. Historicamente, o acesso a água é
uma das maiores dificuldades enfrentadas no quilombo, os entrevistados percebem a água
como algo essencial à vida e apontam que as ações humanas têm afetado na qualidade e
disponibilidade deste bem natural. As temáticas água e educação ambiental são trabalhadas
pontualmente na escola da comunidade, fato que pouco contribui com a formação crítica
necessária aos quilombolas que poderiam ter a escola como um dos espaços para compreender
os problemas socioambientais vivenciados cotidianamente. A solução apontada
unanimemente pelos quilombolas para a falta de água é a construção de poços artesianos em
seus quintais, que se justifica pela urgência em ter acesso à água e ao acesso limitado aos
córregos. A maioria dos poços está localizada nas propriedades dos fazendeiros, em áreas
ainda não regularizadas e indenizadas. Por se tratar de algo essencial à vida, é necessário que
a educação ambiental enfatize este problema enfrentado pelos quilombolas, pois isso os
fragiliza e, juntamente com o descaso do poder público, os tornam ainda mais vulneráveis ao
racismo e as injustiças ambientais.
Palavras-Chave: Educação Ambiental. Água. Quilombolas. Mata Cavalo.
ABSTRACT
This research considered the Quilombola community of Mata Cavalo, located in the
municipality of Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. This community has historically
coexisted with several struggles, among them, the search for the definitive title of possession
of the land and access to water. We aimed to understand the perception that the Mata Cavalo
school community has about nature, especially water, as well as the factors they attribute to
the lack of water, as well as the difficulties and conflicts that exist in relation to this natural
element. Our research was carried out in the school community of the Tereza Conceição
Arruda State School. Our methodological contribution was Cartography of the Imaginary
(elaborated by Michèle Sato) that gave us many ways to interpret, valuing all the steps along
the way, understanding that research ways are important as what we want to reach. We
conducted fieldwork with semi-structured interviews and participatory mapping workshops.
Historically, access to water is one of the greatest difficulties faced in the Quilombo, the
interviewees perceived the water as something essential to life and indicated that human
actions have affected the quality and availability of this natural source. The themes of water
and environmental education are worked on a regular basis in the community school, that
contributes to the critical education necessary for the Quilombolas, who could have the school
as one of the spaces to understand the social and environmental problems experienced daily.
The solution unanimously suggested by the Quilombolas for the lack of water is the
construction of artesian wells in their backyards, which is justified by the urgency to have
access to water and limited access to streams. Most of the wells are located on farmer
properties, in areas not yet regularized and indemnified. Because life is essential,
environmental education must emphasize this problem faced by the Quilombolas, which
weakens them and, together with the neglect of public power, makes them even more
vulnerable to racism and environmental injustices.
Keywords: Environmental Education. Water. Quilombolas. Mata Cavalo.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Disponibilidade Hídrica no Brasil e no Mundo................................................... 23
Figura 2: Aquífero Guarani ............................................................................................... 26
Figura3: Diferenças entre Agricultura Camponesa e Agronegócio .................................... 27
Figura4: Mapa da Comunidade Quilombola de Mata Cavalo ............................................ 46
Figura5: Dona Tereza ....................................................................................................... 48
Figura6: Córrego Mata Cavalo .......................................................................................... 50
Figura7: Escola Estadual Tereza Conceição Arruda .......................................................... 53
Figura8: Poço que abastecia a Escola Estadual Tereza Conceição Arruda ......................... 54
Figura9: Poço que abastece a Escola e a Comunidade Mata Cavalo .................................. 54
Figura 10: Sistematização das vivências com Escolas Sustentáveis ................................... 73
Figura11: Processo Formativo em Mata Cavalo ................................................................ 76
Figura 12: Arte da Placa de Inauguração da Casa da Cultura Quilombola ......................... 77
Figura 13: Construção da Casa da Cultura Quilombola ..................................................... 78
Figura 14: Mapeamento dos conflitos que envolvem a água na comunidade ..................... 79
Figura 15: Quilombola levando água do poço para sua casa com a lata d’água na cabeça .. 89
Figura 16: Água armazenada em tambores ao redor da casa quilombola ........................... 91
Figura 17: Quilombolas pegando água no poço da comunidade ........................................ 98
LISTA DE TABELA
Tabela 01: Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis no
Quilombo Mata Cavalo ................................................................................................... 72
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANA Agência Nacional de Águas
ClimBAP Projeto sobre mudança Climática na Bacia do Alto Paraguai
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COM-VIDA Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida
EJA Educação de Jovens e Adultos
FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso
GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAU Instituto Nacional de Áreas Úmidas
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INTERMAT Instituto de Terras de Mato Grosso
IPCC Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PAEC Projeto Ambiental Escolar Comunitário
PET Programa de Educação Tutorial
PLANSAB Plano Nacional de Saneamento Básico
PNSH Plano Nacional de Segurança Hídrica
PPP Projeto Político Pedagógico
SEDUC Secretaria de Estado de Educação
SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SIH Secretaria Infraestrutura Hídrica
TFC Trabalho Final de Curso
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
WWF World Wide Fund for Nature
SUMÁRIO
CAPÍTULO I: Nascentes e identidades... .............................................................................. 13
1.1 Biografia Ecológica e Educação Ambiental ............................................................... 14
CAPÍTULO II: Borbulhar das águas... ................................................................................. 21
2.1 Água: Um elemento natural histórico essencial à vida .................................................... 22
2.2 Água: O desafio do século XXI ...................................................................................... 31
2.3 Alterações na natureza e Justiça Ambiental .................................................................... 37
CAPÍTULO III: Formação do rio... ...................................................................................... 45
3.1 Comunidade Quilombola de Mata Cavalo: Território, história e resistência .................... 46
3.2 A água no contexto da Escola Estadual Tereza Conceição Arruda .................................. 53
3.3 Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e as pesquisas
realizadas no quilombo Mata Cavalo .................................................................................... 55
CAPÍTULO IV: O deslizar das águas... ................................................................................ 65
4.1 Caminhos Metodológicos ............................................................................................... 66
4.2 Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis ................................. 71
4.2.1 Mapeamento dos conflitos com a água no quilombo Mata Cavalo ............................... 78
4.3 Entrevistas semiestruturadas ........................................................................................... 80
CAPÍTULO V: O encontro com o mar... ............................................................................... 84
5.1 Resultados e Compreensão ............................................................................................. 85
5.1.1 Dimensão Axiomática ................................................................................................. 86
5.1.2 Dimensão Praxiológica ................................................................................................ 95
5.1.3 Dimensão Epistemológica ......................................................................................... 101
5.2 Considerações sobre a pesquisa .................................................................................... 104
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 109
APÊNDICE ........................................................................................................................... 112
ANEXO ....................................................................................................................... .......... 113
13
CAPÍTULO I: Nascentes e identidades...
A Vida
Há tantas definições na vida
Bonitas, tristes, expressivas, inexpressivas
A vida.
Alguns já definiram a vida como um mar
Um mar revolto, encapelado
De ondas violentas
De naufrágios e tempestades
Um mar tempestuoso.
Outros definiram a vida: um rio
O rio é a minha definição da vida
O rio imenso, farto,
Com as suas corredeiras e as suas margens.
A sua corredeira, sobretudo
E sobretudo os seus remansos.
Porque todo rio tem a sua veia corrente
O seu veio de corredeiras e tem seus
remansos
E toda corredeira lança tudo para o
remanso
O remanso aproxima-se da margem.
Da correnteza ao remanso, uma eternidade
Do remanso à margem, um pulo.
A ânsia dos moços que vão pela correnteza
A compreensão, a filosofia dos velhos
lançados no remanso
E passados para as margens.
Eu fiz a travessia da minha vida
Do rio da minha vida
Cora Coralina
14
1.1 Biografia Ecológica e Educação Ambiental
Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo
amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo
que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos,
para sabermos o que seremos.
Paulo Freire
A biografia ecológica é uma das características do nosso grupo pesquisador. Nessas
linhas recordamos a nossa história de vida e as experiências com a educação ambiental ao
longo da caminhada até o mestrado. Meu primeiro contato com a educação ambiental me
remete à infância, quando, durante as férias escolares, junto a irmãos e muitos primos/as
íamos para o sítio de um tio, onde passávamos semanas. Durante esse período o contato com a
natureza era intenso, pois haviam muitos animais, rios e grandes árvores. Passávamos os dias
correndo entre as enormes árvores, comendo os deliciosos frutos que elas nos proporcionavam
e pescando em vários rios.
As memórias são muitas e maravilhosas. Naquela época não tínhamos maturidade para
perceber a educação ambiental no dia-a-dia, mas hoje, ao recordar aqueles momentos, percebo
que quando os meus tios ensinavam a cuidar dos animais, dos rios, da natureza e retirar desta
somente o necessário, eles estavam nos ensinando um dos princípios da educação ambiental –
cuidar da vida. Eles nos mostravam que era necessário cuidar hoje para termos o que comer
amanhã, além do fato de que muitas famílias dependiam da natureza1. São estas as memórias
dos primeiros contatos com a educação ambiental.
No decorrer da vida escolar o contato com a educação ambiental foi, como na maioria
das escolas do nosso país, com temas pontuais, como, por exemplo: as datas comemorativas,
o Dia da Árvore, Dia da Água, Dia do Índio, etc. Nossa formação escolar realizou-se em
escola pública, onde a qualidade do ensino é discutível, onde as estruturas físicas precárias e
todas as falhas da estrutura governamental do país se fazem presentes.
Após a conclusão do Ensino Médio, iniciei a vida acadêmica no Curso de
Geografia/Licenciatura na Universidade Federal de Mato Grosso. No começo dessa
caminhada, a indecisão era uma constante, mas a paixão pela Geografia e pelo curso, me
proporcionou um novo olhar sobre o mundo e toda a sua dinâmica. É importante destacar que
1 Nesta pesquisa usamos os termos “bem, elemento natural e natureza” ao invés de “recurso natural”, sendo que este último apregoa apenas e, principalmente, um valor financeiro à natureza. A substituição do termo é adotada
pelo GPEA, que não vê a natureza apenas como fornecedora de matérias prima e algo rentável financeiramente,
mas como algo essencial à vida e que desta forma deve ser conservado e preservado.
15
durante todos os semestres realizamos muitas aulas de campo, o que me permitiu conhecer
muitas realidades, adquirir uma visão mais ampla da área de atuação e contribuiu para o
amadurecimento pessoal.
Durante a graduação surgiu a oportunidade de fazer parte do Programa de Educação
Tutorial (PET). Um grupo de doze estudantes da Licenciatura e Bacharelado em Geografia,
que tem a Pesquisa, Ensino e Extensão como seu tripé de atuação. Ao longo de dois anos e
seis meses, junto a esse grupo, adquiri inúmeras experiências acadêmicas que contribuíram
sobremaneira para minha formação: desenvolvi o gosto pela pesquisa e enriqueci meu
conhecimento acadêmico por meio da produção de trabalhos, participação em eventos,
aplicação de cursos, desenvolvimento de pesquisas e oficinas em escolas, ações que nos
permitiam dialogar com estudantes de escolas públicas sobre alguns dos conhecimentos
adquiridos na academia. É importante ressaltar que os conhecimentos adquiridos neste grupo
complementavam os assuntos que eram tratados na graduação, oportunizando assim, uma
formação mais abrangente, sendo este o objetivo do programa.
No Trabalho Final de Curso (TFC), sob orientação da professora Giseli Nora, optamos
por estudar e entender um pouco mais sobre o uso da água nas escolas de educação básica e
posteriormente nas escolas sustentáveis2
. Pensamos na elaboração de um sistema de
reaproveitamento de água da chuva nestas escolas que sofrem com a falta de água, problema
este que afeta diretamente o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.
Diante das possibilidades de melhor utilização dos elementos naturais e de amenizar
os problemas com a falta de água nos espaços escolares, buscamos compreender a
possibilidade de reaproveitamento de água da chuva no ambiente escolar como uma forma de
amenizar os impactos sofridos pela falta de água, bem como na construção do
ensino/aprendizagem.
Observando e trabalhando com o Programa do Governo Federal Escolas Sustentáveis
compreendemos que a inserção desta temática na gestão, no currículo e no espaço escolar,
resultaria em escolas que teriam a educação e consciência ambiental como princípios de seu
funcionamento.
A fim de continuar este trabalho, transformei o TFC em um projeto para ingressar no
Programa de Pós-Graduação em Educação e no Grupo Pesquisador em Educação Ambiental,
Comunicação e Arte (GPEA). Em conjunto à minha orientadora do mestrado, Regina Silva,
2 Um programa resultado da parceria de diversas instituições que visa a construção de um ambiente escolar
sustentável em parceria com a comunidade, considerando suas dimensões (currículo, gestão e espaço físico),
como explicaremos adiante.
16
ajustamos a proposta de trabalho, que passou a ser “A percepção dos quilombolas de Mata
Cavalo sobre a água e natureza”.
O ingresso no grupo pesquisador me proporcionou muitas transformações acadêmicas
e pessoais. Ao participar deste grupo não conseguimos mais olhar o mundo da mesma forma,
adquirimos uma nova forma de olhar e compreender. E a vontade de transformar o mundo
injusto em que vivemos. Ainda, durante minha participação no GPEA surgiu a oportunidade
de ser membro do Instituto Caracol, uma Organização Não Governamental (ONG) com
caráter socioambiental, que tem como objetivo favorecer os espaços da sociedade civil para a
militância, participação e controle social das políticas publicas relacionadas às dimensões
socioambientais. Aqui destaco a aprendizagem de muitas coisas, entre elas a importância da
militância em nossa formação enquanto estudante, cidadão e pessoa.
Nos caminhos percorridos durante o mestrado foi necessário renunciar: não apenas as
horas de lazer que tiveram que se transformar em horas de estudos, mas renúncia dos
conhecimentos e conceitos que já não faziam mais sentido, outras que ganharam novos
sentidos e outras que reforçaram o sentido. Como afirma minha coorientadora Sato (2011, p.
12), das diversas leituras realizadas, e de tantos desejos em querer mudar a vida, muitas coisas
ficarão de fora, e “é preciso ter coragem para renunciar certos conceitos ou sonhos, do
contrário uma matriz colorida ofuscará a compreensão exata daquilo que estamos propondo a
estudar”.
Este foi nosso percurso até a etapa final do mestrado, sempre com a certeza de que é
apenas o início do caminho, este que é longo e nem sempre fácil, mas caminhando é que
conquistamos nossos objetivos, alcançamos nossos sonhos, damos a mão para que outras
pessoas também alcancem os seus, fazemos as pessoas que amamos felizes e, principalmente,
nos tornamos pessoas melhores. Este foi o maior e melhor aprendizado durante esta
caminhada: tornar-me uma pessoa mais pessoa, uma cidadã mais cidadã, um ser humano mais
humano e quem sabe ter contribuído para a transformação de outras pessoas.
Para delinear o caminho metodológico desta pesquisa optamos pela Cartografia do
Imaginário. Ao indicar os caminhos deste tipo de cartografia a pesquisadora Sato (2011)
aponta algumas perguntas que devem delinear os trajetos da pesquisa: O que? Por quê? Onde?
Como? Quando? Quanto? Com quem? Para quem? Contra quem? Estas perguntas devem
revelar a razão da pesquisa e todos os aspectos que a envolvam.
É preciso ponderar o quê, por que ou onde queremos chegar. Mas estas não são as únicas perguntas a serem feitas numa viagem investigativa. Como
iremos chegar é um processo que interessa metodologicamente a construção
do sabor da viagem. O que poderemos levar nas mochilas, malas ou sacolas
17
é outro item essencialmente importante, e quando viajaremos também, do
contrário podemos cometer a insensatez em levar biquínis em pleno inverno rigoroso de algum lugar. E também perguntar quanto custará esta aventura.
Haverá parceiros? Com quem posso viajar? [...] Para quem, afinal, esta
viagem é importante? Posso também realizar uma “self” viagem, buscando em mim significados que talvez precisem ser decifrados? (SATO, 2011, p.
5).
O que estamos pesquisando? Nossa pesquisa busca compreender a percepção que a
comunidade escolar de Mata Cavalo possui sobre a natureza, principalmente no que diz
respeito à água, assim como os fatores que eles atribuem à falta de água que afeta,
historicamente a comunidade, as dificuldades e os conflitos existentes em relação a este bem
natural, as percepções sobre mudanças ambientais e climáticas e suas perspectivas em relação
ao futuro da água e natureza no quilombo.
Onde estamos pesquisando? Nossa pesquisa tem como área de estudo a comunidade
quilombola de Mata Cavalo, localizada no município de Nossa Senhora do Livramento (MT).
Esta comunidade convive historicamente com diversas lutas, entre elas a batalha pelo título
definitivo de posse da terra e pelo acesso à água.
Por que estamos pesquisando isto? Esta pesquisa se realiza pelo fato de ser importante
conhecer a percepção de pessoas que acessam com dificuldade algo essencial à vida (água),
além do fato de ser importante dar visibilidade aos problemas enfrentados pelos grupos
sociais vulneráveis brasileiros, que além da falta de água, sofrem com a dificuldade de acesso
à terra, saúde, saneamento básico e qualidade de vida, estes que são direitos muitas vezes
negados pelo poder público.
Como estamos realizando esta pesquisa? A pesquisa teve início com levantamentos
bibliográficos que embasam nossos conhecimentos teóricos a respeito do tema que nos
propomos pesquisar, como os contextos da água e a história da comunidade quilombola de
Mata Cavalo. Realizamos ainda um Processo Formativo, oficina de mapeamento dos conflitos
pela água no quilombo, trabalhos de campo na comunidade pesquisada e entrevistas
semiestruturadas para a compreensão dos resultados que buscamos encontrar por meio desta
pesquisa.
Quando se realizou a pesquisa? Por se tratar de uma dissertação de mestrado, a
pesquisa foi realizada ao longo de dois anos. Iniciou em março de 2015 e objetivamos
concluí-la em março de 2017 com a apresentação final da dissertação de mestrado.
Quanto custou a pesquisa? O GPEA participou do projeto sobre mudança climática na
Bacia do Alto Paraguai (ClimBAP), sob a coordenação do professor Dr. Pierre Girard da
18
UFMT. Nossa atividade investigativa relaciona-se com a compreensão sobre os fenômenos
climáticos da comunidade escolar (escola e seu entorno).
Por meio destas interpretações, iniciamos um processo de formação coincidente com
os processos das escolas sustentáveis (TRAJBER e SATO, 2010). Três grandes dimensões
orientaram a construção de Projetos Ambientais Escolares Comunitários (PAEC), conforme
Senra, Sato e Oliveira (2009):
1) Currículo: Que garantisse a inserção ambiental na escola, na transcendência de
projetos ou pessoas, mas em processo permanente em todos os níveis e idades;
2) Espaço: Que fosse compreendido como todo e qualquer lugar que pudesse ter
potência pedagógica, além das considerações e cuidados na bioarquitetura escolar, reformas
ou propostas ambientais;
3) Gestão: Que não fosse compreendido somente em seu caráter empresarial, mas
sobremaneira na proposição de meios, táticas e técnicas que pudessem consolidar os PAEC.
Convém sublinhar que as ecotécnicas eram meras partes de um processo muito mais
complexo.
A realização do Processo Formativo foi possível por meio da parceria entre a ONG
WWF (World WideFund for Nature) e INAU (Instituto Nacional de Áreas Úmidas) que
destinaram o valor de 30 mil reais para a formação no quilombo Mata Cavalo e na
comunidade pantaneira de São Pedro de Joselândia em Mato Grosso.
Os custos da pesquisa dependem do olhar de quem compreende este aspecto.
Financeiramente e fisicamente consideramos que foram poucos os gastos, considerando os
ganhos adquiridos e os que ainda serão obtidos. Além do conhecimento, a visibilidade que
será dada à injustiça ambiental e ao problema de falta de água enfrentado pela comunidade
quilombola de Mata Cavalo possui valor imprescindível.
Com quem estamos pesquisando? Esta pesquisa é realizada não só por uma
pesquisadora, mas por um grupo pesquisador (GPEA) que tem como uma das principais
filosofias o trabalho em equipe, fato que justifica o uso do “nós” ao invés de “eu” em muitos
momentos para referir aos passos dados nesta caminhada que foi realizada, em grande parte
coletivamente. Não abandonamos o uso do “eu” por compreender que, embora a maior parte
da pesquisa seja realizada de forma coletiva, há momentos em que é necessária a escrita
individual e que o caminhar não permite outra companhia além de si mesmo. Contamos
também com a participação da comunidade escolar de Mata Cavalo que nos proporcionou
enormes aprendizados.
19
Para quem esta pesquisa está sendo realizada? Esta pesquisa está sendo realizada para
contribuir com a comunidade quilombola de Mata Cavalo, que além das injustiças ambientais
sofridas cotidianamente, ainda tem a falta de água como um dos maiores problemas
enfrentados pela comunidade. Além de ser uma importante ferramenta para dar visibilidade ao
problema que atinge historicamente este povo.
Contra quem? Esta era a pergunta de Freire (1992) ao indagar nosso compromisso
político enquanto educadores ou pesquisadores. Na interface das ciências, no mestrado na
UFMT, outra face se faz presente: o lado militante e político que busca enfrentar o poder do
agronegócio e do capital perverso à busca da inclusão social, proteção ecológica e justiça
econômica e ambiental.
“Self” viagem: A realização desta pesquisa nos proporcionou olhar o mundo com
outros olhos, com olhos de quem tem sede e vê a água em uma distância absurda para saciá-
la, com o cansaço de quem precisa carregar a lata d’água na cabeça para ter água para beber
em casa, com os olhos tristes de quem um dia viu um córrego transbordando água e história e
hoje vê apenas um filete de água poluído. Com um olhar de esperança de quem olha para o
futuro e consegue ver água em abundância em suas casas; córregos transbordando água e
esperança; e ainda, a natureza verde e viva como os moradores antigos relatam que um dia
foi.
São estes os caminhos percorridos e que ainda pretendemos percorrer nesta pesquisa,
desta forma para melhor compreensão do trabalho realizado esta dissertação está organizada
da seguinte forma:
No Capítulo I desta pesquisa apresento a Biografia Ecológica onde relatamos alguns
dos fatos relevantes de nossa caminhada até a entrada no Mestrado. Apresento as memórias
dos primeiros contatos com a educação ambiental, que ocorreram durante a infância e os
caminhos percorridos durante a realização desta pesquisa, mostrando como pretendemos
compreender a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água e natureza.
No Capítulo II abordamos o tema água em seus diversos aspectos. Inicialmente
apresentamos a importância da água para a humanidade e as diversas formas como ela se
apresenta em nosso planeta, mostrando também os conflitos e interesses que envolvem a água
na contemporaneidade. Apresentamos ainda a possibilidade das mudanças ambientais
locais/globais estarem ligadas direta ou indiretamente com as alterações na quantidade e
qualidade de água que temos disponível em nosso planeta.
No Capítulo III é apresentada uma contextualização histórica e social da comunidade
quilombola de Mata Cavalo, apontando alguns aspectos relevantes das lutas e características
20
deste povo que ainda hoje tem muito para ser conquistado. Mostrando ainda como a água está
inserida no contexto escolar desta comunidade, considerando as dificuldades enfrentadas pela
escola para ter acesso a ela. Apresentamos um pouco da história do GPEA e a relação de
pesquisas e sentidos construídos ao longo de dez anos de parceria com a comunidade
quilombola Mata Cavalo.
No Capítulo IV indicamos que esta pesquisa tem um caráter qualitativo e segue a
metodologia da Cartografia do Imaginário. Relatamos o resultado da oficina de mapeamento
dos conflitos com a água (que foi realizado no decorrer do processo formativo em educação
ambiental) e escolas sustentáveis que foi promovido na escola da comunidade. Expomos que
os resultados foram obtidos por meio da realização de entrevistas semiestruturada com
estudantes e funcionários da escola, com moradores da comunidade e usuários do poço que
abastece a comunidade.
No Capítulo V apresentamos os resultados obtidos por meio dos trabalhos de campo e
entrevistas semiestruturadas que realizamos. Registramos algumas falas de nossos
entrevistados que revelam como percebem a água na comunidade, tanto por olhares
conflituosos, como por olhares de beleza e encantamento por este bem natural. Estas reflexões
e percepções são acompanhadas das ideias de alguns autores que dão suporte aos nossos
resultados e reforçam as reflexões dos entrevistados. A organização dos resultados foi
realizada considerando as dimensões das escolas sustentáveis, sendo elas: axiomática,
praxiológica e epistemológica. Apresentamos reflexões e percepções do tema pesquisado e
dos caminhos percorridos durante a pesquisa. É importante ressaltar que não pretendemos
com esta pesquisa extinguir os problemas dos quilombolas de Mata Cavalo, estes que são
afetados pela ausência de água e injustiças ambientais, mas sim dar visibilidade a um tema e a
um povo que vive às margens da sociedade. Na ultrapassagem do positivismo que vê a
pesquisa como solução de problemas, não tivemos a pretensão de dar um veredicto final sobre
a comunidade e sua relação com a água e natureza. Pretendemos compreendê-la na esteira da
fenomenologia proposta por Sato (2011) na Cartografia do Imaginário, buscando interpretar a
percepção de um povo que pode ter perdido muito na vida, menos sua capacidade de tecer
esperanças.
21
CAPÍTULO II: Borbulhar das águas...
A falta d’água no mundo
Esta postagem é bem curta
Eu vou falar pra vocês Vim contar sobre a água
Mas com muita sensatez
Trago versos dum poema
Que nos deixou num dilema E se água acabar de vez?
De novo bem realista a ONU vem alertar
que na África e na China
a água pode faltar e conforme este argumento
não tendo planejamento
muita gente vai dançar
Sonho um Brasil d'água limpa
e vida cheia de moral
vencendo a poluição e qualquer um temporal
se no mundo água faltar
vamos daqui sustentar a demanda mundial[...]
Recuperar nossas águas
é nosso grande dever e convido a juventude
para lutar e vencer
e se alguém quiser mais água seja China ou Nicarágua
termos pra dar e vender
E não se deve estranhar se a escassez do produto,
levar potência estrangeira
a construir aguaduto até por baixo do mar
a fim de daqui levar
água mais pra seu reduto [...]
Pois nosso caso é dramático
Não dá pra se brincar
A FALTA D' ÁGUA NO MUNDO é coisa de arrepiar
se não houver uma ação
até em nossa nação a água pode faltar
João Batista Melo
22
2.1 Água: Um elemento natural histórico essencial à vida
Entre os elementos naturais existentes podemos considerar a água um dos mais
importantes, pois é o único bem natural relacionado com todos os aspectos da civilização
humana. Como afirma Porto-Gonçalves (2004) têm-se noção da importância da água para o
desenvolvimento da humanidade quando observamos que é ao longo dos rios e litorais que se
concentram os maiores índices de densidade demográfica. Este fenômeno pode ser explicado
pelo fácil acesso à água e a utilização desta nas plantações, indústrias e serviços como um
todo, além da contribuição aos valores culturais da sociedade.
