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Produção textual no curso de Letras - o poder da escrita ao escrever com prazer
Maurício da Luz Collar* Cristina Maria de Oliveira**
Resumo: Este artigo apresenta um estudo desenvolvido a partir da análise de uma produção textual de acadêmicos iniciantes no curso de Letras/FACOS-RS, em que foi avaliada, em um comentário crítico, a sequenciação temática do discurso dissertativo, a partir dos enfoques unidade temática, concretude no argumento, questionamento em opiniões e clareza da linguagem, que se constituíram em critérios de análise para poder identificar o referido gênero textual e compreender em que aspectos discursivos há necessidade ou não de intervenção educativa. Palavras-chave: dissertação, comentário crítico, unidade temática, concretude, questionamento, clareza. Abstract: This paper presents a study developed from an analysis of text production of Languages Course academic beginners at FACOS/RS, which was evaluated in a critical comment, the sequencing of speech issue dissertational from these focus: thematic unit, concreteness in the argument, questioning opinions and clarity of language, that formed the criteria for analysis in order to identify the referred textual genre and understand in which of the discourse aspects there is or not educational intervention necessity. Keywords: dissertation, critical comment, thematic unit, concreteness, questioning, clarity.
1 Introdução
Considerando a relevância da produção textual no curso de Letras, como uma
contribuição ao estudante que proporá futuramente a seus alunos esta prática, a
atividade discursiva escrita deverá constituir-se em uma rotina prazerosa, mesmo
que, na escola e como escola, passe por um processo de avaliação. O estudante do
curso de Letras deverá construir sentido ao escrever para que, nesta ação
significativa, possa compreender o seu próprio processo de escrita e valorizá-lo; não
deveria escrever somente quando lhe fosse cobrado, mas desenvolver essa ação de
forma contínua, como um procedimento em que é possível aprimorar a qualidade do
produto, configurado em um gênero, o que constitui um elo comunicativo entre
escritor e o leitor (Bakhtin, 1992).
O processo avaliativo da produção textual deverá ser compreendido como uma
inferência ( )dialógica de aprendizagem, desmistificando modelos escolares que
bloqueavam a vontade de escrever dos estudantes, uma vez que não passavam de
um ‘apontar erros’ e ‘registrar uma nota’. No entanto, para que o professor
*Especialista egresso do curso de Pós-graduação em Novas Abordagens de Língua Portuguesa e Literatura –
FACOS- RS- - letras @facos.edu.br **Orientadora: Profa. Dra. Cristina Maria de Oliveira, Metodologia Ensino da Língua e de Literaturas.
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transforme essa prática de ‘correção de redações’, ele próprio precisa gostar de
escrever e escrever, dominar padrões que normatizam a língua escrita, além de
compreender o processo de produção como forma de expressar sentimentos, de
manifestar opinião, de tecer críticas, enfim, de participar do movimento de uma
sociedade letrada (Bronckart, 1999/2005).
Sabe-se que o fracasso escolar está, em grande parte, na dificuldade da escola
ensinar a ler e escrever; ainda há professores que passam a maior parte de tempo
ensinando gramática normativa desvinculada da produção textual, e têm o objetivo
de desenvolver a habilidade da escrita por parte dos alunos. Do que adianta o aluno
conseguir repetir análises sintáticas isoladas em fragmentos de produções de outros
autores, se não conseguir usar conectivos que favoreçam a sua progressão textual
intra e interfrasal, nem muito menos desenvolver o seu discurso seguindo uma
unidade temática, para ser compreendido pelo leitor.
A textualidade, observada em seus constituintes textuais e discursivos, deve ser
objeto de análise nos processos de correção, para que os estudantes do curso de
Letras, ao estudarem nas disciplinas que abordam teorias linguísticas, gramaticais e
discursivas, consigam estabelecer relações com a sua própria produção textual e
compreendam a unidade do texto no seu conjunto de referenciações (Mondada,
1994, p.17), concretizadas num gênero socialmente convencionado, através de um
tipo discursivo.
Com essa concepção sobre o processo de produção textual, buscamos identificar
algumas marcas discursivas em produções de estudantes iniciais do curso de
Letras, para compreender como seria possível propor inferências do professor para
que esses escritores, futuros professores, pudessem entender o seu próprio produto
e querer aperfeiçoá-lo.
2 Escrever é difícil?
“Escrever é fácil: começa com uma letra maiúscula e termina
com um ponto; no meio a gente põe idéias.”(Neruda)
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Quando queremos escrever, sentimos motivação por escrever; ou, quando temos
que escrever, às vezes, a falta de motivação, de compreensão da proposta, rouba-
nos a coragem de socializar nossas opiniões por escrito.
Mas, começar é preciso: arriscarmo-nos junto ao desconhecido... o papel nos
espera! Ele está ali solitário e cúmplice, pronto para absolver e materializar nossos
diálogos interiores, contribuir na organização de nossos pensamentos; ele é um
companheiro fiel, não nos abandona: divide segredos, momentos inesquecíveis, não
fica rindo se os nossos escritos são simples, sem unidade e sem palavras difíceis.
Tudo que escrevemos tem valor. Pode ser o mais precário escrito, cheio de dúvidas,
ou aquele registro incompleto. O importante é começar!
Então, não será prazeroso escrever? Todos nós somos capazes de produzir um
texto, porque temos o que dizer. No entanto, é preciso começar a ação, colocando a
“letra maiúscula” inicial. Será também necessário compreender os efeitos discursivos
que resultam, por exemplo, da organização dos elementos linguísticos que optarmos
por fazer antes do “ponto final”.
