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6 HSM Management 13 março-abril 1999 As empresas que organizam os custos por departamentos, ignorando que atividades e processos cruzam com frequência as fronteiras departamentais, estão completamente ultrapassadas. Quem faz essa afirmação é Robert Kaplan, a maior autoridade em custos da atualidade e renomado professor de Harvard. Em entrevista exclusiva a José Salibi Neto, diretor editorial de HSM Management, Kaplan descreve em detalhe os dois sistemas de gestão mais valorizados no momento, o Custo Baseado em Atividade (ABC, na sigla em inglês) e o balanced scorecard –ambos desenvolvidos por ele junto com outros especialistas. Para Kaplan, esses dois sistemas são complementares: “O balanced scorecard nos diz onde devemos competir, que clientes devemos conquistar, o que é preciso fazer para criar valor para os clientes. O ABC mostra como estamos ganhando dinheiro com esses clientes”. O debate sobre o assunto é palpitante. Kaplan discorda, por exemplo, de John Shank, outro grande especialista na área, para quem os custos devem ser determinados pelos clientes (veja entrevista de Shank em HSM Management número 3, página 40). Kaplan também critica a personalização de produtos e serviços pregada por um número cada vez maior de especialistas. Segundo ele, isso jamais pode ser feito sem um sistema eficiente de determinação de custos, sob pena de a empresa ir à falência. O especialista também analisa o recente sucesso de sua ferramenta ABC no Brasil, sucesso esse que ele atribui à urgência que as empresas têm de aumentar eficiência, desde que o mercado foi aberto à concorrência externa. ALTA GERÊNCIA Em entrevista, Robert Kaplan, maior autoridade mundial em custos, explica como os dois sistemas de gestão de custos desenvolvidos por ele, o ABC e o balanced scorecard, podem ser integrados para melhorar o desempenho das empresas Dos custos à performance O sr. é um crítico contundente de vários dos sistemas de determina- ção e gestão de custos utilizados atualmente por empresas do mundo todo; tem dito que eles são obsole- tos, que chegou a hora de mudar. Quais são os principais problemas desses sistemas? Faz 15 anos que venho observan- do e criticando os sistemas de custos adotados pelas empresas industriais e de prestação de serviços. Eles costumam organizar os custos por departamentos, ignorando que atividades e processos cruzam com frequência as fronteiras departa- mentais. Eles são falhos porque não possibilitam às empresas ter uma imagem final do custo de coisas como projetar produtos e desenvol- ver atividades ligadas ao atendimen- to dos clientes. E principalmente são falhos por não conseguirem definir com precisão a relação entre o custo dos diversos recursos existentes –funcionários, equipa- mentos, instalações– e os produtos fabricados e os clientes atendidos.

Prof. Randes - Dos custos à performance...fazer parte da equipe responsável por agregar valor. Os executivos de outras áreas devem dar-lhe boas-vindas e exigir que o pessoal de

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As empresas que organizam os custos por departamentos, ignorandoque atividades e processos cruzam com frequência as fronteirasdepartamentais, estão completamente ultrapassadas. Quem faz essaafirmação é Robert Kaplan, a maior autoridade em custos da atualidade erenomado professor de Harvard. Em entrevista exclusiva a José Salibi Neto,diretor editorial de HSM Management, Kaplan descreve em detalhe osdois sistemas de gestão mais valorizados no momento, o Custo Baseadoem Atividade (ABC, na sigla em inglês) e o balanced scorecard –ambosdesenvolvidos por ele junto com outros especialistas.Para Kaplan, esses dois sistemas são complementares: “O balancedscorecard nos diz onde devemos competir, que clientes devemosconquistar, o que é preciso fazer para criar valor para os clientes.O ABC mostra como estamos ganhando dinheiro com esses clientes”.O debate sobre o assunto é palpitante. Kaplan discorda, por exemplo,de John Shank, outro grande especialista na área, para quem os custosdevem ser determinados pelos clientes (veja entrevista de Shank emHSM Management número 3, página 40). Kaplan também critica apersonalização de produtos e serviços pregada por um número cadavez maior de especialistas. Segundo ele, isso jamais pode ser feito semum sistema eficiente de determinação de custos, sob pena de a empresair à falência.O especialista também analisa o recente sucesso de sua ferramenta ABCno Brasil, sucesso esse que ele atribui à urgência que as empresastêm de aumentar eficiência, desde que o mercado foi aberto àconcorrência externa.A