A origem e a manutenção da vida estão intimamente relacionadas com a água, sendo
que a sobrevivência dos seres vivos, tanto animais, quanto vegetais, são dependentes deste
elemento natural que é responsável pela manutenção da vida no Planeta. A água é inerente à
vida, de forma que é impossível dissociar uma da outra, assim pode-se considerar que o
próprio ser vivo é a água. Na reflexão de Porto-Gonçalves:
É sempre bom lembrar que a água é fluxo, movimento, circulação. Portanto,
por ela e com ela flui a vida e, assim, o ser vivo não se relaciona com a água:
ele é água. É como se a vida fosse um outro estado da matéria água, além do
líquido, do sólido e do gasoso – estado vivo (PORTO-GONÇALVES, 2004, p.152).
A água pode ser encontrada no ambiente em três estados físicos: sólido, líquido e
gasoso. O constante contato entre eles ocasiona o ciclo hidrológico, que pode ser comparado a
uma grande máquina de reciclagem da água, na qual operam processos tanto de transferência
entre os reservatórios como de transformação entre os estados gasoso, líquido e sólido
(TEIXEIRA, 2001). Este processo pode ser definido como o movimento contínuo das águas
presentes nos oceanos, continentes e atmosfera, devido à força da gravidade e energia do sol,
sendo de fundamental importância para a renovação e manutenção da qualidade da água.
Conforme Teixeira (2001), o ciclo hidrológico tem uma aplicação prática no estudo de
elementos hídricos que visa avaliar e monitorar a quantidade de água disponível na superfície
da Terra. A unidade geográfica para esses estudos é a bacia hidrográfica, definida como uma
área de captação da água de precipitação, demarcada por divisores topográficos, onde toda
água captada converge para um único ponto de saída (exutório). Desta forma, a bacia
hidrográfica é um sistema físico onde podemos quantificar o ciclo da água.
Do total de água encontrado no planeta, menos de 1% é adequado ao consumo
humano. Como afirma Barbosa (2014), 97,5% de toda água do planeta é salgada, enquanto a
23
água doce, da qual muitos organismos vivos dependem, incluindo nós, representa 2,5% do
total, sendo que cerca de 75% disso está preso em calotas polares e glaciares, e outra parte
encontra-se em aquíferos. Na prática, menos de 1% da água do planeta está disponível em
locais de fácil acesso, como rios e lagos, para abastecer e alimentar seus 7,2 bilhões de
habitantes e outros seres vivos. Embora a quantidade disponível para consumo humano pareça
pouco em relação ao total de água disponível no planeta, esta quantidade é abundante, porém,
finita.
Pesquisando a distribuição dos bens hídricos do planeta, observa-se que o Brasil
possui grande parte da água consumível existente. A Agência Nacional de Águas (ANA)
apresentou, no Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil em 2013, que o país
é detentor de cerca de 12% de toda a água doce disponível no mundo, porém, a distribuição é
desigual, em torno de 68% estão concentrados na Região Hidrográfica Amazônica, onde se
concentra o menor contingente populacional, pouco mais de 5% da população brasileira,
como podemos observar na Figura 1:
Figura 1: Disponibilidade hídrica no Brasil e no mundo.
Fonte: ANA, 2010.
Apesar da abundância em quantidade de água doce, a distribuição desigual da água no
território brasileiro, dificulta o acesso de muitas pessoas a este elemento natural, considerando
Fonte: ANA, 2010.
24
que as regiões Nordeste e Sudeste são as que apresentam maiores índices de densidade
demográfica e também as que possuem menor quantidade de água doce disponível em suas
regiões. É importante considerar também que as pessoas que mais sofrem com a distribuição
desigual da água no planeta, são os mais pobres e vulneráveis.
Ainda, de acordo com o relatório de Conjuntura de Recursos Hídricos do Brasil 2013,
toda a água doce que temos disponível em nosso território não é recomendada para consumo
direto do ser humano, considerando que apenas 6% da água doce no Brasil é considerada de
ótima qualidade, 76% de boa qualidade, 11% regular, 6% ruim e 1% de péssima qualidade.
Desta forma a água de boa qualidade para consumo humano é ainda mais limitado.
As águas consideradas de baixa qualidade para o consumo são encontradas,
principalmente, nos grandes centros urbanos, onde a poluição dos rios é constante, assim
como o desmatamento e a deficiência no tratamento de esgoto e lixo. Onde há maior número
de aglomeração de pessoas, há também maior descaso com a água.
O estado de Mato Grosso é considerado privilegiado quando o assunto em questão é a
água. Segundo a ANA (2010), em seu território encontram-se três grandes e importantes
bacias hidrográficas brasileiras: Amazônica, Platina e Tocantins/Araguaia, além de conter três
importantes biomas: a Floresta Amazônica, o Cerrado e o Pantanal, este último é a maior
planície alagável do mundo.
Independente da enorme riqueza hídrica, os rios de Mato Grosso vêm sofrendo com
grandes degradações, o que é resultado principalmente da base econômica do nosso estado, o
agronegócio. Esta atividade contribui para a degradação dos rios por meio do desmatamento,
poluição dos solos, além da grande quantidade de água demandada para a irrigação das
plantações.
Entre as formas de degradação ambientais provocadas pelo agronegócio o uso de
agrotóxicos pode ser considerado uma das formas mais nocivas à natureza e à vida como um
todo. Este mal afeta a todos direta ou indiretamente, mas os mais atingidos são os que
convivem diariamente com estes venenos. Uma dissertação de mestrado apresentada por
Palma (2011) e orientada pelo professor Wanderlei Pignati, mostra que o leite materno das
mães da cidade de Lucas do Rio Verde - MT foi contaminado, sendo que em 100% das
amostras foi encontrado no mínimo um tipo de princípio ativo dos agrotóxicos. De acordo
com o autor:
Independente do local de residência das nutrizes, quanto à distância das lavouras, as mesmas estão expostas aos efeitos dos agrotóxicos, devido a
localização do município em relação às lavouras e possivelmente foram
contaminadas através dos alimentos e componentes ambientais (ar, água,
25
solo). O processo produtivo agrícola adotado no município de Lucas do Rio
Verde, com o uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras, foi determinante para a contaminação dos vários componentes ambientais, [...] e também deve
ter contribuído para a contaminação da população, das nutrizes e do leite
humano (PALMA, 2011, p. 84)
O estado de Mato Grosso assim como os demais, se encontra em ritmo de
desenvolvimento econômico crescente, porém, o cuidado ambiental não vem acompanhando
este crescimento, que vem seguido de desmatamento, poluição, assoreamento dos rios e do
solo e o uso desenfreado de agrotóxicos, que afeta diretamente todas as formas de vida, e
agora, comprovadamente, a vida humana desde a sua concepção.
Apesar da abundância, a distribuição da água em nosso estado é deficiente, assim
como o tratamento do esgoto. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), no ano de 2016, dos 141 municípios mato-grossenses apenas 31 possuem rede de
esgoto e 108 contam com o abastecimento de água. Diante destes aspectos, notamos que
apenas conhecer as fontes de água não é suficiente, sendo necessário conhecer seus usos e
impactos, e principalmente como colaborar com a preservação destes bens naturais que são
essenciais à vida.
É importante também não se preocupar apenas com o elemento natural em si, mas
também com os elementos que o cercam e são essenciais a sua manutenção. Como afirma
Automare (2015), no Brasil, a sociedade e os gestores privados dos elementos naturais
essenciais para a vida não consideram que a capacidade de recuperação de determinados
elementos naturais depende da manutenção e das condições de seu entorno. Quando falamos
da água não cuidamos de manter a paisagem em que se situam suas matas ciliares, diminuindo
a possibilidade de manutenção produtiva, dificultando a recuperação.
Dentre as águas disponíveis para consumo em nosso planeta, as águas subterrâneas são
mais proveitosas para o uso, pois são filtradas e purificadas naturalmente, o que é
determinante para a boa qualidade, dispensando tratamentos prévios, além de não ocupar
espaço na superfície e sofrer menor influência das variações climáticas.
Águas subterrâneas podem ser definidas como a água infiltrada no subsolo, onde a
força gravitacional e as características dos materiais presentes irão controlar o armazenamento
e o movimento das águas. De maneira simplificada, toda água que ocupa vazios em
formações rochosas ou no regolito é classificada como água subterrânea (TEIXEIRA, 2001).
Podemos citar como exemplo de água subterrânea e do grande potencial hídrico do Brasil, o
maior manancial do mundo, o Aquífero Guarani, que possui 2/3 localizados no Brasil. Este
26
que está entre os principais sistemas aquíferos para abastecimento urbano de água no mundo
(ANA, 2010).
Conforme a ANA (2010) o Aquífero Guarani é o maior manancial de água doce do
mundo. Com um volume estimado de 46 mil quilômetros cúbicos, estas águas são utilizadas
com maior intensidade no Brasil do que nos países vizinhos para abastecimento público,
turismo termal e irrigação, entre outras utilizações. O aquífero estende-se pelo Brasil,
Paraguai, Uruguai e Argentina. A maior parte está inserida em no território brasileiro,
abrangendo os estados de Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, como mostra a figura 2:
Figura 2: Aquífero Guarani
Fonte: ANA, 2010.
O abastecimento de água da população brasileira ocorre tanto por águas superficiais
como por águas subterrâneas. A maior ou menor frequência do uso desses mananciais
depende da localização, das demandas e da oferta de água que se tem disponível no local,
tanto em quantidade e qualidade, além da possibilidade técnica, financeira e institucional para
o melhor aproveitamento dos bens hídricos disponíveis.
A água possui um enorme valor econômico, ambiental e social, no entanto, um dos
principais desafios na atualidade, além do acesso de todos a este bem natural, é o atendimento
à demanda por água de boa qualidade. A agricultura merece maior atenção quando o assunto é
consumo de água, pois além de ser o setor que requer maior consumo, a aplicação de
agrotóxicos tem grande poder de devastação sobre este elemento natural por meio da
contaminação de nascentes, rios, solo e direta, ou indiretamente, os próprios seres vivos.
Nesse sentido, Porto-Gonçalves explica que:
27
A agricultura é responsável pelo consumo de 70% da água de superfície no
planeta! Assim é todo o sistema agrário-agrícola que está implicado no “ciclo da água”! [...] Em todo o mundo, a indústria é responsável pelo
consumo de 20% da água superficial. Todo o sistema industrial se inscreve,
assim, como parte do “ciclo da água” e, deste modo, vai se mostrando toda a complexidade da relação sociedade-natureza implicada no ciclo da água
(PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 151).
A grande quantidade de água utilizada pelo agronegócio deve ser repensada,
principalmente quando se trata do Brasil, pois os grandes produtores de commodities
produzem apenas para a exportação, enquanto o país é abastecido pela agricultura camponesa
na qual o consumo de água não apresenta números expressivos, como acontece no
agronegócio, onde estes números tendem a crescer ainda mais, além de maior uso de mão de
obra e menor quantidade de terra, como podemos abaixo:
Figura 3: Diferenças entre Agricultura Camponesa e Agronegócio. Fonte: ROSSI, 2014.
Considerando a quantidade de água necessária para a utilização na agricultura
industrial, todos os contêineres que saem do Brasil diariamente, além das produções agrícolas,
percebemos que nosso país, mesmo que indiretamente, exporta grande parte da água que tem
disponível para consumo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO) ao longo do ano o Brasil envia para o exterior, junto com as
commodities, cerca de 112 trilhões de litros de água doce. Sendo o quarto maior exportador
indireto de água, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Índia e China.
A quantidade de água que é utilizada na produção de alimentos poderia ser menor,
considerando a elevada quantidade de desperdício de alimentos que acontece no Brasil e no
mundo. Como afirma Barbosa (2014), o desperdício ultrajante de comida significa também
desperdício de elementos naturais, contribuindo assim para impactos ambientais negativos.
28
De acordo com a ANA (2010), as indústrias aparecem em segundo lugar quando o
assunto é consumo de água. Além da poluição direta por emissão de poluentes no ambiente e
principalmente nos rios, ocorre também a poluição com o arrasto de lixo, resíduos e diversos
tipos de materiais sólidos que são depositados ou levados aos rios pelas enxurradas.
O reconhecimento da escassez e crise da água está crescendo em escala global, assim,
os investidores e consumidores estão cada vez mais exigentes com relação a atitudes das
empresas na preservação da água. As indústrias que tratam a água como um ponto estratégico
dentro dos seus negócios são mais valorizadas em relação às demais. Assim sendo, muitas
empresas procuram adotar o selo de consumo consciente de água não necessariamente
preocupando-se com a limitação deste bem natural, mas sim para passar uma imagem positiva
a seus consumidores a fim de manter o padrão de produção e ganhos financeiros.
Ainda de acordo com ANA (2010), o uso doméstico quanto ao consumo da água
aparece em terceiro lugar. O banheiro é responsável pela maior parte desse consumo, e
considerado uma forma cara de consumo devido aos grandes processos de tratamento que esta
água passa antes de chegar às residências. Ainda, o relatório aponta que a utilização desta
água nas residências ocorre de forma desnecessária e com grande número de desperdícios.
Por se tratar de bem natural essencial à vida, porém limitado, a água passou a ser
discutida politicamente e tendo destaque em congressos e conferências mundiais nos últimos
anos. No dia 28 de julho de 2010, por meio da resolução 64/292, a Organização das Nações
Unidas (ONU) declarou que a água limpa e segura e o saneamento são direitos humanos
essenciais para gozar plenamente a vida e todos os outros direitos humanos, sendo a água
essencial para a manutenção de todas as formas de vida em nosso planeta, não apenas a vida
dos seres humanos.
A partir de 1992, o dia 22 de março foi declarado pela ONU como o Dia Mundial da
Água. Esta data foi criada para que as discussões e cuidados em relação a água ganhassem
mais atenção. Não obstante, este tema é tratado de forma tímida, não recebendo a importância
que merece como afirma Porto-Gonçalves (2004), “a água não recebe o tratamento merecido
das autoridades sobre o assunto, podemos notar isto na forma como é tratada timidamente nos
documentos oficiais que tratam de questões ambientais”.
As principais conferências mundiais sobre o meio ambiente são realizadas pela ONU
(Organização das Nações Unidas), conferências como a de Estocolmo (1972)3, ECO 92
3 Conferência realizada no ano de 1972 na capital da Suécia, Estocolmo. Foi realizada com o intuito de
conscientizar a sociedade a melhorar a relação como o meio ambiente. É considerada a primeira atitude mundial
para preservação do meio ambiente (PESSINI; SGANZERLA, 2016).
29
(1992)4, Rio + 10 (2002)
5e Rio + 20 (2012)
6, estabeleceram metas a serem cumpridas em
relação à conservação do ambiente natural e tiveram como resultados alguns documentos
oficiais como a Agenda 217, Carta da Terra
8 e Protocolo de Kyoto
9, que são assinados pelos
países que se comprometem com a melhoria do ambiente natural.
Se tomarmos tanto O nosso futuro comum, relatório da Comissão
Brundtland, com os diversos documentos e tratados saídos da Rio-92,
inclusive a Agenda XXI e a Carta da Terra, para ficarmos com as referências
mais importante do campo ambiental nos últimos vinte anos, chega a ser surpreendente o tratamento extremamente tímido que a água merece, se
comparamos com o destaque que vem merecendo na última década, a ponto
de ser apontada como a razão maior das guerras futuras (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 146).
Ainda que se trate de documentos oficiais e o planeta necessite de mudanças em
relação à sua conservação, são poucos os países que cumprem as metas propostas, e quando
estas não são cumpridas, são restabelecidas para os próximos anos com poucas mudanças. Ou
seja, as mudanças de atitudes dos seres humanos em relação à conservação da natureza são
sempre adiadas, e pode ser que o planeta não resista até os dias em que estas atitudes sejam
colocadas em prática.
O aumento populacional também é um fato que aponta para a necessidade de se
estabelecer critérios para o uso da água, principalmente com a grande migração do campo
para as cidades. Como assevera Barbosa (2014), somos seres cada vez mais urbanos. Hoje,
54% da população mundial vive em cidades, proporção que deverá aumentar para 66% até
2050. É um crescimento impressionante. Em 1950, apenas 746 milhões viviam em cidades.
Em 2014, a conta chegou a 3,9 bilhões.
A migração do campo para a cidade é o chamado êxodo rural e acontece por vários
motivos: a substituição da mão de obra por máquinas modernas que dispensam o trabalho
4 Também chamada de Cúpula da Terra, foi realizada no ano de 1992 na cidade do Rio de Janeiro e tinha o
objetivo de debater formas de desenvolvimento sustentável (PESSINI; SGANZERLA, 2016). 5 Conhecida também como Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, foi realizada no ano de 2002
em Johanesburgo, África do Sul. Teve como objetivo discutir as soluções já propostas na Agenda 21(PESSINI;
SGANZERLA, 2016). 6 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - foi realizada no ano de 2012 na cidade
do Rio de Janeiro. Teve como objetivo a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável
(PESSINI; SGANZERLA, 2016). 7 Documento que contém um conjunto de resoluções tomadas na conferência Eco-92 (PESSINI; SGANZERLA, 2016). 8 Documento proposto pela ONU em 1987, para defender os interesses sustentáveis, a paz e a justiça econômica
(PESSINI; SGANZERLA, 2016). 9 Entrou oficialmente em vigor no ano de 2005, após ter sido discutido e negociado em 1997 na cidade de Kyoto,
Japão. Teve por objetivo propor a redução da emissão de gases poluentes na atmosfera (PESSINI;
SGANZERLA, 2016).
30
humano, a concentração de grandes terras nas mãos de poucas pessoas e também a busca por
facilidades e modernidades nos afazeres do cotidiano.
Na maioria das vezes o crescimento das cidades ocorre sem planejamento, e a ideia
que as pessoas tinham de melhorar de vida não acontece em razão da falta de acesso aos
serviços básicos que o cidadão tem direito. A expansão das cidades causa a demanda por
maior uso dos elementos naturais e consequentemente maior degradação da natureza. Para
Barbosa,
O uso de terra e solo causam particular preocupação, uma vez que são
recursos não renováveis em sua maioria. A má ocupação transforma
drasticamente as propriedades da terra, reduzindo a sua capacidade de desempenhar funções essenciais no ciclo hidrológico (BARBOSA, 2014, p.
32).
A urbanização sem planejamento ou qualquer tipo de cuidados não provoca apenas a
degradação dos elementos naturais, mas também a deterioração da sociedade em vários
aspectos. A exclusão social e a concentração de renda também são efeitos negativos deste
processo de expansão desordenada.
No Brasil, no dia 8 de janeiro de 1997 foi instituída a Política Nacional de Recursos
Hídricos e criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, a Lei nº 9.433
conhecida como a “Lei das águas”. Por se tratar de um país que possui ampla extensão
territorial, grande volume de água potável e diversas atividades que demandam o uso de água,
fez-se necessário estabelecer critérios e limites para o uso deste elemento natural.
A água é um direito de todos, conforme cita o artigo 1º da Lei 9.433 (BRASIL, 1997),
a água é um bem de domínio público, ou seja, todos podem e deve ter acesso a água. Porém
esta água deve ser de boa qualidade, e conforme cita o artigo 2º deve-se assegurar à atual e às
futuras gerações a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos
respectivos usos.
Por meio da Lei 9.984, de 17 de julho de 2000, foi criada a Agência Nacional de
Águas (ANA), que tem a competência de formular a Política Nacional dos Recursos Hídricos,
além de articular os planejamentos em todas as esferas políticas que envolvam o elemento
natural água (BRASIL, 2000). Ainda, o Ministério da Integração Nacional (2000), por
intermédio da Secretaria de Infraestrutura Hídrica (SIH), e a ANA, criaram em 2014 o Plano
Nacional de Segurança Hídrica (PNSH), que é voltado ao estabelecimento de diretrizes e
critérios para identificação de intervenções estruturantes de caráter estratégico em todo o
território nacional, a seleção e o detalhamento das intervenções que satisfaçam as diretrizes e
critérios elencados, propiciando a garantia da oferta de água para o abastecimento humano e o
31
atendimento de demandas do setor produtivo, bem como a redução dos riscos associados a
eventos críticos (secas e cheias).
Este documento define ainda que a segurança hídrica está associada à garantia da
oferta de água para o abastecimento humano e para as atividades produtivas, de forma que se
possa enfrentar as secas e estiagens ou qualquer desequilíbrio entre a oferta e a demanda de
água que signifique restrição ao consumo e, consequentemente, ao desenvolvimento
econômico e regional.
Embora a água seja encontrada em abundância em nosso planeta, pouca parte desta é
consumível, e esta pouca parte é suficiente para atender a todas as necessidades dos seres
vivos, ainda que este seja um elemento natural limitado e independentemente de leis ou
decretos, a água é um bem necessário e deve ser acessível a todos.
Ter acesso à água, no entanto, não é uma questão de escolha. Todos
precisam dela. O próprio fato de que ela não pode ser substituída por nada
mais, faz da água um bem básico que não pode ser subordinado a um único princípio setorial de regulamentação, legitimação e valorização; ela se
enquadra nos princípios do funcionamento da sociedade como um todo. Isso
é precisamente aquilo que se chama de um bem social, um bem comum,
básico a qualquer comunidade humana (PETRELLA, 2002, p. 84).
A água é um elemento natural de valor inestimável, desta forma, não deve ser tratada
como um recurso, mas como um bem natural, social, cultural e comum a todos. Diante de
tamanha importância é necessário repensar a forma como este bem natural vem sendo tratado
nos dias atuais, principalmente nas formas de conservação por se tratar de um bem essencial a
vida, porém limitado.
2.2 Água: O desafio do século XXI
Em razão da sua importância para a sobrevivência dos seres vivos, principalmente o
ser humano, a água é considerada estratégica e valorosa em diversos aspectos, diante destes
fatos se torna alvo de disputas que ocasionam inúmeros conflitos. Desde muito tempo a água
vem se tornando um elemento em disputa, podendo ser considerado motivo de guerras e
conflitos socioambientais. Principalmente nos dias atuais em que este bem natural vem se
tornando escasso.
A história das relações entre os seres humanos e a água é difícil, tumultuada
e fascinante. É uma história de inclusão e de exclusão, de cooperação e de guerra, de racionalidade e de mistificação, de arte e de destruição. Desde os
32
tempos primórdios, a água sempre foi um dos reguladores sociais mais
importantes (PETRELLA, 2002, p. 59).
Considerado direito do cidadão, a água vem apresentando outros sentidos além deste,
principalmente quando está associada ao capitalismo. De acordo com Automare (2015), a
água no modelo atual de mercado capitalista assume o papel de "bem econômico" e não
"direito do cidadão”. Entende-se que não basta ser cidadão para ter direito a água, é
necessário capital para adquirir o bem econômico que a água se tornou. Nesta perspectiva, os
desfavorecidos economicamente encontram, além das dificuldades naturais, também as
financeiras impostas pela ganância humana.
Nos dias atuais as disputas pelo controle da água estão cada vez mais acirradas. Isso se
justifica pelo fato de antigamente a escassez de água ter atingido somente as populações
desfavorecidas economicamente, enquanto hoje este problema atinge a todos, independente de
classe social, fato que também explica o destaque que o assunto tem atualmente. É importante
considerar que as pessoas com maior poder aquisitivo encontram menores dificuldades para
resolver os problemas que enfrentam com a falta de água, considerando a influência do
capitalismo na sociedade que vivemos.
Apesar desse súbito interesse pela água ser recente a água já era um
problema há muito tempo para parcelas significativas da população, sobretudo os mais pobres. [...] enquanto a água foi um problema somente
para as maiorias mais pobres da população, o assunto se manteve sem o
devido destaque (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 146).
Mesmo que a escassez de água atinja toda a sociedade independente de classe
econômica, as pessoas mais pobres são as mais atingidas. Se observarmos pelo viés da
agricultura ou produção de alimentos, durante os períodos de escassez é comum elevar o
preço dos alimentos devido a dificuldade de acesso a água, fato que encarece todo o processo
de produção, e os que mais sentem este encarecimento são os consumidores que possuem
menor poder aquisitivo.
A exclusão social é estimulada pelo próprio governo, isto ocorre quando o mesmo
promove a valorização de determinadas áreas dentro das cidades e estabelece valores que
pessoas que não possuem maior poder aquisitivo jamais poderão adquirir. Desta forma, criam-
se as barreiras de habitação onde as diferenças sociais são enormes, e o acesso aos serviços
básicos de qualidade fica prejudicado - só tem acesso a este quem pode pagar.
Os lugares que apresentam grandes diferenças sociais apresentam baixa qualidade e
expectativa de vida, estão em constantes conflitos e estão, consequentemente, mais expostos à
33
carência dos bens naturais. Quando se trata da água, pela importância que este elemento
natural exerce na vida das pessoas, a falta deste bem torna estes lugares ainda mais
vulneráveis.
Na atualidade, a escassez é um dos principais problemas que envolvem a água. No
entanto, o processo de escassez da água não ocorreu repentinamente, além de ser um bem
natural limitado, fatores como desperdícios, poluição, desmatamentos e assoreamentos
contribuíram e ainda contribuem com a diminuição da água. Logo, quando determinado
problema não impacta de imediato a humanidade, este só é percebido quando acontece,
desconsiderando todo o processo que ocasionou tal acontecimento. Como afirma Automare
(2015), de forma irresponsável, crises e catástrofes sociais são consideradas somente quando
acontecem, motivo pelo qual essas questões não chamam a atenção da população.
O desperdício de água e a ausência de políticas ambientais eficientes são os fatores
que mais contribuem para a escassez de água no Brasil. Segundo uma pesquisa realizada pelo
Trata Brasil no ano de 201510
, o índice de desperdício de água potável no Brasil é de 37%
durante o processo de distribuição. A perda desta água é causada por conta de vazamentos,
pelo uso de hidrômetros adulterados, por ligações clandestinas, pela manutenção inadequada
das redes, e ainda poluição e mudanças climáticas, que são provocadas e/ou agravadas por
ações impensáveis e desenfreadas da humanidade. A urbanização é outro fator que contribui
com este processo de escassez e aumenta a necessidade por água.
A urbanização se coloca como um componente importante dessa maior demanda por água. Afinal, um habitante urbano consome em média três
vezes mais água do que um habitante rural, assim como a pegada ecológica,
água incluída, entre os habitantes do Primeiro Mundo e os Terceiro Mundo é extremamente desigual (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 153).
Por se tratar de um elemento natural limitado, o consumo da água deve ser planejado.
E este planejamento atrai grandes empresários, que vêm a água como uma grande
oportunidade de negócio. Junto a este fato o Poder Público objetiva se livrar das
responsabilidades que tem com os cidadãos conduzindo as responsabilidades para o Poder
Privado. É assim que estão ocorrendo os processos de privatização dos serviços públicos,
principalmente a água. Como afirma Petrella (2002, p. 33), a parceria público/privado com
relação à água tende a cultivar e a implementar as visões e abordagens do setor privado de
forma que a água (a fonte da vida) está em perigo de tornar-se gradualmente uma das
10 Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento-2015
34
principais fontes de lucro, uma das últimas áreas a serem conquistadas para a acumulação
privada de capital.
