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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS BACHARELADO EM DIREITO PEDRO DE PERDIGÃO LANA DIREITO E LITERA TURA: O DIREITO UTÓPICO E DISTÓPICO N AS SOCIEDADES DAS OBRAS DE HUXLEY E SUA RELAÇÃO COM A REALIDADE CURITIBA 2014

Projeto de Pesquisa PET - PPL

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Projeto de Pesquisa para inscrição no PET - Direito UFPR

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    SETOR DE CINCIAS JURDICAS

    BACHARELADO EM DIREITO

    PEDRO DE PERDIGO LANA

    DIREITO E LITERATURA: O DIREITO UTPICO E DISTPICO NASSOCIEDADES DAS OBRAS DE HUXLEY E SUA RELAO COM A REALIDADE

    CURITIBA

    2014

  • PEDRO DE PERDIGO LANA

    DIREITO E LITERATURA: O DIREITO UTPICO E DISTPICO NAS SOCIEDADES

    DAS OBRAS DE HUXLEY E SUA RELAO COM A REALIDADE

    Projeto de pesquisa apresentado comorequisito parcial para o processo de seleodo PET (Programa de Educao Tutorial) docurso de bacharelado em Direito (perodonoturno), Setor de Cincias Jurdicas daUniversidade Federal do Paran.

    CURITIBA

    2014

  • No existem advogados na Utopia.

    -Thomas More, Utopia

  • SUMRIO

    1 TEMA........................................................................................................................52 OBJETIVOS..............................................................................................................63 PLANO PROVISRIO DE TRABALHO..................................................................74 JUSTIFICATIVA........................................................................................................85 PERTINNCIA REA JURDICA.......................................................................106 PERTINNCIA AOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO.................................127 REVISO BIBLIOGRFICA..................................................................................13BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................20

  • 51 TEMA

    O tema dessa pesquisa visa estudar o direito (no se referindo apenas ao

    sistema legal) de utopias e distopias e ento compar-lo com o direito concreto no

    Brasil. Para isso usaremos como exemplo dois mundos ficcionais, possibilitando tal

    comparao. Foram escolhidas as obras literrias A Ilha e Admirvel Mundo

    Novo, de Aldous Huxley, por serem livros de um mesmo autor e, portanto,

    manterem o mesmo conceito noo de utopia/distopia.

  • 62 OBJETIVOS

    2.1 OBJETIVO GERAL

    Comprovar a utilidade prtica do direito comparativo de uma sociedade

    factual com uma fictcia radical.

    2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    essencial, para se alcanar o objetivo geral:

    a) Definir o que uma utopia e uma distopia, na noo cotidiana, na de Huxley e

    na jurdica.

    b) Definir e entender o fenmeno do Direito.

    c) Dentre os vrios tipos ou subdivises de Direito obtidas, identificar qual a

    mais relevante para ser investigada na pesquisa.

    d) Identificar o direito nas comunidades, fictcias ou no, onde ele no

    explicitado em forma de normas, leis ou costumes.

    e) Ressaltar a complexidade do fenmeno jurdico e do utpico/distpico, para

    superar a noo maniquesta de mal e bem.

    f) Aprender a comparar direitos ficcionais entre si e com um concreto, j

    existente (atravs dos livros de Huxley e da realidade brasileira).

    g) Expor quais mudanas negativas poderiam ocorrer a partir de normas ou

    relaes pertencentes a distopias que fossem semelhantes ordem da

    sociedade brasileira.

    h) Avaliar se h princpios jurdicos em uma utopia que teriam aplicaes na

    realidade brasileira.

