127
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rosineide Barbosa Xavier A compreensão de diálogo em uma experiência de construção coletiva do projeto político-pedagógico: um estudo à luz do pensamento de Martin Buber e Paulo Freire MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2009

PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

  • Upload
    vandan

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rosineide Barbosa Xavier

A compreensão de diálogo em uma experiência de

construção coletiva do projeto político-pedagógico:

um estudo à luz do pensamento de

Martin Buber e Paulo Freire

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

2009

Page 2: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rosineide Barbosa Xavier

A compreensão de diálogo em uma experiência de

construção coletiva do projeto político-pedagógico:

um estudo à luz do pensamento de

Martin Buber e Paulo Freire

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação: Psicologia da Educação sob a orientação da Professora Doutora Heloisa Szymanski

SÃO PAULO

2009

Page 3: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

BANCA EXAMINADORA

____________________________

Heloisa Szymanski

____________________________

Laurinda Ramalho

____________________________

Marcos Antônio Lorieri

Page 4: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela sempre presença na minha existência, mostrando-me a

necessidade de que a vida seja vivida enquanto dom a serviço do outro, seguindo

os passos de Seu amor gratuito que renova toda relação;

Às missionárias seculares scalabrinianas com as quais aprendo a alargar minha

vida, de êxodo em êxodo, de diálogo em diálogo, em comunhão com migrantes e

jovens, para receber o dom da comunhão na diversidade;

A minha querida mãe Geralda e aos queridos irmãos Rosângela e Rogério pelo

carinho, compreensão e força durante todo esse tempo, e ao querido pai Luciano,

que junto de Deus me deu segurança para ir até o fim;

Ao sempre querido Pe. Gabriele, amigo especial que me ensina o valor da vida no

Amor;

À querida Rachele, a quem tenho sempre um especial agradecimento no coração

pela amizade e que também nesse estudo soube estar próxima;

Ao Prof. Marcos Lorieri que com seu “jeitão” de ser mestre me cativou e soube

ser, com grande competência e exemplo, uma significativa presença nesse

caminho de Mestrado;

À Profª Laurinda que me acolheu no programa de Pós e, com seu jeito afetuoso

de ser, soube me direcionar sobre qual trilho seguir;

À Profª Heloisa por me acolher no grupo de pesquisa e partilhar, como

orientadora, desse aventuroso e desafiador caminho de estudos;

A Kátia que com grande carinho me ajudou no momento em que mais precisava;

Aos professores inesquecíveis: Vera Ronca, Carlos Luiz Gonçalves, Luzia

Orsolon e Marília Marino, pessoas que muito me ajudaram e que continuam a

serem mestres de grande admiração;

Page 5: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

Aos colegas de Mestrado pela partilha e ajuda mútua nessa nova etapa de vida;

Aos colegas de OESE pelo caminho que iniciamos juntos na Educação e, do qual,

hoje essa dissertação se torna fruto;

À equipe do Abrigo Cristóvão Colombo, que me acolheu, ajudando-me a dar os

primeiros passos como educadora junto às crianças e famílias na esperança de

acreditar em um mundo melhor;

E, por fim, um agradecimento especial a todos da comunidade onde essa

pesquisa se inseriu, pelo testemunho de luta esperançosa, principalmente às

pessoas que, dispondo de seu precioso tempo, partilharam comigo a busca de

aprofundamento sobre a dialogicidade humana.

Page 6: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo investigar como gestores, educadores e representantes de uma comunidade, situada em um bairro na zona norte de São Paulo, compreendem diálogo, a partir da experiência vivida no processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico, que se fundamentou no pensamento de Paulo Freire. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que teve na entrevista reflexiva coletiva o meio para interrogar o fenômeno em estudo. Os resultados mostraram a compreensão de diálogo enquanto interação com alguém, por meio da conversa, da participação, do silêncio, da integração e da construção de conhecimento: a conversa foi apresentada como fala e escuta, gerando entendimento; o silêncio, como fala reprimida; a participação da construção do projeto político-pedagógico, como expressão de confiança na transformação desse contexto social; o processo de construção possibilitou maior integração entre as pessoas e uma nova disposição ao trabalho coletivo; o conhecimento emergiu relacionado aos movimentos de construção e descoberta, voltados a reviver o processo histórico vivenciado nessa comunidade. A construção de modo coletivo do projeto político-pedagógico foi identificada como vontade de dialogar, conduzindo-os a perceber a necessidade de maior disposição em ouvir o outro, atitude que exige disponibilidade de tempo. A partir da análise dos dados, relacionando com a teoria de Martin Buber e de Paulo Freire, foi possível identificar na compreensão do vivido o devir humano, em uma íntima relação entre diálogo, educação e transformação social. Constatou-se a necessidade de reflexão, de não considerar o outro como um objeto, indo além da compreensão de diálogo como técnica, a partir do momento em que se apreende o homem se constituindo enquanto ser de relações. Palavras-Chave: Educação; Diálogo; Projeto Político Pedagógico; Martin Buber; Paulo Freire

Page 7: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

ABSTRACT

This study aimed to investigate how managers, educators and representatives of a community, located in a neighborhood in northern Sao Paulo, include dialogue from the experience in the construction of collective political and pedagogical project, which relied the thought of Paulo Freire. This is a qualitative research, which was reflective interview in the conference means to interrogate the phenomenon under study. The results showed the understanding of dialogue as interaction with someone, through conversation, participation, silence, integration and construction of knowledge: the conversation was presented as speaking and listening, creating understanding, the silence, as speech repressed; participation of the construction of political-pedagogical project, as an expression of confidence in the transformation of this social context, the construction process to enable greater integration between people and a new willingness to work collectively, and the knowledge emerged related to the movements of construction and discovery, facing revive the historical process experienced in this community. The construction of the collective mode of political-pedagogical project was identified as a willingness to talk, leading them to perceive the need for greater willingness to listen to the other, an attitude that requires time availability. From the analysis of data related with the theory of Martin Buber and Paulo Freire was able to identify the understanding of the lived human becoming, in an intimate relationship between dialogue, education and social transformation. We found a need for reflection, not to consider the other as an object, going beyond the understanding of dialogue as a technique, from the moment in which the man perceives it as being constituted of relations. Keywords: Education; Dialogue; Pedagogical Political Project, Martin Buber, Paulo Freire

Page 8: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo investigar como gestores, educadores y representantes de una comunidad situada en un barrio de la región norte de la ciudad de San Pablo, comprenden diálogo, a partir de la experiencia vivida en el proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, que se fundamentó en el pensamiento de Paulo Freire. Se trata de una investigación cualitativa, que tuvo en la entrevista reflexiva colectiva el medio para interrogar el fenómeno en estudio. Los resultados mostraron la comprensión de diálogo, en cuanto interacción con alguien, por medio de la conversación, de la participación, del silencio, de la integración y de la construcción de conocimiento: la conversación fue presentada como habla y escucha, generando entendimiento; el silencio como habla reprimida; la participación de la construcción del proyecto político-pedagógico como expresión de confianza en la transformación de ese contexto social; el proceso de construcción hizo posible una mayor integración entre las personas y una nueva disposición al trabajo colectivo; el conocimiento emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta, dirigidos a revivir el proceso histórico vivido en esa comunidad. La construcción de modo colectivo del proyecto político-pedagógico fue identificada como voluntad de dialogar, conduciéndolos a percibir la necesidad de mayor disposición en la escucha del otro, actitud que exige disponibilidad de tiempo. A partir del análisis de los resultados, relacionando con la teoría de Martin Buber y de Paulo Freire, fue posible identificar en la comprensión de lo vivido el devenir humano, en una íntima relación entre diálogo, educación y transformación social. Se constato la necesidad de reflexión, de no considerar el otro como un objeto, superando la comprensión de diálogo como técnica, a partir del momento en el cual el ser humano se aprende constituyéndose en cuanto ser de relaciones. Palabras-Claves: Educación; Diálogo; Proyecto Político-Pedagógico; Martin Buber; Paulo Freire.

Page 9: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................... 10

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 – MARTIN BUBER E PAULO FREIRE:

CONTRIBUIÇÕES ACERCA DA DIALOGICIDADE HUMANA ............................... 21

1.1 A concepção do homem como ser de relações em Martin Buber .............. 22

1.2 Os princípios dialógicos buberianos e o ato educativo ............................... 26

1.3 Paulo Freire e a compreensão do homem como ser de educabilidade

em um mundo de possibilidades ........................................................................... 32

1.4 Dialogicidade freireana .................................................................................... 38

CAPÍTULO 2 – O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E SUA

CONSTRUÇÃO COLETIVA ...................................................................................... 45

2.1 Em que consiste o projeto político-pedagógico?.......................................... 45

2.2 O sentido das palavras projeto político-pedagógico .................................... 46

2.3 A importância do planejamento educacional ................................................ 53

2.4 Uma experiência de construção coletiva

do projeto político-pedagógico .............................................................................. 55

CAPÍTULO 3 – A CONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO DE PESQUISA.................... 60

3.1 Abordagem da pesquisa .................................................................................. 60

3.2 Participantes ..................................................................................................... 63

3.3 A questão do diálogo: como interrogar? ....................................................... 65

Page 10: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

CAPÍTULO 4 – COMPREENDENDO UMA EXPERIÊNCIA

DE INTERAÇÃO HUMANA ...................................................................................... 72

4.1 Procurando interagir ........................................................................................ 72

4.1.1 Percebendo a interação humana como conversa ........................................... 73

4.1.2 Percebendo a interação humana como silêncio .............................................. 76

4.1.3 Percebendo a interação humana como participação ...................................... 77

4.1.4 Percebendo a interação humana como integração ......................................... 79

4.1.5 Percebendo a interação humana como construção de conhecimento ............ 80

4.2 O sentido de diálogo se desvelando no processo de construção

coletiva do projeto político-pedagógico................................................................ 82

4.3 Sintetizando a compreensão de uma experiência

de interação humana .............................................................................................. 87

CAPÍTULO 5 – SOBRE DIÁLOGO ....................................................................... 90

PERMANECENDO EM DIÁLOGO... ..................................................................... 105

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 107

ANEXOS ................................................................................................................. 113

Page 11: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

10

APRESENTAÇÃO

Esta dissertação de Mestrado inclui contatos e experiências em um projeto de

pesquisa, sob o título “Diálogo e Participação: a prática dialógica na família,

escola e comunidade”, em andamento em um bairro da zona norte de São Paulo,

coordenado pela professora Profª Drª Heloisa Szymanski. É um projeto da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em parceria com a

associação Educacional Labor, uma organização não governamental que

desenvolve atividades em escolas públicas, proporcionando reflexões sobre a

prática educativa em sala de aula e sobre a gestão participativa na escola.

Esse projeto, nesta pesquisa sob a denominação de “Diálogo e Participação”, visa

acompanhar gestores, educadores e famílias que vivem em uma comunidade

desse bairro, buscando criar “rede” de relações entre pessoas, em vista de

estabelecer uma continuidade de proposta educacional entre três organizações

educativas presentes nesse contexto: um Centro de Educação Infantil (CEI), uma

Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF)1 e um Centro Agente Jovem2

(Agente Jovem), tendo como fundamentação teórica a pedagogia de Paulo Freire.

Essa comunidade é composta por famílias, a maioria constituídas por migrantes

do nordeste do Brasil e do interior de São Paulo.

Cabe lembrar que, nos anos de 60, a economia brasileira conheceu uma

expansão recordista até metade dos anos de 70, possibilitada pela grande

exploração da mão-de-obra barata e também pelas matérias primas abundantes.

1 As atividades do “Diálogo e Participação” desenvolvidas na EMEF não fizeram parte desta

pesquisa, pois meu envolvimento nesse contexto esteve limitado ao processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico do CEI e do Agente Jovem. 2 O Agente Jovem está relacionado ao projeto proposto pela Secretaria do Estado de Assistência

Social (SEAS) denominado “Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano”. É uma proposta para jovens de 15 a 17 anos de idade, que se encontram em situação de vulnerabilidade social. É um incentivo aos Municípios para promoverem atividades pedagógicas continuadas para o desenvolvimento juvenil, levando em conta a relação do jovem com a família, com a comunidade e com o mundo do trabalho. Oferece verbas para as comunidades desenvolverem esse projeto e prevê uma bolsa de setenta e cinco reais por mês para cada jovem, que se compromete em ter frequência mínima de setenta e cinco por cento no ensino formal e no próprio projeto.

Page 12: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

11

No contexto da ditadura militar, onde o governo exercia papel fundamental na

manutenção da sociedade capitalista, o país abriu as portas para os

investimentos das multinacionais estrangeiras. A riqueza crescia, mas para uma

minoria de 20%, com o agravamento da miséria de 80% da população (FREIRE;

CEDAL; CEDETIM, 1979).

A desastrosa situação social de pobreza provocou o aumento incessante das

migrações internas em busca de sobrevivência, sobretudo desde a década de 60.

O deslocamento populacional no espaço geográfico do Brasil atingiu, nos anos

70, cerca de um terço de sua população, segundo os dados da Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílio (PNAD): os migrantes internos no país atingiram 37,5

milhões. O fluxo que se originou no Nordeste, em Minas Gerais e Espírito Santo,

desembocou em São Paulo, que recebeu mais de 3 milhões de migrantes até

1970, elevando-se o total para 4,3 milhões em 1976. A migração interna é o fator

mais decisivo para o aumento das favelas em São Paulo, que em 1972 tinha 42

mil moradores em favelas e em 1979, 880 mil (CENTRO DE ESTUDOS

MIGRATÓRIOS, 1980).

Essas migrações caracterizaram a formação das periferias dos grandes centros

urbanos, constituindo um período de grande movimentação e de ocupações

também nesse território onde realizamos esta pesquisa.

As migrações internas continuam atualmente. Os dados dos últimos Censos

reafirmam o papel de São Paulo enquanto grande receptor de migrantes, segundo

Baptista (2009), aumentando seu saldo migratório de 77 mil pessoas por ano na

década de 80, para 123 mil pessoas anuais na década de 90. Na análise dos

dados do Censo de 2000, pôde-se ver que São Paulo continua atraindo migrantes

e a favela é um dos locais da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) que

mais abriga o migrante nordestino: entre os 912.978 moradores em favelas,

47,46% não nasceram no município de São Paulo e 60,69% estão no município

há menos de cinco anos. A região de origem dos migrantes em favelas é o

Nordeste, ou seja, em 1991, 70% nasceram no Nordeste e, em 2000, 74,68% têm

origem do Nordeste (BAPTISTA, 2009).

Page 13: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

12

O bairro situado na zona norte de São Paulo, onde esta pesquisa se insere, foi

uma das regiões que recebeu grande fluxo migratório entre os anos de 1960 e

1970. As casas que iam sendo construídas nessa região eram, na sua maioria,

em terrenos ocupados. As famílias que compõem essa região vivem ainda em

situação de alta taxa de vulnerabilidade social, faltam saneamento básico,

escolas, e há muita violência e desemprego.

O grupo de gestores, educadores e representantes da comunidade, que

participou desta pesquisa, faz parte da história de luta de uma comunidade

pertencente a esse bairro da zona norte de São Paulo. A comunidade que nasceu

nos anos de 1980, caracterizava-se como uma das mais carentes dessa região. A

sua história teve início também por meio de uma ocupação irregular por várias

famílias, a maior parte nordestinas. Essas famílias que ali viviam, partilhavam as

mesmas situações precárias como, por exemplo, a falta de água encanada, luz

elétrica, segurança, além do risco de perderem o improvisado abrigo, dado que o

proprietário havia recorrido à Justiça para a reintegração de posse do terreno.

Dificuldades como essas motivaram a solidariedade e a união entre os

moradores, juntamente com os padres de uma igreja católica da região. Dessa

forma, no ano de 1991, criou-se uma associação de moradores de bairro, como

estratégia para busca de melhorias para uma ocupação irregular que, pouco a

pouco, tornava-se uma grande comunidade. Uma das primeiras conquistas foi a

implantação do CEI, em 1992, que na época era chamado de creche. Uma vitória,

mas também uma resposta para uma situação que era notória: as crianças

daquela região, daquela comunidade, não tinham nenhum serviço a elas

dedicado. Pais e/ou familiares eram obrigados a deixar suas crianças sozinhas

em casa, para poderem trabalhar.

Foi uma grande luta manter as atividades do CEI, que esteve sustentado pela

generosidade e colaboração de muitos. Atualmente, acolhe em torno de cento e

vinte crianças, de zero a seis anos de idade. É uma escola conveniada com a

Prefeitura.

Ainda em 1992, foi realizado o primeiro acordo judicial para a compra da terra, a

qual foi efetivada após dois acordos seguintes. Por meio de várias atividades

Page 14: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

13

comunitárias e ajudas, com mediação da associação de moradores do bairro, as

famílias dessa comunidade conseguiram a renda necessária para a compra do

terreno, regularizando sua situação com a posse do terreno.

No âmbito sócio-educativo, essa comunidade, ao longo da sua trajetória, fez

parcerias importantes, até mesmo com uma ONG internacional, para buscar

melhor qualidade de vida para os moradores, focalizando, sobretudo, as crianças

e os jovens da comunidade. Criaram vários projetos sociais, um deles é o Agente

Jovem, que surgiu no ano de 2003 devido à preocupação dos moradores da

comunidade com a situação dos jovens nesse local, vulneráveis a violências

várias. Inicialmente, era um trabalho voluntário, sendo institucionalizado,

enquanto organização educativa, vinculando-se à proposta do SEAS, como

referido anteriormente.

Atualmente, o Agente Jovem acolhe cerca de cem jovens, de quinze a dezessete

anos de idade. A proposta sócio-educativa desenvolvida acontece de segunda a

quinta-feira, no período matutino e vespertino, e está organizada da seguinte

forma: atividades em sala (onde os educadores propõem reflexão e dinâmica de

grupo mediado por textos ou filmes pedagógicos), esporte (realizado na quadra

como futebol, vôlei, capoeira) e ação comunitária (atividades voluntárias na

comunidade).

Do projeto “Diálogo e Participação” surgiu, em 2006, a demanda dessa

associação de moradores do bairro por maior apoio às atividades educacionais do

CEI e do Agente Jovem. Fizeram, portanto, nesse mesmo ano, um levantamento

da realidade educacional dessas duas organizações educativas, tal como era

percebida por seus protagonistas: educandos, famílias, educadores, gestores e

representantes da comunidade.

Das demandas levantadas verificou-se, de modo geral, a necessidade de planejar

atividades pedagógicas e de gestão, que levou educadores, pais e funcionários a

elaborar planos de ação, a fim de encaminhar as necessidades eleitas,

diversificando as propostas segundo o objetivo de cada organização sócio-

educativa.

Page 15: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

14

Um ano após a experiência do levantamento, realizou-se, no espaço do centro

comunitário, um encontro de reflexão sobre o andamento das propostas feitas.

Estavam presentes diretores da associação, gestores, representantes dos

educadores e dos funcionários do CEI e do Agente Jovem e pesquisadores do

projeto “Diálogo e Participação”.

Constataram-se algumas dificuldades permeando o cotidiano do CEI e do Agente

Jovem: falta de clareza sobre as linhas pedagógicas que norteavam suas ações,

dificuldade de sistematização das propostas a serem adotadas pelo grupo e

existência de práticas incoerentes entre gestores e educadores, e entre os

próprios educadores. Diante dessa realidade, chegou-se à compreensão da

necessidade de ter um projeto que contivesse concepções e valores, a serem

assumidos por todos.

Os pesquisadores presentes disseram que se tratava da construção do projeto

político-pedagógico. Verificaram-se falta de conhecimento, por parte da maioria

dos gestores, educadores, famílias e funcionários de ambas as organizações

educativas quanto ao significado do que é um projeto político-pedagógico.

Emergiu o interesse de buscar compreender melhor sobre sua concepção e

elaboração. Os pesquisadores perceberam que poderiam oferecer o subsídio

teórico e metodológico solicitado, em vista da elaboração coletiva do projeto

político-pedagógico. Essa colaboração recebeu o nome de Apoio à Gestão, tendo

por fundamento a proposta dialógica de Paulo Freire.

Esse processo de construção coletiva foi o contexto que deu origem à presente

pesquisa. Participando dos encontros com o Apoio à Gestão, tive a possibilidade

de conhecer o trabalho dessa comunidade. Considerando que pensamento e vida

são duas realidades humanas inseparáveis, durante o contato com esse grupo

que se encontrava regularmente para, a partir da dialogicidade freireana, construir

coletivamente o projeto político-pedagógico, indagava-me: qual seria a

compreensão de diálogo vivenciada por eles? Essa inquietação gerou a presente

pesquisa.

Page 16: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

15

INTRODUÇÃO

São várias as formas de abordar o diálogo no âmbito educativo pelas pesquisas

atuais: buscam ora identificar situações não dialógicas, ora conceituar diálogo,

trazendo exemplos de situações e dimensões específicas do agir pedagógico.

Alguns pesquisadores têm procurado responder à pergunta “o que é o diálogo?”,

entre os quais Gonçalves (2005), que considera o diálogo como constituído por

dois movimentos que se relacionam entre si, de modo dinâmico: a relação entre

interlocutores, através da comunicação, verbal e não-verbal; a aproximação ao

objeto do diálogo, da parte de ambos os interlocutores. O que faz com que esses

dois movimentos sejam parte um do outro é o “espaço de encontro do eu com o

outro [...] esse espaço é fundante do diálogo e sua compreensão traz em seu bojo

a questão ética que o alicerça: Qual o sentido da relação do eu com o outro?”

(GONÇALVES, 2005, p. 40 – grifo da autora).

Essa autora, trazendo contribuições de Martin Buber e Hans-Georg Gadamer,

mostra que essa pergunta direciona ao aprofundamento de conceitos como

reciprocidade, mutualidade, reconhecimento da alteridade, abertura. “Na relação

com o outro, o diálogo ocupa um lugar central, pois, mesmo quando há oposição,

ao dialogar, eu afirmo ou confirmo o outro em sua realidade existencial” (idem,

2005, p. 41).

Dalbosco (2006) considera o diálogo como “elemento central para assegurar a

passagem do fazer pedagógico ao agir pedagógico”. Define o fazer como uma

prática ausente de reflexão, uma experiência não problematizada, que procura a

teoria somente para legitimar escolhas prévias, instrumentalizando-a; é um fazer

caracterizado pela incapacidade de dialogar. A possibilidade de passar ao agir

pedagógico se dá através da “desdogmatização da prática” e

“desinstrumentalização da teoria”, com a hipótese que possa ser atingido esse

propósito “na medida em que o fazer pedagógico for associado à problematização

filosófica da ação humana” (DALBOSCO, 2006, p. 175).

Page 17: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

16

Mesmo sendo a ação pedagógica o foco da reflexão de Dalbosco (2006), o

diálogo é central em sua reflexão, por considerar o “agir pedagógico como um agir

dialógico”, buscando definir tanto o diálogo quanto situações de não-diálogo. Para

o autor, o diálogo tem caráter problematizador, pressupondo uma mínima pré-

compreensão e clareza sobre seu objeto. E, sendo o agir pedagógico um

processo que se dá na interação entre pessoas, exige “um tipo de interação

voltada, predominantemente, à formação dialógica de seres humanos”

provocando a “capacidade para o diálogo vivido e, com ele, a capacidade de ir ao

encontro dos outros” (idem, 2006, p. 178).

No decorrer de sua reflexão, surge a relação entre a ausência do diálogo e a

ausência de um método, em sala de aula. Todavia, essa é uma afirmação tratada

com muita cautela pelo autor, uma vez que, ao trazer a contribuição de Gadamer,

a questão do método é problematizada, não se identificando com uma postura

positivista, como se fosse um procedimento instrumental, vinculando método e

técnica. Relaciona método e diálogo, segundo Gadamer, não como técnica, por

duas razões: na história da filosofia, o diálogo é “condição de possibilidade do

exercício filosófico e de outras atividades humanas num sentido mais amplo”; e

quanto mais a sociedade contemporânea “se desenvolve, técnico-cientificamente,

mais incapazes as pessoas se tornam para o diálogo [...] O homem

contemporâneo parece ter pânico do silêncio e da escuta e sem eles, como nos

ensina Gadamer, não pode tornar-se capaz de diálogo” (DALBOSCO, 2006, p.

182-183).

Mariotti (2001) enfatiza a necessidade de questionar-se sobre a própria

compreensão do que é diálogo, a motivo de um uso do termo, por vezes,

inadequado. Indica que erroneamente é relacionado a uma interação verbal do

tipo discussão/debate, na qual “os participantes defendem posições, argumentam,

negociam e, eventualmente, chegam a conclusões ou acordos”. Negociar significa

descartar algumas ideias, tidas como “vencidas”.

O diálogo, segundo o autor, é “uma atividade cooperativa de reflexão e

observação da experiência vivida”, considerado como uma “metodologia de

Page 18: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

17

conversação”, como uma técnica3 (MARIOTTI, 2001, p. 7), buscando compartilhar

e criar significados, ideias, modos de ver. No entanto, diálogo e debate/discussão

não se excluem como se fosse possível viver somente um ou outro, são

complementares.

A cultura atual está condicionada por tendências contrárias à dialogicidade

humana. São elas: fragmentação, imediatismo, super-simplificação4. Tais

tendências dificultam a escuta do que o outro tem a dizer, buscando logo

comparar com referenciais prévios, concordando ou discordando com o que está

dizendo, interrompendo a escuta, negando a novidade presente naquilo que diz,

negando a própria existência de quem nos fala. O diálogo busca superar tal

automatismo, suspendendo temporariamente as “certezas”, para ouvir o outro

(idem, 2001).

Recorrendo ao sentido etimológico da palavra diálogo, Mariotti (2001) explica que

a intenção do diálogo, ao invés de fragmentar, é unir o que está desconectado:

O termo “diálogo” resulta da fusão das palavras gregas dia e logos. Dia significa “por meio de”. Logos foi traduzida para o latim ratio (razão), mas tem vários outros significados, como “palavra”, “expressão”, “fala”, “verbo”. Dessa maneira, o diálogo é uma forma de fazer circular sentidos e significados. Num grupo que dialoga, as palavras circulam entre as pessoas, passam através delas sem que sejam necessárias concordâncias, discordâncias, análises ou juízos de valor. [...] na experiência dialógica, a palavra liga, permeia, em vez de separar. Aglutina, em vez de fragmentar (MARIOTTI, 2001, p. 10 – grifos do autor).

No âmbito da educação escolar, o que instaura a condição do ser docente é

justamente uma relação: aquela entre docente e discente (TEIXEIRA, 2007),

sendo que a existência de um depende da do outro. Essa relação tem suscitado

reflexão, busca de conhecer as implicações do diálogo (estabelecido, mantido ou

3 Apesar de usar o termo “técnica”, Mariotti (2001) adverte que as regras apresentadas enquanto

metodologia dialógica não devem ser observadas rigidamente, como se existisse um “padrão de comportamento ideal” tido como modelo. Enfatiza que “o compromisso básico de quem entra em um grupo de diálogo é suspender a atitude habitual” (idem, p. 12), identificar os pressupostos e suspendê-los, por um momento. Seria a abertura ao outro, porque “dialogar é antes de mais nada aprender a ouvir” (idem, p. 15), por isso, o silêncio é parte do processo dialógico. No diálogo, pode-se até mesmo expor os próprios pressupostos aos outros, para uma reflexão e compreensão diante de novas perspectivas. 4 Trata-se de um modo de conhecer, empregado e valorizado pela ciência e tecnologia: fragmentar

o objeto em partes para depois buscar a síntese; sistema causa-efeito; padrão binário de percepção da realidade, por exemplo: ou certo ou errado; busca de objetivar e quantificar, em detrimento da subjetividade e das dimensões qualitativas (MARIOTTI, 2001, p. 8).

Page 19: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

18

rompido) entre esses dois interlocutores, no processo educativo

(VASCONCELOS, et al, 2005; LOMAR, 2007; GIRCOREANO, 2008).

Colocar o foco na relação entre educador e educando, considerando a escola

como lugar central onde essa convivência ocorre por mais tempo, não significa

desconsiderar a importância de toda a rede de interações: seja entre os

educadores, entre os educandos, com outros profissionais da escola, gestores,

famílias, comunidades do entorno. (TEIXEIRA, 2007) A relação dos educadores

com as famílias, por exemplo, tem sido objeto de estudo mostrando o quanto os

familiares são necessários parceiros do processo de ensino-aprendizagem

(BORSATO, 2008; SILVA, 2008b).

Tem-se debatido, nos estudos de educação à distância, sobre o sentido atribuído

à relação entre educador e educando, quando acontece de modo virtual. Uma das

ferramentas hoje utilizada no ensino à distância é a chamada cibercultura (relação

de trocas entre sociedade, cultura e tecnologia, por meio do computador, da

internet e de outros meios de telecomunicações). Vale lembrar, no entanto, tratar-

se de meios, e assim devem ser tomados, tendo em foco a finalidade da

educação (MACHADO, 2004).

