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Processo controle: nº 195/01 - 16ª Vara Criminal da Capital Referência: Reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém Empresa: Construdaotro Construções Ltda. Réus: 1. Álvaro Luz Franco Pinto 2. Luiz Paulo Braga Braun 3. João Capezutti Netto 4. Reginaldo Passos 5. Acácio Kato 6. Ângelo Antonio Villano 7. Celso Eduardo Vieira da Silva Daotro 8. Francisco Alves Goulart Filho 9. Vivaldo Dias de Andrade Júnior Autor: Ministério Público ALEGAÇÕES FINAIS MM. JUIZ Conforme apuraram os peritos engenheiros, a reforma teria consistido nos seguintes serviços: mudança de posição das portas das oito celas; troca de fiação elétrica; colocação de tela na laje de cobertura com complemento de 10 cm de concreto; execução de piso de pátio, com cerca de 200 m2; substituição de telhas cerâmicas por telhas de fibrocimento no prédio da cadeia (fls. 930, vol. 5 do laudo). Por essa modestíssima 1

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Processo controle: nº 195/01 - 16ª Vara Criminal da Capital Referência: Reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de ItanhaémEmpresa: Construdaotro Construções Ltda.

Réus: 1. Álvaro Luz Franco Pinto 2. Luiz Paulo Braga Braun 3. João Capezutti Netto 4. Reginaldo Passos 5. Acácio Kato 6. Ângelo Antonio Villano 7. Celso Eduardo Vieira da Silva Daotro 8. Francisco Alves Goulart Filho 9. Vivaldo Dias de Andrade Júnior Autor: Ministério Público

ALEGAÇÕES FINAIS

MM. JUIZ

Conforme apuraram os peritos engenheiros, a reforma

teria consistido nos seguintes serviços: mudança de

posição das portas das oito celas; troca de fiação

elétrica; colocação de tela na laje de cobertura com

complemento de 10 cm de concreto; execução de piso de

pátio, com cerca de 200 m2; substituição de telhas

cerâmicas por telhas de fibrocimento no prédio da cadeia

(fls. 930, vol. 5 do laudo). Por essa modestíssima reforma

a CONSTRUDAOTRO faturou pelo menos a importância

equivalente a USD 1.116.124,41 (fls. 957 do laudo). E, a

empresa que verdadeiramente executou a obra (a

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Fortenge1) foi contratada por 3,1 vezes a menos do que o

valor do contrato assinado (cf. fls. 2701, vol. 13 do laudo

contábil) e sem direito ao expediente ilegal do uso da

cláusula de retroação.

I. RELATÓRIO DO PROCESSO

ÁLVARO LUZ FRANCO PINTO, LUIZ PAULO BRAGA BRAUN, JOÃO CAPEZUTTI NETTO, REGINALDO PASSOS, ACÁCIO KATO, CELSO EDUARDO VIEIRA DA SILVA DAOTRO, FRANCISCO ALVES GOULART FILHO, ANGELO ANTONIO VILLANO e VIVALDO DIAS DE ANDRADE JÚNIOR foram denunciados e estão sendo processados, os três primeiros, como incursos no artigo 312, “caput”, 2ª parte, combinado com o artigo 71 e artigo 327, § 2°, nos termos do artigo 29, todos do Código Penal; REGINALDO e ACÁCIO, como incursos no artigo 312, “caput”, 2ª parte, combinado com o artigo 71 e artigo 327, § 2°, em concurso material com o artigo 299, parágrafo único, combinado com o artigo 71, sempre nos termos do artigo 29, todos do Código Penal; e os demais, como incursos no artigo 312, “caput”, 2ª parte, combinado com os artigos 71 e 29, todos do Código Penal, porque, nos períodos e local apontados na exordial, os denunciados, depois de se reunirem em quadrilha (infração objeto de outro feito) para a prática de crimes, adrede concertados e agindo em concurso, em continuidade delitiva, desviaram a importância equivalente a US$1.149.594,74, relativa ao valor do contrato obtido à mercê de um simulacro de licitação, mais Cr$ 7.891.367,10, referente a ilegal aditamento desse contrato, pertencentes ao erário estadual, de que BRAGA BRAUN tinha a posse em razão do cargo de Delegado de Polícia Diretor do DERIN – Departamento das Delegacias Regionais de Polícia de São Paulo – Interior (unidade de despesa onde os recursos orçamentários para a obra em questão foram alocados), em proveito da empresa CONSTRUDAOTRO CONSTRUÇÕES LTDA., da qual CELSO EDUARDO VIEIRA DA SILVA DAOTRO era sócio e representante legal, assim como da empresa CONDUTO ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA, da

1 cf. contrato de subempreitada juntado as fls. 2241/2248, vol. 11 e depoimento de fls. 2590/91, vol. 13

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qual eram sócios e representantes legais, ANGELO ANTONIO VILLANO, FRANCISCO ALVES GOULART FILHO e VIVALDO DIAS DE ANDRADE JÚNIOR. Além disso, nas datas referidas na inicial, REGINALDO e ACÁCIO, continuadamente, inseriram em documentos públicos informações falsas com o fim de prejudicar direitos, criar obrigações e alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes.

Ofertaram-se as defesas preliminares, a saber: BRAGA BRAUN (fls. 1968/1972, vol. 10), JOÃO CAPEZZUTTI (fls. 1973/1988, vol. 10), ÁLVARO LUZ (1990/1993, vol. 10) e extemporaneamente, ACÁCIO KATO (fls. 2088/1091, vol. 11).

Em relação aos réus ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN, JOÃO CAPEZZUTTI, REGINALDO PASSOS, ACÁCIO KATO e CELSO EDUARDO, a denúncia foi recebida no dia 18/06/2001, por meio do despacho de fls. 2168/2173, volume 11. Suas citações, exceto de REGINALDO PASSOS (citado na data do interrogatório), foram realizadas no dia 04/07/2001 (fls. 2100/2107, vol. 11).

Ato seguido, os réus foram interrogados: ÁLVARO LUZ às fls. 2134, volume 11; BRAGA BRAUN às fls. 2130/2132, volume 11; JOÃO CAPEZZUTTI às fls. 2136, volume 11; REGINALDO PASSOS às fls. 2138, volume 11; ACÁCIO KATO às fls. 2140, volume 11 e CELSO EDUARDO às fls. 2142, volume 11.

Às fls. 2201/2212, aditou-se a denúncia para incluir no pólo passivo da ação penal os imputados ÂNGELO ANTONIO VILLANO, FRANCISCO ALVES GOULART FILHO e VIVALDO DIAS DE ANDRADE JÚNIOR. Em relação a eles, a denúncia foi recebida às fls. 2409, vol. 12, em 16/10/2001.

VIVALDO, FRANCISCO e ANGELO ANTONIO foram interrogados às fls. 2477, 2479 e 2481, vol. 12, respectivamente.

Ofertaram-se as defesas prévias: JOÃO CAPEZZUTTI às fls. 2144, volume 11, arrolando as testemunhas Nemr Jorge, Alberto Angerami, Renata Nogueira e Dulce Helena Aranha Prado; CELSO EDUARDO às fls. 2145,

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volume 11, arrolando as testemunhas Aldo Tibério Margarida Júnior, Gilberto Ferreira dos Reis, João Marcos Lucas e Paulo Antonio Soares; BRAGA BRAUN às fls. 2148/2151, volume 11, arrolando as testemunhas Marcelo dos Reis Moreira, Antonio Carlos Moreira, Adilson José Vieira Pinto, Dorali Apparecida Pineda, José Pedro Zaccariotto e Luiz Antonio Alves de Souza, Lurdes Lopes, Dorali Aparecida Pineda e Marcos Olyntho Brandão Godoy; ÁLVARO LUZ às fls. 2163/2167, volume 11, arrolando as testemunhas Michel Temer, Luiz Antonio Fleury Filho, Pedro Franco de Campos, Wolgran Torraldo, José de Souza Ferreira Neto, José Júlio Marrone, Moisés Miguel e Reinaldo dos Anjos; FRANCISCO às fls. 2484/2485, volume 12, arrolando as testemunhas Abrahão José Pedro Neto, Raul dos Santos Oliveira e Luiz Carlos Gomes Brito; ANGELO às fls. 2487/2488, vol. 12, arrolando Hildo Paulo do Prado, Pedro Giovanelli e Isac Grobman; VIVALDO às fls. 2490/2491, vol. 12, arrolando as testemunhas Hildo Paulo do Prado, Carlos José Araújo, Antonio Marmo, Pedro Giovanelli, Isac Grobman e José das Neves Santos; ACÁCIO às fls. 2494/2495, volume 12, arrolando as testemunhas Walter Furtini e Alcides da Silva Paranhos; REGINALDO às fls. 2494/2495, volume 12, arrolando as mesmas testemunhas de ACÁCIO.

Conforme termo de fls. 2593, volume 13, de 08/04/2002, JOÃO CAPEZZUTTI desiste das testemunhas Dulce, Nemr e Alberto; VIVALDO, ANGELO, FRANCISCO e CELSO EDUARDO desistem de todas as testemunhas que arrolaram, cf. termo de fls. 2593, vol. 13; ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN desistiram das suas testemunhas, exceto Pedro Zaccariotto, Michel Temer, Antonio Fleury, Moisés e Reinaldo, pedidos devidamente homologados na mesma data.

Mais tarde, ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN desistem das testemunhas Reinaldo e Moisés (fls.2904, vol. 14), pedido homologado às fls. 2909, vol. 14.

ACÁCIO KATO e REGINALDO PASSOS desistem das suas duas testemunhas comuns (fls. 2928 e 2959, vol. 14, pedido devidamente homologado às fls. 2967, vol. 15).

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Na instrução, foram inquiridas 12 testemunhas da acusação, a saber: Evandro Nazaré (fls. 2581/2, vol. 13), Raphael Augusto de Souza Campos Júnior (fls. 2577/2578, vol. 13), Josué da Silveira Barros (fls. 2579/2580, vol. 13), Marcelo dos Reis Moreira (fls. 2583/2584, vol. 13), Marcelo Henrique Righi (fls. 2592, vol. 13), Luiz Fernando Tavares (fls. 2588/2589, vol. 13), Paulo Roberto Franco, carcereiro (fls. 2678, vol. 13), Cássio Luiz Guimarães Nogueira, Delegado de Polícia (fls. 2802, vol. 14), Ailton José Dias (fls. 2951/2953, vol. 14), Jonas Agnaldo Pires (fls. 2822/2823, vol. 14), Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi (fls. 2834/2857, vol. 14), Pedro Nurmberger (fls. 2684, vol. 14, observando-se que Pedro foi inquirido no lugar de Paulo Antonio de Lima – fls. 2614, vol. 14) e Mônica de Castro (fls. 2942,vol. 14). Como testemunhas do juízo: Renato Soffiatti Mesquita de Oliveira (fls. 2590/2591, vol. 13) e Marcelo Henrique de Almeida Righi (fls. 2592, vol. 13).

Na fase do artigo 499, do Código de Processo Penal, o Ministério Público reiterou o pedido formulado às fls. 2892/2896, vol. 14, no sentido de promover a correção da fita de estenotipia, aguardando a sua ratificação pelo Procurador de Justiça designado para acompanhar o presente processo junto ao egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.

II. PREÂMBULO

Antes de adentrarmos a discussão das provas, imperioso ponderar sobre o atual estágio da “corrupção” e desmando2 no País e a responsabilidade da Justiça no combate dessa endemia que atormenta a sociedade honesta e laboriosa, que suporta atualmente uma das cinco maiores cargas tributárias da Terra, recebendo, em contrapartida, serviços públicos de péssima qualidade, equiparados aos ofertados pelos países mais miseráveis do mundo; tudo resultado da extraordinária corrupção que assola esta orbe.

2 Aqui tratada em seu sentido mais amplo, como qualquer ilícito penal que implique na percepção ilegal de dinheiro, como, por exemplo, os crimes de peculato, concussão, corrupção ativa e passiva, etc.

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No dizer de Marco Fernandes Gonçalves, “as definições de corrupção supõem implicitamente transferência de renda dentro da sociedade. Isso se aplica tanto ao caso do político que recebe propinas de um grupo de pressão para aprovar um determinado projeto, como no caso do policial que se apropria de uma renda retirada do Estado, quando ao invés de aplicar uma multa aceita o suborno...”

“A despeito desse fato, pode-se cunhar uma definição legalista de corrupção no setor público, da qual me aproximo: a corrupção é o uso da função pública por parte do burocrata ou do político para a obtenção de ganhos privados...”

“Ela envolve a interação entre pelo menos dois indivíduos ou grupo de indivíduos que corrompem ou são corrompidos e esta relação implica uma transferência de renda que se dá fora das regras do jogo econômico stricto sensu ...”

“A corrupção pública é uma relação social (de caráter pessoal, extra-mercado e ilegal que se estabelece entre dois agentes ou dois grupos de agentes (corruptos e corruptores), cujo objeto é a transferência de renda dentro da sociedade ou do fundo público para a realização de fins estritamente privados.”3

A certeza de que o crime é uma atividade sem risco e lucrativa tem alimentado esta atividade tão rendosa, que é a corrupção na acepção ampla utilizada pelo articulista acima identificado, que deve ser, pelas suas conseqüências nefastas, combatida sem trégua, não obstante a posição social que normalmente ocupam seus autores.

Não é por outra razão que o Juiz espanhol Baltasar Garzón, responsável pelo pedido de extradição que resultou na prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet na Inglaterra em 1998, em entrevista concedida ao Jornal “O Estado de São Paulo”, no dia 15.05.2001, defendeu a imprescindibilidade da

3 in " Economia Política da Corrupção: O Escândalo do Orçamento - Relatório nº 03/95", Escola de Administração de Empresas de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas - Núcleo de Pesquisa e Publicações, p. 8/13.

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aplicação da lei por igual para todos os cidadãos, pois como explicou “não só porque é um princípio constitucional, mas porque constitui a essência da credibilidade de um sistema democrático. É a única maneira de fazer o cidadão acreditar nas instituições, principalmente na Justiça”, defendendo ainda uma postura absolutamente intransigente com a corrupção.

O artigo “Custo Econômico da Corrupção”, publicado na Revista Veja em 14.03.2001, mostra o poder de destruição desse tipo de atividade criminosa.

Destacam as articulistas Elaine Gianella Simonetti e Denise Ramiro que: “além de peste moral, a corrupção é um dos mais perversos impostos já concebidos. A inflação galopante, como demonstrado há anos pelas melhores cabeças econômicas brasileiras, foi um sifão que, com eficácia, tirava dinheiro dos pobres e o concentrava nas mãos dos ricos. A corrupção tem um resultado muito semelhante. Ela desvia parte do dinheiro destinado aos mais desvalidos habitantes de um país. A riqueza fica com os gatos gordos, os funcionários e intermediários desonestos. O efeito econômico da corrupção é devastador. Uma importante pesquisa a respeito foi feita por Cheryl Gray, diretora do setor de redução de pobreza do Banco Mundial. No trabalho assinado também pelo economista Daniel Kaufmann, pesquisador chileno especializado no fenômeno da roubalheira de dinheiro público, as conseqüências perversas da corrupção foram autopsiadas com precisão inédita. Alguma delas: há um aumento na incerteza dos agentes econômicos. Isso provoca redução nos investimentos internos e externos. Analisando os resultados de mais de 1000 empresas durante três anos, descobriu-se que aquelas que trabalham em países menos corruptos têm resultados financeiros em média 30% melhores que os das instaladas em países onde a ladroeira corre solta... Países que projetam a imagem de corruptos pagam mais por empréstimos internacionais. No caso do Brasil, o custo do dinheiro é 6,5% mais alto que o cobrado de um país como a Finlândia, considerado pelo organismo Transparency Internacional o país de maior correção do mundo.”

Citando um estudo feito pelo Professor da Faculdade Getúlio Vargas, Marcos Gonçalves da Silva, as articulistas informam também que

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“se a conta da corrupção for dividida igualmente por todos os brasileiros, num exercício estatístico, o custo para cada um corresponde a R$ 6.658,00 por ano. Se não houvesse maracutaia, a produtividade do país aumentaria, e como resultado a renda per capita dos brasileiros poderia subir para R$ 9.800,00 nas próximas décadas” 4

O mesmo tipo de “esquema” para desvio de dinheiro público foi também detectado quando da apuração da chamada “CPI do PC”, o qual foi objeto de tema da obra “ O livro Negro da Corrupção ”. 5

Em 06 de dezembro de 1993, foi instituída, pelo Decreto 1001, a Comissão Especial - CEI, cujos membros, informam os autores desse livro, lograram detectar, através de verificação realizada em três Ministérios, de uma tipologia de fraudes praticadas e citam:

“Por exemplo, os custos unitários formulados pela Gerência de Custos Rodoviários do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), que servem de referência nas licitações de obras rodoviárias e na feitura do Orçamento da União, são excessivos, gerando, pela sistemática de licitações do Órgão, superfaturamento dos preços das obras e serviços contratados.”

“O aditamento a contratos firmados entre as empreiteiras e a União tem ensejado o prolongamento excessivo e sem amparo legal de contratos sob os mais variados pretextos, com evidentes prejuízos para o Erário. É também utilizado como expediente de fraude a contratação de obra por preço inferior ao real, para posterior aditamento, com ampliação de valores.”

“O atual sistema de fiscalização de obras e serviços simplesmente não existe, com as catastróficas conseqüências para os atuais e “futuros” usuários desses “serviços”, ensejando, por outro lado, a apropriação

4 Revista Veja de 14.05.1991, fls. 48/51.5 Carvalhosa, Modesto (coordenador), in “O livro Negro da Corrupção”, Editora Terra e Paz S.A., São Paulo, 1995, p. 13

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privada, pelos envolvidos, dos recursos contratuais alocados.”

O método utilizado para a prática dessa espécie “de crime organizado contra a Administração”, no dizer de Modesto Carvalhosa6, como se vê, é uma constante na vida brasileira e tem se infiltrado em todas as esferas de poder, o que faz, a cada dia, aumentar a carga tributária imposta à população, sem contrapartida por parte da Administração Pública. Imperioso se faz, pois, tomar as medidas necessárias para reprimir esse verdadeiro assalto aos cofres públicos.

Sem dúvida o desvio ilegal do dinheiro do erário público tem refletido decisivamente para o aumento da carga tributária do país. Uma análise realizada no jornal “O Estado de São Paulo” (08.07.2000, página A4) mostra que a partir de 1994 ocorreu um constante aumento da carga tributária total, saltando de 29,46% naquele ano para 33,18% do PIB apurados em 2000, batendo novo recorde histórico em sua carga tributária ao atingir 36,45% do Produto Interno Bruto (PIB) em 20027 sem que a vida dos Brasileiros tenha auferido significativa melhora, o que implica dizer que a verba arrecadada pelo Estado não é bem aplicada, sendo muitas vezes desviada para fins ilícitos, o que exige a arrecadação cada vez maior de impostos.

Fechar os olhos para os fatos retratados nestes autos mesmo consciente dos efeitos nefastos da corrupção para a sociedade brasileira como um todo, é consentir com a proliferação desse tipo de atividade criminosa, condenando a grande parcela da nossa população mais sofrida a um inexorável destino de miséria material e intelectual e o nosso país, à triste e eterna condição de subdesenvolvimento.

A propósito, em regra, a corrupção tem íntima relação com a pobreza de um Estado. Tanto isso é fato, que, analisando-se o último Índice de Percepção de Corrupção (ano de 2001), elaborado pela Transparência Internacional

6 Carvalhosa, Modesto (coordenador), ob. cit., p. 16.7 Cf. notícia publicada no jornal Estado de São Paulo, de 04/02/2003 - caderno B-3 (economia)

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(TI), verifica-se que nos países mais afortunados são encontrados os menores índices de corrupção.

Aqui, malgrado seja o Brasil a 11ª economia do Planeta, atualmente figura na 45º posição no ranking da honestidade, entre 102 países analisados. E o motivo dessa relação às avessas explica-se pela mais absoluta abulia por parte daqueles a quem compete coibir a aludida praga, que carcome os recursos públicos, dilacera grande parte dos órgãos do Estado, além de comprometer a atração de investimentos estrangeiros.

Aliás, estudando-se os últimos três índices anuais da TI, verifica-se que no último triênio (1999/2001) em nada melhorou a grave situação em que se mergulhou a nação.

Assim, não por acaso, constatamos que apesar de ser o Brasil um país onde a corrupção impera nos mais diversos seguimentos da sociedade e organização do Estado, poucos casos chegam às barras de nossos tribunais. E quando isso ocorre, nem sempre os operadores do Direito se mostram dispostos à imprescindível tarefa de promover uma acendrada análise de um acervo probatório, em regra volumoso, complexo e intrincado, optando-se, muitas vezes, por uma singela promoção de arquivamento ou pela comodidade de uma absolvição por insuficiência de provas.

Nesse sentido, é procedente o alerta de Pedro R. David, Juiz da Câmara Nacional de Cassação Penal da Argentina:

"Toda vez que um juiz da velha guarda se depara com o dever de examinar uma grande fraude praticada por uma sociedade criminosa, pode-se estar seguro de que esses processos irão dormir por anos a fio nos Tribunais, pela falta de preparo e pela inexistência de organismos adequados: como conseqüência se assegura uma virtual impunidade nos grandes casos de corrupção ou nas situações criminosas de nível global".8

8 Pedro R. David, in, "Globalizzazione, Prevenzione del Delitto e Giustizia Penale", Milão, Giuffré Editore, 2001, p. 89 - tradução livre.

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Ora, hoje, nas conversas informais, noticiários, etc., pouco há a dizer que não envolva a violência e a corrupção que campeiam pelo País, não se podendo esquecer que uma está diretamente relacionada à outra.

Em suma, a sociedade ordeira e laboriosa, diretamente atingida pelos efeitos nefastos da corrupção, não mais admitindo qualquer complacência com os praticantes desse mal, clama no sentido de que os operadores do Direito, imbuídos da responsabilidade que lhes foi conferida, ajam.

III. MÉRITO

No mérito, a ação penal procede em parte

1. OBJETIVOS DA LICITAÇÃO

Dentre os princípios norteadores da licitação, cumpre destacar a formalidade do procedimento, a publicidade dos seus atos, igualdade entre os licitantes e o sigilo na apresentação das propostas, de modo que exista efetiva competição, além da vinculação do edital ao convite. Tudo com o propósito de garantir que a administração pública contrate nas melhores condições, evitando-se qualquer favorecimento de quem quer que seja.

2. CIRCUNSTÂNCIAS DA LICITAÇÃO EM DEBATE E AS INFRAÇÕES COMETIDAS

A análise dos autos revela que, no caso sub judice, absolutamente todos os princípios da licitação foram violados, descaracterizando o instituto e invalidando seu resultado.

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Na verdade inexistiu um processo de licitação, engedrando-se, sim, uma farsa travestida de aparente formalidade daquele procedimento administrativo.

No específico caso objeto destes autos, repetindo procedimento que se verificou mais de cem vezes, no dia 27/2/1991 REGINALDO PASSOS encaminha ao diretor do DEPLAN, BRAGA BRAUN, ofício em que solicita a abertura de procedimento licitatório para a reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém, recomendando a modalidade CONVITE malgrado sequer referisse ao preço orçado para aquela obra, muito menos justificasse a estranha eleição do mais singelo e informal sistema de licitação (fls. 31, volume 1). Mais, sequer uma única explicação teceu REGINALDO PASSOS sobre o porquê da necessidade da reforma pretendida se nem mesmo havia sido feita uma prévia visita no local para averiguação do estado do prédio.

Não obstante tais omissões, BRAGA BRAUN encaminha o pedido de REGINALDO PASSOS ao Delegado Geral de Polícia na mesma data sem nada questionar (fls. 32, volume 1), sendo que no mesmo dia Amândio Malheiros (já falecido) autoriza a providência (fls. 33, volume 1).

Ainda no mesmo dia 27/02/1991, são expedidos os convites DGP 26/91 às empresas Construdaotro Construções Ltda, Elotec Construções Ltda, Construtora Zocolotto e Construtora Esteves Ltda (fls. 34/37, volume 1).

Todas aquelas empresas recebem os convites no dia

seguinte, 28/2/1991, uma quinta-feira (fls. 38, vol 1).

No dia 4/3/1991, uma segunda-feira, a comissão julgadora de licitação promove a abertura das propostas, em reunião presidida por JOÃO CAPEZZUTTI, da qual participaram, como membros, ACÁCIO KATO e Rafael Oricchio Neto (já falecido) e classifica em primeiro lugar a Construdaotro Construções Ltda. (fls. 155/156, volume 1).

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JOÃO CAPEZZUTTI adjudica o objeto do certame à empresa Construdaotro Construções, que supostamente apresentou a melhor proposta (fls. 157, volume 1) e Amândio Malheiros homologa condicionalmente (fls. 158, volume 1).

Aparentemente cumpridas as formalidades da licitação, foi assinado o contrato em prol da Construdaotro Construções, que está em fls. 159/175, volume 1 (contrato DGP - CE 26/91), assinado pelo réu ÁLVARO LUZ e pelo réu CELSO EDUARDO, respectivamente.

Várias evidências já denunciavam, desde o início, a trama.

De fato, dentre as modalidades licitatórias previstas na Lei n° 6.544/89 estão, entre outras: concorrência pública, tomada de preços e convite, sendo de comezinho conhecimento para quem freqüentou os bancos de uma faculdade de Direito que a última modalidade mencionada só pode ser escolhida para obras e serviços de pequeno porte.

É nesse sentido que trilham as explicações de Adilson

Abreu Dallari que diz: “sendo o convite utilizado apenas para os contratos de pequeno valor, de objeto simples e com contraprestação imediata, sua redação é bastante singela, devendo conter o mínimo de elementos suficientes para permitir a formulação de uma proposta e para garantir a igualdade entre os ofertantes (grifamos).” 9

De pronto, podia-se perceber que o convite era inadequado para a licitação pretendida, em face da natureza dos documentos que faziam parte integrante do convite, como a planilha de orçamento, que demandava uma análise acurada para verificar a viabilidade dos preços orçados: a quantidade dos materiais seria suficiente para a reforma almejada? Os preços estavam de acordo com o valor de mercado? A qualidade exigida era compatível com o preço orçado?9 In , “Aspectos Jurídicos da Licitação”, editora Saraiva, 2ª edição revista e ampliada, São Paulo, 1980, p. 57.

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Por outro lado, a escolha de uma das modalidades licitatórias previstas em lei deveria se pautar no artigo 23 da Lei Estadual n° 6544/89, combinado com a resolução SF nº 02 de 03 de janeiro de 1991, da Secretaria da Fazenda (fls. 537, volume 3), que estabelecia os valores a serem obedecidos para a fixação de uma determinada modalidade licitatória, em função do valor estimado da contratação, sendo imposta à Administração Pública a atualização do orçamento a cada três meses, a partir do primeiro dia útil do trimestre, consoante disposição do artigo 92 da Lei n° 6544, de 22.11.89. 10

Infringindo tais normas legais o DEPLAN, cujo diretor, na época da licitação, era BRAGA BRAUN, respondendo REGINALDO PASSOS pela chefia do Centro de Engenharia do DEPLAN, utilizou-se conscientemente de modalidade diversa da imposta pela lei, ou seja, CONVITE em vez de TOMADA DE PREÇOS, o que serviu para deixar o assunto circunscrito apenas aos empresários prévia e cuidadosamente eleitos para integrar o grupo.

O artifício usado para fraudar a lei consistiu no uso de cotação de preços de serviços e materiais de JANEIRO de 1990, muito embora a licitação tenha sido autorizada em 27/2/1991 e o contrato tenha sido assinado em 16/05/91.

O efeito retroativo atribuído aos valores constantes na planilha de orçamento e no contrato assinado serviu para duas finalidades:

a) Mascarar o preço da obra e permitir que fosse eleita a modalidade mais simples de licitação, CARTA-CONVITE, o que permitiu o direcionamento dos convites para um pequeno grupo privilegiado de empresas, as quais tinham ligações e interesses em comum e apenas se revezavam como vencedoras e contratadas.

10 Art. 92, da Lei 6544/89 – “Os valores fixados nos artigos 21, parágrafo único, 23, 24, incisos I e II, 58 e 71, inciso III, desta Lei, serão automaticamente corrigidos a partir do primeira dia útil de cada trimestre civil, a iniciar-se pelo 3º (terceiro) trimestre de 1988.Parágrafo único. A Administração publicará no “Diário Oficial” do Estado os novos valores a que se refere este artigo.

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b) Elevação desproporcional do valor final da obra em razão do pagamento da inflação de todo o período da retroação através de reajustes irregulares e ilegais.

Assim, conforme esclarecem os expertos, o valor do orçamento, que era de Cr$ 15.095.299,97, ao preço de janeiro de 1990, atualizado para a época da licitação, fevereiro de 1991, redundava em Cr$ 137.604.294,40, oportunidade em que valores superiores a Cr$ 28.235.000,00 reclamavam a TOMADA DE PREÇOS, consoante os valores fixados na resolução SF- 2 de 03/01/91 (fls. 533, volume 3 e laudo pericial contábil juntado às fls. 3026 e seguintes do volume 15).

Logo, o valor do orçamento, corrigido nos termos da lei, superava em 487 % o limite máximo previsto para se licitar por convite.

Esse expediente fraudulento, assim, teve por escopo frustrar o caráter competitivo do certame ( direcionando os convites para um grupo determinado de empresas) e impedir a publicidade do ato , de modo que outros potenciais concorrentes viessem a participar do certame se tivessem conhecimento da licitação por meio de edital, este obrigatório na modalidade de tomada de preços.11

Tivesse sido escolhida a modalidade TOMADA DE PREÇOS, como era de rigor, haveria a possibilidade de participação de quaisquer interessados cadastrados que satisfizessem as condições do edital, convocados com antecedência mínima de 15 dias, com ampla publicidade pelo órgão oficial e comunicação às entidades de classe que os representam (artigo 22, inciso II, da Lei n° 6544/89).

A publicidade, portanto, permitiria a participação de um número maior de concorrentes, impossibilitando que sempre as mesmas empresas, interligadas entre si, fossem contratadas pela Delegacia Geral de Polícia, o que inviabilizaria os crimes ora em debate.

11 Cf. art. 36 e § 1º e 2º, da Lei 65444/89

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Outro fato, não menos grave de infração legal, foi o desrespeito ao disposto no artigo 35, parágrafo único, da Lei n° 6544/86, que prevê que a minuta do contrato deveria ser previamente examinada pelo órgão jurídico competente12, qual seja, a Consultoria Jurídica da Secretaria da Segurança Pública, o que não foi providenciado pelos acusados funcionários públicos, de modo intencional, especialmente por ÁLVARO LUZ, a quem competia, por força do Decreto Estadual n° 27.082, de 17.07.1987 (cf. doc. anexo na PASTA I, fls. 61/66 MP), remetê-la para análise,13 antes da sua assinatura.

Aliás, nenhuma de quase uma centena de minuta de

contratos de empreitada, referentes aos contratos de empreitadas assinados por ÁLVARO LUZ em nome da Delegacia Geral de Polícia no ano 1991, para as obras de construção e reforma das delegacias de polícia, postos médicos e necrotérios, foi remetida à Consultoria Jurídica da Secretaria de Segurança Pública para prévia análise, como manda a lei.

A propósito, em depoimento prestado nos autos do presente feito, Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi relatou que ao mesmo tempo em que a Consultoria Jurídica da pasta da Segurança Pública não era instada a se manifestar acerca das minutas de contratos relativas às reformas e construções de unidades policiais, outros contratos eram encaminhados normalmente àquele órgão consultivo (cf. depoimento de fls. 2834/2857, vol. 14, em especial fls. 2839/2840)

Em idêntico diapasão foi o testemunho da Procuradora do Estado Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi nos autos do processo 1466/01, da 30 a

Vara Criminal da Capital (relativo a reforma da Delpol de Santa Branca, cf. depoimento constante na PASTA II, fls. MP 446/465, em especial fls. 456/457) e de Maria Cecília Ceregatti, nos autos do processo 517/00, da 29ª Vara Criminal da Capital (ref. reforma da Delpol e Cadeia de Ubatuba, cf. depoimento juntado na 12Parágrafo único, art. 35, da Lei Estadual 6544/89 – “As minutas dos editais de licitação, bem como dos contratos, dos acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinados pelo órgão jurídico competente” (negrito nosso) 13 Decreto nº27.082/87 - art. 10. Ao Delegado-Geral de Polícia, além de outras competências que lhe forem conferidas por lei, decreto ou resolução, compete:Inciso I - em relação às atividades gerais:Letra n - encaminhar diretamente processos e outros expedientes para a manifestação da Consultoria Jurídica da Pasta"

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PASTA II, fls. MP 427/434, em especial fls. 432).

Ora, o fato da DGP enviar à Consultoria Jurídica outros contratos de menor expressão econômica ao mesmo tempo em que omitia aqueles atinentes à construção e reforma de delegacias de polícia é por demais esclarecedor .

A falta de análise da minuta do contrato permitiu que diversas ilegalidades existentes no bojo do procedimento administrativo licitatório não fossem apontadas. Dentre elas, de extrema importância: a eleição injustificada da modalidade convite, o uso da cláusula de retroação ilegal de preços, tanto na planilha de orçamento, quanto no contrato (item 3.12), a não indicação da existência de recursos orçamentários para a realização de despesa, etc. Certamente foi em razão da prática dessas inúmeras ilegalidades que ÁLVARO LUZ deixou de tomar a providência acima apontada, com o intuito de ocultar tais vícios.

Foram desrespeitadas também as normas que prevêem a obrigação do administrador de realizar despesa apenas com previsão orçamentária, sob pena de nulidade dos atos e da responsabilização de quem lhe deu causa (cf. artigo 5° da Lei n° 6544/89).

A importância da previsão orçamentária é ressaltada por J. Teixeira Machado Júnior e Heraldo da Costa Reis:

“...o empenho é o instrumento de que se serve a administração a fim de controlar a execução do orçamento. É através dele que o legislativo se certifica de que os créditos concedidos ao Executivo estão sendo obedecidos. O empenho constitui instrumento de programação, pois, ao utilizá-lo racionalmente, o Executivo tem sempre o panorama dos compromissos assumidos e das dotações ainda disponíveis.” 14

Neste sentido, também, a súmula do Tribunal de Contas 14 J. Teixeira Machado Júnior e Heraldo da Costa Reis in “A Lei 4320 Comentada”, Rio de Janeiro, Ed. IBAM, 2000/2001, 30ª Edição, p. 139.

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de Minas Gerais:

“As despesas públicas realizadas sem a observância do requisito legal do empenho prévio são irregulares e de responsabilidade pessoal do ordenador, salvo se o Legislativo as considerar de interesse público e autorizar a competente regularização, através de abertura de créditos adicionais próprios”15.

Essa imperiosa necessidade é reforçada pelo artigo 50,

inciso V, da Lei n° 6544/89 e artigo 45, inciso V, do Decreto-lei n° 2300/86 que indicam entre as cláusulas necessárias ao contrato a indicação dos recursos para atender às despesas.

Outrossim, o artigo 5º da Lei n° 6544/89 e o artigo 6°, do Decreto-lei n° 2300/86 estabelecem que “nenhuma obra ou serviço será objeto de licitação sem projeto básico aprovado pela autoridade competente” (destacamos), sendo certo que o inciso VII, do artigo 4º da Lei n° 6544/89 define o projeto básico como: “conjunto de elementos que defina a obra ou serviço, ou o complexo de obras ou serviços que compõem o empreendimento, e que possibilita a estimativa de seu custo final e seu prazo de execução.”

Assim, a lei impõe à Administração, como condição para a licitação de uma obra, a aprovação pela autoridade competente de um projeto básico, que forneça detalhamento suficiente da obra a ser licitada, para que fique perfeitamente definida quanto a sua estrutura, a sua forma, dimensão e a sua viabilidade técnica, o que não foi observado, pois a autorização concedida por Amândio Augusto Malheiros Lopes (fls. 33, volume 1) é baseada num pedido absolutamente vago, em que se postula ao Delegado Geral de Polícia aprovação para abertura do procedimento licitatório para reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém, sem o fornecimento de qualquer característica da edificação, sem a relação dos serviços a serem executados e muito menos o preço estimado do gasto para a execução da obra.

15 Motta, Carlos Pinto, in “Licitação e Contrato Administrativo”, Editora Lê, Belo Horizonte, 1990, p. 50.

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A importância e relevância da existência do projeto básico, também prevista como condição necessária à licitação de obra e serviços pelo artigo 6° do Decreto-lei n° 2300/86, é ressaltada por Raul Armando Mendes:

”A norma do caput do artigo é de salutar importância, uma vez que evita a licitação sem propósito específico ou, às vezes, por arrufos demagógicos do administrador, para atender interesses político-eleiçoeiros; por outro lado resguarda o erário das despesas supérfluas ou inconseqüentes com licitações sem o competente suporte técnico e assegura a execução da obra ou do serviço pela obrigatoriedade da existência de recursos orçamentários, por ocasião do contratado.” 16

O simulacro que consistiu a aprovação, pelo Delegado Geral de Polícia, do pedido de reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém foi agravado pelo inexistência de um projeto arquitetônico, de um projeto das instalações elétricas e hidráulicas, assim como da relação dos serviços a serem executados.

Aliás, ponderaram os peritos a respeito: “no processo não existem plantas da reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia e respectivos quadros, com serviços a serem executados e que fazem planilha de serviços e preços, resultando na impossibilidade de precisar os serviços contratados.” (conforme anotado pelos peritos engenheiros no laudo de fls.927/963, volume 5, em especial fls. 929), informação repetida pelos peritos às fls. 960, volume 5 “no processo licitatório não consta projeto para reforma com quadro das áreas a serem demolidas, construídas e remanescentes, projeto detalhado das instalações elétricas e hidráulicas, com a listagem dos serviços a serem executados, que deveriam acompanhar a licitação, somente consta a planilha de serviços com os itens, as quantidades e o preço básico da tabela SIGO – Sistema Integrado de Gerenciamento de Obras. Quanto ao memorial constante nos autos, foram realizados pelos responsáveis do Centro de Engenharia do Deplan e são genéricos para todas as obras, sendo observado e constado pelos peritos que cada obra possui suas características próprias, com serviços 16 in Comentários ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1988, p. 31..

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distintos a serem realizados”.

Essas informações periciais foram confirmadas pelo próprio Centro de Engenharia do DEPLAN, conforme comprova o ofício de fls. 1134, vol. 6° assinado pela sua diretora técnica Cibeli Gama Monteverde.

Ora, é de ciência comum que até mesmo a edificação ou reforma substancial de uma residência requer a elaboração prévia de projetos arquitetônico, estrutural, hidráulico e elétrico até mesmo para obter a aprovação da municipalidade.

Houve até mesmo a omissão deliberada da dimensão do imóvel a ser reformado e relação das áreas a serem revitalizadas, o que era de fundamental importância para se ter uma idéia, ainda que aproximada, da adequação do orçamento definido pela administração com o preço médio de mercado, de maneira que ficava a critério da empresa escolher o que e como fazer, cumprindo aduzir que em alguns casos de construção/reforma de unidades policiais, as empreiteiras nem mesmo se deram o trabalho de edificar/reformar coisa alguma, não obstante os pagamentos recebidos, conforme comprovam os laudos de engenharia referentes as obras de reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Ubatuba e construção do necrotério de Santos juntados na PASTA IV, fls. MP 754/765 e 766/783.

Essa absoluta imprecisão da natureza e extensão da reforma a ser executada permitiu que um verdadeiro desmando do dinheiro público, não só nesse caso, como em todos os demais casos de licitação na modalidade CONVITE, ocorresse.

Não foi por outra razão que, não raro, a reforma custou mais do que a construção de um prédio novo.

E este nosso ponto de vista é reforçado pela comparação do valor do orçamento de construções e reformas de unidades policiais cujas

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licitações foram autorizadas no dia 27/02/91 e cujos julgamentos aconteceram em março/91, sendo seus respectivos contratos assinados no dia 16/05/91:

(quadro 01)reformas econstruções DP/Cadeias

Data do julgamento propostas

Data da assinatura do contrato

Valor do orçamentoíndice 01/90

valor do contrato+termo aditamento

Área construída

constr. PML Santos 04/03/91 16/05/91 8.115.215,01 8.480.399,68 800 m2const. DP Severinia 04/03/91 16/05/91 8.611.757,91 8.999.287,01 240 m2const. DP Tapiratiba 04/03/91 16/05/91 8.611.757,91 8.999.287,01 400 m2reforma DP Santa Cruz da Conceição

05/03/91 16/05/91 8.749.011,45 9.142.716,96 + TA 4.539.073,40 13.681.790,36

167 m2

reforma da DP de Santa B. do Oeste

05/03/9117 16/05/91 22.922.450,40 23.999.805,56 + TA11.892.992,4835.892.798,04

660 m2

reforma da DP deBarueri

06/03/91 16/05/91 25.821.728,88 27.035.350,13 + TA13.515.562,2640.550.912,39

1206,77 m2

OBSERVAÇÕES: 1. Os laudos de engenharia referentes a estas construções e reforma, assim como outros

documentos relacionados com o quadro acima foram juntados com a presente manifestação

na PASTA IV, fls MP 696/919.