  • 73 PLANO PROVISRIO DE TRABALHO

    1 INTRODUO2 CONCEITOS

    2.1 UTOPIA

    2.2 DISTOPIA

    2.3 DIREITO

    3 SEMELHANAS E DIFERENAS JURDICAS3.1 A ILHA COM ADMIRVEL MUNDO NOVO

    3.2 ESSNCIAS IDEAIS JURDICAS COM BRASIL

    3.3 RELAES NOTVEIS DE UMA DAS OBRAS COM A REALIDADE

    4 CONSEQUNCIAS POSSVEIS E APROFUNDAMENTO4.1 INVESTIGAO DO DIREITO CONCRETO COM O DIREITO DISTPICO

    4.2 OPORTUNIDADES DE APLICAO DO DIREITO UTPICO NO REAL

    4.3 O DIREITO FACTUAL ALM DA DICOTOMIA UTOPIA/DISTOPIA

    5 CONCLUSO

    Meses (anos 2013 e 2014) Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan

    Plano daPesquisa

    Escolha dos problemas XDeterminao da

    metodologiaX

    Elaborao do Projeto X

    Coleta dedados

    Pesquisa bibliogrfica X XReviso bibliogrfica X X

    Anlise eProduo

    Anlise conceitual X X XPlano definitivo X

    Leitura crtica daliteratura

    X X

    Anlise dos resultados X X X

    RedaoRedao provisria XRedao definitiva X

    Reviso

    Revises gerais X X X XReviso ortogrfica X

    Digitao final X

  • 84 JUSTIFICATIVA

    A anlise do direito ainda padece de diversos vcios. Um dos mais notveis

    internalizar a ideia de que o atual campo jurdico o nico possvel dentro do

    direito, relevando qualquer noo de pluralismo, como as regras da periferia ou

    aquela abstrada de textos religiosos (como a sharia, presente em certos pases

    islmicos). Devemos sempre ter em mente que, segundo Bourdieu (2000, p. 162),

    pensamos o direito como ele quer que o vejamos, e qualificamos leis como boas

    ou ms dentro de uma mentalidade j definida, ou ao menos fortemente

    influenciada, pelo prprio sistema legal. Isso tambm impede de as identificarmos

    como uma das principais ferramentas de exerccio do poder simblico e de controle

    social, normalizando (tanto no sentido da imposio de normas quanto de

    padronizao que torne a noo comum a todos) nossas percepes e fazendo com

    que vejamos o direito apenas em sua aparncia epistmica1 atual.

    H, ento, o necessrio surgimento de vrias teorias crticas que tenham

    como objetivo ocupar essa lacuna ou, ento, considerando que esse problema

    inerente ao atual modelo jurdico, reconstru-lo por inteiro (a partir de uma

    dissecao mais aprofundada, investigando problemas que vo muito alm do

    simples descartar do pluralismo). Esse projeto parte da segunda proposta, bem

    explicada por Boaventura de Souza Santos (2002), de que enfrentamos problemas

    modernos para os quais no h solues modernas. Em outras palavras, o vigente

    paradigma da modernidade tinha promessas prodigiosas que depois foram

    percebidas como problemas no solucionveis por ele, tendo como causa seu

    autodefinido cientificismo como nica maneira de sanar as adversidades de nosso

    tempo, resultando em uma quase total incapacidade de criar planos estruturalmente

    novos.

    Comea-se aqui a perceber o que essa pesquisa objetiva para o papel do

    estudioso como ator de mudana social (nesse caso, o jurista). Pietro Costa (2011)

    defende a importncia da desenfreada subjetividade, ligando-a com a inveno, a

    arte, com a superao do existente, com a irrealidade, ao mesmo tempo que

    desmistifica os ordenamentos que dizem se pautar apenas no conhecimento, na1 Sendo episteme o conceito dado por Michel Foucault: um consenso de conhecimento, como um

    conjunto de saberes e discursos predominantes, condicionado por fatores especficos de cadapoca. O autor trabalha essa noo em vrias de suas obras que podem ser conferidas paramaior entendimento, como FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Paris: Gallimard, 1969

  • 9lgica, cincia, objetividade, enfim, a realidade emprica. Semelhante ideia

    repetida por Souza Santos (2002, p. 23), ao afirmar que por teoria critica entendo

    toda a teoria que no reduz a 'realidade' ao que existe.

