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ISSN 2177-8892 1957 PROCESSO DE TRABALHO E ENSINO DE SOCIOLOGIA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: TRABALHO DOCENTE EM MUDANÇA Valéria de Moraes Vicente Moreira SEEDUC/RJ/CEIAA valé[email protected] Rosa Maria Corrêa das Neves FE/UFRJ [email protected] INTRODUÇÃO A Resolução nº 4746 de 30 de novembro de 2011 da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, que fixou diretrizes para a implantação das matrizes curriculares para educação básica nas unidades escolares da rede pública, reduziu a carga horária semanal de sociologia de cinco para quatro tempos na Formação Geral, e de quatro para três tempos na Educação de Jovens e Adultos 1 . Vale lembrar que o oferecimento da disciplina nos três anos do Ensino Médio se tornara obrigatório através da aprovação da Lei nº 11.684/2008. Diante dessa redução do tempo de aula, o professor de sociologia que dava aula no segundo ano da Formação Geral ou no terceiro ano da Educação de Jovens e Adultos na semana de planejamento que antecedeu o início do ano letivo de 2012 elaborou o plano de curso para o ano letivo, considerando a redução da carga horária de dois tempos para um tempo semanal. De cem minutos semanais o professor passou a ter cinquenta. Como desdobramento desta medida da redução da carga horária de aula, o professor teve duplicado o número de turmas sob sua responsabilidade: se antes tinha 6 turmas com dois tempos de aula semanais, passou a ter 12 turmas com um tempo semanal de aula; de seis turmas semanais passou a ter doze, de 240 estudantes por semana o professor de sociologia passou a lecionar para 480, em média. O que para a burocracia pode aparentar ser o mesmo, significou praticamente a duplicação das exigências de trabalho pois ainda que parte do trabalho seja destinada ao coletivo de estudantes, a turmas, parte do trabalho do professor não é 1 A Secretaria de Estado de Educação Rio de Janeiro, a SEEDUC-RJ, responsável, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 pelo Ensino Médio, a última etapa da Educação Básica, oferece atualmente Curso de Formação de Professores, Curso de Formação Geral e a Educação de Jovens e Adultos, e minoritariamente Cursos Técnicos, que são, em sua maioria, ofertados através da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação.

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ISSN 2177-8892 1957

PROCESSO DE TRABALHO E ENSINO DE SOCIOLOGIA NO ESTADO DO

RIO DE JANEIRO: TRABALHO DOCENTE EM MUDANÇA

Valéria de Moraes Vicente Moreira

SEEDUC/RJ/CEIAA

valé[email protected]

Rosa Maria Corrêa das Neves

FE/UFRJ

[email protected]

INTRODUÇÃO

A Resolução nº 4746 de 30 de novembro de 2011 da Secretaria de Estado de

Educação do Rio de Janeiro, que fixou diretrizes para a implantação das matrizes

curriculares para educação básica nas unidades escolares da rede pública, reduziu a

carga horária semanal de sociologia de cinco para quatro tempos na Formação Geral, e

de quatro para três tempos na Educação de Jovens e Adultos1. Vale lembrar que o

oferecimento da disciplina nos três anos do Ensino Médio se tornara obrigatório através

da aprovação da Lei nº 11.684/2008. Diante dessa redução do tempo de aula, o

professor de sociologia que dava aula no segundo ano da Formação Geral ou no terceiro

ano da Educação de Jovens e Adultos na semana de planejamento que antecedeu o

início do ano letivo de 2012 elaborou o plano de curso para o ano letivo, considerando a

redução da carga horária de dois tempos para um tempo semanal. De cem minutos

semanais o professor passou a ter cinquenta. Como desdobramento desta medida da

redução da carga horária de aula, o professor teve duplicado o número de turmas sob

sua responsabilidade: se antes tinha 6 turmas com dois tempos de aula semanais, passou

a ter 12 turmas com um tempo semanal de aula; de seis turmas semanais passou a ter

doze, de 240 estudantes por semana o professor de sociologia passou a lecionar para

480, em média. O que para a burocracia pode aparentar ser o mesmo, significou

praticamente a duplicação das exigências de trabalho pois ainda que parte do trabalho

seja destinada ao coletivo de estudantes, a turmas, parte do trabalho do professor não é

1 A Secretaria de Estado de Educação Rio de Janeiro, a SEEDUC-RJ, responsável, de acordo com a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 pelo Ensino Médio, a última etapa da Educação Básica,

oferece atualmente Curso de Formação de Professores, Curso de Formação Geral e a Educação de Jovens

e Adultos, e minoritariamente Cursos Técnicos, que são, em sua maioria, ofertados através da Secretaria

de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação.