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Em entrevista, Robert Kaplan, maior autoridade mundialem custos, explica como os dois sistemas de gestão de custosdesenvolvidos por ele, o ABC e o balanced scorecard, podemser integrados para melhorar o desempenho das empresas

Dos custos àperformance

O sr. é um crítico contundente devários dos sistemas de determina-ção e gestão de custos utilizadosatualmente por empresas do mundotodo; tem dito que eles são obsole-tos, que chegou a hora de mudar.Quais são os principais problemasdesses sistemas?

Faz 15 anos que venho observan-do e criticando os sistemas de custosadotados pelas empresas industriaise de prestação de serviços. Elescostumam organizar os custos pordepartamentos, ignorando queatividades e processos cruzam comfrequência as fronteiras departa-mentais.

Eles são falhos porque nãopossibilitam às empresas ter umaimagem final do custo de coisascomo projetar produtos e desenvol-ver atividades ligadas ao atendimen-to dos clientes. E principalmentesão falhos por não conseguiremdefinir com precisão a relação entreo custo dos diversos recursosexistentes –funcionários, equipa-mentos, instalações– e os produtosfabricados e os clientes atendidos.

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São sistemas de determinação decustos altamente agregados; levam adistorções consideráveis na mensura-ção do custo de produtos e clientes.

O sr. é um dos criadores de doissistemas de determinação/gestãode custos: o ABC (sigla em inglês deCusto Baseado em Atividade) e obalanced scorecard. Qual é a realimportância deles?

O ABC e o balanced scorecard são,na verdade, ferramentas gerenciaisque dão às organizações uma visãomuito mais clara de sua economiainterna e externa.

Esses dois sistemas foram desen-volvidos para resolver problemasparticularmente de indústrias queestavam enfrentando a concorrênciade empresas com atuação mundial–principalmente japonesas– e, porisso, precisavam melhorar a gestãodos custos, a fim de aprimorar osprocessos de produção e de atendi-mento ao cliente.

Verificou-se, em seguida, que asmesmas técnicas podem ser aplica-das às empresas prestadoras deserviços –na verdade, estas enfren-tam problemas ainda mais difíceisque os das companhias industriais,pois basicamente todas as suasdespesas são indiretas. Nesse caso, épreciso desenvolver um modelo dedeterminação de custos para indicarse a variedade e a complexidade dosserviços que essas empresas ofere-cem e se o tipo de demanda exerci-da pelos clientes estão levando aaumentos na estrutura de custos.Isso ocorre, por exemplo, combancos, companhias de seguro,transportadoras, que só agorapodem ter uma visão mais clara darentabilidade de seus diversosprodutos e serviços.

Tanto o ABC como o balancedscorecard não são destinados acontadores; devem ser utilizadospelos executivos que precisamtomar uma série de decisões: arespeito de suas operações, de seusprocessos de produção, de seusobjetivos, produtos e clientes.

Nos últimos anos, assistimos noBrasil a um grande aumento de

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interesse pelo ABC. Como o sr. vêessa tendência?

Até recentemente, países como oBrasil viviam em um ambiente deinflação muito elevada, associada àproteção contra a concorrênciaexterna. Isso permitia que osexecutivos elevassem seus preços aum ritmo suficientemente rápidopara cobrir seus custos, ainda quede forma ineficiente.

Uma vez eliminada a inflação, jánão é mais possível elevar preçosassim. Os executivos viram, então,que as estruturas de custo estavamexcessivamente inchadas e asoperações eram ineficientes. Alémdisso, em consequência da aberturado mercado, as empresas passarama enfrentar uma concorrênciamuito maior por parte de produto-res e fornecedores de serviços comestruturas muito enxutas, vindos doexterior. Isso levou à necessidade dereformular o sistema de determina-ção de custos e exigiu maior eficiên-cia na gestão deles. Essa é a razãopela qual as empresas brasileirasestão descobrindo o ABC.