  • 10

    5 PERTINNCIA REA JURDICA

    Devo aqui, obrigatoriamente, chamar ateno para o fato de que essa

    pesquisa no pretende, de maneira alguma, ser uma abstrao terica sem

    aplicaes prticas diretas, e muito menos tem o intuito de apenas fomentar

    discusses acadmicas sobre o assunto. No se trata de um ps-modernismo

    celebratrio, de crticas no-propositivas. A literatura fantstica no serve apenas ao

    entretenimento, como tanto se pinta.

    Richard Posner (1998) nos lembra que h vrias obras literrias, como as de

    Shakespeare, Dostoivski, Kafka e Camus, que poderiam facilmente substituir

    extensos trabalhos tericos no campo do direito. A anlise crtica desses livros nos

    proporciona uma viso das leis como realmente funcionam, algo que os textos legais

    constantemente falham em deixar claro (ou no so aplicados da maneira que foram

    elaborados para serem), alm de variadas vezes retratar o funcionamento dos

    ordenamentos no passado.

    E por que a anlise e comparaes sero feitas com uma utopia e uma

    distopia literrias, se so os modelos que mais se afastam da realidade? Por que

    no a escolha de sociedades literrias mais prximas das reais, sem tender

    perfeio (ou seu oposto), ou at mesmo de comunidades existentes que sejam

    consideradas modelos?

    A procura por uma maior competio (relacionada ao desenvolvimento), a

    cada vez maior difuso de notcias violentas ou mrbidas, o aumento vertiginoso de

    doentes por estresse ou similares, tudo isso e vrios outros fatores formam um

    ambiente cujos riscos so constantes, ao mesmo tempo em que so oferecidas

    milhares de alternativas para diminuir (sem resolver) esses riscos. facilmente

    percebido que aqueles que se responsabilizam por solucionar de vez esses

    problemas, como a cincia moderna e o direito moderno, no podem faz-lo, ao

    mesmo tempo em que as outras solues so frgeis. Tem-se o contexto atual de

    uma mxima indeterminao de riscos (SANTOS, 2002), que no oferece esperana

    alguma para o futuro. Para recuperar a esperana e no lutar apenas para no

    haver um aprofundamento dessa decadncia, explora-se com as novas teorias

    crticas a utopia (sempre presente na crtica, mas agora exposta), que

  • 11

    assim o realismo desesperado de uma espera que se permite lutar pelocontedo da espera, no em geral mas no exato lugar e tempo em que seencontra. A esperana no reside, pois, num princpio geral que providenciapor um futuro geral [], promovendo com xito alternativas que parecemutpicas em todos os tempos e lugares exceto naqueles em que ocorreramefetivamente. (SANTOS, 2002, p. 36)

    Aps alcanadas essas conquistas concretas, antes consideradas

    inconcebveis, imprescindvel ainda achar maneiras de traduzi-las e adapt-las (se

    possvel) para outros espaos e tempos, repetindo o processo de transformao

    utpico.

    Alm disso, so essas as situaes que mais nos tm a oferecer algo de

    novo, e as quais boa parte dos juristas tende a evitar por no fazerem parte do

    aprendizado de sua zona de conforto, como j apontou Pietro Costa:

    singular constatar como, na longa e fascinante panormica de ilhas felizese cidades perfeitas, a contribuio do jurista, como tal, totalmentesecundria; singular, mas coerente com sua antropologia de classe eespecificidades de seu discurso. A prefigurao de um futuro radicalmentedistinto um jogo tendencialmente perigoso e no , em qualquer caso, ojogo para o qual o jurista se considera profissionalmente preparado.(COSTA, 2011, p. 198).