Marques (1997, p.33), através de uma linguagem metafórica apresenta a sua
concepção sobre o ato de escrita:
“O papel em que escrevo é como uma jangada salva-vidas, meu filho desconhecido. A jangada é capaz de atravessar ventos e intempéries, antes de tomar o rumo de um ponto longínquo. Assim são os inícios do escrever: precários e incertos, como os inícios das andanças em terras inexploradas”.
O autor também cita que “escrever é sempre reescrever, isto é, citar, referir-se a
escritas anteriores, mesmo sem saber que se está repetindo” (COMPAGNON, p.34-
45, apud Marques, 1997, p.113).
Será que alguém sabe dizer qual a palavra que nunca foi dita? Inclusive se esta
pergunta já foi feita por alguém? O que se escreve?
Muitos podem ser nossos questionamentos, porém falamos aquilo que, de alguma
outra maneira, em outro tempo, foi dito por alguém e gerou a atual maneira de dizer.
Quantas pessoas, por exemplo, já escreveram, escrevem e ainda escreverão sobre
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o amor? Quantas vezes lemos histórias que se parecem umas com as outras,
entretanto, cada falante ou escritor viveu tal fato ou o imaginou na ação discursiva.
Escrever, nesse universo de palavras e infinitude de ideias geradas em diferentes
interações, torna-se um ato de criação simbólica, que deve ser prazeroso,
angustiante, questionador, crítico, enfim: o discurso contido em um texto apresenta
sempre uma incompletude e, por isso, pode ser reescrito (Marcuschi, 2001) em
diferentes momentos e sob ponto de vista de diferentes autores.
Também Guedes (1998, p. 205) comenta: “Nada mais verdadeiro quando se diz que
só se aprende a escrever escrevendo”.
Assim, escrever pode ser concebido como uma ação discursiva que se constrói a
cada dia, ou seja, quanto mais se escreve, mais se compreende o que é escrever.
Na ação de escrever, em muito interfere o interesse e o prazer de construir este
diálogo imaginário, pois sempre se escreve com alguma intencionalidade
(Beaugrande, 1997, p. 14) para alguém.
É preciso, pois, que o escritor/aluno e o proponente da escrita/ professor
compreendam o processo da escrita para que possam dialogar através de
inferências educativas com o objetivo de que a escrita resulte comunicativa e que a
ação de escrever seja instigante e prazerosa. Na escola, a produção textual deve se
configurar em uma interação sociodiscursiva (Bronckart, 2005).
Sobre os procedimentos de produção, Guedes comenta que
“O que não é verdade é que exista algum fator genético ou de origem extra-cultural a separar as pessoas que ‘tem jeito para escrever’ dos comuns mortais. Aliás, só comuns mortais escrevem, produzem textos assim como produzem feijão, azeite, facões [...] Pois escrever é a nossa forma contemporânea de tentar, ao mesmo tempo, entender a ordem do universo e dar a ele uma ordem que nos pareça mais adequada. Podemos até conjeturar se não é o sentimento da necessidade de executar essa tarefa que separa os que têm jeito para escrever dos outros”. (p. 206)
Escrever requer organizar o texto de tal forma que o leitor o entenda, por isso, pode
ser concebido como um processo dialógico. No entanto, considerando que o texto
produzido é o objeto que consolida esse diálogo, o produtor do texto deve seguir
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determinadas convenções de textualização (unidade temática, etc.) e também
argumentar (concretude) de tal forma as opiniões (clareza) que, de certa forma,
garantam um mínimo de compreensão do discurso, do posicionamento do escritor
(opinião crítica), de acordo com cada gênero de texto produzido.
Segundo Guedes,
“Dito de outra maneira, o texto precisa Mostrar mais do que meramente Dizer. Nenhum leitor tem a obrigação de acreditar na seriedade e na honestidade de qualquer autor. Pelo contrário, quanto mais experiente vai ficando o leitor, mais ele percebe que deve colocar sob suspeita cada palavra de cada texto que lê. O autor é que precisa mostrar-se digno de crédito, não pela solenidade de seus juramentos, mas pela eficiência de seus argumentos, pela veracidade dos fatos que relata (ou pelo menos, pela verossimilhança, isto é, pela coerência que os faz possivelmente verdadeiros), pela consistência do enredo que foi capaz de tramar, pela vivacidade das cenas que constrói, pelo conhecimento que o seu texto produz.” (p. 211)
Dependendo do que está sendo escrito, a descrição de dados e a argumentação de
escolhas, dá maior credibilidade ao discurso; o escritor precisa prender a atenção do
leitor, de forma a exigir uma interação do leitor, transportando-o para dentro do texto.
A autenticidade também contribui para a credibilidade do leitor, para a efetivação de
um diálogo em tempo e espaço diferentes.
Também o referido autor fala que
[...] “é preciso que o texto fale tanto de semelhanças quanto de diferenças, ou, em outras palavras, é preciso que ele dê oportunidade para que o leitor tanto se identifique quanto se confronte com os dados que o texto apresenta. Mostrar só semelhanças, principalmente sob a forma de generalidades ou de abstrações, leva o leitor inteligente ao desinteresse e o leitor inexperiente a uma falsa identificação que o deixa no mesmo lugar”.(p. 209)
É importante destacar que o primeiro impacto interativo, mediado pelo discurso
escrito, motiva a continuidade da leitura ou gera o desinteresse. Assim, por
exemplo, a introdução, em um comentário crítico, não pode ser muita extensa; terá
que anunciar o que o será comentado em poucas linhas, na maneira mais
impactante possível, para que um possível confronto de opiniões não se seja motivo
de desistência da leitura.