Que resultados as empresas queadotaram essa ferramenta estãoobtendo?

O primeiro resultado colhido poruma empresa que faz um trabalhofundamentado no Custo Baseado emAtividade é revelar o custo de tudoque está sendo feito. Os custos passama ser visíveis e, dessa forma, podemser alvo de programas de redução ede aperfeiçoamento de processos.

O segundo resultado de quemadota o ABC é a descoberta de queum número razoavelmente grandede produtos, ou de clientes, pode sergerador de prejuízos. Os sistemas dedeterminação de custos convencio-nais estabelecem a média dos custoslevando em conta tudo que a compa-nhia faz. Com isso, ela não vê asdiferenças marcantes entre seusprodutos mais lucrativos e menoslucrativos –ou entre seus clientesmais lucrativos e não-lucrativos.

Quando as empresas constatamque possuem um número signifi-cativo de produtos e clientes não-lucrativos, podem adotar várias

medidas, como recalcular o preçode alguns itens ou negociar quanti-dades mínimas por pedido.

Como uma empresa descobre seprecisa ou não de um novo sistemade determinação de custos?

Um dos caminhos para isso éexaminar a tendência das despesasindiretas e de apoio. Se a empresaperceber que esses custos –conside-rados fixos– estão crescendo anoapós ano, esse será um indicadorseguro de que precisa de um novosistema de determinação de custos,pois é um sinal de que ela nãocompreende os fatores que influemnesses custos fixos. E eu não estoufalando apenas de custos de produ-ção; estou falando de custos adminis-trativos, de marketing e de distribui-ção também. A simples observaçãodo comportamento dessas despesasjá é um bom indicador.

Outro indicador da necessidadede mudar o sistema é a proliferaçãode produtos e clientes. As empresas

acabam descobrindo que a maneiramais fácil de crescer é acrescentaruma nova variante, um novo mode-lo, personalizar seus produtos paraclientes individuais. Esse tipo deiniciativa pode até manter os clientesfiéis e aumentar as vendas, masfrequentemente leva a um aumentocolossal dos custos organizacionais.

Pode-se ainda observar o compor-tamento dos clientes. Se a empresativer muitos clientes pequenos,clientes bastante exigentes, clientesque compram grandes volumes, masquerem descontos pesados e prazosde entrega mais curtos, ela estásendo espremida contra a parede.Está sendo influenciada demaispelas exigências dos clientes sem teros conhecimentos necessários paraentender quanto está custandoatender a todas essas exigências.

No caso de um banco, por exem-plo, é possível haver clientes com umvolume exagerado de transaçõesbancárias em relação ao saldo de suaconta. Nesse momento, passa a ser

“Se as despesas fixas estão crescendoano após ano, esse é um indicador segurode que a empresa precisa de um novosistema de determinação de custos”

Saiba mais sobre Robert Kaplan

Robert Kaplan é consideradoa maior autoridade mundial emcustos na atualidade. Professor daHarvard Business School, é autorde A Estratégia em Ação – BalancedScorecard (ed. Campus–KPMG), bestseller internacional escrito junto comDavid Norton que lançou a ferra-menta gerencial balanced scorecard,adotada por grandes empresas.

Kaplan já deu entrevista a HSMManagement, publicada no número11 (página 120), sobre o balanced

scorecard. Pesquisa sobre ferramentasgerenciais realizada pela firma deconsultoria Bain & Company epublicada no número 6 de HSMManagement (página 56) colocavao balanced scorecard e o ABC, as duasferramentas de gestão de custosdesenvolvidas por Kaplan, entre as25 ferramentas mais utilizadaspor empresas do mundo todo.Ele estará no Brasil em maio paraseminário promovido pelaHSM Cultura & Desenvolvimento.

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caro demais para ele lidar com aelevada frequência de transações,que não estão sendo compensadassob a forma de receita.