Até mesmo quem pesquisa o tema parte de um questionamento sobre a interação

entre educador e educando, seja em aula presencial como à distância,

considerando a importância da participação e do diálogo no processo ensino-

aprendizagem. O educando não deve ser mero receptor passivo, mas é preciso

que lhe seja dada a possibilidade de interagir, no caso, fazer seu próprio percurso

na rede, através das possibilidades de hipertexto, modificar conteúdos, emitir

novas informações; de fato, conceito chave é a interatividade.

Para que a nova ferramenta seja explorada em todo seu potencial, é necessário

superar o modelo de transmissão de conhecimento unidirecional, do educador ao

educando (SILVA, 2004). Educadores e educandos como “agentes do processo

de comunicação e de aprendizagem, em sintonia com a dinâmica comunicacional

da cibercultura” (SILVA, 2008a, p. 69).

Page 20: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

19

O recorte desta pesquisa está limitado à compreensão de diálogo na interação

face a face entre educadores, gestores e representantes da comunidade, que há

quatro anos estão aprofundando a pedagogia dialógica de Paulo Freire5 enquanto

referência para suas atividades educativas, desenvolvidas no CEI e no Agente

Jovem. Esta é uma pesquisa que tem como fundamentação teórica o pensamento

de Paulo Freire e de Martin Buber, considerados grandes pensadores da

dialogicidade humana.

Pesquisas sobre o diálogo na educação a partir do pensamento de Martin Buber

e/ou Paulo Freire têm sido realizadas no Brasil, sob diferentes perspectivas,

como: o significado da formação humana em Martin Buber, a partir da noção de

diálogo e da responsabilidade dos educadores (SANTIAGO, RÖHR, 2006); o

conceito de diálogo, em estudo comparativo entre Martin Buber e Paulo Freire,

justificando tal aprofundamento por ser o diálogo uma dimensão fundamental na

prática pedagógica (CORTEZ, 2007); a busca da categoria do diálogo, em Martin

Buber e em Paulo Freire, para fundamentar uma educação intercultural, dialógica

(MOTA NETO; BARBOSA, 2005); diálogo na relação professor-aluno, a partir de

Paulo Freire (VASCONCELOS, et al, 2005).

A presente pesquisa tem por objetivo investigar como gestores, educadores e

representantes de uma comunidade, situada em um bairro na zona norte de São

Paulo, compreendem diálogo a partir da experiência vivida no processo de

construção coletiva do projeto político-pedagógico, que teve como fundamento o

pensamento de Paulo Freire.

No primeiro capítulo, apresentamos a perspectiva teórica na qual este trabalho se

fundamenta. Realizamos uma leitura analítica de obras de Martin Buber e de

Paulo Freire a fim de apreender em suas reflexões o significado de diálogo. Martin

Buber, uma das fontes do pensamento de Paulo Freire, afirma que o homem,

enquanto ser que se constitui em um processo histórico, é ser de relações. Vimos

5 Os conceitos freireanos assumidos pela comunidade aqui referida, na busca de valorizar as

relações interpessoais entre os moradores da comunidade, foram introduzidos por um grupo de pesquisadores da PUC-SP, que desde 2005 desenvolvem trabalhos de pesquisa nessa comunidade.

Page 21: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

20

que Paulo Freire, em sua filosofia, aponta para a existência humana constituindo-

se em um processo contínuo de humanização.

O processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico, por ser uma

experiência em que se buscou a prática dialógica entre seus participantes, foi a

situação educacional à qual os participantes desta pesquisa se voltaram para

refletir sobre a própria compreensão de diálogo. O segundo capítulo apresenta

em que consiste um projeto político-pedagógico, sob perspectiva de algumas

pesquisas na área e a importância do planejamento educacional. Apresentamos

também nesse capítulo o relato do processo de sua construção coletiva vivida

pelos participantes desta pesquisa.

O terceiro capítulo visa apresentar ao leitor a abordagem da pesquisa, bem como

a descrição dos procedimentos utilizados para interrogar a compreensão de

diálogo de um grupo de onze pessoas composto por gestores, educadores e

representantes da comunidade.

A “imersão” nos dados, a fim de entrever unidades de significado em torno do

fenômeno em estudo, resultou na identificação de categorias e subcategorias que

estão apresentadas no quarto capítulo desta pesquisa.

A discussão dos dados, colocando-os em interação com a teoria estudada,

constitui o quinto capítulo. E, por fim, apresentamos algumas considerações sobre

este estudo.

Page 22: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

21

CAPÍTULO 1

MARTIN BUBER E PAULO FREIRE:

CONTRIBUIÇÕES ACERCA DA DIALOGICIDADE HUMANA

Os dois grandes pensadores Martin Buber e Paulo Freire, mesmo pertencendo a

épocas e contextos diferentes, ambos instigados pela complexidade da vida do

ser humano e pelos conflitos históricos de seu tempo, interrogam-se sobre o

pensamento e a ação humana na busca de propor, cada um, uma filosofia do

diálogo como resposta aos anseios do homem em sua relação com o mundo e

com o outro.

Martin Buber nasceu em Viena (Áustria), em 1878. Estudou filosofia,

germanística, história da arte, sociologia. Suas obras transitam nos campos da

teologia, da Filosofia e da Antropologia. Judeu, pertenceu ao movimento sionista

e ao hassidismo. É um dos principais filósofos do diálogo. Seu pensamento sobre

o diálogo é uma proposta que quer guiar o homem a encontrar na relação

interpessoal (com os outros e com Deus) a plenitude de sua humanidade, na

superação do individualismo, do coletivismo e do ateísmo.

Paulo Reglus Freire nasceu em Recife, Pernambuco, em 1921. Formou-se em

Direito. Teve grande atuação na alfabetização de adultos, criando um método de

alfabetização fundado na situação de vida do educando. De intensa atividade

político-pedagógica, no Brasil e em outros países, Paulo Freire faz suas as ideias

de Martin Buber sobre o diálogo, e também com referência a outros teóricos,

constrói sua compreensão sobre a prática dialógica no contexto educacional.

Ambos vêem na compreensão da dialogicidade, o caminho para se viver de modo

mais profundo a humanidade do homem. Essa reflexão é para este estudo uma

importante referência a fim de pensarmos o sentido de diálogo na situação

educacional da construção coletiva do projeto político-pedagógico, em vista de

Page 23: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

22

refletirmos uma educação que considera a pessoa em todo seu valor relacional e

possibilita renovação da sociedade e de suas estruturas.

A partir da categoria do diálogo expressa no pensamento desses dois autores,

este capítulo visa possibilitar uma abertura à complexidade que essa temática

comporta, buscando valorizar aspectos que contribuam para a elaboração deste

estudo, os quais são: a compreensão de diálogo no âmbito das relações

interpessoais, evidenciada particularmente por Martin Buber, e a perspectiva

político-pedagógica do diálogo em vista de transformação social, indicada por

Paulo Freire.

Em primeiro lugar, apresentaremos os conceitos principais de Martin Buber sobre

o homem como ser de relações e, logo em seguida, algumas de suas reflexões

sobre o ato educativo. Posteriormente, indicaremos as ideias de Paulo Freire

sobre o homem enquanto ser de educabilidade em um mundo em devir e sobre a

dialogicidade humana. Sendo Martin Buber uma das fontes do pensamento de

Paulo Freire, apontaremos nas reflexões freireanas, alguns elementos dessa

influência.

1.1 A concepção do homem como ser de relações em Martin Buber

Martin Buber, em seu livro Eu e Tu – considerado o fundamento de sua filosofia

dialógica, publicado pela primeira vez no ano de 1923 –, apresenta um estudo

sobre a ontologia da relação enquanto condição existencial entre os seres

humanos; entre o homem e a natureza; entre o homem e Deus.

Propõe uma reflexão ontológica sobre a palavra, entendendo ser por meio dela

que o homem se introduz na existência. Apresenta o ser humano não como um

ser-para-si, mas um ser-no-mundo que se realiza na relação que o leva a proferir

as duas palavras consideradas princípio de sua existência: Eu-Tu e Eu-Isso.

Page 24: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

23

O mundo humano é duplo, afirma Martin Buber, por ser a dualidade existente na

atitude do homem que volta-se à realidade para pronunciar as duas “palavras-

princípio”, que o conduz a ser, caracterizadas nas expressões Eu-Tu e Eu-Isso.

Para o autor, a fonte dessa dualidade está na compreensão do homem existindo

em relação. O Eu do homem é duplo por existir penetrado ora no encontro com o

Tu, ora na relação com o Isso.

Pronuncia-se Isso6 na interação do homem com o mundo na intenção de

conhecê-lo por meio da experiência. A experiência Eu-Isso é o ato de transformar

a realidade encontrada como objeto de conhecimento. O mundo do Isso tem

sempre algo por objeto. Assim, o Eu-Isso está voltado à uma atitude cognoscitiva,

à experiência do homem com a realidade que o circunda de modo objetivo.

A aproximação do homem ao mundo não acontece somente por meio da

exploração das coisas a fim de experimentá-las, mas é também expressão do seu

desejo de estabelecer um encontro, ou melhor, encontrar o outro não confinado

ao próprio “reino”, mas na abertura a algo totalmente novo. Nessa dimensão, vive-

se, entre homem e mundo e entre homem e homem, um encontro estabelecido no

além de si. É nesse sentido que Buber apresenta a atitude Eu-Tu como atitude

estabelecida na reciprocidade do Tu atuando com o Eu, e do Eu atuando com o

Tu.

O homem não é uma coisa ou formado por coisas quando, estando eu presente diante dele, que já é meu tu, endereço-lhe a palavra-princípio. Ele não é um simples Ele ou Ela limitado por outros Eles ou Elas, um ponto inscrito na rede do universo de espaço e tempo. Ele não é uma qualidade, um modo de ser, experienciável, descritível, um feixe flácido de qualidades definidas. Ele é Tu, sem limites, sem costuras, preenchendo todo o horizonte. Isto não significa que nada mais existe a não ser ele, mas que tudo o mais vive em sua luz (BUBER, 2006, p. 57 – grifo do autor).

6 Cabe esclarecer que, na concepção de Martin Buber, as “palavras-princípio” Eu-Isso e Eu-Tu

não são concebidas separadamente, por serem ambas uma única realidade existindo na dualidade; tanto o Isso, quanto o Tu não existem como realidades singulares, mas unidas ao Eu, e vice versa. A separação que apresentamos em alguns momentos deste estudo é somente para fins de explicação.

Page 25: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

24

O diálogo fundamenta a existência humana, que exige do encontro Eu-Tu7 um ato

totalizador, uma con-centração de todo o seu ser. No encontro com o outro, o

homem age não somente como racionalidade da razão, mas também com todas

as suas manifestações humanas, a fim de abrir-se sem reservas à acolhida de

algo novo.

Ressaltamos que a atitude Eu-Isso não é considerada por Martin Buber como

uma expressão negativa do homem, uma vez que é por meio dela que ele se

coloca diante do mundo para conhecê-lo e explorá-lo, compreendendo e

assimilando as aquisições da história humana. No entanto, quando o Eu-Isso se

torna um relacionamento de domínio, uma prática provinda da posse de objetos

ou de realidades não-objetivas reduzidas a objetos, nesse caso, torna-se fonte de

destruição do ser, um obstáculo à força de relação.

A principal intuição de Martin Buber é o conceito de relação entre: entre os seres

humanos, entre o homem e o mundo, e entre o homem e Deus. No encontro Eu-

Tu não há mediação, não há interposição de ideias, pre-conceitos, imaginação; o

encontro passa dos detalhes à totalidade do ser. “Todo meio é obstáculo.

Somente na medida em que todos os meios são abolidos, acontece o encontro”

(BUBER, 2006, p. 59).

Apresenta o conceito de intencionalidade referindo-se àquilo que se explica no

entre a consciência e o mundo objetivo. O retornar-se-para-si acontece somente

por meio do movimento de voltar-se-para-o-outro no encontro inter-humano. É a

condição humana de existir na tensão entre o eu e o outro, transformada em

relação recíproca entre dois pólos.

No ato de experienciar a realidade, há um distanciamento do encontro com o Tu.

As ações mais comuns na vida cotidiana do homem estabelecem-se nesse

distanciamento, necessário para sua sobrevivência. No entanto, os momentos em

que o homem encontra o outro como outro, sem obstáculos, mesmo sendo os

7 É importante esclarecer que Martin Buber considera o encontro Eu-Tu não somente reduzido ao

encontro entre homens, refere-se também à relação que cada homem poderá estabelecer com uma planta, um animal, uma pedra.

Page 26: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

25

mais raros, eles nunca serão perdidos em sua consciência, sendo o homem

intencionado a buscá-los; a almejar repetí-los.

Deste modo, a existência do outro torna o instante vivido na relação, uma

presença que continua viva na consciência do homem. A experiência no Eu-Isso

leva à satisfação em coisas utilizadas, tornando-se passageira, passado. Mas a

presença não é fugaz, ela permanece: “O essencial é vivido na presença, as

objetividades no passado” (BUBER, 2006, p. 60).

No ensaio Diálogo, publicado em 1930, Martin Buber aprofunda suas reflexões

acerca do diálogo. Diz ser dialógico o comportamento dos homens um-para-com-

o-outro antes de qualquer fala e comunicação; é reciprocidade de ação interior.

“Dois homens que estão dialogicamente ligados devem estar obviamente voltados

um-para-o-outro; devem, portanto, – e não importa com que medida de atividade

ou mesmo consciência de atividade – ter-se voltado um-para-o-outro” (BUBER,

2007, p. 41).

Perceber diante de si um homem ou natureza existindo como presença, diz Martin

Buber, é algo que vai além do olhar observador ou contemplativo. Observar é

estar concentrado para gravar traços, imprimir um rosto. A contemplação, pelo

contrário, é uma ação desprovida de concentração, deseja-se ver o objeto

livremente, sem impor tarefas à memória. Em ambas as percepções, seja na

experiência de observar, seja na de contemplar, o objeto se separa de si e da

própria vida pessoal.

Um encontro tornado presença acontece quando se percebe o outro a partir da

própria abertura receptiva àquilo que ele “diz” por simplesmente ser; é presença

que fala algo e que penetra dentro da existência do receptor. Desse modo, o

homem, ser de relações, percebe-se existindo enquanto ser de responsabilidade,

ou melhor, existindo enquanto respondedor a e por algo ou alguém.

“Respondemos ao momento, mas respondemos ao mesmo tempo por ele,

responsabilizamo-nos por ele. Uma realidade concreta do mundo, novamente

criada, foi-nos colocada nos braços: nós respondemos por ela” (BUBER, 2007, p.

50). O homem que responde ao seu Tu instaura “diá-logo” e a “inter-ação” do Eu

confirma o ser do Tu.

Page 27: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

26

Para que o homem possa sair-de-si-mesmo-em-direção-ao-outro, ele tem que

partir do próprio interior, ou seja, antes de dar-se-ao-outro, precisa ter-estado-em-

si-mesmo. É somente entre pessoas que o homem se realiza.

No mundo do Isso paira a presença do Tu. O homem atua no mundo por meio de

sua capacidade de utilizar e recriar a realidade, junto com outros homens. Na

participação da vida coletiva, organizada em instituições, as pessoas não se

subtraem aos encontros com o Tu tornado presença; vivem no mundo do Isso

ligadas entre elas por meio de uma força de relação que penetra tudo, todas as

formas, estruturas e organismos em que se expressa a vida comum. Essa vida

não encontra sentido em um simples cumprir de tarefas, mas na transfiguração do

mundo do Isso, em direção ao mundo do Tu, gerando comunidade.

Com base nesses principais conceitos buberianos sobre o homem enquanto ser

de relações, em seguida veremos como se expressam no ato educativo, por

Martin Buber compreendido como uma atuação voltada à totalidade do ser.

1.2 Os princípios dialógicos buberianos e o ato educativo

Martin Buber, convidado a fazer o discurso de abertura da Terceira Conferência

Internacional de Pedagogia, em Heidelberg (Alemanha), no ano de 1925, inicia

sua exposição trazendo para o centro de seu discurso a criança e a compreensão

de sua condição.

Para Martin Buber, a criança é realidade de recomeço; possibilidade de a

humanidade ter um novo início. O gênero humano tem diante de si a chance de

recomeçar a cada momento que uma criança chega ao mundo, por ela inovar o

percurso de vida da humanidade ao relacionar-se com a história de gerações

passadas e com um mundo que se pronuncia em uma determinada direção.

Essa reflexão leva-nos a compreender a história humana como processo em

contínua transformação, ou seja, acreditar na novidade da qual a criança é

Page 28: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

27

portadora, é compreender o mundo humano em seu devir, onde cada pessoa na

sua diversidade e unicidade é possibilidade de propostas ao mundo.

Nesse quadro, Martin Buber aponta uma importante questão para a educação:

zelar pela força do novo a fim de que se mantenha no renovamento. A ação

educativa tanto poderá obscurecer a luminosidade da criança, quanto será capaz

de iluminá-la ainda mais. “Assim é a educação: quando finalmente surgir e existir,

ela será capaz de fortalecer no coração daquele que age a força capaz de

iluminar” (BUBER, 2004, p. 162).8

No encontro educativo, Martin Buber da relevância na relação mútua manifestada

no vínculo entre educador e educando.

A força da inovação encontra possibilidade de manifestação na criatividade

humana, definida por ele como impulso de criação. Considera esse impulso como

a manifestação humana mais elevada, que é aquela de plasmar.

O impulso de criação, muitas vezes, no processo de escolarização é reduzido a

uma simples ação de imitação, ou somente ao prazer de dar forma a uma

matéria, ou então à capacidade artística a ser desenvolvida e sobre a qual a

educação da pessoa em sua totalidade está fundamentada. Segundo Martin

Buber, o impulso de criação tem um sentido mais amplo. Por meio dele o homem

age espontaneamente, a fim de fazer coisas, de participar, como sujeito do

processo de produção, na origem de algo que está por vir e que antes não existia.

Martin Buber considera que os impulsos presentes no homem são autônomos.

Cada um não exerce domínio sobre outro, e nem busca sufocar outro aspecto de

manifestação da alma humana, na qual existem como uma realidade múltipla de

interação harmônica. Opõe-se, assim, a certas tendências de correntes

psicológicas que, segundo ele, reduzem a multiplicidade e a complexidade do

interior humano simplificando suas manifestações a poucos elementos. O uso do

impulso de criação em si, ausente de vínculos com situações ou pessoas, conduz

8 Tradução nossa: “Così è l‟educazione: quando finalmente sorge ed esiste, essa sarà capace di

rafforzare nel cuore di colui che agisce la forza capace di far luce”.

Page 29: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

28

o homem ao próprio isolamento, porque privado de duas funções indispensáveis à

existência: a participação e a reciprocidade.

O homem se alegra por produzir e transformar uma idealização em algo concreto,

por realizar uma intuição ou desejo, mas aquilo que ele produz não o fará capaz

de reciprocidade se o que vivencia se limitar ao âmbito da experiência do Eu-Isso.

Somente a partir do momento em que o homem faz-se presente a uma realidade

(natureza, homem, Deus) e esta realidade também se faz presente a ele, sem que

haja impedimentos entre ambos, é então que ocorre o encontro recíproco, a

relação Eu-Tu.

De fato, em suas considerações, Martin Buber afirma que o encontro com o outro

vai além do impulso de criatividade, caminha na direção de uma ação

comunitária. “Aquilo que nos leva à experiência de dizer tu não é mais o impulso

da criatividade, mas aquele da solidariedade” (Buber, 2004, p. 166).9

Sendo assim, o ato educativo do homem, que segue os princípios da filosofia

dialógica buberiana, edifica-se no encontro entre seres humanos considerados

como seres de relação. Martin Buber anuncia uma educação que tem como

projeto fundamental a formação de uma nova sociedade, construída no alicerce

da solidariedade.

Nesse sentido, uma pergunta é necessária: como é possível vivenciar o princípio

dialógico do ato educativo no âmbito escolar? Na tentativa de uma resposta a

essa indagação, identificamos, na reflexão de Martin Buber, dois pontos chaves: a

não opressão da espontaneidade do educando e a fundamental intervenção

cuidadosa do educador.

Diante da espontaneidade criadora do educando, existem educadores que agem

impondo rígidas regras a serem seguidas passo a passo. Isso proporcionará ao

educando, por sua vez, um horizonte de ação restrita, podendo ser esse um

motivo capaz de levá-lo a uma contestação. Martin Buber apresenta a influência

do educador gerida de modo diferente. Sua influência deverá ser de forma

9 Tradução nossa: “Ciò che ci conduce all‟esperienza di dire tu non è più l‟istinto della creatività,

ma quello della solidarietà”.

Page 30: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

29

delicada e cautelosa, como um olhar de interrogação que penetra o agir

espontâneo do educando, percebida como uma sinalização que o conduzirá a

intuir ou perceber a influência crítica do educador e o seu papel de guia.

Na relação entre educador e educando, localiza-se a coexistência de um terceiro

elemento: o mundo que os circunda (entendido como natureza e sociedade).

Martin Buber constata que o mundo exerce uma forte ação educadora sobre o

homem. E mais ainda: é na relação do homem com o mundo que ele se torna

pessoa. O processo educativo entre educador e educando se dá nessa relação.

O ato educativo é intencionalmente conduzido pelo educador, que seleciona uma

parte de mundo em que confia plenamente, transmitindo-a ao educando. O

educador diante do educando é a representação desse mundo: “somente no

educador o mundo se torna o verdadeiro sujeito de seu agir” (BUBER, 2004, p.

168).10

Diante do exposto, observamos no ato educativo vivido no âmbito escolar, o

educador tornou-se o personagem de profunda influência na vida do educando.

Sua ação intencional que seleciona do mundo aquilo em que acredita, age

diretamente em cada educando levando-o a responsabilizar-se por sua

capacidade de sociabilidade e, consequentemente, por sua capacidade de

transformação da sociedade.

Referindo-se à ação do educador, fundamentada não no ato de intromissão diante

da espontaneidade do educando, mas por meio de um olhar interrogativo, Martin

Buber analisa o sentido que normalmente é atribuído à liberdade vivida no ato

educativo. À liberdade, enquanto conceito amplo, somam-se várias

manifestações: sentido moral, ausência de impedimentos e limites, força de

decisão, possibilidade de realização. Martin Buber constata que, no âmbito

educativo, a tendência é relacionar a coação como o ponto oposto à liberdade.

Porém, não identifica a liberdade como sendo o antagônico da coação, mas vê na

solidariedade seu oposto.

10

Tradução nossa: “solo nell‟educatore il mondo diventa il vero soggetto del proprio agire”.

Page 31: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

30

Explica essa afirmação fazendo uma analogia com dois pólos extremos: o pólo

negativo é a coação; o pólo positivo a solidariedade. A liberdade está localizada

entre esses dois extremos, constituindo, assim, o ponto de passagem de uma

situação à outra; é um impulso de decisão. A pessoa para unir-se a uma

realidade, primeiramente precisa ter-estado-em-si-mesma e, por meio de sua

capacidade de decisão, estabelecer vínculos.

Martin Buber especifica: “coação, na educação, é falta de solidariedade, é

humilhação e revolta; solidariedade, na educação, é realmente, estar unidos,

abertos e envolvidos; liberdade na educação significa possibilidade de tornarem-

se solidários” (idem, 2004, p. 170).11

A prática da liberdade como possibilidade de ser solidário, segundo o sentido

atribuído por Martin Buber, torna-se uma chance para cada educando de exercitar

a própria capacidade de escolhas; de exercer de modo sempre mais consciente

sua responsabilidade com os outros e com o mundo.

A relação educativa, em uma perspectiva buberiana, é uma relação

fundamentalmente dialógica, estabelecida no vínculo de confiança com o mundo

por meio de um ser humano existente. No processo educativo, o educador deverá

tornar-se presente ao educando, pois é a garantia de sua presença que o fará

capaz de experimentar a confiança.

Diante das pontuações referidas de Martin Buber sobre a força educativa do

mundo, mediada pela ação do educador voltada ao educando, uma educação

baseada nos princípios dialógicos poderá ser construída somente a partir de um

vínculo de confiança instituído entre ambos.

A fim de que o educador seja uma presença na vida do educando, é preciso,

primeiramente, que ele acolha em sua existência a presença do educando,

consciente de ser ele a mediação na relação de solidariedade e de

responsabilidade do educando com o mundo. É no acolhimento recíproco que a

relação educativa se constitui como dialogicidade, em uma constante presença de

11

Tradução nossa: “Costrizione, nell‟educazione, è mancanza di solidarietà, è umiliazione e rivolta; solidarietà, nell‟educazione, è proprio l‟essere uniti, aperti e coinvolti; libertà nell‟educazione significa possibilità di diventare solidali.”

Page 32: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

31

um para o outro. “Então, entre os dois, há realidade, reciprocidade” (idem, 2004,

p. 178).12

O educador deverá partir da condição de reciprocidade para evitar que a sua ação

se torne arbitrária. Ao atuar como mediação do mundo, o educador não terá como

ponto de partida suas ideias sobre cada educando, mas sua primeira ação será

aquela de colocar-se no lugar de cada um, a fim de reconhecê-lo na sua

unicidade. Essa relação educativa, como prática dialógica entre educador e

educando, fundamenta-se somente na experiência vivida, porém, de modo

unilateral.

Mesmo que o educador passe a experimentar em si uma constante acolhida da

realidade do educando, percebendo sua própria ação ao colocar-se no lugar do

educando, experimentando o ser educado do educando, ele será o único capaz

de vivenciar esta possibilidade de situar-se dos dois lados da situação em

comum. O educando não poderá experimentar o educar do educador, colocando-

se em seu lugar, porque se assim acontecer, nesse momento se romperia a

relação educativa, podendo se transformar em relação de amizade.

Nessa paradoxal relação educativa, o educador poderá discernir aquilo que

realmente o educando necessita no seu processo de tornar-se pessoa: “o

educador chega a conhecer sempre mais profundamente aquilo do qual o homem

precisa para se tornar tal; mas também chega a conhecer quanto ele, o

„educador‟, ainda pode dar” (idem, 2004, p. 181).13 E, nessa experiência, o

educador como instrumento é também educado pela seleção que faz do mundo a

fim de representá-lo ao educando.

Essas pontuações de Martin Buber, sobre o ato educativo como vivência de

reciprocidade e de solidariedade, remetem-nos à proposta de educação de Paulo

Freire, definida como um encontro dialógico entre educador e educando.

Paulo Freire apresenta ser o educador não somente aquele que educa, mas

também como alguém que é educado no diálogo com o educando. Ambos,

12

Tradução nossa: “Allora tra i due c‟è realtà, reciprocità.” 13

Tradução nossa: “l‟educatore giunge a conoscere sempre più profondamente ciò di cui l‟uomo ha bisogno per divenire tale; ma anche a conoscere quanto egli, l‟ «educatore», può ancora dare.”

Page 33: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

32

educador e educando, são sujeitos no processo educativo. Nessa perspectiva,

não há educador do educando, mas educador-educando com educando-

educador. Juntos são chamados a conhecer, pois, “ninguém educa ninguém,

como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em

comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2005, p. 79).

1.3 Paulo Freire e a compreensão do homem como ser de educabilidade em

um mundo de possibilidades

Nas obras de Paulo Freire, encontra-se um pensamento inquieto em torno do

homem, de suas relações com o mundo e com o outro. Dizer homem, para Paulo

Freire, é referir-se ao homem em situação, ou seja, é compreender a natureza

humana, constituindo-se sócio-historicamente. Assim sendo, buscar compreender

sua concepção sobre o fenômeno do diálogo significa olhá-lo em sua articulação

com a realidade concreta de sociedade e de educação de onde seu pensamento

emerge.

Paulo Freire, constatando situações de desrespeito ao valor humano, explicitou o

drama em que se encontrava o homem, em uma determinada circunstância

histórica, diante da qual colocou esse ser humano como problema e objeto de

reflexão. Em uma nota de rodapé de sua obra mestra, Pedagogia do Oprimido

(2005), ele aponta as inquietações dos homens na busca de humanizar-se:

Os movimentos de rebelião, sobretudo de jovens, no mundo atual, que necessariamente revelam peculiaridade dos espaços onde se dão, manifestam, em sua profundidade, esta preocupação em torno do homem e dos homens, como seres no mundo e com o mundo. Em torno do que e como estão sendo. Ao questionarem a “civilização do consumo”; ao denunciarem as “burocracias” de todos os matizes; ao exigirem a transformação das universidades de que resultem, de um lado, o desaparecimento da rigidez nas relações professor-aluno; de outro, a inserção delas na realidade; ao proporem a transformação da realidade mesma para que as universidades possam renovar-se; ao rechaçarem velhas ordens e instituições estabelecidas, buscam a afirmação dos homens como sujeitos de decisão, todos estes movimentos refletem o sentido mais antropológico do que antropocêntrico de nossa época (FREIRE, 2005, p. 31 – grifos do autor).

