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209 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014 ARTIGOS Processos de trabalho da manufatura à maquinaria moderna Work processes: from manufacture to modern machinery Alfredo Batista* Resumo: Apresentar o movimento da categoria trabalho no interior dos processos de trabalho estruturados e efetivados desde o artesanato até a maquinaria moderna. Nesses processos ocorreram rupturas e continuidades na esfera da organização do trabalho, bem como nas instâncias da revolução científica e tecnológica. Os resultados manifestados nas relações cotidianas, durante os processos de trabalho, entre os homens e a natureza contribuíram para criar campos de pos‑ sibilidades de objetificações que afastaram os homens das barreiras naturais. No entanto, as experiências vivenciadas pelos trabalhadores ampliaram o universo individual e coletivo de reificação em seus diferentes níveis de sociabilidade, dificultando e impedindo-os de viverem e estruturarem uma vida plena de sentido. Palavras‑chave: Trabalho. Processo de Trabalho. Sociabilidade. Abstract: To present the movement of the category work inside the work processes structured and brought about from craftsmanship to modern machinery. In such processes there were ruptures and some continuity both in the field of work organization and in the scientific and technological area. The results in the daily relationship between man and nature during work processes contributed to create possibilities of objectification that moved the former away from natural barriers. However, the workers had experiences that broadened the individual and collective universe of reification in their different levels of sociability, which both made it difficult and prevented them to live and structure a life full of sense. Keywords: Work. Work process. Sociability. * Graduado em Serviço Social e Filosofia; mestre e doutor em Serviço Social, área de concentração Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela PUC‑SP; professor associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná — Unioeste, Campus de Toledo — Paraná/PR, Brasil; docente no curso de graduação em Serviço Social e dos Programas de Pós‑Graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional da Unioeste. E‑mail: [email protected].

Processos de Trabalho, Da Manufatura à Máquina Moderna

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Discuti o papel do artesanato nos novos contextos de tabalho

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  • 209Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 118, p. 209-238, abr./jun. 2014

    ARTIGOS

    Processos de trabalhoda manufatura maquinaria moderna

    Work processes: from manufacture to modern machinery

    Alfredo Batista*

    Resumo: Apresentar o movimento da categoria trabalho no interior dos processos de trabalho estruturados e efetivados desde o artesanato at a maquinaria moderna. Nesses processos ocorreram rupturas e continuidades na esfera da organizao do trabalho, bem como nas instnciasdarevoluocientficaetecnolgica.Osresultadosmanifestados nas relaes cotidianas, durante os processos de trabalho, entre os homens e a natureza contriburam para criar campos de possibilidadesdeobjetificaesqueafastaramoshomensdasbarreirasnaturais. No entanto, as experincias vivenciadas pelos trabalhadores ampliaramouniversoindividualecoletivodereificaoemseusdiferentesnveisdesociabilidade,dificultandoeimpedindo-osdeviverem e estruturarem uma vida plena de sentido.

    Palavraschave: Trabalho. Processo de Trabalho. Sociabilidade.

    Abstract: To present the movement of the category work inside the work processes structured and brought about from craftsmanship to modern machinery. In such processes there were ruptures and some continuitybothinthefieldofworkorganizationandinthescientificandtechnologicalarea.Theresultsin the daily relationship between man and nature during work processes contributed to create possibilities ofobjectificationthatmovedtheformerawayfromnaturalbarriers.However,theworkershadexperiencesthatbroadenedtheindividualandcollectiveuniverseofreificationintheirdifferentlevelsofsociability,whichbothmadeitdifficultandpreventedthemtoliveandstructurealifefullofsense.

    Keywords: Work. Work process. Sociability.

    *GraduadoemServioSocialeFilosofia;mestreedoutoremServioSocial,readeconcentraoPolticas Sociais e Movimentos Sociais pela PUCSP; professor associado da Universidade Estadual do Oeste do Paran Unioeste, Campus de Toledo Paran/PR, Brasil; docente no curso de graduao em Servio Social e dos Programas de PsGraduao em Servio Social e Desenvolvimento Regional da Unioeste. Email: [email protected].

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    Processo de trabalho na idade mdia

    O artesanato

    Leo Huberman (1985), em sua obra Histria e riqueza do homem, sutil e assertivamente enfatiza que a centralidade das relaes humanas no perodo medievo sculo IV d.C. ao XVI constituise, efetivamente, na vida prtica.1 Desde o princpio, reis, prncipes, senhores feudais, clrigos, comerciantes, empresrios, vassalos, servos, escravos, trabalhadores assalariados e artesos precisavam vestirse, comer, usufruir de objetos estticos e de outras mercadorias.

    Mas, quem eram os responsveis por produzir bens de consumo para dar conta das necessidades do estmago e das fantasias da maioria da populao no perodo medieval? Trabalhadores, institudos juridicamente na sociedade medieval na condio de servos (a maioria), vassalos, escravos, camponeses e trabalhadores livres.2 Ao mesmo tempo, os trabalhadores servos, em especial, tinham que cumprir a obrigao legal de pagar tributos ao seu senhor e dzimo Igreja. Se no bastasse tal grau de subordinao e deveres, jamais podiam reclamar das terras concedidas pelos senhores feudais, independente das condies de fertilidade encontradas (Pirenne, 1982).

    A relao contratual estabelecida entre o senhor das terras e os trabalhadores, em suas diferentes condies de vnculo, no ocorreu de forma linear durante o perodo medievo. Conforme Jnior (1988), a Idade Mdia, um dos momentos mais emblemticos da histria das civilizaes, materializou sua

    1. Lukcs (1979, p. 13) categrico quanto ao ponto de partida e de chegada da fundamentao terica marxiana e da tradio marxista: a realidade social enquanto critrio ltimo do ser ou no ser social de um fenmeno.

    2. A forma de tratamento dado pelo senhor feudal em relao ao servo vinculado ao seu feudo diferenciava profundamente ao perodo escravocrata que antecede a Idade Mdia. Os senhores feudais transformaramnos dependentes s leis e aos costumes do feudo em que estabeleciam sua moradia em conjunto com seus familiares. Na condio de camponeses, servos, vassalos, escravos e/ou trabalhadores livres, no podiam ser vendidos. O domnio de vnculo contratual delimitado por meio do pagamento via (arrendamento da terra, tarefa, salrio, trocas de alimentos, moradia e algumas moedas) no garantia, aos trabalhadores, a condio de deixar o espao fsico em que viviam com seus familiares sob o poder do senhor feudais. A segurana conquistada pelos trabalhadores em seus diferentes tipos de vnculos, apesar de restrita, diferenciava profundamente do escravo da sociedade antiga (Jnior, 1988).

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    existncia dividida em quatro perodos: a primeira Idade Mdia sculo IV ao VII ; a alta Idade Mdia sculo VIII ao X; a Idade Mdia central finaldosculoXaoXIII;eabaixaIdadeMdia,apartirdasegundametadedosculo XIII at incio do XVI.3

    Com a derrocada do Imprio Romano, as condies econmicas, sociais, polticas, culturais e religiosas enfrentaram profundas fraturas em suas estruturas, dentre as quais se destacavam: existncia de uma ampla extenso territorial deixada pelo Imprio Romano em territrio ocidental e oriental; desenvolvimento de uma economia totalmente dependente da terra; convivncia com uma base tcnica simples dos instrumentos de trabalho,4 no permitindo ir alm da realizao de prticas primitivas, impedindo o avano na esfera da produo de alimentos para atender s necessidades de todos os envolvidos; produo de excedentes para comercializao no mercado; e problemas expressivos enfrentadosnaesferadademografia.

    Ademografiafoiumelementodeterminantequepautouomovimentodosprojetos das classes dominantes no perodo medievo. Com a derrocada do Imprio Romano sculo III d.C. , a sociedade no conseguiu organizarse rapidamente, impactando de forma direta nas reas, rural e urbana. As terras cultivveis que subsidiavam a maior parte da populao, por meio das suas colheitas, deixaram de cumprir esse papel. Sem alimentos, faminta, a populao urbana obrigouse a migrar para o campo em busca de um pedao de terra para plantar.

