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Representações da Educação Rural em Pelotas (1930-1960): a professora Rachel Mello MAGDA DE ABREU VICENTE* 1 Introdução Este trabalho tem por objetivo analisar a concepção educativa rural no município de Pelotas RS, entre as décadas de 1930-1960. A pesquisa faz parte de doutoramento vinculada ao Programa de Pós Graduação em Educação da UFPel. A metodologia de história oral pretende perceber que representações da escola rural estavam em voga neste período e evidenciar quais foram os sujeitos que se envolveram com a implantação e manutenção de instituições primárias rurais na cidade. A partir do que já foi pesquisado uma figura destacou- se no que já foi pesquisado: a educadora Rachel Mello, que criou junto à Sociedade de Educação Cristã, criada em 1930, a Escola Primária Rural Santo Antônio, em 1932 e a Escola Normal Regional Rural Imaculada Conceição, em 1955. A pesquisa utiliza o referencial teórico-metodológico da História Cultural, estando embasada principalmente nas ideias de Pesavento (2005), Burke (1992), Ginzburg (1989) e Chartier (2001). Sobre a História Oral baseia-se principalmente em Thompson (1992), Ferreira e Amado (1998), Halbwachs (2006). As fontes utilizadas foram: atas da Sociedade de Educação Cristã, reportagens do Jornal Diário Popular e duas entrevistas. O trabalho infere que Raquel Mello foi protagonista no fomento da educação rural na cidade de Pelotas-RS. Ensino Primário Rural: contexto de implantação Os discursos que trazem como foco a educação rural no Brasil não remetem apenas ao século XX; mesmo assim o avanço efetivo em políticas para o setor rural foi bastante lento e gradual, inclusive por um motivo muito discutido pelos ruralistas: a escola que recebia mais investimentos era a urbana. Assim, a História da Educação rural, tanto quanto os investimentos em educação, ficaram a margem e carecem de pesquisas que mostrem o que tivemos de educação para o rural. Segundo Calazans (1993) Na trajetória da formação escolar brasileira, embora se possam destacar eventos dispersos que denotam intenções do setor público, já no século XIX, de dotar as populações do meio rural de escola, sabe-se que só a partir de 1930 ocorreram 1 Magda de Abreu Vicente, UFPel, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação.

professora - encontro2016.historiaoral.org.br...4O termo modernização é aqui utilizado conforme KUMAR (2006) que o diferencia de modernismo. O modernismo é considerado um movimento

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Representações da Educação Rural em Pelotas (1930-1960): a professora Rachel Mello

MAGDA DE ABREU VICENTE*1

Introdução

Este trabalho tem por objetivo analisar a concepção educativa rural no município de

Pelotas – RS, entre as décadas de 1930-1960. A pesquisa faz parte de doutoramento vinculada

ao Programa de Pós Graduação em Educação da UFPel. A metodologia de história oral

pretende perceber que representações da escola rural estavam em voga neste período e

evidenciar quais foram os sujeitos que se envolveram com a implantação e manutenção de

instituições primárias rurais na cidade. A partir do que já foi pesquisado uma figura destacou-

se no que já foi pesquisado: a educadora Rachel Mello, que criou junto à Sociedade de

Educação Cristã, criada em 1930, a Escola Primária Rural Santo Antônio, em 1932 e a Escola

Normal Regional Rural Imaculada Conceição, em 1955. A pesquisa utiliza o referencial

teórico-metodológico da História Cultural, estando embasada principalmente nas ideias de

Pesavento (2005), Burke (1992), Ginzburg (1989) e Chartier (2001). Sobre a História Oral

baseia-se principalmente em Thompson (1992), Ferreira e Amado (1998), Halbwachs (2006).

As fontes utilizadas foram: atas da Sociedade de Educação Cristã, reportagens do Jornal

Diário Popular e duas entrevistas. O trabalho infere que Raquel Mello foi protagonista no

fomento da educação rural na cidade de Pelotas-RS.

Ensino Primário Rural: contexto de implantação

Os discursos que trazem como foco a educação rural no Brasil não remetem apenas ao

século XX; mesmo assim o avanço efetivo em políticas para o setor rural foi bastante lento e

gradual, inclusive por um motivo muito discutido pelos ruralistas: a escola que recebia mais

investimentos era a urbana. Assim, a História da Educação rural, tanto quanto os

investimentos em educação, ficaram a margem e carecem de pesquisas que mostrem o que

tivemos de educação para o rural.

Segundo Calazans (1993)

Na trajetória da formação escolar brasileira, embora se possam destacar eventos

dispersos que denotam intenções do setor público, já no século XIX, de dotar as

populações do meio rural de escola, sabe-se que só a partir de 1930 ocorreram

1 Magda de Abreu Vicente, UFPel, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação.

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programas de escolarização considerados relevantes para as populações do campo

(CALAZANS, 1993: p. 17).