O valor econômico atribuído a água nos últimos anos tem sido denominado de
“hidronegócio”, isso em alusão ao agronegócio que tem transformado todos os bens naturais
em mercadorias, fato que já está ocorrendo com a água atualmente. Para que ocorra a
privatização da água, os órgãos públicos costumam sucatear os serviços de abastecimento,
dando a entender para a população que não está conseguindo cumprir suas obrigações e nem
manter a qualidade dos serviços prestados. Ainda, aponta a concessão à iniciativa privada
como a melhor saída para o problema.
O discurso da qualidade foi um dos principais argumentos invocados para
toda a política de liberalização e privatização dos serviços de abastecimento e tratamento de água, cuja melhoria e ampliação estaria o Estado
impossibilitado de fazer por falta de recursos para investimentos (PORTO-
GONÇALVES, 2006, p. 439).
A partir da concessão dos serviços à iniciativa privada, o Poder Público se livra das
cobranças, estas que agora devem ser dirigidas às empresas responsáveis pelo ofício.
Cobranças que acontecem com frequência, pois os serviços prestados pela iniciativa privada
raramente são de boa qualidade, considerando ainda que muitas empresas que fornecem os
serviços têm alguma ligação com as autoridades políticas que lhe concederam o ofício, ou
seja, há todo um interesse, principalmente financeiro, por trás destas concessões precipitadas.
Petrella (2002, p. 58) afirma que uma das causas principais do problema da água nas
sociedades contemporâneas é o poder político, tecnocrático, econômico, financeiro, simbólico
e cultural exercido pela geração de “senhores” para quem a própria água é uma fonte de
poder, de riqueza e de dominação.
Devemos considerar ainda que a gestão das águas não deve estar ligada apenas ao
consumo, mas também à água já utilizada que é devolvida incorretamente para a natureza. As
carências no setor de saneamento básico implicam danos à qualidade de vida e à economia em
um todo, como afirma Barbosa (2014), a má gestão dos recursos hídricos traduz-se em
poluição e na redução da oferta de água limpa e segura, que, além de comprometer a saúde da
população, afeta a produção de alimentos, as indústrias e a geração de energia elétrica, assim
como o turismo, entre outros setores econômicos.
No Brasil é comum os interesses particulares dos políticos prevalecerem em relação
aos interesses e necessidades comuns da população. E com a água não é diferente, mesmo se
tratando de algo fundamental à vida e direito de todos, o egoísmo e os benefícios particulares
se tornam mais relevantes que o bem estar e a própria vida do cidadão. Petrella explica que:
35
A ideia de que a água deve ser considerada principalmente como um bem
econômico ou um recurso comercializável, e que as leis do mercado irão,
portanto, permitir que os problemas da escassez ou até mesmo que os conflitos entre países sejam solucionados, é profundamente simplista. É
baseada em uma escolha puramente ideológica que, no momento em que dá
prioridade ao valor econômico em detrimento de todos os outros valores, está enfatizando apenas uma das muitas dimensões específicas da água
(PETRELLA, 2002, p.83).
Nas grandes cidades as empresas que detém o controle da água também possuem a
responsabilidade sobre o saneamento básico. A deficiência do saneamento básico é enorme,
não somente no Brasil, mas no mundo todo, pois menos da metade do esgoto recebe o
tratamento adequado, fato que resulta em outros problemas que atingem com mais intensidade
as pessoas desfavorecidas economicamente e socialmente vulneráveis. Nesse sentido, Barbosa
explana que:
Quase 2,5 bilhões de pessoas (40% da população mundial) ainda não têm acesso a saneamento básico adequado. A falta de tratamento de água e
ausência de redes de esgoto compromete a qualidade dos recursos naturais e
a saúde humana, facilitando a disseminação de uma série de doenças,
algumas até fatais. Os mais afetados são pobres e vivem em áreas de zonas rurais remotas ou bairros urbanos marginalizados (BARBOSA, 2014, p. 12).
Quando não é dado ao esgoto o tratamento correto, ele é lançado nos cursos d’água e o
lixo é depositado a céu aberto sem quaisquer estudos necessários ou planejamentos. Desta
forma toda a natureza é afetada, e também os seres humanos que sofrem impactos diretos da
falta destes serviços, principalmente os que têm contato direto com estas impurezas.
Como afirma Barbosa (2014), a falta de serviços básicos de saneamento fere o direito
à vida, uma vez que as condições insalubres de moradia colocam em risco a saúde física da
população. Se tratando de água, sua ausência ou contaminação torna-se fator limitante para o
próprio desenvolvimento socioeconômico.
Quando oferecido de forma correta à população, o saneamento básico provoca grandes
benefícios, porém o acesso de todos a estes serviços ainda é um desafio a ser superado. Para
que este serviço seja oferecido a toda população é preciso o envolvimento de muitos
segmentos sociais, e é claro com o dever e papel fundamental do poder público. Estes serviços
estão intimamente relacionados à promoção de qualidade de vida, ao processo de proteção dos
ambientes naturais, em especial dos elementos hídricos.
Em abril de 2011 foi aprovada a Proposta de Plano Nacional de Saneamento Básico
(PLANSAB) para regulamentar os serviços de saneamento básico no Brasil. Este documento
36
orienta o planejamento para os próximos 20 anos no setor, entendido como os serviços de
abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de manejo de águas pluviais urbanas e dos
resíduos sólidos. O PLANSAB aponta ainda o total de investimentos que devem ser feitos
nestes setores nos próximos anos.
É perceptível a importância que estes serviços têm para a população e os danos para a
mesma em detrimento da sua ausência. Assim como o acesso à água de boa qualidade é
essencial, os serviços de saneamento básico também são importantes, pois como o nome
mesmo diz, é um dos serviços “básicos” que a população deve ter acesso.
No Brasil, os conflitos pelo controle da água envolvem ainda a construção de
hidroelétricas e muitos conflitos neste caso são resultados da intensa participação popular, que
busca conservar os elementos naturais que podem ser danificados pela interferência de
atividades com potencial de causar impactos na disponibilidade ou qualidade da água. A
construção destas enormes intervenções no ambiente natural afeta, principalmente, os grupos
sociais mais vulneráveis, visto que a maioria destes vive e retira da natureza os elementos
necessários para sua sobrevivência e sustento do seu povo.
A implantação das hidrelétricas é importante para o país, pois estas são as fontes de
energia que irão abastecer a população, mas os impactos gerados pela construção não
compensam tais benefícios. Estes impactos são variáveis de acordo com a população,
geralmente é determinada a remoção dos povos para outra área, é feita a inundação de grandes
áreas, a destruição de florestas e rios, a fauna e a flora são atingidas diretamente, além do fato
de muitas destas pessoas tirarem do rio o sustento de suas famílias e estas intervenções na
natureza acabam os impedindo de tais atividades.
Os conflitos que envolvem a água são enormes e a ganância do ser humano é um dos
fatores que contribuem para estes embates. Os padrões de consumo estabelecidos pela mídia
não considera a capacidade da natureza de acompanhá-los. Infelizmente a quantidade dos
bens naturais existentes não acompanham o crescimento do consumo e populacional,
considerando o quadro atual as previsões para o futuro não são otimistas.
Com a perspectiva de a escassez hídrica afetar quatro bilhões de pessoas até
2050, criam-se as condições para um século marcado por conflitos em torno
da água. À medida que a qualidade dos recursos hídricos piora e a
quantidade disponível tem de atender às crescentes demandas ao longo do tempo, a competição entre os usuários de água se intensifica (BARBOSA,
2014, p. 129).
Historicamente a água foi o elemento decisivo de várias guerras, mas os quadros atuais
se configuram para uma guerra pela água, e uma vez que a água está envolvida em todos os
37
aspectos da vida esta guerra pode ser devastadora e talvez mais dolorosa, pois se trata de uma
guerra por algo essencial e insubstituível. Porto-Gonçalves (2004, p. 444), afirma que já
estamos imersos numa guerra mundial envolvendo a água, de forma que em todo lugar onde
há tentativa de se apropriar da água há resistência.
Os conflitos em relação a água crescem a cada dia e alguns fatores contribuem para o
aumento destes conflitos, como o aumento no preço dos alimentos, a má gestão dos elementos
naturais e as mudanças ambientais, são motivos que influenciam estes conflitos. Ao
considerarmos que a água é um bem comum e se administrada de forma justa e igualitária
compreendemos que todos podem ser contemplados com este elemento natural, evitando
assim conflitos e guerras.
Mesmo sendo considerado um direito de todos, o acesso a água de boa qualidade não é
privilégio de todos, principalmente quando se trata de pessoas desfavorecidas
economicamente. É função dos órgãos políticos competentes estabelecer critérios de uso da
água tanto para as pessoas, quanto para indústrias, incentivar e realizar a conservação das
diversas formas de apresentação da água no ambiente e garantir que todos tenham acesso ao
saneamento básico e a água de boa qualidade. Ainda se faz importante mudar o quadro atual
da água no planeta. Petrella salienta que:
Da maneira como estão as coisas, a água potável em particular não é
acessível para um grande e crescente número de pessoas e a poluição cada vez maior da água da superfície e subterrânea, ao lado de muitos outros
fatores, não nos estimula a pensar que o futuro será mais favorável
(PETRELLA, 2002, p. 24).
Como mencionado, a água possibilitou a construção de cidades, mas a sua falta e mau
uso está roubando dessas cidades a possibilidade de um futuro. Porém, nem tudo está perdido,
atitudes podem e devem ser tomadas, a natureza necessita e a vida agradece.
2.3 Alterações na natureza e Justiça Ambiental
O meio em que vivemos passa por constantes e intensas mudanças. Estas
transformações são ocasionadas por processos naturais da natureza e também por intervenção
dos seres humanos na natureza. Desde o surgimento do planeta as mudanças ambientais são
contínuas, seja por processos naturais ou pela ação humana, mas nos últimos anos
principalmente em consequência da crescente intervenção humana, as alterações no ambiente
são mais notáveis e prejudiciais à natureza e a todos os seres vivos.
38
O modelo atual de desenvolvimento tem impulsionado o ser humano a buscar o
crescimento e a industrialização, e consequentemente o aumento do consumo, que tem como
prerrogativa igualar o patamar de desenvolvimento das nações. Mas como afirma Leroy
(2002, p. 14), a verdade é que não importa o quanto nos esforcemos, o fosso das
desigualdades entre essas nações e o resto do mundo não diminui, ao contrário, só cresce.
A utopia de que todas as nações podem alcançar o mesmo patamar de
desenvolvimento é a forma que a minoria detentora da concentração de renda mundial
encontrou para justificar a destruição em massa dos elementos naturais. E são justamente
estes os responsáveis pela maior parte da destruição em massa dos bens naturais presentes em
nosso planeta. Segundo Leroy (2002, p. 15) essa minoria gasta muito além da conta e vive
segundo padrões de consumo completamente insustentáveis.
As ações antrópicas na natureza ocorrem desde a existência do ser humano no planeta.
Desde o princípio o ser humano interage com esta, de forma que ele próprio é parte da
natureza, porém, o sentimento de pertencimento à natureza vem se perdendo. Para sua
sobrevivência os elementos naturais mais importantes para o ser humano são o ar, a água e os
alimentos. Anteriormente era retirado da natureza somente o essencial; a degradação
provocada por esta retirada eram de pequenas proporções, considerando ainda que neste
período as ambições, as necessidades e as tecnologias existentes eram diferentes.
Com o passar do tempo as ambições, as necessidades e as tecnologias foram
aumentando, e consequentemente a necessidade de retirar da natureza os elementos naturais
necessários para acompanhar esse crescimento também cresceram. As mudanças ambientais
estão cada vez mais presentes em nossa vida, este fato nos leva a refletir quanto ao modo
como estamos interagindo com o meio em que vivemos.
Temos o conhecimento de que os elementos naturais disponíveis para nossa
sobrevivência são limitados, no entanto, nossas atitudes diante deles pouco consideram os
seus limites. Com o surgimento do capitalismo além da degradação material do planeta temos
que lidar ainda com novas imposições de cidadania em que a ordem principal é o consumo
desenfreado e desnecessário.
A verdade é que o advento do capitalismo não deu início apenas a uma
operação de apropriação ideológica do mundo material, que aliás ainda está em curso. Muito mais do que isso, decompôs e degradou o imaginário social,
impondo-nos uma noção de cidadania a ser adquirida e medida através do
poder de compra, de consumo, ameaçando assim transformar nossos sonhos para o futuro num grandioso pesadelo que pode crescer até consumir todo o
planeta (LEROY, 2002, p. 23).
39
O ser humano está em constante busca pelo bem estar e pelo atual padrão de vida
julgado ideal pela sociedade: quanto maior poder aquisitivo, maior a felicidade. No mundo
capitalista em que vivemos é praticamente impossível viver sem consumir, mas as pessoas
deixaram de consumir por necessidade e estão consumindo por futilidade. Logo, a
preocupação com os elementos naturais acaba ficando em segundo plano, se tornando quase
insignificante diante da ganância, de forma que o mais importante se torna o ter, e não o ser.
As mudanças nos padrões de produção e consumo na atualidade são agravantes do
processo de degradação ambiental. A necessidade tanto de consumo, quanto da conservação
ambiental, coloca a sociedade diante de um dos seus maiores desafios, que é a sintonia entre o
consumo e a conservação ambiental, para que se mantenha um padrão de consumo ativo para
manter a economia, porém, respeitando as limitações da natureza.
Diante da necessidade de se retirar da natureza elementos naturais para a manutenção
da vida humana e ainda respeitar os limites impostos pela natureza, se faz necessário optar por
um modo de produção e consumo que atenda as necessidades humanas, mas que também
respeite o tempo e o limite necessário para a recuperação e manutenção dos nossos bens
naturais.
Perante os quadros políticos, econômicos e sociais atuais é difícil imaginar que a
sustentabilidade possa fazer parte do nosso cotidiano, se tornando algo quase utópico diante
da ganância humana, que desconsidera qualquer limite da natureza. O aumento do consumo e
da produção aumenta a demanda por elementos naturais, o que resulta na degradação em
grande escala dos elementos naturais.
A degradação maior está pautada em um modelo de desenvolvimento de concentração
de renda/terras nas mãos da minoria. Segundo dados do INCRA as grandes propriedades
rurais somam hoje no Brasil 244 milhões de hectares. O agronegócio é um exemplo da
distribuição desigual de terra, e como já dissemos anteriormente, é justamente esta minoria
que detém o poder sobre as maiores áreas e são os responsáveis pela maior parte da
degradação da natureza.
O “mal desenvolvimento” brasileiro não resulta do insuficiente
aproveitamento dos recursos do país, mas sim do modo pelo qual eles são
distribuídos. O sentido da integração do território e da distribuição de seus recursos é que é posto em questão pelos efeitos daninhos de um modelo que
tem por base a expansão do mercado, a aceleração dos ritmos de produção e
de trabalho e a miserabilização em massa dos trabalhadores (LEROY, 2002, p. 67).
40
O equilíbrio entre o consumo consciente e a conservação dos bens naturais é essencial
diante do atual estado do nosso planeta. Contudo, são raras as iniciativas para que este
objetivo seja alcançado, e aqueles que se propõe a dar os primeiros passos rumo a estas
conquistas recebem apoio de uma minoria e tem que lutar contra um sistema que preconiza
totalmente o contrário.
Dessa forma, é necessário impor limites às falsas necessidades, ditadas,
principalmente, pela mídia. A globalização, o processo de internacionalização das mídias e a
internet, fazem com que as falsas necessidades de consumo humano sejam propagadas de
maneira astronômica em diversas partes do globo terrestre, não se limitando a nenhuma
cultura ou classe social. Muitas vezes estes processos transformam povos e culturas que
deixam suas histórias, culturas e valores serem substituídos por ‘felicidades superficiais’.
A desterritorialização que acompanha a transnacionalização, não é só econômica, mas social, cultural, política; também influencia o subjetivo dos
indivíduos. [...] a internacionalização da mídia impõe padrões, valores,
sentimentos, deixando pouco espaço para criações individuais e para a autoconsciência (LEONARDI, 1995, p. 198).
Dominar a natureza em todos os seus aspectos tem sido o maior objetivo dos seres
humanos na contemporaneidade, como nos adverte Santos (2005, p. 32), “conquistar o
controle sobre a natureza tornou-se um valor social altamente estimado, não subordinado [...]
a nenhum outro valor.” Percebemos que, ao conquistar este objetivo, o ser humano não
pretende tratar a natureza como algo intocável, mas o contrário, ele pretende se apropriar
totalmente dos bens naturais de forma que estes podem ser vistos apenas como recursos.
Os elementos naturais são ligados entre si de forma que um depende do outro para
sobreviver, assim, quando uma parte sofre algum dano, de forma direta ou indireta, a natureza
é atingida por completo, logo, a atitude impensada diante de algum elemento natural tem
consequências inimagináveis. Ao compreender os danos que podem ser causados pela
intervenção humana na natureza torna-se necessário refletir sobre os valores capitalistas e
midiáticos a que somos expostos cotidianamente. Percebemos que diante da diversidade e
fragilidade de alguns grupos sociais uns cedem com mais facilidade a estes processos do que
outros. Harvey explica que:
Em diferentes fases de desenvolvimento, os fluxos de capital ocupam certos terrenos com mais facilidades do que outros. Além disso, no embate com o
mercado mundial capitalista, algumas formações sociais conseguem se
adaptar e se inserem agressivamente nas formas capitalistas relativas às
trocas de mercado, enquanto outras formações não são capazes disso (HARVEY, 2006, p. 201).
41
A resistência aos processos de degradação da natureza é importante para a manutenção
da vida em nosso planeta. São as pessoas com maior poder aquisitivo e econômico que mais
contribuem para a degradação da natureza, e são as pessoas mais pobres e marginalizadas pela
sociedade que sofrem as consequências destes processos de degradação.
Conforme aponta Acselrad (2009) são sobre os mais pobres e os grupos étnicos
desprovidos de poder que recai desproporcionalmente a maior parte dos riscos ambientais
socialmente induzidos, seja no processo de extração dos elementos naturais, seja na
disposição de resíduos no ambiente. Diante desta enorme desigualdade e injustiça surge o
termo ‘Justiça Ambiental’.
Para designar esse fenômeno de imposição desproporcional de riscos
ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e informacionais tem sido consagrado o termo justiça ambiental. [...] Essa
noção tem sido utilizada, sobretudo, para constituir uma nova perspectiva a
integrar as lutas ambientais e sociais (ACSELRAD, 2009, p. 9).
É sobre as pessoas pobres que recaem não apenas os danos da injustiça ambiental, mas
também todas as mazelas econômicas e sociais da humanidade. Embora sejam os mais
necessitados da atenção e investimentos do governo, as populações desfavorecidas
economicamente e socialmente vulneráveis são as que menos recebem qualquer forma de
investimentos, fato que pode ser considerado além de descaso, uma intencionalidade.
É para as regiões pobres que se têm dirigido os empreendimentos econômicos mais danosos em termos ambientais. Do mesmo modo, é nas
áreas de maior privação socioeconômica e/ou habitadas por grupos sociais e
étnicos sem acesso às esferas decisórias do estado e do mercado que se
concentram a falta de investimentos em infra-estrutura, de saneamento, a ausência de política de controle dos depósitos de lixo tóxico, a moradia de
risco, a desertificação, entre outros fatores, concorrendo para suas más
condições ambientais de vida e trabalho (ACSELRAD, 2009, p. 8).
Diante de tamanhas desigualdades econômicas e sociais observamos que as
intervenções mais eficazes para o combate destas imensas diferenças deveriam vir do governo
que foi escolhido pelo povo como seu representante. No entanto, as autoridades do Estado,
principalmente em nosso país, não são acostumadas a ter cobranças populares em relação a
seus deveres, mas estas cobranças são necessárias principalmente quando as injustiças, tanto
ambientais, quanto sociais, são disseminadas desta forma. É necessária a compreensão
política da sociedade para que os injustiçados deixem de se ver como vítimas deste processo e
passem a se enxergar como agentes transformadores desta realidade.
42
A partir do momento em que a sociedade, principalmente os excluídos
socioeconomicamente, passam a se enxergar como os principais atores das mudanças sociais
desejadas, o sistema se vê obrigado a mudar para que sejam atendidas as carências dos que
realmente necessitam. A justiça ambiental pode reforçar esta ideia de mudança, pois ela não
considera conveniente apenas as mudanças nas condições de vida dos seres humanos, mas de
todo o ambiente. Acselrad explica que
A noção de justiça ambiental implica, pois, o direito a um meio ambiente
seguro, sadio e produtivo para todos, onde o ‘meio ambiente’ é considerado
em sua totalidade, incluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, estéticas e econômicas. Refere-se, assim, às condições em
que tal direito pode ser livremente exercido, preservando, respeitando e
realizando plenamente as identidades individuais e de grupo, a dignidade e a
autonomia das comunidades (ACSELRAD, 2009, p. 16).
Embora as mudanças ambientais sejam bem visíveis e seus efeitos sejam sentidos de
forma nociva por todos os seres vivos, um ambiente saudável e em sintonia com as reais
necessidades humanas ainda é possível. Viver em um ambiente conservado é um direito de
todos, mas é necessário primeiramente cumprir com nossos deveres diante da natureza para
que depois nossos direitos sejam alcançados e usufruídos com justiça.
Nessa linha, os impactos causados pelas mudanças ambientais e climáticas atingem
todos os bens naturais presentes em nosso planeta, e com a água não é diferente. De acordo
com Marengo (2008, p. 84), no ano de 1988 foi criado o Intergovernamental Panelon Climate
Change [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] (IPCC), que tem como objetivo
fornecer informações técnicas e científicas sobre as mudanças climáticas.
Os relatórios divulgados pelo IPCC, juntamente com a ONU, apontam que grande
parte dos países menos desenvolvidos já enfrenta períodos incertos e irregulares de chuvas, e
as previsões para o futuro indicam que as mudanças climáticas vão tornar a oferta de água
cada vez menos previsível e confiável. As tendências atuais de exploração, degradação e
poluição dos elementos hídricos já alcançaram proporções alarmantes, e podem afetar a oferta
de água num futuro próximo caso não sejam revertidas (MARENGO, 2008, p. 84).
As mudanças climáticas e ambientais deixaram de ser previsões futuras e passaram a
fazer parte da nossa realidade, passando a atingir de forma devastadora os elementos naturais
e essenciais à sobrevivência dos seres vivos, principalmente a água. Como afirmam Silva,
Medeiros e Azevedo (2012, p. 186), sabe-se que a água percorre um ciclo natural e renovável.
Todavia, a água de boa qualidade torna-se a cada dia um bem natural finito, pois inúmeras
ações humanas deterioram, poluem e contaminam os elementos hídricos, de modo tal que a
43
qualidade deste bem natural poderá, num futuro breve, não atender as diversas formas de vida
que dele dependem.
Embora os impactos causados pelas mudanças ambientais e climáticas possam ser
amenizados com ações mais conscientes dos seres humanos diante da natureza, é papel dos
nossos governantes elaborar políticas públicas eficientes que visem o melhor uso dos nossos
bens naturais, principalmente a água.
O impacto das variações e mudanças do clima pode ser acrescentado por
outros fatores não-ambientais, como os aspectos políticos e sociais, e todos
juntos podem gerar um custo elevado para a sociedade. A prova disso, é que
o problema da escassez de água afeta inúmeras sociedades, e os governantes parecem “fechar os olhos” diante desse problema, tendo em vista sua
negligência quanto a realizar ações efetivas de gestão e gerenciamento de
água para as populações que vivem a mercê da escassez hídrica (SILVA, MEDEIROS e AZEVEDO, 2012, p. 187).
É importante considerar que as pessoas que mais sofrem com os impactos causados
pelas mudanças ambientais e climáticas sobre a água são as pessoas que vivem às margens da
sociedade em diversos aspectos, principalmente quando se trata de acesso a serviços públicos
de qualidade. São as pessoas desfavorecidas economicamente que tem contato com as águas
dos córregos e rios poluídos, e por não possuírem recursos financeiros não podem pagar por
água de boa qualidade para consumir, tendo as águas poluídas de suas comunidades como
única alternativa de acesso a água.
Os estudos científicos sobre a água suas propriedades, escassez ou acesso são bastante
importantes e contribuem com a vida, no sentido de trazer elementos que ajudem enxergar os
dilemas socioambientais. Contudo, há situações de risco que carecem de urgência, já que
envolvem vidas (humanas e não humanas) com direito à existência. Estas situações
dramáticas são causadas pelas ações humanas movidas pelo capital e consumo, afetando
majoritariamente grupos sociais vulneráveis, ou economicamente desfavorecidos (SALVE,
2005).
Para muito além do valor de mercado enraizado na palavra “recurso”, a água possui
dimensões míticas que transcendem o preço comercial. Incalculável na economia, a água
ganha corpo e dimensões etnográficas de significados exuberantes. Alguns estudos com a
mitologia da água buscam compreender o imaginário das pessoas sob as esteiras da
fenomenologia de Gaston Bachelard. A água como simbologia da gênese, da purificação, da
limpeza ou até mesmo da morte (BACHELARD, 1989) são componentes que habitam a
tessitura etnográfica da imaginação, criação e reinvenção de povos de todo o mundo.
44
No GPEA temos, atualmente, exemplos de pesquisadoras que buscam compreender a
água além de seu aspecto utilitarista. Sato, Manfrinate e Dalla-Nora realizam dentro do GPEA
estudos interpretativos sobre a água em três locais distintos: Galícia, Espanha (água salgada),
Joselândia (água doce) e Mata Cavalo (ausência de água). Embora tais estudos ainda estejam
em andamento, Sato já revelou a importância da epistemologia popular sobre a água.
Considerando todos os aspectos que permeiam a água, essa dissertação tem como
escopo a compreensão da percepção da comunidade escolar de Mata Cavalo sobre a natureza,
principalmente a água. Também os fatores que eles atribuem à falta de água, que afeta
historicamente a comunidade, as dificuldades e os conflitos existentes em relação a este bem
natural, as percepções sobre mudanças ambientais e climáticas e suas perspectivas em relação
ao futuro da água e natureza no quilombo. Tais percepções auxiliam a mapear os conflitos
socioambientais de acordo com o contexto etnográfico, favorecendo que a educação
ambiental seja correspondente à cultura e natureza local.
45
CAPÍTULO III: Formação do rio...
Súplica Cearense
Oh! Deus, perdoe esse pobre coitado, Que de joelhos rezou um bocado,
Pedindo pra chuva cair, cair sem para
Oh! Deus será que o senhor se zangou,
E é só por isso que o sol se arretirou,
Fazendo cair toda chuva que há
Oh! Senhor, pedi pro sol se esconder um pouquinho
Pedi pra chover, mas chover de mansinho,
Pra ver se nascia uma planta, uma planta no chão
Oh! Meu Deus, se eu não rezei direito,
A culpa é do sujeito, Desse pobre que nem sabe fazer a oração.
Meu Deus, perdoe encher meus olhos d'água,
E ter-lhe pedido cheio de mágoa, Pro sol inclemente, se arretirar, retirar
Desculpe, pedir a toda hora, Pra chegar o inverno e agora,
O inferno queima o meu humilde Ceará
Oh! Senhor, pedi pro sol se esconder um pouquinho,
Pedi pra chover, mas chover de mansinho,
Pra ver se nascia uma planta, planta no chão
Violência demais, chuva não tem mais,
Roubo demais, política demais,
Tristeza demais. Interesse tem demais!