    A insegurana tomou conta da populao. Qualquer alterao provocada pela fora da natureza ou do homem que afetasse as plantaes desencadeava, como consequncia imediata, a baixa produtividade, contribuindo decisivamente para a falta de alimentos. Dentre as consequncias diretas encontravase areduodemogrfica,atingindodiretaeindiretamenteatodos.Anecessidade em manter trabalhadores e no trabalhadores em condies de existncia cotidiana tornou um pesadelo para as classes dominantes. A maioria da populao caiu na desgraa da pobreza e da misria humana. No suportando a

    3. Essa forma de diviso temporal uma das interpretaes dos historiadores que tratam sobre a temtica Idade Mdia.

    4. A lavra era realizada por instrumentos rudimentares como a charrua por meio de animais de trao (Heers, 1988).

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    situaolimite de humano, a morte tornouse companheira de uma parcela expressiva da populao. Todos os dias, uma grande quantidade, de vidas era ceifada.5 Se no bastasse esse cenrio, destruidor de almas humanas, outro fatorcausoualteraonegativanasestatsticasdemogrficas:apresenadeepidemias, como a malria do sculo III ao V e a varola do sculo VI ao VIII. Tudo indicava que, em diferentes tempos e espaos, a populao comeavanovamenteaaumentarapartirdofinaldosculoVIII(Jnior,1988).Com a retomada do crescimento populacional, o perodo medievo foi marcado por um segundo momento histrico: a alta Idade Mdia. Nesse momento a sociedade medieval reorganizouse, abrindo espaos para a retomada do desenvolvimento na esfera da produo e da reproduo social.6

    Vivendo em novas condies econmicas, polticas e sociais, preparadas durante a alta Idade Mdia, organizouse na Europa ocidental o perodo medievo denominado de Idade Mdia central sculo XI ao XIII. Nesse perodo, as composies das classes sociais ganharam a fora dos comerciantes e da prpria Igreja, preocupados em como criar as bases concretas para desenvolver a economiaparaalmdaproduobaseadanaterra,oquenosignificavaabandonla. nesse perodo que a Igreja Catlica, sob o argumento de garantir a dominao no campo da f ao cristianismo retomada de Jerusalm que estava sob o domnio dos muulmanos , prope a realizao do movimento das cruzadas, tambm conhecido como Guerra Santa. A ao desenvolvida pela Igreja Catlica Apostlica Romana Guerra Santa registrou sua primeira batalha em 1096,finalizandoesseempreendimentoem1316.Jnior(1988)enfatizouqueesse empreendimento religioso/poltico no obteve sucesso em seus propsitos. Como consequncia imediata, as relaes polticas e econmicas entre Ocidente e Oriente estremeceuse, em particular no que se refere ao relacionamento

    5. A situao de calamidade pblica a que chegou a populao nveis de pobreza e misria alarmantes levou uma parcela expressiva dela a tomar decises no aceitas pela Igreja, dentre as quais se destacavam prticas anticonceptivas e abortivas, sendo que o infanticdio tornouse tambm uma prtica corrente. No entanto, outras atitudes negadoras dos fundamentos civilizatrios eram efetivadas. Uma crnica da regio daMoselaafirmaque,emfinsdosculoVIII,oshomenscomiamosexcrementosunsdosoutros,homenscomiamhomens,irmosseusirmos,asmesseusfilhos(Jnior,1988,p.27).

    6.Nesseperodo,sculoVIIIaoX,sobodomniodoImprioCarolngio,ocorreramavanossignificativos no movimento civilizatrio. Carlos Magno, ao ser coroado pelo papa Leo III, conseguiu com inteligncia e habilidade unir as foras da Igreja Catlica e dos reinados. A partir desse momento os poderes dos reis e da Igreja Catlica passaram a caminhar juntos.

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    entre cristos e muulmanos. Positivamente, a realizao das cruzadas desenvolveu expressivamente a economia no Ocidente, que tinha como palco comercial central o mar Mediterrneo.

    Vivendo em condies econmicas, polticas e sociais adversas e no obtendo sucesso no movimento desencadeado pelas cruzadas, os poderes estabelecidos enfraqueceram e se obrigaram a alterar as regras do jogo acordadas com os trabalhadores servos. A atitude imediata recaiu sobre os servos: senhores feudais em conjunto com o clero propuseram rever as bases dos contratos realizadoscomosservos.Vivenciandodificuldadesqueextrapolavamsdeperodos anteriores primeira Idade Mdia e alta Idade Mdia , senhores feudais em conjunto com o clero no vacilaram em tomar decises autoritrias: iniciam processos de interveno nas relaes jurdicas acordadas. Lembremos que a maioria das leis existentes ocorria sob a jurisdio dos costumes.7 Nesse exato momento os acordos pblicos sofreram profundas intervenes. Senhores feudais e representantes oficiais da IgrejaCatlica deixamde cumprir seuscontratos com os trabalhadores, o que causa profunda crise na relao.

    Um enorme contingente de trabalhadores servos e seus familiares expulso das terras que eles arrendavam. Na condio de abandono, destitudos de qualquer condio mnima de existncia material, foram jogados nas estradas. Humilhados, restava apenas uma escolha frente ao leque possvel de alternativas: roubar e furtar. Essas atitudes contriburam para criar, embrionariamente, umaquantidadesignificativadebensemespcieedeobjetos.Osobjetossaqueados, em momentos oportunos eram trocados e transformados em espcie no mercado. Na condio de renegados dos seus espaos fsicos feudos , os servos deixaram os membros das classes dominantes em alerta.8

    7. Enquanto as sociedades so movidas pelos costumes, o direito uma pea desconhecida. No entanto, com o desenvolvimento da diviso do trabalho tcnico e social, as situaes cotidianas tomam outros sentidos, pois deixavam de ter uma nica posio teleolgica para dar espao para duas ou mais posies. Nessa sociedade mais evoluda, o direito era parte constitutiva da superestrutura para regular a economia e o projeto societrio da classe dominante em voga.

    8. Porm, alm da situao desigual que os servos vivenciavam, duas manifestaes cotidianas assolaram a Idade Mdia central: a) por um lado, as classes dominantes comearam a ter que enfrentar as epidemias que assolavam as casas dos trabalhadores e opressores; b) a concorrncia entre os poderes estabelecidos instaurouprocessosconflituososguerrasciviscomafinalidadedeconquistarnovosterritrios,condio poltica necessria para ampliar o poder ou somente para defender o patrimnio em jogo. As relaes entre os poderes estabelecidos contavam com o papel da Igreja Catlica no processo de rearticulao dos poderes, bem como na convivncia com outras dimenses da poltica e do seu domnio.

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    Alm do objeto sagrado terra, responsvel por produzir alimentos para saciar as necessidades do estmago de todos e, quando possvel, transformar parte em produtos excedentes para ser entregue aos senhores feudais, outros bens comearam a ser produzidos em escala comercial. Alguns trabalhadores, detentores de conhecimentos tcnicos em criar objetos artesanais iniciam uma relao diferenciada no interior do feudalismo. Individualmente, constroem seus ofcios9 e, na condio de mestres e/ou aprendizes realizam suas atividades criando e desenvolvendo objetos para serem comercializados.10

    A categoria ontolgica trabalho requeria, nesse momento, uma ateno diferenciada.11 Com a mudana embrionria nas relaes de poder poltico e econmico, abriuse uma lacuna na histria medieval para que o processo de trabalho determinante, pautado no objeto histrico terra e seus instrumentos simples de interveno , fosse impactado em suas razes. O trabalho humano, mediador no campo de possibilidades de realizaes teleolgicas, experimentava, cotidianamente, alteraes em suas manifestaes. At aquele momento histrico medievo, a manifestao direta e intensa dos trabalhadores com a terra, ao colocarem suas energias fsicas e psquicas para o outro (senhor feudal), estabelecia uma relao de total dependncia. Na condio de servo, seu nico encontrocomavidaresumia-sefiguradesubordinaoaoseusenhoreaoclero.A vontade do servo s se realizaria se a vontade do senhor fosse contemplada.

    9. A formao da corporao tinha elementos fundantes que demarcaram historicamente sua existncia. Na suaorganizao interna, cada corporao era constitudapor vrias oficinas, as nicas quepodiamproduzirumadeterminadamercadorianaquelacidade.Cadaoficinapertenciaaumindivduoconhecidopormestre, dono da matriaprima, das ferramentas e do resultado econmico gerado pela produo. Os vrios mestresformavamumcolegiadoquedirigiaacorporao,isto,quefiscalizavaorespeitoaosregulamentoscorporativos. O mais importante destes era impedir qualquer diferenciao de produo (e, portanto, concorrncia)entreasoficinas:otipodematria-prima,aquantidadeproduzida,opreodevendadeviamserrigorosamente iguais. O fundamental era manter o esprito de cartel daquela associao (Jnior, 1998, p. 55).

    10. Os trabalhadores aprendizes, em sua maioria, aps um perodo de experincias e apropriao dos conhecimentos tcnicos, emancipavamse, assumindo a titularidade de mestre arteso. Aps autorizao da AssociaodosArtesos,osnefitosaprendizesformadospodiamabrirseusofcios,dandocontinuidadeaoritual da corporao. Os conhecimentos tcnicos transferidos aos trabalhadores aprendizes nos ofcios por meio dos mestres artesos eram pagos em dinheiro pelos prprios aprendizes.

    11. A centralidade do trabalho possibilitanos compreender como que a mediao realizada, durante o processo de trabalho, independe de qual momento histrico, pois o trabalho, portanto, enquanto formador de valores de uso, enquanto trabalho til, uma condio de existncia do homem, independente de todas as formas de sociedade (Marx, 1975a, p. 10).

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    Agora, uma parcela de trabalhadores rompe a relao de dependncia com o senhor, proprietrio do feudo e estabelece, perante o outro que o dominava, uma relao de autonomia. A situao, criada e colocada em movimento, inaugurava a reconstituio do processo produtivo que tinha, como objeto de trabalho, diferentes matriasprimas, entre elas a terra.