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distribuído entre vários estudantes, uma vez que cada estudante realiza atividades

individualmente – exercícios, provas – o que em contraparte exige atenção

individualizada pelo professor – na correção de exercícios e provas –, sendo inclusive a

própria medida do trabalho escolar o estudante considerado individualmente. Além

dessas mudanças no tempo do trabalho do docente em sociologia, outras medidas sobre

o trabalho docente do professor da rede estadual de ensino foram implantadas desde o

início do ano letivo de 2011, como parte do Plano de Metas do Governo do Estado do

Rio de Janeiro. Segundo esse Plano, o professor passa a ter restringida a sua dimensão

propositiva pois é obrigado a utilizar o Currículo Mínimo como referência de ensino, a

utilizar a prova do Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ)2,

aplicada bimestralmente em todas as unidades escolares da SEEDUC/RJ, como

instrumento de medida na nota bimestral de cada estudante, o que exige tanto responder

obrigatoriamente por sua aplicação quanto, por óbvio, considerar o conteúdo da prova

como referência de ensino. Além dessas medidas, passa a ser atribuição do professor a

execução de tarefas anteriormente de competência da equipe técnico-administrativa ou

da equipe técnico-pedagógica das escolas como, já dito, a obrigatoriedade de aplicação

da prova do SAERJ e de utilização do Programa Conexão Educação para o lançamento

das notas e frequências de cada estudante, além dos obrigatórios lançamentos de notas e

frequências em documentos impressos.

Diante de tantas arbitrárias mudanças, várias são as questões: o trabalho do

professor de sociologia continua o mesmo? Que operações o professor realiza para

assegurar a qualidade do ensino? Se fosse na fábrica o tempo necessário para produzir o

carro teria sido reduzido pela metade? O metalúrgico decidiria sozinho o que fazer para

que a redução da carga horária não inviabilizasse o processo de trabalho? De quem seria

a responsabilidade? O metalúrgico deixaria de executar uma etapa do processo de

trabalho? Ou gastaria menos tempo para executá-la? Foram inúmeras as vezes em que

nos vimos em situações nas quais não sabíamos como dar conta das nossas próprias

atribuições no exercício do magistério e deduzimos que provavelmente não se tratava de

um problema pessoal, mas, senão social, pelo menos objetivo, no sentido de estar

2 As provas do SAERJ são encomendadas pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro a

Universidade Federal de Juiz de Fora, situada no Estado de Minas Gerais.

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relacionado à organização do trabalho docente3, uma vez que a frustração pelo

descompasso entre a dimensão subjetiva e objetiva do trabalho é partilhada por um

grande número de docentes.

Com esse objetivo, passamos a considerar a necessidade de investigar o trabalho

docente em sua materialidade. Desenvolvemos uma pesquisa que explora a hipótese de

que a redução da carga horária cria fortes constrangimentos à concretização do trabalho

docente, às atividades de apropriação, elaboração, sistematização e socialização de

conhecimentos pelo professor. A pesquisa teve como objetivo reconhecer o

redimensionamento do processo de trabalho do professor de sociologia da rede pública

estadual do Rio de Janeiro em face das medidas governamentais de fins de 2011.

Colaboraram com respostas a questionário que considerava, entre outros elementos, a

relação entre tempo de trabalho e ensino, vinte e um professores que lecionavam

sociologia no Ensino Médio no segundo ano da Formação Geral e no terceiro da

Educação de Jovens e Adultos nos anos de 2011 e 2012, confirmando a hipótese de que

partimos e enriquecendo-a.

Nesta publicação, apresentamos numa primeira seção algumas sínteses teóricas

construídas no desenvolvimento da pesquisa realizada no “Curso de Especialização em

Saberes e Práticas na Educação Básica (CESPEB)– Ensino de Sociologia” da Faculdade

de Educação da UFRJ. Esta fundamentação é exposta através da apresentação das teses

gerais de Marx sobre o processo de trabalho abstrato, da tese de Harry Braverman

(1974) sobre a reestruturação da classe trabalhadora ao longo do século XX, além de

outros autores que trazem contribuições específicas sobre trabalho docente (Áurea

Costa, 2009; Esther Buffa, 1991 e Dermeval Saviani, 2005).

Na segunda seção, apresentamos aspectos metodológicos da dimensão empírica

da pesquisa – a delimitação do campo empírico e a construção do instrumento para

exploração da hipótese e sua aplicação; e na terceira seção, expomos os resultados e

análises permitidos pelo cotejamento da contribuição de professores face à hipótese de

3 A despeito deste trabalho ser relativo à Monografia de Especialização em Ensino de Sociologia da

primeira autora (MOREIRA, 2013) e estar mais vinculado à sua experiência docente, orientada

academicamente pela segunda autora no curso de Especialização em Saberes e Práticas na Educação

Básica – Ensino de Sociologia, da Faculdade de Educação da UFRJ, a orientadora também partilha

reflexões da mesma natureza tanto sobre a materialidade do trabalho docente quanto da materialidade do

trabalho investigativo.

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pesquisa, destacando as conclusões da pesquisa de campo e apontando algumas

considerações sobre as perspectivas de superação de limites do trabalho docente.

