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Processos Geomórficos na Evolução Fluvial da Bacia do Rio Benevente: da Morfodinâmica à Morfogênese. Geomorphic Processes in Fluvial Evolution of the Benevente River Basin: of the Morphodynamic the Morphogenesis. Roberto José Hezer Moreira Vervloet Geógrafo e Mestrando em Geomorfologia – USP E-mail: [email protected] Introdução. As bacias hidrográficas vêm se tornando nas últimas décadas uma unidade natural de análise por meio de abordagens diversas de diferentes disciplinas científicas. Essa multiplicidade de enfoques tem provocado uma relativa confusão, na aplicação e entendimento do conceito de bacia hidrográfica. Na grande maioria dos trabalhos, mesmo nos que discutem o uso desse conceito, tem predominado a idéia de que a bacia se configura como entidade espacial, cristalizando uma visão horizontal bidimensional dos aspectos físicos do espaço em que esses sistemas estão inseridos. A utilização dessa via conceitual para compreensão da “natureza física” em sistemas hidrográficos, tem prejudicado substancialmente o entendimento dos processos hidrológicos, hidrogeomorfológicos e geomorfológicos, que respondem pela evolução fluvial (horizontal) da rede hidrográfica e geomorfológica (relevo) das bacias. As bacias são o resultado de processos superficiais de apreensão horizontal, mas, também de processos que atuam em atributos que caracterizam os aspectos tridimensionais do relevo, tais como vertentes, cabeceiras de drenagem, planícies alveolares, planícies de inundação embutidas, formações superficiais da paisagem, coberturas pedológicas, padrões de canais, entalhamento de canais, tipos e formas dos vales, além da geometria dos grupos e tipologia das formas. Esse texto demonstra parte de uma pesquisa geomorfológica, que assume a bacia como um sistema da superfície terrestre, onde um conjunto de processos multidimensionais geomórficos, atua no sentido de caracterizar uma rede de canais, transportando matéria, energia e respondendo pela formação e reafeiçoamento do relevo, a partir do fornecimento de água pela atmosfera. Para tal, estão sendo utilizados procedimentos quantitativos de investigação, a partir da Análise Areal, Linear, Hipsométrica e Topológica, em uma fusão com outro procedimento, que é o da Compartimentação da Paisagem Morfológica, a partir de uma modificação da proposta taxonômica de Ross (1992). O método teórico que condiciona a realização da pesquisa é o da Associação e Indeterminação em Geomorfologia de Leopold & Langbein (1970). Método e Procedimentos de Análise. Os procedimentos de análise referem-se às técnicas quantitativas e a execução da compartimentação geomorfológica, que designarão informações auxiliando o processo de elaboração do raciocínio geomorfológico, a partir do método de Leopold e Langbein (op. cit). O grande objetivo da pesquisa é conhecer os processos morfodinâmicos fluviais, e, consequentemente, poder inferir sobre a morfogênese da bacia. A primeira etapa consiste na compartimentação, e, posteriormente, aplicação dos parâmetros quantitativos nos elementos fluviais e morfológicos de cada compartimento, setor e unidade de relevo. As informações que serão geradas, permitirão conhecer os processos mais recentes (Quaternário), que respondem pela dinâmica fluvial da bacia e inferir relativas informações, sobre a sua história geomorfológica. O método da Associação e Indeterminação, resumidamente, consiste na execução de um processo de raciocínio lógico e sistemático, em que por meio da associação de fatos e processos geomorfológicos (tipo de lógica científica) é possível fazer generalizações, tratar questões singulares, inferências cronológicas e averiguar processos em ação. Basicamente é feito nas seguintes etapas: associação de observações (processo lógico), associações particulares, associações particulares que permitem generalizações, associação indicativa de processo em ação (localizada e indicativa de outros processos) e síntese das associações observadas, que permite ampliação do conhecimento dos contextos. Abaixo estão os parâmetros escolhidos para aplicação nos compartimento morfológicos.