    Inovados personagens produtivos entraram em cena na esfera da produo material. Mestres, artesos e aprendizes avanaram em suas aes produtivas e reprodutivas. Incorporados ao sistema poltico e econmico da poca, cumpriram suas obrigaes legais perante as ordens jurdicas de acordo e conforme alocalizaogeogrficaemquedesenvolviamsuasatividadese,rapidamente,organizavamse em entidades denominadas de guildas.12 Organizados, ampliavam suas foras polticas, pressionando a forma de ser e de existir do modo de produo capitalista, em sua fase embrionria, no que se referia dimenso industrial. O arteso entrava em cena e registrava, nos anais da histria da humanidade produtiva e reprodutiva, o campo de possibilidades em colocarse enquanto ser social na esfera da produo artesanal.

    a partir desse lugar que o trabalhador, arteso, passa a ter a condio de escolher o que, como e para quem produzir seus objetos. Suas decises possibilitam estabelecer o encontro em sua totalidade com a natureza. O arteso atribua vida s suas potencialidades, conhecia seus segredos e emocionavase com suas surpresas, agora no mais dirigida pelo olhar e vontade do outro, mas sim a partir da sua vontade.

    Motivado pelo desejo prprio, autnomo, em sua forma de participar da vida econmica, poltica, social e religiosa da poca em questo, os artesos eramosresponsveisporcolocaremdeterminadafinalidadenoobjetoasertransformado. Esse fazer cotidiano garantia que os artesos, nas esferas

    12. O arteso, ao defender seus interesses, deparouse com alguns problemas de ordem econmica e poltica. As primeiras associaes, denominadas guildas, criadas a partir do sculo XI pelos comerciantesmercadoresprofissionais,permaneceramativasdefendendoavidamenteseusinteressesdurante o perodo medievo. Os comerciantes, por sentiremse ameaados pela associao dos mestres artesos, constitudoslegalmentenosculoXII,criaramdificuldadesaosartesosprincipalmentenaesferada

    legislao.Pressionadaspermanentemente,apesardasolidezinstituda,asassociaesprofissionaisde

    artesos, formadaspormestresdevriasoficinas,noconseguiramdifundi-lasoquantoesperavame

    necessitavam.

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    objetivo/subjetivas,chegassem,aofinal,dominandoatotalidadedoprocessode trabalho. O arteso mestre e seu aprendiz, ao pensarem, desenvolverem e efetivarem suas teleologias em determinado objeto material, apropriavase de conhecimentos tcnicos e de outras determinaes objetivosubjetivas. Este aprendizado possibilitava apropriarse de novas habilidades e descobertas de elementos diferenciados em todo o processo de produo. Na condio de autor e ator durante o processo de trabalho, o arteso e seu aprendiz, conscientesouno,compreenderamque,nofinaldoprocesso,sujeitoeobjetonoeram os mesmos. Sujeito absoluto na relao com a natureza e com os prprios homens,oconhecimentodetodooprocessodetrabalhoartesanalficavasobo domnio do arteso mestre e do aprendiz, o que os fortaleciam tcnica e politicamente.

    Em seu tempo e espao, os artesos livres, na condio de sujeitos da sua prpria histria, construram caractersticas que demarcaram o processo de trabalho em que estavam vinculados: 1) As atividades cotidianas eram desenvolvidas no interior dos ofcios, com dimenses espaciais diferenciadas (acolhiam os mestres artesos e seus aprendizes); 2) Os trabalhadores, intitulados mestres artesos, eram proprietrios dos ofcios, dos instrumentos de trabalho, da matriaprima, da apropriao do lucro acumulado no processo e dos conhecimentos adquiridos, os quais, em diferentes nveis, eram socializadoscomosaprendizesemcondiesparticularesdeconfianaentreaspartes; 3) A diviso tcnica e social do trabalho no mbito dos ofcios era de extrema responsabilidade dos mestres artesos, sendo que as atividades desenvolvidas e seus diferentes movimentos no sofriam a diviso pormenorizada durante a execuo das atividades. Estas congregavam aes repletas de teor tcnico, criando unidade entre o pensar e o fazer do arteso e, no processo, os trabalhadores aprendizes apropriavamse deste domnio; 4) A fora de trabalho, impregnada de conhecimentos tcnicos e intuitivos, incorporava contedos que no permitiam que o outro alterasse o campo de decises de forma direta e/ou indireta; 5) A autonomia dos artesos, em todo o processo de trabalho, abria a possibilidade de os seres sociais exercitarem o campo da liberdade em diferentes sentidos (a liberdade de escolha ampliava ograude reflexo em suas aes cotidianas, possibilitando avanarememdireo ao ser genrico); 6) A forma de produzir e reproduzir dos artesos

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    mestres e dos aprendizes incomodava outras foras vivas, em particular o poder dos burgueses comerciantes e de personagens nobres pertencentes a reinados em decadncia.

    Com o despertar e manifestao concreta do perodo medievo, marcado pela baixa Idade Mdia, os trabalhadores autnomos artesos e seus aprendizes se viram em delicadas situaes produtivas e reprodutivas. Pressionados pelas foraspolticaselegaisdapocapertencentesaofimdaIdadeMdiaeaoinciodo Renascimento (Heller, 1982), o artesanato autnomo, organizado poltica e profissionalmente,noconseguiumanter-secomamesmafora.

    Novos atores e autores do processo histrico, capitalistas vinculados indstria e ao comrcio, efetivaram mediaes necessrias, possveis para criar um inovado sistema de produo e reproduo social. Porm o limite presente nas esferas da produo e da organizao produtiva impediram a passagem e a realizao do mtodo de produzir artesanal para a manufatura. no campo do possvel que a produo, cooperao simples, entra em cena.

    Processos de trabalho na modernidade

    A cooperao simples

    O modo de produo capitalista tem seus primeiros fundamentos concretos no momento em que o personagem empreendedor capitalista industrial13 conseguiu colocar, simultaneamente, um nmero expressivo de trabalhadores sob o mesmo teto.14Esses,emcondiesespecficasdevnculoempregat

    13. Para apropriarse dos contedos histricos da formao dos primeiros personagens capitalistas industriais a partir da cooperao simples, necessrio pautarse, entre outras referncias, em Dobb, 1976.

    14. A alterao realizada na esfera da organizao do trabalho s foi possvel porque os donos dos ofcios ampliaram os espaos de trabalho. Esta ao permitiu que os meios de produo aumentassem as condies de uso. O que era apenas utilizado, manuseado por um nico trabalhador arteso, passou para o uso coletivo. Esse inovado procedimento possibilitou aumentar a produo de mercadorias, reduziu custos e multiplicou o lucro. O ponto alto dessa alterao no processo de trabalho campo organizacional fez com que o trabalho individual ganhasse a condio de trabalho social.

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    cio trabalhavamdiariamente, conseguindo, no final de cada dia, produzirmercadorias que atendiam ao campo das necessidades humanas dos trabalhadoresedeseusfamiliares,bemcomoumaquantidadesignificativademercadorias excedentes.15

    Na condio de trabalhador autnomo, o trabalho desenvolvido pelo arteso fora atingido em sua centralidade. A autonomia para dizer o que, como e para quem produzir foi ceifada em suas razes. Sua vontade foi comprada pelo proprietrio capitalista em processo de formao industrial em grande escala.16 Voltado unicamente para a criao e a acumulao de valor, o trabalho objetivado diariamente era medido, naquele momento, no mais pela produo individual, mas sim por meio da quantidade social mdia produzida. O mtodo de trabalho pode ser o mesmo, porm o trabalho efetivado sob a lgica da empregabilidade coletiva pe em movimento uma revoluo nas condies materiais do processo de trabalho (Marx, 1975b, p. 373).

    Otrabalhador,portadordecontedosespecficosdetrabalhosimplese/oucomplexos, devido nova forma organizacional em movimento criado pelos donos das pequenas fbricas, sofreu alteraes em seu pensar e fazer cotidiano. O conhecimento tcnico adquirido historicamente, parte constitutiva em sua essncia individual, foi provocado a deixar de existir por meio da realizao de atividades pormenorizadas. Em decorrncia dessa alterao, a criatividade desenvolvida socialmente pelo trabalhador foi distribuda sem nenhuma preocupao com sua individualidade, por parte do empregador.

    Esse mecanismo mostrou que o trabalho combinado aumentava a produo de mercadorias em menor tempo. Simultaneamente, esse mecanismo permitiu que os custos operacionais e sociais fossem reduzidos, garantindo maior lucro ao capitalista. Porm, no possvel negar que o exerccio coletivo trabalho

    15. Registravase que esses trabalhadores, ainda no princpio, trabalhavam em ofcios um pouco maior que os existentes nas esferas produtivas focadas no artesanato. Este fator mostrou que, de incio, a diferena puramente quantitativa (Marx, 1975b, p. 370).

    16. A ao do dirigente naquele momento histrico cooperao simples no era a de ensinar as atividades dirias, mas vigiar os trabalhadores, pois os conhecimentos tcnicos das atividades ainda estavam sob o controle dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, a maioria dos trabalhadores possua uma quantidade expressiva de ferramentas particulares, bem como o conhecimento da totalidade do processo de trabalho. Cabia ao dirigente da fbrica o papel de tentar subordinar a vontade alheia aos seus prprios interesses.

