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7 DE AGOSTO DE 2008 v95 JUSTIÇA SOCIEDADE Prisioneiros em ‘part-time’ Durante a semana, fazem a sua vida normal. Os sábados e domingos passam-nos na cadeia POR PEDRO MIGUEL SANTOS J á era de noite e precisava dar de comer aos miúdos. Fomos ao supermercado comprar leite e pronto…» Pronto significa que Mário Moutinho, 29 anos, foi apanhado a conduzir sem carta. Pela terceira vez. En- tre a pena suspensa que cumpria, a nova condenação do tribunal e os recursos do advogado, acabou por ser castigado a oito meses atrás das grades. Os primeiros dois – «os piores da minha vida», garante – foram cumpridos no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Até que um colega recluso lhe falou da «prisão por dias livres»: na prática, trocar a pena tradicional por uma alternati- va. Mário apelou a um juiz e, em Fevereiro, começou a passar apenas os sábados e os domingos na cadeia (agora, no Estabeleci- mento Prisional de Monsanto) – durante a semana, trabalha normalmente, a fazer biscates na construção civil. O próximo fim-de-semana, 9 e 10 de Agosto, será o 23.º que passa em Monsanto. Ficam a faltar 14, para perfazer os 37 em que «vai trabalhar para casa do tio», desculpa que utiliza para justificar a sua ausência aos três filhos. «Esta possibilidade já existia, mas era pouco utilizada. Com o novo Código Penal [em vigor desde Setembro de 2007], foi re- forçada e definiram-se os períodos de pri- são possível», explica Jorge Lopes, 39 anos, advogado de Mário Moutinho. A medida pode ser aplicada a quem for condenado a uma pena inferior ou igual a um ano e nunca excede os 72 fins-de-semana na cadeia. Na maioria dos casos, os reclusos entram à sex- ta-feira, por volta das oito da noite, e saem domingo à mesma hora. No primeiro trimestre deste ano, cem reclusos já beneficiavam deste sistema, número que aumentou para 155 nos três meses seguintes. LÁ DENTRO «Vejo televisão, jogo às car- tas e ao dominó, vejo a Sport TV, como e durmo. O que é que eu podia querer mais?», diz Joaquim Santos, 42 anos, a cumprir 18 fins-de-sema- na em Monsanto desde Abril (pena a que foi condenado depois de ter sido apanhado duas vezes a conduzir sob o efeito do álco- ol). De segunda a sexta, o recluso leva uma vida menos folgada: mantém o seu empre- go como cozinheiro num restaurante do concelho de Oeiras. Este é o tipo de solução que, no entender do jurista Jorge Lopes, agrada a todos. «Permite ao Estado cumprir o poder punitivo para quem comete crimes e possi- bilita que o recluso não fique estigmatizado, continuando a ter uma vida integrada na sociedade.» As intenções da Direcção- -Geral dos Serviços Prisio- nais (DGSP) são diferenciar o tratamento destes presos do de outros que cometem crimes com uma gravidade so- cial maior. Fruto do crescimento do núme- ro de «presos de fim-de-semana», a DGSP está a preparar um programa especial de intervenção que pretende concentrar es- tes condenados em prisões específicas de Lisboa, Coimbra e Algarve. A ideia é que, além de terem um espaço próprio, possam cumprir um programa pedagógico especí- fico. No final do ano, já deverá haver equi- pas a fazer este trabalho. Mário Moutinho não beneficiará desse projecto educativo (a sua pena acabará antes disso). Mas, garante, também não seria preciso – cá fora, não aprendeu a tempo que não se conduz sem licença, mas os fins-de-semana «em casa do tio» foram suficientes. «Já estou a tirar o código. Este ano, a carta fica pronta.» MÁRIO MOUTINHO Foi apanhado a conduzir sem carta e levou oito meses de prisão – que agora cumpre ao fim-de-semana. De segunda a sexta, mantém a sua rotina familiar 155 Reclusos a beneficiar do sistema «pena por dias livres», no 2.º trimestre deste ano FOTOS: CLÁUDIA ANDRADE

prisioneiros em part time

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SOCIEDADE LÁ DENTRO «Vejo televisão, jogo às car- tas e ao dominó, vejo a Sport TV, como e durmo. O que é ‘ Reclusos a benefi ciar do sistema «pena por dias livres», no 2.º trimestre deste ano 7 DE AGOSTO DE 2008 v 95 MÁRIO MOUTINHO Foi apanhado a conduzir sem carta e levou oito meses de prisão – que agora cumpre ao fi m-de-semana. De segunda a sexta, mantém a sua rotina familiar POR PEDRO MIGUEL SANTOS FOTOS: CLÁUDIA ANDRADE