2. Os contratos para a execução das obras supra referidas foram assinados com as

seguintes empresas Construmor Engenharia e Construção (construção do posto médico

legal de Santos), Construtora Zocolotto (construção da DP de Severínia), São Quirino Engenharia e Comércio (construção da DP de Tapiratiba), B&Z Construções e Informática (reforma das DP e Cadeia de Santa Cruz e Santa Bárbara do Oeste) e Conduto Engenharia e Construções Ltda (reforma da Delpol e Cadeia de Barueri) (confiram-se as

atas de julgamento das propostas de preço juntadas na PASTA III, fls MP 549, 565, 566, 572,

579 e 609, respectivamente). Ora, como o custo estimado da construção de uma área de

800 m2 (Posto Médico Legal de Santos) poderia ter um custo estimado inferior a da edificação de um prédio com área construída de 240 m2 (Severínia), levando em conta que todos os terrenos eram praticamente planos e o material do mesmo padrão de qualidade, inclusive com planilhas de preços padronizados?

17 vide cópia da ata de abertura da proposta da licitação para reforma da Delpol e Cadeia de Santa Bárbara do Oeste juntada na PASTA, fls. MP 630A

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Como o custo estimado de uma reforma de uma área de 167 m2 (Santa Cruz da Conceição) poderia ter um custo estimado superior a uma construção de um prédio novo de 400 m2 (Tapiratiba), levando em conta que todos os terrenos eram praticamente planos e o material do mesmo padrão de qualidade?

Como poderia o valor do orçamento da reforma de um prédio com uma área construída de 660 m2 (Santa Bárbara do Oeste) ter um custo estimado superior a mais de duas vezes e meia (desconsiderado o valor do termo de aditamento) do valor estimado para construção de um prédio novo de 400 m2 (Tapiratiba), levando em conta que todos os terrenos eram praticamente planos e o material do mesmo padrão de qualidade?

Como poderia o custo estimado da reforma de uma área de 660 m2 (Santa Bárbara do Oeste) ter sido estimado a um valor ligeiramente inferior ao custo da reforma de uma área de 1.206,77 m2 (Barueri), levando em conta que todos os terrenos eram praticamente planos e o material do mesmo padrão de qualidade, inclusive com padronização das planilhas de orçamento? (vide cópias das planilhas de orçamento da reforma da Delpol/Cadeia de Barueri e reforma da Delpol/Cadeia de Santa Bárbara juntadas na PASTA IV, fls. MP 742/753 e 907/919 a título exemplificativo)

Por outro lado, o presente procedimento licitatório, como se pode constatar dos documentos juntados a fls. 39 e seguintes do 1° volume, cuja cópia integral deu origem ao inquérito policial relativo ao desvio de dinheiro público para a reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém, não possui os dados indispensáveis referidos pelos peritos para execução do trabalho de reforma. O único documento que instruiu a licitação foi o orçamento sintético que nada mais é do que uma simples lista de preços (fls. 71/84, volume 1, cuja cópia integral foi juntada às fls. 2756/2772, vol. 14), sem qualquer especificação sobre a classe, tipo e a dimensão do imóvel a ser reformado, a listagem dos serviços a serem executados, bem como também o nível de acabamento a ser adotado.

Sem o conhecimento dessa realidade, as empresas

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concorrentes efetivamente não tinham condições de apresentar uma proposta séria, simplesmente por desconhecimento completo do objeto do certame, bem como também era tecnicamente inviável fazê-lo num período tão curto de tempo (recebimento dos convites – 28/02/1991 {quinta feira}; julgamento das propostas – 04.03.1991 {segunda-feira}, mormente em vista da circunstância de que entre os dias 04.03.1991 e 06.03.1991, a empresa vencedora desta licitação, a Construdaotro Construções Ltda (= antiga Áreas Verdes Paisagismo Ltda) e a Consesp Construções Especiais (gerenciada por CELSO EDUARDO, um dos sócios da Construdaotro e por VIVALDO DIAS DE ANDRADE JÚNIOR) apresentaram cerca 59 propostas de preço para certames relativos a construção e reforma de diferentes unidades policiais espalhadas em diferentes pontos do Estado de São Paulo (várias delas em locais longínquos), como Rosana {760 km}, Taiúva {415}, Sebastianópolis do Sul {560 km), conforme se pode constatar pelas atas de julgamento de propostas de preço ora juntadas na PASTA III, fls. MP. 562, 554 e 564.

Mais, com o propósito de restringir a publicidade, frustrando-se, assim, a possibilidade de impugnação pelos cidadãos interessados, com infringência ao disposto no artigo 40, inciso IV e artigo 60 da Lei nº 6544/86, o contrato DGP- 026/91 não foi publicado.

Como preleciona Raul Armando Mendes:

“Não valerá o contrato não publicado; não gera efeito; não garante direitos; não dispara sua execução; não autoriza qualquer despesa. É como se não existisse... Da data da assinatura até vinte dias, no máximo, tem a autoridade responsável a obrigação de mandar publicar o resumo do contrato, de qualquer valor ou sem valor algum. A não publicação impede qualquer ato de execução... Anote-se, no entanto, que o §1º, ora em comento, diz textualmente que a publicação do contrato é condição indispensável para sua eficácia.” 18

Houve violação, também, do artigo 50, inciso I, da Lei

n° 6544/89, pois se omitiu no documento contratual a indicação da relação dos 18 In “Comentários ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos”, São Paulo, Ed. Saraiva, 1991, p. 164.

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serviços a serem executados no prédio, o que se pode constatar da leitura do contrato DGP CE 26/91 (fls. 159/175, volume 1), pois não se mencionou a área do imóvel a ser reformado e a relação dos serviços a serem empreendidos pela contratada.

Houve, também, desrespeito à cláusula segunda do contrato DGP 26/91, uma vez que as 05 prorrogações contratuais foram autorizadas com base em meras alegações da contratada, sem qualquer fundamento técnico e fático, e sem que houvesse fiscalização, pela Administração, acerca da procedência das pretensões, ou seja, sem a constatação física das supostas dificuldades relatadas pela empreiteira contratada.

Mais grave ainda, quando a Construdaotro endereçou ao DEPLAN o segundo pedido de prorrogação de prazo contratual, seguidos de outros três pedidos da mesma espécie, a obra já estava terminada e formalmente recebida pela Administração demonstrando que esses pedidos de prorrogação do prazo do contrato foram mais um dos expedientes criminosos usado pelos réus empreiteiros com o nítido propósito de agigantar as verbas desviadas do erário estadual.

De fato, conforme se depreende do “termo de verificação e recebimento definitivo” encartado em fls. 501, volume 3, o Centro de Engenharia do DEPLAN, por intermédio de seu funcionário Josué da Silveira Barros, já havia recebido definitivamente a obra em 13 de janeiro de 1992, de maneira que nada, absolutamente nada mesmo, poderia justificar as quatro últimas prorrogações de prazo que advieram, com o único propósito de agigantar ainda mais o desvio de dinheiro público a custo de mais reajustes e correções ilegais, além do suposto aumento de serviços e preço, objeto do último aditamento.

E não se perca de vista que Josué da Silveira Barros, confirmando o teor do documento de fls. 501, volume 3, relatou que, após o recebimento da obra pela Administração, não mais esteve no local, o que, aliás, só acontecia quando ficava alguma pendência (fls. 2666, volume 13), o que certamente não aconteceu no presente caso, ante o que consta naquele referido documento.

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A inobservância do prazo de conclusão da obra somente seria admitida pela Delegacia Geral de Polícia, conforme disposição contratual estabelecido no próprio contrato elaborado pela Administração, quando fundamentado em motivo de caso fortuito ou força maior, como tais conceituados no Código Civil Brasileiro.19

Contudo, em 2/10/1991 a CONSTRUDAOTRO endereça ao DEPLAN a simplória e absolutamente vaga correspondência de fls. 200, volume 1, subscrita pelo réu CELSO EDUARDO, desprovida de qualquer ponderação técnica, solicitando prorrogação de 120 dias, tendo em vista “demora na entrega dos projetos de reforço do solo, com consequente indefinição da fundação, falta de definição de procedimento para recomposição das seções de ferro onde se constatou necessidade de recuperação de estrutura, etc..

REGINALDO PASSOS encaminha o expediente para ACÁCIO KATO (fls. 201, volume 1), que, abstendo-se de tecer uma única ponderação técnica acerca das alegadas ocorrências, subscreve o singelo ofício de fls. 202/203, volume 1, recomendando ao diretor do DEPLAN a prorrogação do prazo inicial.

O ofício retorna às mãos de REGINALDO PASSOS (fls. 204), que o encaminha a Haroldo Ferreira (fls. 205, volume 1), que solicita a prorrogação à Delegacia Geral de Polícia..

ÁLVARO LUZ aprova (fls. 206, volume 1). Redige-se o aditamento 1/91, datado de 01/11/91 (fls. 207/208, volume 1), firmado por ÁLVARO LUZ, representando a Delegacia Geral de Polícia, e pelo réu CELSO EDUARDO, representando a CONSTRUDAOTRO.

19 Conforme o art 1058, parágrafo único, do Código Civil (atual art. 393 § único) – “O caso fortuito, ou de força maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir.”Conceitualmente, o caso fortuito e a força maior se destinguem. Caso fortuito é o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que não poderiam ser previstas pelas partes. Força maior é o "fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo que a boa vontade do devedor não pode vencer" (in Beviláqua, Clóvis, "Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, edição histórica, Editora Rio, Rio de Janeiro, 1976,p. 173)

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Em 10/2/1992 (fls. 286, volume 2), depois da conclusão da reforma, a CONSTRUDAOTRO postula, através do seu sócio, CELSO EDUARDO, nova prorrogação do prazo contratual em mais 90 dias, alegando a ocorrência de constantes chuvas, “morosidade por parte das concessionárias locais nas ligações definitivas de energia elétrica”, “redução do quadro de funcionários, face a insuficiência de verba do Estado.”

Ora, se no local já funcionava uma Delegacia de Polícia e Cadeia Pública, evidentemente, já havia ligação definitiva de energia elétrica, pois sem esses serviços obviamente o desenvolvimento de qualquer atividade no prédio (mormente havendo uma cadeia) estaria prejudicado. Daí se percebe que a empreiteira, sem o menor pudor usava de falsas alegações para obter a prorrogação do contrato.

Tudo se repete com o beneplácito de REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO (fls. 287/290, volume 2) e aprovação de ÁLVARO LUZ (fls.292, volume 2), lavrando-se o termo de aditamento 2/92, datado de 05/03/92 (fls. 293/294, volume 2), subscrito por ÁLVARO LUZ e CELSO EDUARDO.

Além desses dois pedidos de prorrogação, houve outros 03 (três), encaminhados ao Centro de Engenharia do DEPLAN em 28/4/1992 (fls. 295, volume 2), assinado por CELSO EDUARDO; em 20/7/1992 (fls. 304, volume 2), assinado por CELSO EDUARDO; em 6/09/92 (fls. 372, volume 2), assinado por VIVALDO JÚNIOR.

Todos aludem como motivação para as pretendidas prorrogações, além da “insuficiência de verbas”, balelas como, por exemplo, “divergências de especificações técnicas relativas as entradas de energia elétrica, bem como a de água com relação as exigidas pelas concessionárias locais, havendo, portanto, necessidade de alterações nos respectivos projetos” (fls. 295, vol. 2), “por solicitação do sr. Delegado daquela unidade, há necessidade de reforço das grades para melhoria do sistema das instalações” (fls. 304, volume 2) e “modificações nas instalações elétricas.” (fls. 372, volume 2).

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Nenhum dos 5 (cinco) pedidos de prorrogação contratual teve como fundamento a ocorrência de caso fortuito e força maior (únicas hipóteses previstas no próprio contrato firmado pela Administração para permitir a dilação do prazo para conclusão da obra) pois as justificativas apresentadas, como aquelas acima colacionadas, definitivamente não se enquadram naquelas duas hipóteses legais e contratuais.

Nem mesmo a alegada falta de recurso financeiro do Estado (indicada em quase todos os pedidos) constitui hipótese de caso fortuito ou força maior, já que a Administração empenhou o valor total da obra em 03/7/1991 (fls.77/179, volume 2) de maneira que cabia à empresa contratada valer-se dos meios legais para a sua cobrança, o que certamente não fez dada a ilegalidade dos pagamentos efetuados, assunto que será tratado como maior profundida mais adiante.

A verba empenhada só não foi suficiente para cobrir as despesas com a obra contratada porque o grupo se valeu dolosa e ilicitamente de cláusula que dava efeito financeiro retroativo ao contrato.

Assim, não bastasse a ilegal retroação de preços em 13 (treze) meses, houve cinco prorrogações contratuais indevidas (o que se fez em busca do pagamento de correção monetária, astronômica na época), que serviram apenas para agigantar ainda mais as verbas desviadas do erário estadual.

Continuando, malgrado muito pouco estivesse sendo feito, os pagamentos começaram a ser depositados na conta 13-001904-7, da agência 205 (Rio Branco) do Banespa, cujo titular é a Construdaotro Construções (fls. 236,volume 2).

Do que se tem conhecimento, foram 16 (dezesseis) ordens de pagamento a seguir especificadas, indevidas, pois a Construdaotro Construções providenciou apenas uma maquiagem no prédio da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém (que nem de longe custaria a assombrosa soma equivalente a US$

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1.149.594,74, isso sem contar o acréscimo do valor contratual em 49,97% por força do termo de aditamento ao contrato n. 05/92), pouco fazendo nesse imóvel, conforme será visto oportunamente no item “as falsas medições e os pagamentos indevidos”.

(Quadro 02)

Data Nº OP Valor – Cr$/ CR$/R$20 Ref. N. Fiscal Folhas

23/01/1992 007/92 16.449.290,45 3150 e 3151 236, volume 2

27/08/1991 111/91 76.573.396,90 3015 e 3016 285, voume 2

03/02/1992 093/92 44.788.969,29 3197 e 3198 259, volume 2

03/02/1992 094/92 12.636.287,99 3116 258, volume 2

14/02/1992 133/92 10.207.603,04 3244 245, volume 2

14/02/1992 180/92 12.756.797,12 3310 237, volume 2

30/04/1992 254/92 63.758.751,25 3471 e 3472 318, volume 2

27/05/1992 261/92 27.562.154,93 3500 342, volume 2

29/05/1992 s/n° 15.136.490,13 3557 399, volume 2

15/09/1992 313/92 15.941.535,33 3810 (parcial) 450, volume 3

20/10/1992 327/92 118.255.000,00 3810 (restante) 451, volume 3

20/10/1992 330/91 28.404.520,20 3917 412, volume 2

20/10/1992 342/91 2.653.179.207,30 4015 449, volume 3

28/01/1993 006/93 596.987.384,69 4179 399, volume 3

03/12/1993 131/93 32.176.490,92 corr. monetária 494, volume 3

24/12/1993 385/93 1.446.516.458,40 4075 483, volume 3

Assim, não bastasse a ilegal retroação de preços em 13 (treze) meses, houve cinco (cinco) absurdas prorrogações contratuais, quatro delas quando a obra já tinha sido formalmente recebida pela Administração, que serviram apenas para aumentar ainda mais as verbas desviadas do erário estadual.

20 No período de 16.03.90 a 01.08.93 a moeda vigente no país foi o cruzeiro (símbolo = Cr$), por força da Lei 8024, de 12.04.90, que adotou a medida provisória nº 168 de 15.03.90. A partir de 02/08/93 a moeda vigente foi o cruzeiro real (símbolo = CR$), cf. medida provisória n. 336, de 28/07/93, convertida na Lei n. 8697, de 28.08.93 e finalmente a partir de 01.07.94 a moeda vigente passou a ser o real (símbolo = R$), cf. Lei 8880, de 27.05.94).

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Sobre isso a prova é inconteste.

3. CONCENTRAÇÃO DOS CERTAMES NO DEPLAN

Resulta do Decreto-lei n° 233, de 28/04/70, modificado pelo Decreto n° 7514, de 30/01/76, Decreto nº 31.866, de 13/07/90, Decreto nº 32.233, de 27/08/90 e 33.150, de 20/03/91, que as Delegacias Regionais de Polícia por serem consideradas unidades de despesas, podem empreender reformas e construções de prédios sob sua alçada, seja qual for a modalidade de licitação necessária para tal (cf. legislação juntada na PASTA I , fls. MP 32/44).

Contudo, não obstante aquela salutar possibilidade legal e

malgrado o DEPLAN contasse, na época, com apenas dois funcionários incumbidos, irregularmente, de fiscalizar as obras de reforma/construção (Mário Lúcio Alves e Josué da Silveira Barros) e, inicialmente, um único veículo para visitar todas as obras sob a égide daquele departamento, o que exsurge do testemunho de Mário Lúcio (processo controle n° 174, da 2ª Vara Criminal da Capital e processo n° 1326/99, da 14ª V. Criminal da Capital, ref. reforma da Delpol e Cadeia de Brotas, ora juntados na PASTA II, fls. MP 402 e 404/408), confirmado por Josué da Silveira Barros às fls. 2579/1580, volume 13, não por acaso, todas as obras públicas mencionadas (mais de uma centena) se concentraram no DEPLAN entre o período de 1990 a 1991 (cf. demonstra o documento juntado na PASTA I, fls. MP 21/26).

Ora, é evidente que para o Estado, seria muito mais producente que cada uma das Delegacias Regionais de Polícia providenciasse a licitação e acompanhamento de obras em suas respectivas áreas de atuação, o que seguramente implicaria em melhores preços e maior rigor no acompanhamento dos trabalhos.

Menores preços, porque é sabido que a mão de obra em

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pequenos municípios é infinitamente mais barata do que nos grandes centros, bem como também porque os custos para uma empresa sediada nesta Capital deslocar profissionais técnicos, como por exemplo, engenheiros, até localidades distantes mais de 600 quilômetros desta cidade de São Paulo, como é o caso, por exemplo, dos municípios de Rosana (760 km da Capital), São João do Pau D’Alho (680 km) e Tupi Paulista (663 km), onde foram licitadas construções e reforma de uma unidades policiais no ano de 1991, seguramente são maiores do que se empresas situadas nas imediações daquelas localidades assumissem os serviços.

E o maior rigor no acompanhamento dos trabalhos por parte das Delegacias Regionais de Polícia decorre da mera proximidade das obras.

Nem se argumente que a concentração da fiscalização das obras no Centro de Engenharia do DEPLAN, com sede na Capital, se justificava pelo fato das Delegacias Regionais de polícia não disporem de engenheiros, posto que, como já era de praxe antes disso, poderiam aqueles órgãos policiais se valerem, mediante a assinatura de um convênio, dos engenheiros das prefeituras municipais das localidades onde as construções/reformas seriam empreendidas. E, ainda assim, o custo da obra seria mais em conta.

Contudo, aparentemente afrontando a lógica e o bom senso, a Delegacia Geral de Polícia, mesmo sabendo que o Centro de Engenharia do DEPLAN estava desprovido da mínima capacidade de fiscalização, como sopesado, açambarca para si a realização de mais de uma centena de licitações e posterior fiscalização das respectivas obras, situadas nos mais distantes municípios deste Estado.

Pior, para isso, a Delegacia Geral de Polícia convida apenas um pequeno grupo de empresas sediadas nesta Capital, com exceção de uma, a Estrutura Construtora e Incorporadora Ltda., localizada em Santos, malgrado mais de cem estivessem cadastradas no Centro de Engenharia do DEPLAN (cf. relação de empresas cadastradas juntada às fls. 1849/1925, volume 10).

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As demais empresas sistematicamente convidadas (todas com sede na Capital) e que passaram a figurar no rol de vencedoras eram: 1) Construdaotro Construções Ltda (antiga Áreas Verdes Paisagismo), 2) Consesp Construções Especiais Ltda, 3) Elotec Construções Ltda, 4) Conduto Engenharia e Construções Ltda, 5) Construmor Engenharia e Construções Ltda, 6) Teor Engenharia Ltda, 7) V.A. Engenharia e Construções Ltda, 8) São Quirino Engenharia e Comércio Ltda (cujo nome foi alterado em 07.05.91 para Construdaotro Empreendimentos Ltda), 9) B&Z Construções e Informática Ltda, 10) Construtora Zocolotto Ltda, 11) Construtora Esteves Ltda Ltda e 12) Tecnosul Engenharia e Construções Ltda, totalizando 13 empresas aquinhoadas com o objeto da adjudicação.

Além dessas empresas, várias outras eram também costumeiramente convidadas, porém, apenas para compor o número de quatro empresas participantes para cada licitação. Eram elas: 1) Fortenge Construções e Empreendimentos Ltda, 2) Policret Engenharia Ltda (cujos sócios são os mesmos que da empresa Teor Engenharia Ltda), 3) Construtora Primaz Ltda e 4) Tersil Terraplenagem), 5) Mário Caraça Construções Ltda e 6) H.Guedes Engenharia S/A (do mesmo grupo da Consesp Construções Especiais).21

A constatação de um só caso similar, por causar o

encarecimento da obra, já chamou a atenção do técnico do Tribunal de Contas, Kamal Mattar, que analisando os autos do procedimento licitatório da reforma da Delegacia de Polícia de Presidente Bernardes alertou:

“a obra é em Presidente Bernardes e os convites partindo de

21 No período de 90/91 foram realizados, de acordo com os inquéritos policiais instaurados, somente 08 licitações na modalidade TOMADA DE PRECOS. Foram elas: construcão da Delegacia da Defesa da Mulher, construção da DIG de S.J. Preto, construção de Ribeirao Preto, construção do 2° DP de São Vicente, construcão do 3° DP de Diadema, construção do 7° DP de São Bernardo do Campo e construção do DP de Embu e construção/reforma do 76° DP da Capital.Por outro lado, somente em duas ocasiões distintas foram convidadas empresas que não faziam parte desse rol: foram elas: a Mariana Imóveis que foi convidada em duas ocasiões no final de 1991 (reforma da DP de Jaborandi e reforma da Delpol de Capão Bonito, havendo vencido a primeira – cf. atas anexas na PASTA III, fls. MP 629/630 ) e H. Guedes que foi convidada em duas oportunidades no ano de 1990 (reforma da Cadeia Publica de Americana e reforma da Delpol de Pereiras, não vencendo nenhuma delas –cf. atas anexas na PASTA III, fls, MP 627/628). A H. Guedes era do mesmo grupo da Consesp, uma vez que seu presidente era Marcio Guedes Pereira Leite.

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Presidente Prudente, que dista pouco mais de 20 km. da obra, foram dirigidas a Andradina, quase 200 km de Presidente Prudente.” (cf. relatório geral – anexo 1 do Tribunal de Contas ora juntado na PASTA II, fls. MP 359/368).

Seria, pois, impossível que essa situação passasse despercebida aos olhos dos réus funcionários públicos, tamanha a sua absurdez.

Além de convidar empresas distantes do local onde a obra seria executada, a Delegacia Geral de Polícia (representada por Amândio Augusto Malheiros Lopes e ÁLVARO LUZ, sucessivamente), o DEPLAN (cujo diretor foi BRAGA BRAUN até 18/03/91) e o DERIN (cujo diretor foi, sucessivamente ÁLVARO LUZ, até 18/03/91 e BRAGA BRAUN a partir de 19/03/91) não costumavam comunicar à autoridade policial local e nem ao responsável pela Delegacia Seccional de Polícia, acerca da existência de um contrato de empreitada assinado e tampouco solicitavam um acompanhamento da obra. E quando o faziam não avisavam qual seria a extensão da reforma a ser executada, o que aconteceu também nesse caso, como esclareceu o então Delegado de Polícia Cássio Luiz Guimarães Nogueira, que exerceu a função de Delegado de Polícia de Itanhaém no período de 1988 a 1996 que ao ser indagado sobre os fatos relatou:

“algum tempo depois de iniciadas as obras de reforma, uma vez que havia em

sua mente a idéia de que seriam totalmente reformuladas as celas e instalados

dispositivos de segurança, como por exemplo, tela de aço sob o pátio para banho

de sol e substituído todo o gradeamento das celas e disposição inteligente de

janela de forma a evitar a possibilidade de passagem de uma pessoa; que

estranhava o fato de a empresa não executar certos itens que o depoente

entendia como imprescindíveis como também tentar reaproveitar materiais que o

depoente não como técnico mas por sua experiência entendia inservíveis, como

por exemplo telhas quebradas ou grades enferrujadas; que tal fato motivou o

depoente a protestar junto à Vara da Corregedoria dos Presídios da Comarca no

que obteve o apoio do MM. Juiz Corregedor, na época, Dr. Luiz Carlos Muraro,

que dentro de sua atuação requisitou cópia do memorial descritivo da obra para

que o depoente pudesse ter uma idéia do tipo de serviço que o Estado havia

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contratado; que além disso o depoente advertiu o representante da empresa e o

encarregado de fiscalização do setor de engenharia, um engenheiro cujo nome o

depoente não se recorda que caso a obra não fosse realizada a contento era

melhor que não fosse feito nada, pois caso contrário o depoente em nenhuma

hipótese iria assinar o seu recebimento e além disso providências seriam

tomadas a respeito... Não recebeu memorial ou planta referente a obra,

ressalvando apenas aquela que lhe foi transmitida pelo juiz Corregedor de

Itanhaém... Durante o período de realização da obra os órgãos superiores da

polícia não lhe solicitaram informações acerca do andamento da obra...” (fls.

2802/208, volume 14).

Ocorre que, o único memorial descritivo encartado nos autos do procedimento licitatório é genérico para todas as obras, fato apontado pelos peritos que colocaram o problema nos seguintes termos: “Quanto ao memorial constante dos autos, foram realizados pelos responsáveis do Centro de Engenharia do Deplan e são genéricos para todas as obras, sendo observado e constado pelos Peritos que cada obra possui sua característica própria, com serviços distintos a serem realizados.” (cf. fls. 960 do laudo de engenharia n° 38.679/99).

De fato, não foi objeto de menção no memorial, da dimensão do prédio a ser reformado, do número de salas/celas existentes, da área de cada uma dessas salas/celas, da relação dos serviços a serem executados, etc.

Isso denota que os funcionários públicos réus tentaram ocultar toda e qualquer informação sobre a obra a ser executada, justamente para que os funcionários públicos locais, por desconhecer completamente o que fora contratado (o que aliás era impossível dada a inexistência de uma relação dos serviços que deveriam ser executados), não pudessem exigir a realização dos serviços contratados, o que também facilitou consideravelmente o uso de expedientes fraudulentos destinados a desviar dinheiro público, outra prova de que, desde o início, os funcionários públicos réus tiveram a intenção de usar a licitação e o contrato de empreitada para solapar o erário.

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Assim, o que a princípio parece uma grande estupidez, na realidade, era a pedra fundamental de um enorme e reiterado desvio de dinheiro público, conforme será debatido a seguir.

04. O CRIME DE PECULATO

Antes de darmos início ao debate das provas, cumpre esclarecer que sustentou o advogado de alguns dos réus empreiteiros, em sede de defesa preliminar ofertada em alguns dos processos, que os fatos em liça melhor se amoldariam à situação estatuída no artigo 171 do Estatuto Repressivo, posto que, segundo argumentam, alguns funcionários da Fazenda Estadual e os funcionários públicos mais graduados da Polícia Civil, teriam sido induzidos em erro e, nessa condição, liberado os pagamentos irregulares.

Desse modo, procuram acoimar a denúncia, com isso querendo lançar bruma na ação penal.

Contudo, desnecessária maior acuidade para se concluir

que o raciocínio é imperfeito justamente porque se partiu de falsas premissas, qual seja: os Delegados de Polícia réus ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN e JOÃO CAPEZZUTTI desconheceriam as irregularidades descritas na exordial, de modo que teriam sido induzidos e mantidos em erro pelos empreiteiros e por funcionários subalternos ou, então, porque não teria BRAGA BRAUN a posse precária das verbas desviadas, necessária para a configuração do crime estatuído no caput do artigo 312 do Estatuto Repressivo (evidentemente excluída a hipótese do parágrafo 1º do mesmo dispositivo de lei).

São as únicas hipóteses em que se poderia, em tese, cogitar em crime de estelionato, cumprindo destacar que, mesmo no caso do funcionário público sobredito não dispor da posse do bem, eles incorreriam nas mesmas penas cominadas na cabeça do preceito legal, caso ocorressem as

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circunstâncias insertas no parágrafo 1º da sobredita norma.

Cumpre anotar, que, neste caso específico, BRAGA BRAUN, conforme será demonstrado adiante, desempenhava sim misteres que lhe conferiam a disponibilidade jurídica de verbas que a Fazenda Estadual direcionava para a pasta que ocupava (diretoria do DERIN), por força do artigo 14, inciso I, do Decreto-lei 233/70.22

Outrossim, as provas dos autos, conforme a seguir serão debatidas, são tonitruantes no sentido de que é absolutamente inviável que BRAGA BRAUN, ÁLVARO LUZ e JOÃO CAPEZZUTTI desconhecessem as gritantes irregularidades, que, aliás, não poderiam passar ao largo nem mesmo da percepção de jejunos - que os citados réus efetivamente não são - em Direito e Administração.

Assim, sendo incontestável que BRAGA BRAUN, ÁLVARO LUZ e JOÃO CAPEZZUTTI estavam cônscios da farsa que foram as licitações objeto de inúmeras ações penais - o que é descortinado por um sem-número de evidências probatórias abaixo enumeradas - e tendo em conta que efetivamente o primeiro réu nominado dispunha da posse jurídica das verbas públicas desviadas, jamais se poderia cogitar em crime de estelionato, onde a vítima, ilaqueada em sua boa fé, entrega, com ânimo definitivo, o objeto do crime almejado pelo agente.

Ora, segundo os ensinamentos do insuperável mestre Nelson Hungria, o peculato “é o crime do funcionário público que arbitrariamente faz sua ou desvia em proveito próprio ou alheio a coisa móvel que possui em razão do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou apenas se ache sob sua guarda ou vigilância. Tal como a apropriação indébita, o peculato pressupõe no agente a preexistência da legítima posse precária, ou em confiança, da res nobilis de que se apropria, ou desvia do fim a que era destinada”23. E acrescenta o Mestre: “Se a coisa é empregada em fim diverso daquele a que era destinada (desde que o agente vise a 22 Artigo 14, do Decreto-lei n° 233/70:Aos Dirigentes responsáveis pelas Unidades de Despesas compete:I – autorizar despesas, dentro dos limites impostos pelas dotações liberadas, para as respectivas Unidades de Despesa, bem como firmar contrato, quando for o caso.23 Comentários ao Código Penal, Forense, 1952, volume IX, página 332.

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proveito seu ou de terceiro), não importa, sequer, como já vimos, a ausência do animus rem sibi habendi : apresenta-se o peculato na modalidade de desvio ”.24

Mais, discorrendo sobre a “posse” aludida pelo legislador, explica o saudoso Mestre que “deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta (disponibilidade jurídica sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados)” – grifamos. 25

Em similar diapasão é o magistério de Júlio Fabbrini Mirabete, para quem, no crime de peculato, “quanto à conceituação da posse, precisa é a lição de Fragoso: “A posse aqui deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo não só o poder material de disposição sobre a coisa, como também a chamada disponibilidade jurídica, isto é, a possibilidade de livre disposição que ao agente faculta (legalmente) o cargo que desempenha. Nesse sentido é perfeita a lição de Antolisei (Manuale, II, 606), quando afirma que a posse aqui consiste na possibilidade de dispor, fora da esfera de vigilância de outrem, de coisa, seja em virtude de uma situação de fato, seja em conseqüência da função jurídica desempenhada pelo agente no âmbito da administração. Tem, assim, a posse o funcionário a quem incumbe receber, guardar, conferir a coisa, como também seu chefe e superior hierárquico, que dela pode dispor mediante ordens ou requisições”. “Abrange o termo, portanto, a detenção (guarda, depósito, arrecadação, administração, exação, custódia, etc.)” – grifo nosso.26

Desse modo, obviamente dimana dos ensinamentos daqueles Mestres que, ao aludir à “posse” por parte do funcionário público, seguramente não se restringiu o legislador àquelas situações em que o agente tivesse o dinheiro ou coisa na gaveta de sua mesa ou no interior de cofre do qual disponha da chave.

Pois bem, no caso em querela, BRAGA BRAUN, malgrado não guardasse as verbas em questão nos bolsos de seu paletó, teve 24 Obra citada, página 335.25 Obra citada, página 337.26 Manual de Direito Penal, Atlas, 4ª edição, páginas 280/281.

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mesmo a livre disposição do numerário que a Fazenda Estadual colocara à disposição do órgão que dirigiu (DERIN), bastando para tal expedir ordens de empenho, que nada mais são do que as “requisições” a que se referem Hungria e Mirabete com a propriedade de sempre.

Importante observar que a verba direcionada à conta DERIN era de origem lícita, uma vez que o governo a havia destinado justamente para realização de obras (investimento), em especial para a construção e reforma de unidades policiais. Porém, em vez de de empregá-la de forma lícita e regular, o ordenador de despesas, contando com o concurso dos demais réus, deu-lhe uma destinação criminosa, valendo-se da licitação como meio para o emprego indevido do crédito recebido.

O fato dos expedientes relativos à liberação do dinheiro percorrerem instâncias inferiores da Administração de modo algum exime BRAGA BRAUN da responsabilidade inerente ao mister de gestor das verbas públicas desviadas.

A prevalecer o imperfeito raciocínio empreendido pela defesa, um presidente da República, um governador ou um prefeito jamais poderia ser acusado de peculato, mesmo que conscientemente tivesse aderido, por exemplo, a contratos irregulares tendentes a desviar dinheiro do erário para particulares, porque naturalmente seus atos são conhecidos por outras instâncias.

Sobre isso, pedimos vênia para colacionar pronunciamento do Supremo Tribunal Federal citado na sobredita obra de Nelson Hungria, in verbis : “Em rumoroso caso levado recentemente à decisão do Supremo Tribunal Federal, foi sustentado que um governador não tem a posse dos bens do Estado e, assim, não pode cometer peculato; mas a tese foi, como não podia deixar de ser, repelida, tendo sido este o meu pronunciamento: “O governador tem a posse dos bens patrimoniais do Estado como um administrador qualquer tem a posse dos bens administrados. Ainda que não possa exercê-la diretamente sobre todos esses bens, exerce-a indiretamente ou por intermédio dos auxiliares da Administração Pública, isto é, dos

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funcionários que lhe são hierarquicamente inferiores...”27

É justamente o caso dos autos, onde BRAGA BRAUN efetivamente tinha a posse indireta das verbas alocadas pela Fazenda Estadual em favor do órgão que dirigia (DERIN), sendo irrelevante que aos seus atos tivessem acesso funcionários outros, seja daqueles órgãos que controlavam, seja da Fazenda Estadual.

Para aclarar a questão fora dos estreitos contornos desta causa, imaginemos a situação em que um sujeito, mediante a contrafação de documentos, obtenha junto a um banco um empréstimo de dinheiro que desde o início jamais pretendeu honrar. Tem-se aqui a figura do crime de estelionato, porque o funcionário da vítima que liberou o empréstimo foi enganado.

Agora, vamos imaginar que o mesmo sujeito, dessa vez contando com os préstimos do gerente do banco e mediante a falsificação de documentos, obtenha o empréstimo de dinheiro, liberado pelo próprio envolvido. Tem-se agora a figura do furto mediante fraude, face o definitivo envolvimento na trama de um graduado funcionário da vítima, de maneira que, nesse caso, a fraude serviu para encobertar a subtração do numerário.

E a circunstância imaginada daquele contrato e documentos falsos percorrerem diversos departamentos dentro da instituição bancária, jamais poderia servir para que o sobredito gerente se livrasse de qualquer responsabilidade penal.

Aqui, conforme sopesado, BRAGA BRAUN - a quem competia justamente e com exclusividade autorizar a expedição de “ordens e requisições” (ordem de empenho) para o pagamento das supostas obras - indiscutivelmente sabia que as licitações eram mera encenação para encobertar o desvio do dinheiro público em favor de terceiros, de maneira que impossível cogitar em crime de estelionato.

27 obra citada, página 337.

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Há que se destacar, de outra parte, que o bem jurídico tutelado nesse crime é a Administração Pública, em seus aspectos patrimonial e moral, com maior ênfase à violação do dever funcional. Ou seja, a lei cuida da tutela da administração pública, tendo em vista a probidade administrativa, ao mesmo tempo em que se protege o patrimônio público e o privado.28

Não é por outro motivo que nossa melhor doutrina diz que

o peculato é punido muito mais pela quebra de fidelidade ou pela falta de exação no desempenho do cargo público do que propriamente pela lesividade patrimonial dele advinda.29 O interesse prevalente, no caso, é o da moralidade administrativa, sem a qual é impossível o desenvolvimento normal da atividade do Estado.30

É exatamente por essa razão que para a existência do

peculato não é necessária, sequer, a fixação da quantia ou do montante dos valores indebitamente assenhoreados ou extraviados, bastando a prova de que houve a apropriação ou o extravio fraudulento.31

Nesses dois sentidos, é farta a nossa jurisprudência:

“Sobreleva no peculato a tutela da Administração sobre a do patrimônio público. A intangibilidade da coisa possuída em razão do cargo é de molde a afastar a alegação de inexistência de prejuízo, mesmo quando há caução porventura prestada pelo funcionário.” (TJRJ – AC – Rel. Cláudio Lima – RT

523/476)

“PECULATO – restituição de dinheiro apropriado pelo acusado – circunstância que não elide a configuração do delito, influindo, somente, na dosagem da pena – Inteligência do art. 312 do Código Penal.

28 E. Magalhães Noronha, Direito Penal, vol. 4, ed. Saraiva, 21ª ed., pág. 21629 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, ed. Revista Forense, ed. 1958, pág. 34330 E. Magalhães Noronha, ob. Citada, pág. 21631 Nelson Hungria, ob. Citada, pág. 342

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Sendo o peculato um crime contra a administração pública e não contra o patrimônio, o dano necessário e suficiente para a sua integração é o inerente à violação do dever de fidelidade para a mesma administração, quer associado, ou não, ao patrimonial.” (Apel. Crim. N. 81.472 – Birigui – 3ª Câm. Crim. do TJSP –

rel. Nogueira Garcez – 14.12.1964)

“Para a existência do peculato não é necessária a fixação da quantia ou montante dos valores indebitamente assenhoreados ou extraviados, bastando a prova de que houve a apropriação ou o extravio.” (TJSP – AC. – Rel. Goulart

Sobrinho – RJTJSP 13/440-443)

“Ainda que não se precise o quantum do prejuízo sofrido pelos cofres públicos, a prova da apropriação de valores confiados ao funcionário, autoriza a condenação.” (TFR – AC – Rel. Adhemar Raymundo – DJU 1.7.82, p. 6509)

“Para configuração do peculato, não há mister que se fixe o montante dos valores indevidamente assenhoreados ou extraviados.” (TJ Bahia – AC – Rel.

Aderbal Gonçalves, Revista Forense, v. 223/358-362)

Importa destacar também a decisão proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário criminal n. 89.283 – RJ, tendo como relator o Ministro Xavier de Albuquerque (RTJ 91/661):

“1) Revisão Criminal. Não pode considerar-se contrária ao texto expresso da lei penal, a decisão condenatória que, no tocante ao enquadramento jurídico dos fatos, mereceu endosso da melhor doutrina nacional. Inocorrência, no indeferimento da revisão por esse motivo, de ofensa ao art. 621, I, do CPP. 2) Peculato-desvio. Irrelevância da existência de dano patrimonial, e conseqüentemente, de sua comprovação no curso da ação penal.

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3) Recurso extraordinário não conhecido.

…Basta ver que o enquadramento, como peculato, dos fatos versados na ação penal originária, …mereceu o aplauso do mestre Nelson Hungria (comentários ao Código Penal, vol. IX, pág. 342) e o registro, sem qualquer reparo, de Magalhães Noronha (Direito Penal, 4º vol., pág. 268). Como admitir-se que, com tão prestigioso endosso doutrinário, houvesse o acórdão revidendo sido contrário ao texto expresso da lei penal? De estranhar seria que o houvesse admitido o acórdão ora recorrido. A tese remanescente, relativa à inocorrência de dano, ou à falta de sua comprovação, também não tem procedência. No peculato-desvio, que é o de que se trata, é irrelevante a ocorrência do dano efetivo, bastando que o bem tenha tido, por ato do funcionário, destinação diversa daquela que a lei, o regulamento ou mesmo a administração lhe atribuía. Aliás, mesmo no peculato-apropriação a ocorrência de efetivo prejuízo é destituída de maior relevo. Por isso é que, salvo no peculato culposo, a reparação do dano não exclui o crime nem extingue a punibilidade. Também por isso, a existência de caução ou fiança, embora aptas para a cobertura do alcance praticado, não elide a responsabilidade penal do funcionário.” (grifo nosso)

No entanto e conforme se demonstrará a seguir, houve

sim o desvio total do valor contratado e seus reajustes consoante os termos da denúncia, como é inegável o prejuízo imposto ao erário por todos os denunciados em razão das fraudes e ilegalidades praticadas no procedimento licitatório, na formação do contrato de empreitada, na elaboração das medições e nos pagamentos efetuados.

Feita a observação, prosseguimos na análise das provas.

4.1 - O CONTRATO NO VALOR DE Cr$ 15.789.683,76 E O VALOR DO TERMO DE ADITAMENTO N° 05/92 NO IMPORTE DE CR$ 7.891.367,10 COMO OBJETO MATERIAL DO CRIME DE PECULATO-DESVIO.