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Para que se aprenda como fazer uma produção escrita, ressaltamos a importância
do processo de ‘correção’ desenvolvido na escola: a interatividade professor e aluno
deve valorizar o processo de produção em busca de um produto capaz de
estabelecer uma interação discursiva entre o leitor e o escritor; este escritor/ aluno
deve se sentir autor e capaz por conseguir organizar seu pensamento ao escrever e,
através deste produto/texto, interagir com outros cidadãos.
Freire (1996) comenta que
“Ao escrever um texto é importante que o autor resgate o SUJEITO e a AUTORIA em seus textos. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se construindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.” (p.107)
Ao produzir um comentário crítico, o autor deve mostrar sua convicção sobre um
tema/fato; ao escrever, estará organizando o pensamento, que é individual, porém
desenvolvido pelas condições que se configuraram na sua história de vida, na sua
participação social... (Vygotsky, 1992).
Quando se toma gosto pela escrita, não se consegue parar de escrever: escrever
faz bem, vale como uma terapia para pessoas angustiadas. Quem escreve está
sempre querendo dizer algo, mostrando o seu jeito de compreender o mundo,
dialogando com um leitor com quem se identifique.
“Escrever é iniciar uma aventura que não se sabe onde nos vai levar; ou melhor, que, depois de algum tempo, se saiba não ser mais possível abandonar”.(Marques, 1997, p. 91)
Determinante, pois, será o papel da escola, em específico, das relações que se
estabelecerem entre professor, aluno/escritor e a proposta de produção escrita na
escola, bem como em outros espaços sociais.
3 A importância social da escrita
Os descobrimentos científicos, as culturas dos povos, enfim, as histórias de todas as
nações do mundo estão registradas através da escrita. Pode-se fazer registros orais,
uma vez que se pode gravar a voz; porém, a escrita permite uma maior amplitude na
comunicação e ativação dessa no dia-a-dia. Já não se pode mais admitir uma
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sociedade em que não exista agenda para os recados e compromissos diários; sem
placas de trânsito e identificação de ruas para orientar; sem livros, sem dicionários
para ampliar as informações e para momentos de lazer e reflexão; sem terminal de
banco, sem internet para as movimentações de negócios, etc. Enfim, a escrita, hoje,
é responsável pela organização e movimentação da sociedade. Por isso, quem
escreve terá mais facilidades na movimentação e organização do seu cotidiano, ou
seja, terá opção de viver uma cidadania mais plena.
No Brasil, por exemplo, observam-se procedimentos de exclusão social ao cidadão
que não está alfabetizado, nem sequer observando e respeitando suas diferenças
culturais.
Conforme Guedes,
“Além de produzir imagem e auto-imagem, a produção de texto produz organização, ordenamento, seleção, hierarquia, tanto em relação à realidade interior de cada um de nós, quanto em relação ao mundo lá fora. Só a escrita é capaz de organizar a nossa vida, pelo simples motivo de que é ela que organiza a nossa vida. Isso significa que a vida dos povos sem escrita é desorganizada? Não, se estiverem quietos no seu canto, tocando sua vida, organizando-a pelos critérios da oralidade que são bem distintos dos critérios que nos regem. Sim, se estiverem sob o domínio da civilização da escrita, que os desorganiza e os desorienta. Vejamos os índios do Brasil: eles só agora estão conseguindo alguma organização para se defenderem e defenderem sua cultura e seu meio ambiente, graças à ação de alguns índios que entraram para o mundo alfabetizado dos brancos. Quanto a nós, só temos existência civil se um papel escrito – chamado certidão de nascimento – disser que existimos e só estaremos verdadeiramente mortos se um outro papel confirmar nosso óbito.”(p. 212)
Consciente da importância social de saber escrever e do compromisso do
profissional de ensino, especificamente daquele a quem a sociedade lhe atribui a
tarefa de ‘ensinar a escrever’, optamos, neste estudo, por identificar, em
comentários críticos, produzidos por estudantes do curso de Letras, marcas do
discurso dissertativo que permitam ao leitor compreender a unidade temática,
concretude, questionamento e clareza/objetividade do discurso escrito.
4 Gênero Textual: comentário crítico
Segundo Swales (apud Fortkamp e Tomich, 1990, p.150), os Gêneros Textuais são
tipos específicos de texto de qualquer natureza, literária ou não. Tanto na forma oral
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como na escrita, os gêneros textuais são caracterizados por funções específicas e
organização retórica convencionadas socialmente e, por isso mesmo, dinâmicas.
São reconhecíveis pelas características funcionais e organizacionais que exibem e
pelas situações discursivas em que se constituem. Gêneros textuais são formas de
interação, reprodução e possível alteração social que constituem, ao mesmo tempo,
processos (Kress, 1993, apud Fortkamp e Tomich, 1990, p. 150.) e ações sociais
(Miler, 1984, apud Fortkamp e Tomich, 1990, p.150) e envolvem questões de acesso
(quem usa quais textos) e poder.
Segundo Koch (apud Meurer e Motta Roth, 1998, p.150), é preciso considerar o
seguinte sobre os operadores argumentativos:
“Outra forma de introduzir vozes no discurso argumentativo é através de conectores que, chamamos de operadores argumentativos (Koch, 1998). Ao construir argumentos, o Locutor 1 se utiliza de operadores argumentativos para introduzir outras vozes em enunciados complexos produzindo efeitos de comparação, contraste e conclusão.”
No comentário crítico, destaca-se a força dos operadores argumentativos do
discurso, tais como progressão semântica, clareza das ideias, coerência, coesão,
com grande dependência de como estiverem concatenados. A utilização adequada
dos conectores, permitirá destacar a argumentação em uma unidade de ideias do
produtor.