Page 34: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

33

Ao apresentar os movimentos de rebeliões como significado de oposição à

desumanização no percurso histórico da humanidade, Paulo Freire faz emergir o

questionamento dos homens sobre o sentido de sua existência, que vai do o quê

e como estão sendo para compreender o porquê e para que dos fatos e da

existência.

Essas inquietudes acerca da desumanização, impulsionando a própria

humanidade a buscar caminhos de humanização, levam a confirmar o que Paulo

Freire define por vocação humana como busca de ser mais, ou seja, apontam, de

modo implícito, à compreensão do ser humano enquanto devir, existindo

enquanto projeto. Os seres humanos são seres da busca e sua vocação

ontológica é humanizar (idem, 2005).

Por tudo isso, compreender a condição humana enquanto ser mais, é reconhecê-

lo como ser em movimento, inconcluso, historicamente inacabado, na contínua

busca em um mundo de possibilidades. Desse mesmo modo, a “ordem” social na

qual se insere é concebida como processo histórico em constante transformação,

opondo-se ao pensamento que a define como algo dado, naturalizado.

Cabe aqui indicar que diante dessa sua afirmação sobre o homem enquanto ser

inconcluso em um mundo inacabado, Paulo Freire supera, seja uma visão

determinista objetivista que leva a compreender o homem como objeto da história,

seja uma concepção subjetivista que atribui ao homem o poder exclusivo de

domínio sobre as circunstâncias da realidade.14

Tanto erra o idealismo ao afirmar que as idéias separadas da realidade governam o processo histórico, quanto erra o objetivismo mecanicista que, transformando os homens em abstrações, nega-lhes a presença decisiva nas transformações históricas (FREIRE, 2006, p. 75).

Desse modo, compreende-se que é na relação que o homem vive com o mundo,

na interação entre subjetividade e objetividade que seu pensamento se instaura.

O homem, partindo das condições de vida com as quais interage, é capaz de

transformar o mundo pela sua ação intencional sobre ele, humanizando-o.

14

A esse respeito, Martin Buber concebe o homem existindo não como indivíduo isolado de seu contexto e nem unido a ele como sua imagem, mas em relação, pois compreende a condição humana realizando-se no encontro do Eu-Tu, vivido como presença no mundo do Eu-Isso.

Page 35: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

34

Dito de outra forma, e agora reportando também as próprias palavras de Paulo

Freire, é no envolvimento ativo e consciente do homem com as circunstâncias

objetivas que nasce o mundo humano, o mundo da cultura:

O homem, como ser de relações, desafiado pela natureza, a transforma com seu trabalho; e que o resultado desta transformação, que se separa do homem, constitui seu mundo. O mundo da cultura que se prolonga no mundo da história (FREIRE, 2006, p. 65).

Na interação homem-mundo, o homem cria, por meio de seu trabalho, o seu

mundo, o mundo da cultura. Esse mundo cultural faz-se histórico ao tornar-se

mediação no encontro entre homens. Um encontro que transcende épocas.

Nessa direção, o mundo tornado objeto de conhecimento, não se faz finalidade de

pensamento, mas mediador de comunicação.

O mundo torna-se objeto de reflexão humana por meio da capacidade do homem

de objetivá-lo em sua consciência15. Nesse processo, ele é criado e recriado

intencionalmente pela práxis do homem, enquanto atuação sustentada pelas suas

necessidades e intenções.

Assim sendo, o mundo cultural e histórico é uma realidade em contínuo processo

de transformação. É por esse motivo que Paulo Freire contextualiza sua ideia de

ser humano não estando sobre ou dentro do mundo, mas com ele, pois ao

transformá-lo, o mundo se volta problematizado para o homem, transformando-o.

Compreende-se, portanto, que a consciência do homem existe em concomitância

com o mundo; por meio das tramas de relações e interações em que vive com

ele. Intenciona-se ao mundo e o mundo, realidade exterior à consciência, existe

em relação a ela:

Na verdade, não há eu que se constitua sem um não-eu. Por sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído. Dessa forma, o mundo constituinte da consciência se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona (FREIRE, 2005, p. 81 – grifos do autor).

15

Ernani Maria Fiori, na introdução da obra de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido (2005), assim conceitua a consciência: “a consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes. É a presença que tem o poder de presentificar: não é representação, mas condição de apresentação. É um comportar-se do homem frente ao meio que o envolve, transformando-o em mundo humano” (FIORI, 2005, p. 13).

Page 36: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

35

Nesse prisma epistemológico, em que se concebe inexistente a separação entre

homem-mundo, a consciência não pode ser entendida como algo presente no

homem na qualidade de um espaço localizado dentro dele, passivamente aberto

ao mundo para ser preenchido, restando ao homem imitar esse mundo

assimilado.

Pelo contrário, sendo homem-mundo uma relação intimamente interligada, a

consciência que o homem tem do mundo corresponde àquilo que se torna

presente a ele de modo objetivado. Dessa forma, o mundo tornado objeto de seu

conhecimento é reconhecido por ele impregnado de significados que lhe atribuiu,

e essa experiência Paulo Freire define como pronúncia do mundo.

Cabe também enfatizar que a tomada de consciência não é um processo de

caráter individual, mas sim social. Ela não se dá no homem isolado, mas na trama

de relações que ele estabelece com os outros homens e com o mundo, tornando-

se processo de conscientização, por colocar cada homem de forma crítica diante

da totalidade em que se dão as tramas de relações que os condicionam.

É nessa perspectiva que Paulo Freire identifica o homem não como um ser

determinado pelo mundo, mas condicionado por esse. Com efeito, o mundo

humano criado pelo homem reincide sobre ele condicionando-o. Valter M.

Giovedi, em sua dissertação de Mestrado, ao aprofundar sua temática de estudo,

sintetiza, na seguinte frase, a complexidade do pensamento de Freire quanto à

relação homem-mundo:

O ser humano é o mundo, ao mesmo tempo em que é a sua negação (na medida em que possui uma subjetividade). O mundo é o que o ser humano faz, ao mesmo tempo em que é uma realidade maior que nega a possibilidade de ser reduzido a uma subjetividade. Mundo-consciência, realidade-indivíduo é uma unidade dialética na qual os dois pólos não podem nunca se reduzir um ao outro, sob a pena de se ter uma compreensão distorcida da História humana (GIOVEDI, 2006, p. 73).

Quanto mais os homens praticam sua capacidade de refletir sobre si e sobre sua

relação com o mundo e com o outro, maior será o campo de sua percepção,

enxergando coisas que antes, mesmo se existentes, não eram percebidas por

eles. E, compreendendo a si mesmo no inacabamento, o homem perceber-se-á

como ser de educabilidade. Intencionado ao aprendizado, será capaz de captar a

Page 37: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

36

realidade como processo contínuo de vir-a-ser e de, nesse âmago, ir além de

seus condicionamentos; de exercer escolhas e mudanças.

No percurso histórico da humanidade, é possível identificar, porém, homens

perdendo sua capacidade de decisão e de resposta: pessoas submetendo-se

passivamente à prescrição de um mundo narrado16 por outras que detêm maior

possibilidade econômica.

Paulo Freire analisa e denuncia essa situação de imposição vivida por pessoas

que perderam sua condição de sujeitos ativos da própria história, tornando-se

objetos passivos de uma “ordem” social que as exclui do chamado a conhecer, a

saber, a questionar, a decidir, a transformar.

Diante da negação da humanidade em seu percurso histórico, Paulo Freire

apresenta em seus escritos um profundo compromisso com a vida, propondo uma

política educacional a serviço da valorização do homem em suas capacidades e

possibilidades.

Pode-se dizer que todo processo educativo, por emergir das necessidades da

sociedade, é político: age na intenção de transformar. A proposta educacional de

Paulo Freire centraliza-se na atuação política voltada a gerar posturas críticas

perante as circunstâncias do mundo, tendo a dialogicidade como teoria

fundamental. Visa analisar concretamente os condicionamentos históricos de

exclusão social para a superação da negação do diálogo entre homens. Indica a

importância da valorização da ação reflexiva de cada pessoa como possibilidade

problematizadora17 em sua relação com o mundo e com o outro.

O diálogo, explicitado por Paulo Freire enquanto comunicação com alguém sobre

alguma coisa, a fim de produzir ou reconstruir conhecimento, não pode instaurar-

16

A narração ou também dissertação do mundo são expressões que Freire utiliza a fim de denunciar as experiências de caráter deterministas de pessoas que apresentam a outras, conteúdos próprios tido como verdade absoluta, ausentes da participação dialógica com o interlocutor. Por isso, esses são conteúdos mortos em seus valores e dimensões concretas por serem parciais a respeito da realidade, podendo provocar, na ausência de reflexão crítica, uma visão de mundo naturalizada, irrefletida, cristalizada. A narração ou dissertação, em síntese, é de um sujeito narrador a pessoas tornadas objetos passivamente ouvintes. 17

O ato humano de problematizar significa para Paulo Freire a experiência de exercer uma análise crítica sobre a realidade tornada problema.

Page 38: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

37

se na negação da vocação humana de ser mais, porque não se fundamenta na

ação de um homem sobre o outro, mas na comunicação entre homens

solidarizando saberes e “achados” a fim de transformar não o outro, mas, com

ele, o mundo.

Martin Buber, em relação ao modo de relacionar-se entre pessoas, indica que o

outro, entendido como um Tu, é considerado no encontro ora como meio, ora

como fim. Há vários modos de viver a relação Eu-Tu que se distancia do Eu-Isso:

existem momentos em que o Tu se torna meio necessário na relação, como, por

exemplo, quando dele solicita-se uma ajuda, uma informação; em outros

momentos estabelece-se com ele uma total reciprocidade. Esse é um modo

respeitoso de ser-com-o-outro.

A dialogicidade exige que o homem se mantenha em uma relação de respeito

diante da liberdade do outro, ou seja, exige uma relação instituída não pela força

da opressão e submissão, mas pela capacidade de comunicabilidade que vai

além de um simples ajustamento e acomodação às ideias ou circunstâncias de

um mundo prescrito.

Essa situação de desumanização, presente na relação homem-mundo por uma

“ordem” social injusta, estabelece-se por meio de relações que Paulo Freire

denomina relações de opressão, que, por sua vez, geram uma realidade humana

oprimida.

Para superar essa situação de violência, Paulo Freire acredita que somente o

oprimido – por experimentar os efeitos da opressão e servindo-se deles como

objeto de reflexão em vista de perceber si mesmo e o outro como pessoa – terá

condições de recuperar a própria humanidade e a do opressor, na permanente

luta contra o sentido de inferioridade. Isso quando sua luta não provém do desejo

de dominação e da ambição de tornar-se opressor do opressor.

A proposta político-pedagógica freireana investe na luta contra o sentir-se não

ser, a fim de que toda pessoa possa assumir, de modo consciente e crítico, sua

responsabilidade pelo contínuo devir do mundo com o outro em um projeto de

Page 39: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

38

humanização. Isso nos remete ao sentido que atribui Martin Buber à

responsabilidade como ação de responder para e por alguém ou a algo.

Por fim, a experiência dialógica, segundo concepção freireana, impulsiona o

homem a investigar criticamente o mundo, problematizando sua relação com ele.

Isso se dá segundo um processo de ad-miração do próprio conhecimento, ou

seja, o homem volta-se para olhar como conhece e de que modo está

conhecendo. O conhecimento ad-mirado, ao tornar-se objeto de discussão na

troca com outros homens, é re-ad-mirado com eles. Essa experiência de

comunicabilidade poderá constituir para os ad-miradores um saber ampliado; um

conhecer melhor.

Essa proposta de Paulo Freire, de certa forma, corresponde às indagações de

Martin Buber sobre a origem do pensamento: criticou a concepção do

pensamento de forma prioritariamente monológica, que concebia a

comunicabilidade como seu elemento secundário:

Será que aqui – onde, como dizem os filósofos, o sujeito puro se desprende da pessoa concreta para fundar para si próprio um mundo e indagá-lo – será que se ergue aqui, acima da vida dialógica, uma cidadela inacessível a esta, na qual o homem, só consigo mesmo, o indivíduo, sofre e triunfa gloriosamente solitário? (BUBER, 2007, p. 60).

Para Paulo Freire, o mundo humano é um mundo de comunicação: “o mundo

social e humano, não existiria como tal se não fosse um mundo de

comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento humano”

(FREIRE, 2006, p. 65). Um conhecimento que se origina no encontro entre

pessoas e se faz histórico no diálogo. As ideias de Paulo Freire sobre a

dialogicidade humana é o foco para o qual voltaremos agora nosso olhar.

1.4 Dialogicidade freireana

Como se pôde constatar, o homem, ser de educabilidade, é ser de abertura,

devido à sua condição histórica de inacabado num mundo em construção.

Percebe-se, também, que a função gnosiológica do homem não se limita à

Page 40: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

39

relação do sujeito cognoscente com o objeto cognoscível, mas encontra na

intercomunicabilidade o seu fundamento.

Abrindo-se ao outro e ao mundo, o homem confirma sempre mais sua finitude por

deixar-se questionar e pôr a si mesmo questionamentos, na busca de sempre

mais respostas para o sentido de sua existência com o outro e com o mundo.

Nesse sentido, vale a pena reportar estas palavras de Paulo Freire:

A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referência pedagógica; a boniteza que há nela como viabilidade do diálogo. A experiência da abertura como experiência fundante do ser inacabado. Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas. O fechamento ao mundo e aos outros se torna transgressão ao impulso natural da incompletude. O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História (FREIRE, 1997, p. 153-154).

Enfatiza sua concepção de homem enquanto ser de curiosidade18 que busca

perceber e compreender o mundo, e isso, como já dito acima, não se dá no

isolamento, mas na sua capacidade de colocar-se em relação, instaurando-se

como ser de diálogo.

A aptidão humana de compreender o mundo se amplia cada vez mais a partir do

desenvolvimento da capacidade de pronunciá-lo, e o mundo só é mundo se dito

por alguém. As trocas entre os homens efetivam-se pelo diálogo. Desse modo,

quanto mais os homens envolvem-se em experiências de trocas de ideias, de

opiniões, de conhecimentos, mais ampliam sua capacidade de dar sentido à sua

compreensão de mundo.

É no encontro entre os homens, mediatizados pelo objeto de conhecimento, que

eles ampliam suas habilidades de compreensão de mundo e de si mesmo. Aos

poucos, sua compreensão sobre uma ocorrência, ou um fato, assume aspectos

sempre mais amplos, alargando-se, de algo isolado a um todo mais complexo.

Nessa experiência, amplia-se seu olhar crítico sobre a realidade; amplia-se sua

capacidade de abertura ao outro, ao diferente; amplia-se sua inclinação a

18

Sobre o conceito de curiosidade ver FREIRE, Paulo. A sombra desta mangueira. São Paulo. Olho d‟Água, 1995, p. 76-82.

Page 41: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

40

contextualizar seu próprio conhecimento. Quanto mais há separação da realidade,

mais há alienação da mesma.

Não há diálogo se não há compromisso com a pronúncia do mundo. O diálogo

não acontece quando o encontro entre homens é atuado por uma conquista de

um pelo outro, no desejo de conquistar o mundo pelo domínio entre homens, mas

quando o encontro entre eles, direcionados ao mundo, institui-se na

solidariedade.

Em Educação como prática da liberdade (1994), Paulo Freire assim define

diálogo:

E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 1994, p.115).

Nesse trecho, o fenômeno do diálogo, enquanto reflexão crítica do real, aparece

relacionado a um conjunto de valores sem o qual não é possível a sua ocorrência:

o diálogo concretiza-se em atos de amor, de humildade, de fé, de confiança, de

esperança.

É ato de amor por não ser experiência voltada a interesses próprios, mas sim

expressão de compromisso com os homens e com o mundo. Martin Buber

também apresenta a dimensão do amor como algo que abrange o diálogo,

enquanto movimento que leva para fora de si: o amor se constitui no sair-de-si-

em-direção-ao-outro para permanecer-junto-com-o-outro. Segundo Paulo Freire, o

amor ao mundo e aos homens está no fundamento da criação e recriação do

mundo como processo de humanização. Esse amor é condição de emancipação

entre os homens chamados a serem sujeitos da história na responsabilidade pelo

mundo.

Ser humilde é um valor importante na atitude dialógica por levar o ser humano a

perceber o outro tão homem quanto si mesmo. Com a humildade os homens não

buscam agir sob soberba, pois passam a entender que ninguém é superior a

ninguém. E o diálogo é incompatível com a auto-suficiência e com a supremacia.

Page 42: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

41

A humildade entre pessoas exige uma postura de horizontalidade. O homem

reconhece ter direitos e deveres tanto quanto os outros homens; de saber-se

crítico ou ignorante tanto quanto outros; de saber-se possuidor de saberes e

verdades tanto quanto outros homens. É saber que a pronúncia do mundo é

tarefa de todos, e não exclusividade de alguns.

A fé nos homens, dado a priori do diálogo, fundamenta-se na vocação de ser

mais. Acredita-se na possibilidade de cada homem de ser mais livre, de ser mais

crítico, de ser mais criativo, de ser mais transformador. Portanto, ter fé nos

homens é uma escolha vivida antes mesmo de estar diante de um outro.

Confiar nos homens é ter a capacidade de ser concretamente companheiro no ato

de pronunciar o mundo, buscando coerência entre aquilo que se faz com aquilo

que se fala. Por meio da confiança, chega-se à maior clareza nas trocas de

intenções. A confiança é experiência posterior ao diálogo, resulta do encontro

entre homens como sujeitos na pronúncia e na transformação do mundo.

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é consequência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos (FREIRE, 2005, p. 94 – grifo do autor).

O homem traz na sua imperfeição a busca de querer ser mais. Assim, ter

esperança não deverá ser uma atitude de acomodação mediante uma visão

fatalista do real, mas levará a lutar por uma sociedade menos injusta e mais

humana. Viver com esperança é nutrir-se de um impulso vivo de otimismo

radicado na consciência de ser, com outros homens, inconcluso, portanto, em

busca permanente: “Não é possível buscar sem esperança; nem, tampouco, na

solidão” (FREIRE, 1995, p. 87).

O diálogo, enquanto fenômeno humano, fundamenta-se na palavra, afirma Paulo

Freire. Em suas considerações em torno do que vem a ser o diálogo, apresenta a

ocorrência de dois tipos de pronúncia da palavra: a palavra verdadeira e a palavra

inautêntica. A palavra verdadeira age voltada à transformação do mundo. Seus

elementos constitutivos, ação-reflexão, como dimensões essencialmente

interligadas, transformam o mundo. A inautenticidade da palavra impossibilita uma

Page 43: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

42

experiência dialógica. Quando suas dimensões constitutivas são dicotomizadas, a

palavra perde seu caráter transformador, configurando-se em formas inautênticas

de existência. Ação separada da reflexão torna-se ativismo; reflexão sacrificada

da ação faz-se verbalismo.

Agir sobre o outro na intenção de conquistá-lo acaba por transformá-lo em quase

coisa, em um Isso. O diálogo, pelo contrário, é a busca entre pessoas

consideradas autores de vida enquanto sujeitos que participam ativamente na

construção de conhecimento. Nota-se aqui, explicitamente, a influência de Martin

Buber no pensamento freireano:

O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não eu –, esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu (FREIRE, 2005, p. 192 – grifos do autor).

No decorrer deste estudo, percebemos como Paulo Freire enfatiza a práxis

humana enquanto fundamento de sua proposta político-pedagógica. De fato, a

práxis é uma dimensão do homem composta de ação-reflexão. De um lado, a

reflexão conduz à prática e, do outro, por ser ela fruto da ação, produz

conhecimento crítico do vivido.

Não uma reflexão apenas solitária, mas junto com os outros: solidária. Paulo

Freire apresenta a co-laboração como uma das características fundantes da ação

dialógica. Co-laborar é trabalhar conjuntamente. É atividade vivida somente entre

sujeitos por meio da comunicação. Os sujeitos, na experiência de desvelar a

realidade que os desafia, porque problematizada por eles, respondem a esse

desafio transformando-a.

Essa ideia de co-laboração, que tem por fundamento a comunhão entre homens,

encontra correlação na concepção de comunhão apresentada por Martin Buber,

enquanto encontro entre uma pessoa receptiva e outra também receptiva. Para

ele, a comunhão é o meio de corporificar a condição dialógica: “na realidade só

posso demonstrar aquilo que tenho em mente por meio de acontecimentos que

desembocam numa verdadeira transformação da comunicação em comunhão,

portanto numa corporificação da palavra dialógica” (BUBER, 2007, p. 37).

Page 44: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

43

A dialogicidade gera unidade entre pessoas. No exercício da tarefa comum, Paulo

Freire explicita ser fundamental, a fim de que a teoria da ação dialógica seja

duradoura, que os homens, comprometidos com o mundo e com o outro, sejam

constantes no testemunho mútuo da coerência entre palavra e ato, da ousadia

diante de riscos, da radicalização na opção feita, da valentia de amar, da crença

nos homens.

Por fim, faz-se indispensável acrescentar nessas considerações em torno do

diálogo o papel da escuta e da fala. É escutando que se aprende a falar com o

outro e não a ele. Falar aos outros é uma relação estabelecida de cima para

baixo, impositiva, considerando o outro como objeto de seu discurso. Pelo

contrário, aprende-se a escutar o outro quando ao falar com ele se é também

capaz de fazer silêncio, entendido aqui como explicitação da própria condição de

abertura. A esse respeito pontua Paulo Freire:

A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental. De um lado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito e não como objeto, a fala comunicante de alguém, procure entrar no movimento interno do seu pensamento, virando linguagem; de outro, torna possível a quem fala, realmente comprometido com comunicar e não com fazer puros comunicados, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou. Fora disso, fenece a comunicação (FREIRE, 1997, p. 132 – grifos do autor).

Para saber escutar é preciso primeiramente controlar a necessidade de dizer sua

palavra, para que tendo o que dizer não seja o único a dizer. Dialogar é saber

conviver com diferenças. “Se a estrutura do meu pensamento é a única certa,

irrepreensível, não posso escutar quem pensa e elabora seu discurso de outra

maneira que não a minha” (FREIRE, 1997, p. 136).

A condição de encontro entre pessoas mediado pelo objeto de conhecimento é

tida por Martin Buber como um acontecimento gerador de comunidade, já que a

compreende como relação mútua de reciprocidade entre pessoas voltadas a um

centro comum. Não é um estar-ao-lado-do-outro, mas estar-um-com-o-outro se

movimentando em direção a um objetivo.

Foi possível notar que a dialogicidade freireana, que aqui apresentamos,

aproxima-se do pensamento buberiano sobre o diálogo: vive-se no encontro com

Page 45: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

44

o outro as dimensões da reciprocidade; manifesta-se amorosidade, confiança e

solidariedade; dá-se importância à comunicabilidade.

A interação estabelecida com o pensamento de Martin Buber e de Paulo Freire,

na elaboração deste capítulo, conduziu-nos ao aprofundamento da filosofia do

diálogo na busca de verificar suas contribuições que dêem fundamentos político-

pedagógicos a uma educação que valorize a compreensão das relações como

dimensão significativa no processo de formação humana.

Nesta pesquisa de dissertação de Mestrado, voltamo-nos a interrogar como

gestores, educadores e representantes de uma comunidade, compreenderam o

fenômeno do diálogo enquanto participavam de um processo de construção

coletiva do projeto político-pedagógico. O próximo capítulo apresenta a

concepção de projeto político-pedagógico que adotamos para este estudo.

Page 46: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

45

CAPÍTULO 2

O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E SUA CONSTRUÇÃO COLETIVA

O processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico foi a situação

pela qual os participantes deste estudo se voltaram para interrogar, compreender

e descrever sua compreensão sobre o diálogo. Neste capítulo, apresentamos em

que consiste um projeto político-pedagógico, buscando também o sentido contido

nas palavras que o denominam. O capítulo finaliza-se com um relato do percurso

de uma construção coletiva, vivenciada pelos participantes desta pesquisa.

2.1 Em que consiste o projeto político-pedagógico?

A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), lei nº9394/96, apresenta

duas denominações a uma mesma iniciativa: “proposta pedagógica” e “projeto

pedagógico”. (BRASIL, 1996) Neste estudo, adotamos a denominação projeto

político-pedagógico, por ser a mais utilizada nas pesquisas atuais e que melhor

explicita o sentido que atribuímos ao objeto ao qual nos voltamos.

A LDB estabelece que cada organização educativa elabore o seu projeto político-

pedagógico:

Art. 12 – Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I – elaborar e executar sua proposta pedagógica; (BRASIL, 1996).

Cada escola possui uma história, o seu modo de vida, um conjunto de seus

currículos, de seus métodos. Tudo isso constitui o seu instituído, a partir dele se

elabora planos para o desenvolvimento das atividades. Gadotti (2000) indica que

“um projeto necessita sempre rever o instituído para, a partir dele, instituir outra

coisa: tornar-se instituinte” (GADOTTI, 2000, p. 35 – grifo do autor). Dessa forma,

Page 47: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

46

um projeto político-pedagógico visa confrontar o “já estabelecido” com as novas

exigências da escola como, por exemplo, o seu papel no atual contexto da

sociedade, já que ela se volta a formar para a cidadania.

O projeto político-pedagógico é, pois, uma intencionalidade declarada, a direção

política da escola. Nesse sentido, é “sempre um processo inconcluso, uma etapa

em direção a uma finalidade que permanece como horizonte da escola” (idem,

2000, p. 36). Em uma gestão democrática, todos da comunidade escolar

participam da constituição dessa intenção norteadora, responsabilizando-se por

ela.

Não há um modelo de projeto político-pedagógico, pois cada escola, respeitando

sua identidade e autonomia, constrói o seu, por meio da criatividade e do diálogo

entre seus protagonistas, delimitando concepções, princípios, finalidades,

condições, necessidades específicas. Essa é uma proposta que se apresenta na

forma de um documento escrito.

2.2 O sentido das palavras projeto político-pedagógico

A palavra projeto significa lançar para frente, arremessar. Quando construímos o

projeto político-pedagógico da escola, planejamos o trabalho que temos intenção

de realizar; refletimos sobre a situação atual da escola como um todo e de seu

contexto social; consideramos o caminho já feito até então; lançando o olhar para

o futuro, percebemos se há necessidade de mudanças e/ou de reforçar aspectos

do que já se vive; lançamo-nos na busca de meios possíveis, a fim de atingir

objetivos delimitados.

Avaliar e projetar a ação educativa da escola comporta movimento de

transformação entre pessoas. As ações que acontecem no interior da escola não

se eximem de sua missão de ser um importante lócus da formação permanente

do ser humano. Em função disso, o processo de construção coletiva do projeto

Page 48: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

47

político-pedagógico é uma experiência significativa de articulação entre teoria e

prática.

Projetar é um procedimento que se desdobra na temporalidade, flexível aos

limites e possibilidades de cada comunidade escolar. É ato de sistematização

nunca definitivo, pois está sempre se aperfeiçoando, enquanto a comunidade

educativa se aprimora na concretização da própria intenção educativa.

Essa é, pois, uma experiência humana que está exposta a desafios, incertezas e

instabilidades, advindos da comunidade educativa e de seu contexto amplo,

tornando-se um processo que exige paciência e coragem para prosseguir. Assim,

como afirma Schmidt Neto “lançar um projeto político-pedagógico requer vontade

de mudança, objetivos a alcançar, paciência, esperança no novo e coragem para

enfrentar desafios” (SCHMIDT NETO, 2007, p. 25).

O termo político, segundo o dicionário Houaiss (2007), refere-se ao conceito de

cidadão, relativo ao Estado, ao público; habilidade em administrar negócios

públicos; capacidade de viver em sociedade. O projeto de uma escola se faz

político por estar comprometido com a formação de cidadãos para uma

sociedade, habilitando-os a exercer o papel de participação nas decisões e leis

que regem o Estado.

Ao construirmos um projeto político-pedagógico devemos buscar meios que

possibilitem o envolvimento de toda comunidade educativa (educandos,

familiares, educadores, agentes educativos, representantes da comunidade,

coordenadores, diretor e vice-diretor), a fim de que, considerados enquanto

sujeitos de sua história, participem ativamente nas tomadas de decisões. A

autonomia da escola é construída somente a partir de uma gestão democrática.

Longhi e Bento (2006), por exemplo, evidenciam na participação de toda

comunidade escolar a possibilidade de entrever novas transformações na escola

e na sociedade.