Esse fomento para o rural começa a surgir a partir do movimento de defensores da

escola rural que tem raízes no início do século XX e estende-se por quase todo este século. O

movimento, chamado de “ruralismo brasileiro”, esteve em evidência nos debates que

tencionavam políticas para esse meio. Mendonça (1997) no seu livro “O Ruralismo

Brasileiro”, esclarece que o ruralismo é um movimento que está além de um simples

movimento de enfrentamento dos interesses agrários em relação ao aumento da

industrialização brasileira, pois ele encontra-se entre o século XIX e XX fazendo um embate

dentro das próprias oligarquias rurais nas disputas pelo poder no Brasil.

Quanto ao Ensino Primário, no início do século XX, a educação se volta para duas

concepções diferentes, uma para o campo e outra para as cidades. Na zona urbana, ocorre uma

intensificação de redes de grupos escolares2 e na zona rural há uma intensificação de escolas

isoladas. Os grupos escolares inseriram o tipo de escola graduada e o princípio da escola

padronizada e global com gradativa profissionalização do magistério. Foram também a

representação dos princípios educativos republicanos com base na tentativa de intensificação

da homogeneização das classes e com base no financiamento privado que estimulava a

personificação das oligarquias. Sua arquitetura era monumental e causava admiração nas

cidades (SOUZA, 1998).

Para o ensino primário rural não prevaleceu os grupos escolares e sim as escolas

isoladas, por muito tempo multisseriadas. Essas escolas eram menores e gradativamente

foram incorporando valores dos grupos escolares, porém, com timidez e parcos recursos

financeiros.

As escolas primárias tiveram aumento significativo a partir dos anos de 1930, durante

o governo Vargas, e foram se intensificando, principalmente até a década de 1970. O objetivo

de tais políticas educacionais era vencer o analfabetismo e consolidar uma noção de

nacionalidade, bem como conter o êxodo rural acreditando ser uma forma de modernizar o

campo, que era considerado um local de atraso e incivilidade.

2 Os grupos escolares foram o sinônimo de modernização no Brasil Republicano. As antigas escolas

isoladas passaram a ser o sinônimo de atraso. Esses grupos surgiram no Estado de São Paulo, em

1893, e deveriam reunir as escolas isoladas em escolas-modelo, sendo o princípio de uma educação

parecida com o modelo atual. Para mais informações ver SOUZA (1998).

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Segundo Pinheiro (2006)

O campo e a cidade afiguravam-se como espaços distintos, mas intimamente

relacionados tanto econômica quanto socialmente. A educação escolar seria uma

instância intermediária entre esses dois espaços, acreditando-se em seu enorme

potencial para minimizar as contradições do sistema capitalista e conflitos por ele

gerados (PINHEIRO, 2006: p. 137).

As experiências educacionais entre as décadas de 1930 e 1960 acompanham o ritmo

do crescimento industrial em que o país se encontra. Sendo assim, as regiões mais

desenvolvidas economicamente (Sul e Sudeste) tiveram maior expansão do ensino primário e

urbano (SOUZA, 1998).

No estado do Rio Grande do Sul também existia o estímulo à permanência do homem

do campo na zona rural com vista a conter o êxodo rural e trazer melhorias na produção

agrícola. Para Almeida (2005),

A escolarização nos meios rurais, a partir dos anos 40, adquire a conotação de ser

um instrumento capaz de colaborar na fixação das populações em seu ambiente

original (ALMEIDA, 2005: p. 285).[...] Até o final do século XIX, é realmente

pequena a quantidade de pessoas que vivem em cidades, pouco mais de 10%. Essa

situação altera-se década a década, a ponto de nos anos de 1960 e 1970 existir

quase um equilíbrio entre população urbana e rural, com ligeira vantagem para as

cidades. (ALMEIDA, 2005: p. 280).

Essas iniciativas e incentivos para a educação rural no RS estiveram presentes nas

pautas da Revista de Ensino do Rio Grande do Sul (Seção de Educação Rural)3 e no manual

didático Escola Primária Rural (livro de Ruth Ivoty Torres da Silva) na décadas de 1950 a

1970 (WESCHENFELDER, 2007). Nestes manuais as ideias dos ruralistas pedagógicos

mostram-se importantes, pois é neles que se orientam alunos, professores e sociedade em

geral para a necessidade de organizar e instruir o rural. “A proposta veiculada pela Revista e

Manual era ensinar os rurais a trabalharem e produzirem mais e, principalmente, produzirem

de outro modo: era preciso mudar a mentalidade agrícola”. (WESCHENFELDER, 2007: p.

240).

Seguindo essa lógica, da necessidade do avanço nas políticas educativas rurais, é que

em 1954 se faz um plano para a Educação Rural no RS, sob o governo de Ernesto Dornelles.