Segundo Amaral (e outros, 1991, p.49), para fazer um comentário crítico é preciso
debater, discutir e questionar; apresenta-se um discurso dissertativo com o ponto de
vista do produtor, a partir do tema que lhe é proposto. Terá, pois, a liberdade para
expressar qualquer opinião, desde que saiba defender sua posição. Defender,
fundamentar, justificar, explicar, exemplificar, convencer, ou seja, precisa
argumentar.
A argumentação é um dos mais importantes constituintes do discurso dissertativo.
Ao escrever um comentário crítico, precisa-se de, pelo menos, um argumento básico
para sustentar a opinião; deverá haver coerência entre a opinião e o argumento,
para que o leitor identifique a objetividade/ a clareza da opinião expressa.
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5 Tipo de Discurso - dissertativo
Ao produzir seu discurso dissertativo, o escritor apresenta o enfoque descrito/citado
e vai tecendo criticamente o seu comentário. Poder textualizar um comentário crítico
é propor uma oportunidade de tomar gosto de debater, discutir, questionar. É sentir
a alegria de pensar livre e criticamente, de se libertar das opiniões prontas e
impostas. O escritor deverá sentir prazer em expressar suas próprias opiniões
argumentadas.
Citelli (1994, p.07) diz que “Convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos
recursos oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca
fundamental do argumento” no discurso dissertativo; “implica em formular hipóteses
sobre temas a serem desenvolvidos, escolher teses e arrolar argumentos
defensáveis, capazes de conquistar a adesão de ouvintes ou leitores”.
O convencimento e a persuasão são marcas que devem estar presente no discurso
dissertativo; o leitor deve sair convencido daquilo que ele está lendo. Se isso não
acontecer, talvez possa não estar bem argumentado o que foi comentado.
A partir de uma adaptação do que diz Luft (1991, p.493), pode-se identificar
diferentes tipos de argumentos no discurso dissertativo:
1) Argumentos com uma única razão;
2) Argumentos com diversas razões;
3) Argumentos com silogismo;
4) Evidências (experiência pessoal, a autoridade e os axiomas).
Dissertar requer argumentar; pode acontecer a partir de uma única razão ou
inúmeras razões, de experiências pessoais, por algo que presenciamos, que nos
levou a ler, ouvir, ver e que nos marcaram muito, etc. Ninguém argumenta nada sem
ter alguma prova ou ter criado uma situação ‘precisa’ ser aceita; também é muito
importante exemplificar a argumentação, para que o leitor acredite no que está
lendo.
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Segundo Moura (1995, p.03), “damos opiniões sobre os fatos que nos cercam,
defendemos nossas posições, discordamos do pensamento dos outros, enfim,
mostramos nossa maneira de ver o mundo” através do discurso dissertativo.
Para expor um ponto de vista sobre o assunto, no processo de produção, não se
poderá simplesmente ir expondo opiniões aleatoriamente; o texto exigirá uma certa
ordem de textualização, clareza nos argumentos e unidade temática selecionada.
Para constituir um discurso original é necessário evitar-se a frase feita, o lugar
comum, o clichê. Quanto à clareza, é inimiga das frases ambíguas ou de duplo
sentido, dos períodos longos, dos detalhes desnecessários; já a unidade também
depende da ordem adequada em que se textualizam as opiniões, e da relação
harmoniosa entre o enfoque predominante, os detalhes e os argumentos.
A ordenação das opiniões e dos argumentos gera o que se denomina coerência
discursiva, que tem dependência direta de como estão interligados os elementos
linguísticos do texto.
5.1 Os ‘degraus’ do discurso dissertativo
Guedes (p.212) destaca que Unidade Temática, Concretude, Questionamento e
Objetividade, nessa ordem, compõem os degraus de uma escada: chegar ao
primeiro é indispensável para atingir o segundo e assim por diante; ou, sem
metáforas, a um texto sem unidade temática de pouco valerá ser concreto;
questionamento dificilmente aparecerá num texto inadequadamente abstrato, que
provavelmente não atingirá nenhuma objetividade.
5.1.1 Unidade Temática
Segundo Moura (1995, p.7.) “a unidade, uma condição indispensável à produção
textual, pode ser obtida expondo-se uma idéia principal, que é a predominante do
texto”.
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A delimitação do assunto favorece o alcance da unidade temática. Para delimitar o
assunto é preciso restringi-lo, escolhendo aspecto(s) para ser analisado.
Guedes também se refere a isso dizendo que
“Nós mesmos como todos os assuntos de que podemos tratar, somos infinitos, e não há texto, por maior que seja, que possa dar conta de tudo. É preciso, por isso, escolher uma e apenas uma questão para apresentar. Tratar de tudo um pouco equivale a tratar de tudo um muito pouco, do que resulta não um texto mas uma lista quase sempre desordenada de pequenos dados, que não chegarão a compor um todo[...] È importante que a unidade seja percebida pelo leitor, que não tem nenhuma obrigação com o autor que o convocou a lê-lo.” (p. 207- 208)
Para escrever sobre um tema é preciso primeiro delimitar o assunto, ou seja,
escolher apenas um aspecto daquele assunto para ser abordado. Falar de tudo um
pouco é muito ruim, pois você não irá explorar bem determinado assunto, mas sim
falar um pouco de cada coisa.
A unidade temática poderá ser construída na concatenação do foi dito; os
conectivos de ligação evitam contradições.