Embora seja uma exigência legal que toda comunidade educativa participe na

construção do projeto político-pedagógico da escola, Schmidt Neto (2007) adverte

Page 49: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

48

que tal comprometimento, enquanto sentido democrático, não se garante somente

com a legislação, ele é para cada escola, uma conquista gradual, em que se faz

necessário criar condições dialógicas entre as pessoas envolvidas:

Por ser [o projeto político-pedagógico] um espaço de trabalho coletivo, a escola deve conquistar a democracia, e não ser conquistada por ela, e criar condições propícias para o diálogo e discussão de seus problemas, num exercício de escuta e de valorização da dignidade da pessoa (SCHMIDT NETO, 2007, p. 62).

Compreendemos, por isso, que a questão da participação da comunidade

educativa na construção do projeto político-pedagógico, concernente à atuação

democrática de pessoas diante de seu compromisso com a educação, não esteja

limitada à busca de melhor metodologia de participação, embora seja essa uma

atenção também necessária e importante.

Faz-se fundamental para essa proposição, estabelecer uma reflexão aprofundada

sobre a situação das pessoas da comunidade escolar, consideradas e instigadas

a se considerar não somente no papel desenvolvido (funcionários, familiares,

educandos), mas enquanto pessoas que estão se constituindo na relação com o

outro e com o mundo.

Schmidt Neto evidencia a importância de considerar a pessoa como sujeito nesse

processo, “que possui qualidades e defeitos; razões e sonhos; amor e desamor;

alegria e tristeza; sabedoria e ignorância” (SCHMIDT NETO 2007, p. 17). Ao

conceber o ser humano como ser complexo, constituído por um conjunto de

aspectos antagônicos e bipolares, indica que tal construção envolve o encontro

entre interesses e necessidades comuns e diversas de seus participantes e da

sociedade a qual se voltam.

Estudos indicam que essa atuação político-pedagógica, muitas vezes, é aplicada

na intenção de uniformizar pessoas, seguindo os critérios da maioria e/ou da

ideologia dominante da sociedade; na busca pelo consenso, excluem proposições

de uma minoria. Schmidt Neto (2007) adverte que, valorizar o sujeito no processo

de construção do projeto político-pedagógico, é um desafio voltado a priorizar a

convivência entre ideias contrárias, sem a necessidade de conciliar pólos opostos,

compreendendo-as não só como diferentes, mas também complementares.

Page 50: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

49

Nesse sentido, indica ser o convívio com o conflito uma dimensão importante, por

ser produtivo no encontro entre pessoas.

Algumas pesquisas (FONSECA, 2003; MARQUES, 2003; SILVA, 2003; VEIGA,

2003) apontam para a situação do projeto político-pedagógico, no contexto amplo

da sociedade brasileira, enquanto caminho árduo de descentralização política da

Educação, que constitui um processo de ideias conflituosas e de interesses

particulares. No entanto, diante da tendência histórica das forças políticas

autoritárias do governo, com imposição de poder e crescimento das

desigualdades sociais, constatam-se várias iniciativas em vista de transformar

essa situação. Escolas buscam, no apoio mútuo, o reconhecimento da dignidade

humana.

Acreditamos em uma gestão democrática da educação, que se contrapõe à ação

técnica de gerenciamento empresarial, vivida pelo comando e controle de

pessoas, por se constituir em ação político-pedagógica fundamentada na busca

de estabelecer comunicação dialógica entre as pessoas, compartilhando o

mesmo poder de tomada e de implementação de decisões.

A dimensão política, do projeto político-pedagógico, está imbricada na dimensão

pedagógica, já que é nela que a politicidade educacional se concretiza. O

pedagógico não se restringe a uma função técnica e metodológica, fundamenta-

se em finalidades e objetivos que são sócio-políticos, já que toda ação

pedagógica sempre expressa uma intencionalidade de valores e de opções

ideológicas.

Cada unidade escolar é parte de um organismo mais amplo: a sociedade, que

estabelece um sistema de ensino indicador de preceitos para uma educação

escolar. A composição de um sistema escolar é um todo formado por partes

distintas entre si, a partir do momento em que é respeitada a autonomia de cada

escola, propondo que elaborem e apliquem o seu projeto político-pedagógico.

Nessa direção, Rios (1992) explica o sentido de interdependência entre escola e

sociedade:

Não se trata de uma dependência absoluta ou de uma completa independência – o que existe é uma interdependência. É nessa

Page 51: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

50

situação que os educadores são desafiados a definir suas ações, a organizar os projetos. Os projetos que se organizam nas unidades escolares atenderão às exigências específicas de cada uma delas, levando em conta sua situação peculiar, mas também estarão conectados com outros projetos, com diretrizes que se definem em âmbito amplo do conjunto da sociedade (RIOS, 1992, p. 77 – grifo do autor).

A respeito do lugar e do papel da escola na sociedade brasileira, Severino (1998)

apresenta que a escola é, enquanto instância social, um espaço mediador e

articulador de dois tipos de projetos concernentes à dimensão educacional do

homem: o projeto político da sociedade e os projetos pessoais de cada sujeito

envolvido com a educação escolar. Isso porque define a educação como um

processo social, que se dá no espaço e no tempo, efetivado por mediações

simbólicas. A missão da escola é inserir o homem no universo do trabalho, da

sociabilidade e da cultura simbólica.

A escola tem um papel importante na construção da cidadania, seu projeto

educacional está vinculado ao processo histórico e social da humanidade. As

ações pedagógicas que os educadores exercem com os educandos estão

penetradas de finalidades políticas. O educador é o mediador no processo de

humanização do educando19, na formação de sua cidadania, servindo-se para

isso do projeto político da sociedade. A sociedade, por sua vez, por meio da

atuação de educador, encontra meios para concretizar seus fins políticos.

A transformação social, por meio do processo educacional, possibilita

compreender a educação, segundo Severino (2005), como uma realidade

mediadora de mudanças dos referenciais ideológicos que agem em benefício de

um pequeno grupo de pessoas, causando a opressão de muitos:

O processo educacional reforça a dominação na sociedade cujos mecanismos reproduzem, sem reelaboração, as referências ideológicas e as relações sociais. No entanto, contraditoriamente a educação pode criticar e superar esses conteúdos ideológicos e assim atuar na resistência à dominação da sociedade, contribuindo para relações político-sociais menos opressoras. Nessa medida torna-se uma prática transformadora (SEVERINO, 2005, p. 75).

O projeto político-pedagógico, sendo uma intencionalidade, constituída de

concepções, é o fio condutor que impede que a educação escolar do educando

19

Estudamos este aspecto de mediação do educador também no capítulo anterior, mais especificamente nas reflexões de Martin Buber, páginas 29-31.

Page 52: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

51

seja praticada de modo fragmentado, pela multiplicidade de sujeitos que compõe

a comunidade educativa. É por meio de um sujeito coletivo que se torna legítimo o

trabalho em equipe, promovendo interdisciplinariedade teórica e prática

(SEVERINO, 1998).

Cortella (2004) identifica três posturas, presentes na relação escola e sociedade.

Uma delas é conceber a escola como única “alavanca do desenvolvimento e do

progresso”, apresentando-se autônoma e absoluta em relação à sociedade, algo

exterior a ela, numa ingênua neutralidade política e social (CORTELLA, 2004, p.

31).

Outra postura é considerar a escola como um instrumento de dominação,

atribuindo à escola a função de reprodutora da desigualdade social, sendo o

educador um agente perpetuador dessa desigualdade. Nessa perspectiva, a

escola passa a ser considerada como um aparelho ideológico do Estado.

A terceira concepção refere-se à escola, além de reprodutora de injustiças, como

um instrumento de mudanças, ou seja, aponta para a “natureza contraditória das

instituições sociais e, aí, a possibilidade de mudanças; a Educação, dessa

maneira teria uma função conservadora e uma função inovadora ao mesmo

tempo” (CORTELLA, 2004, p. 135-136). Nesse caso, os profissionais da

educação assumem na escola um papel político-pedagógico, tendo como foco

formativo a construção coletiva do espaço escolar como um lugar de inovações.

É na proposta contra-ideológica, diante de uma sociedade marcada por interesses

particulares, que a escola se constitui em um ambiente de formação crítica. Nessa

abordagem, Veiga (2003) apresenta o projeto político-pedagógico, segundo duas

tendências: inovação regulatória ou inovação emancipatória.

É uma inovação técnica ou regulatória quando a busca é para perpetuar o

instituído. O projeto político-pedagógico constitui-se, assim, por um documento

pronto e acabado, provindo do conjunto de atividades técnicas voltadas a gerar

um produto que exclui as diversidades de ideias e interesses. Não pertence a

essa inovação uma participação coletiva na construção de concepções que

almejam ações mais contextualizadas e personalizadas.

Page 53: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

52

Em contrapartida, a inovação emancipatória ou edificante “procura maior

comunicação e diálogo com os saberes locais e com os diferentes atores e

realiza-se em um contexto que é histórico e social, porque humano” (VEIGA,

2003, p. 274). Nessa visão, o projeto político-pedagógico da escola torna-se uma

proposta de ruptura epistemológica com aquilo que é imposto pela sociedade

como pré-estabelecido ou pré-determinado, por considerar importante o

engajamento participativo de forma crítica e reflexiva da comunidade escolar, em

todas suas etapas de atuação e avaliação.

Segundo Gohn (2006), o processo de formação humana envolve três dimensões:

formal (desenvolvida na escola com conteúdos pré-estabelecidos), informal

(aprendida no processo de socialização com a família, com os amigos, no bairro)

e não-formal (se aprende no “mundo da vida”, sobretudo, em espaços e ações

coletivas). Essas dimensões constituem-se de modo diferente nos vários campos

em que se desenvolvem, apresentando diversidade de educadores, de espaço,

de modalidades, de objetivos, de atributos, de resultados esperados, de metas.

Se a educação for concebida na sua totalidade, isto é, na interação entre essas

três dimensões, promoverá sempre mais inclusão social, ação esta entendida

como possibilitar “formas que promovam o acesso aos direitos de cidadania, que

resgatam alguns ideais já esquecidos pela humanidade, como o de civilidade,

tolerância e respeito ao outro” (GOHN, 2006, p. 36).

Em suma, a missão do projeto político-pedagógico em organizar o trabalho

escolar, torna-se mais significativa se for fruto de uma gestão democrática; se

resultar de um processo de construção coletiva que assuma uma visão de

educação na sua totalidade; se compactuar uma mesma intencionalidade; se

confirmar a identidade da escola enquanto realidade que se distende em um

processo de vir-a-ser, flexível à vida da comunidade educativa e a de seu

contexto amplo.

Page 54: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

53

2.3 A importância do planejamento educacional

A busca de compreender o diálogo na construção coletiva do projeto político-

pedagógico levou-nos a perceber o homem enquanto ser que se realiza na

relação com o outro e com o mundo. O projeto político-pedagógico, constituído

como um espaço de trabalho coletivo, é realidade mediadora no encontro entre

homens envolvidos na ação educativa que interagem na intenção de refletir uma

ação humana que tem como finalidade o próprio homem.

Compreendemos, com Paulo Freire e com Martin Buber, que o homem, por ser

um ser inacabado, projeta-se continuamente na busca de ser mais. Os seres

humanos são um para o outro mediação no processo de “acabamento”.

A intencionalidade educativa escolar visa propor caminhos que interferem nesse

processo de realização humana. Para que essa atuação seja a melhor possível,

faz-se importante que os integrantes da comunidade educativa tenham, no

exercício da reflexão coletiva, uma boa base crítica, metódica e abrangente, a fim

de construir e efetivar o próprio projeto político-pedagógico, utilizando boas

estratégias para apreender possibilidades de ser e de compreender o homem e

sua situação no mundo da escola, do seu contexto e da sociedade.

No intuito de elucidar o processo educativo no seu caráter intencional, enquanto

realidade produzida pelo homem, Lorieri (1982) leva a compreender a reflexão

filosófica na prática do planejamento educacional como um instrumento de

fundamental importância relativa à atitude crítica e reflexiva do homem para

intervir no mundo de forma mais abrangente e melhor possível. Lembramos que

essa é uma prática que também permeia todo processo de construção e atuação

do projeto político-pedagógico.

Lorieri (1982) sintetiza sua ideia de planejamento educacional enquanto

Um processo através do qual se pode dar maior eficiência à ação educativa para alcançar, em um prazo determinado, um conjunto de metas estabelecidas. Compreende-se planejamento, antes de tudo, como um processo lógico que auxilia o comportamento humano racional na consecução de atividades intencionais voltadas para o futuro. Para

Page 55: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

54

um futuro mediato, ou seja, aquele que é previsto através do raciocínio e não para o futuro, apenas imediato, obtido pela prática do existir predominantemente sensorial (LORIERI, 1982, p. 69 – grifos nosso).

Nessas palavras, Lorieri (1982) apresenta o planejamento educacional

enfatizando a ideia de processo e de intencionalidade, conceitos esses já

explicitados anteriormente como dimensões centrais do projeto político-

pedagógico.

O planejamento, segundo autor, é constituído por quatro fases interligadas entre

si: conhecimento adequado da realidade de intervenção, de modo mais específico

a realidade dos seres humanos envolvidos na ação educativa; decisão enquanto

“cisão” com o vivido para buscar uma forma melhor de exercer a ação educativa

ou justificativas que fundamentem a situação atual, atribuindo valoração a certa

maneira de ser do homem; ação voltada a implementar ou efetivar as decisões

feitas sendo sempre acompanhada pela criticidade enquanto significação das

próprias ações; crítica entendida como processo de re-visão voltada a

acompanhar, a controlar e a avaliar a ação, gerando consciência de todo

processo.

Seguindo essas indicações, compreendemos que uma intervenção na realidade

mais adequada possível significa ao mesmo tempo produção de sentido, pois

“produzir o sentido do mundo e produzir o mundo são uma e única tarefa que diz

respeito a todos os seres humanos” (LORIERI, 1982, p. 84). E essa experiência

se faz na valoração da práxis entre homens que se encontram mediados pelo

mundo para produzir e reproduzir conhecimento humano.

Promover o diálogo no interno das atividades educativas é o esforço que todos

nós podemos fazer a partir do momento em que nos abrimos para perceber a

presença do outro, procurando trabalhar com ele. O projeto político-pedagógico é

uma das ocasiões de práxis humana designada a humanizar o mundo e o

homem: o encontro com o outro é possibilidade de ampliar os horizontes,

somando novos olhares, novas compreensões.

Page 56: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

55

No próximo item, conheceremos a experiência de construção coletiva do projeto

político-pedagógico elaborado pelos participantes desta pesquisa, como resposta

à demanda que levantaram sobre a realidade educacional.

2.4 Uma experiência de construção coletiva do projeto político-pedagógico

Como já mencionado na apresentação deste trabalho, a construção do projeto

político-pedagógico foi mediada por um Apoio à Gestão como parte do projeto de

pesquisa “Diálogo e Participação” da PUC-SP e da Labor, buscando no

referencial dialógico de Paulo Freire as bases epistemológicas para tal atuação.

Os encontros, dos quais participamos para a construção coletiva do projeto

político-pedagógico, foram somente aqueles com a presença do Apoio à Gestão.

Assim, as atividades que os educadores e gestores fizeram além dos encontros

com o Apoio à Gestão, não serão aqui mencionadas.

O processo de planejamento e estudo sobre o projeto político-pedagógico e sua

construção coletiva teve duração de dois semestres, tendo iniciado no segundo

semestre de 2007. Esse processo foi organizado em duas etapas. A primeira,

teve como objetivo estudar sistematicamente as partes componentes do projeto

político-pedagógico, bem como sua origem e sua finalidade. A segunda, refere-se

à construção coletiva desse projeto.

Na primeira etapa, elaborou-se um esboço do projeto político-pedagógico, que

teve como estrutura as orientações oferecidas pelo edital da Prefeitura. Na

segunda etapa, em que se construiu coletivamente o projeto político-pedagógico,

participaram cerca de quinze pessoas, representantes do CEI e do Agente Jovem

e da associação de moradores de bairro: gestão, coordenação, educadores,

funcionários da cozinha e representantes da comunidade e uma educanda do

Agente Jovem.

Nas duas etapas, não houve representação das famílias. Para contornar essa

dificuldade, o grupo escolheu marcar algumas assembléias com os familiares dos

Page 57: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

56

educandos do CEI e do Agente Jovem, a fim de explicarem o significado do

projeto político-pedagógico e apresentar o seu processo de construção coletiva

em andamento. Solicitaram, desse modo, a participação dos familiares nas

decisões e projetações sobre a educação escolar dos educandos.

O quadro que segue descreve os eixos orientadores da primeira etapa, que teve

duração de cinco meses.

Apresentações mútuas entre os representantes da comunidade

educativa e do Apoio à Gestão;

Discussão sobre a compreensão de projeto político-pedagógico;

Avaliação institucional;

Estudo de vários modelos de projeto político-pedagógico;

Pesquisa sobre a proposta do projeto político-pedagógico presente no

edital da Prefeitura;

Elaboração de um esboço do projeto político-pedagógico;

Planejamento de um encontro sobre concepção de criança e de

Educação Infantil;

Finalização da primeira etapa com um encontro entre gestores,

educadores e representantes da comunidade sobre concepção de

criança e de Educação Infantil. Esse encontro foi conduzido pelo

Apoio à Gestão e duas professoras da PUC-SP.

Page 58: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

57

Nessa etapa, as reflexões do grupo de representantes das organizações

educativas foram desenvolvidas na tentativa de delimitar um modelo de projeto

político-pedagógico que melhor correspondesse à identidade e necessidade das

duas organizações educativas: CEI e Agente Jovem. Para isso, foram

examinados modelos de projetos político-pedagógicos e aprofundadas as

orientações oferecidas pelo edital da Prefeitura sobre essa proposta voltada à

Educação Infantil. Para a maioria essa era uma temática nova, sendo os

encontros dessa fase identificados como propiciadores de novos conhecimentos.

Ter um coletivo maior para pensar em uma proposta de projeto político-

pedagógico de correspondência à realidade vivida e às metas a serem

planejadas, foi a preocupação central dos participantes dessa primeira etapa, na

busca do como envolver mais pessoas nessa construção. Foram convidadas

várias pessoas, mas como esse era um período de intensas atividades sociais

promovidas pela associação de moradores de bairro, decidiram planejar um maior

envolvimento para a segunda etapa.

Uma primeira experiência de ampliação das reflexões sobre o projeto político-

pedagógico como construção coletiva ainda na primeira etapa, foi envolver

educadores e funcionários do CEI e do Agente Jovem na partilha e

aprofundamento sobre a concepção de criança, bem como seus direitos e

deveres, a fim de avaliarem juntos a própria experiência e, ao mesmo tempo,

identificarem quais dimensões priorizar e/ou melhorar em sua proposta de

Educação Infantil. Com esse encontro concluiu-se a primeira etapa do processo

de construção do projeto político-pedagógico.

A segunda etapa, que foi a construção coletiva propriamente dita do projeto

político-pedagógico, ocorreu no segundo semestre de 2008, logo após um

período de recesso escolar, e teve por duração cinco meses. Segue um quadro

que relata os eixos orientadores dessa etapa.

Page 59: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

58

Os dois primeiros encontros da segunda etapa foram realizados ainda com o

grupo restrito de participantes. Retomaram o estudo feito na etapa anterior. Em

seguida, foi planejado um encontro com todos os profissionais do CEI, do Agente

Retomada da caminhada com a equipe da primeira etapa após o recesso

escolar;

Delimitação de um índice provisório do projeto político-pedagógico;

Definição do cronograma de construção coletiva do projeto político-

pedagógico;

Encontro com todos os educadores do CEI, profissionais do Agente Jovem

e representantes da comunidade: apresentação da proposta do projeto

político-pedagógico como construção coletiva.

Início da elaboração coletiva do projeto político-pedagógico com os

representantes do CEI, do Agente Jovem e da comunidade;

Construção do item: Histórico do CEI, do Agente Jovem e da associação

de moradores de bairro.

Realização do diagnóstico da situação atual e delimitação da “missão

futura”.

Delimitação dos valores que se pretende priorizar no processo educativo.

Elaboração dos objetivos pedagógicos e colocação de ideias sobre como

organizar o processo de ensino-aprendizagem.

Construção dos itens: Gestão e Plano de Ação;

Finalização do processo com churrasco.

Page 60: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

59

Jovem e de representantes da comunidade, a fim de apresentar a proposta de

construção coletiva do projeto político-pedagógico. Evidenciou-se sempre mais o

desejo de mais pessoas participando desse trabalho coletivo.

Esse encontro teve por objetivo apresentar o percurso de estudo sobre o

significado do projeto político-pedagógico e a sua importância enquanto

construção coletiva, que seria a experiência feita na primeira etapa culminando

em uma proposta de índice para o futuro projeto. Optou-se por orientar que cada

pessoa teria a liberdade de escolher se fazer parte ou não dessa construção

coletiva. Para facilitar a disponibilidade de tempo, foi proposto que os encontros

acontecessem aos domingos de manhã, uma ou duas vezes ao mês.

O diretor da associação de moradores de bairro foi a pessoa escolhida para

expressar o convite aos educadores, funcionários e representantes da

comunidade. Algumas pessoas optaram em participar já no mesmo instante,

demonstrando curiosidade em saber melhor o que seria essa proposta, outras

preferiram ter um tempo maior para refletir.

Os encontros de construção do projeto político-pedagógico aconteceram no

espaço do Centro comunitário. As reflexões sobre cada item e/ou atividade

aconteceram no coletivo. Os trabalhos aconteceram ora em pequenos grupos, ora

em um único grupo.

Cerca de quinze pessoas realizaram a construção coletiva do projeto político-

pedagógico e, dentre essas, onze pessoas aceitaram o convite para participar de

entrevistas para esta pesquisa.

Page 61: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

60

CAPÍTULO 3

A CONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO DE PESQUISA

Este texto apresenta as opções metodológicas que orientaram nosso

procedimento de investigação: definição da pesquisa enquanto abordagem

qualitativa; apresentação dos participantes; os procedimentos utilizados a fim de

interrogar e compreender a temática em estudo: qual a compreensão de diálogo a

partir da experiência de gestores, educadores e representantes de uma

comunidade que participaram da construção coletiva do próprio projeto político-

pedagógico, o qual teve como referencial a filosofia dialógica de Paulo Freire.

3.1 Abordagem da Pesquisa

Segundo definição de Lüdke e André (1986), referindo-se às reflexões de Bogdan

e Biklen, a pesquisa de abordagem qualitativa “envolve a obtenção de dados

descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada,

enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a

perspectiva dos participantes” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 13).

Este estudo desenvolve uma pesquisa qualitativa pelo seu tipo de interrogação:

compreender o sentido de diálogo expresso por gestores, educadores e

representantes da comunidade, que relataram sua experiência a partir das

condições históricas e sociais nas quais estavam envolvidos. Buscamos

compreender como se deu o fenômeno do diálogo por meio do sentido a ele

atribuído, sem a pretensão de generalizá-lo.

A abordagem qualitativa desta pesquisa justifica-se tanto pelo objetivo apenas

citado, quanto pela base epistemológica deste estudo: a compreensão do homem

Page 62: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

61

como ser de infinitas possibilidades, co-existindo na dialeticidade com o mundo

inacabado. Essa base epistemológica conduziu-nos a buscar continuamente a

interação homem-mundo de um contexto específico, na comunicação

estabelecida com os participantes da pesquisa.

Nossa compreensão da realidade em estudo não foi neutra, já que composta por

nossas concepções e valores, que orientaram a interpretação dos

acontecimentos. Confrontamos continuamente as interpretações e sentidos

atribuídos a essa realidade, verificando-as em conversas frequentes com os

participantes desse processo.

Outro aspecto, que caracteriza este trabalho como sendo uma pesquisa de

abordagem qualitativa, é ser este um estudo que teve como base a descrição feita

pelos participantes sobre sua compreensão de diálogo na construção do projeto

político-pedagógico, uma situação em que se buscou a prática dialógica entre

eles. Essa foi a situação pela qual interrogaram, compreenderam e descreveram

sua posição no mundo.

O primeiro passo de concretização da pesquisa de campo foi conhecer a região20

onde se localiza o CEI e o Agente Jovem, as propostas educativas que oferecem,

bem como as pessoas que deles fazem parte. Assim, acompanhar o processo de

construção coletiva do projeto político-pedagógico tornou-se uma ocasião propícia

para tal conhecimento, permitindo também aos participantes da pesquisa nos

conhecer melhor pela convivência prolongada na comunidade.

Durante o trajeto percorrido até chegar no local da primeira reunião com o Apoio à

Gestão, tivemos o primeiro impacto com essa nova realidade. A paisagem que se

apresentava aos nossos olhos: ruas estreitas, algumas sem asfalto; prédios com

apartamentos da Companhia Metropolitana de Habitação (COHAB) e da

Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo

(CDHU); pequenas casas de tijolos e barracões de madeira, distribuídos em

planícies e morros, que se encontravam com o verde da serra; em alguns trechos,

o esgoto a céu aberto.

20

Na apresentação desta pesquisa já tivemos a oportunidade de descrever o contexto social da

região da zona norte de São Paulo, e a realidade da comunidade à qual este estudo se volta.

Page 63: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

62

Ao chegarmos no local combinado para a primeira reunião, alguns educadores

estavam na calçada. Com uma cordial acolhida, orientaram-nos a entrar no CEI,

onde seria realizado o encontro.

O espaço do CEI é pequeno e de simples arquitetura. Logo ao entrar, há o

refeitório; na cozinha, pessoas da comunidade preparavam o café da manhã.

Quando nos apresentamos às pessoas que ali estavam e que também iriam

participar da reunião, uma educadora logo nos ofereceu café, convidando-nos

para partilhar essa refeição com eles.

Esse momento instaurou-se como experiência dialógica voltada ao conhecimento

recíproco, mediado por nosso interesse de estudo e pela necessidade que eles

apresentaram em querer saber construir, de modo coletivo, o próprio projeto

político-pedagógico.

Após o café da manhã, fomos para uma sala, que normalmente é usada como

sala da direção e da coordenação. Nessa reunião, como nas outras que se

seguiram, observamos e registramos as interações que os participantes

estabeleciam, entre si e entre a situação social do próprio contexto de vida ali

relatado.

Os encontros de construção do projeto político-pedagógico aconteceram ora no

CEI, ora no centro comunitário.

O espaço do centro comunitário, utilizado para a realização das atividades do

Agente Jovem e também da associação de moradores de bairro, está situado em

um quarteirão abaixo do CEI. É um espaço organizado em duas salas; existe

também um escritório. Uma das salas dispõe de computadores, mesas, cadeiras

e de uma pequena estante com livros. Na outra sala, estão colocadas cadeiras e

mesas para a realização de encontros formativos ou comemorativos, seja entre

jovens e educadores, seja entre membros da associação de moradores de bairro.

Page 64: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

63

3.4 Participantes

A escolha dos participantes desta pesquisa ficou limitada às pessoas envolvidas

com a educação escolar do CEI e do Agente Jovem, que foram compondo o

grupo que construiu o projeto político-pedagógico.

Durante a nossa participação nos encontros com o Apoio à Gestão, o presente

estudo foi tomando maior definição enquanto projeto de pesquisa. Assim, ainda

na primeira fase da construção coletiva do projeto político-pedagógico, expomos

para os presentes, no final de uma reunião com o Apoio à Gestão, nosso tema de

pesquisa: a compreensão de diálogo. As pessoas ali presentes expressaram ser

uma temática de interesse para eles, disponibilizando-se a colaborar.

Cada uma das pessoas que participavam dos encontros com o Apoio à Gestão

possuía diferentes funções nas organizações educativas, bem como tempo de

atuação. No intuito de obter maior diversidade no relato de experiência sobre a

compreensão de diálogo, estendemos o convite a todos os participantes do

processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico. Na primeira fase,

todos os envolvidos participaram da primeira entrevista, e, na segunda, outras

pessoas aderiram ao convite novamente feito. No total, foram onze pessoas que

fizeram o relato sobre a compreensão de diálogo durante a construção coletiva do

projeto político-pedagógico, nas entrevistas coletivas.

Um critério importante na escolha dos participantes é que eles tivessem

participado dos encontros com o Apoio à Gestão para a construção coletiva do

projeto político-pedagógico, já que nos propusemos pesquisar a experiência

específica de diálogo nessa participação. Além desse fator, que unia os

participantes desta pesquisa, havia também o envolvimento com a educação

exercida nas organizações educativas em questão.

Em seguida, apresentamos cada participante da pesquisa. Os nomes que

utilizamos são fictícios.