    Entrando nesse assunto, deve-se ressaltar que o momento mais importante

    para a relevncia prtica dessa pesquisa aquele da comparao entre os direitos

    das sociedades utpica, distpica e brasileira concreta (no s aquele dos cdigos

    legais). preciso descobrir exatamente qual o objeto de comparao, visto que

    direito um termo que, de to abrangente, vazio se no especificado. No

    possvel, entretanto, escolh-lo agora pela dialtica da metodologia da totalidade

    (explanada na seo de Reviso Bibliogrfica); extremamente prejudicial ao intuito

    dessa investigao definir o aspecto jurdico sem ter um acmulo maior sobre os

    conceitos que vo ser trabalhados, e principalmente sem ler as obras literrias

    cuidadosamente para ver quais partes do livro explicitam o direito mais relevante a

    ser comparado com o de situaes reais. Dependendo da definio conceitual obtida

    sobre o que direito, utopia e distopia, e tambm se direito utpico/distpico

    significa apenas o direito presente na utopia/distopia, o contedo e comparaes

    obtidos podem ter grandes divergncias com a definio do senso comum sobre o

    que so esses conceitos.

  • 12

    6 PERTINNCIA AOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO

    Define-se aqui, antes de tudo, o antigo/atual paradigma do direito: o que

    chamamos de direito moderno, ideal construdo (ou ao menos firmado) durante a

    Ilustrao, baseado na ideia da razo e da cincia. Tem seu auge no positivismo

    legalista e um de seus maiores expoentes Hans Kelsen. Mas essas so apenas as

    manifestaes mais bvias: esse padro est intrnseco grande maioria das

    teorias do e sobre o direito atual, incluindo teorias crticas. Essas so extremamente

    prejudicadas por no conseguirem escapar radicalmente do modelo presente nos

    dias de hoje, ao no levarem em considerao que o paradigma do direito no

    caracterstico apenas a ele, e sim a todo o saber corrente de nosso ambiente e

    momento histrico.

    Boaventura de Souza Santos (2002) defende que j entramos nesse perodo

    de transio paradigmtica geral, confundido comumente com um perodo de crise,

    mas que impossvel determinar com exatido qual a situao atual, pois essas

    transies tm como caracterstica serem semi-invisveis e semicegas. Logo,

    conveniente estudar orientaes crticas adequadas j disponveis para melhor

    conceber o que e como se d essa alterao no direito, e em seguida estimular

    seu prosseguimento.

    Tentaremos compreender e utilizar uma linha crtica de desmantelamento

    dessa modernidade, com centralidade no direito, mas, ainda assim, tendo

    obrigatoriamente que esmerilar outras reas. Isso parte do reconhecimento de que

    ele fortemente influenciado pelas outras reas de conhecimento, mas que, em

    conjunto com a cincia (ainda que subordinado a ela), um dos pilares que

    sustentam o atual paradigma, tambm influenciando fortemente a produo,

    reproduo e operao da sociedade e suas reas cognitivas. Afinal, a

    despolitizao cientfica da vida social foi conseguida atravs da despolitizao

    jurdica do conflito social e revolta social (SANTOS, 2002, p. 52).

  • 13

    7 REVISO BIBLIOGRFICA

    Primeiramente identifiquemos os marcos tericos, as leituras mais

    importantes para a elaborao deste projeto: Discurso jurdico e imaginao:

    Hipteses para uma antropologia do jurista, de Pietro COSTA (texto do livro Paixesdo Jurista), e o prefcio, introduo geral e introduo do A crtica da razo

    indolente: contra o desperdcio da experincia, de Boaventura de Souza SANTOS. Oprimeiro livro foi a grande motivao da pesquisa intencionada, e o segundo foi o

    reestruturador e responsvel por um aprofundamento da primeira ideia.

    Costa foi o primeiro real contato com a indispensvel relevncia da

    subjetividade na produo de direito, radicalizando o conceito para alm da simples

    negao da objetividade. A partir do texto citado possvel entender que jurista (ou

    qualquer pessoa, de fato) no usa seus valores e contexto somente para produzir e

    interpretar o direito. No, pois suas caractersticas imanentes fazem parte do seu

    entendimento e percepo, assim como da sua atuao, do mundo para alm do

    direito na transmutao daquilo que no direito em algo que (ou vice-versa) e da

    criao de um ambiente propcio para funcionamento - ou no - do mesmo. Digo ou

    no porque o jurista (ou, novamente, qualquer pessoa) precisa tambm ter em

    mente o fato de que ele ou ela no deve apenas ser responsvel por um processo

    jurdico criativo, mas sim destrutivo quando a situao pede.