Ganância demais, fome demais,
Falta demais, promessa demais,
Seca demais, chuva não tem mais!
Oh! Deus. Só se tiver Deus. Oh! Deus
O Rappa
46
3.1 Comunidade Quilombola de Mata Cavalo: Território, história e resistência
Esta pesquisa tem como área de estudo a Comunidade Quilombola de Mata Cavalo,
que está localizada no município de Nossa Senhora do Livramento (MT), às margens da
rodovia MT 060 (Figura 4).
Segundo Manfrinate (2011), o Instituto de Terras de Mato Grosso (INTERMAT)
demarcou durante dez anos as terras do quilombo de Mata Cavalo como sendo de 11 mil
hectares, os quais corresponderiam às fazendas que ocupavam as terras quilombolas.
Entretanto, esse número foi contestado pela Associação de Mata Cavalo e o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que fizeram uma nova medição a partir de 2007,
alterando para 15 mil hectares para as demarcações e desapropriações. Segundo o cadastro da
Associação são 415 famílias que vivem no quilombo.
Figura 4: Mapa da Comunidade Quilombola de Mata Cavalo.
Fonte: SILVA, 2011.
Por meio do mapeamento social realizado por Silva (2011), identificou-se que no
estado de Mato Grosso há 69 comunidades quilombolas distribuídas entre dez municípios. É
afirmado ainda que as comunidades quilombolas em Mato Grosso continuam marginalizadas,
47
pois se observa a falta de titulação das terras quilombolas no estado e o acesso à educação,
saúde e direitos básicos. Além de tudo isso, há muitos conflitos socioambientais acarretados
pela negligência do governo, que acirra as disputas pelo território e o desrespeito aos direitos
dos quilombolas. Neste contexto Jaber-Silva define conflitos como:
Os conflitos socioambientais podem ser considerados implicações do
histórico de hegemonia e dominação do espaço, previamente narrado.
O estudo destes conflitos faz-se num campo polissêmico marcado por
disputas, atritos e tensões que pressupõem relações de poder
(assimétricas) que permeiam as práticas sociais. Comumente, os
conflitos socioambientais surgem quando os territórios apropriados
por grupos que apresentam modos diferenciados de viver e de se
relacionar com o ambiente, chocam-se com a dominação exercida pelo
poder do capital. (JABER-SILVA, 2012, p. 40)
Algumas comunidades quilombolas têm origem a partir dos processos de escravidão
vividos pelo Brasil durante a colonização. No decorrer deste período muitos escravos fugiam
da dominação existente no contexto da escravidão e se abrigavam em locais de difícil acesso
no meio da mata, denominados hoje de quilombos. Conforme a Fundação Cultural
Palmares11
, os quilombolas são descendentes de africanos escravizados que fugiram para
áreas denominadas de quilombo em busca de melhores condições de vida e ainda hoje
mantém suas tradições culturais.
Por meio de leituras e relatos dos quilombolas de Mata Cavalo foi possível
compreender que as terras ocupadas hoje por esta comunidade é fruto de uma doação de terras
para alguns escravos, que foi feita por uma antiga dona de sesmaria no ano de 1876. A
senhora Ana Silva Tavares, deixou, em 1883, um testamento lavrado em cartório, o qual
atestava parte de sua terra, a sesmaria Boa Vida aos seus escravos e ex-escravos. Partes da
terra também foram compradas pelos escravos e seus descendentes no século XIX, e com o
fim da escravidão em 1888, negros livres também chegaram a Mata Cavalo com o intuito de
moradia e vida nova (BARROS, 2007).
Desde a chegada dos ex-escravos ao quilombo de Mata Cavalo a luta é intensa para
obter o título definitivo da terra, pois o único documento que comprovava a doação feita por
Ana Silva Tavares desapareceu misteriosamente, fato que fortaleceu ainda mais os
fazendeiros que disputam as terras com os quilombolas.
11 A Fundação Cultural Palmares tem a função de formalizar a existência de comunidades quilombolas, que são
descendentes de escravos africanos e mantém tradições culturais, de subsistência e religiosas ao longo do tempo.
A fundação desenvolve projetos, programas e políticas públicas de acesso à cidadania, além de assessorá-los
juridicamente.
48
Além de todas essas considerações pesando contra o estabelecimento da
Comunidade de Mata Cavalo, a documentação original de doação das terras do quilombo também foi extraviada do cartório em que foi lavrada, sendo
um ponto a mais para a contestação dos fazendeiros (MANFRINATE, 2011,
p. 55).
Para fortalecer e formalizar as lutas, os moradores dos quilombos criaram, a partir de
1996, as associações de moradores da comunidade, conforme esclarece Barros (2007). O
quilombo de Mata Cavalo é dividido em seis associações rurais diferentes que são
matriculadas em cartório como: Mata Cavalo de Cima; Mata Cavalo de Baixo; Ponte da
Estiva (Fazenda Ourinhos); Ventura Capim Verde; Mutuca e Aguassú. É importante destacar
que embora consideramos todo o contexto histórico e cultural das seis associações, nossa
pesquisa tem como local específico a comunidade escolar de Mata Cavalo de Baixo.
A criação das seis associações deu força à comunidade, que conseguiu a certificação
de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, passando então a ser reconhecida pelas
instituições que atuam na área, fato que fortalece o movimento pela posse definitiva da terra e
reivindicação de seus direitos. Desde a criação destas associações a liderança de Dona Tereza
(in memorian) é considerada a mais marcante, pelo fato desta ter sempre lutado pelas causas
da comunidade (Figura 5).
Figura 5: Dona Tereza
Fonte: MANFRINATE, 2011.
A liderança feminina sempre foi um diferencial na comunidade quilombola de Mata
Cavalo. Sato (2013) ensina que este é um quilombo eminentemente feminino, “com marcas
49
fortes das lideranças de mulheres que ousaram escrever outra história, mas que ainda padecem
do descaso político e do vergonhoso racismo ambiental”. Ao longo da história do quilombo
eram as mulheres que exerciam a liderança diante das adversidades e lutas, muitas vezes
enfrentando os fazendeiros por meio de confrontos físicos para proteger e reivindicar suas
terras.
É um fenômeno muito relevante a atuação feminina em Mata Cavalo,
levando-se em consideração que, até o início da década de 90, a comunidade estava desmobilizada e em poucos anos eles se agruparam, reconhecendo-se
como comunidade e passaram a enfrentar os fazendeiros da região, ficando
as mulheres como barreira para o confronto propriamente dito (MANFRINATE, 2011, p. 20).
O fato de Dona Tereza ter sido professora e uma das únicas mulheres a conseguir
concluir os estudos naquele período influenciou em seu papel de liderança dentro do
quilombo. Como afirma Manfrinate (2011), além de professora Dona Tereza, exercia outros
papeis significativos dentro da comunidade como: parteira, benzedeira, mãe de santo e
catequizadora. A liderança exercida por Dona Tereza sempre teve o apoio da maioria dos
quilombolas, que assim como ela lutaram e ainda lutam para manter a identidade e garantir
seus direitos.
A mulher, em Mata Cavalo, sem dúvida experimenta um nível de prestígio e
reconhecimento que muitas vezes não encontramos em outros lugares. Dona Tereza representa o poder, mas não lidera sozinha, ela precisa do apoio dos
outros quilombolas que a acompanham nessa jornada. Juntas elas constroem
suas identidades em seu espaço reconquistado, o espaço da sua cultura, da
sua história e do seu passado. A terra não serve apenas para ser a ferramenta de subsistência, mas serve de território para se formarem como mulheres
negras e quilombolas, que encontraram o seu lugar de verdade
(MANFRINATE, 2011, p. 143).
Ainda hoje a liderança no quilombo é marcada pelo poder feminino, pois a presidência
da associação de moradores é de uma mulher – Arlete Pereira – que está à frente da
associação de moradores Mata Cavalo de Baixo há dois anos. O poder feminino existente
ainda hoje no quilombo pode ser considerado um legado de Dona Tereza, que durante sua
história fortaleceu o papel da mulher na comunidade. De acordo com Manfrinate (2011), o
papel social construído pela liderança de Dona Tereza é importante não só pela afirmação de
gênero, mas também pela afirmação da identidade e a conquista da territorialidade como
quilombola que luta pelo seu direito de herança e pela conservação de sua cultura.
As lutas e os conflitos fazem parte da realidade dos quilombolas que são os herdeiros e
tem o direito legal a terra. Ainda hoje, em meio às invasões e expulsões, eles lutam para
50
garantir a posse definitiva da terra, visto que muitos fazendeiros da região são contra. Simione
(2008) relata que por anos os quilombolas foram perseguidos, ameaçados, humilhados, presos
e expulsos de suas casas e sítios por fazendeiros que chegavam na região e tinham o interesse
de expandir suas terras para agropecuária.
Por meio de leituras e relatos dos moradores do quilombo é possível perceber que os
fazendeiros utilizavam métodos desumanos para expulsar os quilombolas de suas terras.
Dentre estas ateavam fogo nas casas (que eram feitas de palha de babaçu) e contaminavam
suas águas com veneno para impedir o consumo. Nos dias de hoje muitos fazendeiros já
abandonaram o quilombo e os que permanecem não se utilizam mais destes métodos para
intimidar os quilombolas.
A área do quilombo é cortada pelo córrego que dá nome à comunidade, o córrego
Mata Cavalo, que segundo relato dos moradores antigamente apresentava maior quantidade e
qualidade de água. O garimpo e o desmatamento presentes na região influenciaram as
mudanças desta água, que hoje não é mais consumida para beber como antigamente, apenas
para afazeres domésticos por alguns moradores (Figura 6).
Figura 6: Córrego Mata Cavalo
Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla Amorim, 2016.
As casas antigas da comunidade e a maioria das moradias atuais são construídas nos
moldes antigos utilizados pelos escravos. De acordo com Manfrinate (2011) a maioria das
51
casas da comunidade foi construída com palha de babaçu (coqueiro natural da região), que são
prensadas juntas, principalmente o telhado, que recebe uma cobertura mais pesada e mais
larga para evitar a entrada da água da chuva.
Embora lentamente, as condições de moradia dos quilombolas têm melhorado com a
construção de casas de alvenaria, o que não se via antigamente pelo fato da preocupação dos
moradores em obter o título definitivo da terra e correrem risco de serem despejados a
qualquer momento, fato que impossibilitava maiores investimentos na moradia.
As casas dos quilombolas estão localizadas ao longo do território e nas margens das
estradas, sendo umas afastadas das outras. Os membros da mesma família geralmente moram
próximos na mesma área do quilombo. As divisões estabelecidas pelas famílias não são
definitivas, pois ainda esperam o título definitivo da terra.
A disposição espacial das casas por entre o território do quilombo ainda não é a definitiva, pois precisam dos títulos para uma divisão mais exata, mas
preliminarmente eles já se acomodaram em alguns pontos específicos,
construíram suas casas num pequeno conglomerado em família: os pais e os filhos casados, distante alguns metros ou poucos quilômetros de outros
conglomerados onde residem outras famílias (MANFRINATE, 2011, p. 65).
Historicamente a comunidade quilombola de Mata Cavalo sofre com o descaso por
parte do Poder Público, que não garante aos quilombolas seus direitos básicos, como o acesso
à saúde, saneamento básico e água potável. Quando passam por algum problema de saúde,
procurar um médico é a ultima opção, devido a distância e as dificuldades com os meios de
transporte. Como afirma Manfrinate (2011), a ida ao médico é sempre o último recurso
procurado, quando doentes eles geralmente se utilizam de chás de ervas encontradas na
vegetação do próprio local, além de benzeduras e de rezas.
A comunidade também é deficiente em relação ao comércio e serviços bancários.
Quando estes precisam ser realizados os moradores têm que se deslocar até as cidades
vizinhas (Poconé, Nossa Senhora do Livramento, Cuiabá e Várzea Grande). Considera-se
ainda a dificuldade no deslocamento, pois os que dependem do transporte público têm que
esperar às margens da MT-060 por ônibus que não passam com frequência pelo local.
Outro problema enfrentado pela comunidade é a falta de acesso aos serviços de
saneamento básico, que não existem na comunidade. Os quilombolas utilizam de seus
próprios recursos para ter acesso a estes serviços, fato este que contribui com a degradação da
natureza, pois muitos fazem uso de fossas negras, que são apenas escavações no solo sem
nenhuma proteção, o que pode causar a contaminação dos lençóis freáticos.
52
A coleta de lixo é inexistente na comunidade e para eliminar os resíduos e entulhos os
moradores optam por queimá-los no quintal de casa. Segundo relato dos moradores, além da
comunidade não ter acesso ao serviço de coleta de lixo, é comum moradores de Nossa
Senhora do Livramento irem até a comunidade para descartar os lixos produzidos na cidade,
que são descartados nas matas ou às margens da MT-060, que corta a comunidade.
A falta de água é apontada pelos moradores como o maior problema na comunidade
atualmente, este problema afeta a todos e é agravado com as ações dos fazendeiros e
garimpeiros que provocam desmatamentos e erosões. Os conflitos socioambientais são
agravados pelo embate com os fazendeiros. Desta forma:
Os povos quilombolas vêm enfrentando um processo longo de conflitos
ambientais centrados essencialmente nas disputas pelos seus territórios e na
luta pelo reconhecimento de seus direitos ancestrais. Os conflitos com os fazendeiros fizeram com que muitos quilombolas abandonassem suas terras,
mesmo com um refluxo recente podemos perceber que muitos dos seus
hábitos foram alterados pela privação do contato com o território (SILVA,
2011, p. 149).
Percebe-se que o passado e o presente da comunidade Mata Cavalo é marcado por
inúmeros conflitos étnicos, culturais, socioambientais e políticos. Ainda nos dias de hoje há
relatos destes, porém, com menos intensidade se comparado com antigamente, quando os
conflitos eram acentuados, principalmente com os fazendeiros da região. Assim Manfrinate
(2011) afirma que os fios da história de Mata Cavalo vêm se desenrolando por longa data em
coro com os de outros quilombos no Brasil que, para garantir seus direitos, precisam passar
anos em disputas judiciais por suas terras.
A maioria dos moradores da comunidade pratica a agricultura de subsistência por meio
das roças que cultivam em seus quintais e da venda de sua produção. Muitas mulheres obtêm
renda por meio da produção de artesanatos e doces regionais, que ajudam na renda das
famílias. Na comunidade não há oferta de emprego, desta forma os que optam por trabalhar
em outras áreas, principalmente os jovens, se mudam para as cidades vizinhas.
Segundo relato dos moradores, quando os quilombolas optam por trabalhar em outras
cidades, dificilmente voltam a morar no quilombo, principalmente pelas dificuldades
enfrentadas nas terras quilombolas. Nas cidades que escolhem viver, eles casam, constroem
novas famílias e voltam ao quilombo apenas para passeio e para visitar os parentes que ainda
vivem na comunidade. Os motivos de não retornarem definitivamente ao quilombo é a
dificuldade de acesso aos serviços públicos, as moradias precárias e a falta de oportunidades,
que afasta principalmente os jovens das terras quilombolas.
53
Apesar dos inúmeros conflitos, esta comunidade tem grandes potencialidades
históricas e culturais, que são mantidas pelos moradores para que permaneça viva a identidade
e memória de seus antepassados. Esta cultura se manifesta na comunidade por meio de
danças, cantos, artesanatos, festas e também pela memória dos moradores mais antigos, que
presenciaram grande parte das lutas. Ainda em meio a estas lutas e conflitos, os quilombolas
procuram manter viva a identidade e a cultura, o que os torna um povo singular quando se
trata de tradição, cultura e resistência às adversidades.
3.2 A água no contexto da Escola Estadual Tereza Conceição Arruda
A Escola Estadual Tereza Conceição Arruda (Figura 7), inaugurada em junho de 2012,
é fruto das lutas da comunidade por condições melhores para os estudantes. A escola tem este
nome para homenagear uma das lideranças femininas mais fortes na comunidade, Dona
Tereza, que sempre esteve à frente das lutas e reivindicações da comunidade, como relatamos
anteriormente. Conforme relatos dos quilombolas, a antiga escola que atendia à comunidade
tinha o nome de São Benedito e apresentava condições e estruturas precárias para atender aos
estudantes, o que influenciava diretamente na qualidade de ensino-aprendizagem.
Figura7: Escola Estadual Professora Tereza Conceição Arruda.
Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla Amorim, 2016.
A nova escola foi construída com recursos federais e estaduais e apresenta estruturas
modernas se comparada com a antiga escola da comunidade. Possui sala de informática,
refeitório, ginásio coberto para práticas esportivas, banheiros e salas de aula suficientes para
atender a comunidade. O ensino oferecido pela escola abrange desde a educação infantil,
fundamental, médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
54
Segundos relatos, atualmente o principal problema enfrentado pela escola é a
dificuldade de acesso à água, já que o poço que abastece a escola (Figura 8) se encontra
interditado por que desbarrancou, impossibilitando seu uso. Com a inviabilidade de usar o
poço da escola, esta é abastecida pelo poço da comunidade (Figura 9), fato que é alvo de
muitos conflitos.
De acordo com relatos, o conserto do poço já foi solicitado inúmeras vezes para a
Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), porém, como até hoje não foram atendidos a
escola utiliza a água do poço da comunidade em todas as atividades que demandam água na
escola, inclusive para beber. De acordo com a presidente da Associação de Moradores de
Mata Cavalo de Baixo, os cerca de 300 alunos matriculados na escola da comunidade e cerca
de 150 famílias dependem exclusivamente da água do poço comunitário. Não há estudos ou
dados sobre a capacidade de oferta de água do poço comunitário, assim como não existe
controle da retirada de água pelos usuários, desta forma, não há perspectivas concretas e
futuras em relação à disponibilidade de água do poço.
Considerando que esta pesquisa envolve a comunidade escolar de Mata Cavalo é
interessante ressaltar o poder que a atual escola da comunidade tem na manutenção da
identidade quilombola. Entendemos por comunidade escolar os estudantes, professores,
funcionários da escola, pais e moradores da comunidade que frequentam a escola. A Escola
Figura 8: Poço que abastecia a
Escola Estadual Prof.ª Tereza
Conceição Arruda. Fonte: Arquivo pessoal da autora
Priscilla Amorim, 2016.
Figura 9: Poço que abastece a Escola e a
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo.
Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla
Amorim, 2016.
55
Estadual Professora Tereza Conceição de Arruda é um espaço não apenas educacional, mas
um local onde a comunidade se reúne para manter viva a cultura e tomada de decisões
pertinentes ao convívio e futuro desta comunidade.
Como afirma Senra (2009), as escolas são os centros das comunidades e é o local
privilegiado para a tomada de decisões a respeito da associação dos moradores, das festas, dos
encontros, das celebrações representando assim um instrumento de luta para a causa
quilombola. Em Mata Cavalo a escola e a comunidade tem grande ligação, e uma acaba
exercendo, mesmo que indiretamente, influências sobre a outra. A escola é o centro de poder,
de tomada de decisões e de interação entre a comunidade, tanto que a presença da
comunidade na escola é frequente, o que reforça ainda mais esta ligação.
Assim, a comunidade, de um modo geral pode possibilitar inúmeras
compreensões e aprendizagens de forma muito mais significativa do processo educativo, constituindo a interface curricular que tanto é
reivindicada pelos discursos pedagógicos (SENRA, 2009, p. 99).
Desta forma a educação interfere diretamente no ambiente em que está inserida, e a
comunidade faz a escola de acordo com suas necessidades. Reforçando esta ideia, é
interessante que:
Para além de um ensinar apenas como repasse e transmissão da cultura local,
estes fenômenos dentro da comunidade devem ser percebidos na relação dialógica do processo de ensino-aprendizado coletivo e sua afirmação
encarada também como um ato de resistência (SENRA, 2009, p. 98).
As transformações ocorridas no ambiente escolar influenciam diretamente no
conteúdo que os estudantes aprendem em sala de aula, principalmente quando se trata de
educação ambiental. Desta forma, é importante que a escola faça com que os estudantes
vejam, por meio da realidade na qual estão inseridos, mais sentido no que aprendem na sala
de aula.
3.3 Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e as pesquisas
realizadas no quilombo Mata Cavalo
O Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) foi criado no ano de 1997 por Michèle Sato.
Desde a sua origem, o GPEA tem atuado principalmente em parceria com a sociedade civil, as
comunidades tradicionais e os grupos sociais vulneráveis. De acordo com Sato (2013), este
56
grupo pesquisador foi instituído com vistas a fortalecer não somente o campo teórico
(episteme) da educação ambiental, mas também as vivências, intervenções e metodologia
(práxis), além de colaborar com os valores éticos (axioma) e participativos da construção de
políticas públicas. Faço parte deste grupo pesquisador desde o meu ingresso no mestrado
(2015) e desde então temos como base de nossa orientação a investigação, sendo necessário
reconhecer a importância da educação inicial e contínua.
Um dos principais valores do GPEA é que este não é um grupo de pesquisas, e sim um
grupo pesquisador. Essa diretriz reflete diretamente a forma como as pesquisas são realizadas:
em grupo de pesquisa, o pesquisador realiza a maior parte dos processos da pesquisa de forma
individual; em um grupo pesquisador grande parte das etapas que envolvem a pesquisa são
realizadas em coletivo, fato que agrega diversos valores e olhares sob o tema pesquisado.
Assumindo a diferença entre um “grupo de pesquisa” e um “grupo pesquisador”, o GPEA busca transcender o isolamento do pesquisador,
valorizando diálogos entre as diferentes estrelas que podem se esconder
entre as poeiras e nebulosas, mas também reluzem a céu aberto nos desejos da transparência da ciência. Embasada na Pedagogia de Paulo Freire, o
diálogo de saberes perpassa a relação pedagógica e é pressuposto epistemo-
praxiológico para o processo de investigação científica (SATO e SENRA,
2009, p. 140).
O GPEA tem como principal área de atuação o estado de Mato Grosso. Dispomos de
um olhar especial junto às populações socialmente vulneráveis, atuando com ética e
respeitando a natureza e as diversidades. Buscamos compreender e fortalecer as lutas daqueles
que assim como nós acreditam em um mundo justo e melhor para todos, no qual as injustiças
sociais sejam mínimas.
Somos os estudiosos que se aventuram nos territórios mato-grossenses
tentando interpretar o mosaico humano em contato com o ambiente. Construímos sonhos para “um outro mundo possível” por meio de políticas
públicas, aliando conceitos, teorias e campos epistemológicos; tateando na
prática, criando métodos, errando e construindo atos praxiológicos; mas que no fundo, buscam alicerçar a pesquisa no substrato axiomático de valores, fé,
ideologia e ética de quem não se cansa em tentar combater as injustiças
sociais, reconhecendo que elas estão intrinsecamente conectadas ao mundo biofísico, que lamentavelmente para muitos, virou mero mercado sob a égide
da denominação de “recursos naturais” (SATO, 2013).
O GPEA prima, além dos valores científicos necessários às pesquisas acadêmicas,
também os valores humanos. De acordo com Sato e Senra (2009, p. 140), o GPEA visa à
formação de um grupo pesquisador que não privilegie somente a racionalidade, mas que
acolha os sentimentos, a subjetividade e a afetividade na construção e produção do saber. A
57
compreensão e consideração destes valores agregam um valor especial à pesquisa, não
desconsiderando os saberes científicos, mas enriquecendo-os com os saberes e sentimentos de
quem sente na pele o que propõe pesquisar.
Percebemos a consideração do GPEA pela diversidade quando compreendemos que a
formação inicial dos pesquisadores que compõe o grupo é oriunda de diversas áreas do
conhecimento, o que torna os diálogos abrangentes e enriquecedores. Estes diálogos
acontecem nos caminhos percorridos durante as pesquisas e também nos colóquios realizados
pelo grupo, em que são dialogados as pesquisa em andamento e diversos temas que sejam
pertinentes à construção das pesquisas e à formação dos pesquisadores.
A militância é outro fator que enriquece o nosso grupo. Esta, juntamente com o saber
acadêmico, complementa nossa formação e nos fortalece para as lutas conjuntas com as
populações socialmente vulneráveis. De acordo com Sato e Senra (2009, p. 142), a aliança
entre o saber científico e a militância é um exercício cidadão na pedagogia participativa do
GPEA, onde a sabedoria e as táticas de luta resultam em um controle social necessário para
combater as injustiças.
A educação ambiental proposta pelo GPEA foge dos moldes tradicionais da educação
ambiental que propõe somente a conservação e a resolução momentânea dos problemas já
enfrentados pela natureza. A educação ambiental proposta e defendida pelo GPEA procura
contrapor o modelo de expropriação da natureza e dos sujeitos socialmente vulneráveis que
são invisibilizados e marginalizados em prol de um modelo econômico que não mede
consequências para obter lucro, mesmo que isto implique na destruição da natureza. Desta
forma, acreditamos que a educação ambiental pode ser uma contribuição para a transformação
do mundo em que vivemos.
A pesquisa em educação ambiental assumida pelo GPEA quer combater as secas geradas pelas queimadas e desmates que dão consequências às cercas
que segregam mundos tão desiguais. No poder econômico de ruralistas e
grandes produtores da monocultura, a ecologia de resistência quer bradar contra a fome e desigualdade social geradas pelo acúmulo do capital da
minoria (SATO e SENRA, 2009, p. 143).
A educação ambiental comprometida com as mudanças necessárias para a
transformação de nossa realidade e a coletividade é uma das principais características deste
grupo que tem no diálogo coletivo um dos elementos essenciais da pesquisa. Justamente por
esta coletividade afetuosa nos caminhos percorridos durante a pesquisa é que escolhemos a
comunidade quilombola Mata Cavalo como o local para realizá-la.
58
Nos caminhos da pesquisa coletiva a comunidade quilombola de Mata Cavalo é
estudada pelo GPEA desde o ano de 2006. Algumas dissertações de mestrado, cadernos
pedagógicos, teses de doutorado e projetos12
tiveram e ainda tem a comunidade como campo
de pesquisa.
A parceria entre o GPEA e a comunidade quilombola Mata Cavalo resultou na
realização de alguns projetos nesta comunidade, como:
Territorialidade e temporalidade na comunidade quilombola Mata Cavalo – foi
desenvolvido no período de 2008 a 2011 e financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT). Tinha por objetivo diagnosticar os conflitos
ambientais e seus efeitos sobre a comunidade. Foram construídos indicadores que
revelaram o conceito de sustentabilidade para propor a educação ambiental que
aliasse natureza e cultura do quilombo.
Identidades partilhadas em territórios de comunidades africanas e
brasileiras (Pró-África) – foi executado no quilombo no período de 2010 a 2012,
financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e teve como objetivo realizar uma pesquisa etnográfica e artística, na
perspectiva de recuperação identitária de gênero e ambiente; compreender os saberes
e as formas de resistências do colorido identitário da culinária de dois grupos de
mulheres negras, do Brasil (Quilombo Mata Cavalo) e da África (Cabo Verde);
iniciar um prognóstico dos principais impactos ambientais e sociais, realizando um
prognóstico entre as duas localidades para interpretação de quais são as identidades
construídas nos territórios.