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As fraudes e ilegalidades verificadas no procedimento licitatório possibilitaram o direcionamento da adjudicação do objeto do convite à Construdaotro Construções Ltda., que, com isso, pôde firmar o contrato de empreitada nº 26/91 (fls.159/175, volume 1), com a Delegacia Geral de Polícia, para a obra de reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém, no valor de Cr$ 15.789.683,76 a preços de janeiro/90.

Porque originária de um procedimento licitatório

totalmente viciado, fraudulento e ilegal, a contratação foi também ilegal, tanto que a administração anulou esse contrato quando as fraudes praticadas foram descobertas e apontadas pela Consultoria Jurídica da Secretaria de Segurança Pública (cf. pareceres da lavra das Procuradoras do Estado Maria José Vieira Gonçalves e Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi a fls.504 /528, volume 3, 660/692, volume 4° e despacho de fls. 694, volume 4).

Aqui a primeira prova do crime de peculato-desvio: o

contrato firmado. De fato, o objeto material do peculato pode ser dinheiro,

valor ou qualquer outro bem móvel. Interessa-nos aqui o conceito dado pela doutrina a “valor”.

Assim, “valor” é todo título ou papel de crédito, documento ou efeito negociável, representativo de obrigação em dinheiro ou em mercadoria.32

Ora, ao assinar o contrato DGP-26/91, a Construdaotro

Construções Ltda., passou a fazer jus ao recebimento do preço contratado pelos serviços executados, havendo, inclusive, desde que com o expresso consentimento da Delegacia Geral de Polícia, a possibilidade de negociar esse contrato, transferindo-o a outra empresa ou subempreitando os seus serviços (cláusula 9.1 do contrato, fls. 169 volume 1).

32 Nelson Hungria, ob. Citada, pág. 334; e E.Magalhães Noronha, ob. citada, pág. 218

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Assim, só o fato da contratação ilegal ter sido efetivada já constitui o crime de peculato-desvio na importância do preço contratado (incluindo o valor do termo de aditamento n° 05/92 no importe de Cr$ 7.891.367,10) e dos valores pagos em razão dessa contratação ilegal, o que foi expressamente mencionado na denúncia, na medida em que, tendo se baseado em procedimento licitatório absolutamente fraudulento e ilegalmente direcionado a uma empresa, o contrato em questão jamais poderia ter sido firmado ou produzido qualquer efeito, tanto que foi anulado pela administração.

Nesse sentido, o contrato de empreitada nº 26/91, no valor de Cr$ 15.789.683,76, mais o valor de Cr$ 7.891.367,10, relativo ao termo de aditamento n° 05/92, constituem-se no objeto material do delito de peculato-desvio, pois podem perfeitamente ser equiparados ao elemento “valor” exigido pelo tipo penal.

E outro não poderia ser o entendimento, na medida em que o peculato, na modalidade desvio, tem a significação equivalente a de distrair, desencaminhar. É o destino diverso dado a coisa, em proveito próprio ou alheio. É o uso contrário ao destino juridicamente imposto pela lei ou pela administração.33

Desviar é fazer com que a coisa tome um caminho diferente do legal.34

É exatamente o caso dos autos: mediante as fraudes

praticadas no procedimento licitatório, os funcionários públicos denunciados desviaram, desencaminharam o objeto do certame licitatório (contratação para obra e serviços de reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém), permitindo, contra a lei, o seu direcionamento programado para uma determinada empresa, que veio a se sagrar ilegalmente a vencedora da suposta “disputa”, assinando com a Delegacia Geral de Polícia um contrato de empreitada no valor supra referido, equivalente à época da retroação ilegal - janeiro/90 -, a US$ 1.149.594,74 (um milhão, cento e quarenta e nove mil, quinhentos e noventa e quatro dólares americanos e setenta e quatro centavos), conforme fls. 959 do laudo pericial, volume 5, cujo valor inicial foi aditado em 49,97% a preço de JANEIRO/90 (fls.

33 Bento de Faria, Código Penal Brasileiro, Livraria Jacinto editora, 1943, pág. 49434 Silvio Martins Teixeira, Crimes contra a Administração Pública, Administração da Justiça e Disposições Finais, ed. A Noite, 1951, pág. 22

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394/395, volume 2°).

Evidente, pois, o desvio praticado em proveito da Construdaotro Construções Ltda, que teve a oportunidade de subscrever contrato de empreitada de expressivo valor, cujo objeto foi obtido de forma ilegal em virtude de certame licitatório viciado desde o seu nascedouro, obrigando a administração a pagar o preço ajustado.

Se tanto não bastasse, apenas a título de exemplo e conforme adiante será explicitado melhor (vide item 4.2 “os pagamentos indevidos e as falsas medições” da presente manifestação), só os reajustes provisório, complementar e definitivo da 1ª (primeira) medição (fls. 181/190, 218/229, vol. 1° e 256/157, volume 2°) ultrapassaram em 594% o valor global inicial do contrato assinado, muito embora essa medição inaugural se referisse a apenas 40,32% da obra (fls. 188, volume 1), o que aconteceu em razão do uso ilegal de cláusula com efeitos financeiros retroativos.

Realmente, o valor global do contrato assinado foi de Cr$ 15.789.683,76 (fls. 162, volume 1), enquanto apenas os reajustes provisório, complementar e definitivo da primeira medição atingiram absurdos Cr$ 93.937.868,21..

Esses fatos, por si só, demonstram que não só o montante total nominal do contrato foi embolsado pela Construdaotro Construções Ltda., de forma ilegal, como também locupletou-se a empreiteira dos valores resultantes do termo de aditamento n° 05/92 e dos reajustes ilegais baseados em ilícita retroação financeira.

A verdade dos números, portanto, evidencia sobremaneira a afirmativa de que o valor global nominal do contrato mais os seus reajustes ilegais foram totalmente desviados.

Por esses motivos é que a denúncia se referiu ao desvio

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como sendo o valor do contrato, do termo de aditamento e dos reajustes deles decorrentes, cujos valores eram retirados dos cálculos das medições e seus reajustes. Aliás, mesmo que o desvio fosse parcial, o que se supõe apenas por amor à argumentação, o delito restaria configurado.

4.2. OS PAGAMENTOS INDEVIDOS E AS FALSAS MEDIÇÕES

Reza o item 3.3. do contrato DGP –CE 26/91 (fls. 161, volume 1) que:

“A remuneração dos serviços objeto deste, será efetuada através de medições mensais, com base na avaliação de serviços realizados, aplicada aos valores das etapas constantes do cronograma físico-financeiro anexo, e realizada pela D.G.P ou seus prepostos, na presença de um representante da contratada todo dia cinco de cada mês, exceto a última medição, cujo procedimento seguirá o previsto no item 3.11.”

E conforme adverte Raul Armando Mendes:

“A fiscalização da execução do contrato consiste em vigiar e seguir o seu desenvolvimento a fim de que tudo seja feito de acordo com suas cláusulas (projeto, especificações, etapa, prazo, etc.) e regulamentos com vistas à perfeição do objeto” 35

Trata-se de uma providência indispensável antes da

liquidação da despesa. Não é por outra razão que sustentam J. Teixeira Machado Júnior e Heraldo da Costa Reis:

35 in “Comentários ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos”, São Paulo, Ed. Saraiva, 1991, p. 185.

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“A fase da liquidação deve comportar a verificação in loco por parte da contratante. Foi a obra, por exemplo, construída dentro das especificações contratadas? Foi o material entregue dentro das especificações estabelecidas no edital de concorrência ou outra forma de licitação? Foi o serviço executado dentro das especificações? O móvel entregue corresponde ao pedido? E assim por diante. Trata-se de uma espécie de auditoria de obras e serviços, a fim de evitar obras e serviços fantasmas...O documento de liquidação, portanto, deve refletir uma realidade objetiva”36

Contudo, verifica-se pelos documentos juntados que as medições não foram realizadas in loco , com a presença de um funcionário da Delegacia Geral de Polícia e preposto da contratada, com e emissão do respectivo relatório contendo a relação dos serviços executados no mês, identificação do funcionário que efetuou a fiscalização, assim como a sua data e horário e assinatura do responsável pelo documento.

Não foi por outra razão que a Procuradora do Estado Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi observou em seu parecer: “não tendo sido feita a verificação “in loco” das medições – que não foram corretamente apresentadas, também foi violado o § 2º do artigo 3º do Decreto n° 32.117, de 10.08.90” (cf. parecer de fls. 660/692, volume 4, em especial fls. 683).

Os expertos também ponderaram que “as medições existentes (1ª medição a 6ª medição e reajustes) nos autos, foram atestadas pelo Eng. ACÁCIO KATO, porém não foram realizadas de modo claro e objetivo, com memória de cálculo, visto do engenheiro da contratada, liberação da parcela e acompanhamento do cronograma físico-financeiro, conforme contrato, além de não ser conferida e assinada pelo responsável do Centro de Engenharia do Deplan, Sr. REGINALDO PASSOS, que deveria ter competência técnica e capacitação profissional no ramo de engenharia, para evitar as falhas ocorridas e apontadas neste relatório, tanto no aspécto técnico, como no campo administrativo” (fls. 960, volume 5, do laudo n° 36.679/99).

36 A Lei 4320 Comentada, 30ª edição, IBAM 2000/2001, Rio de Janeiro, fls. 145

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Os peritos foram até generosos com ACÁCIO KATO, pois na verdade houve sim um simulacro de medição, mesmo porque a Fortenge, a quem foi subempreitada a obra, empreendeu uma singela “perfumaria” no imóvel que deveria ter sido totalmente reformado.

Com efeito, ACÁCIO KATO sempre deixou muito claro, inclusive nestes autos, que não lhe competia fiscalizar obras. Na verdade, ACÁCIO KATO providenciava documentos de medição a partir de relatórios elaborados pelos “fiscais de obra” (cf. termos do interrogatório judicial de fls. 2140, volume 11), o que foi corroborado em pretório pela testemunha Josué da Silveira Barros, segundo a qual quem vistoriava as obras eram Mário Lúcio e a própria testemunha (fls. 2579, volume 13).

Outrossim, por ocasião do interrogatório realizado perante o juízo da 15ª Vara Criminal da Capital, no processo n° 665/00, relativa a reforma da Delpol e Cadeia de Caconde (cf. cópia anexa na PASTA II, fls. MP 350/356), como também naquele realizado pelo juízo da 4ª Vara Criminal da Capital, no processo n° 88/01, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Itararé (cf. cópia anexa na PASTA II, fls. MP 336/348), ACÁCIO KATO deixou bem claro que ele nunca fêz nenhuma medição diretamente, ou seja, nunca efetuou serviço de fiscalização de obra, uma vez que esse trabalho de acompanhamento foi incumbido irregularmente ao investigador Josué e ao perito criminal Mário Lúcio (referindo-se a Josué da Silveira Barros e a Mário Lúcio Alves).

O trabalho de ACÁCIO KATO, ainda de acordo com as suas próprias palavras, consistia em repassar as informações contidas nos relatórios elaborados por esses fiscais para o sistema de computador (sistema SIGO de gerenciamento de obras) e efetuar o cálculo das medições. E ACÁCIO KATO era a única pessoa capacitada a realizar cálculos daquela natureza, como comprova a documentação juntada na PASTA II, fls. MP 369/385 e conforme esclarecimentos prestados pelo próprio ACÁCIO KATO no interrogatório da 4ª Vara Criminal da Capital, no processo n° 88/01 acima referido.

Ora, se ACÁCIO KATO não fiscalizava diretamente

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nenhuma obra, evidentemente ele deveria valer-se desses relatórios mensais de fiscalização de obra para elaboração dos cálculos de medição pelo sistema SIGO. Tratava-se do único documento hábil para comprovação da efetiva execução de cada estágio da obra, o qual não foi juntado em nenhum dos mais de cem procedimentos licitatórios.

E qual seria a razão da inexistência, nos autos, desses relatórios comprobatórios da execução de algum serviço de reforma: As duas únicas hipóteses plausíveis para esse “sumiço” dos relatórios são: a) as informações colhidas pelos funcionários públicos, designados irregularmente para fiscalizar as obras, não se coadunavam com a quantidade medida; b) as medições eram fruto de uma ficção, porque não havia serviço para ser medido.

E, evidentemente, no presente caso (e nos demais), ele tratou de suprimir referidos relatórios, porque os mesmos não refletiam a realidade, o que se verá oportunamente. E não há como aceitar a versão de ACÁCIO KATO em alguns feitos no sentido de que não providenciava a juntada desses relatórios em virtude do fato de Josué e Mário Lúcio não serem engenheiros de carreira, mesmo porque se assim fosse eles também não poderiam assinar termos de recebimento e entrega provisória e definitiva da obra, o que costumavam fazer com freqüência, inclusive no presente caso, como se vê em fls. 500 e 501, volume 3, assim como na documentação juntada na PASTA III , fls. MP 682/687

Todavia, no presente caso, como também em todos os demais casos, não há um único relatório assinado por Josué ou Mário Lúcio.

Além do mais, a Josué e Mário Lúcio não poderia nunca ser atribuída a tarefa de fiscalizar obras, porque eles não eram engenheiros de carreira, ainda que fossem diplomados nessa área. Um exemplo bastante simples servirá para elucidar esta nossa afirmação: suponhamos que um escrevente de uma vara criminal qualquer viesse a obter diploma de Direito. Não é a sua graduação que o autorizará a judicar.

Assim, REGINALDO PASSOS não poderia, com base em

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um simulacro de “atestado de medição”, cujo cálculo foi elaborado por alguém que nunca esteve no local da obra para fiscalizá-la, emitir as notas de realizações, como aquelas juntadas as fls. 213, volume 1, fls. 238, 246, 253, 260, 319, volume 2, por exemplo, nas quais foram atestadas que as despesas realizadas estavam aptas para ser liquidadas, tendo o interessado o direito de receber os créditos decorrentes das medições indicadas nesses documentos.

Tivesse a Administração efetuado a fiscalização nos moldes legais e contratuais e os pagamentos indevidos não teriam ocorrido.

Os “atestados de medições” juntados nos autos, portanto, nada mais são do que outro artifício do qual lançaram mão os imputados para viabilizar os renitentes desvios de dinheiro público, que em seguida serão analisados, destacando-se alguns dos itens supostamente medidos, objetivando, em seguida, compará-los com o laudo pericial.

1ª medição . Data: 05/07/1991 (fls. 181/191, volume 1) .

- 800 m2 de remoção de cobertura com telhas de cerâmica – item 01.02.01.

- 800 m2 de remoção de estrutura de madeira para telhado – item 01.02.03.

- 613 m2 de demolição de piso e vigas de madeira – item 01.02.07.

- 143 m2 de demolição de piso cimentado sobre lastro de concreto – item 01.02.08.

- 40 m2 de demolição de piso cerâmico – item 01.02.09.

- 210 m2 de demolição de revestimento de azulejos – item 01.02.14.

- 4.480 m2 de demolição de argamassa – item 01.02.16.

- 53 m3 de demolição de alvenaria – item 01.02.19.

- 25 m3 de demolição de concreto armado – item 01.02.21.

- 146 m2 de demolição de pavimentação pré-moldada – item 01.02.25.

- 87 m2 de demolição de sarjeta ou sarjetão de concreto – item 01.02.28

- 42 m2 de retirada de portas e janelas, inclusive batentes – item 01.02.29

- 171 m2 de retirada de esquadrias metálicas – item 01.02.30

- 471 m2 de remoção de pintura antiga a cal – item 01.02.32.

- 5.320 m2 de remoção de pintura antiga a têmpera – item 01.02.33.

- 762 m2 de remoção de pintura a óleo ou esmalte – item 01.02.34.

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- 613 m3 de compactação de aterro – item 01.05.18.

- 1.120 m3 de carga de entulho em caminhão basculante – item 01.06.01.

- 110 m de broca de concreto armado – item 02.02.01.

- 100% de substituição de portas e folha de portas – itens 05.01.01 a 05.05.03.

- 100% de substituição de guarnição de peroba – item 05.05.17.

- 100% de substituição de fechaduras – itens 15.05.25.

- 100% de batentes de ferro – item 06.01.01.

- 100% portas de ferro em chapa – item 06.01.03.

- 100% de caixilhos de ferro basculante – item 06.02.01.

- 100% grades de ferro de proteção e sua substituição – itens 06.02.03 e 06.11.08

- 100% de porta tipo grade de ferro para abrir celas e corredores – item 06.05.20

- 100% de telhas de fibrocimento onduladas – item 07.01.06.

- 100% de hidráulica – itens 08.05.01 a 08.07.19.

- 100% de chapisco, emboco e reboco – itens 12.01.01 a 12.02.23.

Total “medido”: 40,32% (fls. 188)

2ª medição . Data: 05/09/1991 (fls. 218/229, volume 2) .

- 100% de rasgo em alvenaria p/tubulações e rasgo em concreto p/tubulações – itens

08.15.01 e 08.15.02

- 100% de tubos de aço galvanizado – itens 08.15.09 a 08.15.11

Total “medido”: 42,47% (fls. 227)

3ª medição . Data: 07/10/91. (fls. 262/277, volume 2) .

- 100% de registros de gaveta – itens 08.16.01 a 08.16.03.

- 100% de válvulas de retenção – item 08.16.04 a 08.16.06.

- 100% de substituição de tubos de PVC – itens 08.40.04 a 08.40.15.

- 100% de substituição de tubos de aço galvanizado – itens 08.40.24 a 08.40.26

- 100% de eletroduto de ferro – itens 09.04.01 a 09.04.08

- 100% de fios isolados e cabos isolados – itens 09.05.01 a 09.05.12

Total “medido”: 58,03% (fls. 276)

4ª medição . Data: 05/03/1992 (fls. 325/340, volume 2)

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- 100% de substituição de pias de cozinha (03 unidades – fls. 77, v. 1) – item 08.31.01

- 100% de substituição de mictório de louça branca (07 peças – fls. 77, v.1) – item 08.31.03

- 100% de lavatório de louça branca (08 peças – fls. 77, v. 1) – item 08.31.04

- 100% de bacias sifonadas (09 peças – fls. 77, v. 1) – item 08.31.06

- 100% de bacias turcas (10 peças – fls. 77, v. 1) – item 08.31.07

- 100% de torneiras de lavagem, 100% de torneiros p/lavatório e 100% de torneira p/pia (04,

03 e 08 peças, respectivamente fls. 77, v. 1) - item 08.31.50 e 08.31.52.

Total “medido”: 65,17% (fls. 340)

5ª medição . Data: 05/08/1992 (fls. 456/472, volume 3).

- 100% de fios – itens 09.49.05 a 09.49.06.

- 100% de substituição de interruptores (98 peças no total – fls. 80, v. 1) – itens 09.50.01 a

09.50.15.

- 100% de substituição de tomadas (51 unidades – fls. 80) – item 09.50.25

- 100% de substituição de tomadas p/telefone (12 unidades – fls. 80) – item 09.50.27

- 100% de cerâmica – item 03.02.05.

Total “medido”: 70,79% (fls. 470)

6ª medição . Data: 05/10/1992 (fls. 421/434, volume 2 e 441/444, volume 3).

- 797 m2 de demolição de piso de cimento – item 01.02.08.

- 214 m2 de demolição de piso cerâmico – item 01.02.09.

- 95 m2 de demolição de revestimento de azulejos – item 01.02.14.

- 106 m3 de demolição de concreto armado – item 01.02.21.

- 680 m3 de trasporte de material – item 01.07.09.

- 774 m3 de escavação manual de valas em terra até 2 m – item 02.01.10.

- 1.152 m2 de apiloamento de piso ou fundo de valas – item 02.01.25.

- 120 m de broca de concreto armado – item 02.02.01.

- 130 m2 de forma de tábuas de pinho para fundações – item 02.04.10.

- 10.431 kg de aço CA-50 – item 02.05.06.

- 111 m3 de concreto estrutural – item 02.06.17.

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- 100% de luminárias blindadas (16 unidades – fls. 79, v. 1) – item 09.11.05

- 100% de luminária decorativa para jardim (05 unidades – fls. 79, v. 1) – item 09.12.05.

- 100% de postes de aço com 4 luminárias tipo pétalas – item 09.12.14.

- 100% de pintura – itens 15.03.02 a 15.07.50.

- 298 m de muro de blocos de concreto de 1,80 m – item 16.01.01.

- 30 m de mureta de alvenaria – item 16.01.10.

- 231 m2 de passeio de concreto – item 16.02.13.

- 460 m2 de preparo de caixa para pavimentação – item 16.02.22.

- 112 m de guias pré-fabricadas – item 16.02.27.

- 112 m3 de sarjeta – item 16.02.29.

- 460 m2 de blocos hexagonais de concreto sobre coxim de areia – item 16.02.31.

- 300 m2 de grama em placas – item 16.03.01.

Total “medido”: 110,86% (fls. 444, vol. 3)

Serviços extra-contratuais. Data: 05/10/92 (fls. 445, volume 3)

-158 m de bandeja salva-vidas – item 01.04.11- 520 m2 de andaime metálico – item 01.04.14.- 450 m3 de escavação em campo aberto até 2 m – item 01.05.13.- 571 m3 de carga de terra em caminhão basculante – item 01.06.02.- 1.320 m3 de transporte de material a granel – item 01.06.10.- 780 m2 de apiloamento de valas – item 02.01.28.- 20 m3 de lastro de concreto, inclusive lançamento – item 02.01.30.- 1.060 kg de aço CA-60 - item 02.05.12.- 1.020 m2 de armadura em tela soldada de aço CA-60B – item 02.05.15.- 87 m3 de lançamento e aplicação de concreto em fundação – item 02.06.25. - 360 m2 de piso estrutural armado com tela de aço espessura 12 cm – item 16.02.20.Total “medido”: 100% (fls. 445)

Pois bem, malgrado o “termo de verificação e recebimento definitivo” estampado em fls. 501, volume 3 ateste que a obra estava acabada em 13/02/1992, cumpre destacar que, conforme exsurge dos “atestados de

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medição” encartados em fls. 325/340, volume 2, fls. 456/472, volume 3 e fls. 421/434, volume 2 e 441/447, volume 3, as três últimas “medições”, supostamente realizadas nos dias 05/03/1992, 05/08/1992 e 05/10/1992, pasmem, teriam sido empreendidas quando a Delegacia Geral de Polícia já tinha recebido definitivamente as obras, dando como cumprido o contrato.

Mais aberrante ainda é que o último atestado de medição sobredito relaciona uma série de serviços extra-contratuais, decorrentes do Termo de Aditamento n° 05/92 (datado de 30/09/92) firmado sete meses depois do recebimento definitivo da obra pela Administração (fls. 394/395, volume 2).

Mais, decorre dos “atestados de medição” sobreditos que a Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém teria experimentado uma reforma de grande monta, consistente da substituição do telhado, pisos, revestimentos de paredes, inclusive argamassa, substituição das instalações elétricas e hidráulicas, substituição de portas, fechaduras, janelas, caixilhos, tubulações, registros, válvulas, fios, torneiras, de interruptores, tomadas, luminárias, vasos sanitários, pias, pintura, etc.. Ou seja, a referida unidade policial mais parece que teria sido praticamente reconstruída, inclusive com obras em fundações.

Contudo, conforme apuraram os peritos, a reforma teria consistido nos seguintes serviços: mudança de posição das portas das oito celas; troca de fiação elétrica; colocação de tela na laje de cobertura com complemento de 10 cm de concreto; execução de piso de pátio, com cerca de 200 m2; substituição de telhas cerâmicas por telhas de fibrocimento no prédio da cadeia (fls. 930, volume 5).

A propósito, confirmando aquela prova pericial, testemunhou Marcelo Henrique de Almeida Righi, engenheiro da Fortenge Construções e Empreendimentos que acompanhou a reforma em questão, que os trabalhos não foram além de reforma das celas, inclusive dos banheiros, com reforço do piso, construção de um banheiro novo, revisão do telhado da cadeia e parte administrativa do prédio, pintura das celas (fls. 2592, volume 13).

Estes esclarecimentos encontram apoio na prova

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documental colhida.

De fato, no dia 01/08/91, ou seja, cerca de dois meses e meio da assinatura do contrato, a Construdaotro Empreendimentos Ltda (empresa diversa daquela que assinou o contrato de empreitada DGP 26/91) assinou o instrumento particular de contrato de subempreitada com a Fortenge Construções e Empreendimentos, transferindo, irregularmente, a execução, sem exceção, das obras de reforma da Delegacia e Cadeia de Itanhaém, relativo ao contrato titular 26/91, a preços de JULHO/91, pelo preço global de Cr$ 78.000.000,00. Ou seja, a obra de reforma foi repassada, sem autorização da Delegacia Geral de Polícia, para uma terceira empresa com preço global 318% a menos do que o valor do inicial do contrato, cujo valor atualizado para julho/91 era de Cr$ 248.779.511,50 (confira-se laudo complementar contábil n° 01/080/05543/2002 juntado às fls. 2698/2703, volume 13 e o contrato de subempreitada de fls. 2241/2248, volume 11). Essa circunstância robustece a conclusão de que a reforma empreendida realmente foi de pouca monta, a ponto de custar 318% menos do que o valor global inicial contratado, excluído, importante frisar, o valor do termo de aditamento n° 05/92, que majorou esse valor inicial em 49,97%. E, mesmo aceitando executar a obra por um preço equivalente a 1/3 do contrato inicial, evidentemente a Fortenge obteve lucro no negócio. Daí se percebe o absurdo que constituiu o valor contratado em comparação com os serviços executados.

Outrossim, merece destaque, porque pertinente à questão em liça, o testemunho de Josué da Silveira Barros, funcionário a quem competia, irregularmente, visitar obras, no sentido de que “o relatório não era quantitativo, apenas mencionava a fase da obra”; “que recebia do chefe a incumbência para visita às obras sem que tivesse acesso ao contrato respectivo ou à planta; que se limitava a relatar o que estava sendo feito na obra; não sabia o que deveria estar realizando ou o que deveria ser realizado na obra” (fls. 2579/2580, volume 13).

Nesse mesmo sentido o depoimento do perito criminal Mário Lúcio Alves, no processo controle 174, da 2ª Vara Criminal da Capital, relativo a construção da Delpol de Tejupá para a qual foi contratada a Construdaotro

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Construções que revelou:

“A fiscalização pressupõe visitas períodicas e uma série de procedimentos técnicos que, nas visitas por mim realizadas não eram realizados, até porque eu não tinha acesso a diversos documentos indispensáveis embora os tenha solicitado mais de uma vez... Os documentos por mim solicitados eram: memoriais descritivos, cronograma físico financeiro, contratos... Reginaldo deixou bem claro que o objetivo das visitas não eram de medição. Com os dados por mim fornecidos, seria impossível a elaboração da medição copiada às fls. 323/329...” (cf. depoimento juntado na PASTA II, fls.

MP 402).

É o que basta, Excelência, para mostrar a desfaçatez da falsidade dos atestados de medição acima referidos, cujo conteúdo é da lavra de ACÁCIO KATO, única pessoa que dominava o sistema SIGO de gerenciamento de obras.

Todas as aberrações sobreditas mostram que os réus nem mesmo tiveram a preocupação de dar aos aludidos “atestados” falsos a aparência de regulares, atestados esses que foram um dos meios utilizados pelos funcionários públicos envolvidos para liberar dinheiro em favor da Construdaotro Construções.

Lançando-se mão desse artifício, pagou-se indevidamente para a Construdaotro, no mínimo, a importância equivalente a US$ 1.116.124,41 (um milhão cento e dezesseis mil cento e vinte e quatro dólares e quarenta e um centavos), conforme laudo pericial n° 38.679/99 (fls. 927/963, volume 5, em especial fls. 957). Dizemos no mínimo, porque é possível que se tenha feito à Construdaotro algum pagamento não documentado nos autos, o que aliás, não foi um fato incomum.

Observamos, outrossim, que todas as notas fiscais emitidas e constantes dos autos foram pagas mediante ordens de pagamento.

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Insofismável, portanto, que o verdadeiro escopo do contrato em debate foi ocultar o desvio de dinheiro público.

A par do pagamento de créditos sem origem legal, uma vez que, como foi comprovado, das 06 (seis) medições, 03 (três) delas foram realizadas depois da entrega definitiva da obra, gerando a obrigação da Administração efetuar os respectivos pagamentos, o que acabou ocorrendo, constatou-se o uso da cláusula ilegal de efeitos financeiros retroativos que foi, sem dúvida, o ponto central do plano arquitetado para desviar dinheiro do erário, assunto que será minudentemente tratado no item 5.1 da presente manifestação e demonstrado mediante a elaboração dos quadros n°s. 03 e 04 (cf. fls. 75/77 da presente manifestação).

Mais, as aberrações sobreditas evidenciam sobremaneira que a malta nem mesmo teve grande preocupação em dar à falácia aparência de verdade, do que dimana o envolvimento de todos os réus, sem nenhuma exceção, aliás, conforme será debatido abaixo.

Tudo isso explica o motivo pelo qual no procedimento de licitação detectou-se a inexistência:

a) de um cronograma detalhado de obras a ser elaborado pela contratada, no prazo máximo de 10 dias antes da 1ª medição (cf. exigência do item 9.5 das condições específicas - fls. 46, vol. I);

b) do projeto de reforma (vide teor do ofício de fls. 1134, volume 6), inclusive para instalações elétricas e hidráulicas, com listagem dos serviços a serem executados, que deveriam acompanhar a licitação (fls. 960, do laudo de engenharia, vol. V);

c) de fotografias tamanho 9x12 cm, a cores, a serem entregues mensalmente à Delegacia Geral de Polícia, pela contratada, para comprovação do andamento da obra, conforme cláusula 7.1.11, do contrato de fls. 166, vol. I;

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d) dos relatórios mensais a serem elaborados pela contratada e apresentados à Delegacia Geral de Polícia sobre o andamento e execução dos serviços (cf. cláusula 7.7 do contrato - fls. 167, vol. I).

As fotografias dando conta da situação real da obra, assim como os relatórios acerca do andamento dos serviços não foram, como se vê, solicitados pelo Centro de Engenharia, cuja chefia estava a carga de REGINALDO PASSOS, e muito menos por BRAGA BRAUN autoridade gestora do contrato por ser o responsável pela autorização de empenho para pagamento da obra.

Essas circunstâncias demonstram que, não havia por parte dos funcionários públicos envolvidos, muito menos BRAGA BRAUN, que era o responsável pela reserva dos valores para pagamento de créditos da empreiteira, a mínima disposição de exigir documentos comprobatórios da fiel execução do contrato, até porque isto significaria revelar o seu total descumprimento e a inexigibilidade de praticamente todos os pagamentos porque não havia obra a ser medida naquele quantitativo, especialmente a partir da 4ª medição. Ou seja, exigir comprovação da realização de cada etapa da obra significaria colocar a descoberto que pouquíssimo estava sendo feito para justificar os elevados pagamentos efetuados.

Além disso, os funcionários públicos jamais se preocuparam em saber quem era o engenheiro responsável pela obra (mais uma prova do dolo que os animou), o que aliás, constituía uma exigência das condições específicas (item 9.13), na qual constava expressamente:

“O proponente vencedor deverá apresentar, até 30 dias após a data de assinatura do contrato, comprovação no CREA-SP da anotação de RESPONSABILIDADE TÉCNICA – ART das obras e serviços que serão objeto do ajuste” (fls. 46, vol. 1o)

Cláusula semelhante também constava no próprio

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instrumento contratual, mais especificamente em sua cláusula 7.13:

“A contratada deverá apresentar à D.G.P. os comprovantes de responsabilidade técnica pela execução da obra junto ao CREA – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (ART), Prefeitura Municipal e demais órgãos competentes, até o 10o (décimo) dia corrido,

contado a partir da emissão da ordem de início dos serviços.” (fls. 168, vol.

I).

E esta imposição contratual era plenamente justificada, pois somente com a identificação do engenheiro da empresa contratada é que a Administração Pública poderia, na hipótese de alguma falha na construção, responsabilizá-lo pelos problemas decorrentes da obra.

.Todo esse conjunto de irregularidades constatadas mostra

que não havia, de parte a parte, a intenção de comprovar a realização de cada etapa da obra e nem saber quem seria o engenheiro responsável pelo trabalho executado, porque isso significaria revelar que nada estava sendo feito para justificar os pagamentos efetuados.

Não fossem suficientes as “medições” de serviços que jamais foram empreendidos, os peritos constataram um superdimensionamento do contrato, pois com o valor contratado poderia ser construído um prédio novo, sem elevador, de padrão médio, de 2160 m2 de área construída (cf. laudo de engenharia, fls. 962, volume 5), enquanto o prédio da Delegacia e Cadeia de Itanhaém possui uma área construída de 975,75 m2 (cf. laudo de engenharia complementar n° 31.636/2000, volume 6).

Resumindo, pagou-se à Construdaotro a quantia equivalente a US$ 1.116.124,41 lançando-se mão de “medições” que não têm forma e nem conteúdo de “atestado de medição”, e cujo próprio conteúdo revelou-se totalmente falso, beneficiando-a criminosamente.

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Veja, Magistrado, a farra que fizeram com o dinheiro público.

5. O ENVOLVIMENTO DE CADA UM DOS RÉUS NO CRIME DE PECULATO

5.1. AS POSIÇÕES OCUPADAS POR ÁLVARO LUZ FRANCO PINTO, LUIZ PAULO BRAGA BRAUN E JOÃO CAPEZZUTTI NETTO NA ADMINISTRAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL E AS PROVAS INCRIMINATÓRIAS COLHIDAS.

Os réus ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN e JOÃO CAPEZZUTTI, todos Delegados de Polícia, galgaram, não por acaso, importantes cargos dentro da Polícia Civil ao longo de suas carreiras, certamente em virtude da competência que, durante anos, revelaram no desempenho de seus misteres.

É certo que um policial mandrião, irresponsável e não cumpridor de seus deveres funcionais, jamais chegaria aonde chegaram ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN e JOÃO CAPEZZUTTI.

ÁLVARO LUZ foi diretor do DERIN de 1°/01/1988 até 19/03/1991 (cf. certidão de fls. 1178, volume 7 e depoimento de fls. 858, volume 5) e, depois, Delegado Geral de Polícia de 19/03/1991 até 31/03/1994, atuando como ordenador de despesas das obras executadas no interior (de 01/01/88 a 18/03/91) e ordenador de despesas das obras empreendidas na Capital e Grande São Paulo (entre 19/03/91 a 31/03/94).

BRAGA BRAUN foi diretor do DEPLAN de 09/05/1989 até 18/03/1991, depois, diretor do DERIN de 19/03/1991 até 13/04/1994, sendo, nesse último posto, ordenador de despesas referentes a obras de reforma/construção realizadas no interior do Estado. Entre 30/04/97 a 09/02/99, ele exerceu o cargo de

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Delegado Geral de Polícia e, entre 09/07/96 até 30/04/97, exerceu o cargo de diretor do Instituto de Criminalística (cf. doc. juntado na PASTA II, fls. MP 253).

Ou seja, BRAGA BRAUN teve uma visão privilegiada de todo o programa de governo na área de Segurança Pública nos anos de 1990/1991, especialmente do plano traçado pelo governo do Estado para a Polícia Civil com vistas a construir ou reformar unidades policiais espalhadas por todo o Estado. Isso porque no momento em que as licitações para reforma ou construção foram autorizadas, ele ocupava o cargo de diretor do DEPLAN, órgão ao qual estava subordinado o Centro de Engenharia, responsável pela elaboração de todas as planilhas de orçamento e fiscalização de obras. E, quando foi necessário garantir recursos para pagamento dos créditos das empreiteiras, BRAGA BRAUN sintomaticamente foi comandar o DERIN - Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo - Interior, órgão responsável pela autorização de despesas de obras executadas no interior, que não eram poucos (confira-se os documentos ora juntados na PASTA I, fls. MP 21/26).

JOÃO CAPEZZUTTI esteve à frente da divisão de materiais do DEPLAN e foi por várias vezes designado para atuar como presidente da comissão julgadora de licitação a partir de 1984 (realizadas pela DADG, DEPC e DEGRAN), inclusive nos anos de 1990/1991 relativas às licitações realizadas pela Delegacia Geral de Polícia (cf. portaria n° DGP 05/90 juntado e prontuário funcional juntados na PASTA II, fls. MP 297 e 298/305).

Assim, seria uma temeridade imaginar que Delegados de

Polícia dessa envergadura, que atingiram os mais relevantes postos da instituição a que pertencem, pudessem, desprovidos de dolo, ter se portado de maneira tão relapsa e irresponsável ao intervirem em mais de uma centena de licitações falazes, que, na realidade, serviram para desencaminhar dos cofres da Administração Pública quantias equivalentes a aproximadamente 150 milhões de dólares americanos (como revelado pelo perito Jayme Telles nos autos do processo n° 691/00, da 15ª Vara Criminal da Capital, relativa a construção da Delpol de Boituva, para a qual foi contratada a Construdaotro Construções, cf. cópia juntada na PASTA II, fls. MP 409/426, em especial fls. 420).

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Pode sim um graduado funcionário público firmar documentos de pouca importância sem maiores cuidados, como, por exemplo, ofícios de comunicação.

Porém, imaginar que experientes e competentes Delegados de Polícia pudessem ter assinado de modo irresponsável documentos de tamanha relevância (como por exemplo termo de adjudicação, contratos de empreitada, aditamentos contratuais, contendo cláusula de majoração do valor do contrato, autorizações e notas de empenho), que implicariam na transferência de importantes recursos públicos, data venia, tem sabor de aposta na estultice da máquina judiciária. Principalmente porque os recursos desviados relacionavam-se com um ambicioso projeto de Governo, que na época havia eleito a segurança pública como prioridade (vide documento anexo na PASTA I, fls. MP 21/26).

Pior, não é possível que experientes policiais, cujo tirocínio é justamente desvendar crimes e falcatruas, pudessem, no cume de suas carreiras e com a ingenuidade de um silvícola, passar mais de três anos pagando por serviços que não vinham sendo realizados ou por serviços que estavam sendo executados em quantidade muito aquém do valor pago.

É absolutamente inacreditável que durante todo o período em que se estendera o encaminhamento criminoso de recursos públicos às empresas envolvidas, ninguém revelasse aos ocupantes da cúpula da Polícia Civil e nem seus dirigentes percebessem, não obstante todas as evidências, que na verdade tudo não passava de uma grande e reiterada farsa.

A hipótese seria tão absurda como, por exemplo, o Presidente do Tribunal de Justiça liberar, durante três longos anos, uma dinheirama para vultosas reformas em mais de uma centena de fóruns do interior, litoral e da Capital e construção de outros tantos, sem jamais perceber ou tomar conhecimento de que os serviços não estavam sendo empreendidos conforme contratado.

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Em suma, o comportamento dos réus, JOÃO CAPEZZUTTI, ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN não pode ser debitado à conta de inconsciente concurso para fraudes alheias. Isto porque, violando vários dispositivos legais:

JOÃO CAPEZZUTTI: como presidente da Comissão de Licitação, atuou em mais de uma centena de certames (300 segundo o próprio réu – cf. fls. 864, volume 5), varados de toda sorte de irregularidades e ilegalidades.

ÁLVARO LUZ:

a) como diretor do DERIN, autorizou e assinou mais de uma centena de empenhos e notas de empenho para garantia de créditos decorrentes de obras de reforma/construção executadas no interior do Estado;

b) como Delegado Geral de Polícia, firmou cerca de 80 contratos de empreitada e aditamentos contratuais ilegais;

c) como Delegado Geral de Polícia, autorizou e assinou mais de uma centena de empenhos e notas de empenho para garantia de créditos decorrentes de obras de reforma/construção executadas na Capital e grande São Paulo;

d) como Delegado Geral de Polícia autorizou a abertura de vários expedientes licitatórios.

BRAGA BRAUN:

a) como diretor do DEPLAN, autorizou o irregular seguimento de todos os procedimentos licitatórios abertos entre 1990 a 1991, não obstante a sistemática e injustificada recomendação de REGINALDO PASSOS de escolher a modalidade licitatória CONVITE;

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b) como diretor do DEPLAN, não manifestou oposição à sistemática elaboração, pelo Centro de Engenharia, de planilhas com valores retroagidos por meses e até por mais de um ano;

c) como diretor do DEPLAN, não se opôs ao sistemático envio às participantes dos certames licitatórios de uma simples listagens de preços, com valores retroagidos, desacompanhada da relação dos serviços a serem executados;

d) como diretor do DEPLAN, não manifestou oposição a sistemática ausência, nos procedimentos licitatórios, de projetos de engenharia referentes às obras de construção e reformas licitadas no período em que exerceu esse cargo;

e) como diretor do DEPLAN, ele estava perfeitamente cônscio do fato do Centro de Engenharia não possuir técnicos em número suficiente para atender à programação de obras da Delegacia Geral de Polícia. E para transpor esse obstáculo, simplesmente concordou que a elaboração de orçamento padronizado para Delegacia de 5ª classe, sem levar em consideração as dimensões do terreno e nem a qualidade do sub-solo (cf. informações prestadas por ACÁCIO KATO no procedimento licitatório para construção da Delegacia de Polícia de Caieiras, que deu origem ao processo nº 280/01, da 13ª Vara Criminal da Capital) (vide doc. juntado na PASTA II, fls. MP 357/358). Ou seja, ele sabia que as medições seriam resultado de uma ficção e mesmo assim permitiu o curso normal e abertura de todos os expedientes licitatórios solicitados por seu subordinado REGINALDO PASSOS (este tópico será objeto de uma explanação circunstanciada no item 5.3);

f) como diretor do DERIN, a partir de 19/03/91, não se opôs ao sistemático pagamento de créditos às empreiteiras, apesar da falta de comprovação documental da execução de cada etapa da obra;

g) como diretor do DERIN, passou a autorizar ilegalmente mais de uma centena de empenhos para garantia do pagamento de obras realizadas no interior do Estado (cerca de 100 obras executadas no ano de 1991) e que foram

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objeto de licitação quando ele ocupava justamente o cargo de diretor do DEPLAN.