    Resumindo a ideia central de Costa, dessa relao dialtica subjetiva do

    jurista com o mundo que habita, e o papel da imaginao irrealista na criao crtica

    de novos paradigmas do direito, temos o trmino magistral do texto sobre a

    imaginao dos juristas:

    Suspenso entre ordem e projeto, entre contemplao desinteressada einterveno pretendida, unido no s parti subjecti, mas tambm parteobjecti, complexa geografia de poderes, papis sociais, estratificaessocioeconmicas, o discurso do jurista parece se negar a uma s dimensodo imaginrio: a dimenso da utopia. []2 Certamente parece que nohaveria nada mais fcil, para ele, imaginar as melhores leis, as melhoresinstituies, as melhores formas de governo para a Cidade do Sol: precisamente em leis, instituies, formas de governo, que ele astuto.Entretanto, aquilo que faz a dimenso utpica estranha ao imaginrio do

    2 O resto do pargrafo est reproduzido na explicao sobre a escolha do tema utopia/distopia naseo Pertinncia rea jurdica

  • 14

    jurista seu carter radical e no atual: no atual porque incapacitaprecisamente esse presente em relao ao qual, e s em relao ao qual, ojurista se dispe a conceber o futuro; radical porque pretende cortar pelaraiz essa rede de poderes, papis, hierarquias que (nos mais diversoscontextos, com significativa recorrncia) constituem a base de sustentaoda legitimao social do jurista, e, ao mesmo tempo, o material que ojurista utiliza criativamente em sua narrao. (COSTA, 2011, p. 198-199).

    J o livro de Boaventura o primeiro de uma obra de quatro volumes da

    srie Para um novo senso comum, onde o autor prope a criao de uma teoria

    crtica ps-moderna com objetivo de mudana do atual paradigma moderno das

    cincias, da poltica e do direito. As introdues sozinhas j so extremamente

    incisivas em suas apreciaes e sugestes, e cada pgina um forte estmulo para

    se pensar o que realmente o nosso sistema jurdico dentro da episteme hodierna.

    A pesquisa possivelmente ter muito mais base nesse livro do que no texto de Pietro

    Costa, devido principalmente extenso da obra de Santos possibilitar que ele se

    centre muito mais na inteno de transformao da sociedade, indicando um

    caminho. Logo no comeo do livro ele traa a linha vital desse projeto, ao afirmar

    que preciso reconhecer que a razo que critica no pode ser a mesma que pensa,

    constri, e legitima aquilo que criticvel (SANTOS, 2002, p. 29). Especificamente

    sobre a mudana paradigmtica, ele lembra que preciso mais que apenas

    contradies internas, pois no h alternativa radicalmente diferente:

    necessrio que se consolide a conscincia da ausncia das lutasparadigmticas. Essa conscincia tornada possvel pela imaginaoutpica. A conscincia da ausncia a presena possvel das lutasparadigmticas no seio das lutas subparadigmticas. (SANTOS, 2002, p.19).

    Ao definir esse autor como marco terico, imprescindvel fazer uma

    considerao: apesar de todo o contedo deixar isso evidente, evita-se o uso

    (diferentemente do que faz Boaventura em seu livro) do termo ps-moderno para

    classificar as ideias desse projeto. Isso uma escolha voltada aos leitores: o

    conceito do ps-modernismo abrangente demais e traz facilmente mente

    definies erradas, ao se classificar autores e teorias completamente diferentes

    simplesmente como ps-modernos, sendo a mais comum aquela definio do

    relativismo absoluto, que de maneira alguma aquela usada aqui. O que se

    pretende relativizar aquele conjunto de conhecimentos, em grande maioria postos

    pelo paradigma cientificista, que elimina suas alternativas classificando-as de

  • 15

    impossveis, sendo um sistema fechado de manuteno do status quo

    (especialmente quando nos referimos ao direito). Para que isso seja possvel,

    escolhe-se um lado como forma de desestabilizao epistmica: o lado da crtica

    marxista. Entretanto, o cerne dessa pesquisa no permite que se use uma teoria

    crtica determinista que no leve em conta as individualidades sociais e no se

    organize por dentro das regras do jogo, no considerando que tentar alcanar um

    suposto impossvel um esforo desperdiado.