Identidades e territórios: caminhos para uma cartografia socioambiental – foi
realizado no quilombo no período de 2010 a 2012 e financiado pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com o objetivo de
construir a cartografia socioambiental de duas comunidades mato-grossenses: Mata
Cavalo e São Pedro de Joselândia, além de uma comunidade africana “Cidade
Velha”, situada no país de Cabo Verde. A arte-educação-ambiental foram guias no
desenho destas cartografias, no sentido desvelador das mundividências das
comunidades.
Educação Popular pelos trabalhos ambientais e Mapas Sociais – este projeto foi
realizado no ano de 2012 e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
12 Todas as teses, dissertações, cadernos pedagógicos e projetos aqui mencionados podem ser consultados no
blog do GPEA, por meio do endereço: http://gpeaufmt.blogspot.com.br/
59
Científico e Tecnológico (CNPq) com o objetivo de construir um amplo mapeamento
social (serviços ecossistêmicos; conflitos socioambientais; táticas de sobrevivência;
trabalho e ambiente; cultura popular e arte e seres imaginário) sendo três
comunidades para intervenção mais direta, sendo representativas da Amazônia (Povo
Indígena Panará), Cerrado (Quilombo Mata Cavalo) e Pantanal (São Pedro de
Joselândia).
Escolas sustentáveis no quilombo Mata Cavalo – este projeto foi realizado no
quilombo no período de 2015 a 2016, sendo que está presente na metodologia e
resultados desta pesquisa. Foi financiado pela ONG WWF e teve o objetivo de
compreender as percepções acerca das mudanças climáticas, fomentando a dimensão
política da justiça climática; promover um curso de formação à comunidade escolar
(professores, estudantes e moradores), com conceitos relacionados à educação
ambiental, pegada ecológica, justiça climática, justiça ambiental, água, mulheres,
mitologia, conflitos socioambientais e grupos sociais vulneráveis; estimular a
construção de Projetos Ambientais Escolares Comunitários (PAEC), que possua um
currículo ambientalizado à criação de técnicas sustentáveis, bem como processos de
bioarquitetura, aproveitamento da água da chuva e demais temas relacionados às
políticas das escolas sustentáveis.
Também foram publicados alguns artigos em revistas que são resultados das pesquisas
e projetos realizados em Mata Cavalo, seguem alguns deles:
O teatro como forma de atuação da educação ambiental para a emancipação
política no quilombo de Mata Cavalo foi publicado no ano de 2011, na revista
impressa Olhar de Professor (UEPG), por Rosana Manfrinate, Ivan Belém e
Michèle Sato. Este artigo buscou demonstrar a luta política do quilombo de Mata
Cavalo na reinvenção do Teatro do Oprimido.
Injustiças ambientais no quilombo Mata Cavalo foi publicado em 2009 na
versão online da Revista Brasileira de Educação Ambiental, por Michelle Jaber,
Regina Silva e Michèle Sato. Esta pesquisa teve o objetivo de compreender as
injustiças ambientais vivenciadas pelos quilombolas.
Racismo ambiental na comunidade quilombola de Mata Cavalo foi publicado
no ano de 2009, na revista impressa Acervo (RJ), por Ronaldo Senra, Samuel
Borges, Herman Oliveira e Michèle Sato. O texto mostra as diversas formas de
racismo ambiental vividas cotidianamente pelos quilombolas de Mata Cavalo.
60
Como resultado das pesquisas realizadas pelo GPEA em Mata Cavalo foram feitos
alguns cadernos pedagógicos que tiveram o quilombo de Mata Cavalo como local de
pesquisa:
Foi elaborado por Michelle Jaber e Michèle Sato no ano de 2012, o caderno
pedagógico intitulado “Mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato
Grosso: escala de resistência e ritmos de esperanças”. Este caderno pedagógico é
parte do projeto de pesquisa “Mapeamento social das identidades e territórios de
Mato Grosso”, que foi desenvolvido pelo GPEA e teve por objetivo revelar as
diversas identidades e mapear seus processos de conflitos socioambientais. Entre
estas identidades está a comunidade quilombola Mata Cavalo.
O caderno pedagógico intitulado “Mapa social: mapeando os grupos sociais do
estado de Mato Grosso, Brasil” foi elaborado por Regina Silva e Michèle Sato no
ano de 2012. Este caderno pedagógico é parte da tese de doutorado que tem como
título: “Do invisível ao visível: o mapeamento dos grupos sociais do estado de
Mato Grosso – Brasil”, cuja finalidade foi identificar e registrar os grupos sociais
do estado de Mato Grosso com suas identidades e territórios, assim como seus
processos de conflito e injustiças ambientais. A base do mapeamento foram os
grupos sociais que lutam contra as injustiças sociais de seus territórios. Entre estes
grupos está a comunidade quilombola Mata Cavalo.
Elaborado no ano de 2010 por Michèle Sato, Imara Quadros, Maria Liete Alves,
Michelle Jaber e Regina Silva, o caderno pedagógico intitulado Comunidade
Quilombola de Mata Cavalo é parte do projeto de pesquisa Mapeamento Social
das Identidades e Territórios de Mato Grosso. Teve o objetivo de construir um
prognóstico das identidades e territórios onde os integrantes das comunidades se
reconheçam como protagonistas.
Os dez anos de parceria entre o GPEA e a comunidade quilombola Mata Cavalo
resultou na elaboração de projetos de pesquisa que tiveram o quilombo como local de estudos.
Nestas pesquisas foram considerados diversos aspectos de lutas, conflitos, saberes, culturas e
relação com a natureza.
Roberta Simione desenvolveu sua dissertação de mestrado no quilombo Mata
Cavalo no ano de 2008. Sua pesquisa teve como tema “Território de Mata
Cavalo: identidades em movimento na educação ambiental”. O objetivo de sua
61
pesquisa foi investigar as identidades territoriais quilombola e sua relação com a
educação ambiental.
Ronaldo Senra elaborou, no ano de 2009, a pesquisa de mestrado intitulada “Uma
contrapedagogia libertadora no ambiente do quilombo de Mata Cavalo”
investigando a educação da comunidade pelo viés da justiça ambiental e da
contrapedagogia ambiental.
A dissertação de mestrado de Thays Machado, elaborada no ano de 2010, teve
como local de pesquisa a comunidade quilombola Mata Cavalo. Sua pesquisa teve
como tema “Direitos humanos e educação ambiental”. O objetivo de sua
dissertação foi investigar os direitos humanos e o racismo ambiental pelo viés da
educação ambiental na comunidade quilombola de Mata Cavalo.
Rosana Manfrinate elaborou sua pesquisa de mestrado na comunidade quilombola
Mata Cavalo no ano de 2011. Sua dissertação teve como tema “Histórias
femininas: poder, resistência e educação no Quilombo de Mata Cavalo”. O
objetivo de sua pesquisa foi refletir sobre as relações de gênero e educação
ambiental no quilombo, tendo como base a história de vida de Dona Tereza
Conceição Arruda.
Ronaldo Santana realizou sua pesquisa de mestrado na comunidade quilombola
Mata Cavalo no ano de 2011. Sua dissertação de mestrado teve como tema
“Serpentes e educação ambiental: mediatizando saberes no quilombo de Mata
Cavalo”. A pesquisa teve como objetivo compreender os mitos sobre as serpentes e
sua relação com a educação ambiental e os saberes comunitários dos quilombolas
de Mata Cavalo.
A dissertação de mestrado de Elizete Gonçalves, elaborada no ano de 2015, teve
como local de estudos a comunidade quilombola Mata Cavalo. Sua dissertação de
mestrado teve como tema “Labirinto de gênero e ambiente: diálogos com alguns
jovens quilombolas da comunidade de Mata Cavalo”. A pesquisa objetivou
compreender a percepção de gênero e ambiente dos jovens estudantes quilombolas.
Regina Silva realizou parte de sua pesquisa de doutorado na comunidade
quilombola de Mata Cavalo no ano de 2011. Este trabalho teve como tema “Do
invisível ao visível: o mapeamento dos grupos sociais do estado de Mato
Grosso – Brasil”. A tese de doutorado objetivou pesquisar e mapear os grupos
sociais do estado de Mato Grosso por meio da metodologia inovadora denominada
Mapa Social. Em Mata Cavalo, por meio de oficinas realizadas na comunidade, foi
62
possível compreender os conceitos de território e identidade construídos pelos
quilombolas.
A tese de doutorado de Michelle Jaber Silva, defendida em 2012, teve como parte
da área de estudos da pesquisa a comunidade quilombola Mata Cavalo. A tese teve
como tema: “O mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato Grosso:
denunciando injustiças ambientais e anunciando táticas de resistência”. E a
pesquisa de doutorado objetivou mapear os conflitos socioambientais existentes no
estado de Mato Grosso. No quilombo, esta pesquisa evidenciou as lutas dos
quilombolas diante dos conflitos socioambientais presentes em seu território.
Atualmente o quilombo Mata Cavalo é o local de pesquisas de dissertações e teses
produzidas pelo GPEA. Assim como as anteriores realizadas por outros pesquisadores do
GPEA, também procuram investigar a comunidade em seus diversos aspectos.
A tese de doutorado que está sendo elaborada por Giseli Dalla Nora tem como parte
de sua área de pesquisas a comunidade quilombola Mata Cavalo. Objetiva
ressignificar a educação ambiental alicerçada na justiça climática, considerando três
territórios: Pantanal e Cerrado (Brasil) e Atlântico Norte (Espanha), com especial
consideração à construção de políticas públicas que fortaleçam os grupos
vulneráveis mais atingidos pela escassez e acesso a água, tendo o quilombo de Mata
Cavalo incluído nestes grupos sociais vulneráveis.
A pesquisa que está sendo desenvolvida por Rosana Manfrinate em sua tese de
doutorado inclui o quilombo Mata Cavalo como parte de sua área de estudos, sendo
complementada pelo Pantanal e Cerrado (Brasil) e Atlântico Norte (Espanha). Sua
pesquisa busca compreender a capacidade das mulheres desses locais em gerir a
crise causada pelas injustiças climáticas, em especifico em relação à água, e quais
os saberes e processos do cotidiano feminino podem servir de resistência as
consequências nas comunidades ás mudanças climáticas.
Transmídia é a tese de doutorado em desenvolvimento por Thiago Cury Luiz,
professor da Comunicação da UFMT que participa de um projeto sobre o assunto,
envolvendo 10 escolas-piloto. Sua pesquisa tem como título "Comunicação e meio
ambiente: narrativa transmídia como elemento pedagógico na Educação
Ambiental". Consiste em aplicar a narrativa transmídia, que é um modelo de
comunicação cuja história transita por diferentes plataformas midiáticas, como
elemento didático-pedagógico em Educação Ambiental. Pretende-se produzir uma
63
reportagem sobre justiça climática e, a partir das lacunas deixadas por ela, propor
aos estudantes em Mata Cavalo que registrem vídeos, fotos e áudios sobre a
realidade ambiental da comunidade.
A dissertação de mestrado que está sendo elaborada por Déborah Moreira tem
como local de pesquisa a comunidade quilombola Mata Cavalo. O foco são
injustiças ambientais vivenciadas pelos quilombolas. Esta pesquisa tem o objetivo
de compreender a identidade quilombola, os conflitos, as injustiças e as táticas de
resistência adotada por este grupo social vulnerável.
A pesquisa de mestrado de Amanda Areval que está sendo desenvolvida no
quilombo Mata Cavalo, pretende realizar um registro do território de aprendizagem
no quilombo, refletindo a Educação Ambiental e o currículo da escola do quilombo.
Esta pesquisa propõe ainda a construção de um currículo que proporcione espaços
de diálogos e que tenha conexão com a Casa da Cultura Quilombola, o ambiente
escolar e a comunidade.
A dissertação de mestrado que está sendo elaborada por Cristiane Soares no
quilombo de Mata Cavalo tem o objetivo de compreender os limites e as
possibilidades da construção coletiva de uma proposta de Educomunicação para a
Casa da Cultura Quilombola. Esta pesquisa propõe elaborar produtos
educomunicativos que serão apresentados à comunidade, registrando a história, a
cultura, os costumes, os conflitos e os sonhos construídos coletivamente pelos
participantes da pesquisa.
As teses e dissertações citadas permitiram que nossa pesquisa tivesse vários olhares e
percepções sobre a comunidade quilombola de Mata Cavalo. De acordo com Sato e Senra
(2009), dentro da proposta de uma educação ambiental significativa, “a astrofísica do GPEA
ilumina o foco em conhecimentos biorregionais, pois estes nos auxiliam na compreensão das
vivências empíricas das pesquisas realizadas em comunidades”.
As pesquisas realizadas no quilombo contribuíram significativamente para a
construção deste estudo, pois os temas estudados por outros pesquisadores do GPEA no
quilombo Mata Cavalo, nos permitiu desfrutar de valiosos conhecimentos sobre esta
comunidade por meio de outros olhares. Nesta pesquisa, o papel do grupo pesquisador
ocorreu por meio de conversas com outros pesquisadores sobre as vivências na comunidade;
pelos trabalhos de campo realizados no quilombo, sempre em companhia de outros gpeanos;
pelos colóquios que nos permitem dialogar sobre o desenvolvimento de nossas pesquisas e
64
também pela parceria em outras diversas atividades desenvolvidas pelo grupo, que vão além
das produções acadêmicas e perpassam pela militância, pelo olhar e cuidar do outro, e,
principalmente, pela busca e construção de um mundo melhor.
A escolha por desenvolver esta dissertação de mestrado nesta comunidade se justifica
também pelo fato do grupo pesquisador ter uma longa relação com esta comunidade, que foi
construída por meio de estudos que evidenciaram a história, a cultura, os saberes, as lutas e os
conflitos existentes nesta comunidade. Como afirmam Sato e Senra (2009, p. 145), as
pesquisas realizadas pelo GPEA não se preocupam somente com o que aprender, mas inclui o
como ensinar, quando dialogar ou com quem educar. Nossas pesquisas indagam também
contra quem podemos usar a força da educação para que a pesquisa construa táticas de
resistência, especialmente porque sabemos que este planeta é formado por territórios
construídos com múltiplas identidades.
65
CAPÍTULO IV: O deslizar das águas...
O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
Manoel de Barros
66
4.1 Caminhos Metodológicos
O aporte metodológico que fundamentou esta pesquisa foi a Cartografia do
Imaginário. Esta pertence ao método qualitativo, sendo uma pesquisa subjetiva que busca
compreender os olhares dos sujeitos pesquisados sobre determinado tema. Neste caso
buscamos compreender a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água na
comunidade, considerando ainda as mudanças ambientais e climáticas e a influência destes
fenômenos na quantidade e qualidade de água no quilombo.
De acordo com Zanten (2004) a pesquisa qualitativa surgiu no final do século XIX e
início do século XX. A princípio este método foi desenvolvido para trabalhar com grupos sem
cultura escrita, com sociedades excluídas do mundo desenvolvido ou com grupos
marginalizados na sociedade. A pesquisa qualitativa busca entender globalmente as categorias
que mobilizam os atores para compreender a realidade e atuar sobre ela.
A pesquisa qualitativa procura compreender a pesquisa em todos os seus aspectos,
considerando ainda sua historicidade. Conforme Gamboa (2003), este tipo de pesquisa prima
pela compreensão dos fenômenos nas suas especificidades históricas e pela interpretação
intersubjetiva dos eventos e acontecimentos. Deve-se considerar ainda a relação
sujeito/objeto, e como esta se estabelece, por meio da interpretação e compreensão subjetiva
dos fenômenos sociais.
Na pesquisa qualitativa há uma intensa proximidade entre o pesquisador e os seus
pesquisados, de modo que é comum o pesquisador considerar seus valores e suas experiências
pessoais ao interpretar os dados coletados, além de sua intuição e criação serem primordiais
durante a interpretação. De acordo com Martins:
Se há uma característica que constitui a marca dos métodos qualitativos ela é
a flexibilidade, principalmente quanto às técnicas de coleta de dados, incorporando aquelas mais adequadas à observação que está sendo feita. [...]
Outra característica importante da metodologia qualitativa consiste na
heterodoxia no momento da análise dos dados. A variedade de material
obtido qualitativamente exige do pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do desenvolvimento de uma capacidade
criadora e intuitiva. [...] A metodologia qualitativa, mais do que qualquer
outra, levanta questões éticas, principalmente, devido à proximidade entre pesquisador e pesquisados (MARTINS, 2004, p. 295).
A relação estabelecida entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa deve acontecer de
forma natural e agradável para que contribua na obtenção dos resultados desejados, onde os
saberes empíricos são essenciais para compreender a situação pesquisada. Como afirma
67
Godoy (1995, p. 62), os estudos denominados qualitativos têm como preocupação
fundamental o estudo e a análise do mundo empírico em seu ambiente natural. Nessa
abordagem valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a
situação que está sendo pesquisada.
O método qualitativo nos permite interpretar a pesquisa nos vários sentidos possíveis,
não limitando o pesquisador a uma única interpretação, como acontece na pesquisa
quantitativa. É necessário ainda considerar os gestos e comportamentos subjetivos dos
pesquisados, assim como o contexto social e cultural em que o indivíduo está inserido. Como
afirma Gamboa (2003, p. 399), na busca dos sentidos da pesquisa, é necessária a recuperação
dos contextos sociais e culturais onde as palavras, os gestos, os símbolos, as figuras, as
diversas expressões e manifestações humanas têm um específico significado.
Desta forma o método de pesquisa qualitativa nos permite não considerar apenas o
momento da realização da pesquisa, mas também o contexto histórico do quilombo, a relação
estabelecida entre os quilombolas e a natureza, as suas formas de organização social e
manifestação cultural que resultaram na forma como vivem atualmente no quilombo, assim
como a influência do passado e do presente na construção do que a nossa pesquisa busca
compreender mediante a compreensão de palavras e expressões dos pesquisados.
A abordagem realizada por meio da Cartografia do Imaginário apresenta os mesmos
princípios da pesquisa qualitativa, em que os caminhos percorridos são tão importantes
quanto os resultados pretendidos. De acordo com Godoy (1995, p. 63), os pesquisadores
qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente com os resultados ou
produto, fato que torna todos os processos da pesquisa importantes.
Na pesquisa qualitativa os objetivos são alcançados por meio da percepção dos
sujeitos da pesquisa, são estes olhares que direcionam os próximos passos dos estudos
realizados. As informações em uma pesquisa qualitativa são obtidas por meio de entrevistas,
estas podem desconstruir as hipóteses idealizadas no início, podem reforçá-las ou ainda criar
novas hipóteses não previstas nos passos iniciais da pesquisa. Nesse sentido,
A pesquisa qualitativa parte de questões ou focos de interesses amplos, que
vão se definindo a medida que o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção
de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando
compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos
participantes da situação em estudo (GODOY, 1995, p. 58).
Como poderemos observar nos resultados apresentados por esta dissertação, os
objetivos pretendidos e as hipóteses idealizadas foram confirmadas, porém, por meio das
68
entrevistas surgiram novos olhares e fatos não previstos no início deste trabalho, que
contribuíram para reforçar os objetivos iniciais e oportunizaram o surgimento de novas
hipóteses, sendo que estas situações são comuns em pesquisas de caráter qualitativa.
Desta forma, o resultado final tornou-se mais um elemento da pesquisa, em que o
caminho percorrido, as experiências vividas e os aprendizados adquiridos nos fazem entender
os verdadeiros sentidos que nos motivam no decorrer da pesquisa, de modo que o caminhar é
tão importante quanto o onde se quer chegar.
Assim, conforme mencionado anteriormente, temos como aporte metodológico desta
dissertação a Cartografia do Imaginário. Esta que proporciona muitas formas de interpretar as
descobertas surgidas durante o estudo e valoriza todos os ângulos da pesquisa. Elaborada por
Michèle Sato (2011), a Cartografia do Imaginário propõe que a pesquisa pode revelar o que
somos no espaço real (existência), mas também o que queremos ser no espaço ilusório (devir).
Esta metodologia não prende o(a) pesquisador(a) em apenas um caminho, uma única
possibilidade, deixa-o livre para percorrer os caminhos que julgar necessário para alcançar os
resultados desejados, assim sendo:
[...] na cartografia do imaginário, entretanto, o que talvez importe não seja o destino final, mas a rota e a viagem realizada nos percalços de uma longa
viagem. Usando a imaginação e permitindo que a intuição também seja
parceira na pesquisa, talvez possamos realizar uma viagem que conta com vários meios de transportes (SATO, 2011, p.4).
Ao percorrer os caminhos da pesquisa, o pesquisador tem que saber quais são os
primeiros passos que deve dar, mas não deve se apegar apenas aos resultados finais que serão
obtidos, mas às experiências e sensações adquiridas ao longo do caminho que percorreu. Deve
também estar ciente de que o caminho traçado pode não ser rigorosamente seguido, pois este
é incerto, mas deve ser proveitoso.
Michèle Sato tem como base da Cartografia do Imaginário o filósofo e poeta francês
Gaston Bachelard. Para dar suporte a esta metodologia a autora recorreu aos quatro elementos
bachelardianos (ar, fogo, terra e água), que podem ser considerados como substratos
fenomenológicos da investigação.
Assim sendo, delineamos o trajeto da pesquisa que de acordo com Sato (2011). A
formação (água) é a nossa constituição original composta por todas as experiências e
aprendizados adquiridos ao longo da vida; a deformação (terra) é o rompimento dos
obstáculos epistemológicos e o momento de “reaprender a aprender”; a transformação (fogo)
é o momento em que o pesquisador passa pelas mudanças desejadas e o auge do engajamento
69
e envolvimento com a pesquisa e a reformação (ar) é o tempo de repouso para o início de um
novo ciclo e a consideração da viagem e do encantamento com a pesquisa.
Ainda de acordo com Sato (2011), “não há receitas para se fazer pesquisa, do
contrário, não seria pesquisa, pois pesquisar é descobrir, olhar diferente, registrar, anotar,
observar, extrapolar, propor e sonhar”. Considerando as palavras da autora, percebemos que
não há uma receita pronta para a realização de uma pesquisa, esta é construída e aprimorada
ao longo de sua prática. Desse modo, aprendemos a fazer pesquisa percorrendo os caminhos
desta.
Aliando os princípios do GPEA e da Cartografia do Imaginário, percebemos que os
procedimentos de uma pesquisa são também essenciais para a transformação do mundo
injusto em que vivemos. Muitas vezes os limites impostos pela falta de informações ou
conhecimentos ditos “cultos” são determinantes para a liberdade ou prisão de um povo, não
desvalorizando os conhecimentos empíricos, pois este é uma das grandes riquezas que nossos
pesquisados podem nos ensinar.
Na pesquisa do GPEA, a esperança se alia à arte, à educação, aos processos
comunicativos, à identidade, aos conflitos [...] Tudo isso parece estar transversalizado na luta por um mundo mais justo, de uma sociedade global
livre da miséria, com farta ecologia que dê sustentação à beleza de amar
(SATO, 2013, p. 20).
A Cartografia do Imaginário mostra que o aprendizado é um ciclo contínuo presente
em todas as fases da pesquisa que nos propomos a realizar. No decorrer de nossa pesquisa os
aprendizados foram construídos desde as primeiras leituras e contato com a comunidade
quilombola Mata Cavalo. Estes aprendizados não devem subestimar o imaginário construído
pelo ser e a redefinição do viver e do saber, que assim como o aprendizado são constantes nos
caminhos da pesquisa.
Com base na Cartografia do Imaginário devemos valorizar as percepções e imaginário
dos quilombolas. Estas percepções e imaginações são resultados dos momentos vivenciados
durante sua existência em meio às lutas, conflitos e prazeres no quilombo. As percepções e
imaginários construídos são frutos do que vivenciaram, resultando na identidade que possuem
e jamais devem ser desconsideradas. Sato explica que:
Realizamos nossos itinerários de pesquisa, em cartografias que penetram a
terra, afundam em águas e sentem o calor ou o frio de uma estação.
Inauguramos um caminho e retornamos por trilhas diferenciadas, já que há uma renovação constante das informações, intervenções ou descobertas
realizadas. No contexto de um grupo pesquisador, a cartografia jamais se
divorcia da história (SATO, 2013, p. 24).
70
Para nos mostrar que além de respeitar a história construída por nossos sujeitos de
pesquisa e sua coletividade, Sato (2011) usa a metáfora sobre “o direito de janela e o dever de
árvore”, que foi construída com base nas ideias do arquiteto e ecologista austríaco
Friedensreich Hundertwasser. Esta metáfora nos mostra que temos o direito de enfeitar coisas
íntimas, como o olho de nossa janela, mas respeitar o espaço coletivo, reconhecendo a árvore
como oikos de todos.
A janela nos permite olhar as árvores que nos cercam por meio de nossa
individualidade, e o mundo exterior que percebemos é refletido de volta para a natureza por
meio dos nossos sonhos. A experiência de olhar o mundo por nossas janelas nos permite a
liberdade de compreender o que vemos de acordo com os nossos conhecimentos e identidade,
sem interferências na coletividade observada.
Uma janela traz o mundo externo para o nosso interior, e dialeticamente, ela
nos projeta ao exterior cintilando nossos sonhos. É o símbolo da apreensão de um mundo em devir que se oculta em seu interior. Enxergamos a floresta
de nossas janelas, distante em seu conjunto de paisagem externa. É o nosso
direito do pensamento poético [eu com o mundo, na ressonância de uma energia centrípeta], fugido nas palavras e ações, mas na intimidade de uma
moldura que vê e sente o mundo (SATO, 2011, p. 6).
Ao relacionar o direito de janela e o dever da árvore com a nossa pesquisa,
compreendemos que estamos observando as árvores pela janela quando estamos realizando
nossos estudos bibliográficos para compreender o que nos propomos a pesquisar. Ao nos
aproximar dos nossos sujeitos de pesquisa, deixamos de observar pela janela e passamos a ter
contato direto com as árvores, o que nos permite buscar e compreender as percepções dos
sujeitos pesquisados.
Considerando esta metáfora, quando entramos em contato direto com as árvores
devemos buscar nossos resultados respeitando a coletividade destas, sem interferir em suas
identidades e cultura. Ao se erguerem do solo para a superfície, estas árvores passaram por
diversos processos que resultaram nas folhas verdes no alto das copas, estas que podem trazer
as marcas dos solos difíceis que tiveram que superar para ter acesso ao ar, a água e fazer parte
das florestas que trilhamos.
71
4.2 Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis
No decorrer desta pesquisa realizou-se na comunidade quilombola de Mata Cavalo,
especialmente na Escola Estadual Tereza Conceição de Arruda, o processo formativo em
educação ambiental e escolas sustentáveis. Este processo formador envolveu toda a
comunidade escolar durante os meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2015,
tendo a duração de 90 horas.
O GPEA, em parceria com o Instituto Caracol e a organização não governamental
World Wide Fund for Nature (WWF)13
, e outras instituições, propôs nesse projeto caminhos
possíveis para a construção de espaços educadores sustentáveis. O processo formativo
possibilitou a aliança entre o ensino, a pesquisa e a extensão para favorecer os grupos sociais
vulneráveis, que muitas vezes são invisibilizados em suas lutas cotidianas.