3 A Revista de Ensino do Rio Grande do Sul foi criada em 1939, parou de funcionar em 1943 em

função da 2º Guerra Mundial e novamente voltou a ser publicada em 1951. A revista tinha ampla

tiragem e costumava divulgar as questões educacionais no estado do RS (BASTOS, 2005).

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Este plano tinha como intenção detectar problemas relacionados ao homem do campo e achar

soluções via educacional.

Posteriormente o governo de Leonel Brizola foi importante para o desenvolvimento

quantitativo da solução destes problemas. Seu governo predominou entre os anos de 1959 até

1963. A princípio do seu projeto se chamava “Plano das duas mil”, ou seja, construir duas mil

escolas em dois anos. Para tal o governo se utilizou da Sedep (Serviço de Expansão

Descentralizada do Ensino Primário) e da Cepe (Comissão Estadual de Prédios Escolares). O

Sedep firmava convênio com os municípios que enviavam ao governo a sua demanda escolar

em relação a prédios e salas de aula e então, oferecia meios técnicos e financeiros. Essa

expansão deu lugar às chamadas “Brizoletas”, escolas de ensino primárias, conhecidas por

serem de madeira e quantitativamente preponderantes no cenário do estado (QUADROS,

1999).

Neste sentido, visualiza-se nitidamente uma série de medidas que focalizam a

educação rural, tanto em nível nacional como estadual, buscando uma modernização4 no meio

rural.

A Sociedade de Educação Cristã e sua influência na Educação Rural

É com base no cenário acima descrito que a modernização preconizada para os

rurícolas receberá políticas educativas mais efetivas, através de uma série de novas escolas,

regras e orientações. Para a escola rural, a República Nova (pós 1930) é o momento de grande

intensificação dessas ações, principalmente por parte do poder público que muitas vezes

manteve indiretamente a escolarização através de subvenções às instituições confessionais.

A partir dos anos de 1930 somam-se esforços de várias frentes para atingir os

objetivos dos governos e também intensificar a campanha patriótica e nacionalista na zona

rural, onde geralmente as escolas privadas eram mais numerosas. Essas escolas possuem

4O termo modernização é aqui utilizado conforme KUMAR (2006) que o diferencia de modernismo. O

modernismo é considerado um movimento cultural que surgiu em fins do século XIX e que “simultaneamente

afirmava e negava a modernidade”. Assim, fazendo a distinção entre “modernidade” e “modernismo”, KUMAR

(2006) diz que modernidade é um conceito “em sua maior parte político ou ideológico” e modernismo um

conceito “acima de tudo cultural e estético” (KUMAR, 2006: p. 139)

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influências de imigrantes teutos que, ao chegarem às zonas de imigração, costumavam manter

sua opção religiosa e que deu origem à parte do sistema escolar brasileiro.

Quando o Liberalismo ganha força na Europa o catolicismo passa a se sentir

ameaçado, pois tais ideias são eivadas de laicidade e independência do Estado frente à igreja.

Esses ideais se fortalecem após a Revolução Francesa no século XIX e aumentam a

preocupação católica. A igreja católica modifica assim seus quadros religiosos e articula

forças para opor-se aos ideais liberais confrontando-se com diversos governos. No século XIX

a Igreja busca uma Restauração Católica. A chamada Restauração Católica iniciou uma

renovação e ampliação dos quadros internos da igreja aumentando o número de congregações,

conventos e seminários ou investindo na formação de seus membros. “A Igreja Católica

multiplicou as obras que visavam à recristianização, especialmente mediante a caridade e o

ensino” (KREUTZ, 2004: p. 48).

A “reafirmação da estruturação de um sistema educacional católico no Brasil”

(TAMBARA, 2005: p. 434) se intensificou no RS, principalmente porque neste estado havia

fatores que levaram a essa predisposição como: um Regalismo pouco tradicional; significativa

proporção de imigrantes que eram abertos a aceitar tal ideologia e o sistema de governo

castilhista que estimulava a iniciativa particular (TAMBARA, 2005).

De uma instituição decadente, acomodada, ociosa, que nem o papel ideológico de

transmissão dos interesses das classes dominantes conseguia exercer, transformou-

se em pouco tempo em uma instituição ágil, agressiva, que conseguiu consolidar um

aparelho ideológico ímpar (TAMBARA, 2005: p. 416).

Esse processo de articulação escolar religiosa passou a ser consolidado por ordens

religiosas. Ideias de modernização do mundo rural surgem através desse ideário de renovação

escolar que era idealizado tanto para a escola citadina, quanto para a escola rural. Não mais a

escola era alvo do chamado progresso e modernização, mas também a própria comunidade

rural. Dessa forma a igreja católica atrelava à modernidade segmentos e ideias que discordava

como o “laicismo, ateísmo, liberalismo, positivismo, feminismo, maçonaria e comunismo”

(AMARAL, 2003: p. 80). Porém, é com uma ideologia atrelada ao moderno que essa mesma

igreja irá atuar na escolarização do espaço rural trazendo um discurso de modernização

vinculada aos princípios preconizados pelo Estado e ao mesmo tempo atrelados às concepções

de vocação e civismo.