    De importncia primria tambm a definio de direito e literatura, escrita

    por Vera Karam de CHUEIRI, no Dicionrio de Filosofia do Direito. Foi com basenesse texto e em indicaes da professora que surgiu o interesse na imaginao e

    na necessidade de se quebrar algumas barreiras quanto ao entendimento do direito.

    Sem esse incio, o contedo do projeto seria diferente, provavelmente menos

    ambicioso e, se no fosse de menor relevncia, ao menos seria mais inspido. Na

    opinio de Chueiri (2006), a teoria narrativa pode mediar entre descrever e

    prescrever, sendo capaz de alargar o campo da ao (prtico) por melhor

    representar a complexidade e pluralidade da vida social. Esse trecho uma das

    bases da construo escrita que a seguiu.

    Podemos tentar fugir da ideia padro tpica do paradigma lgico positivista

    do direito, que valoriza o rigoroso discurso do saber cientfico, verificvel

    empiricamente, enquanto repudia elementos como a paixo e imaginao (COSTA,

    2011, p. 169). Mas desde o positivismo at o marxismo positivista temos um

    paradigma jurdico extremamente semelhante. H vrios estudos que se propem

    diferentes, que procuram desvincular o direito desse positivismo que tem seus

    alicerces em um absolutismo monista do Estado; mas vemos que desde o

    ordenamento construdo a partir de perspectivas scio-histricas (como faz Roberto

    Lyra Filho3) at o mais idealizado direito por observncia de Paolo Grossi4 partem de

    pressupostos pertencentes apenas ao mundo real e suas regras j existentes ou

    palpveis. So jogadas para segundo plano, ento, as anlises radicalmente

    externas ao nosso campo de conhecimento jurdico. Nessa problemtica, a noo de

    Direito e Literatura aparece como uma das solues:

    A interpretao tornou-se, assim, mais do que um mtodo do qual se valemos operadores jurdicos, pois constitutiva do prprio conceito de Direito.

    3 Cf., para mais informaes, FILHO, Roberto Lyra. O que direito. So Paulo: Brasiliense, 1982.4 Cf., para mais informaes, GROSSI, Paolo. Primeira Lio Sobre Direito. Roma: Laterza, 2006

  • 16

    Nesse sentido, o movimento do Direito e Literatura abre o universo deanlise do fenmeno jurdico, o qual deixa de ser descritivo, a exemplo dopositivismo jurdico e passa a ser narrativo e prescritivo. (CHUEIRI, 2006, p.234).

    Mesmo que os princpios normativos de obras literrias ainda sejam

    baseados naqueles da realidade, essa liberdade de construo que s pode existir

    em sociedades imaginrias permite a existncia de uma ordem atpica que pode

    proporcionar uma explorao excepcional. Chueiri (2006, p. 234) relata isso: Assim,

    a importncia da Literatura para o Direito e Justia reside, primeiramente, nessa

    maneira perturbadora com a qual ela atravessa a linguagem da essncia e da

    verdade. O jurista acadmico apresenta o discurso do saber jurdico como algo que

    capta o direito segundo o que ele realmente , e exclui a considerao daquilo que

    o direito no porque ainda no (COSTA, 2011, p. 173).