1 - Processo de trabalho em geral e processo de trabalho docente: notas teóricas e

interpretações para análise de processos específicos do trabalho docente.

Para compreender o redimensionamento do trabalho docente de sociologia no

ensino médio da rede pública do Estado do Rio de Janeiro diante do conjunto de

medidas que o afetaram entre 2011 e 2012, não iniciamos a análise do processo de

trabalho docente em si próprio, mas precisamos tomar como ponto de partida o processo

de trabalho em geral, lançando mão das contribuições científicas de Karl Marx sobre

trabalho em geral, de Harry Braverman sobre a classe trabalhadora na fase monopolista

do capitalismo, fase imperialista do capital, no século XX.

No livro 1 d´ O Capital, no capítulo sobre Processo de Trabalho e Processo de

Produção de Mais Valia, Marx afirma que na medida em que a natureza geral do

trabalho por ser levada a cabo em benefício do capitalista muda a produção de valores-

de-uso, isto é, de coisas que sirvam para satisfazer necessidades de qualquer natureza, se

faz necessário inicialmente considerar o processo de trabalho à parte de qualquer

estrutura social determinada. Em outros termos, na medida em que a produção de

valores-de-uso tem como referência o interesse do capitalista e não uma necessidade

geral, para compreender o processo de trabalho, é necessário num primeiro momento

analisá-lo de uma forma geral ao invés de considerar o específico.

Marx (2013:2) apresenta os elementos componentes do processo de trabalho: a

atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o

trabalho, o objeto de trabalho; os meios de trabalho, o instrumental de trabalho.

Ressalta também que a ausência das condições materiais necessárias impossibilita a

concretização do processo de trabalho:

“Além das coisas que permitem ao trabalho aplicar-se a seu objeto e

servem de qualquer modo para conduzir a atividade, consideramos

meios de trabalho em sentido lato todas as condições materiais seja

como forem necessárias à realização do processo de trabalho. Elas não

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participam diretamente do processo, mas este fica sem elas total ou

parcialmente impossibilitado de concretizar-se.” (MARX, 2013:4)

Marx (2013:4) mostra finalmente que no processo de trabalho a atividade

humana transforma o objeto sobre que atua por meio do instrumental de trabalho

extinguindo-se ao concluir-se o produto. Apesar da análise de Marx em O Capital ter

como referência o trabalho do operário, estas considerações sobre o trabalho em geral

permitem pensar o trabalho docente na medida em que podemos partir do pressuposto

que os elementos do processo de trabalho identificados por Marx estão presentes em

quaisquer processos de trabalho e consequentemente no processo de trabalho do

professor, o que passaremos a considerar mais adiante. Antes, nos dedicamos a explorar

as contribuições teóricas de um autor cujas reflexões sobre a composição da classe

trabalhadora ao longo do século XX, na fase imperialista do capital, do capital

monopolista, revelava uma natureza diferenciada do trabalhador típico analisado por

Marx e Engels, nos séculos XVIII e XIX, em que o capital se acumulava em livre

concorrência entre capitalistas.

Em Trabalho e Capital Monopolista, publicado em 1974, Harry Braverman

mostra que um número cada vez maior de trabalhadores se tornam assalariados,

passando a ser totalmente dependentes do capital para subsistir na medida em que não

têm acesso aos meios de produção fora do emprego. De acordo com Braverman (1987,

p. 344), a forma social assumida pelo trabalho da “nova classe média” se faz sentir cada

vez mais sobretudo nas ocupações que fazem parte deste estrato entre os quais são

citados os empregos de desenhistas e técnicos, engenheiros e contadores, enfermeiros e

professores e os múltiplos graus de supervisores, chefes e pequenos gerentes.

Com relação às formas de trabalho capitalistas e não capitalistas, Braverman

esclarece que “o modo capitalista de produção subordinou a si mesmo todas as formas

de trabalho e todos os processos de trabalho agora passam pelo crivo do capital,

deixando atrás seu tributo de excedente”. (BRAVERMAN, 1987:349-350)

O exame da teoria geral do trabalho de Marx e do trabalho no capital

monopolista de Braverman nos serviram como ponto de partida para analisar o trabalho

docente e para pensar questões sobre esse trabalho que pudessem ser exploradas junto a

professores, trabalhadores docentes. Apresentamos algumas conclusões teóricas, sendo

a primeira a mais geral: a de que o professor é um trabalhador e sobre ele podem ser

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desenvolvidas análises gerais do processo de trabalho. Dessa conclusão mais geral,

pudemos extrair considerações específicas sobre o trabalho docente buscando analogia

nos elementos do processo de trabalho em geral.