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Processos Geomórficos na Evolução Fluvial da Bacia do Rio Benevente: da Morfodinâmica à Morfogênese.

Geomorphic Processes in Fluvial Evolution of the Benevente River Basin: of the

Morphodynamic the Morphogenesis.

Roberto José Hezer Moreira Vervloet Geógrafo e Mestrando em Geomorfologia – USP

E-mail: [email protected] Introdução. As bacias hidrográficas vêm se tornando nas últimas décadas uma unidade natural de análise por meio de abordagens diversas de diferentes disciplinas científicas. Essa multiplicidade de enfoques tem provocado uma relativa confusão, na aplicação e entendimento do conceito de bacia hidrográfica. Na grande maioria dos trabalhos, mesmo nos que discutem o uso desse conceito, tem predominado a idéia de que a bacia se configura como entidade espacial, cristalizando uma visão horizontal bidimensional dos aspectos físicos do espaço em que esses sistemas estão inseridos. A utilização dessa via conceitual para compreensão da “natureza física” em sistemas hidrográficos, tem prejudicado substancialmente o entendimento dos processos hidrológicos, hidrogeomorfológicos e geomorfológicos, que respondem pela evolução fluvial (horizontal) da rede hidrográfica e geomorfológica (relevo) das bacias. As bacias são o resultado de processos superficiais de apreensão horizontal, mas, também de processos que atuam em atributos que caracterizam os aspectos tridimensionais do relevo, tais como vertentes, cabeceiras de drenagem, planícies alveolares, planícies de inundação embutidas, formações superficiais da paisagem, coberturas pedológicas, padrões de canais, entalhamento de canais, tipos e formas dos vales, além da geometria dos grupos e tipologia das formas. Esse texto demonstra parte de uma pesquisa geomorfológica, que assume a bacia como um sistema da superfície terrestre, onde um conjunto de processos multidimensionais geomórficos, atua no sentido de caracterizar uma rede de canais, transportando matéria, energia e respondendo pela formação e reafeiçoamento do relevo, a partir do fornecimento de água pela atmosfera. Para tal, estão sendo utilizados procedimentos quantitativos de investigação, a partir da Análise Areal, Linear, Hipsométrica e Topológica, em uma fusão com outro procedimento, que é o da Compartimentação da Paisagem Morfológica, a partir de uma modificação da proposta taxonômica de Ross (1992). O método teórico que condiciona a realização da pesquisa é o da Associação e Indeterminação em Geomorfologia de Leopold & Langbein (1970). Método e Procedimentos de Análise. Os procedimentos de análise referem-se às técnicas quantitativas e a execução da compartimentação geomorfológica, que designarão informações auxiliando o processo de elaboração do raciocínio geomorfológico, a partir do método de Leopold e Langbein (op. cit). O grande objetivo da pesquisa é conhecer os processos morfodinâmicos fluviais, e, consequentemente, poder inferir sobre a morfogênese da bacia. A primeira etapa consiste na compartimentação, e, posteriormente, aplicação dos parâmetros quantitativos nos elementos fluviais e morfológicos de cada compartimento, setor e unidade de relevo. As informações que serão geradas, permitirão conhecer os processos mais recentes (Quaternário), que respondem pela dinâmica fluvial da bacia e inferir relativas informações, sobre a sua história geomorfológica. O método da Associação e Indeterminação, resumidamente, consiste na execução de um processo de raciocínio lógico e sistemático, em que por meio da associação de fatos e processos geomorfológicos (tipo de lógica científica) é possível fazer generalizações, tratar questões singulares, inferências cronológicas e averiguar processos em ação. Basicamente é feito nas seguintes etapas: associação de observações (processo lógico), associações particulares, associações particulares que permitem generalizações, associação indicativa de processo em ação (localizada e indicativa de outros processos) e síntese das associações observadas, que permite ampliação do conhecimento dos contextos. Abaixo estão os parâmetros escolhidos para aplicação nos compartimento morfológicos.