Por dever de ofício e por força de norma legal, a BRAGA BRAUN competia verificar a legalidade e regularidade de todos os atos enumerados nos itens “a” a “e”, já que, como diretor do DEPLAN, incumbia-lhe supervisionar os trabalhos realizados pelo Centro de Engenharia.37

Chama a atenção o fato de BRAGA BRAUN e ÁLVARO LUZ manterem-se em absoluto silêncio por anos a fio, deixando de tomar qualquer providência para por fim às falcatruas, apesar da visibilidade de todas as ilegalidades e irregularidades e não obstante o rombo que estava causando no orçamento do departamento que dirigiam (DERIN e Delegacia Geral de Polícia) o pagamento desta e de todas as outras obras supostamente executadas no período de 90/91, o que os compromete, sem dúvida.

A iniciativa dessa imperiosa providência só foi tomada, no final de dezembro/94, por Raphael Augusto de Souza Campos Júnior, sucessor de BRAGA BRAUN no DERIN, o qual, suspeitando da legalidade dos insistentes pedidos de correção monetária por parte das empreiteiras, houve por bem encaminhar vários procedimentos licitatórios à análise da Consultoria Jurídica (cf. depoimento de fls. 2577/2578, volume 13), o que acabou provocando a anulação/rescisão de todos os contratos submetidos ao crivo desse órgão, o que foi confirmado pela procuradora do Estado Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi (fls. 2834/2857, volume 13, em especial fls. 2835/2836).

Em visão retrospectiva e prudente, não é difícil divisar um método e um propósito criminoso na sucessão itinerária dos “erros” e “omissões” das Autoridades Policiais envolvidas, sempre favoráveis a um restrito grupo de empresários, todos interligados, até porque competentes profissionais não costumam reiterar condutas culposas, principalmente por mais de cem vezes.

37 Portaria DGP 02, DE 02/01/88 – Art. 1º - Ao Delegado Chefe do DEPLAN compete: I – supervisionar as atividades do Departamento; III – proceder pessoalmente à correição nos órgãos que lhes são imediatamente subordinados; IV – baixar portarias e instruções para a regularidade dos serviços.

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Sobre a questão, vale rememorar trecho do substancioso parecer da Procuradora do Estado Chefe da Consultoria Jurídica da Secretaria de Segurança Pública, que logo de início consigna , in verbis: “desde 1990, esta Consultoria Jurídica vem apontando irregularidades em obras e serviços contratados no âmbito da Delegacia Geral de Polícia e objeto de acompanhamento pelo Centro de Engenharia/Deplan. No princípio, a Consultoria Jurídica alertava para a existência de problemas e indicava a necessidade de providências saneadoras antes que houvesse qualquer pagamento às contratadas ou repasse de verbas aos municípios; com o passar do tempo, a indicação passou a ser de aparelhamento do Centro de Engenharia ou sua extinção; finalmente, hoje, em diversos processos há indicação de instauração de processo administrativo disciplinar, inquérito policial, propositura de ação penal, etc.”(cf. parecer juntado na PASTA III, fls. MP 688/695), e conforme depoimento de Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi, especialmente fls. 2842/2843, volume 14).

Veja Magistrado que a ilustre Procuradora do Estado Ana

Maria Oliveira de Toledo Rinaldi há muito vinha alertando as autoridades policiais acerca das mazelas que a Consultoria Jurídica vinha vislumbrando no desempenho de seu mister, mas nada, absolutamente nada, fizeram os imputados funcionários públicos, mais um elemento seguro a demonstrar não só a ciência de todos acerca das gritantes irregularidades em debate, mas, principalmente, a prestimosa conivência deles para os desvios de dinheiro público para que serviram as ilegalidades debatidas.

Em um trabalho de fiscalização realizado no dia 14 de agosto de 1986, referente a quatro obras de reforma de unidades policiais, por ordem do Tribunal de Contas, o engenheiro Kamal Mattar deixou consignado em seu parecer o seguinte: “para nossa estupefação esse Centro de Engenharia, na sua parte técnica, é composta de apenas 02 (dois) engenheiros, o engenheiro ACÁCIO KATO, que é o único conhecido nesta Unidade de Engenharia, pois é o único que apareceu, até esta data, em todos os processos examinados nesta unidade. Conforme informações obtidas em nossas diligências junto à origem, o outro é a engenheira Cibele, que não tivemos a ventura de conhecer, nem na

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DGP, nem em qualquer processo encaminhado a este Tribunal... Com fiscalização de todas as obras a seu encargo, o engenheiro Acácio Kato não tem condições nem tempo de se desincumbir da sua tarefa.” (cf. cópia do relatório juntado na PASTA II fls. MP 359/368, referente a reforma do prédio da Academia de Polícia).

O próprio ACÁCIO KATO chegou a alertar, no dia 28/09/90, seus superiores, que “o DEPLAN não possui técnicos em número suficiente para atender à programação de obras do exercício 1990. Dessa, de comum acordo com a direção do Deplan, foram licitados diversos prédios de Delegacias de 5ª classe com orçamento padronizado, sem levar em consideração as dimensões do terreno individualizadas, nem a qualidade do sub-solo.” (cf. doc. juntado na PASTA II, fls. MP 357/358, referente ao procedimento licitatório para construção da Delpol de Caieiras que deu origem ao processo nº 281/01, da 13ª Vara Criminal da Capital.

Nessa época, importante ressaltar, o diretor do DEPLAN era exatamente o réu BRAGA BRAUN.

Por outro lado, nessa mesma época só duas pessoas

estavam encarregadas, irregularmente, de realizar visitas nas obras: o investigador Josué da Silveira Barros e o perito criminal Mário Lúcio Alves. E até o final de 1990, o Centro de Engenharia só tinha uma viatura à disposição, motivo pelo qual Josué e Mário Lúcio trabalhavam juntos; tudo conforme depoimento de Josué da Silveira Barros, prestado em fls. 2579/2580, volume 13, destes autos, secundado pelo depoimento de Mário Lúcio em depoimento colhido pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Capital, processo controle nº 174 (vide PASTA II, fls. MP 402).

Até mesmo BRAGA BRAUN acabou admitindo que tinha

conhecimento do desaparelhamento do Centro de Engenharia ao informar que o

DEPLAN “sequer tinha, vamos dizer, se Vossa Excelência me permitir, sem qualquer tipo de leviandade pela afirmação, era um órgão de estrutura para reparos: tem uma rebelião; vai lá, faz o levantamento, vê o que precisa fazer; tinha estrutura pra isso...” (cf. interrogatório prestado na 21ª Vara Criminal da

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Capital, processo controle 204/01, referente a reforma da Delpol e Cadeia de

Indaiatuba – vide PASTA II, fls. MP 285/296).

Ora, é no mínimo risível pressupor que seria possível fiscalizar mais de 174 obras (cf. relação anexa na PASTA I 21/25, fls. MP), que haviam sido contratadas pela Delegacia Geral de Polícia nos anos de 1990/1991, com apenas uma viatura, inicialmente, depois duas, e um engenheiro praticamente (porque Josué e Mário Lúcio não poderiam fiscalizar obras, apesar de serem engenheiros de carreira), conforme já havia alertado Kamal Mattar em 1986.

Dada a notoriedade do fato, pode-se afirmar com segurança que todos os réus Delegados de Polícia, assim como REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO, sabiam que o Centro de Engenharia não tinha condições materiais e humanas de exercer uma fiscalização eficaz em mais de uma centena de obras que deveriam ser executadas pelas empreiteiras contratadas e, conseqüentemente, que as medições elaboradas não corresponderiam, de modo algum, à realidade.

E a manutenção daquela estrutura totalmente deficitária, de todos conhecida, só pode ser atribuída a um fato: que a deficiência foi mantida justamente com o fito de atingir um objetivo maior: o de desviar dinheiro público, mediante contratações fraudulentas, sendo atribuído a cada um dos réus um papel específico em prol da finalidade última colimada pelo grupo.

De fato, relatou a Procuradora do Estado Ana MariaOliveira de Toledo Rinaldi que, malgrado a insuficiência de engenheiros, “não tenho conhecimento de que o Centro de Engenharia pedisse engenheiros e o preenchimento do quadro” (fls. 2843, volume 13, 1° parágrafo). Aliás, apesar da Consultoria Jurídica apontar graves falhas, inclusive de fiscalização, desde o ano de 1990, somente em 1995 foram adotadas providências, ou seja, a extinção do centro de engenharia (fls. 2843, volume 13).

Em suma, não havia a menor intenção, por parte dos funcionários públicos réus, em solucionar as gritantes irregularidades apontadas pela

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Consultoria Jurídica desde o ano de 1990. E isso tem um nome: DOLO.

Outrossim, até mesmo a prova oral produzida pela defesa de ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN culminou por comprometê-los, constituindo um verdadeiro “tiro que saiu pela culatra” (cf. depoimento prestado no processo n° 72/00, da 29ª Vara Criminal da Capital, cuja cópia foi juntada pela douta defesa às fls. 2986/2988, volume 15).

Explicamos: do depoimento da testemunha de defesa Luiz Antonio Alves de Souza, advogado, pessoa que ocupou o cargo de Secretário Adjunto da Secretaria de Segurança Pública entre 1995 e 1999, depreende-se que, verificando documentos inerentes à sobredita pasta, in verbis:

“tive a atenção despertada por alguns casos de reformas de delegacia e construções também de delegacias, ou cadeias públicas, em razão dos nomes das construtoras serem os mesmos. Examinei um desses processos e fui fazendo uma série de anotações, inclusive a mão, e até guardei o material, quando descobri que as construtoras eram todas interligadas, quer em razão de sucessão de sócios, apesar da mudança dos nomes das construtoras e verifiquei que havia uma série de processos de licitação pela modalidade mais simples, em que o convite era sempre feito às mesmas construtoras. Naquela época, a lei não exigia grande divulgação na modalidade de convite, bastava que os convites fossem dirigidos a cinco construtoras diferentes, no caso, eram diferentes em cada caso isoladamente, mas as mesmas no conjunto dos processos de licitação que estava examinando. Então, eu verifiquei que também em todos esses processos, os orçamentos estavam defasados em cerca de mais de um ano da data da realização da licitação e que elas foram feitas pelos preços originais, sem correção monetária. Que se fosse feita, aumentaria e não daria mais para fazer na modalidade de convite. Entretanto, havia cláusula expressa na licitação e no contrato, que a correção monetária seria contada a partir da data da avaliação. É o chamado IO. Dessa forma, uma simples fatura de

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preparação de varrição de terreno, que percentualmente é insignificante em relação ao custo total da obra, representava quase o valor total licitado em função da correção monetária” - grifos nosso

Ora, se a testemunha, que não é engenheiro nem

contador, a partir de uma análise perfunctória de alguns documentos integrantes de procedimentos de licitação, frise-se, nas quais sequer interveio, além de efetivadas fora de sua gestão, imediatamente vislumbrou várias irregularidades que determinaram o posterior encaminhamento dos expedientes para a Consultoria Jurídica, por que será, então, que experientes Delegados de Polícia, bacharéis em Direito como a testemunha, não obstaram as mais de uma centena de certames nos quais participaram de forma tão importante, nem impediram os pagamentos por obras que não vinham sendo empreendidas?

Ou seja, sobredita testemunha observou, entre outras irregularidades, as quais independiam de noções gerais de contabilidade e engenharia: repetição das empresas contratadas; escolha reiterada da modalidade mais simples de licitação (carta convite), cujos convidados eram sempre as mesmas empresas; interligação entre as construtoras; orçamentos defasados em mais de um ano; e pagamentos de créditos altíssimos em razão da correção indevida de valores.

A questão comporta apenas duas respostas: os Delegados de Polícia ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN e JOÃO CAPEZZUTTI estavam adrede mancomunados com os demais envolvidos, ou então, seriam profissionais madraços, irresponsáveis e, acima de tudo, ingênuos, desprovidos de um mínimo de conhecimento jurídico.

Acontece que, conforme sopesado desde o início desta manifestação, os elementos dos autos bradam no sentido de que a última hipótese não é verdadeira, sequer viável.

Os Delegados de Polícia ÁLVARO LUZ, JOÃO CAPEZZUTTI e BRAGA BRAUN são sim profissionais da mais elevada capacidade e de ingênuos seguramente nada têm.

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Daí uma evidência segura no sentido de que, de fato, estiveram, desde o princípio e sempre, mancomunados com os demais membros da malta.

Nem se diga que os Delegados de Polícia ÁLVARO LUZ, JOÃO CAPEZZUTTI e BRAGA BRAUN não tinham preparo para vislumbrar as irregularidades que macularam as licitações, inclusive esta em debate.

Afinal, além de bacharéis em Direito e aprovados em concurso público, há muitos anos no serviço público, a função deles sempre foi investigar. E apesar de estarem momentaneamente no exercício de cargos administrativos, seguramente não tinham perdido o tirocínio.

E não se perca de vista que as irregularidades gritantes que acoimaram esta e as demais licitações são de cunho jurídico e, portanto, dentro da ciência em que os referidos réus são letrados.

Uma dessas ilegalidades de cunho jurídico foi exatamente o uso da cláusula retroativa, vedado expressamente pelo artigo 56 da Lei n° 6544/8938 e teve como escopo, como foi explicitada às fls. 14/15 da presente manifestação, mascarar o valor real da obra, viabilizando que fosse eleita a modalidade mais simples de licitação (convite), permitindo com isso o direcionamento dos convites a um restrito grupo de empresas, todas intimamente relacionadas entre si, de modo que apenas se revezavam como vencedoras e contratadas, assim como elevar desproporcionalmente o valor do contrato em razão do pagamento de reajustes de todo o período da retroação.

Bastante elucidativo a respeito do tema é a advertência feita por Carlos Pinto Coelho Mota, que, tecendo comentários a respeito do artigo 51, parágrafo segundo, do Decreto-lei n° 2300/86, estatui:

“Veda o parágrafo segundo efeito retroativo aos contratos, sob pena 38 artigo 56 - É vedado atribuir efeitos financeiros retroativos aos contratos regidos por esta Lei, bem assim às suas alterações, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de quem lhe deu causa.

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de invalidade e responsabilização do infrator. A vigência do contrato opera a partir da publicação, e caso de dispensa e inexigibilidade, a partir da ratificação”. 39

Deste mesmo entendimento comunga Raul Armando Mendes que informa:

“O Estatuto, este § 2º enfatiza que às cláusulas financeiras é vedado dar efeitos retroativos, bem como às suas alterações, sob pena de invalidade e responsabilização de quem lhe deu causa. A proibição também se estende aos aditamentos, pois o parágrafo fala em alterações”.40

E a utilização dessa cláusula ilegal nesta licitação e em todas as demais realizadas no período de 1990/1991, era por demais visível e não havia como passar despercebida nem mesmo aos olhos mais desavisados, sendo portanto de conhecimento de JOÃO CAPEZZUTTI, que presidiu a comissão de licitação, mantendo estreito contacto com toda a documentação que apontava a ilegal retroação, bem como também de ÁLVARO LUZ, que assinou o contrato DGP 26/91, dentre dezenas de outros contratos nos quais sempre estava consignada a retroação, assim como de BRAGA BRAUN, que, na diretoria do DERIN, autorizou o empenho de vultosas quantias, lastreado em documentos - como atestados de medição - que estampavam com todos os números e letras aquele artifício ilegal.

O conhecimento do uso dessa cláusula ilegal restou comprovado de forma incontroversa.

Com efeito, sobre a ciência desse fato por parte dos réus temos:

39Licitação e Contrato Administrativo, Editora Lê, Belo Horizonte, 1990, p. 9140 Comentários ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, Editora Saraiva, São Paulo, 2ª edição atualizada e aumentada, 1991, p. 165.

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a) o interrogatório judicial de BRAGA BRAUN no processo 688/00, da 3ª Vara Criminal da Capital (refere construção da Delpol de São João do Pau D’Alho), cujo teor será objeto de ponderação mais adiante (vide cópia juntada na PASTA II, fls. MP 255/267).

b) o interrogatório judicial de ACÁCIO KATO no processo controle n° 88/01 da 4ª Vara Criminal da Capital (refere reforma da Delpol e Cadeia de Itararé), no qual informa que havia uma defasagem entre a data base do orçamento e a data do certame, o que possibilitou a escolha de modalidade licitatória inadequada, razão pela qual comunicou o fato a JOÃO CAPEZZUTTI e a Rafael Oricchio, havendo o primeiro respondido que a comissão naquela altura dos acontecimentos não tinha que opinar sobre isso e o segundo que não tinha problema algum (vide cópia juntada na PASTA II, fls. MP 336/347, em especial fls. 340/341).

c) o interrogatório judicial de REGINALDO PASSOS no processo controle 288/00, da 16ª Vara Criminal da Capital (refere construção do 2° Distrito Policial de Marília, que acabou não sendo edificado), no qual afirma que “por vezes nas reuniões entre o interrogando, e o dr. Amândio, o dr. Braun estava presente e sempre era exposto o plano de obras e o índice que estava sendo utilizado, portanto, tinham ciência de que o valor da licitação era inferior ao valor real...” (vide cópia juntada na PASTA II, fls. MP 330/332).

d) interrogatório de REGINALDO PASSOS no processo controle 1053, da 5ª Vara Criminal da Capital, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Santa Cruz da Conceição no qual ele confirma que várias vezes comunicou ÁLVARO LUZ (como também BRAGA BRAUN) de que os valores dos orçamentos das obras estavam desatualizados, não raro, em um ano, não se levando em conta a inflação do período quando recebeu a seguinte resposta: “toca assim mesmo, porque o processo a gente vem tocando assim, não vamos modificar agora.” (cf. cópia do interrogatório juntado na PASTA II, fls. MP. 317/328, em especial fls. 320/324)

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O teor desse interrogatório será melhor analisado mais adiante.

Discorrendo sobre o uso dessa cláusula ilegal, alertaram os srs. peritos em várias peças periciais, inclusive quando da elaboração do laudo de engenharia complementar nº 30.094/01, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Barueri que:

“Praticamente em todos os casos examinados apurou-se a retroação irregular e ilegal da data base, isto com a finalidade única da manipulação dos valores globais e do tipo de licitação, a fim de limitar os seus participantes. Nesse item, comprovado no laudo pericial n° 8.236/1999, reside o cerne de diversas fraudes praticadas, dando origem a reajustes irregulares e ilegais, que englobam toda a inflação do período de retroação, bem como, aumentam desproporcionalmente, o valor global da obra... – destaques no original - (cf. laudo de engenharia juntado na PASTA IV, fls. MP

731/740, em especial fls. 736).

Não bastasse a confissão judicial dos réus, diversos documentos denunciavam o uso dessa cláusula danosa, dando-lhe extrema visibilidade. Assim é que:

a) Na planilha de orçamento de preços e no cronograma físico financeiro da obra que acompanhavam o CONVITE constava expressamente o índice retroativo JANEIRO/90 (vide a parte superior direita dos documentos de fls. 71/84, volume 1, cuja cópia integral se acha juntada às fls. 1756/2772, volume 14).

b) Estabelecia a cláusula 3.12 do contrato DGP 26/91

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que o seu valor, Cr$ 15.789.683,76, era a preços de JANEIRO/90 (fls. 162, volume 1).

c) Os atestados de medição e autorização de faturamento faziam menção à data base JANEIRO/90 (vide parte superior direita dos documentos de fls. 182/190, volume 1, fls. 218/229, 251/252, 257, 263/277, 326/340, 348, 354, 405, 411, 422/434, volume 2, fls. 442/447, 472, 489, volume 3).

O resultado dos cálculos dos reajustes realizados tornava evidente o efeito altamente danoso da cláusula de retroação, o que foi imediatamente percebido pela testemunha de defesa Luiz Antonio Alves de Souza (cf. depoimento de fls. 2986/2988, volume 15), pela Procuradora do Estado Maria José Vieira Gonçalves (cf. itens 4.1 e 4.1.1, fls. 508, volume 3, do seu parecer), pela Procuradora do Estado Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi (cf. item 4.1.5, fls. 685, volume 4, do seu parecer), pelos peritos engenheiros, como foi visto acima e por todos as pessoas que de alguma forma tiveram acesso aos autos. Exemplo disso pode ser constatado pelos cálculos das medições expostos nos quadros abaixo:

(quadro 03)Medição e reajustes

Data Valor 41 Período pago ilegalmente Folhas

medição 1reaj. provisórioreaj. prov. compl.reaj definitivo

05/07/199105/07/199105/08/199105/09/1991

6.366.208,8770.207.188,0312.636.287,9911.094.392,19

*************************01/90 a 05/07/91=18 meses01/90 a 05/08/91=19 meses01/90 a 05/09/91= 20 meses

181/190, vol. 1 idem256/257, vol. 2220/231, vol. 1

medição 2reaj. provisório

05/09/199105/09/1991

339.870,54 5.015.027,72

***************************01/90 a 05/09/91= 20 meses

218/229, vol. 1 idem

41 No período de 16.03.90 a 01.08.93 a moeda vigente no país foi o cruzeiro (símbolo = Cr$), por força da Lei 8024, de 12.04.90, que adotou a medida provisória nº 168 de 15.03.90. A partir de 02/08/93 a moeda vigente era o cruzeiro real (símbolo = CR$), cf. medida provisória n. 336, de 28/07/93, convertida na Lei n. 8697, de 28.08.93 e finalmente a partir de 01.07.94 a moeda vigente passou a ser o real (símbolo = R$), cf. Lei 8880, de 27.05.94).

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reaj prov. compl.reaj. definitivo

07/10/199105/11/1991

738.572,67 1.240.425,51

01/90 a 07/10/91= 21 meses01/90 a 05/11/91= 22 meses

262/277, vol. 2250/252, vol. 2

medição 3reaj provisórioreaj. prov. compl.reaj. definitivo

07/10/199107/10/199105/11/199105/12/1991

2.456.962,91 41.593.433,71 8.967.177,53 12.756.979,12

****************************01/90 a 07/10/91= 21 meses01/90 a 05/11/91= 22 meses01/90 a 05/12/91= 23 meses

262/277, vol. 2 idem250/252, vol. 2243/244, vol. 2

medição 4reaj. provisórioreaj. prov. compl.reaj. definitivo

05/03/199205/03/199206/04/199205/05/1992

1.126.398,11 62.632.353,14 12.562.154,93 19.136.490,13

***************************01/90 a 05/03/92= 26 meses01/90 a 06/04/92= 27 meses01/90 a 05/05/92= 28 meses

325/340, vol. 2 idem347/348, vol. 2353/354, vol. 2

medição 5reaj. provisórioreaj. prov. compl.reaj. definitivo

05/08/199205/08/199208/09/199205/10/1992

887.449,90 33.309.085,43 28.404.520,20 23.998.153,96

****************************01/90 a 05/08/92= 31 meses01/90 a 08/09/92= 32 meses01/90 a 05/10/92= 33 meses

456/472, vol. 3idem402/403, vol. 2421/434, vol. 2 e 441/447, v. 3

medição 6

reaj. provisórioreaj. prov. compl.reaj. definitivo

05/10/1992

05/10/199205/11/199207/12/1992

12.504.160,49 2.616.676.892,8

5 1.037.543.970,41 596.987.384,69

****************************

01/90 a 05/10/92= 33 meses01/90 a 05/11/92= 34 meses01/90 a 07/12/92= 35 meses

421/434, vol. 2 e441/447, vol. 3idem488/489, vol. 3404/405, vol. 2

(quadro 04)Reajustes das medições Data período de reajuste legalmente permissível

reaj. prov. medição 1 05/07/91 05/91 a 05/07/91(2 meses em vez de 18 meses pagos)

reaj. prov. compl. med. 1 05/08/91 05/91 a 05/08/91 (3 meses em vez de 19 meses pagos)

reaj. def. medição 1 05/09/91 05/91 a 05/09/91 (4 meses em vez de 20 meses pagos)

reaj. prov. medição 2 05/09/91 05/91 a 05/09/91 (4 meses em vez de 20 meses pagos)

reaj. prov. compl. medição 2 07/10/91 05/91 a 07/10/91 (5 meses em vez de 21 meses pagos)

reaj. def. medição 2 05/11/91 05/91 a 05/11/91 (6 meses em vez de 22 meses pagos)

reaj. prov. medição 3 07/10/91 05/91 a 07/10/91 (5 meses em vez de 21 meses pagos)

reaj. prov. compl. medição 3 05/11/91 05/91 a 05/11/91 (6 meses em vez de 22 meses pagos)

reaj. def. medição 3 05/12/91 05/91 a 05/12/91 (7 meses em vez de 23 meses pagos)

reaj. prov. medição 4 05/03/92 05/91 a 05/03/92 (10 meses em vez de 26 meses pagos)

reaj. prov. compl. medição 4 06/04/92 05/91 a 06/04/92 (11 meses em vez de 27 meses pagos)

reaj. def. medição 4 05/05/92 05/91 a 05/05/92 (12 meses em vez de 28 meses pagos)

reaj. prov. medição 5 05/08/92 05/91 a 05/08/92 (15 meses em vez de 31 meses pagos)

reaj. prov. compl. medição 5 08/09/92 05/91 a 08/09/92 (16 meses em vez de 32 meses pagos)

reaj. def. medição 5 05/10/92 05/91 a 05/10/92 (17 meses em vez de 33 meses pagos)

reaj. prov. medição 6 05/10/92 05/91 a 05/10/92 (17 meses em vez de 33 meses pagos)

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reaj. prov. compl. medição 6 05/11/92 05/91 a 05/11/92 (18 meses em vez de 34 meses pagos)

reaj. def. medição 6 07/12/92 05/91 a 07/12/92 (19 meses em vez de 35 meses pagos)

Observação: Na melhor das hipóteses, tendo em vista que o presente contrato de empreitada não foi publicado, os

reajustes só poderiam ser aplicados a partir do mês de maio/91, cf. explicitado às fls. 23/24 da

presente manifestação.

O quadro acima n° 03 mostra, de forma eloqüente, que o valor de cada medição em si era bastante singelo, enquanto os respectivos reajustes (provisório, complementar e definitivo) atingiam soma vultosa.

A razão desta disparidade de valores se deve exatamente à utilização ilegal da cláusula contratual de efeito financeiro retroativo, ponto central do plano arquitetado para desviar dinheiro público. Ou seja, todos os valores constantes na planilha de orçamento sofreram uma retroação para JANEIRO/90 (a fim de que a empresa a ser contratada pudesse receber todos os seus pagamentos corrigidos a partir de JANEIRO/90). Daí porque todos os cálculos efetuados usam o índice FIPE 14,9710 (índice cheio = 226,647,917, utilizado somente por ocasião da 1ª medição42), referente ao mês de JANEIRO/90 (confira-se, a título exemplificativo os cálculos de fls. 182, 219, volume 1, 244, 251, 263, 264, 326, 348, 354, 405, 411, volume 2, 457 e 489, volume 3). Era o índice FIPE janeiro/90 o ponto de partida de todos os reajustes, o denominado “I-0” ( já mencionado pela testemunha Luiz Antonio Alves de Souza, às fls. 2986/2988, volume 15).

Se a planilha do orçamento tivesse sido atualizada ao menos para a data da abertura do certame, (27/02/91), como era de exigência legal para fins da correta eleição da modalidade licitatória (artigo 92 da Lei n° 6544/89), por certo não teria ocorrido uma defasagem tão violenta entre o valor contratado e o valor efetivamente pago, ainda que se considerassem os altos índices de inflação que assolavam a economia brasileira na época.

42 Em razão da mudança da moeda nacional; de cruzado novo para cruzeiro, todos os índice FIPE anteriores a dezembro/90 foram divididos pelo fator 15.139,153 (226,647,917: 15,139,153 = 14,9710 – vide TABELA DA FIPE na PASTA I, fls. MP 09/11

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Observe-se, somente a título de exemplo, que enquanto o valor da primeira medição, relativa a suposta execução de apenas 40,32% dos serviços contratados (fls. 181/190, volume 1), alcançou o singelo valor Cr$ 6.366.208,87 (fls. 181, volume 1), apenas os reajustes provisório, complementar e definitivo dessa mesma medição, atingiram o montante de Cr$ 93.937.868,21 (fls. 181,vol. 1, 256, vol. 2 e 218, volume 1), suplantando em 594% o valor total do próprio contrato, que era de Cr$ 15.789.683,76 (fls. 162, volume 1), o que por si só dava claras mostras da irregularidade praticada, em especial porque aquela medição inicial aconteceu em 05/07/1991, portanto, 4 (quatro) meses após o julgamento dos preços ofertados na licitação e menos de 2 (dois) meses depois da assinatura do contrato, períodos não suficientes para tamanha defasagem entre o valor contratado e o valor pago em razão da primeira medição (que representava apenas 40,32% da obra) e seus reajustes mesmo frente aos elevados índices inflacionários da época.43

Pior, em 03/07/1991, ou seja, apenas 47 (quarenta e sete) dias após a assinatura do contrato, BRAGA BRAUN autoriza o primeiro empenho no valor total do contrato (fls. 177 e 179, volume 1).

E o disparate não parou por ai. Depois de apenas 7 (sete) dias da autorização daquele primeiro empenho no valor global do contrato, BRAGA BRAUN determina a autorização de um segundo empenho, agora no valor de Cr$ 60.783.713,14 (fls. 180 e 192, volume 1), quantia equivalente a 380% do valor total do contrato.

Foi exatamente em razão do pagamento do período de reajuste ilegal que, além do empenho inicial datado de 03/07/91, inúmeros outros precisaram ser autorizados por BRAGA BRAUN com valores altíssimos, como pode ser visto no quadro 05 abaixo.

43 cf. dados constantes na revista Conjuntura Econômica os índices de inflação do ano de 1991(INPC) foram: fev. (21,1%), março (7,2%), abril (8,7%), maio (6,5%), junho (9,9%), julho (12,8%), agosto (15,5%), set. (16,2%), out. (25,8%), nov (25,8%), dez. (22,1%).

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Oportuno consignar que o próprio BRAGA BRAUN, interrogado nos autos do processo nº 688/00, da 3ª Vara Criminal da Capital (relativo à construção da Delpol de São João do Pau D’Alho), incorrendo em ato falho, declarou, in verbis: “Então tem coisa ai que até assusta, porque a gente percebia quando chegava o primeiro pagamento, que era parcial, o valor que a obra tinha era x%, era quase igual...” (cf. cópia do interrogatório juntado na PASTA II, fls. MP 255/267).

Ora, malgrado BRAGA BRAUN não tenha concluído sua confissão, provavelmente porque percebeu a tempo a gravidade do que dizia, é certo que admitiu que, não obstante percebesse que o primeiro pagamento referente a uma porcentagem mínima da obra já consumia o valor total do contrato, absolutamente nada fez.

Em suma, transcorrido pouco mais de um mês da assinatura do contrato, BRAGA BRAUN já tinha liberado recursos equivalentes a mais de 480% do valor nominal do contrato.

E a temeridade continuou. Além daqueles dois empenhos, houve outros 9 (nove) empenhos conforme especificado abaixo.

(quadro 05) Data Valor- Cr$/CR$ e R$ 44 Folhas

10/09/1991 12.636.287,99 193 e 195, vol. 1

20/09/1991 79.029.045,08 196 e 199, vol. 1

44 Vide nota 37, fls. 52.

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06/12/1991 5.173.626,45 209 e 212, vol. 1

24/03/1992 587.810.000,00 315 e 314, vol. 2

17/08/1992 469.329.000,00 360 e 354, vol. 2

19/10/1992 1.854.100.000,00 415 e 414, vol. 2

09/11/1992 1.040.000.000,00 473 e 477, vol. 2

07/12/1992 596.990.000,00 478 e 482, vol. 3

03/12/1993 32.176.490,92 490 e 492, vol. 3

Imperioso consignar que dessas 12 (dez) autorizações de empenho sobreditas, onze delas foram autorizadas diretamente por BRAGA BRAUN e uma delas autorizada por alguém em seu nome.

Nem mesmo a inflação então reinante justificativa a autorização de tantos empenhos e em valores altíssimos e muitas vezes superiores ao valor global do contrato, o que denota, insofismavelmente, que BRAGA BRAUN sabia da trama urdida, conscientemente empreendendo seus esforços em prol daquele engenho criminoso.

O artigo 60, § 2º, da Lei n° 4320/64 dispõe que somente será feito empenho por estimativa quando não se pode determinar de pronto o montante da despesa a ser efetuada pela Administração Pública. Explicitando esta disposição legal, escreveram J.Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis:

“Podem ser empenhadas por estimativas despesas cujo valor exato seja de difícil identificação e aquelas que obrigatoriamente são realizadas, dada a sua importância e natureza. São empenháveis por estimativa despesas tais como compras de produtos químicos para tratamento de água,

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combustíveis e lubrificantes; energia elétrica; despesas de viagem; telefone; água; adiantamento a funcionários; juros e outros.”45

Ora, não era esse o caso da reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém, porque o valor do contrato DGP-26/91 era determinado, ou seja, estabelecido em Cr$ 15.789.683,76 (fls. 162, volume 1). Por isso, se não tivesse sido usada a cláusula de retroação, não haveria a necessidade de se autorizar vários empenhos além daquele inicial, ainda que levando em conta a inflação do período.

Outras irregularidades presentes nos autos do

procedimento licitatório e facilmente perceptíveis, que igualmente não poderiam ter passado ao largo da observação dos réus ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN, por mais desatenciosa que fosse:

a) O contrato DPG 26/91 foi celebrado sem que estivesse certificado nos autos a existência de recursos orçamentários, com afronta ao artigo 5º do mesmo diploma legal e com afronta até os termos do ato homologatório.

b) O contrato foi assinado por ÁLVARO LUZ muito embora a respectiva minuta não tivesse sido previamente examinada pela Consultoria Jurídica da Secretaria da Segurança Pública, desrespeitando ele a expressa previsão do parágrafo único do artigo 35 da Lei n° 6544/89.46 E a obrigação de enviar essa minuta à Consultoria Jurídica da pasta para seu exame prévio era do Delegado Geral de Polícia que assina o contrato, (cf. artigo 10, inciso I, letra “n” do Decreto 27.082/87).47

A propósito do assunto, nos autos do processo nº 517/00, da 29ª Vara Criminal da Capital, referência à reforma da Delegacia de Polícia 45 In ob. citada as fls. 142.46 Art. 35 § único - As minutas dos editais de licitação, bem como dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinados pelo órgão jurídico competente.47 Artigo 10, inciso I, letra n : Ao Delegado Geral de Polícia, além de outras providências que lhe forem conferidas por lei, decreto ou resolução, compete:I - em relação às atividades gerais:n) encaminhar diretamente processos e outros expedientes para manifestação da Consultoria Jurídica da Pasta (cf. documento juntado na PASTA I, fls. MP 61/66)

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de Ubatuba, testemunhou a Procuradora do Estado Maria Cecília Magalhães Ceratti que, não por acaso, na mesma época em que a Delegacia Geral de Polícia deixava de encaminhar à Consultoria Jurídica os contratos relativos às obras, enviava os demais, ou seja, aqueles não relacionados a obras (cf. depoimento juntado na PASTA II, fls. MP 427/434, em especial fls. 432), esclarecimento repetido pela Procuradora do Estado Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi nos autos do processo controle 1466/01, da 30ª Vara Criminal da Capital, referente a reforma da Delegacia de Polícia de Santa Branca (cf. depoimento juntado na PASTA II, fls. MP 446/465, em especial 456/457), posto que revelou essa última testemunha que, nos outros casos contratados pela Delegacia Geral era comum haver um exame prévia da Consultoria Jurídica, exceto aqueles envolvendo licitação de obras, repetindo esses mesmos esclarecimentos nos autos do presente feito (cf. depoimento de fls. 2839/2840, volume 14).

Ora, a circunstância de contratos envolvendo reformas e construções não serem enviados à Consultoria Jurídica, enquanto os demais eram encaminhados, por si só, é demais esclarecedor.

c) No contrato assinado por ÁLVARO LUZ houve omissão da dimensão do prédio a ser reformado e a relação dos serviços a serem executados e nem tampouco se fez a indicação do recurso financeiro para atender a despesa de reforma, violando-se flagrantemente o artigo 50, incisos I e VI, da Lei n° 6544/89. A exigência legal de que o contrato deve conter o objeto e seus elementos característicos, tem por escopo proibir o emprego de recursos públicos em empreendimentos com extensões não avaliadas ou estimadas em perspectivas que não correspondam à realidade.

d) O contrato (ou mesmo seu extrato) não foi publicado, conforme preceitua o artigo 60 da Lei n° 6544/89, o que por certo ocorreu com o propósito de restringir o seu conhecimento, frustrando, assim, a possibilidade de impugnação pelos cidadãos interessados, o que retirava a sua eficácia jurídica, como bem lembrou Raul Armando Mendes, cujos ensinamentos foram citados às fls. 23/24 da presente manifestação. Apesar disso, BRAGA BRAUN autorizou, no dia 03/07/91 a emissão do primeiro empenho no valor global do contrato, assinando a

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respectiva nota de empenho (fls. 177 e 179, volume 1).

Só estão dispensados da publicação os contratos de natureza sigilosa por “razões de segurança nacional”, sendo certo que os contratos resultantes de licitação nunca podem ser sigilosos, porque, se o fossem, seriam firmados com dispensa de licitação, como lembra Helly Lopes Meirelles.48

Assim, diante dessa omissão proposital, BRAGA BRAUN não poderia jamais ter autorizado a emissão do primeiro empenho e expedido a respectiva nota de empenho, bem como os demais empenhos em valores várias vezes maiores do que o valor global do contrato.

e) BRAGA BRAUN autorizou indevidamente o seguimento do pedido de autorização para abertura do expediente licitatório subscrito por seu subordinado REGINALDO PASSOS (fls. 31/32, volume 1).

Observe-se que na solicitação de REGINALDO PASSOS, constituída de uma única folha, portanto de fácil percepção e exame (fls. 31, volume 1), não há qualquer referência ao valor do orçamento da obra e nem consta a razão pela qual ele recomendou a escolha da modalidade licitatória CONVITE, o que exigia uma explicação razoável caso se tratasse de uma licitação séria. Todavia, BRAGA BRAUN não solicita nenhuma informação sobre as omissões e a estranha eleição da modalidade CONVITE e determina a imediata protocolização do pedido, o que leva a concluir que tanto BRAGA BRAUN como Amândio Augusto Malheiros Lopes e REGINALDO PASSOS já tinham prévio conhecimento da forma como aconteceu a eleição da modalidade CARTA-CONVITE. Daí porque não houve a necessidade de indicar, no pedido inicial, o valor do orçamento da obra, informação imprescindível para a eleição da correta modalidade licitatória.

f) BRAGA BRAUN, como diretor do DEPLAN e com atribuição para supervisionar todo o trabalho de todos desse órgão, inclusive do Centro de Engenharia, como foi ressaltado anteriormente, sabia que aquele centro não estava capacitado para fiscalizar o andamento de todas as obras a serem 48Licitação e Contrato Administrativo, Editora Malheiros, São Paulo, 12ª edição, 1999, p. 194)

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realizadas no Estado de São Paulo, porque a sua equipe estava composta de apenas dois engenheiros, ACÁCIO KATO e Cibeli Gama Monteverde, sendo certo que apenas um deles, ACÁCIO, apareceu como tendo verdadeiramente atuado nos procedimentos licitatórios realizados entre 1990/1991, pois entre 1990/1991 Cibeli Gama Monteverde não participou, como engenheira, de nenhum trabalho relacionado com os convites destinados à reforma de delegacias e cadeia públicas dos municípios do Estado de São Paulo, fato consignado no relatório subscrito por Kamal Matar cuja referência foi feita às fls. 66/67 da presente manifestação. Aliás, essa deficiência do Centro de Engenharia era de notório conhecimento. Neste sentido é o teor do interrogatório de BRAGA BRAUN, prestado perante o juízo da 21ª Vara Criminal da Capital, proc. controle 204/01 (cf. cópia juntada a PASTA II, fls. MP 285/296), assim como informação prestada por ACÁCIO KATO nos autos do procedimento licitatório para construção da Delpol de Caieiras (cf. PASTA II, fls. MP 357/358).

Portanto, forçoso concluir que BRAGA BRAUN tinha ciência de que as obras não seriam fiscalizadas como deveriam e, portanto, as medições seriam resultado de uma mera simulação, o que já vinha ocorrendo há muito tempo, como se pode constatar a partir da informação prestada por ACÁCIO KATO no procedimento licitatório para a construção da Delegacia de Polícia de Caieiras.

g) Tanto ÁLVARO LUZ como BRAGA BRAUN tinham conhecimento do direcionamento dos CONVITES para um grupo determinado de empresas, as quais se alternavam na condição de vencedoras para obtenção do objeto das licitações realizadas. Aliás, a participação reiterada, nos certames licitatórios, das mesmas empresas foi uma simples conseqüência da escolha ilegal, não por acaso, da modalidade CARTA CONVITE.