Page 65: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

64

Cristina participa das atividades da associação de moradores de

bairro. Atuou no Agente Jovem como educadora. Exerce trabalhos

voluntários nos projetos da associação de moradores de bairro;

Roberta participa das atividades da associação de moradores de

bairro. Foi coordenadora do CEI e, em março de 2008, desvinculou-se

desse trabalho;

Marília participa das atividades da associação de moradores de

bairro. É educadora no CEI. Assumiu a coordenação do CEI no

primeiro semestre de 2008;

Henrique, diretor geral dos projetos da associação de moradores de

bairro. É o diretor do CEI e colabora na gestão do Agente Jovem. Está

vinculado a vários projetos sociais para essa região;

Andréa participa das atividades da associação de moradores de

bairro, trabalhando no projeto da escola de informática para jovens. Foi

a coordenadora do Agente Jovem até abril de 2008;

Luiz participa das atividades da associação de moradores de bairro.

Trabalha no atendimento dos moradores da região que possuem

problemas de aquisição do terreno habitacional. Assumiu a

coordenação do Agente Jovem a partir de abril de 2008;

Edson participa das atividades da associação de moradores de

bairro. É professor de capoeira no Agente Jovem;

Rogério participa das atividades da associação de moradores de

bairro. É professor de capoeira no Agente Jovem e no CEI;

Luisa participa das atividades da associação de moradores de

bairro. É educadora no CEI;

Ângela participa das atividades da associação de moradores de

bairro. É educadora no CEI;

Page 66: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

65

Ester participa das atividades da associação de moradores de

bairro. Foi educadora no CEI. É educadora social de um projeto de

micro crédito voltado às pessoas que buscam adquirir habitação

própria.

3.5 A questão do diálogo: como interrogar?

Apreender a situação em que se vive e nela atuar são atitudes humanas

essencialmente interligadas.

[O homem] pensa e age numa unidade dialética, ou seja, ao mesmo tempo em que está interferindo (através de sua ação) na situação de que faz parte está apreendendo sua própria ação e a situação em que ela se dá (apreensão esta que pode ser crítica ou não) e, ao mesmo tempo em que apreende – pelo pensamento – sua ação, está desencadeando atos concretos de participação na situação, atos estes que revelam seu nível de apreensão, revelando-o ao mesmo tempo: são o testemunho de seu ser (LORIERI, 1982, p. 07).

Lorieri indica que o nosso modo de pensar e agir sobre uma situação, ao mesmo

tempo em que dá sentido a nossa existência, revela quem somos e como somos.

Essa, por não ser uma manifestação solitária, mas solidária, pois vivemos no

mundo com o outro, refere-se ao diálogo como condição humana apontando para

um sentido.

Assim, na busca de realizar a tarefa que nos propusemos – interrogar como se dá

o fenômeno do diálogo por meio do sentido a ele atribuído – colocamo-nos a

seguinte questão: como criar um espaço para o exercício da reflexão sobre o

próprio modo de ser no mundo com o outro?

A entrevista reflexiva em grupo (SZYMANSKI, 2002) pareceu-nos ser o caminho

adequado para esta investigação, por constituir-se em encontros semi-dirigidos e

sem roteiro fechado, como meio de facilitar a reflexão e a construção da narrativa

de cada participante.

Instigar a busca de conhecimento sobre a própria experiência de diálogo não é

somente um ato que requer exercício voltado à captação de algo externo a si,

Page 67: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

66

mas comporta também voltar-se-para-si-mesmo ao perceber-se existindo-com-o-

outro. Assim, interrogar a compreensão de diálogo exigiu proporcionar aos

participantes desta pesquisa a oportunidade para que eles pudessem falar de si

mesmos por meio de sua prática educacional, na interlocução com outras

pessoas.

Por ser este um estudo relativo à busca de significados (a compreensão de

diálogo), a entrevista possibilitou o acesso ao vivido na experiência por meio de

trocas intersubjetivas entre entrevistador-entrevistado e entrevistado-entrevistado.

Essa entrevista caracteriza-se como reflexiva por proporcionar um momento de

recorte da realidade em que o entrevistado sistematiza suas ideias, na construção

do discurso voltado a um interlocutor. Às vezes, esse discurso apresenta-se como

um conhecimento inédito, elaborado naquele momento pelo entrevistado. “O

movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o entrevistado diante

de um pensamento organizado de uma forma inédita até para ele mesmo”

(SZYMANSKI, 2002, p. 14). É também um procedimento em que o pesquisador

partilha com os participantes da pesquisa sua própria compreensão dos dados, no

decorrer de todo o processo de entrevista, apresentando a todos eles uma

devolutiva.

A opção pela entrevista reflexiva em grupo foi para valorizar a capacidade do

grupo em formular conteúdos e conhecimento na interação com o outro. O nosso

papel de entrevistador foi o de facilitador nessa interação, tendo como foco a

temática de estudo, que foi proposta em cada entrevista por meio de uma questão

desencadeadora.21

O processo de entrevista aqui aplicado constituiu-se em várias fases. A primeira

foi o momento assim chamado de “aquecimento”, onde pudemos falar de nós

mesmos (formação acadêmica, experiência de atuação no âmbito da Educação e

nosso interesse de estudo no Mestrado). Esse foi também o momento em que

apresentamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

21

No total foram três questões desencadeadoras, que estão explicitadas no quadro da página 69.

Page 68: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

67

Esse documento, apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP, foi

lido a todos, nesse momento de “aquecimento”, antes de dar início ao processo

de entrevistas, fornecendo por escrito dados nossos e da nossa instituição de

origem (PUC-SP), esclarecendo o propósito do estudo, os benefícios, os

procedimentos, como também a preservação do sigilo das informações individuais

obtidas, entre outros. Consta, no anexo A, um exemplar desse documento.22

Solicitamos aos participantes que se apresentassem, dizendo o nome, qual

atividade exerce, onde e há quanto tempo.

O segundo passo foi a entrevista propriamente dita, com a exposição de uma

questão desencadeadora. Cada entrevista, gravada, durou em média quarenta

minutos. Buscamos, nesse momento, um relato sobre a compreensão de diálogo

solicitando um exemplo vivido, para que a reflexão pudesse caminhar em torno do

como foi a experiência de diálogo no processo de construção do projeto político-

pedagógico.

A busca do como no lugar do por que ou do o que é foi um meio que favoreceu

obter dos relatos, como indica Szymanski, “várias abordagens ao tema e,

consequentemente um enriquecimento posterior da análise” (SZYMANSKI, 2002,

p. 12).

O terceiro momento foi a realização da transcrição da entrevista. Após a

transcrição fizemos uma releitura do texto a fim de sistematizar o conteúdo de

forma mais compreensiva, retirando os vícios de linguagem. Elaboramos um texto

síntese, na busca de conhecer a compreensão dos entrevistados sobre o

fenômeno interrogado.

Marcamos novamente um encontro em grupo para a explicitação da nossa

compreensão sobre o sentido de diálogo revelado nos relatos. Nesse encontro,

fizemos uma leitura grupal do texto síntese, para que fosse verificada a

fidedignidade do conteúdo ali compreendido, dando espaço para o esclarecimento

de alguma ideia. No anexo B, estão reunidos todos os resumos apresentados.

22

Cabe informar que para os participantes que se inseriram no grupo de entrevistados foi efetuada essa primeira fase da entrevista, pois consideramos ser muito importante essa experiência de acolhimento e introdução à finalidade do estudo.

Page 69: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

68

Nesses encontros de devolutiva, que foram gravados, houve poucas correções ou

posteriores reflexões. Emergiu, nas expressões dos participantes, um sentimento

de surpresa e um impacto positivo diante de suas próprias ideias narradas por

nós, no formato sistematizado da elaboração escrita.

Esse momento da devolutiva, além de garantir o cuidado ético com os

entrevistados, tornou-se para eles um momento de novo movimento reflexivo: ao

refletirem novamente sobre a questão desencadeadora, aperfeiçoaram a ideia

fornecida e buscaram a fidedignidade do conhecimento presente na narrativa

apresentada em formato escrito.

Ao todo, realizamos três entrevistas reflexivas em grupo e as respectivas

devolutivas.

No segundo semestre de 2007, foi possível verificar a primeira compreensão de

diálogo na primeira etapa do processo de construção do projeto político-

pedagógico.

Na segunda etapa, no primeiro semestre de 2008, com um grupo mais ampliado

de participantes, realizamos a segunda entrevista e devolutiva. E, finalmente,

após a conclusão do processo de construção do projeto político-pedagógico, em

um ambiente de maior vínculo entre todos, desenvolvemos a última entrevista.

A seguir, há um quadro panorâmico das entrevistas reflexivas realizadas,

apresentando as questões desencadeadoras e os participantes indicados pelos

nomes fictícios.

Page 70: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

69

Encontros Questões desencadeadoras Participantes

1º Vocês poderiam comunicar uma experiência

de prática dialógica vivida nesse grupo,

durante o processo de construção coletiva do

projeto político-pedagógico?

Henrique, Roberta

Marília e Cristina.

2º Devolutiva Henrique, Marília e

Cristina.

3º Se vocês fossem contar para outra pessoa,

sobre a experiência de diálogo vivida nos

encontros de construção coletiva do projeto

político-pedagógico, como vocês relatariam?

Henrique, Marília,

Luiz, Andréa, Ester

Edson, Rogério,

Luisa e Ângela.

4º Devolutiva Henrique, Marília,

Cristina, Luiz, Ester

Edson, Rogério,

Luisa e Ângela.

5º Diante de todos os encontros vividos para

construir coletivamente o projeto político-

pedagógico, relate um momento marcante

que você chamaria de dialógico.

Henrique, Marília

Luiz, Edson,

Rogério, Luisa,

Ângela e Ester.

6º Devolutiva Henrique, Marília,

Luiz, Edson, Ester

Rogério e Luisa.

Um limite encontrado nesse processo foi a disponibilidade em participar de todas

as entrevistas e devolutivas agendadas. Nesse sentido, como foi possível

observar no quadro acima, houve uma oscilação do número de participantes.

Page 71: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

70

Outro limite identificado nessa experiência foi o fato que as organizações

educativas passaram por um processo de trocas de funcionários e reformulação

de funções. Duas participantes das entrevistas (Roberta e Andréa)

desvincularam-se de suas atividades de trabalho, participando, por isso, somente

de uma entrevista.

Outra variante, no processo de realização das entrevistas, foi a realização da

devolutiva da primeira entrevista. Por causa da dificuldade de encontrar um

horário comum entre os entrevistados, optou-se em fazer a devolutiva com cada

um em momentos distintos. A devolutiva da Roberta não aconteceu porque ela

não estava mais trabalhando no CEI. Todas as demais foram realizadas

coletivamente.

O que relatamos, até este momento, sobre as opções metodológicas feitas a fim

de construir este estudo, levou-nos a compreender que pesquisar sobre a

compreensão de diálogo não podia ter outro caminho se não o de promover aos

participantes deste estudo uma experiência reflexiva sobre si mesmo com o outro,

e a entrevista reflexiva coletiva possibilitou isso.

É possível perceber que, desde o primeiro contato com o contexto da pesquisa,

iniciou-se nossa compreensão de diálogo, expressando-se como inquietação em

torno daquilo que pretendíamos compreender e do modo como iríamos

compreender.

A fim de fazer uma imersão no resultado do processo de entrevista, que foi o texto

das transcrições das entrevistas, realizamos leituras contínuas desse texto

abordado na sua totalidade, a fim de agrupar dimensões reveladoras de

significados em torno da problemática em estudo e, assim, elaborar um relatório

dos resultados (SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2002, p. 75).

Ao identificarmos as unidades de significado, formamos categorias e

subcategorias. Realizamos uma leitura interpretativa desse novo texto, que deu

origem ao texto sob o título “compreendendo uma experiência de interação

humana”, que constitui o capítulo a seguir.

Page 72: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

71

Antes, porém, de passarmos para o próximo capítulo, apresentamos como

conclusão deste item, uma síntese das etapas percorridas de “imersão” analítica

no resultado das entrevistas:

a) transcrição da entrevista tal como se apresenta no seu caráter de

linguagem oral;

b) releitura do texto transcrito retirando os vícios de linguagem que

dificultavam a compreensão do conteúdo;

c) “imersão” no texto de cada entrevista para a elaboração de síntese,

tendo como objetivo extrair das falas as ideias sobre a compreensão de

diálogo;

d) apresentação da síntese ao grupo de participantes da pesquisa para

verificar a fidedignidade de nossa compreensão, momento este

denominado devolutiva;

e) nova “imersão” na transcrição das entrevistas e devolutivas

consideradas em seu todo, para analisar o texto em vista de identificar

as unidades de significado;

f) agrupamento das unidades de significado em categorias e

subcategorias;

Page 73: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

72

CAPÍTULO 4

COMPREENDENDO UMA EXPERIÊNCIA DE INTERAÇÃO HUMANA

A leitura das entrevistas transcritas possibilitou entender o sentido geral de

diálogo para os participantes da pesquisa. Após uma nova “imersão” nos dados

como um todo, por meio de várias releituras, foi possível entrever unidades de

significado em torno do fenômeno em estudo, sem perder de vista o seu contexto

(SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2002, p. 75). Agrupamos essas unidades de

significado, juntando conceitos semelhantes que nos indicavam proximidade de

sentido, levando a identificar duas categorias denominadas: “procurando interagir”

e “O sentido de diálogo se desvelando no processo de construção coletiva do

projeto político-pedagógico.”

4.1 Procurando interagir

Procurando interagir foi a denominação que se mostrou ao sentido de diálogo

desvelado na análise dos relatos dos participantes da pesquisa.

Os gestores, educadores e representantes da comunidade que participaram deste

estudo, em vários momentos, usaram expressões como: “para mim diálogo é...”

ou “entendo diálogo por...”, que vinham acompanhadas ou não por relatos de

experiências. Esse tratar de definir o fenômeno do diálogo indicou-nos conceitos

que vimos retornar em várias falas e em momentos diferentes durante o processo

de entrevista.

Perseguindo esses conceitos, buscando o sentido que os unem, configurou-se o

fenômeno do diálogo compreendido como aquilo que se instaura no momento em

Page 74: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

73

que as pessoas estão juntas, interagindo, independentemente do motivo ou de

que modo acontece.

A compreensão da prática dialógica emerge, portanto, como sinônimo de

interação humana mediada pela linguagem. A categoria “procurando interagir”

incorpora as seguintes subcategorias, que explicitam o perceber a interação

humana como:

conversa;

silêncio;

participação;

integração;

construção de conhecimento.

Cada uma dessas subcategorias será apresentada a partir dos conceitos que lhes

dão fundamentação, evidenciados de forma sublinhada.

4.1.1 Percebendo a interação humana como experiência de conversa

Com frequência emergiu nos dados das entrevistas a compreensão de diálogo

definido enquanto conversa entre pessoas por meio da fala e da escuta. Seguem

algumas colocações que dão sustentação a essa ideia:

Entendo diálogo por uma conversa de duas pessoas onde eu falo e escuto, eu não só falo, eu falo e escuto também (Ester).

De vez em quando, por exemplo, eu converso com a Ester, a gente fica duas ou três horas falando, pego o Edson aqui, e “alugo” a cabeça dele (Luiz).

Entendo o diálogo como uma forma de escuta, no qual um fala e outro escuta para haver uma maior compreensão, é quando surge a comunicação e os projetos que aqui foram sendo elaborados, aí entra a participação de todos, partindo deste diálogo. É isso! (Roberta)

Page 75: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

74

O porquê do dialogar, saber ouvir, é como a Roberta já falou. É uma via de mão dupla, um fala outro escuta, aí cabe uma reflexão, cabe um entendimento. É uma articulação da linguagem (Marília).

Essa definição, apresentada pelos participantes da pesquisa, mostrou uma

significação comumente atribuída ao diálogo: uma conversa, um meio de

comunicação estabelecida pela linguagem.23 A conversa foi apresentada como

ação voltada a alguém, e compreendeu-se que para ser dialógica (algo que “dê

certo”), foi necessário que todos os interlocutores envolvidos na comunicação

tivessem oportunidade de falar.

Você tem que falar e o outro escutar, assim sucessivamente para que ele dê certo. Se um fala e o outro fica quieto, aí já não teve diálogo, pois o outro precisa argumentar (Roberta).

Os participantes atribuíram à fala e à escuta o movimento voltado ao

entendimento. Algumas pessoas direcionaram sua experiência de diálogo às

conversas vividas com a comunidade, enquanto faziam as pesquisas referentes

ao processo de construção do projeto político-pedagógico, para obter novas

informações. Relataram que para o diálogo “dar certo” foi necessário que entre

fala e escuta houvesse entendimento entre os comunicantes, ressaltando a

importância da escuta.

Marília identificou a imposição como sendo um conceito antagônico ao do diálogo.

Quando você também se coloca na proposta de saber ouvir o outro, tem mais é que refletir nessa proposta se realmente estamos dialogando ou impondo uma situação (Marília).

Por outro lado, a discussão foi mencionada como algo positivo, quando voltada a

estabelecer interação, por ter sido compreendida como momentos em que as

pessoas falaram sobre algo, expuseram opiniões e refletiram sobre elas. À

discussão atribuiu-se significação seja de exposição do próprio entendimento

sobre o que se falava, seja de falas que expressaram divergências de ideias. O

debate, nesta fala de Ângela, aparece com significação semelhante a essa última

da discussão: foi entendido como um momento de interação entre ideias e visões

diferentes e divergentes, na busca de um consenso.

23

Recorrendo ao dicionário, dentre outros significados sobre o termo diálogo, encontramos: “fala em que há a interação entre dois ou mais indivíduos; colóquio, conversa” (HOUAISS, 2007).

Page 76: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

75

Acho legal também quando o grupo se reúne para debater, e aí de repente: ah, não é dessa forma, é desse jeito. Cada um tem sua visão e vai chegando num consenso comum (Ângela).

Emergiu na fala de Cristina o papel de educador como propiciador de diálogo:

estar junto e solicitar que o educando converse e discuta sobre suas dificuldades.

Propôs momentos de conversa, enfatizando a importância de comunicar com o

educando por meio de sua “linguagem”:

Quando eu trabalhava com os jovens, criei um momento com eles que eu rotulei: é o dia de lavar roupa suja. Ali, a gente sentava numa roda e ia discutir tudo: Por que você não gosta de fulano? Por quê... ? Era um momento em que a gente tinha para jogar para fora, um descarrego mesmo, e deu bastante certo esse trabalho, e as famílias vinham e perguntavam: que método você está usando com fulano? Por quê? Porque ele está numa porcentagem muito produtiva e diferente: é acompanhar o trabalho deles na escola, eu ia ver nota, eu ia ver tudo, frequência, não estava boa e a gente sentava pra conversar. Durante um mês eu tinha um dia pra ir até a escola. Valeu, e vale até hoje, a coisa de conviver com o jovem e aí falar a linguagem dele para você poder entendê-lo melhor (Cristina).

Henrique afirmou que entre eles existiu um ambiente aberto a receber e dizer

críticas, embora tenha percebido que nem todas as pessoas conseguiram dizer

suas críticas. Segundo ele, para dialogar foi preciso ter disposição e convicção

naquilo que se pensa, podendo inclusive fazer com que outras pessoas

acreditassem em suas convicções. Indicou na crise, crítica e embate os

pressupostos do diálogo.

A crítica, recebida como algo negativo, em outro relato, foi vivenciada como

processo de aceitação. No primeiro impacto, houve sentimento de insatisfação

por escutar uma avaliação negativa. Essa mesma experiência, vista após um

período de tempo, pôde ser transformada em uma “crítica construtiva”,

mostrando, assim, que as dificuldades existentes, no encontro entre pessoas,

podem ser superadas.

Ângela apresenta a ideia de diálogo como processo:

O diálogo não é para hoje, para agora, ele é um trabalho de „formiguinha‟, você começa hoje para ter o resultado amanhã, depois, mais pra frente (Ângela).

Tal afirmação nos explicita uma compreensão de diálogo voltado ao futuro,

existindo enquanto movimento, exigindo abertura à temporalidade inerente ao seu

Page 77: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

76

proceder. Henrique indica a necessidade de disponibilidade à escuta para tentar

entender melhor as pessoas, sendo esse um desafio não fácil de viver, por

demandar tempo.

Há um outro fato também para considerar a respeito do diálogo: é a questão do ouvir. Existem algumas resistências. Eu, por exemplo, penso sempre que as pessoas estão entendendo as questões, acabava não ouvindo certas pessoas e preciso ouvi-las mais. Há algumas resistências que estou procurando entendê-las melhor. É nessa experiência do diálogo que você vê onde estão as dificuldades para trabalhar com elas. Ouvir é uma tarefa difícil. Encontrar tempo para ouvir não é fácil (Henrique).

A experiência do “saber ouvir o outro” foi identificada como disponibilidade em

escutar aquilo que a pessoa falou. O contato com outras pessoas, para Luiz, por

exemplo, foi motivo de admiração por aquilo que fizeram, e esse conhecimento

suscitou desejo de “fazer alguma coisa também”:

Você vai se espelhando no trabalho da pessoa e acreditando que você possa fazer alguma coisa também, a partir do conhecimento que você tem um pouco mais a fundo (Luiz).

O diálogo, compreendido como conversa, foi visto também como algo que “ligou”

pessoas, segmentos, projetos, organizações educativas. Houve, dessa forma, um

enfoque, no interno das relações de trabalho, sobre a importância das pessoas

estarem juntas, de querer caminhar juntas.

4.1.2 Percebendo a interação humana como silêncio

O silêncio foi percebido como experiência presente no encontro inter-humano.

Entre os sentidos dados à experiência atribuída a momentos de silêncio, um deles

foi a postura silenciosa como forma de dialogar. Luisa, quando interrogada

durante a devolutiva de uma entrevista sobre sua escolha de não expor sua

compreensão sobre diálogo, disse que acreditava ser o silêncio (compreendido

enquanto ficar calada) uma forma também de diálogo.

Page 78: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

77

Foi dada significação à omissão da fala enquanto fala reprimida. A dificuldade em

expor no coletivo aquilo que se pensa foi uma situação atribuída a fatores

emocionais:

Existem fatores que impedem as pessoas se expressarem. As pessoas não se expressam, elas vivem muito o silêncio, falam muito nos bastidores, não conseguem expor isso num ambiente mais adequado, num ambiente crítico, para se encaminhar, se ouvir, se discutir. [...].Para mim é devido a fatores emocionais. [...] Às vezes chega a se expressar, mas não naquilo que realmente gostaria de falar, de expor. [...] Se a pessoa não defende sua bandeira, ela percebe que ela ficou em silêncio, mas não era bem aquilo, ela não queria ficar em silêncio, queria expor, defender uma posição, mas não conseguiu defender (Henrique).

Henrique, nessa colocação, fez notar que algumas pessoas nem sempre

conseguiram expressar aquilo que realmente gostariam de dizer, não defendendo,

assim, aquilo que pensavam.

Na primeira entrevista que realizamos com o grupo de entrevistados, os

participantes da primeira fase de construção coletiva do projeto político-

pedagógico, houve um relato de experiência em que uma pessoa não conseguiu

identificar nenhum exemplo de situação vivenciada enquanto dialógica. Nesse

contexto, sentia-se inibida em dizer aquilo que pensava ou acreditava.

4.1.3 Percebendo a interação humana como participação

O fenômeno de interação humana apareceu nas falas dos entrevistados vinculado

à ideia de participação. O ato de participar mostrou-se como encontro entre

pessoas com ideias diferentes. Disseram ser importante defender as próprias

convicções.

Durante esse processo, buscou-se a participação de pessoas a fim de obterem

novas opiniões. Entendeu-se que a experiência ampliada a um grupo maior de

pessoas geraria, por sua vez, possibilidades de novas construções e projeções

para as atividades educativas.

Page 79: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

78

A ideia de participação esteve também vinculada à experiência de divulgação dos

encontros entre os educadores. A escolha de participar exigiu abdicações do

tempo pessoal. Houve a intenção de criar outras possibilidades a fim de envolver

mais pessoas na construção de um objetivo comum.

O esforço de divulgar esse processo, de trazer mais pessoas para participar. [...] Aí, nessa caminhada de participação, eu elogio aqueles que de alguma maneira tiraram um pouco mais de seu tempo para estar aqui conosco, discutindo e levando para outras pessoas o que acontece. Então, esse esforço de fazer com que haja mais participação na discussão, é pra mim um momento de diálogo mais importante (Henrique).

Para algumas pessoas, essa foi a primeira experiência em participar de um

planejamento coletivo. Em vez de participar ativamente das discussões e

propostas apresentadas, sua escolha foi de estar junto ao grupo como “ouvintes”.

Buscaram aprender com a experiência das outras pessoas.

Henrique, por outro lado, relacionou à ideia de participação a experiência de ir

além de uma posição de neutralidade perante as discussões. O ato de participar

incorporado ao dialogar representou para ele disposição em ouvir e contribuir ao

mesmo tempo:

Mesmo as pessoas que não estão vindo aqui no domingo, elas durante a semana tomam conhecimento das discussões. Essa experiência está muito forte. É muito difícil alguém ficar neutro, de alguma maneira estão participando, e isso é experiência de diálogo mesmo: as pessoas contribuindo, ouvindo, mesmo se às vezes seja nos bastidores (Henrique).

Nem todas as pessoas da comunidade escolar participaram dos encontros aos

domingos com o Apoio à Gestão. Por isso, durante a semana, em meio às

atividades escolares, buscaram comunicar tal experiência aos outros profissionais

da educação que não estiveram presentes nos encontros aos domingos. A

experiência de participação na construção coletiva do projeto político pedagógico

aconteceu, portanto, em dois modos: nos encontros com o Apoio à Gestão, que

significou estarem envolvidos ativamente nesse processo de construção ou como

ouvintes, aprendendo com os outros, e a participação de outras pessoas que iam

se inteirando das etapas desse processo por meio daquilo que lhes era relatado.

Page 80: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

79

A participação foi remetida também ao sentido de acreditar nas propostas de

transformações sociais que essa comunidade vem assumindo em seu percurso

histórico.

E a minha visão sobre tudo, sobre o diálogo, eu costumo dizer, que minha estadia nesse enredo todo é participar das mudanças (Cristina).

O fato de estar presente nas discussões foi considerado como um momento de

continuidade nessa proposição, sendo um “elo nessa corrente”.

4.1.4 Percebendo a interação humana como integração

Nos relatos, vários participantes demonstraram ter presenciado mudanças

significativas no contato entre as pessoas que trabalham em organizações

educativas diferentes: passaram a vivenciar uma maior integração, seja entre as

pessoas, seja entre as organizações educativas unidas pela mesma proposta de

gestão. Perceberam que os encontros propiciaram maior ligação entre as pessoas

e uma nova disposição para realizar coisas em conjunto. Uma maior integração

entre eles gerou satisfação, busca por mais oportunidades de conversa, como

demonstraram as falas que seguem:

De uns tempos pra cá, houve assim uma abertura a mais ao diálogo. As pessoas estão conversando e estão participando. O trabalho ficou bem mais gostoso e mais interessante. Antes, tinha uma coisa meio fechada assim: CEI, CEI, associação, associação. Embora sempre o trabalho fosse junto, mas não entre os funcionários: não tinha uma ligação. Sempre houve essa divisão. Hoje em dia não, estou envolvido em todos os projetos, e para conversar é comigo mesmo, eu saio conversando com todos que encontro (Luiz).

O projeto proporcionou que todos os “projetos” pudessem estar dialogando mais. Antes, cada um ficava no seu espaço e era mais reservado. Hoje já não é assim, todos estão conversando e todos estão montando algo para que todos possam estar juntos, um exemplo disso é a festa junina no CEI. Antes, era só feita pelo CEI: educadores e funcionários. Os jovens não participavam. A comunidade participava com os pais e as famílias. Essa que nós estamos planejando já vai englobar tudo, todos os segmentos. Então essa forma de diálogo pra mim está acrescentando muito. Como é muito importante todos os projetos estarem caminhando juntos (Marília).

Hoje você tem um grupo mais integrado. Antes se dizia: eu não acho que é uma equipe, eu acho que ali é um grupo e aqui é outro grupo. Hoje já

Page 81: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

80

não é assim, e a tendência é melhorar. Hoje é possível ver uma equipe. Tinham certas resistências que foram quebradas, jovens, creche, associação (Luiz).

Esse estar “integrado”, com “mais ligação” foi um aspecto identificado como

inesperado para os participantes desta pesquisa. A interação foi compreendida

como possibilidade de contribuição para um objetivo comum. As trocas de

recordações vividas nesse processo reforçaram o vínculo histórico existente entre

os educadores.

Para eu fazer parte da história, eu tive que me relacionar com outras pessoas, tive que estar junto para tentar construir, tentar ajudar, pesquisar, como a Marília falou, construir mesmo (Ester).