Nessa direção, podemos pensar inicialmente com Marx que “a atividade

adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho” docente são todas as atividades relativas

ao ensino que vão desde o planejamento até a avaliação, incluindo reuniões pedagógicas

e a própria qualificação contínua do professor, atividades que não são, em grande

medida, rotineiras, exigindo um contínuo refazer e uma reavaliação do já feito, uma vez

que a atividade humana extingue-se “ao concluir-se o produto”. Ainda segundo a teoria

geral do trabalho de Marx, “os meios de trabalho”, “o instrumental de trabalho” são

precipuamente os conhecimentos específicos na forma através da qual aparecem

mediados pelo material didático4 e todos os demais instrumentos que concorrem para a

socialização dos conhecimentos específicos: o quadro negro, o giz, o retroprojetor, os

quais inclusive são substituídos na medida do desenvolvimento tecnológico pelo quadro

branco, pela caneta correspondente e pelo projetor multimídia5.

Como antes ressaltamos, Marx aponta os elementos do processo de trabalho e

menciona, sem análises mais específicas, que há condições materiais necessárias ao

processo de trabalho que, no limite, impossibilitam a concretização do próprio processo

de trabalho. Em nossa pesquisa, consideramos a carga horária do professor como uma

das condições materiais necessárias ao trabalho docente. A redução da carga horária,

uma de um conjunto de medidas que apresentamos inicialmente nesse trabalho,

representa uma significativa mudança no processo de trabalho professor de sociologia

do ensino básico, implicando no comprometimento das diferentes atividades do

4 O material didático aqui referido diz respeito ao material em que está expresso direta ou indiretamente o

conhecimento a ser socializado, indo desde o clássico livro didático até filmes, revistas, fotografias que

possam ser utilizadas para fins de ensino. 5 Estabelecemos essas relações ao mesmo tempo que reconhecemos que tais relações são mais complexas

se considerarmos uma série de dimensões: o caráter coletivo no qual se realiza o trabalho docente de uma

determinada disciplina escolar e o caráter histórico do trabalho docente (a escola de massas e a

reivindicação do caráter universal da escolarização básica e a própria escola pública são instituições

típicas e necessárias do desenvolvimento do modo de produção capitalista e da democracia burguesa).

Cabe dizer ainda que nos soa possível mas difícil realizar a analogia de estudantes a “objeto do trabalho”

docente na medida em que se trata do próprio ser humano, um objeto não propriamente material, um ser

histórico que, no caso da sociedade capitalista, é determinado por relações sociais de produção concretas,

por relações dialéticas de frações da classe dominante e extratos da classe trabalhadora. Temos ainda a

ressalvar que o conhecimento de referência do professor pode tanto ser meio de trabalho quanto objeto do

trabalho.

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processo de trabalho docente6. Por sua vez, Braverman nos auxilia a compreender a

dimensão histórica da extensão do modelo fabril para atividades não propriamente

fabris, como as de saúde e de educação, como típicas da fase monopolista do capital.

Nessa direção, podemos desde já entender que a organização do trabalho docente ao

identificar-se com a produção fabril se inscreve numa tendência contemporânea do

capital subordinar crescentemente todos os processos de trabalho e assim admitirmos

que há uma tendência gradual de perda de autonomia no processo de organização do

trabalho docente.

Em relação a nossa pesquisa, essas relações nos permitiram construir questões

bem específicas para analisar o redimensionamento do trabalho do professor de ensino

de sociologia na rede pública estadual do Rio de Janeiro entre 2011 e 2012 que adiante

apresentamos, não sem antes expor considerações específicas sobre o trabalho docente

no capitalismo que encontramos em BUFFA(1991), SAVIANI(2005) e COSTA (1991),

considerações de inspiração marxista.

Para Buffa(1991), Iohannis Amos Comenius é um pensador da fase inicial do

capitalismo que, na primeira metade do século XVII, propõe em Didactica Magna um

método de ensino de tudo a todos. De acordo com sua análise (Buffa, 1991, p.19), “a

manufatura, a divisão parcelar do trabalho, a ciência experimental moderna” são as

categorias corretas para entender o Tratado de Comenius7. De toda essa extensa obra, a

autora destaca a dimensão ideológica do livro didático que “surge visceralmente ligado

à educação que a burguesia emergente propõe para difundir sua visão de mundo.”

(BUFFA, 1991:23).

A necessidade de reformar o ensino, ampliar a capacidade de atendimento de um

número maior de alunos, incluía que um professor lecionasse a “centenas” (item 16 do

capítulo XIX “Fundamentos para ensinar com vantajosa rapidez” do Tratado). Nesse

6 É preciso esclarecer que o problema da ausência das condições materiais necessárias para a

concretização do trabalho docente não surge com a redução da carga horária de sociologia, mas é

agravado pela medida. 7 Estamos de acordo com Buffa sobre a referência da manufatura como modelo de organização do

trabalho escolar, do trabalho pedagógico: na leitura do próprio “Tratado da Arte Universal de Ensinar

Tudo a Todos” são abundantes os exemplos do trabalho manufatureiro como referência do trabalho

docente, sendo o exemplo máximo “o arquiteto prudente”, além de pintores, jardineiros, escultores,

padeiros, oleiros e tipógrafos.