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Conforme Tambara (2005) o estabelecimento da iniciativa privada junto à escolarização

foi tema polêmico e desde o século XIX muito debatido pelos legisladores brasileiros, porém,

o positivismo, apesar de adotar uma política a favor do laicismo acabou abrindo espaço para

que a iniciativa privada mantivesse a educação, pois tinha a visão de que a liberdade deveria

estender-se ao ensino onde a família poderia escolher e optar pela melhor forma de

escolarização. O Estado não abriu mão de legislar sobre o ensino e a partir do Estado Novo a

educação viveu sob rígido controle, com momentos de maior investimento educativo e

intervenção absoluta do estado.

Em Pelotas (RS), a igreja Católica é a única instituição privada que atuou na formação de

professores para os rurícolas, através da Escola de Normalistas Rurais Imaculada Conceição

(ENRIC) formando profissionais para atuar nas escolas primárias rurais. É nesse cenário que a

Sociedade de Educação Cristã mantém duas instituições voltadas para a formação rural: o

Colégio Primário Rural Santo Antônio e a Escola de Normalistas Rurais Imaculada Conceição

(ENRIC).

Assim, a Igreja Católica cria em Pelotas a Sociedade de Educação Cristã (SEC) com a

intenção de atuar na área educativa desta cidade.

Aos dois dias do mez de janeiro de 1930, reuniram-se, em sessão ordinária os

membros da Directoria da Sociedade de Educação Cristã, recentemente fundada

nesta cidade de Pelotas, respondendo todos a seguinte chamada: Presidente Rachel

Mello; Vice-Presidente Amelina Mazza; Thesoureira Ondina Cunha; Secretária

Euridice S. Bandeira de Melo. Ao abrir a sessão, a mim Secretária abaixo

assignada, mandou a Exma Sra Presidente fizesse constar em acta, que em data de

hontem, foi fundada na cidade de Pelotas, a Sociedade de Educação Christã depois

de devidamente aprovados os Estatutos pela autoridade Diocesana, a qual tem por

fim amparar e promover gratuitamente a educação moral, cívica e religiosa e a

instrução primária, technica e profissional das creanças pobres, na Diocese de

Pelotas, empregando, para esse fim, os meios a seu alcance para fundar escolas,

manter as já existentes e auxiliar as associações particulares nos objetivos que

coincidam com os seus (Arts. II e III dos Estatutos). [...]Por último foi recomendado

se fizesse constar em acta, também, que a Sociedade de Educação Christã fica

debaixo da autoridade do Ordinário da Diocese. E, não havendo mais nada a

tratar, foi dada encerrada a cessão (SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO CRISTÃ, ATA

nº 1, 2 de janeiro de 1930).

A ata é extensa, mas nela se pode notar o cunho essencialmente educativo da criação

da Sociedade de Educação Cristã. Não é demais lembrar que a produção de textos estabelece

sentido “em relação ao contexto de produção e recepção” (CHARTIER, 2001: p. 123). As

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atas, também possuem esse caráter de estabelecimento de sentidos. Nem tudo que é dito pode

ser evidenciado nas atas, mas ao mesmo tempo, elas são um produto riquíssimo para análise

de um determinado conteúdo. Esses discursos e debates demonstram a preocupação da igreja

católica em adentrar a educação em geral, inclusive no meio rural, intencionando levar adiante

o ensino religioso católico. Uma questão relevante é o fato frisado por último na ata, qual seja

a ligação da Sociedade com a Arquidiocese.

Na segunda ata da Associação, no mesmo ano, em julho, o motivo da reunião foi a

construção do Colégio Dom Bosco, que já estava em funcionamento e era mantido pela

Associação porém em terreno alugado. O terreno para a referida escola havia sido doado por

Augusto Simões Lopes5 no bairro Simões Lopes, nesta cidade. A associação já havia reunido

um número expressivo de 60 sócios em menos de um ano e contava com a participação de

funcionários de bancos locais que contribuíam com mil réis mensais para a Associação (SEC,

ATA nº 2, 3/07/1930). Esse documento mostra que a Sociedade teve êxito na cidade visto que

angariou rapidamente vários adeptos e incentivadores.