As mudanças que foram acontecendo no ambiente das três organizações, já

durante o processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico, foram

apreciadas como experiências dialógicas, no sentido de interagirem por meio de

conversas, de busca de informação e da escuta das pessoas para tomada de

decisões.

4.1.5 Percebendo a interação humana como construção de conhecimento

O conceito de conhecimento para essas pessoas esteve relacionado aos

conceitos de construção e descobertas por meio das ações de contar

experiências, trocar ideias, conversar o que se sabe e ouvir o que aconteceu.

Essa experiência desvelou-se como desencadeadora de novas aprendizagens,

principalmente em relação ao momento em que foi revisitada a história da

associação de moradores do bairro, do surgimento do CEI e do Agente Jovem,

bem como de outros projetos na comunidade. As falas que seguem explicitam

essa situação:

Eu acho que foi o momento que a gente conheceu a vida, a comunidade e trocou ideias, conversou o que sabia (Luisa).

Então, a partir do momento que você está vivendo aquilo ali, você vai conhecendo a história e vai ouvindo o que aconteceu, como aconteceu, o que foi feito e o que não foi feito (Luiz).

Page 82: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

81

Eu vi uma coisa que para mim é diálogo: a Ester contou experiências dela na comunidade que a gente não imaginava, não é verdade em nossa reunião ontem? (Edson)

O diálogo aqui para mim é um aprendizado interessante. Sou novo na Instituição, muitas vezes no diálogo vivido nesse grupo do PPP

24 você

acaba colhendo o histórico da Instituição. Isso para mim é importante. É inclusive um material de estudo para eu estar passando para os jovens (Rogério).

Nessa última fala, Rogério retratou ainda que o aprofundamento do conhecimento

da história da comunidade foi um aprendizado significativo, considerado como

conteúdo a ser transmitido a outras pessoas. A experiência do conhecimento da

vida e história da comunidade despertou maior sentimento de pertença entre as

pessoas que participaram da construção coletiva do projeto político-pedagógico.

Perceber as possibilidades de aquisição e aprimoramento de conhecimento por

meio das trocas de ideias foi o que os participantes desta pesquisa consideraram

como experiência positiva, novas descobertas:

São coisas que você acaba descobrindo e que você não tinha nem noção. Eu não sabia nada, nem da história do bairro (Edson).

Foi um momento profundo de diálogo para a gente: tivemos que trocar muitas ideias, conversar muito e descobrir muita coisa para poder em grupos refletir (Luisa).

Essas descobertas estão referidas principalmente à experiência de ter

reconstruído o histórico dessa comunidade. A interação vivida nesse grupo foi

indicada como condição voltada à compreensão de mundo:

Acredito que o diálogo seja compreensão de mundo, porque, se você tem um bom diálogo, você compreende melhor o mundo, as coisas, as pessoas. Então, se você tem a base do diálogo, tudo fica mais fácil para você se desenvolver, caminhar, se formar como pessoa, como ser humano (Luisa).

O diálogo foi visto por Luisa como condição facilitadora para compreender as

pessoas, as coisas, o mundo: um processo de formação humana.

24

Essa sigla PPP são as iniciais do projeto político-pedagógico.

Page 83: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

82

4.2 O sentido de diálogo se desvelando no processo de construção coletiva

do projeto político-pedagógico.

Na apresentação da primeira categoria denominada “procurando interagir”, foi-nos

possível apreender o fenômeno do diálogo se desvelando como experiência de

procura por interação entre os participantes da construção coletiva do projeto

político-pedagógico, entendida como conversa, silêncio, participação, integração e

construção de conhecimento.

Os dados colocaram em evidência alguns aspectos de como essa compreensão

de interação, apresentada pelos educadores, gestores e representantes da

comunidade, foi apontada como parte do processo de construção coletiva do

projeto político-pedagógico. Nessa categoria buscaremos indicar essa

compreensão, e para isso, retomaremos os conceitos já explicitados na categoria

anterior.

O significado do projeto político-pedagógico foi definido por Andréa como uma

teoria norteadora do trabalho das organizações educativas. Henrique disse que

para realizá-lo foi necessário estarem abertos e disponíveis para as tomadas de

decisões:

Disse a ela o que seria essa proposta de construção do projeto político-pedagógico: um grupo que se encontra com a finalidade de refletir na proposta, uma teoria que irá nortear todo trabalho da Instituição. (Andréa)

Nesse processo, necessariamente, tem que haver abertura e disponibilidade. Às vezes, há abertura e não disponibilidade, a pessoa tem outras prioridades que não seja sentar e conversar sobre as decisões a serem tomadas. Então há uma contribuição aí também, muito grande (Henrique).

Cristina percebeu, perante o conteúdo do texto-síntese que apresentamos em um

momento de devolutiva, que as pessoas que haviam feito esse relato

demonstraram interesse pela proposta do projeto político-pedagógico. Observou

também a manifestação de disponibilidade e interesse em outras pessoas em

participar desse processo, mesmo atuando como voluntárias nesse contexto de

Page 84: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

83

educação. Identificou reconhecimento do outro no fato de convidarem mais

pessoas para vivenciar a construção coletiva do projeto político-pedagógico:

Achei “super” interessante como eles estão absorvendo o interesse pelo projeto político-pedagógico, ao ponto que a Ilma irá começar a fazer parte desse processo. O “bacana” é que mesmo sendo voluntária, isso não muda a visão da responsabilidade e interesse que demonstra, e é muito bem vindo. Cada dia você tem uma ideia e diz: o que você acha de nós fazermos isso? É “bacana”, eu contrato a ideia nova. Acho interessante a presença dela, mesmo não fazendo parte daquele quadro de funcionários. “Bacana” a consideração de alguém desse grupo aqui ir convidar ela, achei “pank”, “bacana” (Cristina).

As relações entre as pessoas que participaram dessa construção passaram a ser

permeadas pela experiência desse processo. Luiz comenta que, aquilo que iam

conversando, nos encontros de construção coletiva, foi sendo retomado por ele

nas conversas que teve no seu dia-a-dia:

Outra coisa que tem a ver com o diálogo é o momento que a gente vai vivenciando no dia a dia, conversando. A gente vai chegando ao trabalho, conhecendo determinada pessoa e se espelhando nisso aí [na experiência de construção do projeto político-pedagógico] (Luiz).

Essa experiência de construir coletivamente o próprio projeto político-pedagógico

para as atividades educacionais do CEI e do Agente Jovem foi a primeira

experiência dessa comunidade. Normalmente, acontecia a elaboração de um

documento escrito por uma pessoa, voltado somente às atividades do CEI, a fim

de cumprir as exigências da legislação. Um dos aspectos dessa experiência de

construção coletiva ressaltado pelos entrevistados foi um processo que revela

vontade de dialogar.

O próprio esforço pra fazer com que esse projeto não seja um projeto escrito por uma pessoa, o esforço de sair dessa modalidade para um projeto em que haja vários membros da equipe representando linhas de trabalho e práticas, já é uma demonstração da vontade de dialogar. O grande desafio para nós é justamente fazer um projeto coletivo e historicamente nós não temos conseguido elaborar esse projeto (Henrique).

A fala de Henrique demonstrou também que a experiência de construção coletiva

do projeto político-pedagógico foi um desafio.

Durante esse processo, constatou-se ser difícil pensar no coletivo. Acreditou-se

ser a prática coletiva, entendida como realização de atividades em conjunto, uma

experiência mais comum entre eles e mais fácil de ser realizada do que

Page 85: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

84

estabelecerem um pensar no coletivo. O pensar coletivo, nesse caso, significou o

pensar entre várias pessoas sobre as propostas a serem escolhidas e definidas

para convergir em uma única intenção educativa. Nessa direção, percebeu-se que

essa experiência de construção coletiva do projeto político-pedagógico foi uma

possibilidade concreta de exercitar o pensar coletivamente.

Você pode até ter uma prática coletiva, mas o pensar coletivo é uma experiência concreta. Então, o esforço de sair da prática, ou seja, de pensar coletivamente, é um caminho, um bom exercício (Henrique).

Roberta reforçou que a participação de mais pessoas na construção do projeto

político-pedagógico fez com que essa proposta tivesse mais sentido na prática

deles, a fim de que não “ficasse uma coisa só no papel”.

A experiência de ouvir o outro foi ressaltada como uma experiência importante a

ser considerada durante a elaboração coletiva do projeto político-pedagógico.

Henrique comentou que em seu contexto de trabalho deparou-se com

resistências de pessoas, em relação a algumas propostas, e para enfrentá-las

precisou ouvir melhor essas pessoas, indo além de suas primeiras impressões.

Segundo ele, o diálogo foi um fenômeno revelador de dificuldades, possibilitando

buscar o como trabalhar com elas.

Posicionar-se na expectativa de ouvir o outro foi uma escolha que exigiu reflexão,

a fim de perceber, no que foi vivenciado, se se tratava de diálogo ou de

imposição. Um dos impedimentos indicados como dificuldade de dialogar nesse

processo foi a inibição de algumas pessoas, fato esse já explicado na categoria

anterior. Constatou-se a existência de expressões ditas fora do contexto de

discussão coletiva ou fora do seu interesse real. Nessa situação a concepção de

fala dialógica apareceu como sincera e sem temor.

Durante a primeira etapa da construção do projeto político-pedagógico, surgiu a

proposta de promover um encontro de discussão sobre a concepção de criança,

oferecido a todos os integrantes das três organizações educativas envolvidas

nesse processo. Tal experiência foi relacionada à ideia de diálogo como momento

de discussão e expressão de mais opiniões:

Page 86: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

85

O outro ponto refere-se a essa discussão que nós vamos fazer dia catorze, que já é, digamos, um marco também dessa vontade de construir um projeto dialógico, ou seja, nós teremos a oportunidade de todos os que estão envolvidos direta ou indiretamente, que queiram e possam começar a discutir a concepção de Educação Infantil, de criança e tudo mais (Henrique).

Primeiramente era pra gente fazer o que era pra ser mostrado para a Prefeitura. Depois ele falando dessa reunião do dia catorze, realmente surgiu aqui essa ideia, e acho que é onde a gente vai ter bastante opiniões das pessoas que vêm e nos ajudam (Roberta).

Em relação às trocas de experiências, durante a construção coletiva do projeto

político-pedagógico, Andréa descreveu que foram para ela realidades

desencadeadoras de novas ideias, utilizou-as no desenvolvimento de novos

planos educativos.

O reconhecimento de fazer parte da história da comunidade provocou sentimento

de contentamento em perceber-se colaborando com uma história, e a construção

do projeto político-pedagógico foi apreciada como mais um tijolo dessa

construção.

Gostaria de acrescentar uma coisa: na troca de experiências, o fato de a gente fazer parte da história também. A gente de uma forma ou de outra colocou um bom tijolinho ali, um concreto, alguma coisinha ali, entendeu? E aí isso é muito rico também: oh, eu ajudei, já fiz parte de tal projeto. Isso é muito bom também, além da experiência em si é também ter plantado alguma coisa, deixado uma sementinha lá, em algum momento. Como agora: fiz parte do PPP, nossa! (Ester)

Eu entendi a fala da Ester neste sentido: ela está contribuindo com o grupo, está se relacionando com o grupo, para construir algo para o macro ela vai participar dessa construção. Não é isso Ester? (Andréa)

Uma das preocupações, que algumas vezes emergiu nos relatos, foi a

necessidade de maior responsabilidade com o objetivo comum das instituições

em questão. Henrique expôs o desejo de se formar um Conselho Gestor, para

que algumas pessoas possam assumir a responsabilidade da gestão dos projetos

da comunidade.

Como esse foi um processo de construção coletiva, destacou-se a importância

das tomadas de decisões feitas conjuntamente, possibilitando que as pessoas se

esforçassem em conversar com maior frequência entre elas. Isso levou a

compreender a construção coletiva do projeto político-pedagógico como momento

de reflexão sobre as tramas de relações vividas no quotidiano da comunidade

Page 87: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

86

escolar. Nas relações interpessoais, estabelecidas durante esse processo de

construção, Henrique percebeu que foi uma experiência em que tiveram que lidar

com o sentido de poder entre eles.

Há uma contribuição também nas relações de poder interna nossa, as pessoas estão sendo forçadas a conversar mais. Às vezes, é forçado mesmo porque o tempo é tão curto e a gente acaba conversando pouco. Como no PPP tem que decidir junto, então as pessoas acabam forçadas a encontrar o tempo para conversar mais (Henrique).

O trabalho de acompanhamento do Apoio à Gestão foi identificado como

mediação de novos aprendizados sobre o que vem a ser o projeto político-

pedagógico. Verificou-se que esse acompanhamento foi significativo para

compreenderem o significado do projeto e como construí-lo: sem a vivência de

sua elaboração, seria difícil compreender seu significado. Aprender fazendo

propiciou maior sentido para o projeto político-pedagógico. A experiência

dialógica, nessa situação, foi identificada como possibilidade de colocar-se em

relação com uma realidade desconhecida, abertos às descobertas:

Pois esse processo está sendo importante pra mim hoje, principalmente na parte de crescimento, porque a gente escuta muito na Faculdade: ah o projeto político-pedagógico é isso e aquilo, mas na hora da prática é bem diferente. Se você não participar, pondo a mão ali, disponibilizando-se para vir aqui, independentemente de ser horário de trabalho ou em outros horários, você não vai aprender (Roberta).

E uma coisa que marcou foi a questão que fomos usar a internet, abrir e saber o que é isso [o projeto político-pedagógico]: ele é um artigo, ele é um anexo, ele é o quê? Então, é buscar saber primeiramente o que é. Então eu acho que para mim o diálogo naquele momento foi isso: compreender o que está ao redor, tentar desvendar as coisas. Por isso, para mim está sendo rica essa experiência de saber como articular, como fazer, como direcionar (Marília).

Marília, nessa última fala, demonstrou ainda o sentido de diálogo como

compreensão “do que está ao redor”, uma possibilidade de conhecer melhor a

realidade.

Page 88: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

87

4.3 Sintetizando a compreensão de uma experiência de interação humana

Neste texto, buscamos mostrar, por meio de categorias, subcategorias e

conceitos, como se mostrou o sentido de diálogo explicitado por gestores,

educadores e representantes da comunidade ao serem interrogados a partir da

experiência de construção coletiva do projeto político-pedagógico. Como

finalização deste capítulo apresentamos uma síntese dessa análise.

A análise dos dados possibilitou apreender como gestores, educadores e

representantes de uma comunidade compreenderam diálogo na construção

coletiva do projeto político-pedagógico. Na primeira categoria, denominada

“procurando interagir”, pudemos perceber que essas pessoas relacionaram

diálogo à experiência de procurar interagir com alguém por meio da conversa, da

participação, do silêncio, da integração e da construção de conhecimento.

A linguagem, enquanto mediação da interação humana, foi delimitada à conversa

vivida pela fala e pela escuta, gerando entendimento. Os conceitos de discussão

e de debate emergiram como sinônimos, identificados com os momentos em que

expressaram ideias, opiniões, na busca por entendimento, e, ao lidarem com

concepções diferentes e divergentes, buscaram um consenso. A crítica foi

mencionada seja como expressão de algo negativo de uma pessoa a outra, seja

como possibilidade de conquistar novos adeptos a certa ideia.

Indicaram a fala reprimida como dificuldade de expor no coletivo as próprias

convicções e houve, dentre os entrevistados, quem teve dificuldade em identificar

um exemplo de prática dialógica nessa experiência.

O sentido de participação esteve relacionado ao encontro de ideias diferentes.

Disseram ser necessário que as pessoas nessa participação defendessem as

próprias convicções. A relação entre participação e divulgação da proposta de

construção coletiva justificou-se como busca por mais pessoas para se integrarem

ao grupo, a fim de proporem novas opiniões e possibilitar projeções futuras.

Houve identificação de participação de forma direta, vivida de modo ativo, indo

além de uma postura de neutralidade; quem escolheu em estar presente nas

Page 89: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

88

discussões como ouvinte a fim de aprender com a experiência dos outros; de

forma indireta, por meio dos relatos fornecidos. A escolha em participar foi

qualificada como expressão de confiança na transformação desse contexto social.

Identificaram a ocorrência de maior ligação entre as pessoas e uma nova

disposição ao trabalho coletivo, dizendo ter percebido uma equipe mais integrada.

Constataram maior aproximação entre pessoas, equipes de trabalho e

organizações educativas na construção de um objetivo comum. Explicitaram

sentimento de satisfação pelas mudanças nas relações.

Percebendo a interação humana como construção de conhecimento foi uma

experiência que esteve relacionada ao resgate que fizeram da história da

comunidade. Pode-se perceber o conceito de conhecimento relacionado aos de

construção e de descoberta, que possibilitou apreender o sentido histórico que

vivenciaram nessa comunidade. Para alguns isso teve significação de um

conteúdo a ser transmitido para outras pessoas. Houve quem indicasse o diálogo

como sentido de formação, voltado a facilitar uma melhor compreensão de

mundo, das coisas e das pessoas.

A segunda categoria se mostrou como sentido de diálogo desvelado enquanto

parte do processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico para

esses gestores, educadores e representantes da comunidade, que participaram

desta pesquisa. A proposta em construir de modo coletivo o projeto político-

pedagógico foi identificada como “vontade de dialogar”, demonstrando interesse e

disponibilidade das pessoas em participarem dessa construção.

Essa proposta, que foi a primeira desse grupo, foi conceituada como “teoria

norteadora do trabalho educativo”. Perceberam essa experiência como um

desafio, dizendo ser mais fácil viver uma prática coletiva, relativa à realização de

atividades em conjunto, do pensar no coletivo, que foi para eles o exercício de

pensar no grupo a intencionalidade educativa das organizações educativas. A

participação dessa construção fez com que eles percebessem que essa não se

trata da proposta de construir um documento, ao indicarem a importância que não

seja algo somente para “ficar no papel”.

Page 90: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

89

Relataram que a construção coletiva do projeto político-pedagógico os levou a

perceber a necessidade de maior disposição em ouvir o outro, sendo essa uma

atitude não fácil, por exigir disposição de tempo. Identificaram dificuldade de

relacionamento nas tramas de relações vividas no cotidiano escolar e

necessidade de buscar como trabalhar com essas dificuldades. Desse modo a

fala dialógica foi identificada como sincera e sem temor.

Outro aspecto foi a explicitação de maior responsabilidade com o objetivo comum,

aprendendo lidar com o poder.

A experiência com o Apoio à Gestão foi avaliada como sendo positiva, por ter

proporcionado compreensão do significado do projeto político-pedagógico

enquanto o construíam, um aprender fazendo.

Consideramos essas duas categorias, que apresentamos neste capítulo, a

expressão identificada como compreensão de diálogo referente aos relatos dos

entrevistados. No capítulo seguinte, traremos uma releitura dessas categorias à

luz da teoria estudada.

Page 91: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

90

CAPÍTULO 5

SOBRE DIÁLOGO

A busca de compreender o fenômeno do diálogo na construção coletiva do projeto

político-pedagógico tornou-se um itinerário de aprendizagens significativas, das

quais tentaremos apresentar alguns aspectos.

Durante o procedimento de entrevista, notamos que os participantes discorriam

em torno da questão desencadeadora quase sempre de maneira livre e

espontânea, não demonstrando constrangimento em falar sobre a própria

experiência, refletindo em grupo a compreensão de diálogo vivido durante o

processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico.

Nos momentos de devolutiva, em que apresentamos aos participantes, no formato

de um texto-síntese, a nossa compreensão sobre as reflexões que fizeram a partir

da questão desencadeadora, houve explicitação de surpresa pelo conteúdo que

eles mesmos elaboraram. Essas manifestações nos levaram a identificar os

encontros para a realização das entrevistas coletivas como um espaço de

reflexão sobre a prática e o pensamento de si mesmo no mundo com o outro.

Luisa, na última devolutiva, espontaneamente, fez esse comentário:

Foi boa a experiência das entrevistas, fez a gente pensar, mexer um pouco no cérebro. Às vezes, a gente se acha tão incapaz de falar ou de pensar certas coisas. A gente fez certa relação com a vida. Esse momento de entrevista serve para exercitar a massa cerebral (Luisa).

Nessa fala de Luisa, percebemos exemplificado o sentido positivo atribuído pelos

gestores, educadores e representantes da comunidade aos momentos das

entrevistas como possibilidade para concentrar-se e fazer um recorte

momentâneo de uma experiência, distanciando-se dela para vê-la e refleti-la, a

fim de expô-la na interlocução com outros. Houve, nessa experiência, uma

Page 92: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

91

abertura à colaboração no ato de atribuir sentido à interação vivida por eles

durante o processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico.

Identificamos, na convivência com essa comunidade, situada em um bairro da

zona norte de São Paulo, por meio de sua escolha em aprofundar a dimensão

dialógica relativa ao trabalho educativo desenvolvido no CEI e no Agente Jovem,

a importância de se compreender a prática educativa enquanto entrelaçamento de

vínculos, ou seja, um envolvimento recíproco entre educador25 e educando, entre

eles e as circunstâncias sociais da comunidade, que, por sua vez, é parte do

contexto mais amplo, a sociedade.

A partir do pensamento de Martin Buber e de Paulo Freire, compreendemos que

cada ato educativo, ao nos constituir enquanto pessoa, é ato de criação e

recriação do mundo humano, proporcionando-nos um modo de ser enquanto

respondedores ao mundo e pelo mundo. Para ambos os autores, o ser humano é

essencialmente histórico. A nossa disposição em perceber e dar sentido ao

mundo, na relação que estabelecemos com ele, atualiza-se na própria ação do

mundo sobre nós, transformando-nos.

Assim, o ato educativo se torna, antes de tudo, uma influência mútua no modo de

ser pessoa a cada interação vivida com alguém ou com alguma situação. Somos

afetados pelos outros e pelas coisas. Desejamos ser reconhecidos pelo outro,

assim como o acolhemos e o reconhecemos. Nessa busca por reciprocidade,

compreendemos, a partir do pensamento de Martin Buber (2004), que uma

experiência de construção se concretiza não somente limitada ao impulso

humano de criação, por ser um fazer de caráter unilateral, mas, a partir do

momento em que as pessoas, ao se envolverem em uma atividade de construção,

estejam também abertas à interação solidária com o outro, reconhecendo a

própria condição de ser uma parte, interligada a outras.

A ação educativa, interrogada no contexto em que desenvolvemos esta pesquisa,

foi a do diálogo na experiência de construção coletiva do projeto político-

25

A palavra educador está sendo empregada aqui no seu sentido amplo, correspondendo às pessoas que exercem o papel de educar essas crianças e jovens: familiares, professores, gestores, pessoas da comunidade.

Page 93: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

92

pedagógico, um processo que teve como referência os aportes teóricos da

pedagogia do diálogo de Paulo Freire. Essa construção, sendo também uma

experiência de criação, pôde encontrar, na opção por uma construção coletiva, a

possibilidade de abertura a uma experiência de gestão participativa vivida entre

seus protagonistas.

Durante a construção coletiva do projeto político-pedagógico, as pessoas em

vários momentos disseram acreditar no diálogo enquanto escolha para responder

aos desafios políticos, sociais e econômicos do bairro, reproduzidos no cotidiano

escolar. A opção por enfatizar a prática dialógica nas atividades educativas

desenvolvidas com crianças e jovens, desvelou-se, dessa forma, como ação

contra-ideológica (SEVERINO, 2005) na interação dessas pessoas com as ações

de desumanização presentes nesse contexto. Demonstraram acreditar na

possibilidade de melhorias por meio de uma renovada convivência social.

Severino (1998), ao pontuar a missão da escola como aquela de inserir o homem

no mundo do trabalho, da sociabilidade e da cultura simbólica, lembra da

importância de que seu projeto político-pedagógico esteja voltado à uma

educação não alienante ou opressora da condição humana. Isso nos indica a

importância da educação escolar se constituir em um ambiente de formação

crítica do homem, considerado sujeito de sua história, capaz de atitudes contra-

ideológicas diante de uma sociedade marcada por interesses particulares.

Uma educação voltada a valorizar o homem em sua capacidade transformadora,

segundo Paulo Freire, compromete-se em conduzi-lo a compreender os

mecanismos de exclusão social que o condicionam. É ato de transformação que

produz intervenção na realidade de forma mais sistematizada, na tentativa de

transformar critérios de exclusão, sendo condição para que os homens cada vez

mais, não solitariamente, mas solidariamente, tomem conhecimento de como

estão sendo no mundo, e busquem novas possibilidades de sociabilidade.

Percebemos, de modo implícito, nas preocupações apresentadas pelos gestores,

educadores e representantes da comunidade referente ao seu contexto social,

uma educação escolar marcada pela busca constante em promover o valor do

humano. Uma busca que se revela atuante na escolha dessas pessoas em querer

Page 94: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

93

aprofundar a prática dialógica enquanto fundamento de sua proposta educacional

com crianças e jovens dessa comunidade.

Cristina, que trabalhou como educadora no Agente Jovem, apresentou-nos sua

preocupação para com os jovens nesse contexto, depositando confiança no

trabalho comunitário que é desenvolvido como possibilidade de mudanças:

É necessário que a família incentive o filho a fazer parte de uma sociedade que a gente está fundando aqui. Acho importante a pessoa trabalhar na comunidade. Está começando a abrir um pouco. Da minha turma de 2005, onde estão esses jovens? O que nós estamos fazendo? A minha preocupação aqui na comunidade é o jovem (Cristina).

É por meio de sinais de busca pelo valor do ser humano, que vemos surgir a

dimensão freireana da esperança, com a qual somos impulsionados a não

permanecer em uma visão fatalista do real, quase sem enxergar uma saída. Ter

esperança é agir nutrido do otimismo de saber-se possibilitado a transformar,

existindo com os outros inconclusos em um mundo inacabado, na potencialidade

de ser mais.26

Observamos que, por ser esse um contexto marcado por vários problemas

sociais, exigiu das pessoas que demonstraram acreditar na formação de novo

convívio social, muito envolvimento em várias problemáticas da comunidade. O

fato de estarem buscando no diálogo o fundamento para sua atuação educacional

com educandos, indicou-nos que essa escolha poderá conduzi-los sempre mais a

ter na compreensão de diálogo uma das bases de referência para organizar e

interpretar, por meio da intencionalidade do processo educativo, as circunstâncias

em que se encontram condicionados enquanto processo de vir-a-ser.

Vimos na reflexão de Martin Buber (2004), relativa ao ato educativo, que cada

criança que vem ao mundo é possibilidade de recomeço. Diante desse novo que

irrompe a cada nascimento, a história da humanidade encontra uma possibilidade

26

Ser mais é uma expressão utilizada por Paulo Freire (2005), a fim de defender a possibilidade concreta de cada pessoa em desenvolver-se enquanto ser humano em contínuo devir em um mundo de possibilidades. É uma concepção que vai além, seja de uma compreensão determinista da realidade, reduzindo o ser humano a produto e objeto das circunstâncias, seja das tentativas de se atribuir ao homem o domínio exclusivo sobre as circunstâncias da realidade, sendo ele o único responsável pela sua situação no mundo. Indica que na relação homem-mundo não há determinismo, mas sim um condicionamento: o homem, inacabado e consciente de seu inacabamento, não somente é capaz de produzir e reproduzir o mundo, mas também criá-lo e recriá-lo, ao mesmo tempo em que é transformado por ele.

Page 95: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

94

de começar novamente. Martin Buber evidencia a responsabilidade de quem

educa, no encontro com as novas gerações, de possibilitar que o novo não perca

a sua luminosidade na interação com a tradição cultural e com os impulsos de um

mundo que tende a caminhar em uma determinada direção. Assim, faz-se

importante compreender, na interação educativa, o valor de cada pessoa na sua

singularidade, indo além de uma visão generalizada de ser humano.

Segundo Buber, aquele que educa é para o educando o representante do mundo.

Essa questão revela, segundo nossa perspectiva, o compromisso central dos

gestores, educadores e representantes da comunidade, além da própria família,

enquanto responsáveis pela formação de cada educando do CEI e do Agente

Jovem.

Por isso, faz-se importante, enquanto atitude dialógica, refletir sobre o sentido da

relação que estão estabelecendo entre eles, buscando na compreensão de

diálogo a clareza sobre a própria concepção de ser humano e de mundo, a fim de

evitar cair em visões generalizantes, e, por isso, desumanizantes, bem como não

permanecer em uma dimensão da compreensão da dialogicidade humana

enquanto simples técnica de interação. E a construção coletiva do projeto político-

pedagógico é também um espaço significativo para essa reflexão.