Com base em tudo que o sr. disse,pode-se concluir que o executivofinanceiro se tornou uma figuramuito mais importante. Como o sr.vê o papel desse profissional naempresa?

Há uma grande mudança nopapel do executivo financeiro nasempresas. No passado, os contado-res restringiam-se a manter osregistros. Ficavam na “lateral docampo”, sem se envolver nos proces-sos de criação de valor utilizadospela empresa. Mantinham osregistros e faziam um relatório nofim do período.

Nos sistemas ABC e balancedscorecard, o executivo financeiro devefazer parte da equipe responsávelpor agregar valor. Os executivos deoutras áreas devem dar-lhe boas-vindas e exigir que o pessoal definanças faça parte da equipe porqueprecisam de seus conselhos paratomar decisões-chave.

O executivo financeiro pode daruma visão geral dos processosineficientes e alertar sobre a exis-tência de excesso de capacidade.Também pode chamar a atenção daárea de marketing a respeito declientes não-lucrativos. Ou, quandoa empresa está prestes a entrar emnovos mercados, apontar qual é omais atraente do ponto de vista devolume e, especialmente, de renta-bilidade. Ele responde: qual é osegmento de clientes mais lucrativoque podemos alcançar com nossosprocessos e tecnologias?

Desempenhando esses papéis, oexecutivo financeiro está prestandoinformações fundamentais para a

tomada de decisões, e não maisesperando até que as decisõessejam tomadas para então relataro resultado delas, como faziam oscontadores antigamente. Trata-sede um papel muito diferente, enem todos os profissionais da áreasentem-se à vontade com essasnovas responsabilidades.

Ouvimos muitos especialistas emadministração e um grande númerode empresas dizerem que entramosna era da personalização em massa,do relacionamento um-a-um. O queacontece com essas companhiasdo ponto de vista do custo? O sr.

tem alguns exemplos para dar?Muitas vezes os executivos não

compreendem o custo da personali-zação. Embora a personalização sejafundamental para criar valor combase na diferenciação, não é possí-vel saber, sem um sistema ABC, seesse valor é realmente maior do queo custo da personalização. Se aempresa não percebe o custo dapersonalização, pode perder muitodinheiro tentando personalizarprodutos para clientes individuais.

As empresas que fazem isso bem,como a Dell Computer, projetamseus produtos e seu relacionamentocom os clientes de maneira que sejaextremamente barato lidar com astransações. É verdade que se podepersonalizar um computador daDell, mas na verdade o computadornão será construído a partir dozero, somente para um cliente. Háum número limitado de processosque se pode usar, um númerolimitado de componentes entre osquais se pode escolher, assim como

“Nos sistemas ABC e balanced scorecard,o executivo financeiro faz parte da equiperesponsável por agregar valor. Ele nãoespera que as decisões sejam tomadas”

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A ferramenta da determinaçãode custos com base em atividade(Activity Based Costing, ou simples-mente ABC) permite relacionar oscustos de quase todos os recursos daorganização com produtos específi-cos que estão sendo fabricados ecom clientes que estão sendoatendidos.

O balanced scorecard, por suavez, se propõe a avaliar todo odesempenho empresarial, comple-mentando as mensurações financei-

Saiba mais sobre ABC e balanced scorecardras com avaliações sobre o cliente,identificando os processos internosque devem ser melhorados eanalisando as possibilidades decrescimento, de investimentose de aprendizado.

Para compreendê-las melhor,pode-se ler em HSM Managemento artigo Tecnologia melhora o ABC,de Mary Lee Geisheker (número 5,página 18), e a entrevista Balancedscorecard, com o próprio RobertKaplan (número 11, página 120).

“A estrutura de custos serve para queentendamos realmente o custo dacapacidade produtiva, particularmenteo do excesso de capacidade”

um grupo limitado de monitores.Então, cada escolha a ser feita incluiquatro ou seis opções.