Por meio deste processo formativo foi apresentado aos quilombolas que a educação
ambiental pode exercer grandes influências na comunidade escolar, desenvolvendo a
sensibilidade ambiental e adaptando ao seu cotidiano. Para fortalecer e fazer com que a
educação ambiental contribua com estas melhorias, é preciso o envolvimento de escola e
comunidade, para que esta se torne uma escola onde a educação ambiental seja contemplada
em toda a comunidade escolar.
A ideia básica de que devemos obter o que precisamos sem comprometer a
sobrevivência das gerações futuras é fundamental para propor uma educação ambiental que
realmente concretize as melhorias necessárias para a conservação e recuperação do ambiente
natural. Sendo que o espaço escolar figura como um local de produção e reprodução de seres
pensantes e ativos no meio que habitam.
A educação ambiental que acreditamos foge aos moldes tradicionais, nos quais os
fenômenos existentes são menosprezados e as relações de poder não são reveladas para a
sociedade, em que a minoria tem poder sobre a maioria e são os responsáveis por muitas das
desigualdades e complicações das mudanças ambientais. Guimarães (2004, p. 25) nos mostra
que a educação ambiental crítica não é uma ressignificação da anterior, e sim uma
contraposição e superação da forma tradicional.
A comunidade escolar de Mata Cavalo pode ter a educação ambiental como um
importante caminho para transformar a realidade em que vivem, com o apoio de uma
formação crítica que lhes proporcione olhar de forma diferente para os problemas
13 Organização Não Governamental (ONG) internacional, que tem como objetivo conservar, investigar e
recuperar o meio ambiente.
72
socioambientais enfrentados por seu povo. Neste processo de transformação é necessário que
educadores, educandos e comunidade possam intervir de forma crítica sobre a realidade que
os cercam. Nesse sentido, Guimarãens explica que:
A Educação Ambiental Crítica objetiva promover ambientes educativos de mobilização desses processos de intervenção sobre a realidade e seus
problemas socioambientais, para que possamos nestes ambientes superar as
armadilhas paradigmáticas e propiciar um processo educativo, em que nesse
exercício, estejamos, educandos e educadores, nos formando e contribuindo, pelo exercício de uma cidadania ativa, na transformação da grave crise
socioambiental que vivenciamos todos (GUIMARÃES 2004, p. 30).
Com base na educação ambiental crítica, a comunidade escolar pode buscar
compreender que a relação de poder existente no quilombo influencia no acesso à água e nos
demais problemas enfrentados no quilombo. Sabemos que nas fazendas existentes no
quilombo não existe falta de água, o fato de a maioria dos quilombolas não terem acesso à
água está claramente ligado às precárias condições sociais em que vivem.
Por meio de formação política os quilombolas podem compreender que são vítimas de
racismo ambiental e que podem criar táticas de resistência e lutas para o enfrentamento desta
e de outras desigualdades que os acompanham historicamente. A educação ambiental
apresentada no processo formativo não pretende resolver os problemas enfrentados
diariamente pelos quilombolas, mas é uma forma de, no mínimo, compreender criticamente a
realidade em que vivem e lutar contra as injustiças socioambientais.
Os princípios e conceitos da educação ambiental foram apresentados aos quilombolas
simultaneamente com a proposta de escolas sustentáveis, esta que é resultado de diversas
construções e reconstruções por meio da parceria entre a Coordenadoria Geral de Educação
Ambiental (CGEA), do Ministério da Educação (MEC), a UFMT, a Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP) e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Estas
instituições, em parceria com a educação à distância e a Universidade Aberta do Brasil
(UAB), lançaram no ano de 2010 o programa escolas sustentáveis em Mato Grosso. Por meio
desta proposta o currículo, a gestão e o espaço físico precisam estar conectados entre si
(Figura 10). Os princípios das escolas sustentáveis, assim como o envolvimento de todos os
integrantes da escola e a comunidade em seu entorno, são imprescindíveis para que desta
maneira a escola sustentável seja concretizada.
73
Figura 10: Sistematização das vivências com escolas sustentáveis.
Fonte: CGEA/MEC, 2012.
De acordo com Sato (2010) o programa escolas sustentáveis propõe que a escola se
organize e convide a comunidade a participar das três dimensões (currículo, gestão e espaço
físico) que são inseparáveis. A autora mostra que o currículo precisa ser fenomenológico, que
deve se concretizar e adaptar em cada contexto histórico, potencializando a existência da
escola. A gestão deve propor as dimensões da sustentabilidade e considerar as práticas
sustentáveis. O espaço deve visar o cuidado e respeito à diversidade do mundo que habitamos.
Com o suporte destes conceitos e princípios, o processo formativo promovido com a
comunidade escolar foi a realização de um projeto que ofereceu formação continuada em
educação ambiental e escolas sustentáveis, debatendo sobre currículo, gestão e espaço físico
na elaboração de Projetos Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC) naquela comunidade
escolar.
No decorrer da formação foram trabalhados os temas: Sustentabilidade Planetária e
Escolas sustentáveis; Mapeamento Social: Grupos Sociais e Conflitos Socioambientais;
Projeto Político Pedagógico e Educação Ambiental; Comissão de Meio Ambiente e Qualidade
CGEA/MEC, 2012.
74
de Vida na Escola (COM-VIDA)14
, experiências de Escolas sustentáveis em MT e Projetos
Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC), como podemos ver na tabela 01:
Tabela 01: Processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis no quilombo
Mata Cavalo
Encontro Data Tema N° de
Participantes
Carga
Horária
1º 27/08/2015
Sustentabilidade
planetária e
escolas
sustentáveis
52 4 h
2º 03/09/2015 Mapeamento
Social 64 4 h
3º 10/09/2015
Educação
Ambiental no
Projeto Político
Pedagógico da
escola
20
4 h Importância do
protagonismo
juvenil para o
fortalecimento
das lutas no
quilombo
25
4º 17/09/2015
Escolas
sustentáveis em
Mato Grosso e
Com-vida
55 4 h
5º 24/09/2015 PAEC 50 4 h
6º 01/10/2015 Elaboração dos
PAEC 45 4 h
7° 08/10/2015
Socialização
das propostas e
escolha do
PAEC
40 4 h
8° 26/10/2015 a
12/11/2015
Construção do
PAEC (Casa da
Cultura
Quilombola)
70 15 dias
A formação foi ofertada aos professores, servidores, estudantes e comunidade. Foram
trabalhados temas ligados à educação ambiental e escolas sustentáveis, para que ao final do
processo formativo fosse implantado um PAEC na escola. O recurso para a implantação do
14 Forma de organização na escola, que tem a ideia de criar conselhos de meio ambiente e círculos de
aprendizagem e cultura nas escolas que debatam e gerenciem ideias e ações voltadas ao meio ambiente.
75
PAEC foi fornecido pela ONG WWF-Brasil, e é destinado à implantação de projetos que
visam a conservação e o uso consciente dos elementos naturais.
No decorrer do primeiro encontro que teve como tema a “Sustentabilidade planetária e
escolas sustentáveis” os quilombolas foram provocados a refletir sobre a relação estabelecida
entre os seres humanos e os elementos naturais, principalmente o consumismo e os impactos
causados na natureza.
O segundo encontro foi conduzido por meio do “Mapeamento Social”, onde foram
apresentado os resultados do Mapeamento Social (SILVA, 2011) e do Mapa dos Conflitos
(JABER-SILVA, 2012), ambos do estado de Mato Grosso. Neste encontro os quilombolas
puderam compreender o contexto e os conflitos existentes em nosso estado que também
fazem parte da realidade do quilombo Mata Cavalo. Neste encontro foi realizado uma oficina
de mapeamento dos conflitos vivenciados no quilombo, onde, por meio de mapas, os próprios
quilombolas identificaram e demarcaram suas realidades, este que será descrito nas próximas
páginas, considerando principalmente os conflitos com a água.
No terceiro encontro os quilombolas foram divididos em dois grupos. Com o primeiro
grupo, formado por professores, funcionários/as da escola e moradores da comunidade, foi
discutida a importância da inserção da “Educação Ambiental no Projeto Político Pedagógico
(PPP) da escola”, considerando o viés político da Educação Ambiental e seu poder para o
fortalecimento das identidades e das lutas das comunidades tradicionais. Com o segundo
grupo, formado por estudantes, discutimos a “Importância do protagonismo juvenil para o
fortalecimento das lutas no quilombo”, destacando a importância da formação política como
instrumento de resistência.
No quarto encontro expomos aos quilombolas as experiências já realizadas com
“Escolas sustentáveis em Mato Grosso”, considerando o processo de formação, construção e
manutenção destas escolas. Foi apresentado à comunidade escolar a “Com-vida”, todos se
mostraram interessados em instituir este projeto na escola, este que é um dos próximos passos
do Gpea em parceria com a comunidade.
Ao longo do quinto, sexto e sétimo encontros foram compartilhados com os
quilombolas “Propostas e projetos de PAEC” que poderiam futuramente fazer parte do
currículo e espaço físico escolar em Mata Cavalo, a escolha e construção deste projeto
ocorreram de forma coletiva, este que é um dos princípios do PAEC.
76
Figura 11: Processo Formativo em Mata Cavalo.
Fonte: Arquivo pessoal da autora Priscilla Amorim, 2016.
Na maioria das escolas a educação ambiental é trabalhada por meio de comemorações
pontuais que estão relacionadas com a natureza. Contrapondo-se a esta proposta o PAEC
busca a participação coletiva, tanto da escola, quanto da comunidade, na construção de
projetos que materializem a educação ambiental e levem à reflexão da importância de cada
um na construção e manutenção desta.
Os projetos poderão versar sobre múltiplos temas, afinidades e opções, incentivados à descoberta do próprio meio que cada escola se insere, no
conhecimento local, de profissionais atuantes no pequeno sistema, de
valorização do saber popular, com o envolvimento dos moradores do bairro. Através da identificação das estratégias, é preciso construir uma intervenção
de cunho participativo e reflexivo, sempre avaliando as etapas percorridas.
Torna-se necessário estimular temas das realidades escolares, sem, contudo
abandonar as preocupações do Estado, do Brasil e do cenário mundial (MATO GROSSO, 2004, p. 25).
Por meio do diálogo entre escola e comunidade, e tendo como base o processo
formativo realizado na escola, foi possível decidir qual projeto atenderia às necessidades da
comunidade escolar, concretizando a implantação do PAEC, que são projetos implantados nas
escolas, visando melhorias no ambiente escolar e na qualidade do ensino.
A comunidade escolar tinha várias opções e necessidades (Telhado verde, sistema de
reaproveitamento de água da chuva, etc.) para a implantação do PAEC na escola. Eles
optaram pela construção de um espaço educador sustentável chamado “Casa da Cultura da
Comunidade Quilombola de Mata Cavalo” (Figura 12).
77
Figura 12: Arte da placa de inauguração da Casa da Cultura Quilombola.
Fonte: Elaborado por Regina Silva, 2015.
A construção da Casa da Cultura15
envolveu os membros da escola, estudantes,
membros da comunidade quilombola, do GPEA e estudantes de graduação da UFMT
integrantes do PET Conexões de Saberes “Diferentes Saberes e Fazeres na UFMT”. Para a
construção da casa foi necessária muita força física, espírito de equipe e muita boa vontade,
características que são comuns nesta comunidade escolar.
A Casa da Cultura é um sonho antigo da comunidade e foi construída pela força de
muitas mãos. Buscando aspectos de sustentabilidade e da ancestralidade, a casa foi feita de
barrote (pau-a-pique), como costume dos ancestrais quilombolas, e foram amarradas madeiras
e bambus para que o barro tivesse aderência nas paredes e não desprendesse dela. O chão
batido é de cupim, pois a liga formada pela saliva faz com que o chão se torne resistente,
emita menos calor e poeira no ambiente interno da casa.
A cobertura da casa é um telhado verde de grama (busca de conforto térmico),
considerando que a região do quilombo apresenta temperatura elevada tanto por fatores
naturais, quanto antrópicos, como o desmatamento; o telhado abriga um pequeno sistema de
captação de água que é captada por uma cisterna. O interior da casa de 80m² está organizado
como casa-museu e apresenta aspectos peculiares da cultura local: o fogão de barro, a rede, o
pote de água, os artefatos tradicionais, os artesanatos produzidos pela comunidade, fotografias
que registram personalidades e ancestralidade, a identidade, a luta, a dança, os sabores, os
saberes, as tradições, etc.
15 Foi produzido um vídeo da construção da Casa da Cultura Quilombola, que pode ser acessado pelo endereço:
https://www.youtube.com/watch?v=lYmUbnn_LSQ
78
Figura 13: Construção da Casa da Cultura Quilombola.
Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim e Regina Silva, 2015.
A construção da Casa Cultural Quilombola foi importante para a comunidade escolar,
de forma que a memória de seus antepassados está presente na comunidade por meio desta
casa. A casa agregou valores históricos, culturais, educacionais, emocionais e também
financeiros para a comunidade, considerando que esta também será utilizada como local de
exposição e comercialização de artesanatos e doces tradicionais produzidos pela escola e
comunidade.
Este foi um momento muito importante da pesquisa, visto que houve o fortalecimento
do contato do pesquisador com os seus pesquisados, que contribuiu muito para nossa
formação acadêmica e pessoal.
4.2.1 Mapeamento dos conflitos com a água no quilombo Mata Cavalo
Durante o processo formativo em educação ambiental e escolas sustentáveis realizado
na Escola Estadual Prof.ª Tereza Conceição Arruda, foi realizada uma oficina de mapeamento
dos conflitos existentes no quilombo. Além dos conflitos que envolvem a disputa por terras e
água, os quilombolas identificaram nos mapas os serviços que são prestados pelo governo
dentro da comunidade, como a coleta de lixo, saneamento básico, presença de algum serviço
79
de saúde e educação e ainda a existência de ruas/estradas/rodovias, córregos e outros pontos
que os participantes consideraram pertinentes destacar.
Participaram deste mapeamento todos os envolvidos no processo formativo: GPEA,
estudantes, funcionários da escola e moradores da comunidade. Procuramos nesta parte da
pesquisa destacar os resultados do mapeamento com foco na questão da água no quilombo,
este que é o tema da nossa pesquisa. O mapeamento dos conflitos com a água na comunidade
teve o objetivo de incentivar os quilombolas a identificar, localizar, demarcar e compreender
os conflitos existentes que envolvem a água na comunidade. Para a realização da oficina os
participantes foram divididos em cinco grupos de trabalho e foi entregue aos grupos canetas
coloridas e mapas do território quilombola para serem demarcados considerando o processo
histórico do quilombo.
Não houve critérios para a divisão dos grupos. Desta forma, os grupos formados
refletiam a heterogeneidade, com estudantes, funcionários da escola e moradores da
comunidade. É importante ressaltar que o mapeamento dos conflitos foi realizado depois de
vários momentos de formação oferecidos pelo GPEA, desta forma, os participantes tinham
embasamentos teóricos para participar da oficina.
Como podemos observar na figura 14, com os resultados do mapeamento
compreendemos que os conflitos que envolvem a água no quilombo estão presentes em toda a
comunidade, pois ao demarcar os conflitos no mapa, estes foram identificados em
praticamente todo o território. Após a demarcação no mapa alguns representantes dos grupos
apresentaram o resultado final da demarcação feita pelo grupo aos demais participantes.
Figura 14: Mapeamento dos conflitos que envolve a água na comunidade.
Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim e Regina Silva, 2015.
80
Ao apresentarem os resultados do mapeamento aos demais participantes da oficina, os
representantes dos grupos mostraram que os conflitos que envolvem a água na comunidade
não têm locais específicos para acontecer. Segundo eles, estes conflitos estão presentes em
todo o território quilombola. Também foi possível identificar alguns desentendimentos
durante a apresentação dos grupos, pois as opiniões não eram semelhantes.
Minha formação em Geografia me permite considerar que o fato dos mapas
demarcados durante o mapeamento não apresentarem pontos específicos de conflitos com a
água, não deixa de ser considerado um resultado. Isso mostra que os conflitos estão presentes
em todo o quilombo e não podem ser considerados ou compreendidos de forma isolada.
Assim como os resultados do mapeamento provocou desentendimentos durante a
socialização dos resultados, compreendemos que os conflitos não só fazem parte da história
do quilombo, mas é realidade nos dias de hoje. Estes fatos nos fazem compreender que além
dos conflitos existentes historicamente com os fazendeiros da região, existem ainda
desentendimentos entre os próprios quilombolas, fato que enfraquece a luta e identidade deste
povo.
Os conflitos identificados durante o mapeamento envolvem o uso do poço que fornece
água para a comunidade; a bomba deste poço, que quando quebrada seu conserto é alvo de
desentendimentos; o uso inadequado da água do poço comunitário; o poço desmoronado da
escola; a degradação dos rios; o desperdício e a falta de água. Estes conflitos foram também
identificados durante a realização das entrevistas e serão melhor compreendidos adiante.
4.3 Entrevistas semiestruturadas
Para alcançar os objetivos propostos realizamos entrevistas semiestruturadas e
observação direta do cotidiano na comunidade escolar de Mata Cavalo. Estas entrevistas
tiveram o objetivo de conhecer a percepção da comunidade escolar a respeito do tema tratado.
Por se tratar de uma entrevista subjetiva, foi necessário não se apegar apenas às palavras ditas
pelos entrevistados, mas a forma como diziam. Com o aporte metodológico desta pesquisa é
Cartografia do Imaginário, os gestos, o silêncio e a forma de expressar dos entrevistados
foram considerados para compreender a percepção que eles têm sobre a água.
Inicialmente as entrevistas seriam realizadas com quinze pessoas da comunidade
escolar, sendo cinco moradores da comunidade, cinco estudantes e cinco funcionários da
escola. Porém, no decorrer das pesquisas de campo e em conversa com as orientadoras,
81
notamos a necessidade de entrevistar também os usuários do poço que abastece a
comunidade.
Desta forma, o número de sujeitos entrevistados aumentou para vinte, incluindo os
usuários do poço comunitário, estes foram incluídos por considerarmos suas percepções sobre
a água diferentes das que encontraríamos na comunidade escolar e, ainda, por perceber o
grande valor que a comunidade atribui ao poço, sendo que esse olhar trouxe grande
contribuição para a pesquisa que se realizou.
É interessante destacar que a comunidade está sempre presente na escola, pois esta
oferece a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Também existem cursos para a
comunidade oferecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), e muitos
ainda têm a escola como local de trabalho, e ainda, as reuniões da associação de moradores
são realizadas também na escola.
Os sujeitos entrevistados foram escolhidos com o objetivo de conhecer percepções e
olhares diferenciados sobre o objetivo da pesquisa. Foram entrevistadas pessoas de 13 até 72
anos de idade. A diferença de idade dos entrevistados permite conhecer visões diferenciadas
sobre o tema pesquisado, enquanto as pessoas mais vividas relatam com sabedoria o que já
vivenciaram no quilombo, os jovens nos permitem compreender sobre o que esperar para o
futuro da comunidade.
Ao entrevistar as pessoas mais antigas da comunidade nos tornamos sujeitos e objetos
de nossa própria pesquisa. Bosi (1994, p. 38) ensina que nos tornamos sujeito enquanto
indagamos. Assim, procuramos saber sobre o objeto enquanto ouvíamos, registrávamos,
sendo como que um instrumento para receber e transmitir suas lembranças.
O IPCC recomenda que se obtenha informações intergeracionais, dos mais idosos
contando histórias à geração mais nova. Esse método permite compreender as leituras
climáticas e as transformações ocorridas no local. No âmbito das pesquisas do GPEA, as
narrativas populares revelam sabedoria etnográfica que deve ser revisitada, relembrada,
registrada e respeitada. São arcabouços do que Sato e Senra (2009) denominam de
“epistemologia popular” que auxiliam na construção histórica da biorregião, aliando
informação dos espaços naturezas e culturas.
As entrevistas realizadas na escola com a comunidade, estudantes e funcionários da
escola foram feitas na Casa Cultural Quilombola. Este local foi escolhido primeiramente pelo
silêncio necessário para a realização das entrevistas e também para que o local pudesse
remeter aos entrevistados memórias sobre sua história e cultura, o que contribuiu para o
enriquecimento das entrevistas.
82
Ao planejar as entrevistas com os usuários do poço comunitário tínhamos como
objetivo entrevistá-los quando fossem retirar água do poço, porém, os horários em que me
deslocava para a comunidade pra realizar as entrevistas não eram compatíveis com os horários
que os usuários iam até o poço, o que acontecia no início da manhã (6 h) e no início da noite
(19 h). Desta forma as entrevistas com os usuários do poço foram realizadas em suas casas.
As entrevistas foram registradas por meio de gravação de voz. Ao perguntar aos
entrevistados se as entrevistas poderiam ser gravadas muitos se sentiam inibidos e um pouco
constrangidos, mas ao entenderem que a gravação seria necessária para o andamento de nossa
pesquisa, foi autorizada a gravação de voz e ao longo da conversa iam se sentindo mais a
vontade. Muitas vezes até esqueciam de que a entrevista estava sendo gravada, o que
proporcionou um melhor desenvolvimento da conversa.
As perguntas realizadas nas entrevistas eram diferentes para a comunidade escolar e
para os usuários do poço. As perguntas comuns para os dois grupos entrevistados eram sobre
a água, tal como a importância, a relação do entrevistado com a água e também a percepção
que tinham sobre alguns aspectos que envolvem a água.
Ao entrevistar a comunidade escolar, fizemos perguntas que relacionam a água com a
escola da comunidade. Estas perguntas tinham o objetivo de conhecer como é trabalhado o
tema água na escola, ou se ao menos este é um tema presente no currículo escolar, se está nos
planos da gestão escolar ou se está presente de alguma forma no espaço físico escolar.
Ao entrevistar os usuários do poço comunitário buscamos compreender os motivos
que os levavam a consumir a água do poço, para qual finalidade a água era utilizada e os
conflitos que envolvem a retirada da água daquele local, assim como, as dificuldades de
acesso ao poço por variáveis motivos.
As entrevistas foram realizadas buscando compreender a percepção da comunidade
escolar de Mata Cavalo têm sobre a natureza, principalmente a água, assim como os fatores
que eles atribuem à falta de água que afeta, historicamente, a comunidade, as dificuldades e os
conflitos existentes em relação a este bem natural, as percepções sobre mudanças ambientais e
climáticas e suas perspectivas em relação ao futuro da água e natureza no quilombo.
83
Por meio deste objetivo foram realizadas as seguintes perguntas aos quilombolas de
Mata cavalo:
1) Dados de Identificação
Nome | Idade | Local de nascimento | Local de Moradia | Tempo de Residência na
Comunidade | Tempo de trabalho na escola (Funcionário) Tempo que estuda na escola
(estudante) | Relação com a escola (comunidade)
2) Percepção da água (Espaço)
O que é água para você? Qual a origem da água que você utiliza na sua casa? Você
percebe diferenças na oferta e na qualidade da água hoje e no passado? Se sim, o que percebe
que mudou e o que provocou a mudança? O ambiente (natureza) mudou? Se sim, consegue
perceber a relação entre as alterações no ambiente e oferta de água? Qual a sua expectativa
para o futuro em relação à água?
3) Percepção da educação ambiental e da temática água no contexto escolar
(Currículo)
A educação ambiental faz parte dos conteúdos ensinados na escola? Se sim, como a
educação ambiental é abordada? A temática água é trabalhada pela escola? Se sim, como este
tema é abordado?
4) Percepções sobre água dos usuários do poço comunitário (Gestão)
Por que você utiliza a água do poço? Há quanto tempo? Qual a distância que você
percorre para chegar ao poço? E qual o meio utilizado para o deslocamento de sua casa até o
poço? Com que frequência você retira água do poço? Para que é utilizada a água retirada do
poço? Você considera a água retirada do poço de boa qualidade? Você percebe algum conflito
em relação a água ou ao poço na comunidade? Por que estes conflitos ocorrem? Qual a sua
expectativa para o futuro da água na comunidade?
As percepções individuais dos nossos entrevistados nos auxiliaram a compreender a
percepção coletiva sobre o tema que pesquisamos. Bosi (1994, p. 419) afirma que “a memória
grupal é feita de memórias individuais”, e são estas memórias individuais que formam a
identidade coletiva do quilombo. Assim, por meio da realização das entrevistas
semiestruturadas; dos trabalhos de campo; das vivências com a comunidade; das leituras e
levantamentos teóricos; dos diálogos com os quilombolas de Mata Cavalo e colegas do grupo
pesquisador chegamos ao resultado da nossa pesquisa que será apresentado no próximo
capítulo.
84
CAPÍTULO V: O encontro com o mar...
Canto das Três Raças
Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil
Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou
Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor.
Clara Nunes
85
5.1 Resultados e Compreensão
Os resultados desta pesquisa foram obtidos por meio da realização de entrevistas
semiestruturadas com a comunidade escolar da Escola Estadual Professora Tereza Conceição
Arruda, da comunidade quilombola de Mata Cavalo. Foram entrevistadas vinte pessoas
divididas entre estudantes, funcionários da escola, comunidade e usuários do poço que
abastece a comunidade16
.
Os sujeitos entrevistados foram escolhidos por permitir identificar diferentes
percepções sobre o tema pesquisado, que é a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo
sobre a água. Os estudantes nos mostraram quais atitudes poderíamos esperar deles em
relação ao futuro, suas perspectivas em relação à água na comunidade e também se estão
sendo incentivados em suas aulas a ter conhecimentos e posicionamentos crítico sobre as
questões ambientais e climáticas, principalmente as que envolvem a água.
Os funcionários da escola mostraram como a gestão, o currículo e o espaço físico da
escola tratam da educação ambiental, se os conteúdos ensinados em sala de aula consideram
as questões ambientais e ainda suas percepções e perspectivas em relação a água na escola e
na comunidade.
A presença da comunidade na escola é constante, estes que vão até a escola para
estudar na modalidade EJA, para fazer os cursos que são oferecidos na escola ou apenas por
costume de passar algum tempo na escola. Considerando ainda que seriam percepções
interessantes em relação a pesquisa, pois em sua maioria são pessoas com mais idade, com
muitas histórias e experiências para contar, além da contribuição e pontos de vista
enriquecedores para a pesquisa.
Ao delimitar os sujeitos que seriam entrevistados durante a pesquisa, a priori,
havíamos considerado apenas os estudantes, os funcionários da escola e a comunidade, mas
durante as pesquisas de campo compreendemos a necessidade de conhecer também a
percepção dos usuários do poço da comunidade sobre a água. Considerando que este poço fica
ao lado da escola e que seriam percepções diferentes em relação aos demais entrevistados
sobre o tema pesquisado.
A identidade de nossos entrevistados não pode ser revelada ou publicada, pois
seguimos as normas do Comitê de Ética ao qual esta pesquisa foi submetida e aprovada. Desta
forma optamos por nomear nossos entrevistados de acordo com as fontes de água existentes
16 É uma opção das pesquisadoras as adequações gramaticais na fala dos entrevistados. Contudo foram
preservados os trechos que revelam especificidades regionais e culturais.
86
no quilombo (Córgo, Cacimba, Córrego, Rio, Poço, etc.) estas que permitem aos quilombolas
ter acesso em meio a grandes dificuldades a este bem natural.