Chega-se a conclusão de que ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN conheciam esse proposital direcionamento porque ÁLVARO LUZ autorizou e assinou dezenas e dezenas de empenhos como diretor do DERIN inicialmente e, após, como Delegado Geral de Polícia, assinou quase uma centena de contratos de empreitada sempre com as mesmas empresas. BRAGA BRAUN porque autorizou

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mais de uma centena de empenhos para as mesmas empresas beneficiárias como diretor do DERIN.

Essa repetição de convites para as mesmas empresas chamou a atenção até da testemunha da defesa Luiz Antonio Alves de Souza no momento em que passou a tomar providências para montar a equipe do recém nomeado Secretário da Segurança Pública José Afonso da Silva e examinar alguns procedimentos licitatórios (cf. depoimento de fls. 2986/2988, volume 14). E, insistimos, aquela testemunha arrolada pela defesa nenhuma participação teve seja nos procedimentos licitatórios, seja na execução do contrato. Os peritos também observaram esta reiteração de CONVITES para as mesmas empresas que se manifestaram no sentido de que “... praticamente todas as obras objeto dos exames periciais, executadas ou não, porém, licitadas pelo DEPLAN na mesma época, envolveram um cartel limitado de algumas empresas participantes desses processos licitatórios evidentemente com anuência da própria Administração Pública” (cf. laudo pericial nº 30.094/01, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Barueri –PASTA IV, fls. MP 731`/740, em especial fls. 736).

As listagens parciais de obras realizadas no período em questão e emitidas pelo Centro de Engenharia do DEPLAN, solicitando autorização para empenhos relativos as obras ali indicadas, mostram claramente que somente um grupo restrito de empresas venceu todas as licitações do período (cf. fls. 197, volume 1, 317, 362 volume 2, 475, 480 volume 3).

As cópias de algumas atas dos julgamentos de propostas de preço ora juntadas (cf. docs. juntados na PASTA III, fls. MP 546/636), assim como a relação de obras fornecida pela Consultoria Jurídica às fls. 660 e seguintes, volume 4, também evidenciam o fato de somente um pequeno grupo de empresas ter sido sistematicamente convidado e um grupo menor ainda é que venceu todas as licitações do período.

h) Autorizações sucessivas de empenhos {só neste caso foram 11 (onze)} e expedição de notas de empenho de elevados valores por parte de BRAGA BRAUN (de julho de 1991 até dezembro de 1993), muito embora os autos do

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procedimento licitatório estivessem totalmente carentes de comprovação de realização das etapas da obra contratada, por inexistência de relatórios de fiscalização e visita, assim como inexistência de fotografias mensais da obra (cf. cláusula 7ª do contrato, itens 7.1.11 e 7.7), capazes de demonstrar a execução dos serviços. E como gestor do contrato, BRAGA BRAUN jamais poderia ter autorizado qualquer empenho sem a efetiva comprovação da realização da obra, obrigação que lhe competia por ser a autoridade responsável pela reserva de valores para pagamento da obra e, conseqüentemente, pela fiscalização do fiel cumprimento do contrato.

A trajetória de BRAGA BRAUN dentro da organização policial no período em que houve desvio de dinheiro público, decorrentes das contratações firmadas pela Delegacia Geral de Polícia nos anos de 1990/1991 para obras de construção e reforma de unidades policiais, robustece a prova da sua conduta dolosa.

No momento em que a Delegacia Geral de Polícia, através do seu dirigente máximo decidiu pela construção/reforma de mais de uma centena de repartições policiais espalhadas por todo o Estado de São Paulo, o réu BRAGA BRAUN coordenava o Departamento de Planejamento da Polícia Civil (DEPLAN) na condição de diretor, a quem estava subordinado o Centro de Engenharia, chefiado por REGINALDO PASSOS.

Quando a grande parte dos pagamentos passou a ser feita, BRAGA BRAUN passou a dirigir um outro importante órgão - o Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo – Interior (DERIN), a quem competia autorizar empenhos para pagamento das obras.

Portanto, BRAGA BRAUN tinha e teve o domínio de todo o plano de obras da Polícia Civil desde o seu nascedouro até a sua execução e pagamento. Assim, ele teve um conhecimento privilegiado de todo esse programa de obras da Polícia Civil e teve uma atuação fundamental para todo o processo criminoso e por isso seus reclamos de inocência não convencem.

A propósito, sobre a questão, cumpre anotar que o

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próprio BRAGA BRAUN, interrogado nos autos do processo nº 879/00, da 14ª Vara Criminal da Capital, relativa a construção do necrotério de São José dos Campos da (cf. doc. juntado na PASTA II, fls. MP 268/277, em especial fls. 271/272) esclareceu, in verbis: “sobre esses expedientes (autorização para emissão de empenho), eu gostaria de salientar que tanto a autorização para a emissão de empenho como a ordem de pagamento não é uma folhinha solta, é um processado. O senhor abre e vem: o pedido da empresa, dizendo que a obra, por exemplo, avanço cinco por cento, ou terminou, e que corresponde à fatura anexa, em notas fiscais. Em seguida - porque isso não é mandado no começo para ninguém, vai direto para o engenheiro, porque não querem perder tempo, querem receber logo -, vem uma espécie de laudo assinado pelo engenheiro do Estado, que é do centro de engenharia do DEPLAN. A folha seguinte chama-se nota ou atestado de realização”.

Mais, interrogado nestes autos, revelou a Vossa Excelência, in verbis: “o interrogando afirma que não assinava autorização de empenho sem ler ou sem fazer a conferência do que havia nos processos. Fazia uma conferência da parte técnica, verificando se constava nos autos laudo de engenharia da medição e o atestado de realização” (fls. 2130/2132, volume 11).

Assim, de posse de um acervo de documentos daquela ordem, inclusive indicando a retroação de preços, consignada com todas as letras e números nos atestados de medição, e sobre os quais BRAGA BRAUN confessadamente se debruçava, impossível que não tomasse ciência das irregularidades.

Em seu interrogatório judicial, todavia, BRAGA BRAUN

(fls. 2131/232, volume 11) sustenta que a responsabilidade de analisar a regularidade dos pagamentos não era de sua alçada e que os processos licitatórios passavam pelo diretor do DERIN por mera praxe. Aliás, noutros feitos, reportando-se aos Decretos Estaduais n° 233/70 e n° 7.514/76, quis fazer crer que sua assinatura na autorização de empenho e na nota de empenho constituía uma mera formalidade.

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Porém sua alegação não convence e nem encontra respaldo na legislação então vigente.

Com efeito: está inscrito no Decreto-lei n° 233, de 24.04.70, artigo 14, inciso I, que compete aos dirigentes pela unidade de despesa:

“Art. 14, inciso I - autorizar despesas, dentro dos limites impostos pelas dotações liberadas, para as respectivas unidades de despesa, bem como firmar contrato quando for o caso” (grifo nosso).

Depreende-se desse texto legal que somente BRAGA BRAUN, enquanto diretor do DERIN (que era uma unidade de despesas), e a mais ninguém, no caso de despesas para construção e reformas realizadas no interior do Estado de São Paulo, competia autorizar despesas. E somente depois dessa sua autorização é que a seção de finanças do DERIN podia expedir a denominada nota de empenho, na qual também constava a assinatura do ordenador de despesas.

A única competência concorrente do ordenador de despesas com a diretora da seção de finanças, prevista em lei, era a possibilidade da última assinar notas de empenho e subempenho. Para se chegar a esta conclusão, basta confrontar o art. 14, incisos II e VII, com o artigo 15, inciso III, e artigo 17, incisos I e II, do Decreto-lei Estadual n° 233, de 24.04.1970.

Entretanto, ao assinar também a nota de empenho BRAGA BRAUN passou a ser responsável pela verificação da sua regularidade formal e substancial dada a seriedade do ato e seu efeito no campo administrativo e jurídico, pois a expedição da nota de empenho assinada por essa autoridade policial (diretor do DERIN) resultava na criação de deveres para o Estado em relação a terceiros, assim como dispêndio significativo de verba do erário.

A propósito, o próprio tipo de impresso exigia a aposição da assinatura do ordenador de despesas, sem o qual não poderia haver reserva de valores para pagamento das obras, conforme esclarecimentos prestados por Marcelo

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dos Reis Moreira nos autos do processo n° 867/99, da 10ª Vara Criminal da Capital, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Santa Isabel (cf. PASTA II, fls. MP 466/480).

O contador da Fazenda Pública nem poderia fazer essa

verificação prévia da regularidade naqueles dois aspectos (substancial e formal), porque a contabilização da nota de empenho era feita posteriormente à autorização concedida pelo ordenador de despesas. A par disso, o contador da Fazenda Pública não estava autorizado a interferir nos atos de gestão do DERIN, sob pena de indevida ingerência na administração desse órgão, que não tinha nenhuma relação de hierarquia e subordinação com a Secretaria da Fazenda Pública.

A seção de finanças, por seu turno, só estava autorizada a emitir a nota de empenho se obtivesse previamente a autorização do ordenador de despesas.

E a prova disso é documental e, portanto, não admite

controvérsia, conforme segue abaixo, a título de exemplo.

Primeiro empenho: autorizado pelo ordenador de despesas BRAGA BRAUN no dia 03/07/1991 (fls. 177, volume 1), enquanto a contadoria registrou o valor do empenho somente posteriormente, ou seja, no dia 04/07/1991 (fls.178 e 179, volume 1).

Segundo empenho: autorizado pelo ordenador de

despesas BRAGA BRAUN em 10/07/1991 (fls. 180, volume 1), ao passo que a contadoria registrou o valor do empenho somente no dia 11/07/1991 (fls. 191 e 192, volume 1).

Terceiro empenho: autorizado pelo ordenador de despesas BRAGA BRAUN em 10/09/1991 (fls. 193, volume 1), mas contabilizado pela contadoria apenas em 11/09/1991 (fls. 194 e 195, volume 1).

Quarto empenho: autorizado a mando do ordenador de

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despesas BRAGA BRAUN em 20/09/1991 (fls. 196, volume 1), mas contabilizado pela Contadoria apenas em 23/09/1991 (fls. 198 e 199, volume 1).

Quinto empenho: autorizado pelo ordenador de despesas BRAGA BRAUN em 06/12/1991 (fls. 209, volume 1) e excepcionalmente contabilizado na mesma data (fls. 211 e 212, volume 1).

Sexto empenho: autorizado pelo ordenador de despesas BRAGA BRAUN em 24/03/1992 (fls. 315, volume 2) e contabilizado pela Contadoria apenas em 30/03/1992 (fls. 313 e 314, volume 2), etc.

Em síntese, as autorizações de empenho acima referidas estampam sobre a assinatura do ordenador de despesas, BRAGA BRAUN, a expressão, in verbis: “aprovo e autorizo na forma indicada”.

Não nos parece que a expressão aspeada admita alguma discussão acerca de seu sentido, dada a clareza gramatical, aliada à limpidez do artigo 14, inciso I, do Decreto-lei n° 233/70.

Não é por outra razão que, em atenção à solicitação do Ministério Público, o Departamento de Finanças da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda informou que a movimentação da conta do DERIN e os pagamentos realizados por esse órgão são de inteira responsabilidade do dirigente desse órgão, não tendo o Departamento de Finanças do Estado qualquer controle sobre os pagamentos efetuados (cf. informação DFE nº 0008/20002 ora juntado – PASTA I, fls. MP 27/29).

Portanto, as provas documentais demonstram que BRAGA BRAUN falta com a verdade ao pretender fazer crer que sua assinatura na nota de empenho era resultado de uma mera formalidade, quando, na realidade, sua “autorização de empenho“ necessariamente precedia qualquer providência por parte da contadoria, à evidência, mesmo porque nada poderia ser providenciado por aquele órgão, assim como pela seção de finanças do DERIN, sem a prévia autorização do ordenador de despesas.

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Por fim, para ornamentar ainda mais as já indiscutíveis provas de que a autorização do ordenador de despesas era fundamental para a liberação dos pagamentos às empreiteiras, confira-se que, já no ano de 1994, o então diretor do DERIN Raphael Augusto de Souza Campos Júnior, tendo recebido um considerável número de pedidos de autorização de empenho para pagamento de correção monetária às empreiteiras, estranhando a quantidade dos pedidos e o curto tempo que teria para examiná-los recusou-se a fazê-lo de pronto e entendeu por bem encaminhá-los à Consultoria Jurídica da pasta da Segurança Pública (cf. depoimento de fls. 2577, volume 13).

Ora, se a assinatura do ordenador de despesas fosse uma mera formalidade, como quer fazer crer BRAGA BRAUN, certamente a assinatura de Raphael Augusto seria prescindível, o que, na verdade não era, tanto que, em face da recusa de Raphael e da sua decisão de encaminhar os procedimentos licitatórios à Consultoria Jurídica da pasta, nenhum tostão mais foi pago às empreiteiras, colocando um fim a sangria dos cofres públicos. Exemplo disso pode ser verificado pela leitura dos despachos proferidos por Rapahel em alguns procedimentos licitatórios propondo o encaminhamento dos autos à Consultoria Jurídica da pasta para os exames dos pedidos de pagamento (cf. docs. juntados na PASTA III, fls. MP 669/677).

Pior ainda foi a exculpação de BRAGA BRAUN encenada noutro processo (interrogatório da 2ª Vara Criminal da Capital, processo controle 174, referente a construção da Delpol de Tejupá – PASTA II, fls.MP 254) no sentido de que assinava o empenho, “após autorização do próprio Governo, passando por Secretário da Segurança, Delegado Geral, só depois chegando ao interrogando”, posto que o expediente relativo à solicitação de empenho e emissão da nota de empenho jamais requeriam qualquer intervenção seja do Governador do Estado, seja do Secretário de Segurança Pública, seja do Delegado Geral de Polícia, simplesmente porque o DERIN era uma unidade de despesas e como tal, o único órgão competente para ordenar despesas realizadas no âmbito desse órgão. Aliás, os documentos acima referidos sequer fazem menção a tais autoridades.

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Num outro feito, mais especificamente, nos autos do processo controle 691/00, da 15ª Vara Criminal da Capital, referente a construção da Delpol de Boituva, BRAGA BRAUN tentou se exculpar dizendo, entre outras coisas, que näo existe “peculatário por prazer” (cf. doc. juntado na PASTA II, fls. MP 277/284).

Nesse ponto tem razão o réu BRAGA BRAUN. Não foi por outro motivo que o Ministério Público fez constar expressamente na denúncia que o dinheiro do erário foi desviado em benefício de um grupo de empreiteiros envolvidos com o esquema de licitações fraudulentas, havendo eles contado com o indispensável concurso dos funcionários públicos para obtenção do fim colimado. Nesse caso específico, os réus, através das empresas em que eram sócios embolsaram criminosamente, em razão da conduta criminosa desenvolvida, a importância equivalente ao menos a US$ 1.116.124,41, até onde se tem conhecimento, em proveito do sócio da Construdaotro Construções e dos sócios proprietários da Conduto/Construdaotro Empreendimentos. Daí porque é absolutamente verdadeira a afirmação de que “peculatário por prazer inexiste.”

Outrossim, as afirmações expendidas por ÁLVARO LUZ em seu interrogatório judicial (fls.2134, volume 11), no sentido de que: praticava atos na qualidade de Delegado Geral de Polícia apoiando-se

principalmente no parecer do seu assistente, o Delegado de Polícia Rafael Oricchio, já falecido;

as folhas do contrato, com exceção da última, foram substituídas, pois em nenhum deles consta sua rubrica;

o depoente foi induzido em erro por seus subalternos; Não encontram respaldo na prova colhida.

Inicialmente, cumpre observar que nenhum dos mais de cem procedimentos licitatórios, cujas cópias deram origem aos inquéritos policiais, foi instruído com esse tal de parecer de Rafael Oricchio. Nem tampouco há qualquer informação sobre a existência desse parecer em nenhum desses autos, colocando em evidência que se trata de uma mera desculpa para se isentar de uma condenação.

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De outra parte, importante notar, todos os atos referidos por ÁLVARO LUZ foram realizados ao arrepio da lei, pelo próprio ÁLVARO LUZ (licitações autorizadas a partir de 19/03/91) ou pelo seu antecessor Amândio Augusto Malheiros Lopes (ambos formados em Direito), com afronta aos princípios básicos da licitação.

Com efeito o pedido de autorização para abertura do certame licitatório, como foi visto, já continha um vício insanável pois nele não havia qualquer referência ao custo estimado do valor da obra, mas mesmo assim, havia a recomendação para eleição da modalidade CONVITE.

Não era preciso ser um engenheiro e muito menos um experto em qualquer ramo da ciência para perceber que não havia como autorizar o uso de determinada modalidade licitatória sem antes conhecer o valor da obra de reforma. Além disso, não havia informação sobre qual seria a abrangência dessa reforma.

Ora, constituindo-se o procedimento licitatório um antecedente necessário do contrato, em se tratando de contratação de obra ou serviço público, a autorização para sua formalização só podia acontecer se tivessem sido obedecidos rigorosamente os ditames legais, o que não ocorreu nesse caso (e em todos os demais), pois o primeiro ato do expediente respectivo já nasceu irremediavelmente viciado e como resultado feriu-se o princípio da igualdade entre os licitantes, discriminando os potenciais participantes em benefício de poucas empresas.

Apesar disso, Amândio Malheiros Lopes não se furtou a dar sua autorização (fls. 416, vol. II).

Além disso, a planilha de orçamento que acompanhou os quatro CONVITES também foi elaborada com transgressão à lei (vide parte superior da documentação de fls. 71/84, volume 1, cuja cópia integral, sem cortes, se acha juntada às fls. 2756/2772, volume 4) uma vez que seus preços sofreram retroação

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para JANEIRO/90 (a fim de que a empreiteira a ser contratada pudesse receber todos os seus pagamentos com reajustes a partir de JANEIRO/90). Daí porque todos os cálculos efetuados usam o índice FIPE 14,9710 (= índice cheio = 226.647,917, utilizado somente por ocasião da 1ª medição49), referente ao mês de JANEIRO/90 (confira-se a título de exemplo os cálculos de fls. 219, volume 1; fls. 244, 251, 257, 263, 264, 326, 348, 354, 405, 411, volume 2; fls. 457, 489, volume 3). Era o ponto de partida de todos os reajustes, o denominado “I-0”.

Mais ainda: muito embora tratasse a licitação da reforma de um distrito policial de grande porte, com 975 m2 de área construída, a licitação não foi acompanhada de nenhum projeto arquitetônico (vide ofício de fls. 1134, volume 6), hidráulico, elétrico, etc.

Ora, diante das visíveis ilegalidades cometidas, inclusive com infração frontal à lei de licitação, impunha-se à Administração, neste caso representada por Amândio Augusto, anular a licitação e não homologar o resultado do julgamento condicionalmente como fez (fls. 158, vol. I).

Sobre esse assunto ensina Hely Lopes Meirelles:

“Homologação é o ato de controle pela qual a autoridade superior confirma o julgamento das propostas e, consequentemente confere eficácia à adjudicação... a autoridade incumbida da homologação do julgamento terá diante de si três alternativas para sua decisão: confirmar o julgamento, homologando-o; ordenar a retificação da classificação no ato ou em parte, se verificar irregularidade corrigível no julgamento; anular o julgamento ou todo o procedimento licitatório se deparar com ilegalidade insanável e prejudicial ao certame em qualquer fase da licitação.”50

Pior ainda foi o comportamento do sucessor de Amândio, o réu ÁLVARO LUZ.

49 Em razão da mudança da moeda nacional de cruzado novo para cruzeiro, todos os índice FIPE anteriores a dezembro/90 foram divididos pelo fator 15.139,153 (= 226,647,917:15.139,153= 14,9710) – vide tabela da FIPE juntada na PASTA I, fls. MP 09/1150 obra citada na nota 42, fls. 143.

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Com efeito, a assinatura do contrato havia sido condicionada a verificação prévia da existência de verba específica para a execução da obra a ser feita pela Divisão de Finanças pelo antecessor de ÁLVARO LUZ, o falecido Amândio Augusto (fls. 158, vol. I).

Contudo, os autos não foram encaminhados ao órgão competente para essa prévia verificação, seguindo direta e imediatamente para ÁLVARO LUZ, que sem nenhuma preocupação o assina (fls. 159/175, vol. 1), muito embora a Divisão de Finanças não tivesse certificado se o órgão gestor do contrato (DERIN) tinha, ou não, recursos para o pagamento da obra.

Aqui, oportuno lembrar que, não havia também nenhuma certificação no sentido de que a minuta desse contrato havia sido previamente examinada pela Consultoria Jurídica da Segurança Pública, como exige a lei de licitação, mais um motivo para ÁLVARO LUZ se recusar a apor sua assinatura no instrumento contratual, o que obviamente ele não fez.

Dessa forma, como o resultado do certame foi fruto de uma licitação irregular e ilegal e como outras irregularidades se somaram àquelas já existentes, todas, importante lembrar, todas de cunho jurídico, ÁLVARO LUZ, formado em Direito, não pode querer se safar da acusação, dizendo que todos os atos praticados estavam baseados nos pareceres técnicos vindo do DEPLAN, de engenheiros e contabilistas, como se as irregularidades cometidas não fossem de cunho jurídico.

Não era preciso, pois, ser um experto na área de licitação para dar-se conta das flagrantes ilegalidades. E se ÁLVARO LUZ não entendia de licitação, o que se deduz da sua fala, por que ele não se valeu da assessoria da Consultoria Jurídica da pasta de Segurança Pública para se inteirar do assunto antes de assinar o contrato? Aliás, ÁLVARO LUZ, na condição de Delegado Geral de Polícia, tinha obrigação legal de submeter o procedimento licitatório e a minuta do contrato à prévia análise dessa Consultoria (cf. artigo 35, parágrafo único da Lei 6544/89, combinado com o artigo 10, inciso I, letra “n”, do Decreto Estadual

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27.082/87; vide também nota de rodapé n° 44), o que não fez porque, por certo, essa providência não convinha aos propósitos criminosos do grupo da qual ele fazia parte.

Essa conclusão se robustece porque comprovou-se mediante prova testemunhal que a Delegacia Geral de Polícia tinha o costume de enviar outros contratos para análise da Consultoria Jurídica, exceto aqueles relativos a obras de reforma/construção de unidades policiais, como lembrou a testemunha Maria Cecília Magalhães Ceregatti, no processo criminal 517/00, da 29ª Vara Criminal da Capital, ref. reforma da Delpol e Cadeia de Ubatuba (cf. PASTA II, fls. MP 427/434) e Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi no presente processo (fls. 2834/2837, volume 14, especialmente fls. 2839/2840, volume 14).

Além do mais, o contrato assinado continha um vício

flagrante - a previsão do uso da cláusula de efeitos financeiros retroativo expressa nos seguintes termos: cláusula 3.12. “O valor global estimado das obras e serviços objeto deste contrato é de Cr$ 15.789.683,76 (quinze milhões, setecentos e oitenta e nove mil, seiscentos e oitenta e três cruzeiros e setenta e seis centavos), a preços de janeiro/90.” - grifo nosso (fls. 162, volume), não obstante o contrato tenha sido assinado em 16/05/91.

Cláusula tão absurda não passaria despercebida nem para um leigo ou uma pessoa mais simples porque ela envolve a parte central do contrato, o valor do ônus financeiro assumido pelo contratante, pois é exatamente a primeira cláusula que toda e qualquer pessoa quer saber quando assina um documento dessa natureza. Imagine então se isso passaria ao largo da observação de um escolado policial como ÁLVARO LUZ!?

E nem se alegue que não foi esse o contrato assinado por ÁLVARO LUZ, como ele quer fazer crer, pois sua afirmação não encontra respaldo no conjunto probatório. De fato:

É que as peças do inquérito policial são cópias fiéis do procedimento administrativo licitatório, sendo certo que ALVARO LUZ não apresentou nenhum prova da alteração do citado documento, ônus que lhe cabia, a teor do artigo

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156, do Código de Processo Penal.

Mais: o valor da autorização do primeiro empenho e o valor do primeiro empenho (cf. docs. de fls. 177/179), assinados por BRAGA BRAUN, assinatura essa cuja autencidade jamais foi questionada pelo subscritor, BRAGA BRAUN, foi retirado exatamente do valor constante na cláusula 3.12 do contrato (fls. 162, volume 1).

Além disso, não se perca de vista que o contrato em debate não era um documento isolado, mas sim integrava um expediente de licitação, composto de vários documentos (cujos respectivos conteúdos não foram acoimados de falsos), os quais faziam referência ao uso da cláusula proibida:

a) a planilha de orçamento (fls. 71/84, volume 1, cuja

cópia integral, legível e sem recortes, se encontra juntada às fls. 2756/2772, volume 14) estampava na parte superior direita de todas as folhas o índice retroativo JANEIRO/90.

b) o resultado do certame estampado às fls. 155/156, vol. 1 que classificou em 1o lugar a Construdaotro em razão do menor preço ofertado, uma vez que seu valor foi extraído exatamente da planilha de orçamento, com acréscimo de 4,6%.

c) os cinco termos de aditamento ao contrato, todos eles assinados por ÁLVARO LUZ, também estampavam o valor do contrato, sob os efeitos da cláusula retroativa, pois os instrumentos de fls. 207/208, volume 1; fls. 293/294, 302/303, 311/312 e 394/395, volume 2; faziam expressa referência ao contrato DGP-26/91, no valor inicial de Cr$ 15.789.683,76.

d) todos os atestados de medições estampavam o índice JANEIRO/90 (cf. fls. 182/190, 219/229, volume 1; fls. 257, 263/277, 244, 251/252, 326/340, 348, 354, 405, 411, volume 2; fls. 422/434, 457/472, 489, volume 3).

e) todos os contratos assinados por ÁLVARO LUZ (cerca

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de 87), continham essa mesma cláusula.

O valor contratual da presente obra, estampado na cláusula 3.12 do contrato DGP- 26/91 (fls. 162, volume 1), refletia exatamente o preço constante na planilha de orçamento e cronograma físico financeiro da obra (fls. 71/84, volume 1, cuja cópia integral, legível e sem recortes se acha juntado às fls. 2756/2772, volume 14), com acréscimo de 4,6% (fls. 155/156 volume 1), índice este previsto expressamente pela própria Administração na cláusula 6a, item 6.1.2 das condições específicas (fls. 44, volume 1).

Assim, se os documentos que deram origem ao valor contratual não foram objeto de questionamento, não há como aceitar o argumento do réu, especialmente quando é baseado unicamente em alegação de praxe pessoal de rubricar todas as páginas de qualquer documento. Aliás, não há, dentre cerca de 87 contratos assinados, nenhum contendo sua rubrica

f) todos os valores contidos nas autorizações de

empenho e notas de empenho assinados por ÁLVARO LUZ na condição de diretor do DERIN tiveram como base contratos contendo a cláusula de retroação, cujos instrumentos foram assinados por seu antecessor, o Delegado Geral de Polícia Amândio Augusto Malheiros Lopes (cf. contratos de empreitada relativas as obras reforma da Cadeia do Guarujá e de construção da Delpol de Iperó, assinados por Amândio, acompanhados da 1ª autorização e 1ª nota de empenho exatamente no valor do contrato – cf. PASTA I, fls. MP 93/111 e 112/131, respectivamente)

Dessa forma, sugerida troca de folhas não bastaria para ocultar de ÁLVARO LUZ a trama urdida.

A propósito, as evidências dos autos bradam no sentido de

que era praxe os funcionários públicos não rubricarem as folhas do contrato, até porque a legislação que então regia o assunto – Decreto-lei n° 2.300/86 (artigos 50 e 54) e Lei Estadual n° 6.544/89 (artigos 55 a 61) – não exigia tal providência. Prova disso, aliás, forneceu REGINALDO PASSOS que ao ser inquirido sobre essa questão

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respondeu, in verbis “o Dr. Rafael trazia a última folha do contrato para o declarante e Maria de Lourdes assinarem, como testemunhas”; “as assinaturas que constam no contrato, cuja cópia está às fls. 115/131, sempre foram providenciadas pelo dr. Raphael Oricchio, tanto na gestão do Delegado Geral Amândio, como durante a gestão do Delegado Geral Álvaro Luz. O dr. Raphael trazia a última folha do contrato para o declarante e Maria de Lurdes assinarem, como testemunhas.”; “que apenas figurava como testemunha nos contratos e assinavam tão somente a última folha”(cf. depoimento prestados nos autos relativos as licitações para reforma da Delpol e Cadeia de Caraguatatuba e reforma da Delpol e Cadeia de Capão Bonito, assim como interrogatório prestado no processo controle 208/00, da 16ª Vara Criminal da Capital, relativo a construção do 2° Distrito Policial de Marília juntados na PASTA II, fls. MP 330/335).

Nesse mesmo sentido o depoimento judicial da testemunha de acusação Maria de Lourdes Sampaio Malaman no processo n. 867/99, da 10 a Vara Criminal da Capital , referente a reforma da Delpol e Cadeia de Santa Isabel (cf. cópia anexa na PASTA II , fls. MP 386/400, em especial fls. 393).

Ademais, oportuno consignar, que recentemente, ÁLVARO LUZ se envolveu em outro caso rumoroso de significativo desvio de dinheiro público, desta feita no âmbito da Administração Federal, quando também aventou a hipótese de remontagem dos autos administrativos, denotando que evasiva dessa natureza, para tentar explicar o inexplicável, tem se tornado uma constante em sua vida profissional, assim como sua assídua presença em casos de vultosos sumiços de dinheiro público (especialmente fls. 33 da cópia da ação civil pública e respectiva decisão prolatada pelo juízo da 1ª Vara Federal de São Paulo juntadas na PASTA I, fls. MP 132/252, em especial fls. 171/172).

A respeito da alegação de ÁLVARO LUZ, oportuno consignar que, ouvido em mais de cem procedimentos administrativos sobre o assunto, jamais lançou qualquer dúvida sobre as dezenas de contratos que firmou como Delegado Geral de Polícia. E importante ressaltar que desde as primeiras investigações policiais, ÁLVARO LUZ sempre teve irrestrito acesso aos autos e, por conseqüência ao contrato e demais documentos que compõem o acervo do certame,

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até em decorrência da alta posição que ocupou na Polícia Civil, o que seguramente lhe permitia livre análise dos autos das sindicâncias e inquéritos policiais.

Esta conclusão acabou sendo confirmada pelo próprio ÁLVARO LUZ ao informar, quando do interrogatório prestado perante o juízo da 15 a . Vara Criminal da Capital, no processo controle 691/00, relativo a construção da Delpol de Boituva (cf. cópia juntada na PASTA I, fls. MP 86/92, em especial fls. 90), que para melhor se inteirar do conteúdo dos inquéritos procurou tirar cópias

Mais, denunciado em mais de 80 casos semelhantes e instado a manifestar-se na fase da defesa preliminar, etapa mais importante para o réu, uma vez que poderia ter evitado o ajuizamento de ações penais , nunca acoimou de falso um só contrato assinado em 1991.

Só recentemente ÁLVARO LUZ inovou seu argumento, quando a Promotoria, em recurso em sentido estrito interposto nos autos do processo controle n° 280/01, da 13 a . Vara Criminal da Capital , sustentou a responsabilidade penal daquele réu em virtude de constar nos contratos a ilegal cláusula retroativa porque não havia como aceitar a tese da ignorância sobre o uso da cláusula financeira de efeitos retroativos em virtude de todos os contratos assinados por ele, sem exceção (cerca de 87) e as planilhas de orçamento, também todas sem exceção, estamparem, com todas as letras e números essa cláusula ilegal.

E foi apenas a partir do final de 2002 que ÁLVARO LUZ passou a impugnar os contratos assinados na fase de defesa prévia, justamente ao tomar conhecimento do teor da manifestação ministerial (vide cópia juntada na PASTA I, fls. MP 01/08)

Até então, ÁLVARO LUZ (assim como BRAGA BRAUN) apostou todas suas fichas na providencial peça pericial na qual se assegurava que os processos licitatórios foram montados de forma a induzir em erro as autoridades policiais hierarquicamente superiores (cf. alegação de fls. 1970, 1993, volume 10, 2150, 2165, última parte, 2166 e 2134, volume 11).

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Assim, porque as flagrantes irregularidades relevadas pelos Delegados de Polícia acima referidos eram de natureza jurídica, e porque os réus em questão são bacharéis em Direito, definitivamente não podem alegar ignorância.

Ainda que se creia, o que sinceramente não é possível, que os Delegados de Polícia não soubessem que deveriam tomar cautelas para a prática de atos tão sérios como a disposição de enorme soma de dinheiro público, não se pode admitir que ocuparam relevantes cargos na maior Polícia Civil do Brasil, desconhecendo o dever de se informar.

É lição básica de Direito que a realização de atos regrados, como é o procedimento de licitação, demanda indubitavelmente o dever de se informar. É que todo aquele que decide assumir cargo que demanda conhecimento específico, como o é o de Delegado Geral de Polícia, presidência de uma comissão de licitação, diretor do DERIN/DEPLAN, tem o dever de informar-se sobre a legislação pertinente as atividades que pretende desenvolver (porque o conjunto de normas prevê as cautelas necessárias para pôr em prática a atividades de tamanha relevância).

Lapidar é a lição de Francisco Assis de Toledo: 51

“A solução, a nosso ver, consiste em adicionar-se à terceira hipótese em exame “o dever de informar-se” para a prática de certas atividades, notoriamente fiscalizadas e regulamentadas. A violação desse dever, exigível de todos que se arrojem a esse tipo de atividade, exclui a possibilidade de erro escusável.”

Ora, a Lei n° 6544/89 é clara ao dispor, encarecer e reiterar que não se pode tomar um procedimento licitatório por outro, que não se pode atribuir efeitos retroativos ao contrato administrativo, que há necessidade de manifestação da assessoria jurídica nos procedimentos licitatórios e nas fases do contrato, que deve ser publicado para tornar-se eficaz.

51TOLEDO, Francisco de Assis - O erro no direito penal. São Paulo, Saraiva, 1977, p. 74,

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Todos esses requisitos são jurídicos, não

demandam conhecimento de engenharia ou contabilidade, e são exigíveis de quem ocupa cargos tão relevantes como são a presidência de uma comissão de licitação, a chefia da Polícia Civil paulista e respectivos departamentos (Deplan e Derin).

Caso os Delegados de Polícia ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN e JOÃO CAPEZZUTTI de fato desconhecessem tais regras legais, seguramente tinham ciência da existência de uma assessoria apta a dirimir qualquer dúvida.

Mas, atuando com evidente sinal de dolo, não

permitiram à Consultoria Jurídica da Pasta da Secretaria da Segurança Pública qualquer intervenção, tanto na fase licitatória, como durante o contrato e sua execução.

Não é possível, assim, a admissão do argumento de erro (enquanto impossibilidade de perceber os vícios da licitação e do contrato).

Não se nega a grande quantidade de serviço a que são submetidos os ocupantes dos cargos de Delegado Geral de Polícia, diretor do DEPLAN, diretor do DERIN e presidente de uma comissão de licitação. O que não se pode admitir, porém, é que tal circunstância seja generosa escusa para conduta que lesou grandemente os cofres públicos.

Por outro lado, não se pode olvidar que a licitação, utilizada como instrumento para a realização do peculato do caso sub judice, é uma dentre mais de uma centena, todas com irregularidades gritantes, que estavam submetidas ao poder fiscalizador que deveria ter sido exercido pelos Delegados de Polícia envolvidos e que, não só deixou de ser exercido, como também foi utilizado para a consecução dos crimes.

Em suma, se os Delegados de Polícia ÁLVARO LUZ,

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BRAGA BRAUN e JOÃO CAPEZZUTTI ainda tivessem alguma dúvida a respeito do assunto, poderiam e deveriam (por mandamento legal) ter se servido da Consultoria Jurídica da Pasta, aliás com muita competência representada pelas ilustres Procuradoras do Estado Maria Cecilia Magalhães Ceregatti, Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi e Anahí Bichir, que sempre estiveram à disposição deles.

Igualmente inviável é que funcionários subalternos, no caso REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO, tivessem contribuído “para que as autoridades policiais hierarquicamente superiores viessem a aceitar, sem conhecimento de ordem técnica, as informações e pareceres eminentemente técnicos...” (fls. 958/959, volume 5), afirmativa repetida em outros laudos, citados pelos réus às fls. 1970/1993, volume 10, conforme chegaram a sugerir os peritos em flagrante e indevida postura subjetiva e desprovida de suporte técnico .

A propósito daquela manifestação subjetiva improcedente, cumpre consignar que, em vista dos documentos juntados pela defesa às fls. 2871 e seguintes, volume 14, incorreu em grave equívoco o ilustre Procurador de Justiça Clovis Almir Vital de Uzeda, quando, manifestando-se em recurso interposto pela Promotoria nos autos do processo n° 681/00, da 25ª Vara Criminal da Capital, e acolhendo como pertinente a sobredita ingerência dos expertos em seara alheia, o que lamentavelmente foi secundado pelo Tribunal de Justiça, consignou que “as perícias são juízo de valor” (sic) e, como tal, teria de ser acolhida quando os peritos afastaram a responsabilidade de ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN.

Ora, diferente do que se sustentou nos documentos juntados, os peritos são chamados a intervir, como técnicos, na análise objetiva de fatos, ou de corpo de delito. Nessa condição, à evidência, não podem expender manifestações subjetivas. Aliás, há poucas hipóteses em que aos expertos é lícito afastar a responsabilidade penal de alguém, contudo, objetivamente, como acontece, por exemplo, no exame grafotécnico, ao esclarecerem se determinada assinatura procedeu, ou não do punho de uma pessoa específica, excluindo-se, à evidência, a co-autoria ou participação.

Porém, é defeso ao perito especular com lastro em

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elucubrações de foro íntimo, simplesmente porque tal procedimento foge à sua função de auxiliar da Justiça em questões de ordem eminentemente técnica.

A propósito, a vingar a tese esposada no parecer sobredito e secundada em acórdão, viabilizada estaria a hipótese seguinte: analisando o percurso de projéteis no corpo de uma vítima de homicídio, poderia o experto concluir que o agente agiu em legítima defesa, estando, em conseqüência, impedida a Justiça de discutir a ocorrência daquela causa de exclusão de antijuridicidade. A impropriedade é manifesta, data venia.

Continuando, no específico caso objeto do referido parecer, os peritos, frise-se, dois engenheiros foram chamados a empreender um laudo de engenharia, em meio do que concluíram, sem qualquer supedâneo técnico, que os réus delegados de polícia teriam sido enganados pelos subalternos. A absurdez da impertinente ingerência nos afigura cristalina.

Afinal, quem faz juízo de valor sobre fatos é o magistrado e não seus auxiliares técnicos. Do contrário, não se justificaria a mantença do Judiciário.

Pior: aquela causa referida acabou sendo decidida por dois engenheiros – cujo mister era, apenas, apurar o que foi e o que não foi feito no prédio de uma unidade policial, bem como o valor total faturado à empreiteira -, que em meio a uma perícia de engenharia, acreditaram, não se sabe por qual motivo, que os delegados ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN teriam sido enganados por funcionários subalternos, o que é uma temeridade.

Além disso, praticamente todas as ilegalidades cometidas são de cunho jurídico. E os graduados em Direito são os réus Delegados de Polícia e não os funcionários subalternos (leia-se REGINALDO e ACÁCIO KATO).

Feita a observação, prosseguimos.

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Quando um grupo se propõe a realizar uma ação ilícita do porte dessas em debate aqui e em inúmeros outros feitos, seguramente não procura funcionários subalternos, hipótese em que a trama correria sérios riscos de ser descortinada logo no nascedouro. Mesmo porque, competia a JOÃO CAPEZZUTTI, como presidente da comissão de licitações, analisar a regularidade dos certames; a ÁLVARO LUZ, como Delegado Geral de Polícia, encaminhar o contrato à Consultoria Jurídica antes de firmá-lo, bem como também encaminhá-lo para publicação e a BRAGA BRAUN, como diretor do DERIN, certificar-se da regularidade das medições, atestados de medição e de realização, antes de autorizar o empenho de valores para pagamento da obra contratada. Logo, a participação dos Delegados de Polícia réus no desvio de dinheiro público era imprescindível.

A propósito, nesse tipo de crime, à evidência, a ação acontece de cima para baixo. Consegue-se primeiro a contribuição dos mais graduados e, depois, a conivência das instâncias inferiores.

Assim, se alguém resolve, por exemplo, aplicar um requintado e lucrativo golpe num banco, certamente não irá convidar para a empreitada um contínuo da vítima eleita, mas sim o gerente dela. Afinal, enquanto aquele primeiro funcionário apenas leva e traz papéis, o segundo organiza, gerencia e decide.

Ademais, atitudes impróprias por parte de um contínuo, de plano chamariam a atenção dos superiores hierárquicos, ao passo que o procedimento de um gerente dificilmente é questionado por inferiores, como, aliás, aconteceu neste caso envolvendo mais de uma centena de licitações, pois mesmo tomando ciência pessoal dos nefastos efeitos da cláusula de retroação, ÁLVARO LUZ mandou deixar as coisas como estavam (cf. interrogatório de REGINALDO PASSOS junto à 5ª Vara Criminal de São Paulo no processo controle 1053/00, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Santa Cruz da Conceição - cf.doc. juntado na PASTA II, fls. MP 317/328).