“Sem a composição de um todo, sem a tentativa de estabelecer uma ordem para as coisas não há interlocução, pois o ouvinte ou leitor não vai poder confrontar a ordem proposta com aquela que ele construir para si para encetar o diálogo. Chamemos a essa qualidade de Unidade Temática”.(Guedes, p. 208)
A ausência de argumentação, de exemplos pode comprometer a compreensão do
escrito. Portanto, “Unidade Temática é a proposição e tentativa de delimitação de
um tema e identificação de suas partes componentes: todo organizado”. (Guedes,
p.208)
[...] “não há argumento suficiente, convincente que salve um texto dissertativo da necessidade de deixar bem clara para o leitor a questão que está sendo tratada.” (Guedes, p. 285)
Se o discurso não for bem claro, o leitor não irá entendê-lo, por isso ele deve ter um
ponto de vista claro, coesão textual, progressão semântica, resgate da autoria,
criticidade, organicidade etc.
[...] “dissertações que tratam de temas amplos correm o risco de apenas repisar as generalidades mais óbivias e conhecidas a respeito do assunto ou de apenas alinhavar idéias amplas de uma posição interessante a respeito dele”. (Guedes, p. 285)
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Por isso a importância da delimitação, pois sem ela o seu texto apresentará apenas
relatos de várias coisas, sem um ponto de vista, aprofundamento na argumentação,
causando, assim, o desinteresse do leitor.
5.1.2 Concretude
Continuando a linha teórica do professor Paulo Guedes, a orientação para se
alcançar Concretude consiste em:
“Fale de coisas concretas, fale de coisas específicas, fale de particularidades, de diferenças, fale daquilo que torna seu personagem um ser único, mas mostre, por meio de fatos, ações, exemplos, pequenos relatos de situações ocorridas, como ele reage, como ele se relaciona com o mundo lá fora. Dê a seus leitores condições de uma concreta identificação e de um concreto confronto com ele ou com sua atividade cotidiana.” (p. 214)
O discurso para ser concreto, precisa o ponto de vista do autor(a) estar expresso
com clareza do início ao fim. O autor(a) precisa mobilizar adequadamente as
informações, pela interdependência e hierarquia entre as opiniões manifestadas. Em
suma, com Concretude, o discurso não exigirá o excesso de abstração à sua
compreensão.
“É preciso que o texto fale tanto de semelhanças quanto de diferenças, ou, em outras palavras, é preciso que ele dê oportunidade para que o leitor tanto se identifique quanto se confronte com os dados que o texto apresenta. Mostrar só semelhanças leva o leitor inteligente ao desinteresse e o leitor inexperiente a uma falsa identificação”. (Guedes, p.209)
O leitor deve participar do discurso quando estiver fazendo a sua leitura, porque
poderá se identificar, tanto concordando com o ponto de vista do autor, quanto se
confrontando, uma vez que o leitor tem o seu ponto de vista também.
5.1.3 Questionamento
Para explicar a importância do produtor estabelecer questionamentos durante seu
processo de produção, Guedes propõe:
“Trate de um problema, de um conflito, equacione-o, encaminhe-o, proponha uma solução, se tiver uma, mas uma solução útil, ao alcance da mão, executável agora mesmo. De nada adianta dizer que todos os homens deveriam dar-se as mãos para que o mundo fosse melhor. Propostas desse tipo já se revelaram inviáveis milhares de vezes. Se não tiver uma, organize
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uma maneira de encaminhar uma reflexão interessante a respeito dela. E original, de preferência. Ou, ainda, descubra uma questão a respeito da qual ninguém ainda disse nada. Só faz sentido escrever a respeito de alguma coisa que não está pronta nem clara em nossa cabeça; o que já está lá pronto e claro já está também pronto e claro para nossos leitores, pois o que está pronto e claro já entrou assim em nossa cabeça; logo entrou assim também na cabeça dos outros. Em outras palavras, só vai ser útil pro leitor o texto que for útil pro autor”. (p. 214)
O discurso com maior consistência argumentativa contém questionamentos,
progressão semântica; o conteúdo deve estar concatenado, tem que ser claro,
coerente e consecutivo; deve ter apresentação, desdobramento e desfecho do
raciocínio. O autor(a) precisa demonstrar compreensão do tema proposto e deve
indicar uma solução para o problema. Sendo assim, questionamento, ou conflito, “é
o problema a ser resolvido ou, no mínimo, a ser equacionado, isto é, ser
apresentado como um problema aos leitores”. Ao propor um
questionamento,“estamos convocando nosso leitor a participar de sua solução”
(Guedes, p.210).
O discurso pode deixar lacunas que faça o leitor participar de sua solução, não
impondo uma conclusão: o autor(a) irá expor o seu ponto de vista e o leitor poderá
mentalizar outra solução, podendo até mesmo falar para alguém que não concorda
com o que está escrito e dizer que o melhor seria de tal jeito, pois só assim se
resolveriam os problemas.
5.1.4 Objetividade
Quanto à objetividade, o autor não pode apresentar um ponto de vista banal, sem
nenhum investimento original; as opiniões não podem ser triviais e o autor(a) tem
que demonstrar um esforço pela autoria. Na objetividade tem que ter criticidade, ou
seja, tem que ter apreciação dos fatos, exploração das diferentes dimensões do
tema e a abordagem não pode ser superficial.
“Na Objetividade o personagem narrador está posto diante de nós e nos mostra o encaminhamento que dá à questão que quer resolver, estabelecendo uma clara relação entre fato e valor que atribui ao fato, permitindo-nos construir nosso diálogo como o texto”. (GUEDES, 1998, p. 214)
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Ao escrever, o produtor precisa imaginar-se de fora, como se outra pessoa estivesse
escrevendo para ele. Poderá questionar-se, então, como irá apresentar, por
exemplo, os personagens, para não dar nenhuma confusão. Será preciso lançar
hipóteses, fazer projeções a respeito desse personagem, elaborar planos para ele: o
personagem será montado pelo produtor, que precisará dar vida a ele, atribuindo-lhe
referências, características e personalidade, para que o leitor consiga identificá-lo e
assim possa manter um diálogo com esse personagem.