No contexto dos princípios das escolas sustentáveis, há três dimensões subdivididas,
porém, que estão intrinsecamente conectadas. O saber político da educação ambiental não é
fragmentado, mas por algum efeito pedagógico ou de compreensão privilegiou-se um eixo
mais imediato e visível (Gestão da escola) e outros dois mais processuais e permanentes
(Espaço e Currículo).
O cenário brasileiro tem enfatizado muito as ecotécnicas, porque são mais concretas e
visíveis, contudo, compreendemos que a aprendizagem significativa na escola (Currículo) e a
compreensão do espaço como território de lutas e identidades são mais significativos e mais
consistentes do ponto de vista educativo.
Para a interpretação das percepções dos sujeitos entrevistados, resolvemos agregar as
respostas em três dimensões, sendo elas: axiomática, praxiológica e epistemológica que
correspondem às escolas sustentáveis, compreendendo que a pequena alteração é fruto
também da inovação investigativa, ou da licença poética de uma pesquisa guiada pela
Cartografia do Imaginário.
Assim, a matriz compreensiva das entrevistas foi agrupada em três blocos conectados
entre si, muitas vezes sem a possibilidade de segregá-los, representando simultaneamente três
dimensões das escolas sustentáveis. Pretendemos desta forma compreender as percepções dos
quilombolas de Mata Cavalo sobre a água na comunidade, discorrendo ainda sobre temas que
envolvam mudanças ambientais e climáticas e a abordagem destes temas no ambiente escolar.
5.1.1 Dimensão Axiomática
Compreendemos o espaço como uma possibilidade física e não física de
aprendizagem. Aqui as percepções sobre a água e natureza se fazem mais relevantes, junto
com o contexto político da valoração da vida, fé, crença, participação e cidadania. Por isso os
conflitos sobre os entrevistados são também aqui contextualizados, pois compreendemos que
o caos faz parte das aprendizagens significativas e não devemos temê-las, mas implicá-las na
existência humana e na construção da cidadania.
Nos caminhos percorridos durante esta pesquisa compreendemos que a água é vista
como um bem natural essencial à vida. Os quilombolas de Mata Cavalo exaltam a importância
da água para as suas vidas ao apontarem que outras necessidades humanas como o acesso a
alimentação e energia elétrica são dispensáveis, mas sem água é impossível viver.
87
Córgo “Água para mim é um ato de vida, água é tudo, é o que nos mantém
de pé e vivo”.
Poço
“Água é vida, água é tudo. Prefiro ficar sem luz, mas sem água é
impossível, não tem como viver sem água.”
Lata d’água “Água é a melhor coisa, até com fome a gente passa, mas sem a água
não tem condição. A fome a gente segura, mas a sede não dá.”
Os quilombolas de Mata Cavalo consideram a água como algo importante e essencial
à vida, tanto que diante das compreensões água e vida parecem se tornar algo singular. A
água, para esta comunidade, ultrapassa o sentido de ser apenas um bem natural e essencial à
vida, pois dos relatos dos quilombolas depreende-se que a água apresenta um valor afetivo e
imaterial inestimável. Percebemos isto por meio das relações estabelecidas entre a
comunidade e as fontes de água no quilombo, como, por exemplo, os córregos.
Cacimba
“[...] O córrego Mata Cavalo era lindo, agora até ainda tem água,
mas a água era de correnteza mesmo. A gente pegava câmera de
pneu e subia em cima e ia descendo pelo rio, era muito bom. E nesta
questão de mudanças a água do rio diminuiu muito, muito mesmo.”
Córrego “Antigamente a gente usava a água dos corgos17
para beber,
cozinhar, tomar banho, lavar roupas, dava até para pescar peixes
pequenos.”
Os córregos da comunidade remetem aos quilombolas valores que estão intimamente
relacionados aos seus antepassados, que tinham nos córregos fontes de alimentos, lazer, bem-
estar e sobrevivência. A água pode ser uma fonte de energia, como afirma Bachelard (1989,
P.153), “com sua substância fresca e jovem, a água nos ajuda a nos sentir enérgicos.”. Esta
energia pode ser percebida nas falas dos nossos entrevistados, pois antigamente os poços não
existiam para suprir suas necessidades e ainda hoje, embora em menor quantidade, alguns
quilombolas ainda atribuem estes valores aos córregos da comunidade. De acordo com
Santos:
17 Nome utilizado popularmente para se referir aos córregos.
88
O conhecimento tradicional é um legado das gerações passadas e daí deriva
a noção, por exemplo, de propriedade coletiva e a responsabilidade pelo seu uso. E é esta relação entre ser humano e natureza que deve assegurar a
conservação desta, uma vez que, caso não seja mantido em boas condições, o
mundo se pode desestruturar, sendo importante assegurar, por isso, a ordem do cosmos (SANTOS, 2005, p. 297).
A água pode ser compreendida além de seus aspectos físicos, econômicos e
conflituosos que são os aspectos já abordados nesta pesquisa. Para muitas pessoas e povos,
assim como para os quilombolas, a água tem um enorme valor imaterial, simbólico e
mitológico, estes valores não podem ser medidos, pois se trata na maioria das vezes de algo
subjetivo e interno em cada ser humano. Como afirma Bachelard (1989, p. 155),
“compreende-se, pois que a água pura, que a água-substância, que a água em si possa tomar,
aos olhos de certas imaginações, o lugar de uma matéria primordial.”
A água está totalmente associada à cultura quando procuramos percebê-la por outros
aspectos que não sejam suas classificações tradicionais (classificações físicas e químicas;
quantidade e qualidade; formas de distribuição no planeta). Quando a água é percebida como
algo imaterial seus valores e conceitos variam de acordo com os costumes e saberes do
ambiente onde está localizada. Nas palavras de Bruni:
Se levarmos em consideração o papel que a água desempenha nas mais variadas culturas humanas, nas religiões, nas cosmogonias, nos mitos, nas
artes, nas literaturas, e na própria filosofia [como já veremos], abre-se
perante nós toda uma outra perspectiva em que a água deixa de ser apenas parte fundamental da natureza externa e da vida biológica para tornar-se
dimensão essencial da vida especificamente humana. Isto é, é na dimensão
simbólica que a água diz respeito mais profundamente à vida e ao homem
(BRUNI, 1994, p. 57).
Os saberes tradicionais dos quilombolas estão presentes na maioria de suas falas. E
procuramos evidenciar aqui um saber tradicional que está diretamente relacionado com o
acesso à água no quilombo, que é por meio da construção de cacimbas18
em seus quintais. Por
meio das falas compreendemos que a construção destas cacimbas não são acompanhadas de
estudos científicos ou técnicos prévios, mas sim da necessidade de acesso a água e ainda por
ser um conhecimento passado entre as gerações.
Córrego “Antigamente eu usava água do leito do rio (Mata Cavalo), tinha
cabeceira, a água era boa, aí a gente fazia cacimba, fazia na beira do
18 São buracos cavados na superfície do solo para ter acesso a água, são feitos normalmente em locais com
lençóis freáticos aflorados.
89
brejo de dois ou três metros, aí lá puxava na caçambinha com lata, aí
carregava nas costas e trazia em casa.”
Rio
“Eu uso água de cacimba. Já existia a cacimba, os antigos
construíram. Dona Tereza pegava água nessa cacimba quando veio
para cá. Nós apenas revitalizamos a cacimba, aí eu uso essa água.
Ela é preservada, a gente plantou bastante árvore ao redor pra não
secar”.
Cacimba
“Antes a gente tinha água de cacimba que era bem fresquinha e
gostosa, agora não tem mais, pois a cacimba secou”.
É enriquecedor ouvir as histórias contadas pelos quilombolas, as histórias nos
impressionam, comovem e nos ensinam muita coisa. Ao relatarem a origem da água que usam
em suas casas os moradores da comunidade apontam que antigamente a água que utilizavam
vinha de rios e cacimbas, e eram carregadas em carrinhos, caçambas e com as latas d’água na
cabeça (Figura 15).
Figura 15: Quilombola levando água do poço para sua casa com a lata d’água na cabeça
Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim, 2016.
A manutenção dos saberes tradicionais da comunidade é importante para a
conservação da identidade quilombola e dos bens naturais existentes na comunidade. Estes
conhecimentos são legados da comunidade que atribuem aos quilombolas um sentimento de
propriedade coletiva aos elementos naturais, o que aumenta ainda mais a responsabilidade em
relação à conservação deste bem natural.
90
A relação entre natureza e cultura varia, pois, de acordo com o grupo étnico
de que se trata; isto possibilitaria, inclusive dentro de um sistema próprio, uma regulação do acesso ao conhecimento que não fosse uniforme, devendo
ser adaptada de acordo com determinada comunidade ou povo. [...] E toda
esta relação está situada em determinado território concebido como unidade
e que determina a relação entre os seres vivos que o habitam (SANTOS, 2005, p. 297).
Os conhecimentos dos antepassados associados aos córregos devem ser preservados
para que não sejam esquecidos os valores e as percepções que a água teve na comunidade,
considerando ainda que os poços estão tomando o lugar dos córregos e com o passar dos anos
os valores e os conhecimentos serão outros.
A mudança de valores pode ser associada às mudanças na quantidade e qualidade da
água na comunidade. Os quilombolas apontam as ações humanas diante deste elemento
natural como uma das principais causas destas mudanças, além das ações dos fazendeiros da
região que muitas vezes privavam os quilombolas de ter acesso a água. O córrego que antes
era o principal meio de conseguir água na comunidade deu lugar aos poços, e alguns
quilombolas veem esta mudança com bons olhos.
Córgo
“Acho que hoje tem menos água. [...] mas está acabando muito
rápido porque o povo não está preservando o que é deles de verdade.
Estão usando as nascentes para garimpo. [...] O povo não conhecia
esse negócio de poço, pegava água no rio, lavava roupas. Tinha
fazendeiros que não deixavam as pessoas pegarem água nos rios.
Muitas pessoas esperavam chover para pegar água que ficava nos
buracos do asfalto e a água era muito suja, pegavam de possas de
lama.”
Rio “Qualquer corguinho que a gente ia que estava correndo água a
gente podia pegar e beber, não tinha poluição, hoje em dia é muito
poluído e tinha também o garimpo”.
Córrego
“Hoje é melhor. Eu digo que é melhor porque antes a gente dependia
do rio, do corgo Mata Cavalo, que é um corgo mais afastado, onde a
dificuldade é maior, a gente tem que entrar no meio do mato para
chegar até a margem do rio. Hoje não existe isso, hoje a gente tem
condição melhor, porque a estrada é melhor, você chega mais rápido
até o poço.”
Ao relatarem as causas da mudança na quantidade e qualidade da água, os quilombolas
apontam causas que são historicamente causadoras de conflitos na comunidade. Os
91
fazendeiros se sentiam proprietários da comunidade, inclusive dos rios. Ao serem impedidos
de ter acesso ao rio, muitas pessoas usavam a água empossada nos buracos do asfalto para
consumo, esta que era de péssima qualidade podendo ser comparada a lama.
Os quilombolas de Mata Cavalo atribuem as mudanças na quantidade e qualidade da
água às ações humanas diante da natureza. Para eles as queimadas e desmatamentos são as
principais causas das alterações na oferta e qualidade da água e o combate a estas ações
poderia reverter o atual quadro em que se encontra este bem natural. As compreensões em
relação as mudanças na oferta e qualidade da água não foram unânimes, enquanto alguns
responderam que melhorou, outros responderam que está pior.
De maneira geral os quilombolas compreendem a relação com a água de formas
contrastantes. Assimilam a melhoria com o acesso aos poços, por outro lado percebem que a
degradação dos córregos mudou os seus hábitos, sobretudo a alimentação (pesca), lazer,
consumo e saúde. As percepções que indicam que está pior atribuem às mudanças ao desgaste
sofrido pelo córrego Mata Cavalo e também ao aumento do número de moradores na
comunidade, que consequentemente aumenta a demanda por água.
Figura 16: Água armazenada em tambores ao redor da casa quilombola
Fonte: Arquivo pessoal de Priscilla Amorim, 2016.
A percepção que os quilombolas têm sobre a água não difere de suas percepções sobre
a natureza e o clima, pois estes reconhecem que ambos são essenciais para nossa existência e
que assim como a água, a natureza e o clima já não são mais os mesmos e sofrem alterações
principalmente causadas pelas ações humanas.
Rio
“Tem mudado, eu sempre falo para minha mãe que quando a gente
acordava cansava de ouvir passarinho, era todo tipo de passarinho
de manhã cedo que te acordava, agora a gente não vê mais nada.
Acho que é por causa do desmatamento que foram tirando a casa
deles e eles foram embora ou morreram. [...] E o clima está mais
quente”.
92
Cacimba
“Mudou sim, principalmente a questão da paisagem. Tem árvores
que nós víamos na estrada, tem uma que eu achava linda que no final
do ano dava frutas, no caminho da minha casa era cheio dessas
árvores e agora não tem mais, acho que o desmatamento é
responsável por isso.”
Lata d’água “Mudou. Tudo agora é fora de época, chuva não chove na época
certa, o frio não está mais sendo na época certa que era. [...] Você
podia plantar hoje e saber que amanhã ia chover, hoje não”.
Todos percebemos que a natureza e o clima não são mais os mesmos, tanto para os
quilombolas, quanto para todos os demais habitantes do planeta. Para a sobrevivência do ser
humano é necessário retirar da natureza os elementos essenciais para sua sobrevivência, mas
podemos fazer isto de forma menos agressiva. A partir do momento em que o ser humano
entender que nossos bens naturais são limitados e estão se esgotando, talvez possam entender
a importância de respeitar o tempo de recuperação para que a natureza se recomponha.
As mudanças ambientais e climáticas são compreendidas pelos quilombolas como
frutos da degradação da natureza. Eles percebem que suas ações contribuem com a
degradação da natureza, mas não conseguem se enxergar como agentes transformadores desta
realidade. Por mais que eles possam se colocar enquanto seres humanos que contribuem com
a degradação da natureza, os impactos provocados pelos quilombolas quando comparado com
o impacto provocado pelos fazendeiros no entorno do quilombo, apresentam-se irrisórios.
Quanto a esse aspecto também se considera que a população do quilombo é muito
maior em relação ao número de fazendeiros, sendo desproporcional o impacto causado à
natureza, pois os fazendeiros mesmo em menor número em relação aos quilombolas
degradam com maior proporção o ecossistema local em detrimento dos quilombolas.
As mudanças ambientais atingem toda a humanidade, mas não da mesma forma. Nesse
sentindo concordamos com Acselrad (2005, p. 222) quando afirma que “a injustiça social e a
degradação ambiental tem a mesma raiz”. Os quilombolas são pessoas carentes dos serviços
públicos e por não possuírem riqueza financeira e influência política, muitas vezes, não tem
acesso aos serviços básicos que uma comunidade precisa para se manter com dignidade.
Em meio às dificuldades enfrentadas pelos quilombolas, em que a maior delas é a não
obtenção do título definitivo da terra, eles ainda convivem com inúmeros conflitos. Os
confrontos com os fazendeiros são históricos na comunidade, desde a expulsão e o retorno dos
quilombolas ao quilombo há disputas por terras em que os fazendeiros são os maiores rivais.
Houve relatos de que os fazendeiros contaminavam a água dos quilombolas, destruíam
suas plantações e matavam seus animais para dificultar a sobrevivência no quilombo,
93
resultando no abandono das terras. Muitos quilombolas abandonaram as terras e voltaram
depois, outros resistiram e lutaram e ainda hoje continuam em suas terras. Apesar de ainda
existirem fazendeiros na comunidade é relatado pelos quilombolas que não existem conflitos,
e sim desentendimentos que são pontuais e com menor intensidade se comparados aos de
antigamente.
Rio
“Conflitos tinham com os fazendeiros, o povo fazia poço, aí eles
vinham de lá e jogavam porcarias no poço para ninguém pegar. Eles
jogavam coisas mortas, jogavam óleo diesel nos poços das casas das
pessoas.”
O acesso à água é outro motivo de conflito entre os quilombolas na comunidade,
principalmente quando relacionados ao poço que abastece a comunidade. Por ser um poço de
uso comunitário, sua manutenção e cuidados também deveriam ser coletivos. Como podemos
compreender com as falas de nossos entrevistados, muitos usuários não veem o poço como
um bem de uso coletivo, mas como uma forma de tirar proveitos de algo escasso na
comunidade.
Córrego “As pessoas além de encher as vasilhas jogam água no pé ou jogam
água no carro e isso sempre gera confusão. Ás vezes usam a bomba e
deixam ligado derramando água a noite toda.”
Poço
“Tem um pessoal quem vem pegar água no poço para vender e isso
não é correto, porque se a água é um bem para todos como que vai
vender?”
Quando se trata do acesso aos bens naturais os relatos de conflitos são intensos, não
apenas em Mata Cavalo, mas em todo o mundo. Em geral os interesses econômicos e pessoais
diante destes conflitos não consideram as consequências sofridas pela natureza. De acordo
com Harvey:
Há por exemplo muitos conflitos em lugares nos quais as preocupações
locais em torno do acesso a recursos, à criação de melhores condições de
vida e da obtenção de formas elementares de segurança econômica se
sobrepõem a todos os esforços de cultivar o respeito a questões globais importantes como o são, por exemplo, os direitos humanos, a emissão de
gases do efeito estufa, a preservação da biodiversidade ou a regulamentação
dos usos da terra destinada a evitar o desflorestamento ou a desertificação (HARVEY, 2009, p. 114.).
94
O fato do poço da escola não estar em condição de uso provoca alguns conflitos com
os usuários do poço comunitário, que é de onde a escola usa a água enquanto não é construído
um novo poço. A princípio, por meio de conversas com a comunidade escolar nós
pesquisadores pensávamos que o problema de abastecimento de água na escola era apenas por
causa da bomba de água que estava quebrada, mas durante conversas e entrevistas com os
funcionários da escola foi possível compreender que o problema é mais grave, como afirma:
Cacimba
“Nós temos poço, só que nosso poço foi condenado e desbarrancou.
A escola mesmo não tem água, a água usada é do poço da
comunidade.”
Conforme os relatos é possível perceber que o poço da escola desmoronou e está
condenado, não havendo como consertar, sendo que a única solução é a construção de um
novo poço na escola, construção esta que já foi solicitada inúmeras vezes à SEDUC e até hoje
não foi atendida. O fato de a escola fazer uso da água do poço da comunidade tem como
resultados alguns conflitos, e é ainda pauta na reunião de associação de moradores que ocorre
na comunidade.
Lata d’água
“Ás vezes desligam a água lá e nós ficamos sem aqui, às vezes nós
ligamos aqui e eles ficam sem lá, aí fica aquele tropé. E quer água
para fazer casa , água para beber e para fazer comida. Aí vira aquele
trabalho duro aí temos que marcar reunião, falar na reunião que a
escola é parceira da comunidade e a comunidade é parceira da
escola, então tem que saber dividir.”
De acordo com a entrevistada, a forma encontrada para resolver estes conflitos é o
diálogo, que é feito durante as reuniões da associação. Nestes diálogos eles procuram
enfatizar a união entre a comunidade e a escola, destacando suas parcerias. Os quilombolas
também apontam que muitos moradores utilizam a água do poço para construir casas, atitude
que é condenada pela maioria dos moradores, a entrevistada sugere que atividades como estas
devem ser feitas com a água dos rios.
Cacimba
“Igual eu falo, gente como nós tem rios, então quem quer construir
casas que pegue a água do rio. Vamos começar a cuidar melhor do
poço, não deixar jorrar água igual fica aberto. Tem gente que deixa
aberto, aí não vem água para cá. Sempre tem rixas deles por causa
da água. Eu acho que depois que tiver o poço da escola vai melhorar
bastante”.
95
Para a resolução dos conflitos da escola com os usuários do poço comunitário os
quilombolas sugerem que seja construído o poço da escola, pois desta forma a escola usaria a
água do próprio poço, deixando a água do poço comunitário apenas para o uso da própria
comunidade. Diante da dificuldade de acesso à água os quilombolas tornaram-se mais
prudentes, principalmente em relação aos desperdícios. Conforme diz Harvey (2009, p. 289),
a prudência diante de riscos é uma atitude perfeitamente razoável. Ela também proporciona
uma base mais provável para forjarmos algum sentido coletivo de como assumir na prática as
nossas responsabilidades tanto perante a natureza como perante a natureza humana.
5.1.2 Dimensão Praxiológica
Embora a palavra “gestão” possa ser relacionada com o mundo empresarial e é preciso
cuidar para que não se limite aos aspectos meramente tecnicistas, essa dimensão agrega os
dilemas da escassez de água, as formas variadas de acesso à água e os meios de se vencer
alguns problemas socioambientais. A casa da cultura, por exemplo, não pode ser interpretada
somente à luz da ecotécnica, já que ela agrega uma história etnográfica de significado
identitário.
A origem da água utilizada pelos quilombolas em suas casas já não é mais a mesma de
seus antepassados que tinham os córregos da comunidade como fonte de água. Ainda hoje
alguns quilombolas fazem uso da água dos córregos, mas não com a mesma frequência de
antigamente, pois naquele período era a única opção para os que possuíam poucos recursos
financeiros.
Rio
“Quando chegamos aqui a gente usava água do córrego Mata
Cavalo. A gente pegava em garrafas, carrinho, garrafão, essas
coisas. A gente pegava água no poço artesiano, a gente carregava no
carrinho, carregava no ombro. Aí meu marido comprou uma bomba,
a gente não estava mais aguentando baldear água.”
Córrego
“A gente tinha que pegar água na cabeça, pegar água longe. [...]
passamos um tempão sofrendo porque não tinha dinheiro para
comprar bomba para puxar água, era na cabeça, quando conseguia
alguma charrete, ia de charrete.”
Poço
“A água que pegamos no leito do rio no tomar a gente sente que é
uma água mais leve que essa do poço. Antigamente na minha época,
numa época de novembro para dezembro em todos os corguinhos que
fosse o rio estava cheio, subia bastante peixe, hoje em dia você não
96
vê mais peixe subindo por aqui não e água baixou. Hoje em dia o
corgo que eu nunca vi na minha vida desde criança seco, toda vida
correndo, hoje em dia está seco.”
Com a fala dos entrevistados percebemos que a água do córrego não era utilizada
apenas para consumo, mas também para pescar, pois era o local de onde muitos quilombolas
retiravam seus alimentos. Com o passar dos anos e a deterioração da natureza, e
consequentemente do córrego que fornecia água e alimentos, a comunidade passou-se a fazer
uso dos poços.
Procurando saber sobre a origem do poço comunitário do quilombo, conversamos com
alguns entrevistados. A princípio sabíamos que o recurso destinado a construção do poço teve
origem por meio de uma doação feita a comunidade. Partindo desta informação chegamos a
duas versões. Na primeira, o responsável por cuidar do poço da comunidade relata que o poço
é fruto de uma doação feita por um japonês nos anos 80.
Córrego “O poço da comunidade foi feito em 87. Esse poço foi doado para a
comunidade por um japonês.”
Na segunda versão outra entrevistada relata que o poço é resultado de doação, mas de
outras pessoas, ela afirma que:
Rio
“O poço da comunidade é uma doação feita pela rede salesiana de
Cuiabá.”
O responsável por cuidar do poço acredita que o lugar onde o poço foi construído é o
melhor possível, pois diante da quantidade de usuários e desperdícios diários o poço nunca
secou, ele afirma que:
Lata d’água “Eu falo que é uma veia de água muito forte, porque do jeito que
fazem aí com a água já era para ter secado. Vem pessoas de outras
comunidades pegar água aqui”.
Segundo os moradores da comunidade o poço da comunidade não é usado apenas
pelos quilombolas, pois vêm pessoas e outras comunidades e até de cidades vizinhas para
pegar água do poço. Todos os entrevistados consideram a água do poço de boa qualidade, e
ainda um poço com grande profundidade, como afirma o responsável pelo poço:
97
Rio “O poço tem 65 metros, a água aqui é uma água boa.”
Atualmente os quilombolas preferem pegar água nos poços, tanto pela qualidade,
quanto pela comodidade. Por considerarem a água do poço da comunidade de boa qualidade
os quilombolas a utilizam para todos os afazeres domésticos, inclusive para cozinhar e beber.
Todas as respostas dos quilombolas são unânimes ao dizer que a água do poço é de boa
qualidade, inclusive um dos usuários afirmou já ter feito testes com a água do poço por meio
de um curso que foi oferecido na escola, e por meio deste teste ele garante que a água é de boa
qualidade.
Córgo “A água é boa, eu já fiz teste nela em um curso que fiz na escola. Eu
uso para tudo, inclusive pra alimentar os animais.”
Cacimba “A água é gostosa, igual água mineral. Eu uso para tudo. Para fazer
comida, para tomar banho, só não uso pra lavar roupa porque
precisa de muita água e eu não aguento pegar, aí nós lavamos no
rio.”
Para chegar ao poço muitos quilombolas percorrem longas distâncias com os mais
variados meios de transporte (Figura 15). Eles preferem pegar água no poço ao amanhecer, ou
ao entardecer, para evitar o contato com o sol intenso e também para que o trajeto seja menos
cansativo.
Poço
“Quando a gente não tinha carro ou moto a gente vinha pegar água
no poço de bicicleta. Aí vinha eu, meu pai e minha mãe de tardezinha
quando estava já para escurecer. Hoje a gente vem de carro ou de
moto.”
Córgo
“Eu ando 900 metros até o poço. Eu uso por que é a única opção, eu
uso há 14 anos. Eu tinha um poço na minha casa, mas secou.”
Rio
“Eu pego água na cabeça, de bicicleta. Eu pego água duas vezes na
semana.”
Cacimba
“Minha água vem de um poço que tem na minha casa. Antes de ter o
poço eu usava água do corgo Mata Cavalo e carregava na cabeça,
com a lata d’água na cabeça.”
Os quilombolas usam a água do poço comunitário desde a construção do poço. Eles
alegam que usam esta água por que as cacimbas ou poços que tinham em suas casas secaram e
98
principalmente por não terem recursos financeiros para construir poços em suas casas. Para
pegar a água do poço os usuários vão de carro, bicicleta, carrinho de mão, a pé e com a lata
d’água na cabeça.
Ao longo das entrevistas percebemos que as pessoas que tem meios de transporte mais
confortáveis e práticos como o carro, vão com menos frequência ao poço durante a semana, já
as que precisam ir a pé, vão com mais frequência, isso se justifica pelo esforço físico
necessário durante o trajeto e também pela capacidade de conseguir carregar água em menor
quantidade durante o percurso.
A opinião dos quilombolas em relação à melhoria de acesso à água na comunidade é a
construção de poços artesianos. Para eles a construção de mais poços na comunidade
resolveria a maioria dos problemas, e seria melhor ainda se estes poços fossem construídos
próximo as suas casas, facilitando o acesso ao poço.
Rio
“Eu acho que vai melhorar. Se tivesse um poço mais perto ia ficar
melhor.”
Cacimba
“Nós temos que correr atrás dos nossos objetivos que são os poços
artesianos. A construção dos poços vai resolver os problemas, aí
podem irrigar, podem plantar.”
Lata d’água
“Eu acho que pode melhorar se construir poços semi-artesianos. Não
precisa ser na casa das pessoas se não pode afetar os lençóis
freáticos, mas distribuir pela comunidade nos locais onde têm mais
moradores.”