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Parâmetros quantitativos utilizados no presente estudo. 1– Análise Areal – são índices que trabalham com medições planimétricas e lineares ao longo da rede de drenagem.

Parâmetros Definição Fórmula Origem

1) Índice de Forma – K –

Representa a relação existente entre o perímetro da bacia e a área que ela possui. 2

PK

=

2) Índice de Circularidade da Bacia – C –

É a relação existente entre a área da bacia e a área do círculo de mesmo perímetro.

AC

Ac= Miller

(1953)

3) Densidade Hidrográfica – Dh –

Relação existente entre o número de rios ou cursos d’água e a área da bacia hidrográfica.

NDh

A=

Horton (1945)

4) Densidade da Drenagem – Dd –

Correlaciona o comprimento total dos canais ou rios com a área da bacia.

LDd

A=

Horton (1945)

5) Textura da Topografia – Tt –

Relação entre o número de crênulas de determinada isoípsa tomada como base, que seria a curva de nível contendo o maior numero delas, e o perímetro da bacia.

Log Tt = 0,219649 + 1,115 log Dd

Freitas (1952)

6) Coeficiente de Manutenção – Cm –

Fornece a área mínima necessária para a manutenção de um metro de canal de escoamento permanente de 1° ordem.

1.1000Cm

Dd=

Schumm (1956)

2 – Análise Linear das bacias de drenagem – são índices e relações a propósito dos elementos que

compõem a rede de drenagem e que são efetuados diretamente nos canais da mesma. 3– Análise Hipsométrica – são os índices que tratam das inter-relações existentes entre componentes horizontais e faixas altimétricas no espaço da bacia.

1) Curva hipsométrica Trata da relação entre as unidades altimétricas e faixas horizontais correspondentes às áreas das isoípsas.

Strahler (1952)

2) Perfil longitudinal Parâmetro que demonstra uma linha de perfil inclinada correspondente ao canal principal da bacia.

1) Ordenação de Canais É o processo de hierarquização fluvial dos canais que compõem a rede fluvial.

Técnica de Strahler

Horton (1945), Strahler (1952)

2) Relação de Bifurcação – Rb –

É a relação entre o número total de canais de certa ordem e os de ordem inferior. 1

NwRb

Nw=

+

Horton (1945)

3) Relação entre o comprimento médio dos canais de cada ordem – Rlm –

Trata da relação entre comprimento médio dos canais de ordens subseqüentes.

Rlm= Lmw Lmw-1

Horton (1945)

4) Relação entre o índice do comprimento médio dos canais e o índice de bifurcação. – Rlb –

Trata da relação que há entre o comprimento médio dos canais e o índice de bifurcação dos mesmos.

Rlb=Rlm Rb

Horton (1945)

5) Extensão do Percurso Superficial – Eps –

Trata da distancia média que as águas têm de percorrer antes de concentrar em um canal permanente.

Eps= 1 2 Dd

Horton (1945)

6) Gradiente dos canais – Gc –

É a relação entre a diferença máxima de altitude entre a nascente e a foz na extensão do curso d’ água.

Horton (1945)

7) Relação entre os gradientes dos canais – Rgc –

É a relação entre o gradiente dos canais de certa ordem com os de ordem subseqüentes.

Rgc= Gcw Gcw + 1

Horton (1945)

8) Ângulo de confluência

Trata da relação existente entre os ângulos de confluência dos canais da rede de drenagem.

cos Z = Gcw Gcw +1

Christofoletti (1969)

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3) Relação Declividade-Extensão – RDE –

É a razão entre a amplitude altimétrica dos cursos d’água e o logaritmo natural de sua extensão.