Ainda que se aceite a palavra de REGINALDO PASSOS no sentido de que ÁLVARO LUZ tomou conhecimento do uso da retroação somente

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depois do julgamento de todos os certames, esse fato não o eximia da obrigação de tomar as medidas necessárias tendentes à anulação do contrato, para impedir ou mesmo minorar os prejuízos sofridos pela Administração em decorrência dos vícios detectados. Aliás, ao contrário do sustentado por REGINALDO PASSOS, as evidências indicam que ÁLVARO LUZ sabia, desde o início, do uso da fraude arquitetada, simplesmente porque, antes de ocupar o cargo de Delegado Geral de Polícia, era o responsável pelo caixa do DERIN como diretor desse órgão (período de 01/01/88 até 18/03/91) e ordenador de despesas.

Somente a partir de 19/3/91 ÁLVARO LUZ passou a ser a autoridade responsável pelo caixa da Delegacia Geral de Polícia, pois nessa data assumiu o posto de Delegado Geral de Polícia, onde permaneceu até 31/03/94.

Para esses dois órgãos é que eram destinadas as verbas para pagamento das empreiteiras: se fossem obras do interior, competia ao diretor de DERIN prover o crédito respectivo e se fossem obras realizadas na Capital e região da grande São Paulo, essa função era atribuída ao Delegado Geral de Polícia.

Como não se tratava de pequenos créditos e sim de elevados montantes, pagos praticamente todos os meses dos anos de 1990/1994, a saída de valores significativos, muito além dos contratos assinados, por certo não passou ao largo da sua observação.

Subordinado algum se atreveria a engendrar uma

centena de licitações flagrantemente fraudulentas à revelia de seus superiores hierárquicos, ainda mais sendo esses superiores escolados policiais, que seguramente não ostentam a ingenuidade como apanágio.

A propósito, em recente artigo sobre o crescimento da

corrupção na iniciativa privada, consignou o articulista Lourival Sant’Anna que “pesquisas nos EUA mostram que as chances de os diretores se envolverem em crimes contra as empresas são 4 vezes maiores do que os gerentes e 16 vezes maiores do que os funcionários do chamado chão de fábrica. Em 97% dos 43 casos de fraude comprovada investigados por Marcelo Gomes, houve envolvimento de

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gerentes ou diretores”52

Aliás, aquela malsinada tese defensória, insustentável

como visto acima, representaria um grande demérito para os réus Delegados de Polícia e para a própria Instituição a que pertenceram, porque seria muito triste e preocupante ao menos imaginar que dois funcionários subalternos pudessem ter enganado, durante mais de três anos, policiais com até trinta anos de experiência - e que justamente por isso ocupavam os mais relevantes postos da Polícia Civil paulista -, arrancando deles, com facilidade ímpar, importâncias equivalentes a 150 milhões de dólares americanos.

Aqui, os Delegados de Polícia envolvidos ocupavam, na

época, postos chaves, competindo-lhes julgar licitações, assinar contratos para a edificação ou reforma de prédios, autorizar a emissão de empenho e assinar notas de empenho tendentes à futura liberação de dinheiro, encaminhar, depois de prévia análise do cumprimento contratual, atestados de medição e realização.

Em suma, sem a conivência dos Delegados de Polícia, os desvios seriam inviáveis.

De qualquer modo, não obstante os conhecimentos do Delegados de Polícia não estivessem ornamentados com as ciências da engenharia e contabilidade e malgrado as irregularidades dissessem respeito à graduação dos réus, como visto acima, é inegável, outrossim, que são alfabetizados e devem ter bom senso, mesmo porque, do contrário, jamais teriam galgado os cargos que ocuparam.

Assim, mesmo que carentes de conhecimentos técnicos sobre orçamentos e obras, numa rápida lida de mais de uma centena de planilhas de orçamentos, contratos e solicitação de empenhos a que tiveram acesso, aqueles réus não poderiam deixar de vislumbrar que algo de muito estranho acontecia.

52 O Estado de S. Paulo, 28.04.2002, Caderno Economia, página B12.

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Explicamos: no específico caso dos autos, que se repetiu mais de cem vezes, na planilha de orçamento e no contrato relativo à reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém, constava que a obra estava orçada em Cr$ 15.095.299,97, ao preço de janeiro de 90, apesar da licitação ter sido empreendida em 27/02/91 e o julgamento das propostas de preço ter acontecido em 04 de março de 1991 (fls. 71/85 e 155, volume 1).

Ora, será que os Delegados de Polícia não perceberam que, em época de acentuado índice inflacionário, os preços orçados se reportavam a 13 (treze) meses antes da licitação?

Será que não desconfiaram os réus do porquê de se ter elegido a mais modesta e informal modalidade de licitação (e de forma sistemática), não obstante tratar-se da reforma de um prédio com 975,75 m2 de área construída que previa, entre outras coisas, a substituição de telhado e respectivo madeiramento, instalações elétricas e hidráulicas, revestimentos de piso e paredes, inclusive argamassa, portas e caixilhos?

Apenas pelo prazer de argumentar, ainda que aquelas

aberrações passassem despercebidas, outras importantes ocorrências verificadas no decorrer do cumprimento do contrato não poderiam ter sido ignoradas, jamais.

Consigne-se, mais uma vez, que pouco mais de um mês depois da assinatura do contrato, ou seja, em 03/07/1991, a seção de finanças solicita do diretor do DERIN o empenho do valor de Cr$15.789.683,76 (fls. 177, volume 1), que representava o valor total do contrato (fls. 162, volume 1).

BRAGA BRAUN aprova, expedindo-se a nota de empenho daquela quantia (fls. 179, volume 1) e sete dias depois BRAGA BRAUN autoriza outro empenho, agora no valor de Cr$ 60.783.713,14 (fls. 180, volume 1), cifra equivalente a 3,7 vezes o valor total do contrato.

Não bastasse isso, conforme já visto acima, foram solicitados inúmeros outros empenhos para pagamento do mesmo contrato, todos, a

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exceção de um, autorizados por BRAGA BRAUN (um deles em seu nome), sem qualquer questionamento.

Ora, mesmo para jejunos em engenharia, mas com conhecimentos elementares de matemática, aliás o que se exige até mesmo para chegar à faculdade, os atestados de “medição” encartados nestes autos não resistiriam a uma perfunctória leitura.

Repita-se: enquanto o valor da primeira medição, relativa a suposta execução de apenas 40,32% dos serviços contratados (fls. 181/190, volume 1), alcançou o singelo valor Cr$ 6.366.208,87 (fls. 181, volume 1), apenas os reajustes provisório, complementar e definitivo dessa medição, atingiram o montante de Cr$ 93.937.868,21 (fls. 181, volume 1, fls. 256, volume 2 e fls. 218, volume 1), que suplantava em 5,9 vezes o valor total do próprio contrato, que era de Cr$ 15.789.683,76 (fls. 162, volume 1), o que por si só dava claras mostras da irregularidade praticada, em especial porque aquela medição inicial aconteceu em 05/07/1991, portanto, 4 (quatro) meses após o julgamento de preços e 41 (quarenta e um) dias e depois da assinatura do contrato, períodos não suficientes para tamanha defasagem entre o valor contratado e o valor pago em razão da primeira medição (que representava 40,32% da obra) e seus reajustes mesmo frente aos elevados índices inflacionários da época.53

A verdade dos números evidenciava sobremaneira a criminosa retroação de preços.

E não era preciso ser engenheiro para perceber o desvario. Nem mesmo era necessário ser um experto em matemática, bastando uma noção elementar daquela ciência, para notar o desproporcional aumento do valor do contrato decorrente exatamente dos reajustes ilegais, o que tornava clara a existência de uma grave irregularidade, que era de conhecimento de BRAGA BRAUN.

53 cf. dados constantes na revista Conjuntura Econômica os índices de inflação do ano de 1991 foram: fev. (21,1%), março (7,2%), abril (8,7%), maio (6,5%), junho (9,9%), julho (12,8%), agosto (15,5%), set. (16,2%), out. (25,8%), nov (25,8%), dez. (22,1%).

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Com efeito, quando do interrogatório judicial, prestado

perante o juízo da 3ª Vara Criminal da Capital, no processo controle 688/00 (ref.

construção da Delpol de São João do Pau D’Alho), quiçá por distração e num

momento de deslize, acabou revelando, in verbis, “Então tem coisa ai que até assusta, porque a gente percebia quando chegava o primeiro pagamento, que era parcial, o valor que a obra tinha era x%, era quase igual...” (cf.doc. juntado na

PASTA II, fls. MP 255/267).

Ora, malgrado BRAGA BRAUN não tenha concluído sua confissão, por certo porque percebeu a tempo a gravidade da sua afirmativa, é certo que admitiu que, não obstante percebesse que o primeiro pagamento, referente a uma porcentagem mínima da obra, já consumia o valor total do contrato, absolutamente nenhuma providência tomou, não obstante fosse o ordenador de despesas.

Cumpre anotar, por oportuno, que o próprio BRAGA BRAUN confirmou em seu interrogatório colhido nos autos do processo nº 691/00, da 15ª Vara Criminal da Capital (construção da Delpol de Boituva), que “eu via o que interessava, coisas que eu tinha que assinar, entre outras coisas, ordens de empenho, início e avanço de obras”, acrescentando que “existiam duas folhas seguintes ao laudo de vistoria, que diziam quando uma obra foi iniciada e quanto ela foi avançada” (cf. cópia juntada na PASTA II, fls. MP 277/284). Nesse mesmo sentido o interrogatório prestado perante o juízo da 14ª Vara Criminal da Capital, referente a licitação para construção do necrotério de São José dos Campos (cf. cópia na PASTA II, fls. MP 268/277)

Ora, os documentos aos quais BRAGA BRAUN se debruçava eram justamente aqueles que, dentre outros, consignavam a ilegal retroação, como pode ser visto, por exemplo, em fls. 182/190, 219/229, volume 1; fls. 244, 251/252, 257, 263/277, 326/340, 354, 405, 411, 422/434, volume 2; fls. 442/447, 457/472 e 489, volume 3, que estampam que os preços eram de janeiro/90.

É bem verdade que os elementos dos autos não nos dão

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conta da motivação que empolgou os atos criminosos dos réus Delegados de Polícia, de modo que, sobre isso, só é possível a especulação.

Poder-se-ia cogitar que esta ação criminosa objetivou, por exemplo, o aporte de recursos para caixa de campanha eleitoral de algum político ou grupo político, pois, como é sabido, no Brasil empreiteiras são habituais doadoras de dinheiro para campanhas de candidatos a cargos eletivos. E obviamente não fazem isso gratuitamente, apostando na virtude do candidato aquinhoado.

Poder-se-ia pensar também na hipótese dos Delegados de Polícia terem contribuído para o desvio de dinheiro na ânsia de manter-se nos altos cargos da hierarquia policial ou para serem favorecidos, de alguma forma, no futuro, com algum cargo de maior prestígio político, quer no âmbito da Polícia Civil, quer fora dele.

Porém, qualquer cogitação a respeito do ânimo que motivou os réus funcionários públicos seria fruto de mera especulação.

De qualquer forma, o fato de não se conhecer a razão que levou os réus à prática do crime de peculato-desvio, não constitui motivo para fundamentar a absolvição dos agentes, uma vez que percorreram todas as letras do dispositivo de lei em debate, estando o crime aperfeiçoado em todos os seus termos.

Optar por um decreto absolutório sob a alegação de que não se apurou a motivação do crime, seria o mesmo que absolver um homicida cuja motivação do crime não foi estabelecida, malgrado as evidentes provas que o apontassem como o autor do crime.

A propósito, em crimes dessa natureza a identificação do destino total ou parcial do produto do ilícito é, em regra, muito difícil de se aferir, pois o tráfico da função pública, notadamente pela elite dos agentes administrativos, é feito longe dos olhares indiscretos e sob disfarces, mais ou menos sutis, destinados a iludir eventual espectador e a embaraçar a descoberta da verdade. Além disso, seus autores têm verdadeira aversão por recibos e por testemunhas estranhas à societas

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sceleris, normalmente adotando cautelas para evitar quaisquer prova.

De resto, a identificação da motivação do crime reclama uma tormentosa introspecção do processo psicológico, não havendo como penetrar no foro íntimo dos agentes para aferição do dolo, o que, aliás, não exige e nem cogita o tipo penal em estudo, bastando para aperfeiçoamento do tipo a comprovação do consciente desvio ilícito do dinheiro público, em benefício próprio ou alheio, por parte do funcionário público que tem a posse da coisa, o que efetivamente ocorreu no presente caso.

5.2. JOÃO CAPEZZUTTI NETTO E ACÁCIO KATO, COMO MEMBROS DA COMISSÃO JULGADORA DE LICITAÇÃO.

Inicialmente cumpre fazer uma breve retrospectiva sobre a vida profissional pregressa de JOÃO CAPEZZUTTI.

Como se mencionou alhures, JOÃO CAPEZZUTTI esteve à frente da divisão de materiais do DEPLAN a partir de 19/08/89, e várias vezes foi designado presidente da comissão julgadora de licitação, a partir de 1984, exercendo seus misteres juntamente com ACÁCIO KATO ({licitações realizadas junto ao DADG, DEPC e DEGRAN) (cf. cópia do prontuário funcional anexo na PASTA II, fls. MP 298/305}).

Em 21.03.90, JOÃO CAPEZZUTTI tornou-se presidente da Comissão Julgadora de Licitação, integrada, também, por ACÁCIO KATO e pelo falecido Rafael Oricchio Neto, por força da portaria DGP nº 5, cuja eficácia se esvaiu com o advento da Lei Federal nº 8666, de 21/06/93 (cf. doc. juntado na PASTA II, fls. MP 297)

A partir desta data todas as licitações realizadas pela Delegacia Geral de Polícia passaram a ser comandadas por JOÃO CAPEZZUTTI.

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Assim, como se nota, há muito tempo JOÃO CAPEZZUTTI atuava na área de licitações.

Não é por outra razão que por ocasião do interrogatório realizado pelo douto juízo da 15ª Vara Criminal da Capital, JOÃO CAPEZZUTTI até se vangloriou dos seus conhecimentos sobre licitação, referindo, inclusive, que chegou a fazer curso de licitações, portanto “navegando” razoavelmente nesta área (cf. termo de interrogatório ora juntado do processo nº 691/00, referente à construção da Delpol de Boituva - PASTA II, fls. MP 307/310, em especial às fls. 313), afirmação da qual não se pode colocar em dúvida dado o longo tempo de sua atuação nesta área.

E não se perca de vista que no processo nº 1088/99, da 2ª

Vara Criminal da Capital, o próprio réu JOÃO CAPEZZUTTI disse que “acredita ter sido nomeado pelo delegado geral para a comissão julgadora por sua experiência administrativa..” (cf. doc. ora juntado na PASTA II, fls. MP 306).

Pois bem, um homem com a experiência administrativa difundida pelo próprio acusado, logo perceberia que, em mais de cem certames, estava havendo um revezamento de CONVITES entre um pequeno grupo de empreiteiras (como também dos beneficiários do objeto da adjudicação), não obstante mais de uma centena de empresas estivessem aptas a ser convidadas (cf. cópia do registro cadastral do DEPLAN juntado às fls. 1849/1925, volume 10), todas, estranhamente com sede/escritório na Capital, exceto uma delas, a Estrutura Construtora e Incorporadora, muito embora a maioria esmagadora dos prédios a serem construídos/reformados estivesse localizada no interior do Estado.

Também não passaria despercebido o uso da cláusula de retroação na planilha de orçamento uma vez que a cláusula 6.1.2 das condições específicas ao convite 026/91 (fls. 44, vol. 1) se reportava expressamente ao valor estimado da obra e seu índice encontrava-se explicitado na planilha de orçamento, que está às fls. 456/466, volume 2.

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Tanto isso é verdade que em seu interrogatório colhido nos autos do processo controle 88/01, da 4ª Vara Criminal da Capital (reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itararé), ACÁCIO KATO disse com todas as letras que quando as licitações passaram a ser feita pela modalidade CARTA CONVITE ele observou que havia uma defasagem entre a data base do orçamento e a data do certame, possibilitando o uso de modalidade inadequada de licitação, razão pela qual comunicou o fato a JOÃO CAPEZZUTTI e a Rafael Oricchio, havendo o primeiro respondido que a comissão naquela altura dos acontecimentos não tinha que opinar sobre isso e o segundo que não tinha problema algum (cf. cópia do interrogatório juntada na PASTA II, fls. MP 336/348).

O engenheiro ACÁCIO KATO, por sua vez, além de membro da Comissão Julgadora de Licitação, era responsável, como fiscal do Centro de Engenharia do DEPLAN, pela elaboração dos cálculos de medição que só ele sabia fazer, como foi dito pelo próprio réu quando do interrogatório prestado junto à 4ª Vara Criminal da Capital, no proc. controle 88/01 (reforma da Delpol e Cadeia de Itararé) e comprovado pela documentação juntada na PASTA II, fls.MP 369/385, o que o obrigava a tomar conhecimento do índice JANEIRO/90 para elaboração dos cálculos devidos em razão das falsas medições.

Por outro lado, como membros da Comissão Julgadora de Licitação, JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO tinham conhecimento de pelo menos quatro vícios que inquinavam o procedimento licitatório e, mesmo assim, não tomaram providências para invalidar o certame, o que deveriam ter feito em obediência à lei (artigo 44 da Lei n° 6544/89), porque assim exigia a situação, manifesta prova do dolo que os animou.

São eles:

a) Orçamento de preços com defasagem de 13 (treze) meses, aproximadamente.

b) Eleição ilegal da modalidade CARTA CONVITE, quando o correto seria a TOMADA DE PREÇOS.

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c) Reiteração de convites sempre às mesmas empresas, que compunham um restrito grupo, malgrado mais de uma centena de empreiteiras estivessem cadastradas no Centro de Engenharia.

d) Inexeqüibilidade das propostas apresentadas pelas empresas participantes do convite.

JOÃO CAPEZZUTTI, ACÁCIO KATO, membro 1, e Raphael (já falecido), membro 254, nos anos de 90/91, tinham conhecimento da eleição ilegal da modalidade licitatória CONVITE, baseada na retroação de preços.

Com efeito, o procedimento da licitação sempre é iniciado com a abertura do procedimento administrativo, devidamente autuado, protocolizado e numerado, contendo a autorização respectiva e a indicação sucinta do seu objeto, acompanhado dos documentos já mencionados, quais sejam, as condições específicas da licitação, cópia da declaração de compromisso, termo de proposta de preço, minuta do contrato, orçamento de preços, tabela de desembolso, cronograma físico financeiro da obra, memorial descritivo e especificações técnicas e critério de medição (fls. 39/125, volume 1).

Somente depois da regularização do procedimento licitatório, conforme exigência do artigo 35, caput, da Lei Estadual n° 6544/89, ele é encaminhado para conhecimento da Comissão Julgadora de Licitação.

Esta nossa posição encontra conforto no entendimento doutrinário. É por isso que sustenta Toshio Mukai:

“A fase de julgamento das propostas comporta um exame preliminar de cada uma delas, sob o aspecto formal e de conteúdo.Poderá, nesta fase preliminar, haver a desclassificação de proposta, ou por sua desconformidade com o edital e convite ou por seu conteúdo” 55 (grifo

54Cf. portaria da Delegacia Geral de Polícia 05/90 (PASTA II, fls. MP 297)55Estatutos Jurídicos de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Saraiva, São Paulço, 1990, 2ª edição, p. 65

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nosso).

O trabalho da Comissão Julgadora de Licitação não poderia, pois, jamais se limitar à abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes, exame dos preços ofertados e a classificação das propostas, baseando-se no menor preço ou realização de um sorteio em havendo ofertas idênticas.

Essa convicção é fruto também da análise dos documentos juntados nos autos, pois de acordo com o item 6.5 das condições específicas (fls. 44, volume 1) a Comissão Julgadora de Licitação, lastreada em três motivos, tinha poderes para desclassificar as propostas:

Item 6.5.1 Tiverem seus valores com intervalos superiores às variações permitidas pela D.G.P., quais sejam, acréscimo superior a cinco por cento (5%) e redução superior a cinco por cento (5%).

Sem o conhecimento dessa condição específica da licitação, não havia como saber qual era o valor do orçamento e, conseqüentemente, do índice de variação do preço, permitido pela Delegacia Geral de Polícia, a ser proposto pelo convidado .

Item 6.5.2 Não atenderem as condições específicas e todos seus anexos.

A Comissão Julgadora de Licitação necessariamente teria de conhecer as condições específicas e seus anexos, ou seja, toda a documentação existente no procedimento licitatório, para basear uma desclassificação fundamentada neste item.

Em conhecendo tais documentos, é forçosa a conclusão de que JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO tinham ciência da cláusula de retroação contida no orçamento de preços para a reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém, pois nele havia expressa menção do índice janeiro/90 (cotação

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de preços de serviços e materiais a preços de janeiro de 1990), não obstante ter sido a licitação autorizada em 27 de fevereiro de 1991- (fls. 33, volume 1) e, em conseqüência, da forma pela qual foi escolhida a modalidade carta-convite. Aliás, na própria cláusula 6.1.2 do termo de condições específicas (fls. 44, volume 1) da presente licitação e que fazia parte integrante dos convites encaminhados às empreiteiras, constava que o orçamento estimado pela Delegacia Geral de Polícia bem como seu índice-base, encontravam-se na planilha de orçamento (no qual estava inscrito que o valor da obra era de Cr$15.095.299,97 a preço de janeiro de 1990).

Item 6.5.3 Revelarem-se manifestamente inexequíveis (grifo nosso).

Sem o conhecimento prévio de todos os documentos que faziam parte do procedimento licitatório, era impossível saber se determinada proposta poderia ser considerada exeqüível ou não.

Por outro lado, as propostas apresentadas pelos ofertantes pecavam pela falta de seriedade, porque os documentos entregues aos participantes não faziam menção a dimensão do imóvel a ser reformado, nem forneciam a relação das áreas a serem revitalizadas, muito menos o padrão de acabamento a ser adotado. Nem mesmo um simples croqui fazia parte da documentação relativa a presente licitação, para que os convidados pudessem ter uma idéia, ainda que aproximada, do tipo de edificação cuja reforma era objeto da licitação.

O orçamento sintético de preços (fls. 71/87, volume 1),

nada mais era do que uma simples listagem de materiais e preços, cujos quantitativos não permitiriam, por si só, que o proponente tivesse conhecimento do tipo e dimensão do prédio a ser reformado e, desta forma, pudesse apresentar proposta idônea.

Não foi por outra razão que os peritos alertaram na peça pericial, às fls. 958, volume 5 “deve-se consignar que, os processos

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licitatórios analisados não possuem os elementos técnicos indispensáveis para a realização das propostas técnicas e muito menos com os prazos apresentados...”

Os fatos acima apontados levam à segura conclusão de que os proponentes, contando com a conivência de JOÃO CAPEZZUTI e ACÁCIO KATO, apresentaram suas ofertas de preço apenas para dar uma aparência de seriedade a esse simulacro de licitação.

Importante observar nesse passo que a partir de 21.03.90 (data da nomeação da comissão) e até o final do ano de 1991, JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO julgaram mais de uma centena de propostas de licitação para reformas e construções de unidades policiais, todas na modalidade CARTA-CONVITE, nas quais se repetia, com uma constância inusitada o nome das mesmas empresas convidadas, cerca de dezoito, malgrado mais de cem estivessem cadastradas no Centro de Engenharia do Deplan (fls. 1849/1925, volume 10) e, portanto, aptas a participarem de licitações, o que já constituía um forte indício da existência de irregularidade no procedimento licitatório e estava a exigir uma averiguação.

Somente entre os dias 04 a 06 de março de 1991, JOÃO CAPEZZUTTI, ACÁCIO KATO e Rafael Oricchio julgaram cerca de 73 propostas de preço, sagrando-se como vencedoras as seguintes empresas: Construtora Zocolotto (08 vezes), Consesp Construções Especiais (06 vezes), Teor Engenharia (08 vezes), Construtora Esteves (05 vezes), Construdaotro Construções (10 vezes), Conduto Engenharia e Construções (08 vezes), Tecnosul (04 vezes), São Quirino Engenharia e Comércio (05 vezes), B&Z Construções e Informática (10 vezes), Elotec Construções (05 vezes), Construmor (03 vezes) e Estrutura (01 vez) (cf. atas de licitações juntadas na PASTA III, fls. MP 546/619)

Se esse revezamento entre as convidadas foi notado até por quem nem sequer se fez presente nos julgamentos, nem interveio em momento algum seja na licitação, seja na execução do contrato, como, por exemplo, pela

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testemunha Luiz Antonio Alves dos Santos Souza (2986/2988, vol. 14), pela Procuradora do Estado Ana Maria de Oliveira Rinaldi cujo parecer foi no sentido de que “da relação apresentada constam 93 convites em que houve simples revezamento entre as convidadas. E ainda há cerca de 05 procedimentos a ser examinados nesta Consultoria Jurídica, encaminhados por suspeita de também estarem maculados irremediavelmente.”(fls. 674, volume 4).

Os peritos de engenharia também fizeram referência a existência de um cartel limitado de empresas participando de licitações (vide laudo complementar n° 30.094/01, relativo a reforma da Delpol e Cadeia de Barueri, juntado na PASTA IV, fls. MP 731/740, em especial fls. 736).

Ora, se todas essas pessoas, que nem participaram do certame, perceberam a existência desse rodízio de empresa, porque esse fato também não chamaria a atenção de JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO que participaram diretamente do certame e mantiveram contato com todas as empresas convidadas?

Forçoso concluir diante desse quadro probatório que as empreiteiras participantes dos diversos certames faziam parte de um grupo restrito de empresas, que se alternavam na condição de vencedora, sendo certo que algumas delas só concorriam para compor o número de empresas convidadas, como foi visto às fls. 31/32 da presente manifestação.

JOÃO CAPEZZUTTI NETTO, ACÁCIO KATO e o finado Rafael Oricchio concorreram para que uma outra irregularidade maculasse o procedimento licitatório: falta de exame preliminar da situação contratual e idoneidade das empresas convidadas.

Precisa a respeito a lição de Hely Lopes Meirelles:

“Habilitação ou qualificação do proponente é o reconhecimento dos requisitos legais para licitar, feito por comissão ou autoridade competente para o procedimento licitatório. É o ato prévio do julgamento das propostas. Embora haja interesse da Administração no comparecimento do maior

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número de licitantes, o exame das propostas, restringe-se àquelas que realmente possam ser aceitas, em razão da pessoa do proponente. Isto porque a Administração só pode contratar com aquela que tenha qualificação para licitar, ou seja, o interessado que, além da regularidade com o Fisco, demonstre capacidade jurídica para o ajuste; condições técnicas para executar o objeto da licitação; idoneidade financeira para assumir e cumprir os encargos e responsabilidade do contrato...No convite, a habilitação é a priori e para cada caso, visto que a Administração convoca aqueles que julga capacitados e idôneos para executar o objeto da licitação...”56

“... é formalidade essencial da concorrência, destinando-se a comprovar a plena qualificação dos interessados para a execução de seu objeto, de acordo com as condições especificadas no edital. É a verificação da idoneidade dos concorrentes, sob o quádruplo aspecto jurídico, fiscal, técnico e financeiro.” 57

O prévio registro cadastral de uma empresa junto à Administração substitui a comprovação da idoneidade dos concorrentes, como também é verdade, em se tratando da modalidade de convite, da desnecessidade do convidado estar inscrito neste registro cadastral.58

No DEPLAN havia uma comissão de registro cadastral, da qual faziam parte entre outros, REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO, no qual estavam registradas 102 empresas até dezembro/90 (cf. cadastro de fls. 1849/1925, volume 10).

Acontece que nos autos do procedimento licitatório não há nenhum indicativo de que a Comissão de Registro Cadastral ou a Comissão Julgadora de Licitação, na fase preliminar do julgamento das propostas, tenha verificado previamente se as empresas convidadas estavam realmente cadastradas no DEPLAN, examinando a sua idoneidade. Nem mesmo há notícia, em se tratando de participação de empresa não cadastrada, de que uma dessas duas Comissões tenha feito uma avaliação prévia da capacidade e idoneidade da participante. E 56 in, Licitação e Contrato Administrativo, Revista dos Tribunais, São Paulo, 5a. edição, 1983, p. 114/115 57 in Meirelles, Hely Lopes, “Licitação e Contrato Administrativo”, Editora Malheiros, São Paulo, 1999, 12ª edição, p. 7358 Cf. art. 22,inciso III, da Lei 6544/89

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diante da circunstância de que não haviam sido os convites expedidos por ordem da Comissão de Licitação, constituía um dever dos seus membros averiguar se as empresas escolhidas eram idôneas ou não, porque eram eles quem iriam escolher uma delas como vencedora do certame. Ou então, ao menos apurar se havia sido feita uma prévia averiguação da idoneidade de cada uma delas.

Outro fato a incriminar JOÃO CAPEZZUTTI se deve ao seguinte: muito embora ele tivesse conhecimento da inidoneidade e ausência de seriedade da proposta classificada em primeiro lugar, em razão dos motivos expostos anteriormente, houve por bem proceder à adjudicação do objeto do contrato à construtora Construdaotro (doc. de fls. 157, vol. 1), o que não deveria ter ocorrido, porque o preço ofertado jamais era passível de ser qualificado como aceitável, em razão do orçamento não refletir o valor de mercado da obra, uma vez que a cotação de materiais e serviços se baseou em preços de 13 meses atrás, apesar dos altos índices de inflação.

Mesmo ante a prática dessas flagrantes ilegalidades - planilha de preços baseados em valores retroativos; falta de seriedade das propostas apresentadas; eleição ilegal da modalidade CONVITE; repetição de convites às mesmas empresas, JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO não tomaram nenhuma providência para anular o procedimento licitatório, compactuando com o prévio ilícito cometido pelo então Delegado de Polícia Amândio Augusto Malheiros Lopes e pelos integrantes do Centro de Engenharia do Deplan REGINALDO PASSOS (chefe) e ACÁCIO KATO (engenheiro fiscal), cujo órgão tinha como atribuição, entre outras coisas, a de elaborar projetos para reformas e ampliações e emitir pareceres técnicos em edificações e conservação dos imóveis da Polícia Civil.

Nem se argumente que JOÃO CAPEZZUTTI estava impedido de providenciar a anulação do certame pelo fato da autorização ter partido do Delegado Geral de Polícia em face do que dispunha o artigo 44 da Lei n° 6544/8959 .

O artigo em questão dava à Administração o poder-dever

59. Art. 44 da Lei 6544/89: A Administração poderá revogar a licitação por interesse público, devendo anulá-lo por ilegalidade, sempre em decisão fundamentada, de ofício ou mediante provocação.

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de anular a licitação sempre que detectatada alguma ilegalidade.

Outra prova dessa fraude, montada para o desvio de dinheiro público, se constata pela coincidência de dia e horário do julgamento de algumas propostas de preço.

Exemplo disso se verificou no julgamento das propostas de preço:

a) No dia 09/10/90 às 15.00 horas, licitações para:

reforma e ampliação da Cadeia de Mogi Mirim; reforma do ambulatório do DADG e construção da Delegacia de Polícia de Bom Jesus dos Perdões (cf. docs. anexos

na PASTA III fls. MP 631/636).

Note-se que, a par da coincidência de dia e horário, no primeiro caso (reforma e ampliação de Mogi Mirim), e não obstante a existência de uma comissão julgadora, o julgamento das propostas ficou unicamente ao encargo de JOÃO CAPEZZUTTI. Nos dois últimos casos, houve a participação tão somente de JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO no julgamento das propostas de preço, outra evidência de que o certame foi realizado para servir de meio para desfalcar o erário.

b) No 06.03.91 às 14:30 horas, licitações para:

reforma da Delegacia de Polícia de Ribeirão Pires e reforma da Delegacia de Policia e Cadeia Pública de Cotia (cf. docs juntados na

PASTA III, fls.MP 610/611). Mais uma vez, julgamentos simultâneos de duas licitações distintas.

O excessivo número de reuniões agendadas para a abertura das propostas e julgamento num mesmo dia também coloca sob suspeição a seriedade do julgamento realizado pela Comissão Julgadora de Licitação.

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Assim é que no dia 04.03.1991, conforme levantamento realizado até o presente momento, foram abertas propostas de 26 diferentes licitações; no dia 05.03.1991: 25 licitações; no dia 06.03.1991: 22 licitações, sendo certo que em cada uma delas foram expedidas quatro convites para quatro empresas diferentes, totalizando 292 convites. Entre um e outro julgamento, excetuando as reuniões que tiveram coincidência de horário, foi destinado supostamente o intervalo de 15 minutos. Nesse espaço de tempo seria inexeqüível atender o preceito do artigo 40 da Lei Estadual n° 6544/89, que exigia a abertura, em ato público, dos dois envelopes (envelope 1 - termo de credenciamento declaração de compromisso e envelope 2 - proposta de preço), devendo toda essa documentação ser rubricada pelos licitantes presentes e pela Comissão Julgadora de Licitação).

Essa conclusão foi confirmada pela testemunha Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi que, inquirida como testemunha de acusação no processo n. 517/00, da 29ª Vara Criminal da Capital, referente a licitação para reforma da Delpol e Cadeia de Ubatuba esclareceu que pela sua experiência uma tramitação bem célere do licitação na modalidade CARTA-CONVITE até a adjudicação do objeto levaria 03 semanas (neste caso só levou 06 dias corridos) e o julgamento de propostas de preço levaria em torno de uma hora (cf. depoimento juntado na PASTA II, fls. MP 435/445, em especial fls. 441).

Essa mesma testemunha afirmou que os julgamentos das propostas de preço foram realizados com uma rapidez incomum e embora a licitação na modalidade CARTA-CONVITE tenha um procedimento mais célere é incomum conseguir expedir os convites e homologar o resultado do certame em menos de uma semana, pois pela sua experiência de dez anos de consultora jurídica da secretaria nunca havia visto um procedimento na modalidade convite ser concluído em menos de 03 ou 04 semanas. (fls. 2844/2845, volume 14).

E malgrado a necessidade de um trabalho mais do que compulsivo, quase sobrenatural, para cumprir o mister da Comissão de Licitação, a funcionária do Deplan Maria de Lourdes Sampaio Malaman, embora eleita secretária da comissão, não participava efetivamente dos atos de abertura das

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propostas de preço (cf. depoimento prestado no processo n° 867/99, refere reforma da Delpol e Cadeia de Santa Isabel, da 10ª Vara Criminal da Capital – PASTA II, fls.MP 386/400, em especial fls. 390). Seguramente mais uma evidência de que as licitações realmente foram uma falácia e, por isso, JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO prescindiam da presença da secretária da Comissão de Licitações, até mesmo para evitar o conhecimento desse fato por parte de terceiros, estranhos ao esquema criminoso.

Aliás, a partir do momento em que a Administração passou a fazer as licitações na modalidade carta convite ACÁCIO KATO participou somente das primeiras reuniões de julgamento das propostas de preço, ocorridas, diga-se de passagem no início do ano de 1990, e depois a não participar mais, pois não havia mais necessidade de avaliação das propostas técnicas (cf. interrogatório prestado na 4ª Vara Criminal da Capital, proc. 88/01, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Itararé (cf. cópia juntada PASTA II, fls. MP 336/348.)

Outrossim, há revelações que são a pá de cal sobre o envolvimento de JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO:

1. Paulo Antonio de Lima, credenciado para representar a Construdaotro na cerimônia de abertura e julgamento das propostas de preço (fls. 126, volume 1), refere não ter firmado documentos relativos a esta licitação (fls. 995, volume 5).

2. Ailton José Dias, credenciado para representar a Construtora Esteves na cerimônia de abertura e julgamento das propostas (fls. 129, volume 1), refere jamais ter trabalhado para tal empresa, sendo que, na verdade, foi empregado da Construdaotro Construções (vide cópia da sua CTPS às fls. 1104/1112, vol. 6). Disse que um dos funcionários que trabalhava no departamento de licitações da Construdaotro, Roberto Lotito, pedia para assinar documentos como se estivesse representando uma outra empresa em licitações. Roberto Lotito dizia-lhe que era para ele assinar “só para fazer número”, uma vez que não precisava da sua presença no local onde ocorreria a licitação, ou seja, na rua Brigadeiro Tobias, 527, 14° andar, razão pela qual consultou seu superior, Eduardo Ramos, o qual lhe

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aconselhou a assinar referidos documentos sem susto. Por fim reconheceu sua assinatura nos documentos de fls. 125, 126 e 127, informando que os assinou a pedido de Roberto Lotito (cf. depoimento judicial de fls. 2952/2953, volume 14).

3. Evandro Nazaré, pessoa credenciada para representar a Elotec na cerimônia de abertura e julgamento das propostas (fls. 132, volume 1), embora fosse empregado, de fato, da Elotec, não reconheceu como sua nenhuma das rubricas apostas nos documentos de fls. 132 e 138, muito menos as lançadas às fls. 126 a 154, volume 1. Aliás, sequer tinha ciência desse credenciamento, além de jamais ter comparecido à delegacia Geral de Polícia para acompanhar a abertura e julgamento de propostas em licitação (cf. depoimento judicial de fls. 2581/2582, volume 13).

4. Jonas Agnaldo Pires, credenciado para representar a Construtora Zocolotto (fls. 135, volume 1), assegurou não ter assinado documento de fls. 107, referindo desconhecer o seu credenciamento. Mais, admite ter assinado, como susposto diretor da Construtora Esteves, os documentos de fls. 101 (atual n° 129, tratando-se da carta de credenciamento de Ailton José Dias), fls. 102 (atual n° 130, tratando-se da declaração de compromisso da Esteves), fls. 115 (atual n°143, tratando-se da proposta de preço da Esteves), bem como também aqueles de fls. 104 (atual n° 132, tratando-se do credenciamento de Evandro Nazaré), fls. 105 (atual n° 133, tratando-se da declaração de compromisso da Elotec) e fls.119 (atual n° 147, tratando-se da proposta de preço da Elotec), como suposto representante legal da Elotec Construções. Disse tê-los assinado irregularmente a pedido de Waldec Araújo Nogueira seu superior na empresa Zocolotto (fls. 2827/2828, volume 14).

Jonas Agnaldo Pires era, à época desses fatos, empregado da Consesp Construções Especiais Ltda (gerenciada, entre outros, pelos réus CELSO EDUARDO e VIVALDO JÚNIOR como será comprovado mais adiante no item 5.4, da presente manifestação) conforme comprova a cópia da sua carteira de trabalho juntada na PASTA III, fls. MP. 666/671

O laudo grafotécnico de fls. 2746/2755, volume 14, confirmam as afirmações sobreditas, em especial:

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1. Antonio Jesus da Silva assinou termo de abertura das

propostas ao convite 26/91 e desistência de recurso juntado às fls. 110 (atual fls. 138, volume 1) pela Construdaotro e Zocolotto, o que fez ele no lugar do credenciado Jonas Agnaldo Pires (cf. conclusão pericial de fls. 2752, vol. 14). Antonio era empregado da Construdaotro, à época dos fatos (fls. 1284, vol. 7°) e procurador da Consesp Construções Especiais (cf. procuração de fls. 1258, vol. 7).

2. Ailton José Dias assinou o termo de abertura das propostas ao convite 26/91 e desistência de recurso juntado às fls. 110 (atual fls. 138, volume 1) pela Esteves (cf. conclusão pericial de fls. 2752, vol. 14).

3. Jonas Aguinaldo Pires assinou credenciamento, declaração de compromisso e propostas como diretor da Elotec e também como diretor da Esteves (cf. conclusão pericial de fls. 2752, vol. 14), deixando, porém de assinar a ata em nome da Zocolotto, o que foi feito, irregularmente por Antonio Jesus da Silva.

Em suma, essa pândega que foram as mais de cem licitações, inclusive esta em debate, onde o credenciado de uma empresa assinava por outra, ou então assinava por duas participantes, noutros casos o credenciado jura nem mesmo ter ciência do credenciamento, aliado à curiosa circunstância da secretária da Comissão de Licitação, Maria de Lourdes Malaman, não ser sequer convidada a participar das reuniões, como também somada à circunstância do presidente da Comissão Julgadora de Licitação dispensar um dos seus membros nomeados – ACÁCIO KATO, com sua anuência –, não deixa dúvida alguma da mentira que foram os certames e do pouco cuidado que se teve para tentar encobertar essa fraude.

E é evidente que tamanha desfaçatez torna incontestável o envolvimento, em toda a trama, dos componentes da comissão de licitações, no caso JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO. Aliás, óbvio que a postura dos empreiteiros, ao credenciarem pessoas que sabidamente não compareceriam para representar as empresas participantes do certame,

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somente se justificava com a certeza e garantia de que dispunham de que aquelas irregularidades não trariam qualquer implicação em desfavor das empreiteiras, o que se explica, à evidência, com o prévio concerto de todos, em especial do presidente e membros da comissão de licitações.