Do mesmo modo a ata nº 3, além de discutir a necessidade de ajudar no natal das

crianças pobres, do bairro Simões Lopes (distribuição de brinquedos no Sagrado Coração de

Jesus), aventou-se a possibilidade de abertura de colégio e capela nos arredores das Três

Vendas “visto não haver nesse, já bastante populoso arrabalde, nenhum centro de catequese,

nem ponto de reunião para as creanças”. Ao mesmo tempo a diretora Rachel Mello diz já ter

conversado com o Vigário da Cruz ao que foi prontamente aceita a ideia e feita circular para

pedir donativos na comunidade pelotense. (SEC, ATA nº 3, 7/01/1931).

A ata nº 3 indica que as ações escolares da igreja católica em Pelotas estavam atreladas

às igrejas formando, portanto, as chamadas escolas confessionais6 e não particulares. A

preocupação em ocupar um espaço da cidade que ainda não possuía catequese deixa clara as

ações da igreja e seus objetivos. Também é importante notar que apenas em 3 atas analisadas

já podemos perceber o quanto a igreja católica cerceava os espaços escolares pelotenses

atuando em várias frentes, seja urbanas, sejam rurais e em vários locais do espaço urbano.

5 A família Simões Lopes foi de grande influência na cidade de Pelotas-RS. Augusto Simões Lopes foi

intendente municipal entre 1924-1928 e Senador. Para maiores informações sobre, consultar VICENTE (2010) e

OLIVEIRA (2012). 6 Para maiores informações ver KREUTZ (2000).

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Na ata de nº 5 remete ao aluguel de um prédio pelo valor de 60.000 réis para a abertura

da nova escola demonstrando já existirem 24 alunos interessados em realizar matrícula. Dessa

forma o Colégio Santo Antônio foi inaugurado em 07/04/1932 com a representação do

Vigário Franciscano, da Paróquia de Nossa Senhora da Luz, Thiago Scheffers. Porém, em

prédio próprio a escola passou a funcionar somente em 7/11/1937, segundo ata de

inauguração solene do Colégio (ATA s/d, SEC). Constatamos que somente na ata de nº 17, de

05/10/1937, a Escola é denominada Escola Rural Santo Antônio, pois até então não utilizava

da palavra rural.

Outra importante instituição criada pela Sociedade foi a Escola de Normalistas Rurais

Imaculada Conceição (ENRIC), criada em 1955 na cidade de Pelotas pela Sociedade de

Educação Cristã (SEC), como já referido anteriormente. A SEC passou a denominar-se

Fundação Educacional Rural Cristã “Rachel Mello” (a FERCRM, como era denominada nos

documentos), em 1961.

Assim, para entender como esse cenário se consolidou em Pelotas foram analisadas

fontes escritas e orais de forma que passo a analisá-las.

A História Oral: metodologia para entender a educação rural

A opção por inserir a História Oral como fonte de pesquisa advém da vontade de

buscar atores que viveram em instituições rurais e assim dar voz as suas histórias, as suas

vivências. Thompson entende que a história oral “tem um compromisso radical em favor da

mensagem social da história como um todo” (THOMPSON, 2006: p. 26).

Assim, a história oral possibilita a inserção na história de sujeitos de toda espécie,

daqueles que pouco seriam ouvidos. São também as pessoas que indicam os acontecimentos

históricos que são transformados em conhecimento histórico pelo historiador. As memórias

dos sujeitos são frequentemente relacionadas à vida cotidiana e a fatos históricos que trazem

lembranças comumente relacionadas à escola. Essa instigante trajetória do ser humano leva-o

a agir no espaço que frequenta e assim reagir, pois “os homens como sujeitos de sua história

podem produzir acontecimentos e mudanças, ou impedi-los de se concretizarem. Podem

construir referências ou destruí-las. Podem reafirmar o poder, ou contestá-lo. Podem tolher a

liberdade do ser ou reafirmá-la” (DELGADO, 2003: p. 15).

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Gomes e Mattos (1998) também concordam e afirmam que nunca os receptores são

passivos, levando a pensar como a comunidade escolar recebia as políticas educativas para as

escolas rurais, pois que certamente lhes atribuem “sentido próprio” de acordo com suas

experiências individuais.

Segundo Pesavento (2005),

As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no

lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a

realidade e pautem sua existência. São matrizes geradoras de

condutas e práticas sociais próprias, dotadas de força integradora e

coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão

sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a

realidade. Representar é, pois, estar no lugar de, é presentificação de

um ausente (…) não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, mas

uma construção feita a partir dele (PESAVENTO, 2005: p. 39-40).

Dessa forma “as representações se utilizam dos fatos e alegam que são fatos; os fatos

são reconhecidos e organizados de acordo com as representações; tanto fatos quanto

representações convergem na subjetividade dos seres humanos e são envoltos em sua

linguagem”. (ROUSSO, 1998: p. 111).

Nossa lembrança possui limites. As lembranças encontram dificuldades quando nosso

contato com determinados grupos é cada vez mais efêmero e inconstante. “Esse é o limite do

qual nos aproximamos, à medida que se complicam e se multiplicam os dados sociais que

entram em nossas lembranças”. (HALBWACHS, 2006: p. 57).