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    combinado era expresso concreta da superao dos limites presentes em cadaindividualidade.Esteimprimealteraessignificativasnombitoorganizacional do trabalho coletivo, contribuindo decisivamente, enquanto momento laboratorial, para a criao, o desenvolvimento e a efetivao dos processos de trabalho vivenciados na manufatura e posteriormente na maquinaria.

    Aos poucos, o coletivo que se movimenta para produzir tambm comea a reunirse para questionar a forma de relao estabelecida entre capital/trabalho: a resistncia em cumprir ordens superiores manifestase, de forma embrionria, no interior do ofcio. O despotismo e suas peculiaridades, no interior do ofcio, colocaram elementos concretos de antagonismos e contradies, criando focos de resistncia por parte dos trabalhadores em materializarem o projeto em movimento. No entanto, em condies desiguais no que tangia s relaes de poder e s correlaes de foras estabelecidas, impediram que os mecanismos de resistncias dos trabalhadores se efetivassem naquele momento histricosocial.

    Em condies desiguais, subordinados aos caprichos dos capitalistas, os trabalhadores assalariados no conseguiram impedir as mudanas profundas ocorridas na esfera organizacional durante o desenvolvimento do processo de trabalho. Mais uma vez os trabalhadores, sem condies reais histricas para apresentar reaes orgnicas de classe em si e/ou para si, fragilizaramse, permitindo aumentar o poder dos empresrios capitalistas, os quais conseguiram impor, no campo da conscincia dos trabalhadores e de seus familiares, contedos ausentes de relaes histricas. A partir desse momento, movida pela relaocapital/trabalhoprofissionaloudeclassesocial,aforadetrabalhotornase, no campo da conscincia individual e coletiva, um bem natural e imanente ao capital (Marx, 1975b, p. 382).

    O trabalhador, ao deixar de ser proprietrio de suas ferramentas, bem como do conhecimento da totalidade do processo da produo, transformouse em uma mercadoria assalariada livre, disposta a ser comprada no mercado conforme as condies objetivas encontradas em cada pas, naquele momento histrico, com nfase maior na Inglaterra. Esse fato histrico, material, concreto e contraditrio, estabeleceu o alicerce para que o processo de trabalho sedimentado sob a determinao da manufatura conseguisse implantar sua forma de ser e de existir.

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    A manufatura

    Os trabalhadoresmantiveram-sefirmes em seus propsitos durante oprocesso de trabalho movido pela cooperao simples: no permitiram que os donos das fbricas se apropriassem dos contedos tcnicos; a redoma de vidro permanecia intacta, resistindo aos impactos dirios emitidos pelos donos dos meios fundamentais da produo; sabiam, mas no entendiam ainda que resistir na condio de trabalhador era a nica forma concreta de impedir o domnio total sobre a fora de trabalho individual e coletiva. Porm, apesar de resistirem aos processos interventivos dos donos das fbricas em relao aos seus conhecimentos simples e complexos, no conseguiram reverter a situao concreta: deixar de ser subordinados aos donos das fbricas.

    Durante os sculos XVI a XVIII, a produo manufatureira ocupou o lugar da cooperao simples.17 Com a unio e a combinao de ofcios diferentes em maior escala e mudanas na esfera organizacional das atividades de cada trabalhador, criouse a base estrutural fundada no processo de trabalho capitalista industrial denominado manufatura.

    Destitudos integralmente das suas ferramentas, mais uma vez os trabalhadores fragilizamse, restando apenas uma nica mercadoria sob o seu domnio: a fora de trabalho livre. Impossibilitados de fazer escolhas entre alternativas, todos os dias so obrigados a vender sua fora de trabalho aos proprietrios dos meios fundamentais de produo.18 Sob a orientao do empregador capitalista industrial manufatureiro, os trabalhadores ocupavam uma nova disposio organizacional na fbrica para cada trabalhador, uma bancada. As operaes so destacadas, uma das outras, isoladas, justapostas no espao,cadaumadelasconfiadaaumaartficediferentedetodasexecutadas

    17.OencerramentodestemodelonofinaldosculoXVIIInoimpediuque,emdiferentestemposeespaos, at os dias atuais, manifestaes espordicas continuem ocorrendo conforme os princpios materiais da manufatura clssica.

    18. O capitalista industrial tornouse, a partir do sculo XVIII, o principal agente em negociar, no mercado, o que mais lhe interessava a fora de trabalho humana livre. Diferente do mtodo interventivo referenciado na cooperao simples, naquele momento os trabalhadores ampliavam suas dependncias em relao ao empregador: empobrecidos, vendiam suas ferramentas aos novos capitalistas. Literalmente destitudos dos seus bens de trabalho, tornaramse proprietrios apenas da sua fora de trabalho simples ou complexa para ser comercializada no mercado igual a qualquer outra mercadoria.

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    ao mesmo tempo pelos trabalhadores cooperantes (Marx, 1975b, p. 388). Nasce um novo movimento sistmico de produo, com um adendo: permanece o trabalho humano vinculado diretamente ao objeto e aos instrumentos de trabalho. Qualquer que seja, entretanto, seu ponto de partida, seu resultado finalomesmo:ummecanismodeproduocujosrgossosereshumanos(Marx, 1975b, p. 389).

    Os trabalhadores contratados perderam o domnio da compreenso da totalidade do processo, mas permaneceram desenvolvendo suas atividades operando as ferramentas com suas prprias mos e, quando necessrio, utilizavam o auxlio de outros membros do corpo humano. Mesmo convivendo no interior de um novo processo de trabalho, suas aes eram coordenadas de forma direta por atividades que ainda dependiam, em todo o processo, da habilidade individual de cada trabalhador assalariado. Manusear o instrumento de trabalho e dar direo teleologia presente em cada objeto dependia das condies objetivosubjetivas de cada trabalhador. Essa situao permitenos certificarqueas relaesestabelecidasnoprocessode trabalhodominadopelamanufatura no ofereceram condies concretas para que durante o processo o desenvolvimento e a efetivao de uma base tcnica fossem implantados. Aperfeioase o mtodo de trabalho devido repetio. Maior produtividade commenoresforo.Osconhecimentosparciaisfirmam-se,acumulam-seesetransmitem (Marx, 1975b, p. 390),19 mas o trabalho humano ainda comanda.

    Isolado, o trabalhador era obrigado, todos os dias, a vivenciar a mesma experincia: relacionar e intervir em determinado objeto de trabalho fracionado em processo de transformao. Ocorria uma independncia entre as atividades, permitindo que o empregador, por meio do controle supervisionado, criasse condies objetivo/subjetivas para que cada trabalhador aumentasse a sua produo. Esse mecanismo, ao necessitar da interferncia humana controlar o

    19. Mesmo trabalhando sob a lgica da atividade especializada, o trabalhador conseguia apreender algo: ao efetivaremse, todos os dias, os mesmos atos, tinha a percepo pontual que a ferramenta que operava no decorrer de algum tempo de trabalho apresentava limites. Nesses momentos, o trabalhador individualmente ou em conjunto com outros trabalhadores aperfeioava ou criava novas ferramentas. Ao operar novas ferramentas,ograudedificuldadeeradeterminadoemcadaoperaoemsuasaes,pormnogarantiaqueteriammenorgraudedificuldade.Aomesmotempo,nogarantiaqueoempregador,depossedeumnovoouinovadoinstrumentodetrabalho,maisgilemelhorrendimento,nointensificasseacobranapararesultar em maior produtividade.

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    outro , permite compreender que a manufatura tambm no um processo produtivo natural, mas sim histrico, social, determinado pela diviso social e tcnica do trabalho coletivo em determinado movimento histrico, temporal e espacial (Marx, 1975b).

    Esse mecanismo de isolamento seguido de vigilncia fez com que o trabalhador se tornasse dependente do prprio trabalho que executava, pois quando o contrato de trabalho era interrompido por uma das partes, uma lacuna se colocava entre a sua condio de vida no trabalho e fora dele. Nesse momento, um campo de incertezas abriuse para o trabalhador, destacando: onde ele iria realizar a mesma atividade produtiva? Na condio de trabalhador especialista em atividades simples e repetitivas era possvel encontrar algum que o contratasse para fazer a mesma tarefa pautada em dada continuidade, uniformidade, regularidade, ordenamento e notadamente intensidade de trabalho que no alcanam no ofcio independente e nem mesmo na cooperao simples? (Marx, 1975b, p. 396).20

    Comoisolamentodotrabalhador,adivisotcnicadotrabalhointensificava e o trabalho coletivo passava a ser constitudo de muitos trabalhadores que atuavam em atividades parciais. O coletivo era, no modo de produo capitalista durante o processo desenvolvido na manufatura, a soma de mais destrezas, mais habilidade e mais fora. Essa soma escondia o parcelamento, pois o todo orgnicofinalapresentava-seenquantoumtodoquesomentequemconseguepensar o processo pode compreender a soma das partes. Mesmo assim, uma totalidade fundada na compreenso racional lgicognosiolgica, e no ontolgica consciente ou no. Sob esse prisma positivista, a totalidade no compreendida enquanto unidade que se constri na diferena.