Essa convicção se reforça porque em outros julgamentos de propostas de preço, como por exemplo, nos casos de licitações para:

a) reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Ribeirão Pires (CONVITE 71/91): a empresa Estrutura Construtora e Incorporadora indicou Marina Rull Fernandes para comparecer no dia do julgamento das propostas de preço para o fim de zelar pelos interesses dessa empresa (cf. carta de credenciamento de fls. 1220, volume 7). Por sua vez, a empresa Fortenge Construções e Empreendimentos indicou para esse mesma licitação, a pessoa de Walquíria José da Silva (cf. carta de credenciamento de fls. 1222, vol. 7). E finalmente, a Teor Engenharia Ltda indicou Irene Alves dos Santos, empregada da Conduto Engenharia e Construções Ltda (cf. carta de credenciamento de fls. 1224, vol. 7 e cópia da CTSP às fls. 1271 e seguintes, vol. 7).Porém, pasmem, no dia da reunião de julgamento das propostas de preço do convite 71/91, assinam a ata de desistência de recurso acostado às fls. 1226, volume 7: Paulo Antonio de Lima, no lugar de Irene Alves dos Santos, conforme depoimento de fls. 1227, volume 7) e Roberto Lotito, no lugar de Walquiria José Dias (cf. conclusão pericial de fls. 1216, volume 7)

b) Palácio de Polícia de Santos (convite 58/91): as empresas Estrutura Construtora e Incorporadora Ltda e a Construmor Engenharia e Construção indicaram como seus representantes duas pessoas do sexo feminino, a saber, Marina Rull Fernandes e Mônica de Castro, respectivamente (cf. cartas de credenciamentos juntados na PASTA III, fls. MP 503/505). Porém, assinaram a ata de abertura das propostas ao convite 58/91 como representantes dessas duas empresas duas pessoas do sexo masculino: Alain Gailland e Ailton José Dias (cf. ata anexa na PASTA III, fls. MP 502 e conclusão pericial contida na PASTA III, fls. MP 501).

b) reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia Pública de Monte Castelo (convite 33/91): as empresas Tersil Terraplenagem Ltda e Teor Engenharia Ltda indicaram

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como suas representantes duas pessoas do sexo feminino: Débora Gomes Capucci e Irene Alves dos Santos, respectivamente (cf. cartas de credenciamento juntadas na PASTA III, fls. MP 489/491). Todavia, assinaram a ata de abertura das propostas ao convite 33/91, Paulo Antonio de Lima e Roberto Lotito (confira-se a ata de abertura das propostas de preço e desistência de recurso às fls MP. 493, PASTA, III e conclusão pericial de fls. MP 484/485, PASTA III).

Ora, não é possível crer que a Comissão Julgadora de Licitação tenha confundido pessoas do sexo feminino com indivíduos do sexo masculino. A única explicação possível para essa “confusão” é a de que essas pessoas não compareceram ao julgamento das propostas de preço dessas licitações, havendo assinado as respectivas atas em outro local que não no recinto onde estava ocorrendo a reunião, o que não era incomum, como informou a testemunha Ailton às fls. 2951/2953, vol. 14. E tamanha desfaçatez torna incontestável o envolvimento, em toda trama, dos componentes da Comissão de Julgadora de Licitação, no caso de JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO. Aliás, repita-se, óbvio que a postura dos empreiteiros, ao credenciarem pessoas que sabidamente não compareceriam para representar as empresas participantes do certame, inclusive autorizando que pessoas de sexo distintos assinassem a ata de abertura das propostas de preço no lugar do verdadeiro credenciado, somente se justificava com a certeza e garantia que dispunham de que aquelas irregularidades não trariam qualquer implicação em defavor das empreiteiras, o que se explica, à evidência, com o prévio concerto de todos, em especial do presidente e membro da sobredita Comissão.

Essas insofismáveis evidências comprovam que JOÃO CAPEZZUTTI e ACÁCIO KATO tinham conhecimento, como os demais, da farsa que constituiu o certame licitatório e contribuíram com suas ações para o propósito criminoso do grupo.

5.3. REGINALDO PASSOS E ACÁCIO KATO COMO FUNCIONÁRIOS LOTADOS NO CENTRO DE ENGENHARIA DO DEPLAN.

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REGINALDO PASSOS, então responsável pelo centro de engenharia do DEPLAN, e ACÁCIO KATO, engenheiro fiscal do centro de engenharia do Deplan, eram os funcionários que preparavam a licitação e os documentos necessários para o pagamento dos créditos das empreiteiras.

Neste caso em estudo, quando foi encaminhado o pedido de licitação (fls. 31, volume 1), REGINALDO PASSOS inclusive já indicou, sem qualquer justificativa plausível e sem ao menos consignar o valor do orçamento da obra, a modalidade CONVITE como sendo a supostamente apropriada na espécie, o que denota que ele sabia como se deu a escolha dessa modalidade ilegal.

Por ocasião de seu interrogatório nos autos do processo controle nº 1053, da 5ª Vara Criminal da Capital, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Santa Cruz da Conceição (cf. cópia constante na PASTA II, fls. MP 317/328) REGINALDO PASSOS até admitiu ter feito uso, a mando do Delegado Geral de Polícia, de uma planilha de preços totalmente desatualizada, cujos preços das obras e serviços se baseavam numa cotação realizada um ano antes para justificar a escolha da modalidade CONVITE, o que permitiu o direcionamento dos convites a um pequeno número de empresas empreiteiras, confissão corroborada pelo interrogatório prestado junto à 16ª Vara Criminal da Capital, conforme explicitado às fls. 72/73 da presente manifestação.

ACÁCIO KATO também sabia desta escolha ilegal {consta a esse respeito sua admissão judicial como foi demonstrado às fls. 73 da presente manifestação}, pois o fato de fazer parte da Comissão Julgadora de Licitação o obrigava a tomar ciência do valor do orçamento, no qual havia expressa menção à data base janeiro/90, para poder avaliar as propostas ofertadas e classificá-las pelo critério de menor preço.

Outra prova documental realça a ciência de ambos da cláusula de efeitos financeiros retroativos.

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É que todos os atestados de medição faziam referência a data base JANEIRO/90 (fls.182/190, 219/229, volume 1; fls. 244, 251/252, 257, 263/277, 326/340, 348, 354, 405, 411, 422/434, volume 2; fls. 441/447, 457/472 489, volume 3), como já foi ressaltado acima, o que evidentemente era do conhecimento de ACÁCIO KATO, pois a ele incumbia, como único técnico com capacidade para realização dessa tarefa (cf. comprova o documento e cópia do interrogatório prestado junto à 4ª Vara Criminal da Capital juntados na PASTA II, fls. MP 336/348, em especial fls. 346).

Logo, para calcular os valores supostamente devidos às empreiteiras envolvidas, como por exemplo, aqueles documentados em fls. 219, volume 1; e fls. 244, 251, 263, volume 2, necessariamente ACÁCIO KATO tomava ciência da retroação, que, aliás, sempre era consignada, com todas as letras, naqueles atestados, porque a partir de JANEIRO/90 (cujo índice FIPE estava fixado em 14,971060) é que começava a incidir todo e qualquer reajuste.

A propósito, interrogado nos autos do processo 1326/99, da 14 a Vara Criminal da Capital (ref. reforma da Delpol/Cadeia de Brotas – cf. PASTA II, fls. MP 349), ACÁCIO KATO esclareceu que ‘o depoente repassava as informações destes fiscais para esse sistema e também efetuava os cálculos de reajustes de acordo com as cláusulas do contrato.”(grifamos).

REGINALDO PASSOS também sabia disso {consta sua confissão judicial como foi mencionado às fls. 72/73 da presente manifestação} e acabou até confessando ter ciência desse fato.

REGINALDO PASSOS emitia, com base naqueles

cálculos elaborados por ACÁCIO KATO, os atestados de realização e liquidação de despesas, como aqueles juntados em fls. 213, volume 1; fls. 238, 246, 253, 260, 319, 343, 350, 400, 406, 418, volume 2.

Por outro lado, REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO também tinham conhecimento do proposital direcionamento dos convites a um grupo

60 Sobre o índice FIPE vide explanação de fls. 81/82 da presente manifestação e nota de rodapé 46.

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determinado de empresas nesta licitação e nas demais levadas a cabo entre 1990 a 1991, o que foi possível fazer exatamente pela escolha da modalidade CONVITE, retrocedendo-se, para tanto, o valor do orçamento em 13 (treze) meses para que se pudesse eleger esta modalidade de licitação mais singela, em vista do que a questão ficaria restrita ao pequeno grupo de empresários que participaria da falácia.

Além disso, como membro da Comissão de Registro Cadastral do Deplan, ao menos REGINALDO PASSOS sabia que havia 102 (cento e duas) empresas cadastradas nesse órgão até dezembro de 1990 e, portanto, em condições de participar das licitações promovidas entre 90 a 91 (confira-se o cadastro de empresa juntado às fls. 1849/1925, volume 10 cujas fichas eram assinadas por REGINALDO).

Porém, de um universo tão grande de empresas, somente cerca de 18 (dezoito) delas eram sistematicamente convidadas, sendo que somente 13 (treze) delas venciam as licitações porque as demais só eram convidadas para compor o número de 04 (participantes) participantes.

E, como já visto no início, malgrado as supostas obras licitadas estivessem espalhadas pelos quatro cantos do Estado, inclusive municípios distantes mais de 600 quilômetros de São Paulo, como, por exemplo, Rosana (760 km), Tupi Paulista (663 km), São João do Pau D´Alho (680 km), etc., o restrito grupo de empresas convidado era composto de empreiteiras sediadas nesta Capital, com exceção de apenas uma, a Estrutura, sediada em Santos.

REGINALDO PASSOS, imperioso anotar, sempre figurava, como testemunha, nos contratos de empreitada assinados pela Delegacia Geral de Polícia e as empreiteiras (vide cópias desses contratos juntados às fls. 1418/1558, volume 8). Logo, ele tinha ciência do fato das empresas vencedoras serem sempre as mesmas, que compunham um pequeno grupo.

Ao Setor de Engenharia, cuja chefia havia sido atribuída a REGINALDO PASSOS, incumbia também fazer um levantamento dos valores necessários para empenho. São exemplos desses documentos: o de fls. 197, volume

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1; fls. 317 e 363, volume 2; fls. 480, volume 3. Por meio deles, REGINALDO PASSSOS solicitava à diretoria do DERIN autorização ou reforço de empenho, acompanhado da listagem de obras e respectivas empreiteiras. Sua leitura dá uma pequena mostra das repetidas vezes em que cada uma das empresas ali relacionadas conseguira obter o objeto da adjudicação.

Estas circunstâncias nos levam a concluir que REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO tinham conhecimento de que um pequeno grupo de privilegiadas empresas estava obtendo, de forma alternada, o objeto de centenas de licitações realizadas.

Sabiam eles igualmente que um verdadeiro “assalto” aos cofres públicos estava sendo perpetrado em razão do uso da cláusula de efeitos financeiros retroativos, pois a responsabilidade pela apuração do valor supostamente devido em razão das falazes medições realizadas era justamente de ACÁCIO KATO, cujo chefe REGINALDO PASSOS atestava, com base nessas medições fraudulentas, a existência de crédito em nome da empreiteira contratada, emitindo as respectivas notas de realização, como ponderado acima.

A propósito das medições, cumpre observar que o artigo 64 da Lei Estadual nº 6544/89 dispõe:

Art. 64 - “a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração, especialmente designado”.

Sobre a importância dessa fiscalização, oportuno rememorar as preciosas lições de por Raul Armando Mendes, assim como de J. Teixeira Machado Júnior e Heraldo da Costa Reis, referidas no item 4.2, fls. 45/46 da presente manifestação.

Reforçando o entendimento desses dois estudiosos do assunto, temos também os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles61:

61. Licitação e Contrato Administrativo, 12ª edição, Editora Malheiros, São Paulo, 1999, p. 207

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”A sua finalidade é assegurar a perfeita execução do contrato, ou seja, a exata correspondência dos trabalhos com o projeto ou com a as exigências previamente estabelecidas pela Administração, tanto nos seus aspectos técnicos, quanto nos prazos de realização, e, por isso mesmo há de pautar-se pelas cláusulas contratuais, pelas normas regulamentares dos serviços e pelas disposições do caderno de obrigações, se existentes”.

Trata-se de uma providência indispensável antes da liquidação da despesa.

Antes da liquidação do crédito, portanto, à Administração incumbia designar formalmente um engenheiro para acompanhar o andamento da obra, devendo ele, depois de realizada a fiscalização, emitir um relatório contendo sua identificação, dia e horário da visita e a discriminação dos serviços executados pela empreiteira e sua assinatura ao final.

Esse documento constituía uma prova da execução efetiva da obra, da data em que foi efetuada a sua fiscalização, o seu estágio, sua adequação ao contratualmente acordado, e a parcela devida em razão do serviço realizado.

A razão da necessidade de se inserir no relatório a data da fiscalização e a relação dos serviços medidos, assim como conter a assinatura do fiscal se explica pelas seguintes razões: a partir da data da medição é que se iniciava a contagem do prazo de pagamento (cf. item 3.3 do contrato), sendo certo que somente com a relação dos serviços executados é que se poderia fazer um cálculo exato do valor devido no mês. E somente com a identificação do funcionário designado para fiscalizar a obra é que a Administração poderia responsabilizá-lo pelos danos causados ao erário, na hipótese de se constatar posteriormente fatos como a falsa atestação do estágio da obra, obra não realizada, obra realizada com materiais de qualidade diferente do contratado, etc.

ACÁCIO KATO, como restou esclarecido, nunca foi

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fiscal de obras, ou seja, nunca acompanhou pessoalmente o andamento de qualquer delas, pois esse trabalho era realizado pelo investigador de polícia Josué da Silveira Barros e pelo perito criminal Mário Lúcio Alves.

A propósito, Josué e Mário Lúcio nem mesmo poderiam realizar trabalho de fiscalização de obra porque não eram engenheiros de carreira e sim, investigador de polícia e perito criminal, respectivamente, como foi anteriormente explicitado às fls. 48/49 da presente manifestação.

Em suma, competia exclusivamente a ACÁCIO KATO, de acordo com os seus próprios esclarecimentos, repassar as informações colhidas por Josué e Mário Lúcio para o sistema de gerenciamento de obras (SIGO) e calcular o montante devido à empreiteira.

A propósito, interrogado nos autos do processo 88/01, da 4ª Vara Criminal da Capital, esclareceu ACÁCIO KATO acreditar que “no Centro de Engenharia ninguém sabia operar o sistema para fazer orçamentos de obras e então a medição, algumas delas, eu pegava relatório de engenheiros e me deslocava até o Dinfor e lá inseria os dados no computador deles e esses documentos também, eu só inseria os dados, porque era uma quantidade muito grande que ficava lá, e os materias impressos que saia disso, eu não sei quem transitava com isso depois” (cf. documento anexo na PASTA II, fls. MP 336/347, em especial fls. 346/347).

Feito este esclarecimento e retornando ao assunto anterior, a ACÁCIO KATO competia, portanto, repassar as informações colhidas por Josué e Mário Lúcio para o sistema de gerenciamento de obras (SIGO) e calcular o montante devido à empreiteira.

Qual foi então, a fórmula utilizada para desviar dinheiro público em prol da empreiteira contratada e elaborar cálculos de medições fictícias?

ACÁCIO KATO simplesmente atestava mensalmente

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a realização de determinada etapa da obra (muito embora não pudesse fazê-lo, porque visita nenhuma realizava no imóvel que supostamente estava sendo reformado) e calculava, utilizando-se do sistema SIGO, o valor supostamente devido à empreiteira, sem escudar-se em quaisquer relatórios, que tanto não existiam que jamais foram juntados nestes ou em qualquer outro das dezenas de processos em trâmite. E se existiram, não puderam ser juntados, porque as informações ali eventualmente colhidas não guardavam relação com o estágio de medição realizada por ACÁCIO KATO, à evidência, inclusive diante do que esclareceu Josué da Silveira Barros (fls. 2579/2580, volume 13), assim como Mário Lúcio Alves, cujo depoimento judicial nesse sentido foi objeto de referência às fls. 55 da presente manifestação.

Não é por outra razão que lembrou a Procuradora do Estado Ana Maria Oliveira de Toledo Rinaldi que esclareceu: “Não tendo sido feita a verificação ‘in loco” das medições – que não foram corretamente apresentadas, também foi violado o § 2° do artigo 3° do Decreto 32.117, de 10.08.90 .” (cf. fls. 683, do parecer de fls. 660 e seguintes, volume 4).

Com lastro nestes simulacros de “atestados” REGINALDO emitia a nota de realização (os documentos de fls. 213, volume 1; fls. 238, 246, 253, 260, volume 2, são exemplos desse documento), atestando que a despesa estava apta para ser liquidada tendo o interessado o direito de receber o crédito decorrente da medição realizada.

Mediante o uso desse expediente (medição sem respaldo

documental) empreendido pelo funcionário público ACÁCIO KATO, a Administração, contando com o concurso de BRAGA BRAUN, efetuou pagamentos mesmo sem comprovação da existência, quantidade, extensão, qualidade e a época em que o serviço foi executado.

A propósito, não seria sequer viável o cumprimento da lei e das normas contratuais na espécie, porque, exsurge dos depoimentos de Josué da Silveira Barros (fls. 2579/1580, volume 13) e de Mário Lúcio Alves (cf. depoimento ora juntado prestado no processo controle 174, da 2ª Vara Criminal da Capital, PASTA II, fls. MP 402), que o DEPLAN dispunha, para fiscalizar obras, até o final de 1990, de

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uma viatura e dois funcionários - as próprias testemunhas –, de maneira que seria impossível o acompanhamento de mais de uma centena de obras que supostamente estariam sendo empreendidas nos quatro cantos do Estado, algumas distantes mais de 700 quilômetros desta Capital.

Essa falta de estrutura material e pessoal do Centro de Engenharia, conforme já registrado na presente manifestação, constituía um impeditivo para o exercício de uma efetiva fiscalização de obras a serem executadas em todos os cantos do Estado.

Além disso, não havia sequer um projeto, como já sopesado antes (vide ofício de fls. 1134, volume 6).

Essa afirmação é corroborada integralmente pelo laudo de engenharia n°27.550/98, juntado em fls.650/738, volume 4:

“No processo não consta projeto para a reforma com quadro das áreas a serem demolidas e remanescentes, projeto detalhado das instalações elétricas e hidráulicas, com a listagem dos serviços a serem executados, que deveriam acompanhar a licitação.” (fls. 776, volume 4).

Mais, malgrado a Administração já houvesse recebido a obra, formalmente, em 13/01/1992, conforme “termo de verificação e recebimento definitivo” de fls. 501, volume 3, ACÁCIO KATO emitiu, depois do recebimento definitivo da obra, três atestados de medição:

1. Em 05/03/1992, emitiu o atestado de medição de fls. 325/340, volume 2, dando conta de que apenas 65,17% dos serviços teriam sido concluídos.

2. Em 05/08/1992, emitiu o atestado de medição de fls. 456/472, volume 3, certificando que 70,79% da obra teria sido empreendida.

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3. Em 05/10/1992, emitiu o atestado de medição de fls. 421/434, volume 2 e 441/447, volume 3, atestando, então, a conclusão da reforma.

E com base nesses três atestados de medição que padeciam de flagrante falsidade, REGINALDO PASSOS emitiu as notas de realização de fls.319, 343, 350, 400, 406, 418, volume 2; e fls. 453, 492, volume 3.

Pior ainda, apesar da obra ter sido definitivamente recebida pelo DEPLAN em 13/01/1992 (fls. 501, volume 3), tanto REGINALDO PASSOS como ACÁCIO KATO intervieram em quatro pedidos subseqüentes de prorrogação contratual solicitados pela Construdaotro em 10/02/1992, (fls. 286, volume 2), 28/04/1992 (fls. 295, volume 2), 20/07/1992 (fls. 304, volume 2) e 06/09/1992 (fls. 372, volume 2), este último motivando um acréscimo de Cr$ 7.891.367,10, relativo a 49,97% do valor total do contrato, o primeiro dando normal seguimento aos pleitos e o segundo, recomendando a dilação do prazo contratual, como se vê às fls. 287/290, 296/299, 305/308, 373/391, volume 2; pedido esses que redundaram nos termos de aditamento contratual nº 2/92, 3/92, 4/92 e 5/92, que estão em fls. 293/294, 302/303, 311/312 e 394/395, volume 2.

Desnecessário referir o brutal aumento no desfalque ao tesouro estadual decorrente desses 240 (duzentos e quarenta) dias de prorrogação do contrato, referente somente aos 04 últimos pedidos, mercê da astronômica correção monetária da época, sem falar no aumento de 49,97% do valor contratual inicial, por suposto acréscimo de serviços, já que a essa altura a obra de reforma estava totalmente concluída há cerca de 07 meses.

Outrossim, não bastasse a absurdez de se prorrogar o contrato, por três vezes, quando a Administração já tinha recebido a obra como acabada, os 4 (quatro) aditamentos foram efetuados sob argumentos, expendidos pela contratada para justificar suas pretensões, que não encontravam amparo no contrato. Na verdade, violavam à própria cláusula segunda, item 2.3 do contrato DGP- 26/91, que só admitia a prorrogação do prazo contratual por motivo de caso fortuito ou força maior.

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Como já foi dito, tanto REGINALDO PASSOS como ACÁCIO KATO tiveram participação nessas absurdas prorrogações ilícitas sobreditas, podendo-se constatar suas prestimosas assinaturas lançadas nos documentos sobreditos.

Assim, realizada a licitação com rapidez dissonante da burocracia do serviço público, cumprida a adjudicação, os pagamentos passaram a ser liberados, mediante a apresentação de falsas medições, evidenciando o verdadeiro objetivo de todos os envolvidos no certame, ou seja, o desvio de dinheiro do erário.

Em síntese, conforme já debatido no início, o comportamento de REGINALDO PASSOS, lançando a pedra fundamental de uma fictícia licitação, que já nascia acoimada, depois secundando as fantasiosas medições produzidas por ACÁCIO KATO, não deixa dúvida alguma sobre o consciente envolvimento deles na trama urdida.

5.4. O ENVOLVIMENTO DE CELSO EDUARDO VIEIRA DA SILVA DAOTRO, FRANCISCO ALVES GOULART FILHO, ANGELO ANTONIO VILANO e VIVALDO DIAS DE ANDRADE JÚNIOR NO CRIME DE PECULATO DESVIO.

O percuciente e insofismável envolvimento de CELSO EDUARDO VIEIRA DA SILVA DAOTRO, FRANCISCO ALVES GOULART FILHO, ANGELO ANTONIO VILANO e VIVALDO DIAS DE ANDRADE JÚNIOR tem início com a promiscuidade entre as empresas participantes das mais de cem licitações (as listagens ora juntadas dão conta de que em 1990 foram realizados 75 certames e em 1991, 99 certames – cf. comprova a listagem de obras elaborado pelo DEPLAN e juntada na PASTA I, fls. MP 21/26 -, como também a relação das obras apresentadas pela Consultoria Jurídica 665 e seguintes, volume 4).

É bem verdade que, interrogados em juízo (fls. 2142,

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volume 11, e 2478/2482, volume 12), os réus empreiteiros disseram, entre outras coisas:

a) que atribui estes e outros processos a questões de natureza política e nunca houve acerto entre empresas para ganhar as concorrências (fls. 2142).

b) que era absolutamente comum a especialização de empresas que concorriam em licitações, como para obras referentes a delegacias, fóruns, hospitais, motivo da coincidência de um grupo de empresas disputando todas as licitações, como era comum subempreitar parcialmente obras de engenharia. Todavia, as empresas não realizavam subempreitada global porque nesse caso era necessário autorização do contratante público (fls. 2478, volume 12).

c) não houve superfaturamento do valor desta obra e a diferença existente entre o contrato DGP-26/91 (fls. 159/175, volume 1) e o contrato de subempreitada se deu justamente pelo fato da empresa ter subempreitado parcialmente a execução da obra de reforma (fls. 2241/2248, volume 11, bem como fls. 2480, volume 12).

d) a empresa contratada para efetuar a obra de reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Itanhaém foi a Construdaotro Construções que repassou a obra para a Construdaotro Empreendimentos que subempreitou parcialmente a obra para a Fortenge (fls. 2480, volume 12).

e) que no curso dos anos houve fusão de algumas empresas, terminando por haver sócios coincidentes (fls. 2480, volume 12).

Porém essas alegações não procedem como poderá ser visto a seguir.

Conforme antes mencionado, a aparentemente errônea eleição da modalidade CARTA CONVITE, com franca violação ao princípio da publicidade, possibilitou o direcionamento proposital dos convites e a contratação de

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um determinado e reduzido número de empresas com ligações entre si, podendo até se afirmar que elas faziam parte de um só grupo, como asseverou a Procuradora do Estado as fls. 674/675, volume 4 do seu parecer, que foi escrito nesses termos:

“Veja-se que da relação apresentada constam 93 convites em que houve simples revezamento entre as convidadas. E ainda há cerca de outros 05 procedimentos a ser examinados nesta Consultoria Jurídica, encaminhados por suspeita também de estarem maculados irremediavelmente.No que se refere aos sócios, responsáveis técnicos e demais representantes nas licitações e nos contratos verificou-se que as empresas convidadas tinham ligações entre si. Pode-se mesmo dizer que se confundiam. Foram violados os princípios básicos que regem a Administração Pública e os procedimentos licitatórios: a legalidadade, a impessoalidade, a moralidade, a probidade administrativa e a publicidade. Não houve participação do maior número possível de interessados, restando frustrados o objetivo de obter a proposta mais vantajosa para a Administração e o princípio da competitividade, bem como é possível supor que não foi resguardado o sigilo das propostas. “(grifos nosssos)

E aquelas importantes constatações foram confirmadas, em pretório, pela mesma Procuradora do Estado (cf. depoimento de fls. 2822/2857, em especial fls, 2837 a 2839, cuja correção de alguns tópicos foi requerida62)

Nesse mesmo sentido as palavras dos peritos de engenharia:

“Além disso, praticamente todas as obras objeto dos exames, executados ou não, porém licitadas pelo DEPLAN, na mesma época, envolveram um cartel limitado de algumas empresas participantes destes processos licitatórios, evidentemente com a anuência da própria Administração Pública.” (cf. laudo pericial n° 30.094/01, ref. reforma da Delpol e Cadeia de Barueri juntado na PASTA IV, fls. MP 731/740, em especial fls. 736).

62 Em razão da incorreção de alguns tópicos da transcrição da estenotipia foi requerido a correção desse depoimento às fls. 2892 e seguintes, volume 14.

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Impediu-se, com isso, a ocorrência de uma verdadeira disputa entre as empresas potencialmente interessadas, ferindo de morte as disposições contidas no artigo 37 e seu inciso XXI, da Constituição Federal. 63 E nem se argumente que o CONVITE reiterado das mesmas empresas se devia a existência de especialização entre elas, algumas com atividades voltadas a construção/reforma de delegacias, outras a construção/reforma de hospitais porque se esse fosse o critério outras empresas cadastradas no DEPLAN (mais de cem – vide registros cadastrais de fls. 1849/1925, volume 10) deveriam ser convidadas, além das 18 empresas referidas anteriormente às fls. 31/32 da presente manifestação.

Houve sim, acerto entre um grupo restrito de empresas para vencer todas as licitações na modalidade CARTA-CONVITE realizadas entre 1990 e 1991 como será comprovado em seguida.

Aliás, se acaso a Administração Pública tivesse sido escolhida a modalidade licitatória correta para o presente certame – TOMADA DE PREÇOS (cf. laudos contábeis de fls. 733/746, vol. 4 e o ora juntado às fls.) – cujo edital obrigatoriamente teria que ser publicado no Diário Oficial, em lugar acessível aos licitantes (art. 22, inciso II, da Lei 6544/89), certamente haveria um maior número de participantes, permitindo a Administração Pública obter uma proposta mais vantajosa, e daria condições dos cidadãos interessados na gestão das coisas públicas, de fiscalizar os atos da Administração, impedindo, além disso, a contratação de um determinado e reduzido número de empresas com ligações entre si, podendo-se até afirmar que elas faziam parte de um só grupo

A exclusão da correta modalidade licitatória foi possível exatamente em razão do uso da retroação ilegal de preços, expressamente vedado pelo artigo 56 da Lei 6544/89, e teve como objetivo adequar o valor do orçamento à modalidade de licitação mais singela (expediente que passou a ser utilizado

63 inciso XXI, do art. 37 da CF: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, os serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

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exatamente a partir de 1990, como bem lembrou ACÁCIO KATO no interrogatório prestado perante o juízo da 4ª Vara Criminal Central da Capital, processo controle 88/01), pois o uso da modalidade correta acabaria dando ensejo à participação de empreiteiras estranhas à sociedade criminosa, inviabilizando a trama adrede urdida por todos os réus.

E esse direcionamento proposital e ilegal dos CONVITES, com franca violação ao princípio da publicidade, era, sem dúvida, do conhecimento do réu sócio proprietário da Construdaotro Construções (CELSO EDUARDO) e dos réus sócios proprietários da Construdaotro Empreendimentos (CELSO EDUARDO, VIVALDO, ÂNGELO, FRANCISCO e do já falecido Fernando Cesar Zabeu Júnior), uma vez que a eleição da errônea modalidade só foi possível em virtude do valor da planilha de orçamento ter sofrido retroação para JANEIRO/90, ou seja, para 13 meses antes da expedição dos CONVITES (27/02/91).

Obviamente, nenhuma empresa que tem por meta, não fins filantrópicos, mas a obtenção de lucros, se disporia a concorrer num certame licitatório cujo valor total dos materiais e serviços se reportava a uma cotação de preços de 13 meses atrás, especialmente porque, à época, o país atravessava um período inflacionário bastante acelerado, a menos que alguma vantagem pudesse obter da fórmula utilizada, o que acabou ocorrendo.

Não é por outra razão que os srs. peritos acima referidos fizeram questão de mostrar em diversas peças periciais a vantajosa situação criada pelo uso da cláusula de efeitos financeiros retroativos, cujas explicações foram transcritas às fls. 73/74 da presente manifestação.

Nem mesmo uma pessoa simplória se atreveria a realizar um serviço qualquer, tomando por base um orçamento elaborado a pelo menos 16 meses antes do concretização do negócio (planilha de preço de JANEIRO/90 e contrato assinado em 16/05/91) se não tivesse certeza que disso resultaria alguma vantagem de ordem financeira.

Portanto, soa burlesco que o sócio proprietário da empresa

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vencedora do certame, CELSO EDUARDO, bem como VIVALDO JÚNIOR, ÂNGELO e FRANCISCO, escolados empreiteiros, não tivessem dado conta da inserção na planilha de orçamento da data base JANEIRO/90 (cláusula de retroação utilizada em mais de uma centena de licitações), que só aparentemente era altamente desfavorável à empresa que seria futuramente contratada porque reduziria absurdamente o valor do contrato em decorrência da retroação de preços em 16 meses.

O conluio entre poucas e privilegiadas empresas com a finalidade de obter o objeto da adjudicação é facilmente perceptível até pelo resultado do laudo documentoscópico ora juntado (PASTA III, fls. MP 534/545) a título ilustrativo.

Nos anexos separados por grupos de n. 01/07, anexos de n°s 01/25, reprografadas por transparências juntadas ao presente, pode-se visualizar a perfeita identidade entre as cartas credenciais e entre as declarações de compromisso, apresentadas em papel impresso contendo o nome das empresas...” (fls. 07 do laudo) (grifo nosso).

Cumpre consignar que em alguns casos, pelo fato de mudar o nome de cada pessoa credenciada pela empresa e o nome da firma, o parágrafo em que figuram tais nomes ocorreu acréscimo de uma linha...(fls. 09 do laudo)

Os documentos apresentados em diversos certames licitatórios (cartas de credenciamento e declarações de compromisso) por diferentes empresas guardavam perfeita identidade, como poderá ser visto da relação dos quadros abaixo:

GRUPO 01 (quadro 06) Nome da empresa Natureza da obra: reforma/construção de

Delpol/CadeiaProc.DGP n°

B&Z Constr. e Informática reforma da parte elétrica do 6° andar do DHPP 17730/91

Construdaotro Empreendim. constr. da Delpol de Santa Bárbara do Oeste 17726/91

Construtora Zocolotto constr. Zocolotto Ltda. 17/726/91

Obs. – As atas referentes ao julgamento dessas licitações se acham juntadas na PASTA III,

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fls. MP 630A e 630B

GRUPO 07 (quadro 07) Nome da empresa Natureza da obra: reforma/construção de

Delpol/CadeiaProc. DGP n.

Construtora Esteves constr. Delpol de Macedônia 2163/91Elotec Construções ref. da Delpol/Cad. Maracaí 2202/91Fortenge Constr. e Empreend. ref. Delpol/Cadeia de Cravinhos 2189/91Construtora Primaz ref. Delpol/Cadeia de Palmares Paulista 2205/91Áreas Verdes Paisagismo constr. Delpol de Euclides da Cunha 2173/91Teor Engenharia Ltda constr. Delpol de Euclides da Cunha 2173/91Consesp Constr. Especiais constr. 2o DP de Araçatuba 2155/91Consesp Constr. Especiais ref.constr. 2o DP de Marília 2153/91

OBSERVAÇÕES:

1) As atas referentes ao julgamento dessas licitações se acham juntadas às fls. MP 557, 592, 581, 595, 567, 546 e 548, PASTA III.

2) as transparências do grupo 01 e do grupo 07 estão juntadas na PASTA III, fls. MP 545 nas

quais pode-se perceber a perfeita identidade entre as cartas credenciais das empresas

B&Z Construções e Infomática, Construdaotro Empreendimentos e Construtora Zocolotto

(GRUPO 1), de um lado e da Construtora Esteves, Elotec Construções, Fortenge

Construções e Empreendimentos, Construtora Primaz, Áreas Verdes Paisagismo (antigo

nome da Construdaotro Construções), Teor Engenharia e Consesp Construções Especiais.

3) Para compreensão da conclusão pericial basta alinhar as palavras do texto e olhar todas

as transparências ora juntadas contra a luz, quando se poderá constatar que até a

pontuação feita nos documentos de diferentes empresas são coincidentes.

Outrossim, outras provas colocam em lume o conluio entre as empresas participantes do presente certame (e dos demais realizados no mesmo período), colocando por terra a alegação dos réus de que manobra nesse sentido não

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houve.

Nesse sentido foi muito revelador o depoimento da testemunha Luiz Fernando Tavares (fls. 2588 e seguintes, volume 13) afirmando que muito embora trabalhasse na Consesp Construções Especiais (vide cópia da sua CTPS às fls. 1262/1265, vol. 7), cuidava do cadastro de outras empresas, uma vez que o departamento de concorrência era único para todas as empresas, entre elas, da São Quirino, B&Z, Construdaotro, Zocolotto, Elo Verde e Conduto, sendo certo que os documentos de todas essas empresas ficavam numa única sala, inclusive da Elotec e Áreas Verdes.

A empresa Áreas Verdes, importante ressaltar, era a antiga denominação da Construdaotro Construções, que muito embora tivesse alterado sua denominação social participava das licitações com esses dois nomes como se fossem empresas distintas. Esse fato pode ser constatado pela cópia do contrato social juntado às fls. 1332/1339, volume 7 e pelas cópias das atas de julgamento de várias propostas de preço realizados entre 1990/1991 pela Delegacia Geral de Polícia juntadas na PASTA III, fls. MP. 558, 560, 562, 564, 567, 568, 575, 580, 611, etc.

O depoimento da testemunha Ailton José Dias também mostra a íntima relação que existia entre um grupo reduzido de empresas vencedoras de todas as licitações na modalidade CARTA-CONVITE realizadas entre 1990/199. Ele esclareceu que apesar de ter sido credenciado para representar a Construtora Esteves na cerimônia de abertura e julgamento das propostas de preço da presente licitação (fls. 129, volume 1), jamais trabalhou para tal empresa, sendo que, na verdade, foi empregado da Construdaotro Construções (vide cópia da sua CTPS às fls. 1104/1112, vol. 6). Disse que um dos funcionários que trabalhava no departamento de licitações da Construdaotro, Roberto Lotito, costumava lhe pedir para assinar documentos como se estivesse representando uma outra empresa em licitações. Roberto Lotito dizia-lhe que era para ele assinar “só para fazer número”, uma vez que não precisava da sua presença no local onde ocorreria a licitação, ou seja, na rua Brigadeiro Tobias, 527, 14° andar, razão pela qual consultou seu superior, Eduardo Ramos, o qual lhe aconselhou a assinar referidos documentos sem

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susto. Afirmou que não sabia como funcionava o “esquema de licitações” mas tinha conhecimento que sempre era uma das empresas do grupo que ganhava as licitações. Disse também que a Elotec e a Construdatro eram do mesmo grupo e funcionavam no mesmo prédio (cf. depoimento judicial de fls. 2952/2953, volume 14).

Roberto Lotito referido pela testemunha acima foi, entre 01/10/83 a 30/05/90 e de 09/05/91 a 21/07/92, empregado da Construdaotro Construções e de 01/06/90 até 20/02/91 empregado da Consesp Construções Especiais (cf. comprova a cópia da carteira de trabalho juntada às fls. 1302 e seguintes, volume 7). E apesar de ter sido empregado da Construdatro e da Consesp entre 90/92, chegou a assinar irregularmente a ata de abertura das propostas ao convite 71/91 (doc. de fls. 1226, vol. 7), referente a reforma da Delpol e Cadeia de Ribeirão Pires como suposto representante legal da Fortenge Construções e Empreendimentos Ltda (cf. conclusão pericial de fls. 1216, vol. 7). Mais ainda, foi credenciado da B&Z Construções e Informática (referente a licitação para reforma da Cadeia de Jundiaí - fls. 1234), como também da empresa Mário Caraça Construções (referente a licitação para reforma da Cadeia de Urupês – fls. 1235/1236/1238, volume 7). Além disso, emitia notas fiscais em nome da empresa Elotec Construções (cf. docs. de fls. 1239/1248, vol. 7), chegando inclusive a solicitar pagamento de correção monetária em nome da mesma empresa 1242 e 1246, vol. 7). Todavia, Roberto Lotito não era empregado, procurador ou sócio ou procurador dessas empresas empresas – B&Z Construções e Informática, Mário Caraça Construções, Fortenge Construções e Empreendimentos e Elotec Construções.

Outro depoimento bastante revelador foi o da testemunha Jonas Agnaldo Pires (fls. 2822, volume 14 e seguintes).

Com efeito, Jonas informou que, muito embora fosse empregado registrado da Consesp Construções Especiais, por razões que desconhece, trabalhava na empresa Zocolotto, sob as ordens de Waldec Araújo Nogueira. Esclareceu que os sócios proprietários da Zocolotto e Consesp não eram os mesmos. Afirmou que conheceu Ailton José Dias e Evandro Nazaré (pessoas credenciadas pela Construtora Esteves e Elotec,respectivamente, como comprova a

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documentação de fls. 129 e 132, volume 1), os quais trabalhavam no mesmo local do depoente, porém para a empresa Elotec. Por fim relatou que, por ordem do seu superior hierárquico Waldec, chegou a assinar, irregularmente como suposto representante legal da empresa vencedora – a Esteves - o contrato de empreitada n° 33/91 (cuja cópia se acha juntada às fls. 2343/2359, vol. 12), como também assinou, no presente caso, se passando, irregularmente, por representante da Construtora Esteves, a carta de credenciamento a proposta de preço dessa empresa, Esteves, como também da Elotec Construções, sempre por ordem de Waldec, sendo certo que ele não era empregado, sócio ou procurador dessas duas empresas – Esteves e Elotec.

Os documentos apresentados na presente licitação e referidos por Jonas estão juntados às fls. 129, 130 e 143 (Esteves), e às fls. 132, 133 e 147, volume 1, havendo o douto juízo se reportado à numeração antiga quando fez indagações a respeito dessa documentação à referida testemunha.

O laudo pericial grafotécnico juntado às fls. 2746/2755, volume 14 comprova integralmente a palavra dessa testemunha no tocante a procedência da assinatura nestes documentos.

Confira-se também o termo de declarações de Pedro Nurmberger às fls. 2615/2619, volume 13, confirmada pela testemunha às fls. 2683, volume 14, no qual informa que as empresas São Quirino Engenharia e Comércio, B&Z Construções e Informática, Conduto Engenharia e Comércio (cujo nome correto é Conduto Engenharia e Construção Ltda), Consesp Construções Especiais, Construdaotro Construções Ltda, Construtora Zocolotto, Áreas Verdes Paisagismo Ltda, Elo Verde Paisagismo, cujo nome foi alterado para Elotec Construções faziam parte de um grupo empresarial único, só não sabendo se a formação desse grupo foi realizada formalmente ou apenas informalmente. Pedro assegurou ainda que, em razão disso, cuidava do departamento de recursos humanos de todas essas empresas.

Não destoa desses depoimentos, o testemunho, na fase policial, do genitor do réu CELSO EDUARDO, Celso Vieira da Silva, advogado.

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Celso informou que outorgou procuração da sua empresa para várias pessoas, entre elas, para seu filho CELSO EDUARDO, o qual acabou usando impressos da Áreas Verdes Paisagismo Ltda., para cobrir preços oferecidos nos convites do DEPLAN da Polícia Civil, sem seu conhecimento e que não outorgou essa procuração para que fosse cometido qualquer ilícito penal (cf. termos de declarações juntado às fls. 1266/1267, volume 7).

Obviamente, só mesmo a existência de uma ligação íntima entre as empresas e a comunhão de interesses pode explicar os fatos: da existência de um único departamento de concorrência e um departamento de recursos humanos para todas as empresas acima citadas pelas testemunhas Luiz Fernando e Pedro Nurmberger; um empregado de uma empresa assinar documentos que seriam apresentados em licitações para outra empresa, apenas para fazer número (Ailton); empregado de uma empresa concorrente assinar documentos para duas empresas (Elotec-Esteves) (Jonas) que participaram de uma mesma licitação como se fossem concorrentes, inclusive contrato; um empregado de uma empresa, Roberto Lotito, aparecer como representante de duas empresas “concorrentes” – Mário Caraça Construções e B&Z Construções e Informática e ainda assinar desistência de recurso em licitação em nome de uma terceira empresa (Fortenge).