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sentido, o “livro de texto” traduzido na língua materna8 era uma reivindicação

comeniana de economia do tempo de “ditar, a escrever e a traduzir” para “dedicar-se, de

modo muito mais útil, a explicações, a repetições e a tentativas de imitação”. A própria

tradução não seria prerrogativa do professor, questão para o didata, de menor

importância para os alunos: “(...) assim também aos alunos pouco importa que o próprio

professor ou qualquer outro antes dele tenha preparado a sua lição, desde que aquilo que

é necessário esteja pronto e o professor ensine o seu uso exato.” A citação pode levar a

supor uma limitação da capacidade propositiva, propriamente criativa do professor, o

que o próprio Marx afirma como distintivo do trabalho, da atividade humana, mas

extraí-la do conjunto de indicações metodológicas pode resultar numa compreensão

empobrecida do professor comeniano de quem o autor exige uma qualificação inédita

em termos históricos para a reforma geral do ensino9. Consideramos necessário ressaltar

que a classe burguesa, naquela fase histórica determinada, era uma força social de

orientação revolucionária e não reacionária, o que subverteu-se após seu domínio

político que perdura até os dias de hoje, certamente que com diferenças concretas

específicas e mais complexas.

Saviani foi objeto de nossa preparação teórica para que pudéssemos ampliar nossa

compreensão do sentido geral da educação na sociedade capitalista, em que a classe

burguesa já é classe dominante. Em estudo sobre as relações entre capitalismo, trabalho

e educação, Saviani (2005:23) nos ensina que na segunda metade do século XX, essa

tendência parcelar se radicaliza, passando a dominar uma visão produtivista da

educação que, num primeiro momento, entre os anos 1959 e 1970, empenhou-se em

8 Importante considerar que faz parte do processo de ascensão burguesa a constituição das nacionalidades

em oposição à descentralização feudal e à centralização da ortodoxia católica de matriz latina e romana e

que a diversidade linguística corresponde a esse processo social mais geral. 9 Nosso estudo direto do Tratado nos permite identificar que o livro didático, nos termos de Comenius, o

livro de texto, junto com outros materiais e toda uma metodologia bastante detalhada se dirige à expansão

do ensino e sua eficácia. O professor comeniano deveria, “para corrigir radicalmente o método”, “ter à

mão os livros e todo o restante material escolar”; “formar a inteligência antes da língua”; partir no ensino

da língua não das suas regras da língua mas do contato direto com as obras literárias; anteceder as

ciências às disciplinas da língua e da lógica e por fim, “dar exemplos antes de ensinar as regras.” Todas

essas exigências não nos permitem construir uma figura diminuída do professor em geral, sendo

entretanto certo de que no Tratado o professor em geral aparece menor que o professor acadêmico, o

professor universitário. É certo também que o professor por si só não conseguiria alcançar a reforma do

ensino, sendo “os livros pan-didáticos” a expressão sintética de um projeto editorial de ampla

convergência social em que se articulariam pais dos jovens, doutos, teólogos, ilustrados, formadores da

juventude – os professores de então – e governantes para publicação de diferentes livros escolares.

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organizar a educação de acordo com os ditames do taylorismo-fordismo através da

chamada “pedagogia tecnicista” que se implanta no Brasil através da Lei nº 5.692 de

1971, quando se buscou transportar para as escolas os mecanismos de objetivação do

trabalho vigentes nas fábricas. Para o autor, num segundo momento, a partir do final

dos anos de 1980 que vige até hoje, o Estado começa a promover as reformas

educativas, ditas neoliberais, que buscam, sob a inspiração do toyotismo, flexibilizar a

organização das escolas e do trabalho pedagógico. Em ambos os casos, busca-se a

produtividade guiada pelo princípio de racionalidade que se traduz no empenho em se

atingir o máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. Áurea Costa (2009:70) nos

auxilia a compreender a complexidade da objetivação do trabalho docente. A autora

defende que o produto da objetivação do trabalho docente é o ensino, resultado de um

complexo processo que se dá “por meio das atividades de apropriação, elaboração,

sistematização e socialização de conhecimentos (...)”, ao mesmo tempo que reconhece

que essa complexidade é subtraída do trabalhador da educação, desde a sua formação

inicial.

Adicionando novos elementos para nossa análise, esses autores que tratam de

trabalho docente contribuem para a compreensão da relação entre a organização do

trabalho na escola e a organização do trabalho na sociedade capitalista. Direcionados a

nosso interesse de pesquisa, a redução da carga horária de sociologia diminuiu o tempo

de trabalho do professor em sala de aula e aumentou o tempo de trabalho do professor

fora de sala de aula, impossibilitando a objetivação do trabalho através das atividades de

apropriação, elaboração, sistematização e socialização de conhecimentos. Por sua vez,

alterações na objetivação do trabalho implicam na mudança da natureza geral do

trabalho docente e tem reflexos no ensino não apenas na sua dimensão quantitativa –

menos tempo de aulas, dobro do número de turmas e maior tempo extra aulas, além de

novas atividades – mas qualitativa – um ensino diferente – resultando também diferente

e necessariamente reduzida a formação escolar de uma parcela da força de trabalho.