    Diante da hierarquia salarial, conforme relaes estabelecidas entre os trabalhadores e empregadores, o lugar ocupado pelas partes contratantes ia se definindocomclarezaepreciso:Particulariza-seo lugarqueo trabalhadorocupava no processo de trabalho. O lugar que ocupava explicitava o grau de complexidadeounodesenvolvidoemsuaatividade,definindo,automaticamente e/ou por meio de acordos individuais ou coletivos de trabalho, o

    20. Perguntase: ser que esta forma concreta do processo de trabalho manufatureiro antecipou elementos que esto presentes nos processos de trabalho movidos pelos modelos fordista/taylorista e toyotista de executar a produo capitalista?

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    valor da remunerao salarial. Cabia ao trabalhador produzir em escala, elasticizando, todos os dias, sua fora de trabalho, contribuindo decisivamente para aumentar a produo de mercadorias excedentes (Marx, 1975b; Braverman, 1981). Sob a direo nica dos empregadores, o parcelamento das atividades em escala de crescimento, pautada sob a lgica da progresso geomtrica, faz com que a manufatura crescesse conforme expandia o mercado mundial. Se por umladoessecrescimentosatisfaziaosfilisteus,donosdasfbricas,ostrabalhadores distanciavamse cada vez mais das possibilidades de ampliarem suas dimenses genricas. A sociabilidade burguesa decretava: construmos uma nao de hilotas e no temos cidados livres (Marx, 1975b, p. 406).

    Aqui, Marx colocanos uma questo cntrica: o trabalho coletivo permitiu que a diferena de cada trabalho individual conectassese a uma totalidade. Assim, nenhum trabalhador parcial produzia uma nica mercadoria. S o produto coletivo dos trabalhadores parciais transformamse em mercadoria (Marx, 1975b, p. 407). No entanto, o resultado coletivo no era dividido para todos os envolvidos no processo de trabalho, mas de propriedade nica do capitalista, proprietrio dos meios fundamentais de produo. O trabalhador assalariado ou com outro tipo de vnculo diferenciado, enquanto vendia sua mercadoria, fora de trabalho, permanecia subordinado, para sempre, condenado a viver, para sempre, sob o desejo do outro.

    No entanto, os capitalistas industriais precisavam reconhecer seus pares, todos aqueles que operavam suas atividades com os mesmos propsitos, ou seja, acumularvalor.Unidosparaatingiromesmofim,organizam-seemassociaese/ou agremiaes com o propsito de manter e ampliar seus negcios. Na condio de categoria de proprietrios em seus diferentes nveis e setores, defendiam, incondicionalmente, as regras do mercado, em particular a livreconcorrncia.21

    Para que seus propsitos fossem atingidos acumulao de valor , os proprietrios dos meios fundamentais do processo de produo industrial eram obrigados a buscar sadas. Naquele momento no havia dvida com relao aos

    21. No entanto, quando eram afetados pela prpria lgica da livreconcorrncia entravam em desespero e, sem nenhum pudor aos prprios princpios acordados entre pares, usavam de manobras com diferentes contedos. O importante nesse momento era criar condies para retornar s mesmas condies anteriores. Quando no conseguiam retornar ao mercado em condies equilibradas, muitos entravam em falncia, o que contribua, decisivamente, para que a concentrao do capital fosse ampliada em diferentes setores produtivos e/ou reprodutivos.

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    encaminhamentosrealizadosporaquelesfilisteus.Emcondiesdedesigualdade no mercado, os trabalhadores tornavamse presas fceis nas mos dos donos das fbricas, garantindo a reproduo do projeto societrio burgus em desenvolvimento.22 Trabalhadores homens, mulheres e crianas , destitudos dos meios fundamentais do processo produtivo e, unicamente, portadores da fora de trabalho, eram contratados e, merc da vontade desptica do empregador, eram expropriados, intensamente, no mximo das suas energias, fsicas e psquicas. Ocorria uma elasticizao da fora de trabalho, as quais ganhavam propores diferenciadas conforme os capitalistas aperfeioavam seus meios fundamentais de produo e reproduo social. Para a felicidade do empregador, o resultado era imediato: o trabalho excedente aumentava, transformavase em maisvalia absoluta e parcialmente relativa. Fora da redoma de vidro o poder de resistncia dos trabalhadores fora atingido em sua centralidade. Frente a esta nova situao concreta, Marx (1975b, p. 412) observa: Enquantoacooperaosimplesemgeral,nomodificaomododetrabalhardo indivduo, a manufatura o revolucionava inteiramente e se apodera da fora de trabalho individual de trabalho em suas razes.

    Ao chegar esse patamar da relao entre capital/trabalho, o trabalhador em sua atividade estava deformado, mutilado, respondendo de forma automtica a um trabalho parcial (Marx, 1975b). Aps realizarem suas atividades durante dias, meses e anos, os trabalhadores somente eram reconhecidos, socialmente, por meio da razo de ser do outro o seu empregador. Na condio mxima decoisificao,23 o trabalhador expressavase em situao nica, alienado do processo de trabalho, do produto por ele criado e das prprias relaes estabelecidas com os outros trabalhadores. O trabalhador, na condio de alienado, somenteencontravasuafelicidadenavontadedooutro,ouseja,nafiguradosenhordosmeios fundamentaisdeproduo,naquelemomento identificadoenquanto capitalista industrial. Essa forma desptica de expropriar a fora de trabalho aprimoravase e atingiu profundamente a totalidade da classe trabalhadora. Mas o pesadelo que atormentava os trabalhadores e seus familiares ainda estava apenas comeando.

    22. Dos elementos constitutivos do processo de trabalho, o trabalho humano o nico que cria valor (Marx, 1975b).

    23. Para aprofundar a discusso, consultar Lefebvre (1999); Lukcs (1989); Netto (1981) e Marx (1975b).

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    Ao despertar do amanhecer, sem pedir licena, um novo processo de trabalho entrava em cena em todos os lares, retirando as foras de trabalho produtivas e as subordinavam. Esse mecanismo dirio e repetitivo era coroado com uma nova forma de desenvolver o modo de produo capitalista industrial. Construdopormeiodeavanosdatcnica,dacinciaedafilosofia,osproprietrios industriais apresentaram, aos trabalhadores e seus familiares, o seu novo instrumento de trabalho: a mquina movida a vapor. Nascia a indstria moderna.

    A maquinaria e a indstria moderna

    No novo tempo, apesar dos perigos24

    As relaes estabelecidas entre os homens e a natureza, bem como entre os prprios homens, revolucionaram a forma de pensar e de fazer no Ocidente, em particular no continente europeu a partir da ltima quadra do sculo XVIII. Esse novo tempo espraiou seus propsitos intensamente, durante os sculos XIX e XX, para todos os continentes. O agora, em sua singularidade, colocava uma nova sntese do que era at alguns instantes prximos, sinalizando campos de necessidades e possibilidades para o que havia de vir. O processo de trabalho movido pela mquina a vapor inaugurava a indstria moderna.25

    Colocado em movimento por meio do instrumento mquina, movido a vapor, pela presena da matriaprima e pelo principal elemento do processo de trabalho a fora de trabalho humana , nascia, no interior do velho processo de trabalho (pautado na manufatura), a maquinaria, um processo que se estendeu para alm dos simples atos de rituais de passagem, manifestandose nasfissurasdabasedeproduomanufatureira.

    24. Novo tempo letra e msica de Ivan Lins.25. A Revoluo Industrial atingiu seu auge, num primeiro momento, por meio da descoberta da m

    quinamovidaavapornofinaldosculoXVIII,tendocomopalcoprincipalaInglaterra.EsseprocessorevolucionrionocampodacinciaedatcnicafoiaprofundadonofinaldosculoXIXcomadescobertadomotoreltricoedaexploso,inaugurandoasegundarevoluocientficaetcnica.Noentanto,aterceiraRevoluo Industrial foi marcada pelo domnio da energia nuclear e do desenvolvimento da microeletrnica conquistada durante a Segunda Guerra Mundial (Mandel, 1985).

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    O novo que se colocava a maquinaria incorporava algumas conquistas de ordem organizacional e tcnica criadas e desenvolvidas durante o perodo manufatureiro. O legado deixado pelo processo de trabalho desenvolvido e efetivado na manufatura deixou registrados contedos fundantes: a) as ferramentas eram manipuladas por mos humanas; b) cada ferramenta em seu campo de possibilidades e limites pertencia ao domnio de um nico trabalhador; c) as atividades, parceladas individualmente, atingiam grau mximo de saturao; d) os resultados quantitativos foram ampliados, no entanto os sujeitos, trabalhadores, conseguiram visualizar, perceber e, em muitos casos, acompanhar a totalidadedoprocessodeproduo,pormseucampodereflexoerareduzidosuaespecialidade; e) a especialidade, ao retirar os contedos autocriativos de cada trabalhador, em sua totalidade, colocavaos na condio de escravos de uma atividade especializada, repetitiva, negadora do trabalho humano; e) os trabalhadores resistiram aos impactos diretos e indiretos provocados pelo modelo manufatureiro de produzir e reproduzir socialmente. Mas, devido fora econmica e poltica da classe burguesa em processo de desenvolvimento e efetivao, no conseguiram avanar para alm das reivindicaes de classe em si.