Figura 17: Quilombolas pegando água no poço da comunidade
Fonte: Arquivo pessoal de Regina Silva, 2009.
Os quilombolas relacionam a melhoria do acesso à água com a construção dos poços,
sendo o poço uma técnica que não era necessária anteriormente, pois a água dos córregos
apresentava boa quantidade e qualidade. A técnica da construção dos poços pode ser vista
como uma imposição cultural, uma vez que o uso da água de poços não fazia parte de seus
costumes e sim o uso da água dos córregos da comunidade, sendo a mudança na fonte de água
99
no quilombo também uma transformação na cultura quilombola. Devemos considerar que
para os quilombolas a construção de poço na comunidade é vista como a alternativa mais
fácil, visto que o acesso aos córregos para sua revitalização é quase impossível, pois estes
estão localizados em sua maioria nas propriedades dos fazendeiros.
Os moradores do quilombo que tem melhores condições financeiras já construíram
poços em seus quintais, porém, aqueles que possuem poucos recursos financeiros dependem
do poço da comunidade. Se fosse atendida a demanda dos moradores para a construção de
poços em seus quintais provavelmente os lençóis freáticos não suportariam toda a demanda.
Assim, a construção de poços na comunidade é visto pelos quilombolas como a solução de
seus problemas com a água, e consequentemente melhoria da qualidade de vida.
Podemos atribuir a dificuldade de acesso à água e muitos dos problemas enfrentados
pelos quilombolas de Mata Cavalo ao racismo ambiental. Entendemos por racismo ambiental
as injustiças sociais e ambientais sofridas com maior intensidade por pessoas que são
discriminadas por sua origem ou cor, como os quilombolas de Mata Cavalo. No ensinamento
de Cavalcanti:
Todo indivíduo deseja ser feliz, viver uma longa vida, alcançar a plena realização de si próprio. O desenvolvimento pode levar a tais objetivos. No
entanto, não é necessário se aumentar a posse de bens para que uma pessoa
se sinta mais feliz. Sem embargo, a possibilidade de se ter mais e mais de cada coisa converteu-se no fim supremo do progresso. Pobreza, porém, não é
sinônimo de felicidade. Em princípio, a felicidade pode ser alcançada com
afluência. O que é importante notar aqui é que nosso módulo a natureza, é
austero, sóbrio, balanceado. Não é possível para todo mundo ser afluente simultaneamente em um planeta de 5,6 bilhões de pessoas [Segundo a ONU,
atualmente, no ano de 2016, somos cerca de 7 bilhões de pessoas no
planeta]. Naturalmente, é preciso definir a ideia de riqueza que cada um tem na cabeça (CAVALCANTI, 1995, p. 163).
Hoje a principal fonte de água da comunidade são os poços. A mudança na fonte de
água da comunidade, dos córregos para os poços, provocou mudanças na cultura e nos
costumes. A partir da degradação dos córregos, provocada pelos desmatamentos, garimpos,
pecuária e atividades de mineração na região; considerando ainda que muitos córregos estão
localizados nas propriedades dos fazendeiros, fato que impede os quilombolas de ter acesso a
estas águas, os moradores deste quilombo passaram a depender de outras fontes de água,
sendo os poços a principal delas.
As pessoas com menor poder aquisitivo são as que menos contribuem com a
degradação da natureza, mas são as que mais sofrem as consequências. Neste sentido,
100
acreditamos que a educação ambiental pode fortalecer as lutas quilombolas e ajudar na
solução dos problemas enfrentados com a água.
O fato das pessoas socialmente vulneráveis não buscarem seus direitos junto ao poder
público pode se justificar pela falta de informação/formação necessária para que possam
buscar amenizar os problemas enfrentados, não só com a água, mas as demais carências da
comunidade como o acesso a saúde, saneamento básico e moradias dignas. Para fazer valer
seus direitos é importante que a comunidade se organize e participe junto ao governo na
elaboração de políticas públicas que possam amenizar suas necessidades. Santos explica que:
As minorias, os excluídos, as populações locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os anteriores e os distantes que não participam da direção do
Estado têm seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais escolhidos pelo Estado ou pela classe dirigente do Estado, e não por sua organização própria (SANTOS, 2010, p. 106).
As famílias quilombolas obtém renda por meio de pequenas plantações e criação de
animais, fabricação de artesanatos e doces ou por meio de programas assistenciais do
governo. É comum ouvir que a melhor forma de combater as diferenças sociais é a melhor
distribuição de renda. Como afirma Harvey (2009, p. 290) “as formas tradicionais de
considerar a solução para a pobreza, que se apoiam inteiramente na redistribuição de renda a
partir do crescimento econômico [...] não podem ser mantidas com facilidade”. É necessário
valorizar outras maneiras de alcançar esses objetivos políticos e sociais, sem que o
crescimento econômico seja visto como o único caminho.
A falta de água não é um problema exclusivo da comunidade quilombola de Mata
Cavalo, este é um problema que atinge milhares de pessoas em nível mundial, assim como os
conflitos. As comunidades tradicionais marginalizadas são muitas em nosso país, embora
tenham histórias e culturas diferentes, as semelhanças se apresentam de várias formas. Como
afirma Leonardi (1995, p. 195), apesar das diferenças existentes entre essas sociedades quanto
a seus níveis sociais, econômicos, políticos, tecnológicos, culturais, é possível distinguir nelas
estruturas, relações e processos semelhantes.
Quando se tem um governo que garante seus direitos, a população deve fiscalizar e
cobrá-lo em relação a isto. Se o governo lhes garante as condições mínimas de sobrevivência
é necessário transformar este estado para que suas necessidades sejam atendidas.
Por isso as minorias, os excluídos, as populações locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os anteriores, os distantes, os que não tem
capital, precisam de um Estado forte que os proteja dos direitos individuais,
dos proprietários, dos capitais e dos poderes globais. Precisam reinventar o
101
Estado, retirando-lhe a lógica do capital, substituindo-a pela lógica dos
povos (SANTOS, 2010, p.108).
Compreendemos que a construção de poços na comunidade transforma os costumes e
a identidade de um povo que sempre dependeu dos córregos para ter acesso a água. Não
queremos aqui defender que eles retornem a sua condição anterior, o que acreditamos é que
eles não devem estar amarrados a apenas uma técnica. A escolha pelo modo de vida não deve
ser imposta, mas o seu autoconhecimento e reconhecimento deverem ser suficientes para que
eles possam escolher a melhor forma de suprir suas necessidades.
5.1.3 Dimensão Epistemológica
Diferenciamos, aqui, o currículo da escola e o currículo da comunidade por uma
simples opção pedagógica, sem estabelecer hierarquia ou supremacia entre estes dois
currículos. Ao evidenciarmos o currículo da comunidade partimos do conceito de Freire
(1992) que retrata o “saber de experiência feito” que são construídos a partir do saber da
experiência sociocultural transferida de gerações a gerações. E buscamos seguir os princípios
das escolas sustentáveis dando ênfase à escola e ao seu espaço formal de aprendizagem.
Trataremos sobre a dimensão disciplinar, conceitos e formalidades pedagógicas da Escola
quilombola Tereza Conceição Arruda.
Os conflitos, a dificuldade de acesso a água, as mudanças ambientais e climáticas
fazem parte do cotidiano dos moradores do quilombo de Mata Cavalo, mas o que esperar em
relação ao futuro? Os jovens estão cientes dos problemas socioambientais de sua
comunidade? A escola aborda estes assuntos?
Neste sentido fez-se importante compreender como a educação ambiental e a temática
água são trabalhadas no contexto escolar para entender qual a formação que estes estudantes
estão recebendo em relação a estes temas que são importantes e constantes na realidade da
comunidade. Desta forma, foi perguntado aos estudantes se estes temas são abordados em sala
de aula e como são abordados.
Rio
“Eles explicam como preservar e como a água pode ser
contaminada, a luta pela água e pelos poços.”
102
Córgo
“[...] Eles falam de várias formas, a gente estuda nas aulas de
biologia, de geografia e história. Eu vejo que a água deveria ser
melhor tratado no espaço físico da escola, por que quando as caixas
de água estão enchendo e começam a derramar todos veem mas
ninguém desliga.”
Os estudantes afirmam que os temas são trabalhados na escola, mas acham que
deveriam dar mais atenção a estes assuntos. Os professores trabalham apenas questões
pontuais como queimadas, desmatamentos, poluição e desperdícios de água. Um dos
estudantes cita exemplos de desperdícios dentro da própria escola, como quando a água
derrama das caixas já cheias e são poucas as pessoas que se importam em desligar.
Conforme relatos de professores e estudantes foi possível entender que a história da
comunidade, assim como estes temas não estão inseridos no PPP da escola, desta forma não
são obrigados a serem abordados pelos professores.
Assim como para os estudantes, perguntamos aos funcionários da escola como a
educação ambiental e a temática água são trabalhados na escola. Eles responderam que:
Cacimba
“A gente trabalha sobre água, queimadas, lixo, como que faz com o
lixo, se pode queimar, se não pode. [...] Quando construiu a escola as
árvores foram derrubadas para construir a escola, quem plantou as
árvores da escola foram os alunos.”
Lata d’água
“Não é muito falado. Eu como sou professora tenho que abordar
estes assuntos, mas não está inserido no PPP da escola. Eu acho que
é uma parte que tem que melhorar e que muitos alunos não tem
noção. [...] É abordada de forma indireta, por exemplo, na época das
queimadas eles reclamam que está calor aí eu tento introduzir o
assunto na aula.”
Os funcionários da escola têm opiniões divergentes sobre a abordagem destes temas
em sala de aula. Uma funcionária da escola afirma que estes temas são trabalhados, mas da
forma como relatou percebemos que são tratados de forma superficial e tradicional,
abrangendo apenas ações pontuais. Como constatamos no PPP da escola e também de acordo
com uma professora entrevistada, estes temas não são tratados como deveriam, também não
fazem parte do Projeto Político Pedagógico da escola e são abordados apenas de forma
indireta durante as aulas.
O que esperar do futuro da comunidade se os jovens não estão cientes de suas
histórias, de suas lutas e dos conflitos que os cercam? O conhecimento é essencial na luta pelo
território. Como afirma Santos (2005, p. 300), o conhecimento exprime-se territorialmente e o
103
território é a expressão material da rede de relações que constrói o conhecimento, incluindo o
idioma e outras manifestações da cultura. Os direitos intelectuais são entendidos, então, como
um prolongamento dos direitos territoriais.
Durante a entrevista com uma professora da escola compreendemos que os problemas
socioambientais que atingem o quilombo Mata Cavalo, principalmente a dificuldade de
acesso à água pode ser percebido dentro das salas de aula, a professora afirma que:
Cacimba
“Tem alunos aqui que não tem a comodidade de tomar banho em um
banheiro, com chuveiro, tem que ser no balde e isso é complicado
porque interfere na higiene dos alunos, às vezes tem alunos que vem
sujos pra escola e às vezes não é porque quer, é por que não tem
água com facilidade em casa e às vezes sai muito cedo aí fica mais
difícil pegar água, aí do jeito que acorda vem para escola.”
Por ser uma escola localizada na zona rural do município, a distância entre as casas e a
escola é na maioria das vezes longas, fato que demanda o uso de um ônibus para transportar
os alunos. A longa distância somada à dificuldade de acesso à água faz com que muitos
estudantes vão para a escola sem a possibilidade de tomar um banho ou outras formas de
higiene. Devemos considerar ainda que é comum a própria escola sofrer com a falta de água,
tanto para beber, quanto para outros usos, desta forma compreendemos que a falta de água na
comunidade está presente em muitos momentos do cotidiano quilombola.
Os jovens precisam estar informados e instruídos sobre o que ocorre em sua
comunidade e também no mundo, precisam compreender como se dá o processo de
globalização e a concentração de riquezas nas mãos da minoria, como sua realidade tem
relação com as diversas realidades econômicas, sociais e culturais ao redor do mundo.
Segundo Harvey,
A globalização envolve, por exemplo, um alto nível de autodestruição, de
desvalorização e de falência em diferentes escalas e distintos lugares. Ela torna populações inteiras seletivamente vulneráveis à violência da redução
de níveis funcionais, ao desemprego ao colapso dos serviços, à degradação
dos padrões de vida e à perda de recursos e qualidades ambientais. Ela põe em risco instituições políticas e legais existentes, bem como inteiras
configurações culturais e modos de vida, e o faz numa variedade de escalas
espaciais. A globalização faz tudo isso ao mesmo tempo em que concentra riqueza e poder e promove oportunidades político-econômicas numas poucas
localidades seletivamente escolhidas e no âmbito de uns poucos estratos
restritos da população (HARVEY, 2009, p. 115.).
Entender os processos que resultam nas diferenças sociais é importante para combater
estas diferenças. O conhecimento é a melhor forma de se opor ao sistema e lutar pelos seus
104
direitos e de sua comunidade. A escola não pode se negar a exercer seu papel de conceber
uma compreensão crítica da realidade com práticas libertadoras e emancipatórias contribuindo
na formação crítica e política dos discentes (FREIRE, 1987).
O que esperar do futuro quando o presente não está sendo tratado como deveria?
Harvey (2009, p. 286) afirma que “tal como muitas outras espécies, somos perfeitamente
capazes de destruir nosso próprio ninho ou dilapidar nossos próprios recursos básicos de
forma a ameaçar gravemente nossas próprias condições de sobrevivência.” A humanidade
está totalmente propensa a isso se atitudes não forem tomadas desde o início da nossa
formação, pois a natureza já fragilizada vem nos mostrando seus limites cotidianamente.
5.2 Considerações sobre a pesquisa
A realização desta pesquisa nos proporcionou compreender um problema grave de
uma comunidade que enfrenta outros inúmeros desafios. Com o objetivo de compreender a
percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água esta pesquisa nos mostrou muito
mais do que pretendíamos ver, ouvir, sentir, saber ou pesquisar.
Compreendemos a percepção dos quilombolas de Mata Cavalo sobre a água. Os
resultados encontrados foram além de nossas expectativas, de forma que os caminhos
percorridos se tornaram mais gratificantes e prazerosos. Os problemas com a falta de água na
comunidade não foram resolvidos com a conclusão deste trabalho, pois este não era o objetivo
proposto pela pesquisa.
O problema de falta de água na comunidade existe há muito tempo, continuou no
decorrer de nosso trabalho e não temos previsão de quando será resolvido ou amenizado.
Porém, compreendemos como os quilombolas enfrentam este problema, como contribuem
para a perpetuação ou solução deste e, ainda, o que esperam do futuro em relação à água na
comunidade.
Os quilombolas de Mata Cavalo percebem que a origem da água que utilizam em suas
casas mudou, que os córregos de onde retiravam água para sobreviver já não são mais os
mesmos, impossibilitando seu uso como antigamente. Os córregos não são mais os mesmos
por que o desmatamento, a poluição, o garimpo, as queimadas e outras intervenções humanas,
os destruíram.
A natureza, o ambiente natural e o clima também não são mais os mesmos, tudo está
muito diferente. Os animais, as árvores e os córregos estão desaparecendo, o clima está mais
quente e as chuvas não caem nos períodos certos. Estas mudanças são atribuídas às ações
105
humanas diante da natureza, e eles os quilombolas também se veem como parte destas
pessoas que não tratam a natureza como ela merece.
Os conflitos na comunidade mais comuns envolvem o poço artesiano da comunidade,
este que está conseguindo abastecer a comunidade há quase trinta anos, apenas os poucos
moradores que tem seus próprios poços em seus quintais não utilizam a água do poço da
comunidade.
A solução apontada unanimemente pelos quilombolas para o problema com a falta de
água é a construção de mais poços artesianos na comunidade. Esta solução é desanimadora
quando percebemos que a construção dos poços é mais importante para eles do que a
conservação e recuperação dos córregos dos quais retiravam água antigamente. Ao apontarem
que precisam de mais poços na comunidade eles se esquecem de que há outras formas de ter
acesso a água no quilombo, como a construção de cisternas para reaproveitamento de água da
chuva e, principalmente, de recuperar o ambiente natural em que estão inseridos, embora o
acesso aos córregos pelos quilombolas seja limitado pelo fato da maioria estar localizado nas
propriedades dos fazendeiros da região.
A qualidade e a quantidade de água mudaram com o decorrer do tempo, e para a
maioria dos quilombolas mudou para melhor. Para eles não existe diferença na qualidade da
água que retiram dos poços e a água que buscavam nos córregos antigamente. A quantidade e
o acesso à água melhoraram por causa da construção dos poços, para eles é mais fácil utilizar
algum meio de transporte ou mesmo com a lata d’água na cabeça, irem até os poços para
pegar água do que ter que percorrer longas distâncias dentro da mata até os córregos.
As mudanças são necessárias, tanto dos quilombolas e fazendeiros da região com suas
atitudes em relação aos bens naturais, quanto do Poder Público que deveria atender as
necessidades básicas deste povo vulnerável. Muito mais do que soluções pontuais, a reflexão
da educação ambiental neste contexto deve ser o alcance da percepção da injustiça
socioambiental e descaso político. É necessário repensar a construção de vários poços na
comunidade e avaliar se a natureza suportaria toda esta demanda. É difícil apontar uma
solução para este problema, mas compreendemos que conservar os bens naturais é o começo
para qualquer solução.
O que esperar para o futuro se os jovens que são o futuro da comunidade têm pouco
acesso às informações que possam embasar seus conhecimentos para combater os problemas
de seu povo? Alguns dos principais problemas da comunidade, como a falta de água e a
degradação da natureza, são pouco abordados pela escola, esta que tem a responsabilidade de
formar cidadãos críticos e conscientes de seu papel diante da sociedade e natureza. Não
106
desconsiderando os labirintos de aprendizados cotidiano dos quilombolas, por meio do
contato com a história e cultura no quilombo, que serve também para a manutenção da
identidade desse povo.
A globalização tem o poder de transformar o mundo em questão de minutos e
infelizmente ninguém está isento deste movimento que transforma culturas, saberes, costumes
e um povo. A crença e o desejo de resolver os problemas na individualidade enfraquecem a
coletividade e a força comunitária, trazendo à tona a visão típica desenvolvimentista. Os
quilombolas que buscavam água com a lata d’água na cabeça, ou os poucos que ainda fazem
isso, preferem uma bomba d’água que leve até eles de forma mais confortável e rápida a água
que precisam. As novas tecnologias têm a vantagem de facilitar nossas vidas em muitos
aspectos, mas é necessário ter discernimento para optar pelo que nos ajude de forma completa
e, principalmente, respeitando nossas culturas e a natureza.
A educação ambiental proposta pelo GPEA e trabalhada ao longo dos dez anos em
parceria com a comunidade quilombola de Mata Cavalo pode ser um importante caminho para
fortalecer as lutas do quilombo e os ajudar a extrapolar a visão de que mais poços ou recursos
financeiros possam resolver seus problemas definitivamente. É importante compreender que
assim como a construção de poços, embora seja uma forma imediata de ter acesso à água, a
recuperação do ambiente natural que habitam também é uma forma de ter acesso à água,
embora não atenda as suas necessidades com a urgência necessária.
Aliando os conceitos e princípios da Cartografia do Imaginário e escolas sustentáveis
apresentamos as percepções dos nossos entrevistados considerando as dimensões axiomática,
praxiológica e epistemológica. Acreditamos que as três dimensões contemplam todas as
percepções que nos propomos a pesquisar, sendo que essas dimensões se complementam e
dão sentido às várias percepções de nossos entrevistados.
A dimensão axiomática nos permitiu compreender as percepções em relação à
natureza e a água no quilombo e a relação estabelecida pelos mais antigos com os córregos,
por meio das lembranças afetivas da infância. A substituição dos córregos pelos poços
provocaram mudanças no cotidiano dos quilombolas, fato que contribuiu ainda para o
surgimento de desentendimentos em relação ao uso do poço comunitário.
A dimensão praxiológica evidenciou as vivências no quilombo por meio dos relatos
que mostraram os caminhos percorridos antigamente até os córregos e hoje até os poços. Esta
dimensão nos mostrou também que o poder aquisitivo de cada quilombola interfere nos
costumes de ter acesso à água pelos córregos, pelos poços ou na construção de poços em seus
quintais, esse para quem tem condições de pagar.
107
A dimensão epistemológica nos permitiu conhecer e compreender o contexto em que a
escola aborda a educação ambiental ou os problemas enfrentados pelos quilombolas no
currículo da escola. Não desconsideramos o currículo da comunidade, que pode ser
evidenciado pelos saberes passados entre as gerações dentro da comunidade.
A compreensão das dimensões axiomática, praxiológica e epistemológica nos
propiciou conhecer a comunidade quilombola de Mata Cavalo por diversos olhares em seus
diversos aspectos. Acreditamos que estas dimensões se complementam, assim como o
axioma, a práxis e a episteme desta comunidade.
Com o aporte da Cartografia do Imaginário realizamos esta viagem que nos trouxe
muitas descobertas, prazeres e conhecimentos. Descobrimos a história de um povo que em
meio a grandes lutas e dificuldades procuram olhar o lado bom dos acontecimentos sempre
com sorrisos no rosto e o brilho de esperança nos olhos por acreditarem que dias melhores
virão. Tivemos o prazer de conviver com pessoas fortes que nos permitiu entrar em suas casas
e conhecer além de suas histórias, também seus sentimentos.
A viagem foi muito proveitosa e voltamos desta com a bagagem cheia de experiências,
transformações e ótimas lembranças. As vivências na comunidade permitiram ver o mundo
com outros olhos e rever nossos conceitos de dificuldades, pois existem pessoas que são
completamente alheias aos serviços que o governo tem obrigação de oferecer ou mesmo não
tem um pouco de terra para chamar de sua, enquanto os fazendeiros ao redor de sua
comunidade possuem muito mais do que precisam.
Esperamos que nossa pesquisa contribua para que os quilombolas se vejam como
agentes transformadores da realidade que os cercam, e que embora as dificuldades sejam
notórias em seu cotidiano é possível e é necessário lutar por seus direitos e principalmente por
um mundo melhor e justo, em que a cor da pele e as condições financeiras não sejam
determinantes para a forma de viver.
Retomando a metáfora do “direito de janela e o dever de árvore”, compreendemos que
chegando ao final desta viagem e ao olharmos novamente pela janela já não conseguimos
compreender as árvores como no início. Agora conseguimos entender as dificuldades em
passar pelo solo pedregoso para chegar à superfície e também grande parte das cicatrizes em
suas folhas e troncos, que com certeza as tornaram mais resistentes às dificuldades.
Embora as condições naturais necessárias para a manutenção da vida destas árvores
não sejam as mais propícias, elas nos mostram que suas folhas podem ser verdes e que podem
ainda produzir saborosos frutos. Podemos ver esses frutos como sonhos, pois embora as
adversidades estejam presentes cotidianamente no quilombo, os sonhos também estão
108
presentes e são eles os responsáveis por não deixar as árvores serem afetadas pelos problemas
socioambientais.
A viagem nos proporcionou conhecer muitas árvores, mas sabemos que sempre há
mais para se aprender, descobrir e se encantar. Há muitas florestas repletas de árvores que
esperam ser conhecidas, pode ser que estas árvores sejam conhecidas e desvendadas por mim,
por outros pesquisadores ou talvez continuem anônimas em suas florestas. O futuro é incerto,
mas sabemos que as árvores existem e que muitas precisam ser conhecidas e compreendidas.
O acesso à água de boa qualidade é uma necessidade e direito de todos independente
de ser humano, árvore ou qualquer ser vivo. A classe econômica, social ou cultural não deve
definir quem pode ter acesso a este bem natural essencial. É necessário ter um olhar especial
para este problema que é um dos maiores da humanidade, pois compreendemos que sem água
absolutamente ninguém consegue sobreviver, mas não se trata apenas de água, mas de água
acessível a todos e de boa qualidade.
109
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114
APÊNDICE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
Você está sendo convidada (o) à participar, como voluntário, da pesquisa: Lata d’água
na cabeça: Um olhar sobre a percepção da água na comunidade quilombola de Mata
Cavalo, a ser desenvolvida por Priscilla Mona de Amorim, pesquisadora no Grupo
Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) do Instituto de Educação (IE) da Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT), sob a orientação da Profª. Drª. Regina Aparecida da Silva. A pesquisa
tem a finalidade de obter informações para desenvolvimento da dissertação de Mestrado.
Após ser esclarecida (o) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do
estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias, uma delas é sua e a outra é da
pesquisadora responsável. O objetivo deste estudo é compreender a percepção dos
quilombolas de Mata Cavalo sobre a água. Sua participação nesta pesquisa consistirá em
conceder entrevista a pesquisadora, por meio de um roteiro de entrevistas semi-estruturada,
com tópicos a serem abordados pela pesquisadora, estes facilitarão o diálogo que será
gravado, fotografado e filmado. Os riscos relacionados à sua participação na pesquisa são possíveis desconfortos devido aos
constrangimentos decorrentes das entrevistas, porém caso as perguntas causem algum constrangimento, asseguro que as mesmas serão interrompidas. Os benefícios dessa pesquisa para sua
comunidade é que ela tem o potencial de valorizar o olhar e percepção que os quilombolas têm sobre a
água. O estudo da percepção sobre este elemento natural permitirá entender a relação que os quilombolas têm com a água apesar do histórico de falta de água enfrentado pela comunidade.
Seus direitos enquanto participante da pesquisa serão preservados: garantia de
esclarecimentos a qualquer momento sobre esta pesquisa e sobre sua participação, liberdade
para retirar-se sem penalização, ou seja, você pode desistir de participar da pesquisa em
qualquer momento, mesmo que já tenha assinado este termo. As informações desta pesquisa
serão divulgadas em sites da web, eventos e publicações científicas, havendo identificação
dos participantes bem como o uso de imagens fotográficas e fílmicas. Este termo contém o
nome, telefone, local de estudo e o e-mail da pesquisadora responsável, para que você possa
localizá-la a qualquer momento.
Meu nome é Priscilla Mona de Amorim, estudo no Instituto de Educação-UFMT,
Cuiabá-MT, meu telefone de contato é (65) 92043678 e e-mail:
[email protected] . Minha orientadora é a professora Drª. Regina Aparecida
da Silva, da UFMT/Cuiabá e seu e-mail: [email protected] . Em caso de dúvida você pode
procurar o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller - UFMT- pelo
telefone (65) 36158254, sob a coordenação de Dra. Shirley Ferreira Pereira.
Ressalto ainda que não haverá nenhum gasto ou remuneração com sua participação
nesta pesquisa.
Considerando as informações acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e
verbalmente do objetivo desta pesquisa e em caso de divulgação AUTORIZA a publicação.
Eu __________________________________________________, Idade:__________,
Sexo:_______________, Natural de:________________________ RG __________________
declaro que sinto-me suficiente e devidamente esclarecida(o) e entendi os objetivos da
pesquisa, bem como os riscos e benefícios de minha participação na mesma, como está escrito
neste termo declaro que consinto em participar da pesquisa por livre vontade, não tendo
sofrido nenhuma forma de pressão ou influência indevida.
_______________________, _______ de _____________________ de 2016.
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ANEXO
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