Em resumo, “Objetividade é a capacidade de perceber os objetos, mais
especificamente a capacidade de distinguir entre o que está lá fora, no mundo
exterior, e o que se passa cá dentro, no fundo do nosso coração. O discurso precisa
MOSTRAR mais do que DIZER.” (Guedes, p.211)
“Precisamos dar ao leitor, no texto, todos os dados necessários para o entendimento do que queremos dizer. Ter que entrevistar o autor para saber o verdadeiro sentido do texto significaria o fracasso do texto”.(Guedes,p. 211)
Na hora de ler um texto é muito difícil o autor está presente junto do leitor, por isso o
autor(a) tem que ser o mais claro possível no seu discurso, sem ambiguidade, o que
poderá gerar o desinteresse do leitor: “Texto objetivo não quer dizer texto curto, nem
frio e calculista”(Guedes, p. 211)
Texto objetivo quer dizer texto bem escrito, com todas as marcas discursivas dados
já mencionadas nesse artigo, “ tem que adotar um ponto de vista: que é um conjunto
de idéias que dão sentido aos conceitos e argumentos do texto”. (Guedes, p. 285)
Discurso de um comentário crítico, sem ponto de vista pessoal, reflete ausência de
criatividade; as opiniões serão comuns, banais e triviais, sem investimento original.
6 A identificação da realidade
Durante o curso de pós-graduação especialização em Novas Abordagens em Língua
e Literatura em Língua Portuguesa, interessou-me conhecer a realidade dos alunos
ingressantes no curso de graduação em Letras, para poder compreender melhor as
possíveis inferências educativas necessárias à construção do processo de auto-
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compreensão do discurso. Em meio à complexa variedade de produções textuais,
optei por estudar o gênero comentário crítico no qual o discurso dissertativo tem
predominância, estipulando ser este o gênero que mais se aproxima à tradicional
‘redação escolar’, tarefa ainda vigente em muitas escolas.
Partindo do pressuposto de que este estudante, ingressante no curso de graduação,
tenha produzido muitas ‘redações’ no período de sua escolaridade básica, pretendia
compreender como se manifesta a compreensão discursiva (o que o produto/texto
‘mostra’), segundo os critérios anteriormente referidos (unidade, concretude,
problematização e objetividade), para poder transformar a ‘árdua tarefa de escrever’
em uma possível atividade de ‘gostar de escrever’.
“Estabelecer um tema de pesquisa é, assim, demarcar um campo específico de desejos e esforços por conhecer, por entender nosso mundo e nele e sobre ele agir de maneira lúcida e conseqüente. Mas o tema não será verdadeiro, não será encarnação determinada e prática do desejo, se não estiver ancorado na estrutura subjetiva, corporal, do desejante. Não pode o tema ser imposição alheia. Deve-se ele tornar paixão, desejo trabalhado, construído pelo próprio pesquisador”. (MARQUES, 1998, p. 92)
Ao se propor uma produção comentário crítico, na sala de aula, o estudante deverá
estar à vontade para escolher o enfoque de seu comentário; o professor poderá
apresentar várias opções para escolha de um enfoque específico, a ser por ele
delimitado pelo escritor/estudante. O tema também poderá ser discutido antes,
usando recursos tais como vídeo, revistas, crônicas, poemas, sempre com liberdade
de escolha na delimitação da produção a ser feita.
“Vincula-se à escolha do tema o gosto pelo assunto a ser trabalhado e o envolvimento do pesquisador com o objeto de seu estudo. É neste sentido que se costuma dizer que tanto é o pesquisador quem seduz o objeto de pesquisa quanto é por ele seduzido”. (MICHALISZYN, 2005, p. 62)
Ninguém pode escrever sobre um assunto de que não goste, a não ser que seja
obrigado, como em eventos de vestibular ou outros concursos. Quem escreve tem
que ter paixão pelo assunto escolhido, pois desta forma o comentário será produzido
com mais carinho, de uma forma bem trabalhada.
6.1 O contato com a produção dos acadêmicos Este documento resultou de uma pesquisa com características qualitativas:
98
“A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, preocupando-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. A abordagem qualitativa, ao contrário da quantitativa, aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas”. (MICHALISZYN, 2005, p. 57)
Na abordagem qualitativa há uma preocupação com o aprofundamento de uma
determinada compreensão, envolvendo o levantamento de dados bibliográficos, que
fundamentem os enfoques a serem analisados; utilizam-se buscas empíricas, ou
seja, coleta de dados que irão exemplificar melhor o resultado final do seu texto.
Destacam-se algumas das características da pesquisa qualitativa, apresentadas por
(TRIVIÑOS, apud Michaliszyn, 2005, p.128:30):
1ª) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-chave; 2ª) A pesquisa qualitativa é descritiva; 4ª) Os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus dados indutivamente; 5ª) O significado é a preocupação essencial na abordagem qualitativa.
A coleta de comentários críticos efetivou-se entre acadêmicos do Curso de Letras da
Faculdade Cenecista de Ciências e Letras de Osório – FACOS; entreguei à
professora titular da disciplina de Produção Textual uma proposta para ser
desenvolvida com os estudantes iniciais do curso. Optei por não participar
diretamente da atividade de produção para que não houvesse interferência no
andamento das aulas, uma vez que já o fazem a cada aula. Para mim, nesta etapa
do estudo, interessavam-me as produções para poder fazer uma análise das quatro
marcas discursivas anteriormente destacadas.