Ao multiplicarmos todas asopções, aparecerá um númeroimenso de combinações, mas narealidade a Dell estruturou a perso-nalização de modo que pudessecomprar em massa e produzir emsérie os componentes usados emseus computadores. A personaliza-ção ocorre apenas na etapa final dalinha de montagem. Com isso, elacontinua a tirar proveito da econo-mia de escala, e a montagem detodos eles é muito barata e podeser feita individualmente.

Além disso, a Dell também soubelidar com os clientes individuais deuma forma particularmente eficien-te, criando um site na Internet edeixando que as pessoas façamtudo. Esse é um excelente modelode custo, em que os clientes arcamcom boa parte do trabalho. Se aempresa não se organizar de formaa conseguir produzir essa variedadea um custo baixo, a personalizaçãoem massa poderá efetivamente levá-la à falência.

Em 1998, assistimos a megafusõesde empresas como Citicorp-TravelerGroup e Chrysler-Mercedes, com ajustificativa de maximizar o desem-penho. Isso faz sentido do ponto devista dos custos?

Nas megafusões, ganha-se pri-meiro em intimidade com o clien-te. Podemos ver a fusão Citicorp-Traveler como a comprovação dateoria de que os clientes queremcomprar todos os seus serviçosfinanceiros em um só lugar. Ouseja, ficou possível fazer vendascruzadas de serviços bancários aclientes da área de seguros e, aomesmo tempo, vender seguros aos

que já possuem conta bancária.Dessa forma, em tese, a participaçãode mercado em ambos os segmen-tos estaria crescendo.

É provável também que hajaatualmente um excesso de capacida-de produtiva no mundo em muitossetores –entre eles, telecomunica-ções, serviços bancários e refino depetróleo. Nesse contexto, a empresapoderá se beneficiar da redução dacapacidade por meio de fusões. Doponto de vista do custo, portanto, amegafusão é uma forma de reduziruma parte do excesso de capacida-de produtiva que existe no mundo.

Voltando ao ABC, a estrutura decustos serve para que entendamosrealmente o custo da capacidadeprodutiva, em particular o doexcesso de capacidade. Muitasvezes, esse sistema revela por quedeterminadas empresas não sãosuficientemente rentáveis.

É possível que esteja tudo certocom seus produtos, tudo certo comsua política de preços, mas a empre-sa simplesmente tem excesso decapacidade. Nesse caso ela pode

encontrar meios para aumentar autilização dessa capacidade, como,por exemplo, uma fusão que lhepermita fazer vendas cruzadas, oucombinar uma parte da capacidadenão usada com uma parte dacapacidade da outra companhia.

Certamente se elimina a necessi-dade de haver dois grupos adminis-trativos e talvez seja possível reduziro investimento em pesquisa edesenvolvimento, ou o número defiliais, ou os produtos vendidos aalguns revendedores. Trata-se,enfim, de uma tentativa de usarmelhor os ativos existentes.

É interessante usar as duas ferra-mentas, ABC e balanced scorecard,juntas? Onde acaba uma e ondecomeça a outra? Como é possívelintegrá-las para obter o desempe-nho máximo da empresa?

O ABC tem a ver com custos; elefornece um modelo preciso dedeterminação de custos, mostrandoque fatores influenciam cada custo.Já o balanced scorecard é uma formade compreender os fatores queinfluenciam a receita da empresa.Ele responde a perguntas comoestas: o que é preciso fazer paracriar valor para os clientes? O queos leva a comprar de nós?

Na verdade, acredito que os doissistemas são complementares. Obalanced scorecard nos diz onde deve-mos concorrer, que clientes de-vemos conquistar, o que é preciso

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fazer para criar valor para os possí-veis clientes. O ABC mostra comoestamos ganhando dinheiro comesses clientes, até que ponto nossosmercados são mesmo atraentes. Porisso, as duas ferramentas são igual-mente necessárias.