    Esse projeto sugere abater o paradigma moderno atravs do pensamento

    utpico justamente porque foi esse pensamento que o criou e ao mesmo tempo

    estabeleceu sua runa. Boaventura (2002) expe isso ao mostrar como tericos do

    modernismo viam no uso sbio da cincia a resoluo de todas dificuldades e

    distrbios (como doenas, injustia e falta de liberdade), mas sempre a partir de

    condies que no estavam presentes na poca e que, apesar da expectativa,

    nunca aconteceram. A cincia se tornou a nova religio para resolver a crise daquele

    momento. A ousadia de um propsito to vasto contm em si a semente do seu

    prprio fracasso: promessas incumpridas e dfices irremediveis (SANTOS, 2002,

    p. 50). primordial, para evitar as mesmas consequncias, ser cauteloso e

    estabelecer uma estratgia para utilizar o pensamento utpico/distpico que seja

    capaz de se adequar conjuntura e aos imprevistos que surgirem, sendo apta para

    captar no suceder da prtica aquilo que realmente impossvel e aquilo que s o

    parece.

    Como proceder, ento, ao menos na proposta especfica dessa pesquisa?

    Partindo da pouca informao conceitual j estudada, dissecaremos uma sociedade

    perfeita intentando proporcionar um grande estmulo criatividade para se pensar

    em ordenamentos ideais, tentando transpor as observaes ao prprio contexto do

    pesquisador. O inverso, no caso das distopias, tambm pode provocar reflexes

    sobre alguns problemas em ordenamentos (no s legais) que, de to naturalizados,

    muitas vezes passam despercebidos.

  • 17

    Antes de continuar imperioso, mesmo ainda no sendo possvel afirmar o

    que utopia, j confirmar algo que ela no nesse projeto: no ser usado o

    mesmo conceito de Mannheim, mesmo que existam algumas relaes que possam

    confundir o leitor e fazer parecer que sim. Temos semelhanas importantes:

    o conceito de utopia, que define as representaes, aspiraes e imagens-de-desejo () que se orientam na direo de ruptura da ordem estabelecidae que exercem uma funo subversiva (), de representaes quetranscendem a realidade (LOWY, 1994, p. 11)

    Entretanto, utopia aqui no , assim como a ideologia, uma forma de falsa

    conscincia no sentido de que se ope s representaes adequadas e

    compatveis-com-o-ser-social-real (LOWY, 1994, p. 11). A transcendncia para

    esse projeto algo de carter extremamente compatvel com o real, pois para ir alm

    ela necessariamente passou (e ainda est repleta) de realidade, e tem seus olhos

    voltados para a mesma, em uma crtica silente que espera que lhe sejam fornecidas

    as palavras que procura para poder falar.

    Voltamos, aps elucidar isso, ao procedimento para uso da meditao

    utpica/distpica. Para ir alm da simples reflexo da ordem j posta, preciso

    desconstruir o discurso lgico-positivista de que se produz direito somente a partir

    do direito e do observar (emprico) do cenrio daquele que cria a lei. Costa (2011)

    evoca os juristas medievais, que no simplesmente reproduziram o direito romano

    (que foi estudado por alguns textos pelos glosadores, sem ser visto em sua

    totalidade), e sim interpretavam e reconheciam, autorizadamente, o que era e no

    era direito. O jurista medieval construa o que seria chamado por semiticos e

    lgicos de um mundo possvel.

    Isso no existe apenas no mundo medieval: temos no decorrer da histria e

    contemporaneamente a figura do jurista como conselheiro do Prncipe, como

    aquele que tem conhecimento do funcionamento do direito e chamado pelos

    legisladores para auxiliar na criao de leis (ou ele prprio um expoente da classe

    poltica). Esse jurista pode transcender o jurdico existente, indo alm da descrio

    ou interpretao e efetivamente inventando, imaginando. Deve-se frisar isso porque

    o discurso jurdico muito semelhante aos outros discursos de saber, mas um de

    seus grandes pontos de divergncia justamente levar em considerao, para

    existir ou se modificar ou at se criar, o mundo que ele prprio constri/imagina. Em

  • 18

    outras palavras, ele pode oferecer

    classe poltica um discurso que inclui em si mesmo, espontaneamente,uma imagem de sociedade e um projeto de sociedade, uma ideia o que asociedade e uma proposta do que a sociedade deve chegar a ser.(COSTA, 2011, p. 194).