A evocação de memórias sobre a educação rural se faz a partir do ponto de vista

individual sobre fatos vivenciados no coletivo. Essas vivências seriam o que Halbwachs

(2006) chamaria de “fios tênues” que sustentam invisivelmente aquilo que lembramos e que

se constitui das muitas relações que fizemos tanto no tempo vivido como no tempo presente.

Não podemos dizer que a representação desse rural de antigamente será a mesma hoje. Ela

hoje perpassa toda uma nova caminhada individual que pode ressignificar o modo como se vê

essa fase vivida, pois estabeleceu novas relações sociais. De todo modo é a sua representação

e é também a do outro. Independente dessa representação ser fruto de uma construção

longínqua no tempo, ela contínua sendo verdadeira e tecendo clareza sobre os modos de viver

o rural.

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O trecho da entrevista abaixo, exemplifica o ressignificar, pois Klumb (2016) evidencia

essa transformação na forma de representar um fato, no caso, aqui, na forma de representar a

própria escolarização rural:

Magda, naquele período, tu sabe que a gente está na adolescência ou na

“aborrecência”, como diz o outro né, a gente achava certas coisas que não era,

mas depois, com o passar dos anos Magda, eu fui percebendo o valor que aquilo

teve e tem na minha vida viu. Era muito, muito...foi muito legal, sabe, aquilo ali.

Muito bom. Por que me passou ética, me ensinou, eu aprendi a viver em grande

grupo, aprendi questão de limpezas, de coisas, de convivência né, aquilo foi muito

bom (KLUMB, 2016).

Segundo Delgado (2003) os homens constroem suas representações do passado, pois “são

os homens que constroem suas visões e representações das diferentes temporalidades e

acontecimentos que marcaram sua própria história”. (DELGADO, 2003: p. 10). Dessa forma,

são temporalidades marcantes na vida escolar rural os momentos vividos longe de casa, os

internatos, a instituição escolar e suas múltiplas relações, passando pelo currículo diferenciado

e direcionado para uma prática rural no campo. Todas essas singulares temporalidades que

marcaram escolas rurais em Pelotas, também são atravessadas pela espacialidade. Esse

cruzamento das relações vividas numa dada espacialidade e temporalidade são o que

constituem a historicidade. “Em cada época há uma estreita relação entre as atitudes, o

espírito de um grupo e o aspecto dos lugares em que este vive (HALBWACHS, 2006: p. 88)”.

Essas representações não existem sem os fatos que aqui se relacionam a vivência na

escola e nesse ambiente rural. Para relacionar as entrevistas tanto com as instituições

educativas mantidas pela SEC, quanto com a história de vida de Rachel Mello, esta pesquisa

definiu suas entrevistas tendo por base esses dois preceitos. Até o momento realizou-se 2

entrevistas que encontram-se transcritas, uma com ex-aluna interna da ENRIC e outra com

sobrinho de Rachel Mello7.

Uma mulher de destaque na Educação Primária Rural: a professora Rachel

Mello

7 Ainda não foi definido o número de entrevistas a serem realizadas e a intenção é estabelecer esse número de

acordo com a rede de sociabilidades que os próprios entrevistados forem apontando como possibilidade.

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Antes de entendermos um pouco sobre Rachel, não é demais lembrar que o trabalho

com variadas fontes (história oral, imagens, estatísticas, registros judiciais, interrogatórios de

suspeitos, registros da inquisição) ou mesmo outra leitura e abordagem das próprias fontes

oficiais, requer do historiador a necessidade de “ler o documento nas entrelinhas [...] tendo

clareza que é um empreendimento mais arriscado do que em geral é o caso da história

tradicional” (BURKE, 1992: p. 26).

O mesmo é refletido por Ginzburg (1989) quando relaciona a necessidade do

levantamento de indícios, conceituados como “paradigma indiciário”, e que trazem uma boa

metodologia para analisar as fontes: “A existência de uma profunda conexão que explica os

fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um

conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas

privilegiadas – sinais, indícios - que permitem decifrá-la” (GINZBURG, 1989: p. 177), como

de fato, muito do que trazemos sobre educação rural pode ser decifrado através das fontes que

Rachel Mello deixou ao longo de sua vida. Seja em jornais ou via história oral, ela é

representação de uma vida voltada para educar o rural.

Sendo assim, uma das fontes desta pesquisa vem do uso da História Oral como

metodologia8. Conforme Ferreira e Amado (1998) que explicam:

Em nosso entender, a história oral, como todas as metodologias, apenas

estabelece e ordena procedimentos de trabalho - tais como os diversos tipos

de entrevista e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias

possibilidades de transcrição de depoimentos, suas vantagens e

desvantagens, as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com

seus entrevistados e as influências disso sobre seu trabalho -, funcionando

como ponte entre teoria e prática. (FERREIRA & AMADO, 1998: p. XVI).