    Superando essa fase do desenvolvimento do modo de produo capitalista manufatureiro, porm no a eliminando em sua totalidade at os dias atuais, amquina defiarmudou completamente a relao produtiva e reprodutivaestabelecida entre capitaltrabalho. Em 1735, John Wyatt colocou em movimento, no palco da modernidade, a Revoluo Industrial em sua primeira fase.26 O motor, a transmisso e as dimenses da mquina ferramenta passaram a comandar o inovado cenrio. O processo de trabalho movido pela mquina a vapor nascia no interior do velho a manufatura e convidava todos a celebrar as conquistas historicamente constitudas. Um mecanismo morto passava a dirigir os movimentos humanos sob o comando teleolgico do capitalista. Dominante na relao, a mquina ferramenta movida a vapor apropriavase dos objetos, matriaprima e/ou bruta, e, sem pedir licena, entrava em suas intimidades, impondo seus desejos subjetivosobjetivos. Ao trabalhador restava apenas o papel de vigiar a mquina.

    26. Entre 1764 e 1767, James Hargreaves, carpinteirotecelo em Blackburn, inventava uma simples mquina manual chamada Jenny, por meio da qual uma mulher podia fazer, ao mesmo tempo, seis ou sete fios;maistarde,iaatoitentafios(Ashton,1971,p.94).Noentanto,essadescobertarevolucionriaapresentou consequncias sociais imediatas classe trabalhadora emergente.

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    na cidade que ocorre, num primeiro momento, o desenvolvimento do processo de trabalho que tem como instrumento principal a mquina movida a vapor.27 As barreiras orgnicas que impediam os homens de revolucionarem suas formas de ser e de existir so superadas. A vitria da tcnica e da cincia transferida para a mquina colocou, abertamente, o limite que a fora de trabalho trazia em sua totalidade, no conseguindo produzir movimentos uniformes e contnuos em alta velocidade.

    Agora, superadas as barreiras orgnicas com a realizao do processo de trabalhomovidopelamquinaavapor,possvelafirmarque,namanufatura,a relao estabelecida entre o trabalhador, o objeto e o instrumento de trabalho ocorria, totalmente imbricada, enquanto na maquinaria o trabalhador perdeu o domnio dessa relao e tornouse um apndice da mquina. O trabalhador, todososdias,desdeoincioatofinaldassuasatividadesisoladamente era responsvel por vigiar uma mquina que desenvolvia um movimento parcial. Assim, na manufatura, o isolamento dos processos parciais um princpiofixadopelaprpriadivisodotrabalho,nafbricamecanizada,aocontrrio, imperativa a continuidade dos processos parciais (Marx, 1975b, p. 434).

    Como pode um mecanismo morto comandar? Como pode um mecanismo morto tornarse sujeito no desenvolvimento do processo de trabalho?

    Vejamos. Durante o processo de trabalho pautado na manufatura, os trabalhadores, na condio de chefes de setores, supervisores e/ou gerentes das atividades nas fbricas, retiraram os trabalhadores da redoma de vidro que os protegia. Na maquinaria, os proprietrios das vontades objetivas e subjetivas dos trabalhadores parcelavam e isolavam suas atividades, apropriandose dos conhecimentos tcnicos presentes em cada trabalhador individual e coletivo. Destitudos dos conhecimentos que adquiriram em suas atividades diretamente ou legadas historicamente, perderam a compreenso da totalidade do processo, permanecendo apenas, sob o seu controle, o domnio de conhecimentos simples.28

    27. Nascem as fbricas modernas. A cidade o universo efetivo das transformaes objetivassubjetivas em percurso. A natureza e o ser social so transformados. Marx (1975b, p. 431) enfatiza: A mquina a vapor a me das cidades industriais.

    28. A organizao do processo de trabalho na indstria ampliava suas particularidades, deixando de garantir a presena cntrica da esfera da subjetividade do trabalhador que desenvolvia suas atividades combinadas durante o processo de trabalho manufatureiro, efetivando a constituio de atitudes objetivas com mnimas inferncias subjetivas. Naquele momento, o trabalhador se deparava com o que era um instrumento

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    Conformeasdificuldadeseramapresentadasaosproprietrioscapitalistasna esfera tcnica e/ou organizacional, novos investimentos foram realizados e efetivados, alterando e aperfeioando as mquinas, criando condies satisfatrias para ampliar a extrao da maisvalia relativa. As transformaes tcnicas, cientficaseasmudanasnaesferaorganizacionalqueocorreramnasindstriasforam incorporadas conforme as condies dadas em outros setores da produo e da reproduo social.29

    Em condio desigual no campo das correlaes de foras no mercado, os trabalhadores subordinaramse vontade do proprietrio dos meios fundamentais de produo. Sem escolha, a mquina obrigavao a seguir os seus movimentos, seu ritmo, aumentando a elasticidade da fora de trabalho humana em grau mximo de resistncia fsica e psquica. O resultado foi imediato. O trabalhador passou a conviver com saturaes concretas que explicitavam o quadro negador de sua existncia em suas dimenses, material e espiritual. Ao mesmo tempo, o capitalista festejava o aumento exponencial dos seus lucros, obtido por meio da expropriao do trabalho humano no pago. A maisvalia relativa passou a dominar a forma de expropriao diria do trabalho humano no mercado.30

    A maisvalia, extrada durante o processo de trabalho dominado pela maquinaria deixava de caracterizarse somente como absoluta, impondo uma nova forma dominante: a relativa. Conforme a cincia e a tcnica avanavam, novos ajustes ou descobertas foram incorporados s mquinas, possibilitando aumentar a extrao da maisvalia relativa, alterando profundamente as relaes de poder e de correlaes de foras entre capital/trabalho na esfera produtiva e reprodutiva. Esse cenrio teve desdobramentos imediatos: os salrios dos trabalhadores foram reduzidos e os lucros dos capitalistas aumentaram, trazendo,

    pronto, acabado. Essa era a sua ferramenta, aquela era a sua nova relao. O instrumental de trabalho era quem impunha atitudes individuais e coletivizadas, pois suas dimenses tcnicas presentes nos instrumentos necessitam de que as relaes no processo de trabalho encerremse sob o domnio do instrumento.

    29. Setores como o transporte e a comunicao foram afetados em grandes dimenses, revolucionando suas bases, permitindo responder s demandas postas pela criao de navios a vapor, das linhas frreas, dos transatlnticos e dos telgrafos (Marx, 1975b).

    30. A partir do momento que a maisvalia relativa era dominante durante o processo de trabalho movido pela maquinaria, Lukcs (1979, p. 54) explicita o salto ontolgico presente no humano em relao natureza. Nesse momento, com a introduo das mquinas fezse com que o homem e sua capacidade de trabalho no fossem mais os fatores determinantes do trabalho, que o prprio trabalho humano fosse desantropomorfizado.

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    como consequncia o aprofundamento das manifestaes da questo social (Batista, 2002). Em destaque, aps 1830, o contingente de pobres e miserveis, em nmeros exponenciais, nas cidades e nos campos, em todo o continente europeu, com destaque na Inglaterra, bero do desenvolvimento do capitalismo industrial moderno, clssico,31 passa a incomodar os membros da classe burguesa em seus diferentes nveis (Engels, 1985; Dobb, 1976).

    Convivendo com situaes adversas diariamente, os trabalhadores e seus familiares comearam a dar vazo aos seus propsitos de classe em si e para si. O germe da contradio, o proletariado industrial comeou a se movimentar. Se num primeiro momento atearam fogo, quebraram ou roubaram mquinas, agora iniciam uma nova forma de manifestarse. Organizados em associaes, agremiaes, sindicatos e, posteriormente, em partidos polticos, registraram na histria da classe trabalhadora a forma madura de enfrentar o projeto burgus, fonte cntrica responsvel pela sua negao em sujeito historia individual e coletivo.

    Ameaados pelo germe da contradio o proletariado industrial , a classe burguesa, por meio de seus representantes, no assistiu passivamente s aes polticas apresentadas pelos trabalhadores por meio das suas manifestaes, organizadas ou no. Sem hesitar, os representantes orgnicos da classe burguesa, em fase de efetivao de seu projeto societrio, utilizaram instrumentos jurdicos, polticos ideologizados e a fora repressora do Estado para conter a classe trabalhadora em movimento por meio de suas entidades representativas. A classe burguesa abandonou suas teses progressistas,32 retirando o vu que encobria os seus verdadeiros propsitos de projeto societrio enquanto classe social dominante.

    Com as mudanas radicais ocorridas no processo de trabalho comandado pela mquina, a fora de trabalho dos operrios homens chefes de famlia recebeu diferentes inferncias que alteraram a relao direta com o objeto de trabalho, bem como com o seu campo subjetivo em questo. No entanto, no momento em que a mquina destrua a relao do trabalho humano com os objetos e instrumentos de trabalho, alm de fragmentar as atividades, sua

    31.SegundoMarx(apudLukcs,1979,p.121)definecomoclssico,simplesmente,odesenvolvimento no qual as foras econmicas, determinantes em ltima instncia, se expressavam de modo mais claro, evidente, sem interferncia, sem desvios etc., que nos demais casos.