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2. Considerações metodológicas na exploração do campo e da hipótese de pesquisa

A escolha do objeto geral desta pesquisa – processo de trabalho e ensino

público – é anterior ao ingresso no Curso de Especialização em Ensino de Sociologia e

diz respeito a sensação contínua que vimos experimentando em nosso exercício

docente em face da perda de controle e autonomia sobre o trabalho realizado, que

comparamos a esse “desfazer sistemático da perda que Marx dedicou sua vida inteira”

ao qual Stallybrass (1999:97) nos remete ao se referir às histórias que Marx contava à

sua filha mais nova nas quais “tal como nas visitas às lojas de penhores, para resgatar

objetos anteriormente penhorados, o momento da perda é desfeito, os brinquedos

voltam.”

Em nosso caso, experimentamos um entusiasmo com a ampliação da carga

horária devido à obrigatoriedade de oferecimento da disciplina nos três anos do Ensino

Médio e, em fins de 2012, experimentamos perplexidade frente a repentina redução da

carga horária de aulas e todas as medidas posteriores e correlatas – duplicação do

número de turmas, adoção para fins didáticos e aplicação de provas produzidas

exogenamente, além da referência a orientações curriculares também exógenas às

escolas, ao conjunto de professores. O professor que dava aula no segundo ano da

Formação Geral e no terceiro ano da Educação de Jovens e Adultos em 2011, e

continuou dando aula nestas séries em 2012, foi obrigado a reformular o plano de

curso em menos tempo, porém tendo como referência o mesmo conjunto de conteúdos

do ano anterior. Como lidaram os professores com o “desfazer”?

Para explorar as estratégias desse redimensionamento junto a professores de

sociologia das unidades escolares da SEEDUC-RJ, construímos um instrumento de

pesquisa – questionário eletrônico utilizando a ferramenta “Google Drive” – com o

qual foi possível, através de questões iniciais de caracterização do participante

identificar quais professores de sociologia trabalharam entre 2011 e 2012 e sofreram

os efeitos da redução, ou seja, lecionaram sociologia no segundo ano do ensino médio

em 2011 com dois tempos semanais e também estavam lecionando sociologia no

segundo ano do ensino médio, em 2012, com apenas um tempo de aula. Em segundo,

buscamos identificar a percepção dos professores de sociologia com relação à redução

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da carga horária da disciplina e por fim, havia questões quanto às estratégias que

dinamizaram para viabilizar o ensino, tendo em vista os objetivos que idealizam para o

ensino de sociologia e o que realizam em termos de planejamento do trabalho,

socialização do conhecimento e avaliação da aprendizagem.

Através de correspondência eletrônica os professores de sociologia da primeira

e da segunda turmas do CESPEB-Ensino de Sociologia que somavam cerca de

cinquenta, tivemos resposta de um número bastante reduzido de participantes e

consideramos necessário ampliar o escopo da pesquisa, buscando o auxílio do

professor Flávio Sarandy, em razão de sua liderança entre docentes fluminenses de

sociologia diante da redução da carga horária da disciplina no final de 2011, ao

convocar reuniões para tomadas coletivas de posição. Através desse professor,

tivemos acesso a cerca de noventa endereços eletrônicos aos quais foi enviado o

questionário. Vinte e um professores do total de 140 questionários enviados,

colaboraram respondendo.

A participação dos professores que responderam o questionário possibilitou a

compreensão da relação existente entre carga horária e ensino de sociologia,

considerando a potencialidade do ensino da disciplina para jovens estudantes da

perspectiva dos professores que contribuíram com a pesquisa.

3. Trabalho do professor de sociologia da rede pública de ensino do Estado do

Rio de Janeiro: indícios de alteração da natureza do trabalho

Nesta seção, apresentamos as conclusões de nossa pesquisa que se apoiam na

tese geral marxiana de que partimos – a ausência de condições de trabalho impede a

incorporação do trabalho ao objeto do trabalho – e a hipótese geral correspondente a

esta tese que passamos a explorar de que a redução de carga horária do trabalho docente

do professor de sociologia do Estado do Rio de Janeiro, junto a outras medidas, resultou

numa alteração significativa nas condições do trabalho desse docente, sendo necessário

comprovar essa hipótese com o reconhecimento das estratégias dinamizadas por

professores diante das medidas. Para exposição dos resultados, reunimos as

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contribuições dos participantes em três grandes temas, a saber: 1) caracterização dos

professores entrevistados em relação a ano de ingresso, modalidade do curso e número

de estudantes por turma; 2) percepção dos professores diante do conhecimento da

redução de carga horária de aula e 3) considerações sobre o trabalho e os meios de

trabalho na lógica do tempo reduzido e trabalho ampliado. Essa organização em

categorias gerais considerou a possibilidade de reunião na análise e exposição das

respostas.