E é só a existência de interesses em comum entre os réus e o conluio entre eles pode explicar o fato de Jonas Agnaldo Pires, um funcionário da Consesp Construções Especiais, assinar toda documentação apresentada pela Construtora Esteves e pela Elotec Construções, na presente licitação, muito embora ambas fossem “concorrentes” e muito embora poderes para tanto ele não tivesse, aliado ao fato desse mesmo Jonas ter sido indicado para representar a terceira convidada, a empresa Zocolotto, no ato de abertura das propostas de preço. Todavia, Jonas não se fez presente como deveria para dar cumprimento a exigência do artigo 40, § 2°, da Lei 6544/89.

Mais ainda: o representante indicado na carta de

credenciamento da Construtora Esteves (assinada por Jonas), Ailton, era um funcionário da concorrente do presente certame, a empresa Construdaotro.

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Esta última empresa, Construdaotro, como se percebe do documento juntado às fls. 126, volume 1, através do seu sócio CELSO EDUARDO, indicou Paulo Antonio de Lima como seu representante no julgamento das propostas de preço. Todavia, como os demais credenciados, Paulo também não compareceu ao julgamento das propostas de preço, o que se conclui porque a perícia não identificou sua assinatura na ata de abertura das propostas ao convite 16/91 e muito menos nos documentos apresentados pela Construdaotro na presente licitação (cf. doc. de fls. 138, volume 1, laudo pericial grafotécnico de fls. 1058/1132, vol. 6°, em especial fls. 1130 e depoimento policial de fls. 995, volume 5.).

Esse simulacro de licitação é facilmente perceptível também pela análise da composição do quadro societário das quatro empresas participantes do certame licitatório e das pessoas indicadas para representar as empresas no dia do julgamento das propostas de preço, assim como a identificação dos sócios proprietários de outras empresas. Disso se conclui que as empresas dos réus tinham interesses comerciais coincidentes e usaram da licitação para obter lucros ilícitos.

De fato:

Eram sócios de uma das empresas convidadas - a Construdaotro Construções Ltda – CELSO EDUARDO VIEIRA DA SILVA DAOTRO e seu genitor Celso Vieira da Silva (cf. cópia do contrato social da Construdaotro Construções Ltda., cuja antiga denominação era Áreas Verdes Paisagismo, as fls. 1332/1339, volume 7).

Este mesmo réu CELSO EDUARDO era, juntamente, com

o réu VIVALDO DIAS DE ANDRADE JÚNIOR, responsável pela condução dos negócios da Consesp Construções Especiais Ltda por força da procuração outorgada por seu sócio Márcio Guedes Pereira Leite, identificado às fls. 1275/1279, volume 7 (vide procurações outorgadas às fls. 1251/1256, volume 7). Daí a facilidade com que manipulavam seus empregados Jonas Agnaldo Pires, Ailton José Dias e Luiz Fernando Tavares, obrigando-os a trabalhar simultaneamente para várias empresas do grupo, como também assinar documentos em nome de empresas das

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quais não mantinham ligação de nenhuma espécie e natureza. Mais, indicando seus funcionários (da Consesp – Construdaotro) por mera formalidade para comparecerem em reuniões de julgamento de proposta de preço e representarem empresas supostamente concorrentes já tendo prévio conhecimento de que eles não compareceriam a esse ato até porque não lhe davam conhecimento nem do credenciamento e nem da data da reunião.

Os réus CELSO EDUARDO, VIVALDO JÚNIOR, bem

como os réus ÂNGELO e FRANCISCO, por outro lado, no dia 07/05/91 tornam-se formalmente 64 sócios proprietários da São Quirino Engenharia e Comércio Ltda em virtude da cessão parcial das cotas sociais por parte de Fernando Cesar Zabeu Júnior e Agvaldo Arruda de Andrade, este irmão de VIVALDO JÚNIOR (cf. comprova o termo de interrogatório juntado na PASTA I, fls. MP 30).

A partir desta data, alterou-se a denominação social da São Quirino Engenharia e Comércio para Construdaotro Empreendimentos Ltda, havendo Agvaldo se retirado da sociedade, apenas formalmente (cf. alteração do contrato social juntado na PASTA III, fls. MP 657/666).

Porém, informalmente, a existência da Construdaotro Empreendimentos Ltda datava de pelo menos 02/05/91, pois como pode ser constatado pela documentação juntada às fls. 2249/2256, vol. 11, nesse dia essa empresa assina um contrato de empreitada com a Fortenge Construções e Empreendimentos Ltda, envolvendo o objeto do contrato de empreitada n° 76/91 obtido pela Elotec Construções Ltda (na qual nenhum dos réus figurava como sócio, pois seu verdadeiro sócio proprietário era Irineu Rodrigues Gonzalez – cf. contrato social juntado na PASTA III, fls. MP 637/641) para reforma da Delegacia de Polícia e Cadeia de Mauá (cf. contrato DGP n° 76/91 assinado entre a Delegacia

64 Dizemos que as cotas da São Quirino Engenharia e Comércio só foram cedidas formalmente porque mesmo antes de 07/05/91, data da cessão de suas cotas, a Construdaotro Empreendimentos (sucessora da São Quirino) assinou contrato de subempreitada com a Fortenge Construções e Empreendimentos, envolvendo o contrato DGP-76/91, referente a reforma da Delpol e Cadeia de Mauá (cf. doc. juntado às fls. 2249/2256, volume 11). Mais: mesmo após essa cessão das cotas socias da São Quirino e a retirada formal de Agvaldo Arruda de Andrade, ele assinou pedidos de prorrogação de prazos contratuais em nome da São Quirino nos dias 10/07/91 e 04/02/92, relativos a obra de construção da Delpol de Bom Jesus dos Perdões e construção da Delpol de Tapiratiba, inclusive os respectivos aditamentos contratuais (cf. docs, juntados na PASTA III, fls. MP 509/520 e 521/533)

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Geral de Polícia e Elotec Construções Ltda juntado às fls. 2295/2311, vol. 12 e contrato de subempreitada juntado as fls. 2249/2257, volume 11).

A par disso, os réus VIVALDO JÚNIOR, FRANCISCO e ANGELO eram também sócios da Conduto Engenharia e Comércio Ltda., juntamente com Vivaldo Dias de Andrade (pai do réu VIVALDO JÚNIOR). Este último (Vivaldo pai) mantinha uma outra sociedade com seu filho Agvaldo Arruda de Andrade denominada V.A. Engenharia e Comércio Ltda da qual o réu VIVALDO JÚNIOR passou a fazer parte do quadro societário a partir de 21/03/91 (cf. contrato social de fls. MP 645/651, PASTA III).

Além disso, seu outro filho VIVALDO JÚNIOR, além de sócio da Conduto, era também da Construdaotro Empreendimentos (antiga São Quirino Engenharia e Comércio) e gerente da Consesp.

VIVALDO JÚNIOR já se passou até como representante legal da B&Z Construções e Informática Ltda, no documento de credenciamento do seu irmão Agvaldo para representar esta empresa na licitação para reforma da Cadeia Pública de Jundiaí (cf. docs. juntados na PASTA IV , fls. MP 920/928).

Aliás, foi a firma de Agvaldo e Vivaldo pai (V.A Engenharia e Comércio) que acabou concluindo a execução da obra de construção da Delegacia de Polícia de Tejupá (cf. doc. juntado na PASTA III, fls. MP 672/674), muito embora quem tivesse assinado o contrato de empreitada tivesse sido a Construdaotro Construções Ltda, conforme comprova o contrato DGP n°. 12/91 juntado às fls. 1491/1507, vol. 8°, mais uma prova da existência de ligação entre as empresas nominadas.

Mais: o contrato DGP-26/91 para reforma da Delpol e Cadeia de Itanhaém foi assinado pela Delegacia Geral de Polícia com a empresa Construdaotro Construções Ltda. Em vista disso, somente a Construdaotro Construções e mais nenhuma empresa poderia, desde que com expresso consentimento da Delegacia Geral de Polícia, transferir o presente contrato, no todo ou em parte, ou subempreitar os serviços para terceiros, consoante exigência da sua

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cláusula nona (fls. 169, volume 1).

Porém, surpreendentemente e com transgressão à cláusula nona do próprio contrato DGP 26/91, no dia 01/08/91, a Construdaotro Empreendimentos Ltda. (sucessora da São Quirino Engenharia e Comércio Ltda.), representada pelos réus ÂNGELO e FRANCISCO subempreita a execução de obras e serviços de reforma da Delpol e Cadeia de Itanhaém, contrato titular n° 26/91 (sem exceção de nenhum serviço, pois restrição alguma prevê o instrumento contratual, como pode ser visto pela leitura do documento de fls. 2241/2248, vol. 11) para a Fortenge Construções e Empreendimentos Ltda.

Ora, os réus ÂNGELO e FRANCISCO não figuravam como sócios e nem procuradores da Construdaotro Construções em 01/08/91. Logo, ambos não poderiam subempreitar o objeto do contrato para terceiros. Aqui está mais uma evidência de que as empresas referidas pelas testemunhas inquiridas mantinham um estreito liame a ponto de dois sócios de uma empresa, a Conduto/Construdaotro Empreendimentos, assinar um contrato de subempreitada em nome de uma outra empresa, a Construdaotro Construções, da qual aparentemente não tinham nenhuma ligação.

Oportuno lembrar aqui que não procede a alegação do réu FRANCISCO no sentido de que a Construdaotro Construções repassou a obra para a Construdaotro Empreendimentos que, por sua vez, transferiu-a para a Fortenge Construções e Empreendimentos (fls. 2479 e seguintes, volume 12), uma vez que no contrato de subempreitada ficou constando mentirosamente que a contratante (Construdaotro Empreendimentos) é titular do contrato DGP-26/91 (fls. 2241, volume 11).

Os fatos acima expostos nos levam a seguinte conclusão: que, na realidade, a Construdaotro Construções não chegou a concorrer com a Construtora Esteves, a Elotec Construções e com a Zocolotto (empresa essa que já se envolveu em licitação fraudulenta e foi condenada em ação popular – cf. acórdão juntado às fls. 1368/1370, volume 7).

Isto porque quem assinou os documentos das duas

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primeiras empresas (Esteves e Elotec) foi Jonas Agnaldo Pires, funcionário da Consesp, cujos negócios eram geridos pelo próprio sócio proprietário da Construdaotro Construções, o réu CELSO EDUARDO e pelo réu VIVALDO JÚNIOR, enquanto a terceira empresa (Zocolotto) forneceu o nome desse mesmo Jonas para representá-la no julgamento das propostas de preço, prova irrefutável da ausência total de competição.

Em suma, não se tratando a participação de uma empresa em licitação de um ato filantrópico, evidentemente, não há como crer em ajuda mútua de concorrentes, um cedendo seus funcionários para os outros e mais grave ainda permitindo que um funcionário da concorrente assinasse, como representante legal, toda a documentação de dois concorrentes (Elotec e Esteves) e fosse nomeado representante de uma terceira concorrente (Zocolotto).

Essa situação tão absurda foi agravada pelo fato de nenhum dos credenciados terem comparecido à reunião de julgamento das propostas de preço para representar as respectivas empresas e dar cumprimento aos termos do artigo 40, § 2°, da Lei 6544/89, não sendo apurada a identidade das pessoas que assinaram o ata de fls. 138, volume 1 e rubricaram os documentos apresentadas na licitação para pelo menos 02 empresas, com exceção daquelas assinadas por Antonio Jesus da Silva (que firmou referido documento em nome da Construdaotro e Zocolotto – conclusão pericial de fls. 2752, volume 14).

Ora, uma vez apresentada à Comissão Julgadora, a carta

de credenciamento com a identificação do representante da empresa para o ato, tornava-se inviável enviar outra pessoa no lugar daquela indicada nessa carta, a menos que outra carta de credenciamento fosse elaborada. E a presença de Paulo Antonio de Lima, Ailton José Dias, Evandro Nazaré e Jonas Agnaldo Pires na reunião de julgamento das propostas de preço apresentadas pelas empresas proponentes, frise-se mais uma vez, era absolutamente indispensável em face da exigência prevista no artigo 40, § 2°, da Lei 6544/89 (obrigatoriedade de todos os documentos e envelopes propostas serem rubricados pelos licitantes presentes e pela Comissão Julgadora).

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Esses fatos mostram que o resultado da licitação foi fruto de uma manobra arquitetada pelos réus CELSO EDUARDO, FRANCISCO, ANGELO e VIVALDO (contando, evidentemente, com o valioso concurso dos funcionários públicos, sem o que o esquema não teria funcionado por tanto tempo, com a precisão de um relógio suiço e como se tratasse de uma mera ação entre amigos).

Assim agindo, os réus empreiteiros frustraram os princípios do sigilo das propostas e da competitividade que devem imperar em certames licitatórios.

A par disso tudo, sabiam os réus empreiteiros que não poderiam apresentar uma proposta idônea e materialmente exeqüível em razão dos documentos que acompanhavam os convites.

Primeiro porque, o “orçamento” se tratava, nada mais, nada menos que uma simples listagem de preços, não havendo como se inferir se o preço proposto pela Administração estava de acordo com o valor de mercado, o que foi notado pelos peritos que se pronunciaram a respeito desse tópico no seguinte sentido:

“Deve-se consignar que, os processos licitatórios analisados não possuem os elementos técnicos indispensáveis para a realização das propostas técnicas e muito menos com os prazos apresentados.” (fls. 958, volume 5).

Segundo porque não havia um projeto da obra a ser executada e não havia qualquer informação sobre a metragem do prédio a ser reformado.

Os réus empreiteiros sabiam, portanto, que o objeto da adjudicação nada mais era do que um instrumento para solapar o patrimônio publico, tanto que receberam vários créditos indevidos, decorrentes de falsas medições que foram realizadas depois da conclusão definitiva da obra como foi visto no item 4.2 da

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presente manifestação. Pior. A empresa obteve três benefícios criminosos:

a) decorrente do superfaturamento da obra, comprovado pelo laudo de engenharia complementar, como foi explicado quando se discorreu sobre o tópico “MEDIÇÕES FRAUDULENTAS”, em especial às fls. 58/59 da presente manifestação. Aliás, até mesmo o contrato de subempreitada juntado às fls. 2241/2248, volume 11 comprova o superfaturamento da obra. Com efeito. A Construdaotro Empreendimentos Ltda repassou, no dia 01/08/91, sem nenhuma exceção, a realização dos serviços de reforma, relativos ao contrato DGP-26/91 pela quantia de Cr$ 78.000.000,00 (fls. 2242) a preços de JULHO/91.

Assim, a alegação dos réus VIVALDO, FRANCISCO e ANGELO de que não houve superfaturamento da obra não procede, como também não procede a afirmativa de que não se pode falar em superfaturamento tomando por base o contrato com a Fortenge porque a cláusula I, item 1.2 do contrato de subempreitada dispõe claramente que o contrato tem por objeto as obras e serviços de reforma da Delegacia e Cadeia de Itanhaém, sem excepcionar nenhum dos serviços. Além disso, a testemunha Renato Soffiatti Mesquita de Oliveira, sócio proprietário da Fortenge informou que enquanto trabalhou em Itanhaém sua empresa foi a única responsável pela obra, trabalhando desde o seu início até o fim, não havendo necessidade de retorno à obra para reparos após a sua conclusão e entrega (fls. 2590, volume 13).

O valor do contrato DGP-26/91 em julho/91 correspondia a 102.723.347 UFESPs., enquanto o contrato de subempreitada em julho correspondia a 32.206,917 UFESPs. (fls. 2701, volume 1), prova evidente do superfaturamento do valor da obra.

b) em consequência da realização de três medições depois de concluída a obra (4ª, 5ª e 6ª medições), cujos valores foram todos pagos pelas ordens de pagamento conforme consta do quadro 02 a fls. 28 da presente manifestação.

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c) e por força do uso da cláusula de efeitos financeiros retroativos, mediante a qual todos os reajustes tinham como ponto de partida o mês de JANEIRO/90.

E os réus tinham plena ciência da lesividade dessa cláusula, tanto que, por ocasião da assinatura do contrato de subempreitada, ocorrido no dia 01/08/91 ficou convencionado que o preço global a ser pago era de Cr$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de cruzeiros) a preços de JULHO/91, e não JANEIRO/90 como constou no contrato titular DGP 26/91.

d) pela execução de uma reforma pífia, muito aquém do valor recebido, pois conforme apuraram os peritos, a reforma teria consistido nos seguintes serviços: mudança de posição das portas das oito celas; troca de fiação elétrica; colocação de tela na laje de cobertura com complemento de 10 cm de concreto; execução de piso de pátio, com cerca de 200 m2; substituição de telhas cerâmicas por telhas de fibrocimento no prédio da cadeia (fls. 930, volume 5), o que acabou sendo confirmado pelo engenheiro da Fortenge Construções e Empreendimentos que acompanhou a reforma em questão, Marcelo Henrique de Almeida Righi. Segundo ele, os trabalhos não foram além de reforma das celas, inclusive dos banheiros, com reforço do piso, construção de um banheiro novo, revisão do telhado da cadeia e parte administrativa do prédio, pintura das celas (fls. 2592, volume 13).

Desse modo, resulta do conjunto probatório que todos os empreiteiros, dentre eles, CELSO EDUARDO VIEIRA DA SILVA DAOTRO, ANGELO ANTONIO VILLANO, FRANCISCO ALVES GOULART FILHO e VIVALDO DE ANDRADE JÚNIOR, estavam adrede consorciados para desviarem dinheiro público, em conluio com os funcionários públicos sobreditos, valendo-se, para tanto, da encenação de licitações e execução de obras.

Em síntese, tudo não passou de um acordo de cavalheiros, sob a benção dos funcionários públicos a quem competia coibir a

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dilapidação do patrimônio público, de modo que cada uma das empresas envolvidas se apossou de um determinado número de obra, obtida mediante licitação fraudulenta, violando, pois, o artigo 3° do Decreto Lei 2300/86 e da Lei Estadual 6544/89, sendo a beneficiária da vez, neste caso, a Construdaotro, o que resultou na transgressão do sigilo das propostas.

Sobre a importância do sigilo na apresentação das propostas, expôs Hely Lopes Meirelles:

“O sigilo na apresentação das propostas é consectário da igualdade entre os licitantes e de suma importância para a preservação do caráter competitivo do procedimento licitatório, bem como da objetividade do julgamento. Com efeito, o interessado que viesse a conhecer a proposta de seu concorrente antes da apresentação da sua ficaria em situação vantajosa; e o conhecimento prematuro das ofertas poderia conduzir ao seu prejulgamento, com afronta aos princípio do procedimento formal e do julgamento objetivo”. 65

5.5. O CRIME DE FALSO

Quanto à contrafação dos atestados de medição, por parte de ACÁCIO KATO, e das notas de realização, por parte de REGINALDO PASSOS, enntendemos que o fato serviu para possibilitar o crime de peculato, exaurindo-se nele, de maneira que, por analogia, é de rigor que se aplique o disposto na Súmula nº 17 do Superior Tribunal de Justiça que estabele que quando o crime de falso se exaurir no estelionato, por este será absorvido.

Assim, ACÁCIO KATO e REGINALDO PASSOS devem ser absolvidos dos crimes de falso que lhes são imputados.

65 In ob.cit., 12ª edição, p. 30.

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IV. DO PEDIDO DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO PENAL.

Ante todo o exposto, provados os fatos descritos na denúncia, requer-se a procedência parcial da presente ação penal:

1) Em face do crime de peculato, perpetrado em continuidade delitiva, julgando-se procedente a ação penal em relação a todos os réus.

2) Absolvendo-se, ademais, ACÁCIO KATO e

REGINALDO PASSOS das contrafações dos atestados de medição, pelo primeiro, e notas de realização, pelo segundo.

V. DA PENA.

Diferentemente de vários crimes previstos no Código Penal vigente, a escala da pena corporal do peculato desvio é extraordinariamente generosa, variando entre o mínimo de 02 (dois) anos e o máximo de 12 (doze) anos. Só pode haver uma explicação para esta gradação não comum prevista pelo legislador: o entendimento de que o crime de peculato é grave em todo e qualquer caso. Por isso, deu-se ao aplicador da lei a possibilidade de impor uma pena menor para um caso comum e uma reprimenda máxima quando se cuida de um caso de extraordinária gravidade.

O crime de peculato desvio tratado nesses autos, se não atingiu contornos de gravidade máxima, quase chegou a esse limite.

Com efeito não se tratou de um crime ocasional e realizado sem o uso de estratégia. Ao contrário, foi arquitetado um sofisticado esquema fraudulento, cuja atividade se estendeu por anos a fio em virtude da extraordinária sagacidade e experiência dos réus e a estratégica posição ocupada

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por seus principais atores.

Em vista desta atuação criminosa, foi causado à sociedade e ao Estado um prejuízo imaterial imensurável, sem contar os prejuízos de cunho financeiro para o Estado: só neste caso em liça o equivalente a mais de um milhão de dólares.

Com é de sabença comum, uma das causas da crise na área da Segurança Pública do Estado decorre da dificuldade de uma pronta reação à criminalidade em razão, entre outras coisas, pela falta de aparelhamento adequado da polícia, falta de um ambiente de trabalho condigno para abrigar seus funcionários com o fito de minorar o desgaste provocado por um trabalho sabidamente estafante, falta de espaço adequado para abrigar os criminosos, etc..

E a diminuição e inibição da escalada do crime crescem na exata proporção da eficácia do aparelho estatal, como também na exata proporção do grau de risco a que o criminoso está sujeito. Quanto maior o risco de ser apanhado pela malha da Justiça, menor a disposição de cometer crimes.

Pois bem, entre 1990/1991, a administração pública investiu uma grande soma do seu orçamento visando a melhoria dos prédios das Delegacias de Polícia e Cadeias Públicas situadas no interior do Estado e na Capital. Para tanto, houve a resolução de se construir várias novas edificações e reformar outras. Segundo JOÃO CAPEZZUTI foram realizadas cerca de 300 licitações nesse período.

Os réus, especialmente os funcionários públicos, no entanto, demonstrando um exacerbado desvio de conduta, trataram de dar ao plano de obras uma destinação diferente da almejada pela Administração Pública e vislumbraram a oportunidade de valer-se dele para desviar dinheiro do erário.

Dois funcionários públicos, a saber, ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN, sem falar no já falecido Amândio Augusto Malheiros Lopes, tiveram um papel dos mais preponderantes nesse projeto criminoso, como também exercera

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papel de destaque os empreiteiros CELSO EDUARDO, ANGELO ANTONIO, FRANCISCO e VIVALDO.

Embora importante, a grandeza do papel de JOÃO CAPEZZUTTI não se equiparou à relevância dos misteres exercidos por ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN, cabendo o mesmo raciocínio no tocante as tarefas atribuídas aos funcionários de menor expressão dentro da hierarquia policial, REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO.

Conforme se destacou anteriormente, ÁLVARO LUZ por ocasião dos fatos, ocupava o topo da carreira policial, fazendo parte, juntamente com BRAGA BRAUN, de um privilegiado grupo vulgarmente conhecido como “cardeais da polícia civil”.

Inicialmente, ÁLVARO LUZ teve sob seu comando toda as Delegacias de Polícia do interior por força do cargo ocupado: o de Delegado de Polícia diretor do Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo - Interior - DERIN, onde permaneceu entre 01.01.88 até 18.03.91.

A partir de 19.03.91, a ÁLVARO LUZ foi acometido o honroso cargo de dirigir todo o destino da Polícia Civil paulista, pois foi guindado ao cargo de Delegado Geral de Polícia, permanecendo nessa função até 31.03.94.

A vida profissional de BRAGA BRAUN trilhou um caminho semelhante a de ÁLVARO LUZ, chegando ele a ocupar, no período mencionado, dois cargos da maior expressão dentro da hierarquia policial.

Entre 09/05/89 até 18/03/91, BRAGA BRAUN exerceu o cargo de Delegado de Polícia diretor do DEPLAN, estando o Centro de Engenharia, chefiado por REGINALDO PASSOS, subordinado a esse órgão.

Portanto, num órgão do departamento dirigido por BRAGA BRAUN, Centro de Engenharia, é que foram elaborados todas as planilhas orçamentárias e todos os CONVITES expedidos, assim como todo o acompanhamento da execução do contrato.

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Em seguida, ou seja, a partir de 19/03/91, BRAGA BRAUN passa a ocupar um outro importante departamento da Polícia Civil - o de diretor do Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo - Interior - DERIN, em substituição a ÁLVARO LUZ, nele permanecendo até 13/04/94.

A partir de então, a supervisão de todas as Delegacias de Polícia do interior passaram para as mãos de BRAGA BRAUN, assim como a decisão de reservar parte do valor do orçamento desta unidade de despesa para garantia dos créditos das empreiteiras contratadas.

BRAGA BRAUN também chegou a ocupar o importante cargo de Delegado Geral de Polícia entre 30/04/97 a 09/02/99. Antes disso, ele foi designado, por decreto publicado no dia 09/07/96, para ocupar o cargo de Delegado de Polícia diretor do Departamento de Polícia Científica (cf. doc. anexo na PASTA II, fls. MP 253), ao qual estava subordinado o Instituto de Criminalística, órgão que elaborou praticamente todos os laudos de engenharia relativos às licitações fraudulentas realizadas entre 1990/1991. Deixou essa função em 30/04/97.

Assim, tanto ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN não eram funcionários comuns, mas sim, profissionais da mais elevada categoria, graduados, com elevada experiência profissional, incumbindo-lhes, inclusive, zelar pela conduta dos seus subordinados, correicionando-os. Tinham, assim, maior responsabilidade que todos os outros funcionários públicos.

Os dois tiveram, portanto, todas as oportunidades profissionais garantidas à carreira policial.

Em contrapartida aos cargos de maior prestígio ocupados por ambos, melhor remuneração recebiam e tinham, portanto, um dever mais acentuado de zelar pelo bom uso das coisas públicas e de ter uma fidelidade maior para com o interesse público.

Contudo, traindo a confiança neles depositada pela Administração Pública e pela própria sociedade, demonstrando fraqueza de caráter,

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usaram do poder que lhes foi conferido para praticar crimes contra um Estado já depauperado, ocasionando um dano de ordem imaterial incomensurável. Ou seja, louvaram-se justamente de suas graduações, conhecimentos, posições estratégicas ocupadas, para dilapidar o patrimônio público, sob o pretexto de estarem cuidando dos interesses da Administração Pública e do bem estar do contribuinte.

Em razão da criminosa conduta de ambos, autorizando e consentindo que um verdadeiro assalto fosse praticado contra o erário, abalaram a base da Administração Pública e concorreram para deslustrar a função de Delegado de Polícia, cuja atividade primordial é justamente proteger os cidadãos da prática de crimes. E, mais ainda, aproveitando-se da força e prestígio dos cargos exercidos, de forma deliberada e com absoluta indiferença, ambos agiram por um longo período de tempo e repetidas vezes, sem jamais cogitar em colocar um fim à atividade criminosa, permitindo com isso, acintosamente, a dilapidação do patrimônio público em prejuízo da segurança pública, saúde, educação e saneamento básico, setores em que são visíveis as carências, prejudicando justamente a população mais desassistida deste país e comprometendo seriamente a qualidade de uma das mais importantes finalidades do Estado.

A reprovabilidade da conduta de ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN, dessa forma, ganha contornos de especial gravidade. A reprovabilidade cresce, na medida em que maior era a responsabilidade de ambos em função dos cargos exercidos, quer perante os policiais civis, quer perante a sociedade. E sendo a pena a expressão matemática da Justiça e considerando que o resultado altamente gravoso da conduta criminosa praticada por estes réus, que fazendo uso de seus elevados cargos dilapidaram o patrimônio público, cremos que eles merecem uma reprimenda de maior destaque, a meio caminho entre o piso mínimo e o máximo que é de 07 anos.

Isto porque, se num caso dessa natureza, em que os funcionários mais graduados de uma instituição, pagos pelo Estado justamente para, na condição de administradores, zelar pelo bom uso dos bens públicos, se aproveitaram exatamente dessa especial circunstância para perpetrar crimes contra o erário e contra a população, quebrando o dever de fidelidade, não se aplicar pena corporal próxima do teto, então resta perguntar: quando isso poderá ocorrer?

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Ora, se ÁLVARO LUZ, como Delegado Geral de Polícia, não tivesse assinado o contrato de empreitada, valendo-se de expediente licitatório maculado de vícios de toda natureza e BRAGA BRAUN não tivesse, como diretor do DERIN, autorizado e emitido notas de empenhos, com violação dos preceitos básicos previstos na lei de licitações e na própria lei de orçamento (Lei Federal nº 4320, de 17/03/64), induvidosamente, nenhum tostão teria saído ilegalmente dos cofres públicos.

A personalidade deles, outrossim, revelou-se defeituosa, porque são pessoas financeiramente bem sucedidas, pessoal e profissionalmente, e que não precisavam se desviar de uma vida honesta para satisfação de suas necessidades pessoais ou mesmo de seus caprichos.

A empresa Construdaotro, de CELSO EDUARDO, assim como os réus FRANCISCO, ANGELO ANTONIO e VIVALDO, por sua vez, foram os destinatários do produto do desvio. Todo o aparelho administrativo estatal esteve, por longos anos a fio, com a anuência de dois graduados funcionários da Polícia Civil, a serviço dessa empresa e da Conduto/Construdaotro Empreendimentos, com o propósito de forrar seus cofres criminosamente.

O desvalor da ação desses réus é ainda maior se

considerado o prejuízo material daí resultante, o equivalente a mais de um milhão de dólares, quantia bastante elevada para os padrões brasileiros.

Daí porque entendemos que a mesma pena corporal fixada a ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN há de ser imposta aos empreiteiros CELSO EDUARDO, FRANCISCO, ANGELO ANTONIO e VIVALDO, destinatários do numerário desviado.

No tocante à pena de multa, requeremos seja adotado o mesmo critério de aumento proposto, pois referidos réus não podem ser considerados pobres. Ao contrário, eles valeram de suas privilegiadas posições financeira e profissional para o fim de dar um grande golpe nos cofres da Administração Pública.

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Ao Delegado de Polícia JOÃO CAPEZZUTTI também foi atribuída uma posição importante dentro desse esquema fraudulento. Sem a sua colaboração o sucesso do engenho criminoso teria sofrido um duro golpe.

A JOÃO CAPEZZUTTI coube, conforme já debatido, a responsabilidade por todos os julgamentos dos temerários certames, sem nenhuma exceção, contando com o auxílio e conivência do engenheiro ACÁCIO KATO. Para tanto, ambos tentaram dar um ar de aparente regularidade ao julgamento das propostas de preço das licitações realizadas no já referido período. Apesar de gritantes evidências de irregularidades, tais como, planilha de orçamento com valor retroagido em 13 (treze) meses, falta de publicidade do ato, escolha de modalidade licitatória imprópria, simulação de um julgamento onde as pessoas credenciadas nem sequer compareceram no dia marcado para o ato, visível favorecimento a um grupo restrito de empresas, que nem sequer teve o cuidado de apresentar documentos regulares, etc., ambos mantiveram um obsequioso silêncio.

O papel desempenhado por REGINALDO PASSOS, responsável pelo Centro de Engenharia, dando início a uma fictícia licitação, recomendando, indevidamente, a eleição de uma modalidade licitatória ilegal e, no curso da execução do contrato anuindo com a elaboração, por parte de ACÁCIO KATO, de cálculos realizados com lastro em medições fraudulentas para o fim de dar embasamento às notas de realizações, também foi de grande valia para os fins criminosos visados pelo grupo de empreiteiros.

Não fosse a colaboração emprestada pelos réus JOÃO CAPEZZUTTI, REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO à ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN, a quem foram atribuídos poderes decisórios, o direcionamento dos convites não teria ocorrido, o objeto da licitação não teria sido adjudicado à Construdaotro, prejudicando os propósitos criminosos adrede combinados com a quadrilha e o desvio de dinheiro dos cofres públicos ficaria seriamente comprometido.

Dessa forma, é evidente que esses réus (JOÃO CAPEZZUTTI, REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO) contribuíram, de qualquer modo, para o sucesso das ações ilícitas que culminaram no desencaminhamento de

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dinheiro público, embora tenha que se admitir, em homenagem ao princípio da Justiça, que seus atos não alcançaram, até pelas posições hierárquicas por eles ocupadas, o grau de reprovabilidade das condutas de ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN, então dirigentes maiores de dois importantes órgãos da Polícia Civil, que, num ato de traição, usaram do poder político e administrativo que detinham para desviar dinheiro do erário contra a Administração e contra a população.

Observe-se, ainda, que na condição de Delegado Geral de Polícia e diretor do DEPLAN (até 18/03/91) ÁLVARO LUZ e BRAGA BRAUN, respectivamente, foram superiores hierárquicos de JOÃO CAPEZZUTTI, então divisionário da Divisão de Materiais do DEPLAN, como também de REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO, ambos funcionários do Centro de Engenharia do DEPLAN, órgão responsável por toda a parte de engenharia, fiscalização e medição da obra.

BRAGA BRAUN, portanto, tal como o Delegado Geral de Polícia ÁLVARO LUZ, eram as peças chaves para o sucesso da empreitada criminosa. E como já foi objeto de comentário anterior, no momento em que um grupo de empresários resolveu conjugar seus esforços para desviar dinheiro público desse porte, seguramente, não procurou aliciar funcionários subalternos, sem poderes decisórios, especialmente quando seus chefes eram escolados policiais, que ocupavam cargos da mais alta categoria dentro da administração da Polícia Civil.

Diante de todas estas circunstâncias entendemos ser de justiça fixar uma pena corporal e pecuniária menor aos réus JOÃO CAPEZZUTTI, ACÁCIO KATO e REGINALDO PASSOS, do que aquela imposta à ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN e aos empreiteiros CELSO EDUARDO, FRANCISCO, ANGELO ANTONIO e VIVALDO.

Sempre oportuna a lição de Bento de Faria, que pedimos venia para colacionar:

"A pena há de consistir na ameaça de um mal como meio de tutelar a ordem jurídica com a finalidade de reprimir e prevenir a criminalidade.0 perigo da sua perturbação não reside no fato praticado, mas na eficiência perigosa de quem o realiza.A sociedade tem o direito e o dever de defender-se e cumpre que o exerça

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com maior ou menor intensidade, atendendo ao maior ou menor vigor maléfico da personalidade que a enfrenta para perturbar ou malferir o desenvolvimento da sua vida.Conseqüentemente, essa diversidade de ofensas cometidas por agressores desiguais havia de exigir que a reação se aperfeiçoasse por outros moldes.Nem sempre são iguais, mas quase sempre são dissemelhantes, sob o aspecto da responsabilidade, os praticantes de um mesmo ato de igual gravidade objetiva.Assim, a pena havia de ser adequada e idônea, isto é, psicologicamente proporcional ao crime." 66

Ou então nas encantadoras palavras de Roberto Lyra:

"A rigor, há arbítrio na lei, no seu apriorismo, na sua abstração, na sua dureza. Nas mãos dos juizes, o texto deixa de ser arbitrário, humanizando-se, sensibilizando-se, adaptando-se à vida e à personalidade de cada homem. Portanto, é a lei que renuncia ao seu egoísmo e vai palpitar, ao rítmico flagrante do convívia social, através da toga. Os mandamentos legais são frios e autoritários. Para o homicídio - de 12 a 30 anos. Por que? Para que? Com a liberdade dos juizes responsáveis, não somente em atenção a circunstâncias convencionais enumeradas, e sim à realidade integral de cada homem e de cada fato, dentro do meio, obtém-se o máximo de equidade, isto é uma defesa social coincidente e justaposta.A função social rompe as grades do automatismo obscuro e rotineiro que, antes dos réus, prendiam a consciência de seus julgadores. Destrói-se a velha máquina de fabricar justiça, através da igualdade iníqua de um tratamento de superfície, de aparência, de quantidade..." - grifamos 67

Outrossim, há que se observar que a denúncia fez expressa referência aos cargos em comissão ocupados pelos Delegados de Polícia ÁLVARO LUZ, BRAGA BRAUN, JOÃO CAPEZZUTTI, REGINALDO e ACÁCIO KATO.

Apesar disso, na parte final da exordial houve referência a causa especial de aumento previsto no artigo 327, § 2º, do Código Penal, apenas em relação aos réus funcionários públicos e aos réus FRANCISCO, ANGELO e VIVALDO JÚNIOR (em relação a esses três últimos por ocasião do aditamento da denúncia de fls. 2201/2212, vol. 11), o que não impede o seu reconhecimento em

66 Código Penal Brasileiro, Livraria Jacintho Editor, 1942, volume lI, página 0567 Roberto Lyra Comentários ao Código Penal, Revista Forense, 1942, volume lI, página 159/160.

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relação a todos, porque o réu se defende dos fatos delituosos narrados na denúncia, e não da sua classificação.

Nesse sentido já se sedimentou a jurisprudência. Desse tema, trata o aresto a seguir colacionado:

"Defende-se o réu dos fatos descritos na denúncia, e não da capitulação nela contida. Assim, estando descrita na denúncia a agravante reconhecida na sentença, embora não inicialmente capitulada pelo Ministério Público, o reconhecimento não acarreta nulidade, verificando-se, então, a emendatio libelli, expressamente permitida pelo art. 383, do CPP, e não mutatio libelli referida pelo art. 384, parágrafo único do referido Código. Desnecessária, assim, a baixa dos autos para o aditamento à denúncia, com posterior manifestação da defesa." 68

Ora, comprovado que está nos autos que os réus funcionários públicos ocupavam cargos ou funções de direção: ÁLVARO LUZ, Delegado Geral de Polícia; BRAGA BRAUN, diretor do Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo - Interior – DERIN; JOAO CAPEZZUTTI, presidente da comissão julgadora de licitação e divisionário da Divisão de Material do DEPLAN; REGINALDO PASSOS, chefe do Centro de Engenharia do DEPLAN; e ACÁCIO KATO, engenheiro fiscal e membro da comissão de licitações; há que se aplicar a todos eles, indistintamente, inclusive aos réus não funcionários públicos, a causa de aumento prevista no § 2º, do artigo 327, do Código Penal.

Quanto ao réu ÁLVARO LUZ, não resta nenhuma dúvida de que exercia cargo de direção, pois ele foi diretor do DERIN, depois Delegado Geral de Polícia, fato conhecido por BRAGA BRAUN, JOÃO CAPEZZUTTI e REGINALDO PASSOS, como também pelos co-réus empreiteiros.

Cada um dos funcionários públicos também conhecia o cargo ocupado pelo outro, BRAGA BRAUN porque, na condição de diretor do DERIN e DEPLAN, foi superior hierárquico de REGINALDO PASSOS, ACÁCIO KATO e JOÃO CAPEZZUTTI. 68 BMJ, TACRIM 79/12, un., 20.09.89, da Câmara, apel. 549.933-1, relator juiz Lourenço Filho.

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Os cargos ocupados por REGINALDO PASSOS e ACÁCIO KATO eram conhecidos dos empreiteiros CELSO EDUARDO, FRANCISCO, ANGELO e VIVALDO, pois eles dependiam do trabalho daqueles para obtenção dos créditos mensais.

É bem verdade que as circunstâncias e as condições de caráter pessoal não se comunicam, salvo quando elementares do crime (artigo 30 do Código Penal).

No entanto, as circunstâncias indicadas na causa de aumento mencionada (artigo 327, § 2º, do Código Penal) não são e jamais podem ser consideradas de caráter pessoal, se não que se tratam de circunstâncias objetivas, exteriores à pessoa do agente, tanto que mesmo havendo substituição dos dirigentes, o cargo em si permanece. Ou seja, não se confunde cargo com o agente que o ocupa, tratando-se, pois, o cargo de condição objetiva, comunicando-se, portanto, a todos, especialmente porque era conhecida de todos os envolvidos na trama criminosa.

Dessa forma, a causa de aumento prevista no § 2º, do artigo 327, do Código Penal, deve incidir sobre a pena corporal base fixada para cada um dos réus.

Outrossim, porque a conduta dos réus foi renitente, repetindo-se, neste caso, por 16 (dezesseis) vezes e por um enorme lapso temporal, imperioso que o aumento, decorrente da continuidade delitiva, se dê em 2/3 (dois terços).

Requeremos isso em vista do interessante critério adotado pelo Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.

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"Critério de acréscimo de pena para efeito de continuidade delitiva pelo Tribunal de Alçada Criminal: 1 - até dois crimes, o acréscimo deve ser de 1/6; 2 - até três crimes, 1/5; 3 - até quatro crimes, 1/4; 4 - até cinco crimes, 1/3; até seis crimes, 1/2; até sete crimes, 2/3.” 69

Por fim, a majoração decorrente da renitência criminosa deve ser estendida também ao réu JOÃO CAPEZZUTTI, porque, malgrado tenha interferido na ação delitiva inicial (licitação falaz), sua ação possibilitou os reiterados desvios que se sucederam ao temerário certame.

São Paulo, 10 de fevereiro 2003.

IURICA TANIO OKUMURA1º PJ Criminal do Tatuapé

FERNANDO HERNANDEZ JOSÉ47º PJ Criminal

TATIANA VIGGIANI BICUDO61º PJ Criminal

JAQUELINE MARA LOREZENTTI MARTINELLI

5º PJ do III Trib. Júri

69 Jutacrim 89/219

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