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7 DE AGOSTO DE 2008 v 95

JUSTIÇA SOCIEDADE

Prisioneiros em ‘part-time’Durante a semana, fazem

a sua vida normal. Os sábados e domingos

passam-nos na cadeiaPOR PEDRO MIGUEL SANTOS

Já era de noite e precisava dar de comer aos miúdos. Fomos ao supermercado comprar leite e pronto…» Pronto significa que

Mário Moutinho, 29 anos, foi apanhado a conduzir sem carta. Pela terceira vez. En-tre a pena suspensa que cumpria, a nova condenação do tribunal e os recursos do advogado, acabou por ser castigado a oito meses atrás das grades. Os primeiros dois – «os piores da minha vida», garante – foram cumpridos no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Até que um colega recluso lhe falou da «prisão por dias livres»: na prática, trocar a pena tradicional por uma alternati-va. Mário apelou a um juiz e, em Fevereiro, começou a passar apenas os sábados e os domingos na cadeia (agora, no Estabeleci-mento Prisional de Monsanto) – durante a semana, trabalha normalmente, a fazer biscates na construção civil. O próximo fi m-de-semana, 9 e 10 de Agosto, será o 23.º que passa em Monsanto. Ficam a faltar 14, para perfazer os 37 em que «vai trabalhar para casa do tio», desculpa que utiliza para justifi car a sua ausência aos três fi lhos.

«Esta possibilidade já existia, mas era pouco utilizada. Com o novo Código Penal [em vigor desde Setembro de 2007], foi re-forçada e defi niram-se os períodos de pri-são possível», explica Jorge Lopes, 39 anos, advogado de Mário Moutinho. A medida pode ser aplicada a quem for condenado a uma pena inferior ou igual a um ano e nunca excede os 72 fi ns-de-semana na cadeia. Na maioria dos casos, os reclusos entram à sex-ta-feira, por volta das oito da noite, e saem domingo à mesma hora. No primeiro trimestre deste ano, cem reclusos já benefi ciavam deste sistema, número que aumentou para 155 nos três meses seguintes.

LÁ DENTRO«Vejo televisão, jogo às car-tas e ao dominó, vejo a Sport TV, como e durmo. O que é

que eu podia querer mais?», diz Joaquim Santos, 42 anos, a cumprir 18 fi ns-de-sema-na em Monsanto desde Abril (pena a que foi condenado depois de ter sido apanhado duas vezes a conduzir sob o efeito do álco-ol). De segunda a sexta, o recluso leva uma vida menos folgada: mantém o seu empre-go como cozinheiro num restaurante do concelho de Oeiras. Este é o tipo de solução que, no entender do jurista Jorge Lopes,

agrada a todos. «Permite ao Estado cumprir o poder punitivo para

quem comete crimes e possi-bilita que o recluso não fi que

estigmatizado, continuando a ter uma vida integrada na sociedade.»

As intenções da Direcção--Geral dos Serviços Prisio-

nais (DGSP) são diferenciar o

tratamento destes presos do de outros que cometem crimes com uma gravidade so-cial maior. Fruto do crescimento do núme-ro de «presos de fi m-de-semana», a DGSP está a preparar um programa especial de intervenção que pretende concentrar es-tes condenados em prisões específi cas de Lisboa, Coimbra e Algarve. A ideia é que, além de terem um espaço próprio, possam cumprir um programa pedagógico especí-fi co. No fi nal do ano, já deverá haver equi-pas a fazer este trabalho.

Mário Moutinho não benefi ciará desse projecto educativo (a sua pena acabará antes disso). Mas, garante, também não seria preciso – cá fora, não aprendeu a tempo que não se conduz sem licença, mas os fi ns-de-semana «em casa do tio» foram sufi cientes. «Já estou a tirar o código. Este ano, a carta fi ca pronta.»

MÁRIO MOUTINHO Foi apanhado a conduzir sem carta e levou oito meses de prisão – que agora cumpre ao fi m-de-semana. De segunda a sexta, mantém a sua rotina familiar

155 Reclusos a benefi ciar

do sistema «pena por dias livres», no 2.º trimestre

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