3.1 – Caracterização dos professores da pesquisa.

O ano de ingresso dos professores é variável, havendo quatro que ingressaram na

rede estadual durante a década de 1990, seis entre os anos de 2000 e 2010 e dois em

2011. Neste ano de 2011 doze professores deram aula na Formação Geral; três na

Formação Geral e na Educação de Jovens e Adultos; um na Formação Geral e no Curso

Normal; um na Formação Geral, na Educação de Jovens e Adultos e no Curso Normal.

O número de estudantes por turma teve uma variação de média de vinte a cinquenta

estudantes, havendo predominância de trinta e cinco por turma.

3.2 – Reflexões de professores de sociologia sobre a redução da carga horária da

disciplina

Os professores foram interrogados quanto a diversas dimensões deste problema,

sendo considerados para a análise apenas aqueles que tinham sido atingidos pela

redução de carga horária que se verificou entre os que lecionavam no segundo ano da

Formação Geral e no terceiro ano da Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio

nos anos de 2011 e 2012.

Em nossa pesquisa, identificamos que os professores de sociologia tomaram

conhecimento da redução da carga horária através do colégio ou da mídia, pensando

prioritariamente na realização do próprio trabalho docente, expressando preocupação

com a previsão do aumento de trabalho tanto no que diz respeito ao preenchimento de

diários de classes quanto à correção de exercícios e provas, ao considerar que a redução

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ISSN 2177-8892 1969

da carga horária de dois para um tempo semanal acarretaria, além da diminuição do

tempo de duração da aula de cem para cinquenta minutos, o aumento do número de

turmas, de seis para doze. Verificamos que os professores também consideraram, ao

saber da redução da carga horária, que havia uma despotencialização do ensino de

sociologia para jovens estudantes, ensino a que creditam uma importância política

específica. Para os professores, o resultado de seu trabalho – o aprendizado de

sociologia – se dá na perspectiva de uma formação tanto acadêmica quanto política que

se apresenta através da preocupação em socializar o conhecimento sociológico e em

formar criticamente o estudante.

Ainda que possamos problematizar o conteúdo da afirmação10

, esta relação, feita

diretamente pelos professores confirma nossa teorização sobre o trabalho em geral que

afirma que o trabalho propriamente dito exige determinados meios para a realização de

um determinado produto e a ampliação de necessidades de execução de atividades sem

qualquer acréscimo de tempo implica direta e objetivamente na redução da

possibilidade de dedicação ao ensino e, por consequência, da aprendizagem do

estudante.

Estas conclusões encontram confirmação nas respostas de professores para quem

a redução de tempo afeta diretamente o ensino seja na sua dimensão cotidiana – a

possibilidade de cumprir o planejamento, de integralizar um currículo idealizado – seja

no sentido geral do ensino escolar, a possibilidade efetiva de aprendizagem pelos

estudantes de uma formação além dos números e das letras.

O redimensionamento das atividades dos professores afetou a disposição ao

ensino do professor – uma questão específica –, uma vez que imediatamente

identificaram uma série de obstáculos ao trabalho: a insuficiência do tempo disponível

para o ensino do conteúdo da disciplina, o aumento da quantidade de turmas, o aumento

da quantidade de diários para preencher e, como consequência, o prejuízo da qualidade

do trabalho.

10

Optamos por não discutir em profundidade essa afirmativa mas brevemente a caracterizamos como problemática, uma vez que relaciona necessariamente o conhecimento sociológico como conhecimento crítico, o que por exemplo ignora toda a sociologia conservadora, e desconsidera o caráter conservador da própria escola capitalista na qual se dá o ensino de sociologia.

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ISSN 2177-8892 1970

3.3 – Trabalho e meios de trabalho

Este item foi o principal objeto de nossa análise, em face da preparação teórica

que nos permitiu ver a redução da carga horária como um obstáculo à incorporação do

trabalho ao objeto do trabalho. Sob este tema, reunimos questões sobre as estratégias

acionadas em relação ao planejamento, ao trabalho em sala de aula e à avaliação do

processo de ensino no exercício da carga horária reduzida, sendo a síntese de cinco

diferentes questões.

No que diz respeito à adaptação para redução do trabalho em aula e aumento do

tempo geral do trabalho, os professores se ressentiram em relação à elaboração do

planejamento da disciplina em todos os anos do Ensino Médio diante da redução de

carga horária, destacando frustração diante da impossibilidade de exploração de todos

os temas do currículo, da dificuldade de concluir a aula de forma satisfatória e do

desgaste em função do curto espaço de duração das aulas.

No necessário redimensionamento do trabalho, as respostas gerais dos

professores apontaram para a redução do conteúdo, a diminuição do número de aulas

para desenvolvimento de conteúdos específicos, ao uso fragmentado ou desuso de

recursos didáticos (filmes, charges, textos) e a mudanças na metodologia de ensino.