Nesse sentido, um dos aspectos que gostaríamos de evidenciar é que dialogar

exige “tempo”, segundo aquilo que alguns participantes desta pesquisa

apontaram. Além dos relatos, já indicados na análise das entrevistas, no capítulo

anterior, Roberta explicitou falta de tempo, referida às “conversas” com famílias

que, na sua percepção, tinham dificuldades em compreender como viver o sentido

daquilo que ela considerava ser uma prática dialógica com filhos: correção por

meio de “conversas”, ao invés de utilizar o ato de bater.

A significação que damos à ideia de tempo não se refere somente à

disponibilidade em viver momentos de “conversa”. Mas também, e principalmente,

referimo-nos à necessidade de que essas pessoas dêem tempo para ad-mirar e

re-ad-mirar o vivido (segundo terminologia freireana), ou seja, priorizem e

Page 96: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

95

promovam o exercício reflexivo27 sobre o agir pedagógico, distanciando-se

momentaneamente dele e das questões imediatas do cotidiano que as

preocupam, para olhá-los a partir de uma nova perspectiva. Isso, não para se

alienarem das mesmas, mas para aprofundarem, na problematização até mesmo

da própria busca por solução, o sentido crítico da situação em que se encontram.

A finalidade é acreditar que todos possuem saberes e capacidades e, assim,

podem adquirir sempre mais consciência de si mesmos, da possibilidade de

serem solidários, refletindo também sobre o sentido e o lugar atribuídos ao

processo educativo que desenvolvem com crianças e jovens.

Em relação à prática reflexiva no contexto educacional, encontramos, em

Dalbosco (2006), a importância de considerar a reflexão enquanto possibilidade

de problematização filosófica da ação humana, transformando o fazer pedagógico

em ação capaz de dialogicidade, ou seja, conceber o ato educativo enquanto

processo de interação humana voltado à formação de seres humanos dialógicos.

Lorieri (1982) também propõe, em seu estudo sobre a reflexão filosófica na

prática do planejamento educacional, a importância de se considerar a

experiência reflexiva do vivido como instrumento voltado à atitude crítica do

homem no seu modo de intervir no mundo.

Portanto, aprender continuamente a refletir o vivido, sendo uma dimensão voltada

a atitudes críticas diante do mundo, é escolha fundamental e constante enquanto

critério para uma prática dialógica com o outro e com o mundo. Acreditamos ser a

reflexão crítica um incentivo para que as preocupações emergentes do entorno

social não distanciem essas pessoas da oportunidade de aprofundar, na

compreensão de diálogo, a construção esperançosa de um mundo humano cada

vez melhor, ao mesmo tempo em que se tenta também valorar a condição

humana como algo sempre melhor.

27

Cabe enfatizar que na atitude dialógica não há separação entre reflexão-ação. Paulo Freire (2005) enfatiza a compreensão dessas duas dimensões como algo estreitamente interligado. A reflexão conduz à prática, ao mesmo tempo que, por ser ela fruto da ação, produz conhecimento crítico do vivido. Quando se estabelece dicotomia entre reflexão-ação, a palavra perde seu caráter transformador, configurando-se em formas inautênticas de existência: ativismo e verbalismo.

Page 97: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

96

A reflexão conduz o homem a se distanciar, seja de experiências imediatas, seja

de teorias pré-concebidas, para olhá-las e resignificá-las, gerando criticidade.

Acreditamos em uma educação intencionada a formar posturas críticas perante a

própria relação com o mundo e com o outro. Ser crítico, segundo Paulo Freire

(1994), é saber problematizar principalmente as circunstâncias de não

reconhecimento do direito de cada homem de pronunciar o mundo28, procurando

tomar consciência dos fatores que geram exclusão social. E buscar compreender

a dialogicidade humana é comprometer-se com o outro e com o mundo.

Segundo a categoria “procurando interagir”, os participantes explicitaram, de

modo geral, o que julgamos ser um primeiro movimento em direção ao outro, em

busca de dialogar. O fenômeno do diálogo, segundo referencial estudado,

configura-se em uma condição existencial que vai além daquela de “estar junto

com alguém a fim de fazer algo”, e de uma “conversa” mediada pela “fala” e pela

“escuta”.

Paulo Freire nos diz que dialogar é ter “intensa fé nos homens”, sendo essa uma

postura que antecede ao ato de estar diante de alguém, impulsionando-nos a

desejar estabelecer interação: “A fé nos homens é um dado a priori ao diálogo.

Por isso, existe antes mesmo de que ele se instale” (FREIRE, 2005, p. 93).

Martin Buber nos indica que as pessoas permanecem voltadas-uma-para-a-outra

em reciprocidade interior a partir do momento que viveram uma experiência

concreta de reciprocidade, ou seja, estiveram abertas para perceber a presença

do outro enquanto diferente de si.29

28

Essa expressão pronúncia do mundo refere-se à concepção de Paulo Freire (2005) sobre a íntima interligação existente entre homem-mundo. Para ele, a consciência do homem sobre o mundo corresponde àquilo que se torna presente a ele. Assim, o mundo, tornado objeto de conhecimento humano, é reconhecido pelo próprio homem, impregnado de significados a ele atribuídos. 29

Essa concepção indicada sobre o diálogo, segundo Martin Buber, tem por fundamento a sua antropologia filosófica que apresenta o homem como ser de relações. Vivemos momentos de encontro com o outro, marcados por disposição de abertura à presença dele enquanto um Tu, que nos está diante. Os encontros Eu-Tu, mesmo sendo os mais raros em nossa vida, tornam-se presença, mantida em nós enquanto “memória viva” segundo a intensidade do momento experienciado. Até no distanciamento que somos provocados a viver do Tu, para apreender e transformar o mundo (natureza, sociedade) em objeto de conhecimento, que é a atitude mais frequente de nossa vida, não somos subtraídos da referência aos encontros tornados presença.

Page 98: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

97

Os homens permanecem interligados, mesmo se distantes entre si. Cada

encontro tornado presença é impulso para o homem buscar repeti-lo, viver um

novo encontro, potencializando sua condição de existir enquanto ser de relações.

A desumanização se instaura quando a referência do homem passa a ser o

desejo de dominar o outro e o mundo, transformando-os em objeto privado para a

satisfação própria.

Dialogar é experiência em “processo”, como foi dito por um dos entrevistados. É

processo porque possibilita ampliar sempre mais o próprio modo de compreender

o mundo e si mesmo. Quanto mais nos envolvemos em experiências de

interação, mais nos tornamos capazes de dar maior sentido ao mundo e à nossa

vida nele. Agimos de maneira não dialógica quando pretendemos conquistar o

outro ou um objeto de conhecimento para impor o nosso modo de ser e de

compreender.

O contexto, ao qual os participantes desta pesquisa se referiram para refletir

sobre o seu modo de ser com o outro e com o mundo, foi, como já mencionado, a

construção coletiva do projeto político-pedagógico. Nesse contexto, a

dialogicidade emergiu na perspectiva de interagir mediante o processo de

reconstrução da intencionalidade educativa desenvolvida no CEI e no Agente

Jovem.

Em cada encontro coletivo para a construção do projeto político-pedagógico, os

participantes trocaram intencionalidades e sentidos sobre o mundo; buscaram

aprofundar o próprio conhecimento; encontraram confirmações e novas

concepções. Esse foi um processo de situação cognoscitiva em que os

participantes experienciaram intercomunicação e produziram novo conhecimento

de mundo, enquanto buscavam rever e reconstruir a proposta de educação do

CEI e do Agente Jovem.

Nessa construção coletiva, as indagações e inquietações que os encontros

suscitaram fizeram com que as pessoas se defrontassem com sua condição de

inacabamento. Houve momentos em que elas perceberam-se movidas pelo

mesmo desejo de aprendizado. Nessa postura de abertura diante de uma

novidade, foi possível apreender o sentido de liberdade, enquanto possibilidade

Page 99: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

98

de decisão e escolhas, no acolhimento de perceber-se como sujeito de uma

história muito significativa, marcada de gestos de solidariedade.

Os momentos em que puderam “trocar ideias”, “conversar” sobre aquilo que

sabiam da história da comunidade ou “ouvir” pela primeira vez essa história,

foram os mais marcantes para os participantes das entrevistas, ideias essas

constituintes da subcategoria “percebendo a interação humana como construção

de conhecimento”.

O mundo humano é objeto de conhecimento humano e, enquanto mundo cultural,

torna-se mediação de comunicação entre homens. Os homens dialogam entre si

mediatizados pelo mundo, diz Paulo Freire (2005). Desse modo, podemos

compreender, assim como vimos em Martin Buber (2007), que o fundamento do

processo de humanização do homem não está na sua relação enquanto sujeito

cognoscente com o objeto cognoscitivo, mas na intercomunicabilidade.

A constituição desse atual bairro, como já mencionado na apresentação desta

pesquisa, foi um processo atravessado por sacrifícios e luta, a fim de obter o

terreno. Recordar determinados fatos foi, para algumas pessoas, o mesmo que

reconstruir a própria história de vida, uma situação de “partilha” com fortes

emoções, que provocou perceber de modo novo a própria história e o vínculo com

as outras pessoas. Esse fato gerou compreensão de maior “pertença” entre essas

pessoas.

Alguns educadores e gestores, por estarem vivendo um momento de nova

atividade profissional, evidenciaram a experiência de ter encontrado, nas

interações vividas durante o processo de construção coletiva do projeto político-

pedagógico, a possibilidade de “aprendizado”, demonstrando considerar esse

momento de construção enquanto experiência formativa voltada à aquisição de

novo conhecimento.

A intervenção social da educação, explicitada na intencionalidade do projeto

político-pedagógico, tornou-se mais significativa para esses gestores, educadores

e representantes da comunidade, a partir do momento em que a construíram no

coletivo. Viveram momentos de “partilha” e reflexões sobre o como e o que ser e

Page 100: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

99

fazer, interrogando-se juntos sobre o porquê e o para que dos fatos sociais, na

busca comum de uma melhor prática educativa, levando em consideração o

percurso histórico já vivido até então. Por ser essa a primeira experiência de

construção coletiva para esse grupo, essa situação fez-se também momento de

construção de seu significado, portanto, produção de novo conhecimento

enquanto vivenciavam esse processo.

Para os participantes desta pesquisa, fez-se significativa a possibilidade de

“confrontar ideias”, “partilhar opiniões”, dúvidas, situações em que foram

conduzidos a verificar a própria compreensão de homem e ampliar a percepção

comunitária do sentido de dignidade humana. Esse foi um indício que levou-nos a

identificar essa práxis enquanto um importante processo de formação para os

profissionais da educação. Foi uma experiência em que puderam refletir o existir,

uns com os outros, possibilitados a transformar o mundo a partir das relações

interpessoais vividas no dia-a-dia no âmbito escolar, na responsabilidade pela

formação dos educandos.

Os gestores, educadores e representantes da comunidade “trocaram” pontos de

vista sobre o mundo (situação social, proposta educacional) enquanto construíam

o projeto político-pedagógico, por meio de visões temáticas impregnadas de

“recordações”, anseios, dúvidas, temores, esperanças e desesperança que,

enquanto parte da experiência humana, geraram ações com desejo de maior

interação entre eles. Essa experiência não pode ser ignorada na continuidade da

atuação do projeto político-pedagógico, já que sua elaboração foi simplesmente

um passo inicial de um contínuo processo de atuação e avaliação participativa.

A subcategoria denominada “percebendo a interação humana como prática de

integração”, demonstrou que houve entre as pessoas das diferentes organizações

educativas um novo movimento de “integração” entre elas, buscaram até mesmo

realizar atividades em comum entre CEI e Agente Jovem.

Compreender como o contexto social apresenta o valor da pessoa, enquanto

aprofundamento da dimensão dialógica, bem como questionar em que concepção

de homem se acredita para a prática educativa dos educandos, são

questionamentos pertinentes. Essa compreensão é mais abrangente e mais

Page 101: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

100

profunda, segundo Gohn (2006), quando se compreende a interação entre as três

dimensões educacionais: formal, informal e não-formal.

Essas três dimensões são apresentadas por Gohn (2006) constituídas de modo

diferente nos vários campos em que se desenvolvem, apresentando diversidade

de educadores, espaço, modalidades, objetivos, resultados esperados. Nesse

contexto de pesquisa, esses três espaços educacionais estão muito próximos. Em

algumas ocasiões, pareceu-nos perceber essas três dimensões educacionais,

porque desenvolvidas em um mesmo ambiente, apreendidas de modo único.

Alguns dos que ali atuam como educadores ou gestores, são também pai ou mãe

de educandos nesse contexto, além de serem membros da associação de

moradores de bairro que propõe, dentre outras, atividades de lazer e cultura para

a comunidade.

Algumas pessoas, ao enfatizarem a importância da “escuta” ou da possibilidade

de poder ou não “falar”, na subcategoria “percebendo interação humana como

conversa”, levaram-nos a considerar uma solicitude em querer ser escutadas

mais atentamente na sua situação de vida. Nesse sentido, um processo de

construção coletiva do projeto político-pedagógico que priorize a dimensão

dialógica, desvela-se como espaço voltado a apreender a importância de

perceber o outro e sua situação, como pessoa se constituindo enquanto agente

de práxis escolar.

Dentre os participantes, houve quem declarasse a própria dificuldade em dispor-

se para escutar o outro diante das atividades do dia-a-dia. Dizer-se aberto ao

outro é estar intencionado a buscar percebê-lo enquanto presença. Perceber

tendo dificuldade em escutar já é, em nosso entendimento, um movimento voltado

ao desejo em estabelecer uma interação nova com o outro.

Todo diálogo tem um assunto por objeto, e Paulo Freire (2006) indica que quando

esse objeto é considerado como um conteúdo imposto entre pessoas, ele perde

seu significado, por estar configurado em algo que não considera a participação

de todos os envolvidos na interlocução.

Page 102: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

101

“Percebendo a interação humana enquanto experiência de silêncio” é também

uma das subcategorias, que nos fez refletir sobre a necessidade, em uma postura

dialógica, de atentar-se para que as pessoas encontrem possibilidades de dizer

suas convicções, a fim de que haja diminuição, no encontro entre pessoas, do

sentimento de “inibição” (ou de coação, segundo terminologia usada por Martin

Buber). Proporcionar um ambiente educativo onde as pessoas se sintam livres e

confiantes para dizerem aquilo que acreditam, é uma experiência que acontece

em um processo gradual, priorizando uma postura respeitosa na ação de estar-

sendo-com-o-outro, em um movimento sempre mais compreensivo do outro.

Nesse sentido, Martin Buber diz que é preciso escutar também as palavras que

passam através do silêncio.

Houve preocupação para que “mais pessoas participassem” desse processo.

“Percebendo a interação humana como participação” é a subcategoria que

indicou o sentido de interação humana como atitude de “participação”. Uma

participação dialógica é possível, segundo Paulo Freire (2005), somente no

encontro entre pessoas que compactuam o desejo de pronunciar o mundo.

Por isso, a participação não se limita a uma experiência de negociação ou

mediação de conflitos na busca de priorizar a visão da maioria, no encontro entre

ideias diferentes. Mas possibilita que todos os envolvidos na interlocução

encontrem espaço para expressar suas convicções, podendo assim sentir

confiança e transmitir confiança (FREIRE, 2005). A dialogicidade é favorecida

quando se busca caminhos de complementaridade entre visões diferentes e não a

escolha de uma visão em detrimento de outras (SCHMIDT NETO, 2007).

Vivenciou-se, na interação entre participantes, a percepção de ideias diferentes e

opostas nas atitudes e trocas coletivas. Foi avaliada como sendo um “desafio” a

experiência de “pensar no coletivo”, opinião essa indicada na categoria “o sentido

de diálogo desvelado no processo de construção coletiva do projeto político-

pedagógico”. Realmente, consideramos que “tomar decisões” em grupo é um

processo importante enquanto ato de gestão participativa, e isso exige paciência

entre os interlocutores, a fim de que possam conhecer-se sempre melhor,

enquanto buscam eleger uma única direção, compactuando intencionalidades.

Page 103: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

102

Colocar a pessoa no centro do processo de construção coletiva do projeto

político-pedagógico deverá constituir-se como uma escolha voltada a valorizar as

diversidades de opiniões que emergem entre as pessoas, na abertura em

conviver com o outro, também por meio dos conflitos, apreendidos no sentido de

criar possibilidade de superação de uma visão voltada a homogeneizar o que é

diferente. A busca pelo diálogo nesse sentido, não se dá em uma atitude de

separação entre ideias antagônicas, mas em um processo de procura por

complementaridade entre elas (SCHMIDT NETO, 2007).

Essa experiência de construção participativa gerou frustrações, tensões, “crítica”,

“embate”, “crise”, que são atitudes comuns no encontro entre pessoas, por

estarem compartilhando o mesmo “poder” a fim de exercerem escolhas. Quando

o sentido da interação esteve voltado ao perceber melhor as intenções do outro,

os “embates” puderam ser reconsiderados com atributos de nova significação.

Relatou-se que a experiência de uma “crítica negativa”, ao ser retomada como

objeto de reflexão, foi resignificada como “crítica construtiva”.

A categoria “o sentido de diálogo se desvelando no processo de construção

coletiva do projeto político-pedagógico” conduziu-nos a apreender essa

experiência a caminho de uma situação formativa, por não estar somente voltada

a exercer tarefas tecnicamente burocráticas, mas a um processo de abertura à

co-participação entre seus atores. Essa experiência, em alguns momentos,

quando foi assumida rumo a uma gestão participativa, fez-se ambiente formativo,

exigindo comprometimento de todos no ato de refletir a relação dialética entre

homem-mundo em processo de vir-a-ser.

Em outros momentos, houve também impulso de querer um fruto imediato do

texto final. Arriscou-se, assim, dar sentido secundário à experiência comunitária

na vivência solidária de co-gestão.

A prática do planejamento educacional faz-se significativa para esses gestores,

educadores e representantes da comunidade como possibilidade de qualificar sua

atuação educacional com crianças e jovens, e, consequentemente, com suas

famílias. Diante dessa responsabilidade educativa, compreender-se enquanto

homens em devir, é também ter clareza que, ao mesmo tempo em que se projeta

Page 104: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

103

nessa constante busca por “acabamento”, propõem-se caminhos de realização

para outras pessoas. Trabalhar com educação não é algo simples, necessita-se

de sempre maior clareza de como intervir no delicado processo de formação da

pessoa (LORIERI, 1982). Em função disso, a necessidade de se considerar a

vivência do planejamento das atividades educativas enquanto atitude de

referência para atuar e reavaliar as propostas contidas no projeto político-

pedagógico.

Essa comunidade nos conduziu a refletir sobre a interação humana enquanto rico

processo sempre em transformação, a partir da compreensão de diálogo e

educação. Além do processo de construção do projeto político-pedagógico, é

possível pensar na possibilidade de considerar sempre mais novas possibilidades

de refletir a convivência no âmbito educativo. Os encontros interpessoais poder-

se-ão configurar sempre mais como momentos significativos para cada pessoa

presente no contexto escolar, enquanto sujeito de sua história, juntamente com as

outras pessoas dessa comunidade.

Por fim, tencionadas a ser mais, inquietas na procura de condições melhores para

a comunidade, constatamos, por meio dos encontros vividos com as pessoas

dessa comunidade, segundo suas escolhas em fomentar vínculos solidários umas

com as outras, a tendência de uma práxis que buscou criar novas possibilidades

de vida. Nesse sentido, poder-se-á caminhar rumo a uma ação comunitária se as

pessoas, ao se agruparem, estiverem voltadas a viver não somente um

relacionamento em função de uma tarefa. Isto, para Martin Buber, seria uma

coletividade e não comunidade.

Na ação comunitária, sob perspectiva buberiana, as pessoas reunidas em grupo

tentam, enquanto realizam uma proposição em comum, viver já entre elas um

envolvimento em processo de abertura, uma à presença da outra, buscando

acolher as diferenças. Desse modo, procuram vivenciar, no grupo, as mudanças

que propõem à sociedade. E ainda, para que esse desejo de dialogicidade

perdure, isto é, seja sempre mais solidário, Paulo Freire indica a importância de

estabelecer atitudes de testemunho entre as pessoas, que significa manifestar

Page 105: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

104

mutuamente, o que Martin Buber também indica, uma coerência pessoal entre

aquilo que falam com aquilo que fazem, gerando confiança recíproca.

Page 106: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

105

PERMANECENDO EM DIÁLOGO

O percurso de aprofundamento deste estudo, sobre a compreensão de diálogo no

processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico, tornou-se uma

experiência de convivência significativa com as pessoas da comunidade aqui

referida, procurando reconhecer o valor das relações interpessoais.

Foi significativo perceber a riqueza contida nos encontros, pela diversidade que

cada pessoa manifestou com sua existência e história de vida. Estar aberto ao

outro não é simples e nem automático, trata-se de um contínuo exercício que nos

habilita à disponibilidade em querer aprender sempre mais com todos, sem excluir

ninguém.

Os participantes desta pesquisa indicaram, na sua prática educativa, o desejo de

ser comunidade, buscando, por meio das relações interpessoais, possibilidade de

apoio mútuo, de solidariedade, de respeito pelo pensamento diferente, de

promoção da consciência crítica, de reconhecimento da dignidade humana.

A compreensão do homem, constituindo-se historicamente enquanto ser de

relações, em um mundo de possibilidades, conduziu-nos a aprofundar o diálogo

para além de uma técnica ou ferramenta de interação. Nessa compreensão,

contudo, não se entende negar a possibilidade de pensar em maneiras ou

estratégias para favorecer o diálogo, assumindo princípios considerados

necessários para sua vivência como, por exemplo, priorizar a escuta do outro,

respeitar as diferenças.

Identificamos, também, a importância da reflexão do vivido, na busca de um agir

educacional sempre mais consciente do valor de cada pessoa. Paulo Freire

enfatiza que o processo de conscientização do homem não é uma realidade de

caráter individual, mas social, dá-se na trama de relações que ele estabelece com

os outros homens e com o mundo, colocando-o de forma crítica diante da

totalidade em que se dão as tramas de relações que os condicionam.

Page 107: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

106

No contexto desta pesquisa, pareceu-nos importante que os gestores,

educadores e representantes da comunidade, reservassem momentos para

falarem sobre o diálogo, até mesmo nos encontros ou reuniões que habitualmente

realizam, considerando que a sua compreensão se dá em um contínuo processo

de aprofundamento.

Ter investigado como gestores, educadores e representantes de uma comunidade

compreenderam diálogo, a partir da experiência vivida no processo de construção

coletiva do projeto político-pedagógico, levou-nos a considerá-lo como um espaço

de trabalho coletivo, no qual a disposição das pessoas ao encontro com o outro

transforma esse momento, de articulação entre teoria e prática, em uma rica

experiência de crescimento intelectual, ético e humano, enquanto se trabalha por

uma escola que se constitui democrática ao formar cidadãos para uma sociedade

mais humana.

Não há transformação na sociedade mais significativa que aquela do indivíduo; às

questões sociais encontram resposta em cada homem disposto às mudanças.

Somos responsáveis pelo mundo que criamos.

Page 108: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

107

BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA, D. T. Trabalho, família e condições de vida na RMSP: o caso dos migrantes nordestinos em São Paulo. In: BÓGUS, L. M. M.; PASTERNAK, S. (org). Como anda São Paulo. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópolis, 2009. p.143-174. BICUDO, M. A. V.; MARTINS, J. A pesquisa qualitativa em Psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2005. BORSATO, C.R. Relação escola e família: uma abordagem psicodramática. Tese de doutorado. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.teses.usp.br>. Acesso em: 02 jul. 2009. BRASIL. Lei n°. 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm >. Acesso em: 09 maio 2008. BUBER, M. Discorsi sull’educazione. Traduzione di Anna Aluffi Pentini. Roma: Armando, 2009. ______. Do diálogo e do dialógico. Tradução: Marta Ekstein de Souza Queiroz e Regina Weinberg. São Paulo: Perspectiva, 2007. ______. Eu e Tu. Tradução, introdução e notas por Newton Aquiles Von Zuben. 10. ed. São Paulo: Centauro, 2006. ______. Sobre comunidade. Tradução: Newton Aquiles Von Zuben. São Paulo: Perspectiva, 1987. ______. Sull‟educativo. In: ______. Il principio dialogico e altri saggi. Edizione italiana a cura de Andrea Poma. 4. ed. Milano: San Paolo Edizioni, 2004. p.162-182. CENTRO DE ESTUDOS MIGRATÓRIOS. Migrantes: êxodo forçado. São Paulo: Edições Paulinas, 1980.

Page 109: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

108

CORTELLA, M. S. A Escola e o Conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2004. CORTEZ, S. Diálogo e Educação: estudo comparativo sobre o conceito de diálogo no pensamento filosófico e pedagógico de Paulo Freire e de Martin Buber. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ppgedu/?pg=paginas%7Cproducaocientifica-html>. Acesso em: 20 mar. 2008. DALBOSCO, C. A. Incapacidade para o diálogo e agir pedagógico. In: TREVISAN, A. L.; TOMAZETTI, E. M. (orgs). Cultura e alteridade: confluências. Ijuí, Rio Grande do Sul: Editora Unijui, 2006. p. 174-190. Disponível em: <http://www.ufsm.br/gpforma/livrocultura.pdf#page=174>. Acesso em: 17 out. 2007. FIORI, E. M. Introdução. In: FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. FONSECA, M. O Projeto Político-Pedagógico e o Plano de Desenvolvimento da Escola: duas concepções antagônicas de gestão escolar. In: Cadernos Cedes. Campinas, v. 23, n. 61, p. 302-318, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 17 out. 2007. FREIRE, P. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d‟ Água, 1995. ______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. ______. Extensão ou Comunicação? 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. ______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. ______. Pedagogia do Oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. ______. ; CEDAL; CEDETIM. Multinacionais e trabalhadores no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.

Page 110: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

109

GADOTTI, M. O projeto político-pedagógico da escola na perspectiva de uma educação para a cidadania. In ______. Perspectivas atuais da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 35-39. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. GIOVEDI, V. M. A inspiração fenomenológica na concepção de ensino-aprendizagem de Paulo Freire. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. GIRCOREANO, J. P. Uma caracterização do diálogo significativo na sala de aula. 2008. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. GOHN, M. G. da. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. In: Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-38, jan./mar. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v14n50/30405.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2008. GONÇALVES, M. A. S. Diálogo e Solidariedade: bases de uma educação para a cidadania. Presente! Revista de educação, Salvador, ano 13, n. 48, p. 39-44, mar. 2005. Disponível em: <http://www.futuroeducacao.org.br/biblio/dialogo_e_solidariedade.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2007. HOUAISS, A.;VILLAR, M. S. de; FRANCO, F. M. M. de. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. LOMAR, T. P. O Dialogo na Pratica Docente. Uma compreensão de professoras de uma escola pública do Município de São Paulo. 2007. Dissertação (Mestrado) em Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. LONGHI, S. R. P.; BENTO, K. L. Projeto Político-Pedagógico. Uma construção coletiva. In: Revista de divulgação técnico-científica do ICPG. v. 3, n. 9, p. 173-178, jul./dez. 2006. Disponível em: <http://www.fortium.com.br/faculdadefortium.com.br>. Acesso em: 28 nov. 2007.

Page 111: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

110

LORIERI, M. A. A reflexão filosófica e o planejamento educacional. 1982. Dissertação de Mestrado em Filosofia da Educação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1982. ______. e RIOS, T. A. Filosofia na escola: o prazer da reflexão. São Paulo: Moderna, 2008. LUDKE, M.; ANDRE, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 5. ed. São Paulo: EPU, 1986. MACHADO, N. J. Conhecimento e valor. Coleção: Educação em pauta: teorias e tendências. São Paulo: Moderna, 2004. MARIOTTI, H. Diálogo: um método de reflexão conjunta e observação compartilhada da experiência. In: Thot. n. 76, p. 6-22, out. 2001. MARQUES, L. R. O Projeto Político Pedagógico e a construção da autonomia e da democracia na escola nas representações sociais dos conselheiros. In: Educação e Sociedade. Campinas, v. 24, n. 83, p. 577-597, ago. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 15 fev. 2008. MOTA NETO, J. C. da; BARBOSA, R. G. R. O diálogo como fundamento da educação intercultural: contribuições de Paulo Freire e Martin Buber, 2005. Disponível em: <http://www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais>. Acesso em: 15 fev. 2008. RIOS, T. A. Significado e Pressupostos do Projeto Pedagógico. Série Idéias, São Paulo, n.15, p. 73-77, FDE, 1992. SANTIAGO, M. B. N.; RÖHR, F. Diálogo e Responsabilidade: A Formação Humana nos Discursos de Martin Buber, 2006. Disponível em: <http://elogica.br.inter.net/ferdinan/mariabetania_tra.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2008. SCHMIDT NETO, A. A. Educação e Complexidade – a construção do projeto político-pedagógico. Taubaté, SP: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2007. SEVERINO, A. J. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d‟Água, 2005.