    32. Cf. Coutinho, 1972, p. 9.

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    conduta tambm fragmentava cada indivduo em mltiplas dimenses negadoras. A brutalidade condicionava a maioria dos trabalhadores a desenvolver uma nica funo: vigiar um mecanismo morto que ganha vida pelas descobertas mecnicas e, posteriormente, a vapor e eltricas. Esse fato concreto permitiu ao capitalista eliminar um quantitativo expressivo de atividades que necessitavam da presena do trabalhador homem adulto e da sua fora fsica. Nesse momento a fora de trabalho das mulheres e crianas contratada, independente da idade ou sexo, desenvolvendo suas atividades em casa ou na fbrica.33 Essa prtica contribuiu decisivamente para que esses trabalhadores incorporassem o sentimento de donos do seu tempo de trabalho e do seu negcio. Temse a iluso de que esto trabalhando com autonomia e livres das amarras do capital. Na atualidade, a partir da ltima quadra do sculo XX, essa prtica recebeu o nome de produo terceirizada autnoma (Sennett, 1999).

    No bastasse a sua prpria condenao, os trabalhadores homens, chefes defamlia,assumiramacondiodetraficantesdeescravos(Marx,1975b),negociandonomercadoacontrataodotrabalhodassuasesposasefilhos.Instaurouse um inovado processo do capital em relao ao trabalho livre, desenvolvendo a base e a efetivao de elementos destrutivos dos laos afetivos e polticos familiares. Frente a essa nova situao histrica revolucionria, Marx e Engels (1963, p. 25) enfatizaram: A burguesia rasgou o vu de sentimentalismo que envolvia as relaes de famlia e reduziuas a simples relaes monetrias.

    A fora de trabalho das mulheres e crianas tinha, em sua propriedade naturalfsicaepsquica,elementosqueatornavammaisflexvel(Sennett,1999).

    33. A presena das mulheres e crianas (na condio de escravos do senhor feudal) em atividades relativas produo industrial voltada para a tecelagem era corrente desde o sculo XII. Essas atividades eram desenvolvidas em suas casas na rea rural (Heers, 1988). necessrio enfatizar que na manufatura clssica criaramse condies para que a casa do trabalhador pudesse ser uma extenso da fbrica, colocando em movimento a fora de trabalho de crianas e mulheres. Flexibilizando a forma de contrato trabalho, os donos das fbricas pagavam seus empregados e familiares por pea, por lote de material produzido ou outro mecanismo semelhante, conseguindo reduzir custos, aumentar a produo e, consequentemente, seus lucros. Esse mecanismo foi incorporado com maior intensidade no processo de trabalho movido pela mquina no sculo XIX, bem como nos processos de trabalho desenvolvidos tambm pelo mtodo de interveno taylorista/fordista e toyotista no sculo XX. Ao trazer esse modelo de extenso do trabalho para a casa do trabalhador,ocapitalismoinauguraodesenvolvimentodeatividadesprodutivasflexibilizadasparaalmdafbricae,aomesmotempo,quandopossvel,oproprietriodasfbricascriouafiguradoempresriointermedirio, terceirizando parte da produo, fazendo aumentar a extrao da maisvalia absoluta e relativa, bem como retirando das suas obrigaes as responsabilidades que recaiam sobre os contratos de trabalho.

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    Alm de realizarem atividades que exigiam alto grau de sensibilidade e adestramento,eramtrabalhadoresflexveisporaceitarem,commaisfacilidade,oprocesso de subordinao com menor grau de reivindicao ao capitalista, se comparados com as posies efetivadas pelos trabalhadores homens adultos. Essas condies, historicamente determinadas pelo trabalho humano de mulheres e crianas, contriburam, significativamente, para ampliar a produo e,como consequncia direta, para ser expropriada sem medida, aumentando a maisvalia absoluta e principalmente a relativa em favor do empregador.

    No mesmo local em que se encontravam esses novos trabalhadores a servio do capital, homens de diferentes idades, na fase adulta, no conseguiam vincularse formalmente no mercado. O exrcito de reserva aumentava, pressionava os trabalhadores empregados e ampliava a demanda para empregarse no mbito social organizado sob a lgica mercadolgica. A concorrncia, mecanismo intrnseco ao modo de produo capitalista em sua fase industrial moderna, reclamava por um espao permanente no mercado.

    A mquina, sujeito do processo de trabalho enquanto instrumento, fazia imperar a consolidao da concorrncia entre os trabalhadores e entre os prprios capitalistas. De um lado, com a contratao de mulheres e crianas para operar asmquinasmodernas,aconcorrnciaentreostrabalhadoresseintensificou.Afora de trabalho masculina sofreu um golpe fatal, bem como toda a classe trabalhadora. Os trabalhadores homens, adultos, passaram a conviver com determinaes particulares: aumento do desemprego exponencial da fora de trabalho masculina adulta em detrimento da contratao da fora de trabalho livre de crianas e mulheres. Esse fenmeno acarretava o fortalecimento dos donos das fbricas, que, ao receberem solicitaes de aumento de demanda de fora de trabalho no mercado, posicionavamse como capitalistas para ampliar a maisvalia.34 Pressionados pelo processo de concorrncia j sedimentado no

    34. Enquanto os capitalistas ampliam o acmulo de maisvalia, nas famlias dos trabalhadores as estatsticas de mortes de crianas aumentam diariamente, principalmente devido ao fato de as crianas permanecerem em suas casas sem os cuidados bsicos necessrios das suas mes. Essas, para poderem sobreviver e contribuircomarendafamiliar,soobrigadasavincular-seaostrabalhosfabris.Aomesmotempo,verificase o aumento de crianas que so abandonadas. Ocorrem ainda registros que acusam o uso de medicamentosemcrianasqueprecisamdemaiorescuidados,comafinalidadedetranquiliz-lasdoincmodoquemanifestam.Certifica-seainda,acuaberto,apresenadoaumentodaprostituioinfantil.Essefatoconcreto atinge em sua raiz a questo moral burguesa.

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    interior do prprio sistema produtivo do mercado de trabalho, os trabalhadores disputavam entre si um lugar para trabalhar, sujeitandose a realizar atividades precrias em diferentes nveis: na relao de vnculo empregatcio, reduzindo salrio ou aceitando outras formas de pagamento despticas; nas condies em que desenvolviam suas atividades nos espaos fsicos das fbricas, no questionavam as condies insalubres e a carga horria excessiva no trabalho dirio, aceitando trabalhar em situaes muito parecidas com as dos animais. Trabalhando em condies aviltantes, perderam fora poltica na esfera organizativa coletiva; fragilizando suas foras de poder de negociao, de avano no campo dos direitos, postaram suas aes em atitude de recuo, e, para manterse vivos buscavam, a qualquer custo, garantir o prprio emprego.35

    Ao mesmo tempo, a classe burguesa tambm tinha que enfrentar suas dificuldadesdeposicionamentodeclasse.Ocorrianaesferadomercadoumaguerra de interesses entre os prprios capitalistas em suas diferentes posies de classe, produtiva ou reprodutiva. Aqueles que conseguiam obter maior vantagem permaneciam no mercado e, em casos particulares, deixavam o lugar ocupado de capitalista na dinmica geral e ganhavam posies de poder no mercado, transformando seus investimentos acumulados em monoplios e/ou oligoplios.

    Mas as grandes diferenas eram demarcadas no cho das fbricas. Naquele espao, a contradio, presente na relao estabelecida entre capital/trabalho, fora colocada em movimento. Um nmero expressivo de trabalhadores permanecia junto durante a jornada de trabalho; os trabalhadores conversavam, discutiam a opresso que os instrumentos exerciam sobre o trabalho humano, o valor nfimodosalrioque recebiameascondies insalubresdosespaosfsicos de trabalho os envolviam diariamente. Os trabalhadores, movidos por proposies de mudana, organizavamse em associaes, agremiaes e sindicatos com a proposio de ampliar suas foras polticas, garantindo a manuteno de direitos j conquistados ou reivindicando novos.

    35. Essa situao real, concreta, demarca nos anais da histria da classe trabalhadora um momento de perdas na esfera da organizao e dos direitos sociais. Quebravase a resistncia do trabalho masculino. Esse fato aumentou a fora e o poder dos donos das fbricas, momento em que registramos o aumento do despotismo na relao capital/trabalho. Ressaltamos que em perodo de crise econmica, na esteira do modo de produo capitalista, a relao capital/trabalho se enraza, prejudicando profundamente os trabalhadores e seus familiares (Engels, 1985).

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    Os donos das fbricas tambm se movimentavam, criando suas entidades representativas para que, de forma direta e/ou mediada pelo Estado, se instaurassem processos de negociaes. Criaram mecanismos para que esse movimento interno do cho das fbricas fosse contido e, se possvel, destrudo ou incorporado poltica empresarial. De imediato, enquanto os trabalhos registravam em pautas reivindicativas seus interesses e os apresentavam classe patronal, esta criou mecanismos na esfera da organizao do trabalho, bem como pormeiodealteraestcnicase/oucientficasparamanteraordemeocontrole no cho da fbrica.