Entre os aspectos apontados pelos professores interrogados sobre a

aprendizagem de sociologia dos estudantes do Ensino Médio, destacam-se o prejuízo do

aprendizado de conhecimentos sociológicos por estudantes do 1º ano, uma percepção do

prejuízo do envolvimento dos alunos com a disciplina, a limitação do aprendizado face

à redução do ensino, além da percepção do aumento da dificuldade de compreensão da

matéria e do número de estudantes em recuperação.

Como pudemos verificar, a redução de carga horária da disciplina provocou

alterações menos no planejamento de aulas, que de fato perspectivou a redução do

tempo do trabalho por diversas estratégias, e mais no desenvolvimento das aulas, com

efeitos no aprendizado de conhecimentos sociológicos pelos estudantes. Estas respostas

estão conforme a nossa hipótese geral inicial de que a limitação das condições de

trabalho do professor de sociologia pela redução da carga horária implica o resultado do

trabalho.

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4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

No que diz respeito à relação entre os meios de trabalho e o trabalho diante de

por um lado, a impossibilidade de suspensão imediata da medida de redução, por outro,

a obrigatoriedade de utilização do Currículo Mínimo da SEEDUC, destaca-se a adoção

de procedimentos baseados em critérios tais como a exclusão de temas da proposta

curricular do governo tendo em vista a necessidade de viabilizar o ensino, ainda que

admitindo a perda da qualidade no que se refere à formação de conhecimentos

sociológicos.

Ainda que feita com uma amostra numericamente pouco expressiva, considerado

o universo de professores de sociologia do Estado do Rio de Janeiro, ressaltamos que o

público alvo do questionário é um púbico de certo modo exemplar na medida em que

busca atualizar-se (são estudantes de um Curso de Especialização) ou militam pela

profissionalização do ensino de sociologia. Os resultados da pesquisa nos permitem

afirmar que entre os professores que tomaram parte na pesquisa, a redução da carga

horária da disciplina significou o aumento do trabalho do professor e a diminuição do

tempo para o desenvolvimento das aulas e a perda da qualidade do ensino, obrigando-os

a relativizar a potencialidade que eles mesmos atribuem a seu trabalho, a excluir temas

do currículo, a mudar metodologias de ensino e a reformular os instrumentos utilizados

na avaliação.

É possível afirmar que a redução da carga horária da sociologia, em primeiro

lugar, inviabiliza a plena concretização do trabalho do professor de sociologia se

considerarmos a formação crítica do estudante como perspectiva da potencialidade do

ensino de sociologia. Este resultado nos dá elementos para sugerir que o trabalhador da

escola passa pelo mesmo processo de destituição do conteúdo do trabalho pelo qual o

trabalhador da fábrica passa, mas, diferentemente do que ocorre na fábrica, na escola o

trabalho fica parcial ou totalmente impossibilitado de concretizar-se. Essas alterações,

típicas de nova fase do capitalismo, apontam assim para uma sensível alteração na

natureza do trabalho docente e nos seus resultados, uma vez que é subtraído do trabalho

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docente aquilo que, como antes dissemos caracteriza o trabalho em geral, a dimensão

projetiva e mental do próprio trabalho11

.

Concluímos, afirmando que todo o esforço de pesquisa e também a militância

grevista no decurso desse trabalho nos permitem colocar as transformações recentes do

trabalho docente sob uma perspectiva mais geral: de fato se concretizam na atualidade

perspectivas anunciadas desde fins do século XX12

para a simplificação do trabalho

docente. O reinício de atividades de professores após o fim da greve da rede pública

estadual que durou cerca de dois meses e meio com a pressão do governo sobre a

reposição de aulas e a posição dos professores ante a esse problema foi exemplar no que

diz respeito a essa mudança. Enquanto o professorado desenvolvia a greve, a burocracia

governamental providenciou apostilas para a reposição de forma que, no retorno às

aulas, o professor foi acionado a usá-las: uma grandiloquente confirmação da nossa

hipótese de subtração atual da dimensão criativa e projetiva do trabalho docente no

Estado do Rio de Janeiro.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COSTA, ÁUREA. Entre a dilapidação moral e a missão redentorista: o processo de

alienação no trabalho dos professores do ensino básico brasileiro. In: COSTA, Áurea;

11

Cabe também considerar que, sem tratarmos no escopo deste trabalho da distinção entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, ainda que a educação pública não seja um meio direto de produção de valor excedente para o capital, é inegável que o desdobramento da duplicação do número de turmas por professor de sociologia com a redução de carga horária, resulta numa economia financeira no gasto com trabalhadores, uma vez que diminui à metade ou menos que a metade a necessidade de contratação de professores de sociologia.

12 Essa perspectiva está colocada de modo claro nas análises que Maria Célia Moraes faz sobre o

documento de 1992 da CEPAL/UNESCO “Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva con equidade” expressas no livro Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente que organiza e é publicado em 2003.

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