A turma era formada de 21 alunos, que residem em diversas localidades do litoral
norte do Rio Grande do Sul. Escolhi esta turma do curso de Letras por serem
iniciantes no cursos e, assim, porque poderei compreender como escrevem esses
alunos ao entrarem na faculdade; talvez, também, os resultados indicativos da
situação os auxiliem na tomada de consciência da autoria na produção para, ao
saírem da FACOS como professores de Português, poderem contagiar seus alunos
com o prazer de escrever.
[..]”não basta ao pesquisador ter a temática de investigação (o problema) previamente definida. Necessita, antes de tudo, relacionar o problema, o tema que o inquieta e o insere na “arte de pesquisar”, com estudos elaborados por outros pesquisadores. Esta fase da pesquisa, denominada
99
como Pesquisa Exploratória, envolve a realização de levantamento bibliográfico e de fontes documentais, os quais servirão como subsídios para o estudo por ele proposto. Nesta etapa, preliminar a todo o processo, o pesquisador busca teorias, com o propósito de fundamentar e subsidiar os dados posteriormente coletados em campo, em sua Pesquisa Empírica”.( (MICHALISZYN, 2005, p. 61)
Então, aproximando-se à pesquisa exploratória, fiz uma coleta aleatória de dez dos
vinte e um comentários críticos sobre o tema “Violência”, desenvolvidos em sala de
aula, na referida disciplina. Aqui, neste documento, represento a análise descritiva
com somente um exemplo.
6.2 O que mostram os discursos dissertativos nos comentários críticos
analisados:
Conforme referido acima, apresento um dos resultados da análise descritiva
efetivada .
TEXTO 01
Idade: 19 anos.
Título: Violência Urbana (anexo 1).
UNIDADE TEMÁTICA:
O assunto foi delimitado e a unidade foi mantida no decorrer do discurso, por
isso não há fuga do tema;
Há falta de coesão, pois o autor(a) poderia utilizar melhor os conectivos de
ligação entre as frases que textualizam a continuidade do discurso;
CONCRETUDE:
Em algumas partes o discurso é bem abstrato, tais como no 1º parágrafo
quando o autor fala: “desprovida de armas”, não mostra quais são as armas;
no 2º parágrafo na expressão “dia-a-dia do cidadão”, não mostra de que
forma está presente a violência e no último parágrafo quando o autor(a) diz
(...) mas enquanto isso não acontece, pessoas passam fome e não tem onde
100
morarem, aumentando o desemprego (...), essa frase está solta sem ligação
com a violência urbana;
O tema é mostrado no decorrer do discurso, porém não diz o motivo que
levou o autor(a) a escrever sobre o assunto e não mostra como os leitores
podem refletir sobre ele; então pode-se dizer que há uma falta de
identificação e confronto tanto do autor quanto do leitor;
O autor(a) fala de poucas coisas concretas, pois não mostra fatos nem
exemplos.
QUESTIONAMENTO:
Há poucos questionamentos no discurso, pois não predomina uma das coisas
mais importantes na dissertação, que é o movimento argumentativo;
A solução apresentada para acabar com a Violência Urbana poderia ser
melhor. Será que a responsabilidade é só dos políticos? Como em “Acreditar
que os políticos podem tomar decisões para diminuir a violência é possível ”.
O autor(a) não faz o leitor participar das decisões, já deixa a opinião/decisão
pronta;
Qual o efeito social desse discurso, no que ele ajudaria para diminuir a
violência urbana? Por isso deveria ser trabalhada a questão argumentativa.
Se o discurso analisasse os problemas que existem, seria lido com mais
interesse, pois o que prende o leitor são enfoques que acrescentem reflexões
ao seu ponto de vista, que o façam refletir sobre os problemas levantados e
que o leitor também possa concordar com esses problemas ou questioná-los
na sua leitura.
OBJETIVIDADE:
O discurso não é objetivo, pois o posicionamento do escritor não está
explícito; faltam argumentos e uma posição crítica do autor (a).
O discurso não fornece dados necessários para o seu bom entendimento,
porque não favorece o diálogo com o autor: “Esperamos sim, atitudes em
relação a violência, mas enquanto isso não acontece, pessoas passam fome
101
e não tem onde morarem”. Falta deixar claro o que isso tem haver com a
violência urbana.
Há falta de apreciação dos fatos, nem exploração de diferentes dimensões do
tema; a abordagem do tema é superficial, por isso os enfoques são
insuficientes para abordarem os reais problemas da Violência Urbana.
O ponto de vista é simples, sem investimento original, com isso fica
evidenciada a falta de criatividade na autoria.
A exemplo desse, os demais textos foram analisados e, posteriormente, a análise foi
deixada à disposição do professor, caso quisesse fazer uso com seus os estudantes
no processo de produção.
7 Conclusões sobre a análise descritiva dos comentários críticos
Várias marcas discursivas podem ser melhoradas nos discursos dos textos
analisados. Primeiramente, gostaria de falar sobre a UNIDADE TEMÁTICA do
discurso, que foi uma das marcas mais presente nos comentários analisados; em
sua maioria, os enfoques temáticos estavam delimitados e não ocorreu fuga/desvio
do tema proposto. Quanto à textualização, os conectivos de ligação integram as
partes da maioria dos textos, proporcionando delimitação de um início,
desenvolvimento e de um parágrafo final.