RDE=(∆h/∆l).L Hack (1973)

4 – Análise Topológica – é designado por expressões matemáticas que tentam relacionar as diversas formas de conexão ou ligamento dos canais que formam uma rede, sem tratar necessariamente de medidas de comprimento, área ou orientação. Localização da área em estudo A bacia escolhida para execução da pesquisa é a do Rio Benevente fig. (01), que se localiza no sul do Estado do Espírito Santo, nos municípios de Anchieta, Alfredo Chaves, Iconha, Guarapari e Piúma. Possui

aproximadamente 1260 Km² de extensão, em área de domínios de rochas cristalinas ígneas (granitos diversos) e metamórficas (gnaisses e quartzitos), sendo que os tributários da foz se desenvolveram em terrenos de rochas sedimentares. Seu relevo é marcadamente complexo, com muitos setores de topografia fortemente irregular, onde canais obsequentes seccionam vertentes de vales simétricos e assimétricos. Seu padrão de drenagem global é de configuração exorreica. É notável a quantidade de sistemas de falhas transcorrentes, onde canais encaixados elaboram microbacias de formas alongadas. As bacias tributárias possuem os mais variados tipos de padrão de drenagem, onde a nervura

hidrográfica impõe diferentes níveis de densidade de drenagem. Esses diversos níveis possibilitam inferir sobre distintos esquemas de evolução da drenagem, em que pesa os processos de formação e reafeiçoamento das vertentes e convexização dos topos das formas. Chama a atenção, o padrão caótico de distribuição dos ângulos de confluência de canais em alguns setores. Fato que evidência amplos processos de capturas de drenagens. As precipitações são marcadamente mal distribuídas no espaço, pois chove aproximadamente 2.000 milímetros nas cabeceiras e 1.500 milímetros na foz, mas são bem distribuídas no tempo. Historicamente possui diferentes fases de ocupação humana, onde ciclos e atividades econômicas degradantes, impactaram diversos vetores dos atributos e processos fluviais. Á guisa de conclusão. A pesquisa esta em plena atividade, e, espera-se com o referido método, aliado aos procedimentos investigativos de análise, chegar a uma completa caracterização dos processos morfodinâmicos, que possibilitarão inferir sobre o tipo de morfogênese, que respondeu pela instalação dessa complexa bacia de drenagem às margens do litoral atlântico brasileiro. Referências Bibliográficas. CHORLEY, R. J. (1969). The drainage basin as a fundamental geomorphic unit. In: Water, Earth and Man. R. J. Chorley (ed.). London, Methuen, pp. 77-99. CHRISTOFOLETTI, A. (1970). Análise morfométrica de bacias hidrográficas do Planalto de Poços de

Caldas. Tese de Livre Docência, Rio Claro.

Espírito Santo

Bacia do Rio Benevente

Fig. (01) Localização da Bacia do Rio Benevente.

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FREITAS, R. O. (1952). Textura de drenagem e sua aplicação geomorfológica. Boletim Paulista de Geografia n°11, pp. 53-57. HACK, J. T. (1973). Stream-profile analysis and stream-gradient index. Journal of Research of the United States Geological Survey, v. 1, n°4, pp. 421-429. HORTON, R. E. (1945). Erosional development of streams and their drainage basins: hydrophysical

approach to quantitative morphology. Geol. Soc. Amer. Bulletin, vol. 56, n° 3, pp. 275-370. LEOPOLD, L. B. (et al). (1964). Fluvial Processes in Geomorphology. W. H. Freeman & Co., San Francisco, EUA. LEOPOLD, L. B. e LANGBEIN, W. B. (1970). Asociación e Indeterminación en Geomorfología. In: ALBRITTON, C.C. J. (ed.). Filosofia de La Geologia. Companhia Editorial Continental S.A. México, Argentina, Espanã, Chile. ROSS, J. L. S. (1992). O Registro Cartográfico dos Fatos Geomórficos e a Questão da Taxonomia do

Relevo. Revista do Departamento de Geografia – FFLCH – USP, n°6, São Paulo: 17-30. SCHUMM, S. A. (1956). Evolution of drainage systems and slopes in badlands of Perth Amboy. Geol. Soc. Amer. Bulletin, vol. 67, pp. 597-646. STRAHLER, A. N. (1952). Hypsometric (area-altitude) analysis of erosional topography. Geol. Soc. Amer. Bulletin, vol. 63, pp 1117-1142.