Dessa maneira, a História Oral, utilizada aqui como metodologia, tenta resgatar não só

a história da educação primária rural em Pelotas-RS, como a história de Rachel Mello,

importante incentivadora deste tipo de formação na cidade.

Maria Rachel Ribeiro Mello nasceu em 13 de abril de 1890 na localidade do Povo

Novo, situada em Rio Grande e faleceu em 11 de abril de 1966, em Pelotas-RS, onde passou a

maior parte de sua vida (VENZKE, 2010).

8 Ferreira e Amado fazem uma discussão sobre o caráter da História Oral, se disciplina, técnica ou metodologia.

No entanto, outros escritos do livro debatem a questão como o artigo de Lozano (1998).

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Assim nos conta seu sobrinho, criado por Rachel Mello: ela foi autodidata na sua

formação, pois não chegou a frequentar escola de formação para professora, sendo educadora

sem ter constituição formal. Sua irmã, Silvia Mello, também é reconhecida na cidade por seu

contato com a educação, tendo inclusive uma escola que recebe o seu nome. Sílvia foi enviada

para Porto Alegre para receber a formação de Normalista, porém, por serem moradoras do

interior de Rio Grande, na localização do Povo Novo e por questões financeiras, apenas Sílvia

pode estudar fora. Dessa forma, o sonho de Rachel era que, ao contrário de sua história, as

moradoras de zona rural, pudessem estudar. Assim refere Varotto:

E por questões financeiras, etc, na família, não tinha condições para todos

estudarem. Até porque não havia curso de professores em Pelotas. Normal, curso de

professores, só em Porto Alegre. Então, isso não é do meu tempo. Não conheço, não

vivi. A família decidiu que quem se formaria professora seria a Sílvia. Então a Sílvia

foi pra Porto Alegre embora se diga professora Rachel Mello. Ela era uma

autodidata. Curso de normalista, só a Sílvia fez. Ela foi professora toda a vida, mas

autodidata. Ela não fez curso (VAROTTO, 2015).

As primeiras instituições de formação de professores existentes em Pelotas-RS datam do final

da década de 1920, mais especificamente 1929, quando o Instituto Estadual de Educação Assis Brasil

ofereceu a formação Complementar. Essa escola “surgiu de um desejo da comunidade pelotense de ter

em sua própria cidade uma Escola que formasse Mestras, não precisando enviar suas jovens para Porto

Alegre, como acontecia até então” (MESQUITA, 2007: p. 11). Sendo assim, é provável que Rachel,

que já possuía quase 40 anos em 1929, não quisesse mais estudar, visto que dentro dos parâmetros da

época se costumava frequentar a escola com idade menos avançada.

Rachel dedicou toda a sua vida a alavancar o ensino rural em Pelotas conseguindo

fundar instituições educativas e relacionadas à saúde, no caso, fundou posto de saúde próximo

as duas escolas citadas. Suas ações sempre foram direcionadas as classes mais baixas da

sociedade. Como reconhecimento de sua contribuição para a cidade recebeu algumas

condecorações: em 1952 recebeu a medalha do Ouro de honra ao mérito, sendo este um

prêmio fornecido pela Esso Brasil. Em 1961, a Fundação Rural Cristã atribuiu à Rachel o seu

nome tornando-se Fundação Rural Cristã Rachel Mello, sendo unânime a votação em função

do seu nome. Em 1963 recebeu o título “Herói de Longa Jornada” pela Cienal. Em 1965

recebeu o título de Cidadão Pelotense, conferido pela Câmara Municipal de Pelotas. Em maio

do mesmo ano é inaugurado o auditório da escola em homenagem a Rachel, que também

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recebeu seu nome. Em 1970 é inaugurada em Pelotas a Praça Rachel Mello (HISTÓRICO

RACHEL MELLO, s/d) 9.

A história de Rachel foi intimamente relacionada com a educação rural, pois ela,

juntamente com a Sociedade de Educação Cristã, manteve duas instituições voltadas para o

rural: o Colégio Santo Antônio, criado em 7 de abril de 1932 e a Escola de Normalistas Rurais

Imaculada Conceição, criada em 1955. O Colégio Santo Antônio também se denominava

Escola Primária Rural Santo Antônio e em 1945, após ter feito convênio com o governo do

Estado do RS, passa a denominar-se Grupo Escolar Santo Antônio. A Escola Normal

Regional Imaculada Conceição foi criada em 15 de janeiro de 1955 e foi a única instituição

que formou professores para atuarem especificamente na zona rural nesta cidade.

Rachel atuou também em outras frentes: em 1953, junto ao Sesi, construiu o prédio do

Ambulatório Santo Antônio (até então sem prédio próprio). Em 1957 criou o posto de

puericultura Santo Antônio.