    Mas, mesmo sem esse poder legislativo, a criatividade e subjetividade ainda

    so determinantes para qualquer jurista e do pertinncia ao propsito dessa

    pesquisa, porque, como expe Costa (2011, p. 179), saber as caractersticas de um

    outro mundo menos importante do que o movimento que leva at essa descoberta,

    que abre diversas possibilidades ao sujeito que tem a experincia. O aumento da

    capacidade do jurista de entender situaes incomuns que possam vir a surgir e, na

    verdade, de sua conjuntura como um todo, certamente notvel.

    Primeira Lio sobre Direito de Paolo GROSSI e O que direito de RobertoLYRA FILHO tambm tiverem forte influncia, como primeiro contato, nadesmistificao da mentalidade jurdica tradicional, ao quebrarem as concepes

    provindas do senso comum sobre ordenamentos, normas, costumes, entre outros.

    Grossi derrubou, principalmente, a percepo sobre o direito ser resumido as leis e

    ser legtimo apenas quando criado pelo Estado ou pelo grupo designado a esse

    poder.J Lyra Filho revelou a ideologia envolvida (com toda sua intencionalidade), o

    poder propositivo e a crucial relao da sociologia com o direito. Todavia, a linha

    seguida aqui outra, que no s no vai de encontro como algumas vezes at

    contrria a certas noes dessas duas obras, tornando-as atualmente acmulos

    secundrios para essa pesquisa em particular.

    O livreto Introduo ao estudo do mtodo de Marx do escritor Jos Paulo

    NETTO foi adaptado para formular a estrutura e metodologia do projeto, de umamaneira que fosse compatvel com seu propsito e fugisse um pouco mais do

    modelo de produo de conhecimento vigente. Entretanto, antes de explicar esse

    mtodo j se explicita o interesse em encontrar e estudar outros livros sobre

    metodologia que desconstruam ainda mais o paradigma moderno de pesquisa.

    H, segundo Netto (2011, p. 54), a necessidade dialtica de manter a

    indissocivel conexo que existe em Marx entre elaborao terica e formulao

    metodolgica. Por bvio que no ser possvel seguir o mtodo original da

    totalidade por completo (parte porque demoraria anos), e sim apenas um

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    simplificado esboo, com a metodologia sendo aprimorada medida que a pesquisa

    for sendo feita. Assim, ser conferido um carter mais livre para um trabalho que

    seria extremamente prejudicado, considerando-se as suas proposies, por uma

    maneira de produzi-lo dentro de um modelo estritamente pr-definido e fechado

    (tendo conscincia que ser muito difcil, e muito provavelmente impossvel,

    realmente fugir da episteme moderna). Essa pesquisa tentar ser extremamente

    mutvel de acordo com novos conhecimentos adquiridos que se sobreponham aos

    antigos, havendo possivelmente uma grande troca de preferncias bibliogrficas e

    de sees do texto. A produo de conhecimento jurdico aqui tentar ser feita no

    mesmo pressuposto dos juristas medievais, que eram construdos pelo prprio texto

    prescritivo que construam (COSTA, 2011, p. 184). Tanta importncia dada para a

    totalidade terico-metodolgica porque ilegtima

    uma separao rigorosa entre o mtodo e a investigao concreta, que soas duas faces da mesma moeda. De fato, parece certo que o mtodo s seencontra na prpria investigao e que esta s pode ser vlida e frutfera namedida em que toma conscincia, progressivamente, da natureza do seuprprio avano e das condies que lhe permitem avanar. (GOLDMANN,1985, p.7).

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    BIBLIOGRAFIA

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    1 TEMA 52 OBJETIVOS 63 PLANO PROVISRIO DE TRABALHO 74 JUSTIFICATIVA 85 PERTINNCIA REA JURDICA 106 PERTINNCIA AOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO 127 REVISO BIBLIOGRFICA 13