Page 112: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

111

______. O projeto político-pedagógico: a saída para a escola. In: Para onde vai a escola? Revista de Educação AEC. Brasília, DF, p. 85-91, abr./jun. 1998. SILVA, M. Indicadores de interatividade para o professor presencial e on-line. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 4, n. 12, p. 93-109, maio/ago. 2004. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/DIALOGO?dd1=622&dd99=view>. Acesso em: 28 nov. 2007. ______. Cibercultura e educação: a comunicação na sala de aula presencial e online. Dossiê ABCiber. Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 37, p. 69-74, dez. 2008a. Disponível em: <http://www.dialogoonline.com.br/artigos/cibercultura-e-educacao-a-comunicacao-na-sala-de-aula-presencial-e-online/view>. Acesso em: 10 jun. 2009. SILVA, M. A. Do Projeto Político do Banco Mundial ao Projeto Político-Pedagógico da Escola Pública Brasileira. In: Cadernos Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 283-301, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v23n61/a03v2361.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2007. SILVA, M. L. S. Relação escola-família: possibilidade de aproximação em situação de dificuldades de aprendizagem dos alunos. 2008. Dissertação de Mestrado em Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008b. SZYMANSKI, H. Entrevista reflexiva: Um olhar psicológico sobre a entrevista em pesquisa. In: ______. (Org.). A entrevista reflexiva em educação: a prática reflexiva. Brasília: Editora Plano, 2002. p. 9-61. ______.; ALMEIDA, L.R.; PRANDINI, R. C. A. R.; Perspectivas para a Análise de entrevista. In: ______. (Org.). A entrevista reflexiva em educação: a prática reflexiva. Brasília: Editora Plano, 2002. p. 63–86. TEIXEIRA, I. A. C. de. Da condição docente: primeiras aproximações teóricas. Educ. Soc. Campinas, vol. 28, n. 99, p. 426-43, maio/ago. 2007. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 18 jun. 2009.

Page 113: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

112

VASCONCELOS, A. A. de. et al. A presença do diálogo na relação professor-aluno, 2005. Disponível em: <http://www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais>. Acesso em: 18 jun. 2009. VEIGA, I. P. A. Inovações e Projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou emancipatória? In: Caderno Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v23n61/a02v2361.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2007. ______. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: ______. (org). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 17. ed. Campinas, SP: Papirus, 2004. ZUBEN, N. A. V. Martin Buber: cumplicidade e diálogo. Bauru, SP: EDUSC, 2003. 234 p.

Page 114: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

113

ANEXO A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

I – DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA

TÍTULO DA PESQUISA: “A compreensão de diálogo em uma experiência de construção coletiva do projeto político-pedagógico: um estudo à luz do pensamento de Martin Buber e Paulo Freire” PESQUISADORES RESPONSÁVEIS: Profª Drª Heloisa Szymanski e Rosineide B. Xavier CARGO/FUNÇÃO: Profª do Programa de Estudos pós-graduados de Psicologia da Educação; aluna de Mestrado no mesmo Programa UNIDADE DA PUC/SP: Programa de Pós Graduação em Psicologia da Educação _______________________________________________________________

II – EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR SOBRE A PESQUISA

1. PROPÓSITO DO ESTUDO: Compreender a prática dialógica de gestores ao longo do processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico. 2. BENEFÍCIOS: Os resultados desta pesquisa poderão ajudar os pesquisadores a compreender o impacto causado em gestores ao participar de um trabalho de Apoio Pedagógico segundo uma proposta dialógica. O trabalho desenvolvido também poderá beneficiar os participantes, na medida em que os procedimentos adotados podem se configurar como um espaço de reflexão para os gestores e educadores a respeitos de suas práticas. 3. PROCEDIMENTOS: Serão realizadas entrevistas coletivas com o grupo de gestores, segundo a abordagem da entrevista reflexiva em que todos terão acesso aos dados da pesquisa, os quais serão sempre apresentados e discutidos com os participantes. Serão seis encontros com duração de 40‟ a 1 hora cada. Estas entrevistas serão gravadas. 4. RISCOS E DESCONFORTOS: Não existem riscos ou desconfortos associados com este projeto, isto é, a probabilidade de que os participantes sofram algum dano como consequência imediata ou tardia do estudo.

Page 115: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

114

5. CONFIDENCIALIDADE: Fica garantido aos participantes da Pesquisa a confidencialidade, a privacidade e o sigilo das informações individuais obtidas. Os resultados deste estudo poderão ser publicados em artigos e/ou livros científicos ou apresentados em congressos profissionais, mas informações pessoais que possam identificar os indivíduos serão mantidas em sigilo.

III – ESCLARECIMENTOS SOBRE GARANTIAS AO PARTICIPANTE Ficam garantidas aos sujeitos da pesquisa: 1. O acesso, a qualquer tempo, às informações sobre procedimentos, e interpretação dos dados relacionados à pesquisa, inclusive para esclarecer eventuais dúvidas. 2. A salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade. 3. O direito de retirar-se da pesquisa no momento em que desejar.

IV – INFORMAÇÕES

Profª Dr. Heloisa Szymanski e Rosineide Barbosa Xavier Programa de Pós Graduação em Educação: Psicologia da Educação - PUCSP Rua Monte Alegre, 984 – Perdizes – São Paulo fone: 3670-8527 E-mail: [email protected]

Eu______________________________________________,conheço meus

direitos como participante de um projeto de pesquisa.

Compreendo sobre o que, como e por que este estudo está sendo realizado.

S.Paulo, ____/____/____ ___________________________ ________________________ Assinatura do Participante Pesquisador(a)

Page 116: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

115

ANEXO B

SINTESE DAS ENTREVISTAS

Primeiro encontro – entrevista

Participaram desse primeiro encontro: Henrique (diretor), Roberta (coordenadora)

e Marília (educadora). Convidada por essa equipe, estava presente também

Cristina, que cedeu gentilmente seu local de trabalho, uma oficina de costura, que

havia sido solicitado como espaço “secreto” para uma maior tranquilidade no

desenvolvimento da entrevista, visto que esses gestores são frequentemente

requisitados pela comunidade.

Introduzimos o encontro com a apresentação do objetivo do trabalho de pesquisa

e das modalidades da entrevista reflexiva. Colocamo-nos à disposição para

esclarecimento de dúvidas, agradecendo a disponibilidade a contribuir para a

efetivação desse trabalho. O primeiro pedido, como proposta de aquecimento do

encontro, foi que cada um se apresentasse dizendo o nome, quanto tempo de

atuação na comunidade e qual papel desenvolve.

Nesse momento de acolhimento recíproco, apareceram nas apresentações

algumas definições espontâneas sobre a compreensão do que é dialogar.

Roberta compartilhou sua experiência no “Diálogo e Participação” dizendo que a

levou a entender o diálogo como sendo uma ação em que uma pessoa fala e a

outra escuta, proporcionando comunicação. Marília confirmou essa ideia, dizendo

que o diálogo para ela é uma via de mão dupla, em um movimento de fala e

escuta, que torna necessária a reflexão, o entendimento e a articulação da

linguagem. Acredita que há diálogo em tudo o que se faz. Ao se colocar no

posicionamento de escuta do outro, afirma ser necessário refletir sobre aquilo que

se vive: é um dialogar ou uma imposição de situação?

Page 117: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

116

Após esse momento, apresentamos a seguinte pergunta desencadeadora:

Vocês poderiam comunicar uma experiência de prática dialógica vivida nesse

grupo, durante o processo de construção coletiva do projeto político-pedagógico?

Henrique considerou como prática dialógica o próprio esforço de fazer com que o

projeto não fosse um documento escrito somente por uma pessoa, mas por vários

membros da equipe. Evidenciou que o pensar coletivo é uma experiência

concreta de diálogo. De sua experiência no “Diálogo e Participação”, emergiu o

desejo de formar o Conselho Gestor para que pudessem planejar, discutir e

avaliar os projetos da associação de moradores de bairro de modo amplo.

Em seguida, Roberta apresentou sua dificuldade de lembrar-se de um exemplo de

práticas dialógicas, nos encontros de elaboração do projeto político-pedagógico.

Apresentou outros exemplos que vivera na educação de seus filhos, no

relacionamento com as educadoras e nos contatos com os familiares das crianças

do CEI, considerando-as experiências que deram certo. Acredita que o relato de

experiências de diálogo, vivido de modo positivo, poderá ajudar as pessoas que

encontram dificuldades em viver o diálogo. Ao ser solicitada novamente a relatar

uma experiência de diálogo nos encontros de construção do projeto político-

pedagógico, confirmou não conseguir percebê-la ainda. Referiu somente que a

participação, para ela, é um elemento fundamental na aprendizagem e na

elaboração do projeto político-pedagógico, lamenta que nem sempre todos os

membros gestores conseguiram participar desse trabalho.

Henrique lembrou-se das dificuldades de conseguir um trabalho contínuo na

educação das crianças envolvidas no CEI e no Agente Jovem. A associação

tentou um trabalho conjunto com uma EMEF e não deu certo. Atualmente,

conseguiram estabelecer uma relação muito positiva com outra escola do mesmo

porte, todos participando das reflexões do “Diálogo e Participação”. Disse também

que, durante as discussões dos gestores e educadores sobre o projeto político-

pedagógico, surgiu a proposta de elaboração com todo o colegiado do CEI e do

Agente Jovem, inclusive com a presença dos voluntários, de um encontro sobre a

concepção de criança e Educação Infantil. Roberta disse que esta última

Page 118: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

117

iniciativa, apontada por Henrique, é realmente um fruto importante das discussões

desse grupo.

Enquanto escutava os relatos de todos, Marília lembrou-se de um exemplo de

situação não dialógica, que presenciou em uma escola onde fez estágio: um

educador gritando com um aluno no corredor da escola. Em relação à sua

experiência na construção do projeto político-pedagógico, deseja escutar e

receber experiências novas. Lembrou-se de quando o “Apoio à Gestão” convidou

os gestores e educadores para irem ao computador e assim pesquisarem juntos

na internet em que consistia o projeto político-pedagógico, exigido pela Prefeitura.

Vivenciou esse momento como dialógico, definindo-o como um movimento de

tentar descobrir o que está ao redor.

Cristina demonstrou sua preocupação em relação ao futuro das crianças e da

juventude, devido à violência no bairro e ao pouco acompanhamento educacional

de algumas famílias.

Segundo encontro – devolutiva

Nesse momento de devolutiva da primeira entrevista, não foi possível realizar um

único encontro com todos os participantes, pois a associação estava passando

por um processo de trocas de funcionários e reformulação de funções. A

disponibilidade de tempo das pessoas que participaram desta entrevista ficou

limitada, devido à não coincidência dos horários.

Para a viabilidade dessa modalidade da entrevista, optamos em fazer a devolutiva

em momentos diferentes, com cada um dos três integrantes da pesquisa: Cristina

(representante da associação), Marília (coordenadora) e Henrique (diretor). Não

foi possível realizar esse encontro com Roberta, dado que não trabalhava mais no

CEI.

Cristina confirmou o que escrevemos sobre sua fala. Disse que continua

preocupada com o aumento da violência no bairro. Enfatizou a necessidade da

Page 119: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

118

família dos jovens trabalharem mais na associação da comunidade, incentivando

a participação também dos filhos.

Após tomar conhecimento do material escrito sobre sua fala, Marília quis explicar

melhor que entende por diálogo todos os momentos vividos na relação, inclusive

uma fala expressa de modo agressivo.

Henrique, a respeito da vontade de formar um Conselho Gestor da associação,

informou que representava um seu desejo expresso algum tempo atrás, mas,

faltando clareza nessa proposta, segundo os gestores da associação, o desejo

não foi assumido por todos. Após a implementação do “Diálogo e Participação”, e

de outro projeto voltado à melhoria habitacional, os gestores da associação

perceberam que era importante formar um Conselho Gestor, para que as

decisões fossem tomadas em grupo.

Terceiro encontro – entrevista

A segunda entrevista aconteceu em um novo momento desse grupo, uma vez que

passou a agrupar-se à equipe um número maior de participantes. Os encontros

de construção do projeto político-pedagógico passaram a ser desenvolvidos aos

domingos, facilitando a presença de outras pessoas que até então não haviam

participado.

Estavam presentes, nesse encontro, dois gestores que participaram da entrevista

anterior: Henrique (diretor) e Marília (coordenadora). Não foi possível, para

Cristina (representante da associação), participar nesse dia. Logo que

apresentamos a proposta da entrevista reflexiva coletiva, vivenciada pelo antigo

grupo, os novos integrantes se disponibilizaram a participar das entrevistas.

O primeiro momento da entrevista se desenvolveu com a retomada do tema da

pesquisa e do objetivo das entrevistas e a apresentação dos novos componentes

do grupo. Os participantes foram: Luiz (coordenador), Andréa (coordenadora),

Edson (educador), Rogério (educador), Marília (coordenadora), Luisa

Page 120: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

119

(educadora), Ângela (educadora), Ester (representante da associação) e Henrique

(diretor).

Em seguida, foi proposto a todos que relatassem qual era a experiência dialógica

vivida nos encontros de elaboração do projeto político-pedagógico, por meio de

um exemplo, como se contassem para alguém que não tivesse conhecimento do

trabalho do grupo.

Ester logo apresentou sua compreensão de diálogo como conversa de duas

pessoas, por meio da fala e da escuta.

Andréa, para verificar sua compreensão da proposta da entrevista, expôs um

exemplo. Disse que convidou Amanda, uma adolescente de 17 anos, para estar

presente na construção do projeto político-pedagógico. Ao fazer o convite,

explicou-lhe o que seria essa proposta de construção coletiva, compreendida por

ela como uma reunião de pessoas que se propõem refletir sobre a teoria que

norteará todo trabalho da organização.

Como essa entrevista aconteceu no final de um dos encontros de construção do

projeto político-pedagógico, Marília informou que, para levantar os dados que

precisava apresentar para o trabalho desse dia, ela teve que, além dos dados

escritos que encontrou, pedir informações para algumas pessoas. Afirmou que é o

saber ouvir e o saber falar das pessoas que vai enriquecer o trabalho do grupo.

Luiz identificou diálogo como trocas de experiências e recordações de fatos

marcantes. Disse que, aquilo que relatou de sua vivência para construir o histórico

da associação, foram experiências de trocas vividas.

Aliada a essa fala, Andréa contou que, nas trocas profissionais, muitas vezes as

pessoas falam coisas que proporcionam reflexão, virando até provocações para

planejar trabalhos, mesmo que essas falas tenham acontecido de modo informal.

Exemplificou isso dizendo que, dias anteriores, estava preparando um churrasco

em sua casa, conversando com pessoas de sua família que trabalham na

associação. Falou-lhes a respeito do projeto político-pedagógico. O que

conversaram, a partir disso, foi para ela enriquecedor.

Page 121: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

120

Para Rogério, o diálogo vivido na equipe se transformou em aprendizado muito

interessante. Por ser novo na associação, o diálogo desse grupo proporcionou-lhe

um conhecimento histórico do local onde trabalha. Deseja transformar o novo

conhecimento que está adquirindo em material de estudo para ser trabalhado com

os jovens.

Edson concordou com Rogério, pois relatou ter descoberto muitas coisas da

história do bairro, jamais imagináveis se não lhe fossem descritas.

Ester apresentou sua experiência, a de estar contribuindo como protagonista para

a construção da história dessa associação, como um fato importante em sua

vivência dialógica. Pertencer a esse grupo, que constrói o projeto político-

pedagógico, é para ela uma nova conquista histórica. Disse que, para fazer parte

dessa história, teve que se relacionar com outras pessoas, estar junto para

construir e ajudar.

Andréa explicou sua compreensão sobre a fala de Ester dizendo que está

contribuindo com o grupo por meio de seu relacionar-se com os outros, sendo

isso muito importante, em vista de construir algo maior.

Outro aspecto relacionado ao diálogo, para Luiz, são os momentos vivenciados

no dia-a-dia com as conversas “espelhadas” nas discussões do projeto político-

pedagógico. Sente que a participação leva cada um a “espelhar-se” no trabalho

do outro, acreditando poder fazer alguma coisa também, a partir do conhecimento

um pouco mais aprofundado que se adquirem.

Ângela compreendeu diálogo como algo não imediato, mas um trabalho

construído aos poucos. Do que se inicia hoje se colherá o fruto mais adiante.

A integração entre os projetos e os vários atores dos projetos da associação, tem

sido, para Henrique, uma grande experiência de diálogo, vivido no sentido da

participação, da colaboração, da contribuição, da escuta. Percebeu a participação

das pessoas acontecendo de diversas maneiras. Quem não pôde estar presente

nas discussões de domingo, integrou-se no mesmo durante a semana. Disse que,

no processo de participação, são poucas as possibilidades de alguém ficar neutro.

Page 122: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

121

Compreendeu que houve uma grande abertura a participar por parte da maioria,

mas existe também uma certa resistência. Classificou as mudanças que o projeto

político-pedagógico trouxe e irá trazer, como experiência de diálogo. Contou que

ocorreram mudanças positivas nas relações de poder entre a equipe, pois as

pessoas estão conversando mais entre elas. O diálogo também, segundo ele,

relacionou-se ao poder porque foi preciso haver abertura e disponibilidade por

parte das pessoas. Às vezes, não encontrou disponibilidade na participação, por

deparar-se com pessoas que tinham outras prioridades além daquela de se

encontrar para discutir sobre as decisões a serem tomadas.

Luiz também percebeu que existe uma abertura maior ao diálogo, no sentido de

disponibilidade a conversar e participar. Segundo ele, o trabalho ficou bem mais

gostoso e mais interessante. Antes, não percebia uma relação de colaboração

entre as entidades sócio-educativas dessa associação. Hoje, havendo maior

integração entre CEI e Agente Jovem, é possível ter uma visão do todo quando se

encontram para tomar decisões. Para ele, essa mudança aconteceu por meio de

conversas, informações, escuta do outro na tomada de decisões. Disse que agora

é possível chamar o grupo todo de uma equipe.

Henrique apresentou a escuta como um fator importante em sua experiência

dialógica. Sente a necessidade de reservar tempo para escutar algumas pessoas

a fim de entender melhor sobre as causas de suas resistências. Confessou que,

muitas vezes, não parou para ouvi-las. Acredita que a experiência de escuta, no

diálogo, leva a perceber onde estão as dificuldades da associação, para assim

trabalhar a partir delas. Admitiu, porém, que é uma tarefa difícil encontrar tempo

para ouvir as pessoas.

Quarto encontro – devolutiva

Iniciamos esse encontro de devolutiva com a leitura da síntese da entrevista como

possibilidade de lembrar a experiência vivida, assim foi possível expor ao grupo a

nossa compreensão da fala de todos. Participaram desse momento: Henrique

Page 123: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

122

(diretor), Marília (coordenadora), Cristina (representante da associação), Luiz

(coordenador), Edson (educador), Rogério (educador), Luisa (educadora), e Ester

(representante da associação).

Enquanto líamos o material, Luiz acrescentou um dado em sua apresentação: sua

participação no projeto da associação voltado à melhoria da estrutura das casas e

das ruas do bairro. Nesse projeto, começou atuando como coordenador, e no

momento atua como assessor da gestão. Comunicou também que, nos dias

seguintes iria assumir a coordenação do Agente Jovem e da Escola de

Informática, já que Andréa desligou-se dessa função.

Após termos finalizado a leitura do material de síntese das ideias presentes nas

falas, interrogamos o grupo sobre nossa compreensão, pedindo também se

teriam gostado de rever algo ou acrescentar ideias mais esclarecedoras.

Percebemos, nos semblantes das pessoas entrevistadas, o impacto positivo

diante de suas próprias ideias que vinham sendo relatadas por um outro. Alguns

expressaram frases de encantamento e surpresa. Afirmaram a identificação com

as palavras escutadas.

Luisa relatou que escolheu ficar em silêncio na entrevista por acreditar que o

silêncio também é uma forma de diálogo. Ao perguntar-lhe se teria gostado de

expor algo mais, ela respondeu que percebeu o conteúdo da fala de todos como

algo que correspondia ao que ela acreditava. O diálogo, para ela, além do que foi

dito, é também compreensão de mundo. Afirmou que assumir uma atitude

dialógica conduz a compreender melhor o mundo, as coisas, as pessoas. Ter o

diálogo como base, torna mais fácil caminhar, desenvolver-se, formar-se como

pessoa, como ser humano.

Como Cristina não estava presente na segunda entrevista, desejou expor sua

contribuição sobre o assunto discutido. Percebeu interessante o como todos nesta

equipe estão compreendendo a proposta de construção do projeto político-

pedagógico como algo participativo. Citou, como exemplo, o fato da equipe ter

convidado recentemente uma representante da associação, que não tem vínculo

empregatício nas organizações sócio-educativas, para fazer parte da construção.

Page 124: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

123

Além disso, disse que a retomada da história da associação foi, para ela, algo

muito significativo. Realçou a importância de valorizar as pessoas que, desde o

início, contribuíram nessa história. Percebeu-se, neste cenário histórico,

participante das mudanças já ocorridas.

Pedimos ao Henrique que explicasse melhor sua fala sobre a ocorrência de

resistência na vivência do diálogo. Ele disse perceber, em algumas pessoas da

associação, a existência de fatores de inibição à expressividade, elas preferem

viver o silêncio ou falar nos bastidores ao invés de expor, no momento mais

adequado de escuta e de discussão, o que pensam. Acredita que esta dificuldade

aparece devido a fatores emocionais, o que constitui, para ele, um ponto crítico no

diálogo. Segundo ele, na associação existe espaço de abertura à expressividade

dos pensamentos, dos diferentes modos de perceber as coisas. É necessário ter

disposição interior para expor o que está escondido dentro de si; assim, também

essas pessoas poderão até encontrar parceiros de pensamento e de convicções.

Várias vezes, Henrique percebeu que, quando reprimiram aquilo em que

acreditavam, houve repercussão na atuação profissional dessas pessoas.

Advertiu o risco de cair numa situação de obediência, entendida como submissão,

ao invés de viver o diálogo, que para ele, pressupõe a crise, a crítica, o embate,

no sentido do enfrentamento de ideias, de valores, de crenças.

Quinto encontro – entrevista

Estavam presentes nesse encontro: Henrique (diretor), Marília (coordenadora),

Luisa (educadora), Ângela (educadora), Luiz (coordenador), Ester (representante

da associação), Edson (educador), Rogério (educador).

Iniciamos esse encontro com a exposição do quadro sintético de todo percurso

percorrido para a construção do projeto político-pedagógico. Após a leitura do

quadro e exploração do que foi acontecendo nos encontros, introduzimos a

seguinte provocação:

Page 125: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

124

Diante de todos os encontros vividos para construir coletivamente o projeto

político-pedagógico, relate um momento marcante que você chamaria de

dialógico.

Para Luisa, o momento mais marcante foi a experiência que viveu em seu

primeiro dia no processo de construção do projeto político-pedagógico. Nesse

encontro, foi elaborado o resgate histórico do CEI e do Agente Jovem. Ali, ela

pôde conhecer mais a vida da associação, por meio das trocas de ideias, das

conversas sobre aquilo que sabiam a respeito da fundação da associação de

moradores de bairro. Identificou essa experiência como um momento profundo de

diálogo: nas trocas de ideias, nas conversas, e no encontro de reflexão entre

grupos.

Ester identificou como experiência dialógica a atividade de avaliação institucional.

Esse momento aconteceu no primeiro dia de encontro sobre o projeto político-

pedagógico.

A elaboração do histórico das entidades também foi lembrada por Edson. Ele

relatou que como consequência desse momento vivido, no dia anterior da

entrevista, eles haviam realizado uma reunião em que Ester contou suas

experiências na associação. Isso foi novidade para muitos. Disse que percebe

pessoas caminhando na rua da comunidade bem vestidas, de boa aparência, mas

que por trás dessa realidade da comunidade, existem pessoas que sofrem,

passam por muitas necessidades. Acredita que é preciso trazer para o diálogo

vivido no contexto do projeto político-pedagógico a discussão dessas questões

que pertencem à associação, para que haja uma melhoria.

Rogério iniciou sua fala ressaltando a importância do diálogo no seu trabalho com

os jovens. Há poucos dias, fez uma atividade com os jovens para juntos

identificarem os problemas na comunidade. Discutiram sobre a problemática que

estão enfrentando em relação ao ponto de ônibus. Disse aos jovens que foi por

meio do esforço da associação que se conseguiu a linha de ônibus, por isso,

pede-lhes para valorizar esse trabalho, propondo, ao invés de criticá-lo,

conscientizar sobre sua atuação no bairro, valorizando as pessoas que estão na

Instituição. Ele tomou conhecimento do trabalho da associação por meio do

Page 126: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

125

diálogo vivido na construção do projeto político-pedagógico. Pediu a esses jovens

que fossem à sala do Agente Jovem observar o mural construído com a linha do

tempo da associação.

Luiz acrescentou sua reflexão sobre o trabalho com os jovens no Agente Jovem,

dizendo que tomou como base para a sua atuação o trabalho do diagnóstico da

associação, atividade essa feita no “Diálogo e Participação”. Nessa ocasião, os

jovens identificaram a necessidade de ter na associação um ônibus para

deficientes. Segundo ele, chegaram a essa visão por meio da conversa entre

eles. Agora, junto com a associação, os jovens entrarão na luta para a construção

da estrutura do ponto de ônibus para acolher as pessoas. Em relação à

experiência mais marcante, escolheu o resgate do passado, identificado como

momentos de batalha e de luta. Destacou a percepção do conquistado como

incentivo para continuar e tentar conseguir mais.

Todos os encontros do projeto político-pedagógico proporcionaram um maior

diálogo entre os projetos da associação, afirmou Marília. Disse que, antes, cada

um ficava no seu espaço reservado: CEI, Agente Jovem e associação de

moradores de bairro. Atualmente, não é mais assim, todos estão conversando e

montando algo juntos, como está acontecendo para a organização da festa

junina. Esse foi o ato de diálogo que ela escolheu como o mais importante.

O resgate da história das organizações educativas foi novamente nomeado,

dessa vez, por Ângela. Parabenizou Luiz e Henrique pelos registros mentais

dessa história, que naquele momento de construção do projeto político-

pedagógico foram colocados por escrito. Considerou “legal” viver os momentos de

debates no grupo: cada um, com sua visão diferente, contribuiu para que se

pudesse chegar a um consenso no projeto político-pedagógico.

Solicitamos que Ester explicasse um pouco mais ao grupo como percebeu que foi

dialógica a experiência da avaliação institucional. Ela apresentou por primeiro o

que foi vivido: colocar em comum no grupo quais as instâncias de atuação

presentes nas entidades, classificando-as em sua importância para constituir o

projeto político-pedagógico. Disse que Henrique, como diretor, ficou como pilastra

de tudo. Durante essa discussão, relata, uma pessoa dirigiu-se a ela dizendo que

Page 127: PROJETO DE PESQUISA - sapientia.pucsp.br · proceso de construcción colectiva del proyecto político-pedagógico, ... emergió relacionado a los movimientos de construcción y descubierta,

126

a percebia mais presente agora, do que antes, quando era educadora. Ester

conta-nos que acolheu essa crítica como construtiva. Disse também que, nesse

encontro, decidiu-se quem iria participar da construção do projeto político-

pedagógico.

Henrique apresentou como momento mais importante e significativo, a respeito do

diálogo na construção do projeto político-pedagógico, o esforço de divulgação

desse processo, ou seja, o fato de trazer mais pessoas para participar. Falou que,

em vários momentos, encontrou pessoas interessadas. No encontro oferecido a

todos os segmentos das entidades, sobre a concepção de criança e Educação

Infantil, algumas pessoas se sensibilizaram para participar desse processo.

Henrique elogiou aqueles que, de alguma maneira, reservaram um pouco mais de

seu tempo para discutir e levar para outras pessoas o que está acontecendo na

construção do projeto político-pedagógico.

Sexto encontro – devolutiva

Este foi o último encontro. Apresentamos a síntese do encontro anterior a todos

os presentes: Henrique (diretor) Marília (coordenadora), Luiz (coordenador),

Edson (educador), Rogério (educador), Luisa (educadora), e Ester (representante

da associação). Fizeram somente algumas correções de pequenas

incompreensões presentes no texto. Finalizamos com um agradecimento a todos

pela participação nesta pesquisa.

Luisa expressou sua experiência ao ter participado das entrevistas dizendo: “Foi

boa a experiência das entrevistas, faz a gente pensar, mexer um pouco no

cérebro. Às vezes, a gente se acha tão incapaz de falar ou de pensar certas

coisas. A gente faz uma certa relação com a vida, e esse momento de entrevista

serve para exercitar a massa cerebral.”