Estabeleceu legitimidade frente à sociedade pelotense. Tanto que em 19 de agosto de

1938, o Jornal Diário Popular, assim se referia à Rachel: “A Senhorinha Raquel Mélo fala ao

Diário Popular”. A própria forma de tratamento expressa na reportagem, já demonstra um

pouco da relação que Rachel constituiu na sociedade pelotense. Além do reconhecimento por

ser atrelada a igreja católica, também tinha credibilidade junto a população pelotense por

passar mensalmente nos estabelecimentos arrecadando fundos para as instituições que

mantinha. Como referido na reportagem: “A escola Santo Antônio é fruto da generosidade do

povo pelotense. Todos os meses essa educacionista percorre os estabelecimentos bancários, o

comércio, e mesmo, residências particulares, onde recebe a contribuição solícita e generosa de

cada um” (DIÁRIO POPULAR, 1938: p. 8). As contribuições eram variadas: “uns mandam

carne, outros massa e legumes, e, muitos, soma em dinheiro e material de construção”

(DIÁRIO POPULAR, 1938: p.8). Eis foto estampada no referido jornal:

9 Os dados sobre Rachel Mello também estão disponíveis no blog da instituição:

http://nossaescolaimaculada.blogspot.com.br/search/label/HIST%C3%93RIA%20DA%20ESCOLA . Entrevista

realizada com seu sobrinho, Renato Varotto (2016), comprovam as informações de sua biografia.

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Figura 1: Visita do inspetor municipal de ensino à Escola Santo Antônio. Diário Popular, 1938.

A reportagem, que ocupa boa parte da página 8 deste Jornal, demonstra um pouco do

reconhecimento que não só as instituições escolares tinham, como e principalmente, a própria

Rachel possuía na cidade.

Nesse sentido, a História Oral tem sido fonte primordial para ajudar no entendimento

sobre a figura de Rachel e sua relação com a história rural desta cidade. As entrevistam

reforçam a questão da preocupação que Rachel tinha com a educação dos desvalidos.

Conforme trecho a seguir:

Elas sempre tiveram, todas elas, mas principalmente a Rachel e a Sílvia,

preocupação com a educação dos desvalidos. A Rachel teve a preocupação porque

ela sofreu isso, ela não pode frequentar a escola porque ela vivia no campo, não

tinha oportunidade. Ela falava isso? Sim, ela falava! Então ela idealizou uma escola

onde as pessoas não pagariam com dinheiro, pagariam com produtos. E aí ela

concebeu a Minha Casa Rural, é uma obra magnífica. Que era internato. As filhas

dos pequenos agricultores, de pessoas pobres, que pagavam com produtos. Se ele era

produtor de feijão, ele pagava com feijão. Nunca foi com dinheiro. (VAROTTO,

2015).

A Minha Casa Rural, internato oferecido às meninas para estudaram na Escola de

Normalistas Rurais Imaculada Conceição, foi local de moradia de Marlene Klumb. Ela assim

se refere à manutenção dessa moradia:

Ai tinha Minha Casa Rural que dava um saco de feijão por ano e pagavam um xis

que eu não lembro que quantia de dinheiro era, mas não era muito. Então eu tinha

onde parar pra poder estudar e o Imaculada Conceição não era pago. A escola

naquela época só se pagava pra tu ficar no internato (KLUMB, 2016).

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Desta maneira, fica comprovada a importância de tais instituições na sociedade

pelotense. A maioria delas, incentivada e impulsionada pela professora Maria Rachel Ribeiro

de Mello.

Elementos conclusivos

Este artigo é parte de pesquisa de doutoramento e aqui apresento prévias reflexões

acerca deste estudo, ainda inconcluso.

O movimento do ruralismo brasileiro apregoou práticas e orientou um ideal que foi

sendo aplicado ao longo dos governos e instituições que deles emanaram. Ao mesmo tempo

foi útil aos governos que instituições religiosas dessem conta da escolarização. Uma das

entidades que mais se destacou na cidade de Pelotas, para levar adiante esse ideário, foi a

ENRIC mantida pela Igreja Católica.

Porém, ao que tudo indica, a professora Rachel Mello foi um diferencial na

implantação dessas ideias na cidade de Pelotas. Apesar de representar a Igreja Católica, as

entrevistas bem como fontes documentais, demonstram que seu esforço foi sobre humano

para levar a cabo tal ideário. Segundo Varotto (2015) a professora era conhecida na cidade

por andar as ruas, estabelecimentos e instituições públicas, a pedir fundos para implantar as

instituições educativas acima citadas. Os dois entrevistados até o momento corroboram a ideia

de que Rachel foi fundamental para que a cidade tivesse uma escola que formasse professores

para o trabalho nas Escolas Primárias Rurais.

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