A CONCRETUDE, no entanto, foi a marca discursiva mais ausente: nas produções
pouco se identificava o que iria ser dissertado, o motivo da escolha do tema e
reflexões com autoria sobre o assunto. Pouco foi o desafio ao leitor para se
identificar ou se confrontar com tema proposto; a referência a situações ficaram
muito vagas, com fatos e exemplos pouco aprofundados que pudessem comprovar
o enfoque abordado; ou seja, pouca mobilização como autores do discurso e pouco
uso de referenciações.
Quanto aos QUESTIONAMENTOS, a maioria dos discursos apresenta os mais
comuns, sem uma especificação do tema proposto; a pouca progressão semântica
gerou inconsistência na argumentação. Os autores não mostraram soluções aos
102
problemas e tampouco convidaram os leitores a participarem de decisões e soluções
com relação ao discurso. E quando levantaram questão a ser analisada, não
apresentavam argumentos consistentes para mostrarem a posição que assumiram.
Na quarta marca discursiva analisada, a OBJETIVIDADE, os discursos deixaram a
desejar, pois os pontos de vista eram simples, com pouca criatividade, não
evidenciando autoria. Faltou criticidade, já que os fatos não foram apreciados, nem
houve exploração de diferentes dimensões do tema; a abordagem tornou-se uma
descrição superficial e comum; os textos ‘disseram’ mais do que ‘mostraram’,
descaracterizando seu tipo dissertativo adequado ao comentário crítico.
Há necessidade de que sejam reescritos, uma vez que não atingiram as etapas
necessárias que identificam características de comentários críticos. No processo de
reescrita, é possível o produtor ir compreendendo como, gradativamente, o seu
discurso se configura no gênero comentário, assumindo autoria e criatividade na
exposição de opiniões.
Considerações Finais
Este estudo permitiu-me construir conhecimentos como profissional da área e como
pesquisador; foi prazeroso, porque gosto muito de escrever, mergulhar no diálogo
em busca de críticas aos enfoques temáticos. Através da análise dessas produções
de estudantes iniciais do curso de Letras, destaco, entre outros fatores, a
importância da escrita, em especial, neste curso que forma professores os quais
atuarão com produção textual. Tive como objetivo contribuir para que os estudantes
se compreendam como produtores/autores; para isso identifiquei, descrevi e
comentei alguns problemas discursivos que devem ser analisados e eximidos no
decorrer do curso.
Sugiro que continuem escrevendo para construir saberes sobre unidade temática,
concretude, questionamentos e objetividade. Em seus comentários críticos poderiam
referir fontes das informações apresentadas. Para consegui-lo, precisam estar mais
informados sobre o assunto que vão dissertar; então, a busca de informações
103
através da leitura de jornais, revistas, livros, as conversas com pessoas mais
experientes, o uso de recursos informatizados talvez contribua neste processo. O
escritor aluno precisa tomar consciência de que escrever não é uma obrigação, uma
cobrança dos professores, mas saber que escrever pode ser uma forma prazerosa
de construir sentidos, de demonstrar sentimentos, enfim, de organizar o pensamento
e de participar ativamente da sociedade letrada. Ainda falta argumentar com mais
concretude e com autoria o discurso.
Proponho para todos os estudantes de curso de Letras: escrever em todas as
disciplinas do curso, não somente nas disciplinas de Produção Textual. Urge
intensificarem esse processo para sair do curso de Letras sabendo escrever: é um
processo de aprendizagem que depende da ação de escrever no dia-a-dia, pois não
se aprende de hoje para amanhã - requer um processo de criação e de análise
crítica da autoria.
Referências
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manual, nova cultural: redação, gramática, literatura, interpretação de texto testes
e exercícios. SP: Editora Nova Cultural Ltda, 1991.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Em Bakhtin, Estética da criação verbal.
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doutoramento do Autor. Porto Alegre: Gráfica da UFRGS, 1998.
LUFT, Celso Pedro. Novo manual de português: redação, gramática, literatura,
ortografia oficial, textos e testes. 17ª ed. SP: Editora Globo S.A, 1991.
MARCUSCHI, L. A. Da fala à escrita. SP: Cortez, 2001.
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para elaboração de projetos, monografias e artigos científicos. Petrópolis, RJ:
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MOURA, Francisco. Trabalhando com dissertação. 4ª. ed. SP: Editora Ática, 1995.
Anexo 1
Proposta organizada pelo pesquisador, baseado no livro de MOURA (1995, p.8) e
desenvolvida pela professora titular de Produção Textual com alunos do 2º semestre
do curso de Letras:
Você deverá fazer um COMENTÁRIO CRÍTICO sobre a VIOLÊNCIA. Por ser tão
atual, serão muitas e variadas as idéias que vão surgir na sua cabeça, e você
poderá ter dificuldades em organizar a sua dissertação, principalmente se o tempo
for controlado. Sua produção provavelmente acabará contendo apenas opiniões
gerais sobre o assunto, porque ele é muito amplo. Como fazer então? É preciso
delimitar o assunto, isto é, restringi-lo, escolhendo um só aspecto para ser
analisado. Ao delimitar o assunto, você estará escolhendo o tema da sua produção
textual.
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Examine só um aspecto abaixo e escreva sobre ele:
a) Causas da violência.
b) A violência no trânsito.
c) A criança vítima de violência.
d) Violência urbana.
e) Por que aumentou a violência contra a mulher nas últimas décadas?
f) Violência e impunidade.
g) Como superar a violência?
h) Conflitos pela posse de terra no Brasil.
i) A violência contra o índio brasileiro.
j) A violência nos estádios de futebol.
k) A violência da polícia.
Produção Textual dos Alunos (Anexo 2)