Imaginemos um curso de inicia-ção à economia, em que se estuda acurva da demanda e a curva daoferta. Ambas são necessárias paradeterminar o ponto ideal de produ-ção e preço. Vejo o ABC como acurva da oferta: ele nos revela ocusto de fornecer determinadovolume de produtos e serviços.O balanced scorecard é como a curvada demanda: nos mostra o que criaa demanda, porém é muito maiscomplexo e abrangente que umacurva da demanda tradicional,porque as quantidades estão sendoencomendadas não apenas emfunção do preço –que constitui omodelo mais simples dos economis-tas–, mas também em função daqualidade do produto, da inovação,da funcionalidade e da natureza dorelacionamento empresa-cliente.O balanced scorecard é uma tentativade construir uma curva da demandamultidimensional.

Quando analisamos tudo por esseprisma compreendemos que asempresas precisam das duas coisas:uma boa representação do quecriou uma demanda para seus pro-dutos e serviços e uma boa represen-tação do que gera os custos necessá-rios para atender a essa demanda.Portanto, utilizadas em conjunto, ede maneira integrada, essas ferra-mentas nos mostram como maximi-zar os lucros e criar valor econômicoa longo prazo para a empresa.

Estamos presenciando uma sériede reestruturações, especialmente

nas empresas brasileiras e sul-americanas. Quando uma compa-nhia precisa reestruturar seusistema de gestão de custos, qualé a melhor forma de transmitir issoaos funcionários? Estamos falandodo lado humano. Qual tem sidosua experiência?

Sempre é difícil quando hánecessidade de fazer uma reestrutu-ração, visto que uma parte dela é areengenharia –além da Gestão daQualidade Total (TQM, na sigla eminglês). Tudo isso nos permiteproduzir o mesmo volume com osrecursos disponíveis. Agora, sequisermos obter os benefícios detudo isso, será preciso eliminar osrecursos já não necessários porqueos processos de produção foramaperfeiçoados e são mais eficientes.Ou, então, achar mais trabalho paraser feito, expandir a demanda.

Esperamos que as companhiasque procuram ser mais eficientes ereagir rápido sejam capazes deestimular a demanda e gerar umaprodução maior com os recursosexistentes. Nesse caso ninguémperderá o emprego. Talvez sejapreciso deslocar as pessoas paraempregos diferentes, mas todascontinuarão empregadas.

Mas, se a companhia não forcapaz de aumentar a demanda e aprodução, a única forma de colheros benefícios da reestruturação eda reforma será reduzir o número

de recursos, o que significa corte deempregos, talvez a venda de equipa-mento e o fechamento de fábricas.Isso é doloroso; muito duro. Não seise há alguma maneira certa de fazerisso, a não ser explicar às pessoasque a alternativa é fechar a empresaporque deixou de ser competitiva.

Tenho um exemplo interessantepara dar. Estive recentemente naÍndia, em dezembro de 1998, euma empresa local havia ganho oDeming, um prêmio japonês dequalidade. É muito raro que umacompanhia fora do Japão ganheesse prêmio. Fizeram uma perguntaidêntica ao presidente dessa compa-nhia: como é possível realmentecolher os benefícios de uma iniciati-va de gestão da qualidade? Isso querdizer que o mesmo trabalho deveser feito por um número menorde pessoas?

Esse presidente me explicou que,como não queria baixar o moral daspessoas muito bem-sucedidas,estimou quantas seriam necessáriasdepois da reestruturação e depoisdo processo de melhoria. Ele fezapenas um corte de pessoal, logo noinício do processo, para que os queficassem entendessem que eram osfuncionários fixos e sentissem aurgência de fazer as melhorias,porque na verdade não tinhamfuncionários em número suficientepara fazer o trabalho à moda antiga.

Isso criou, de um lado, uma metabastante ambiciosa para os funcioná-rios e, de outro, um compromisso daempresa em conservá-los por longoprazo. Essa me pareceu uma formacriativa de fazer as coisas. A dor foiinfligida logo no início, evitando quea incerteza se espalhasse pela forçade trabalho –ninguém precisava ficarse perguntando quem perderia oemprego no mês seguinte.

“Utilizadas de maneira integrada,as duas ferramentas mostram como aempresa pode maximizar os lucros e criarvalor econômico a longo prazo”

“O ABC é como a curva da oferta: revelao custo de fornecer certo volume deprodutos e serviços. O balanced scorecardé como a curva da demanda”