    Com o propsito direto de ampliar o controle sobre o fsico e o psicolgico dos trabalhadores na esfera da organizao do trabalho, instituramse em nmeroexpressivoafiguradochefe,dosupervisore,emseguida,adogerentedafbrica.Constituramfigurasque,nacondiodetrabalhadoresespecializados,eram responsveis por ampliar a produo da maisvalia absoluta e relativa e, ao mesmo tempo, conter as inquietaes das manifestaes individuais e/ou coletivas dos trabalhadores no interior das fbricas.36 Esses personagens tinham o papel de garantir o aumento da produtividade, da reduo dos custos, principalmente no uso da matriaprima, e conservar os instrumentos de trabalho, simples e complexos. Era tambm papel daqueles trabalhadores, a servio do capitalista industrial, consciente ou no: introduzir contedos teleolgicos no campo subjetivo de cada trabalhador, impostos pelo capitalista, que expressassem ser o sucesso individual e coletivo a ser alcanado na fbrica oriundo de resultados positivos; criarem condies concretas para que os trabalhadores incorporassem a cultura da fbrica produtiva e reprodutiva , exercitandoa nos espaos de trabalho e fora da fbrica, estendendoa particularmente para os membros da famlia e para os crculos de amizade.

    Alm desse mecanismo criado na esfera organizacional, ocorreu, progressivamente, o investimento dos donos das fbricas e do Estado para desenvolver ocampotcnicoecientfico.Aconjugaodemudanaseajustesnaesferadaorganizao do trabalho e do desenvolvimento revolucionrio nas instncias da tcnica e da cincia contribuiu, decisivamente, para que o capitalista ampliasse

    36. Quando as aes dos trabalhadores, organizados ou no, saiam do controle, os donos das fbricas acionavam a fora repressiva cedida pelo Estado ou de ordem particular. As leis sempre estiveram a servio da classe dominante, pois foram criadas por representantes que aderiram ao projeto burgus em desenvolvimento.

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    a acumulao de capital. Ao mesmo tempo, cresceu o poder de domnio em relao fora de trabalho por meio das entidades que as representavam. Quandoaforadetrabalho,emmovimento,tinhadificuldadesparaexecutarsuasatividades, pois no conseguia acompanhar o ritmo das mquinas, os donos das fbricas, por meio dos seus gerentes e supervisores, promoviam rapidamente a substituiodetrabalhadores.Afinal,ocontingentedeforadetrabalho(simplese complexa) presente no mercado, na condio de trabalhadores pertencentes ao exrcito de reserva espera de uma vaga, era imenso. Devese salientar ainda que, em perodos de crise do modo de produo capitalista, o contingente de desempregados aumentava de forma exponencial em quantidade e qualidade, principalmente quando a crise desenvolviase na estrutura da base que sustentava o projeto burgus de produo e reproduo social.

    A relao estabelecida entre os gerentes e supervisores com os trabalhadores demitidos no apresentava nenhum sinal de preocupao, de arrependimento ou, no mnimo, humanista. Nesse cenrio, a mquina, resultado dos processos cientficos, ao ser colocada emmovimento a servio do capital,ampliava o campo de negao do trabalho humano. O aviltamento da fora de trabalho enfraquecia cada vez mais a organizao dos trabalhadores. Naquele momento, sem conseguir expressar resistncia com contedos revolucionrios, os donos das fbricas ganhavam fora e conseguiam separar o objeto de trabalho do prprio trabalhador.

    Esse processo avanava, criava campos de especializao na fbrica, e a totalidade dos trabalhadores, historicamente constitudos, em seus diferentes tempos e espaos, fora negada, restando apenas duas dimenses em ao com o posicionamento invertido: de um lado, o objeto que se transformava em sujeito parcial a mquina ; do outro, um sujeito que se transformava em objeto foradetrabalhohumanaespecializadaemprofundograudereificao.

    Outras dimenses expressivas da manifestao da questo social eram reveladas em todas as ruas, ruelas, casas e casebres, espaos em que circulam e em que viviam os trabalhadores e seus familiares (Engels, 1985; Castel, 1998; Lefebvre, 1999). Num primeiro momento, os mecanismos repressivos tentaram conter e controlar as manifestaes mais expressivas. Mas, com o passar do tempo, o Estado tambm foi requisitado para cumprir o papel de reparador material e espiritual, pois a misria, a pobreza e doenas de abrangncia fsica e psquica atingiam a maioria da classe trabalhadora. Os desdobramentos

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    ocasionados pelo descompasso existente na relao capital/trabalho assustavam diariamente os trabalhadores e seus familiares, mas atingia individual e coletivamente todos os membros da sociedade. A classe burguesa entrou em desespero. Esse fato concreto obrigou o Estado a iniciar encaminhamentos na esfera das polticas sociais, apesar de tmidos, para responder s inmeras manifestaes da questo social. O avano ou no do papel do Estado para responder s demandas colocadas diariamente pela classe trabalhadora e seus familiares aumentava ou diminua conforme os movimentos sociais expressavam, concretamente, suas foras historicamente determinadas (Vieira, 1992). No entanto, era sabido que as contradies presentes no podiam ser superadas enquanto a lgica produtiva e reprodutiva estivesse sob a conduo do projeto de sociabilidade criado e em desenvolvimento pela classe burguesa.

    A maquinaria moderna movida a vapor avanava, mas no conseguia conter os processos de trabalho criado, desenvolvido e efetivado durante o sculo XX. O modelo de produo pautado no taylorismo/fordismo e o toyotismo, frutosda segundae terceiraRevoluo Industrial, respectivamente,fincaramrazes em pases diferenciados (Estados Unidos e Japo) e espalharamse em todos os continentes em diferentes tempos e espaos. No entanto, a produo fundada e desenvolvida no ramo txtil deixou de ser dominante, porm no deixoude criar, ampliar e/ou sofisticar seus instrumentos at osdias atuais,adaptando sua forma de ser aos novos modelos de produo. Para compreender, apreender e analisar criticamente esses novos modelos da relao capital/trabalho enquanto avanos e retrocessos, fazemse necessrios nos debruarmos sobre as literaturas clssicas e contemporneas sem tirar o p da realidade.

    Consideraes finais

    As formas de objetivao do trabalho humano presentes desde o modelo de produo artesanal at a maquinaria moderna permitiram explicitar momentos de diferenciaes no que tange o campo de possibilidade em materializar o avano do ser singular em direo ao ser genrico.

    As formas de objetivao em que o trabalho humano efetivouse a partir da criao e do desenvolvimento do processo de trabalho fundado na produo

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    artesanalpermitiu-nosapreenderexpressessignificativasdecontedosdeliberdade presentes em cada trabalhador. Na condio de trabalhadores autnomos, as atividades eram desenvolvidas todos os dias, sem a interferncia de nenhum outro personagem dominante na poca. Suas aes materiais, concretas, possibilitavam dominar o processo de trabalho em todas as fases, e o trabalho marcadopeladestrezaindividualculminavacomaapropriaodoresultadofinal novo objeto produzido pelo prprio arteso. No entanto, se por um lado a emancipao em relacionarse com a natureza avanava, o mesmo no ocorria no campo da conscincia. Esses trabalhadores, na condio de categoria profissional,aindanoeramportadoresdeelementosconstitutivosdeclassesocial trabalhadora, mas sim alimentavam desejos e efetivavam comportamentos no campo da legalidade, direcionando sua forma de ser e de existir para tornarse capitalistas industriais. Esse desejo no conseguiu efetivarse.

    A partir do momento em que os artesos, na condio de trabalhadores autnomos, ameaavam o poder econmico e poltico dominante sob a direo dos senhores feudais, reis, prncipes e comerciantes no tardaram para que deixassem essa condio e se transformassem em assalariados livres. A partir de ento, o espao denominado processo de trabalho fundado sob a direo da cooperao simples, da manufatura e posteriormente da maquinaria moderna, o ser singular trabalhador assalariado livre comea a relacionarse com a natureza e com os prprios homens de forma dependente, quando comparado com o trabalhador do arteso.

    Na condio de assalariado, reduziuse o leque de possibilidade de emanciparse poltica e humanamente. As relaes econmicas e polticas aprofundaram suas determinaes particulares e universais, criando novas e inovadas relaes de poder. A partir do processo de trabalho de cooperao simples, o capitalista industrial iniciou seus investimentos para retirar de todos os trabalhadores o que era de mais precioso em sua existncia: seu conhecimento e suas habilidades individuais e coletivas. Os trabalhadores, em sua maioria assalariados, deixaram de dominar a totalidade dos movimentos realizados durante os processos de trabalho e, aos poucos, tornaramse, na condio de assalariados, propriedades dos capitalistas industriais por um tempo determinado de trabalho dirio. Parceladas as atividades no interior da fbrica, no tardou para que, no processo de trabalho pautado na maquinaria, a individualidade tambm fosse fragmentada, esfacelada, destruda. Igual aos animais, no restava aos trabalha

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    dores e seus familiares outras condies de existncia a no ser: comer, beber, dormir e procriar (Marx, 2009b). O distanciamento das condies objetivo/subjetivas do seu ser singular em direo condio de ser genrico era cada vez mais emblemtico. A condio de ser humano, portanto social e poltico, foi negada, e a maioria dos mortais passou a ser reconhecida, consciente ou no, no interior dos processos de trabalho, enquanto coisa. A condio de sujeito coisificadotornou-seaexpressomximadanegaodohumano.

    Recebido em 28/11/2013 Aprovado em 17/3/2014

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