Projeto e Favela - Metodologia para projetos de urbanização

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo

PROJETO e FAVELA: metodologia para projetos de urbanizao

LAURA MACHADO MELLO BUENO

So Paulo, setembro de 2000

UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

PROJETO E FAVELA: metodologia para projetos de urbanizao

Tese apresentada a FAUUSP para obteno do grau de doutor Laura Machado de Mello Bueno

Orientador:

prof. Dr. Philip Oliver Mary Gunn

So Paulo, setembro de 2000

SBanca examinadora:orientador

Philip Oliver Mary Gunnprofessor da FAUUSP

Esta tese representa, para mim, o coroamento de um ciclo de estudos sobre o ambiente urbano iniciado em 1972, quando ingressei na FAUUSP Desde os . primeiros anos na universidade, j estive metida em visitar, conhecer e ajudar os loteamentos e favelas das nossas periferias, na busca da ampliao dos direitos relativos qualidade e dignidade da vida. Sempre valorizei a militncia poltica. Mais tarde, na Emplasa, a Empresa Metropolitana de So Paulo, trabalhando com Farid Helou, Phillip Gunn e tantos outros, tive meu primeiro contato com a gesto urbana institucionalizada. Participei, como funcionria da empresa pblica, junto com a Prefeitura de Embu, da criao e desenvolvimento de um programa para urbanizao de favelas deste municpio, em 1984. Minha visita ao Japo, em 1986, ampliou os horizontes. A certeza de haverem inmeras formas como a humanidade pode se organizar e produzir o espao urbano foi provada. Ficou claro que entre as nossas cidades e as japonesas havia uma diferena fundamental: no Japo, como o proprietrio de grandes terras urbanas era o Imprio (e sua nobreza) derrubado com a Segunda Guerra, foi possvel transformar os latifndios em terrenos pblicos e viabilizar uma poltica urbana e habitacional para o bem-estar social. Ou seja, havia se realizado, de alguma forma, a funo social da propriedade. Busquei transferir para a nossa realidade alguns instrumentos aprendidos no exterior - como o "land readjustment", atravs do qual, no Japo, possvel reorganizar os ttulos de propriedade pblica e privada de uma rea, transformando parte dela em rea de infra-estrutura ou equipamento pblico, ou valor imobilirio equivalente. Logo percebi, porm, que as irregularidades, as ilegalidades (aliadas eterna falta de recursos) que grassam em nosso pas, impediriam chegarmos a aes concretas. Em 1987 pedi demisso do estado. Ainda em 1986 tornei-me tambm professora, em Mogi das Cruzes, e em 1987, na PUCCampinas, ingressando em 1988 no programa de mestrado da FAUUSP Durante alguns anos trabalhei como . autnoma, uma experincia instigante e profcua. Como sempre, realizei muitas visitas de campo, para elaborar estudos de impacto ambiental e projetos urbanos. Conviv com muitos outros profissionais e cientistas e lderes populares, que, mesmo de outros campos e experincias, procuravam uma melhoria para a populao brasileira e mundial. Em 1989 passei a trabalhar para a Prefeitura de So Paulo, chamada "para tentar defender os mananciais da zona sul" dos movimentos de ocupao irregular, que eu tanto prezo. Foi uma grande escola, e realmente, um processo coletivo de transformao. Em 1994, apresentei minha dissertao de mestrado - O saneamento na urbanizao de So Paulo, na FAUUSP na qual desenvolvo uma sntese em escala , ampla, macrorregional, de um problema de planejamento e gesto do territrio, que afeta diretamente a nossa qualidade de vida urbana. Como profissional, meu cotidiano tem sido a avaliao emprica. Na PUCCAMP tenho tido , centenas de alunos, vindos de diferentes cidades, com vivncias diferenciadas, e os chamados participao nos fatos polticos - como no grupo sobre favelas da Pastoral da Moradia de So Paulo tm sido atendidos com muito entusiasmo. Com os alunos tenho feito visitas a conjuntos habitacionais, obras de drenagem, de urbanizao de favelas, avali ao de peque nas bacia s hidro grfi cas urbanas, prtica que considero a essncia do processo de ensino. A eles devo o estmulo constante, fundamental para prosseguir em minha jornada. Go st ar ia de ag ra de ce r, es pe ci al me nt e, a oportunidade que me foi oferecida de compartilhar da argcia de Ermnia Maricato e Philip Gunn e o apoio incondicional de Maria Helena Ferreira Machado e de Ilka Bueno, minha me.. Eleusina Holanda de Freitas, que tornou realidade esse volume de informaes, imagens e reflexes que eu juntei, meu sincero agradecimento. Sou grata tambm aos incansveis Ana Paula Farina, Valdir Ferreira Junior e Elisngela Canto, pelo apoio, e a Patrcia Campos de Sousa, pela esmerada reviso que fez de parte da tese. Registro aqui minha gratido ao LABHAB da FAUUSP , a Cid Blanco e Lus Renato Bezerra Pequeno, pelo livre acesso ao material bibliogrfico e iconogrfico requisitado, bem como Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUCCampinas e ao Programa PICDT/ CAPES/PUCCampinas, pelo apoio recebido durante a elaborao da pesquisa e redao deste trabalho. Finalmente, a todos os cidados do mundo que ousaram ocupar terrenos e edificaes movidos pelo contrrio da cobia, a solidariedade contra a indignidade humana.

professora da FAUUSP

Suzana Pasternak Taschner Eduardo Cesar Marquesprofessor visitante FFLCH/DCP/USP

Carlos Roberto Monteiro de Andradeprofessor da EESC-USP

Ficha bibliogrfica: Bueno, Laura Machado de Mello Projeto e favela: metodologia para projetos de urbanizaoTese de doutorado apresentada FAUUSP So Paulo, 2000

Favela, projeto de urbanizao, reurbanizao de favelas, assentamentos informais, ilegalidade da apropriao da terra, habitao social, projeto e obras, tecnologias alternativas, infraestrutura urbanaFicha tcnica: Projeto grfico: Eleusina Freitas Capa: Foto de Laura Bueno Impresso: Copylaser

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Palavras-chave:

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professora da FAUUSP

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Ermnia Terezinha Menon Maricato

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This thesis developes and presents a methodological sproposal for the improvement of projects and works for up-grading urban conditions of favelas in Brasil. The illegal settlement phenomenon is posed as one of the housing alternatives of the poor population of many peripheral countries, even the understood, including Brazil, among the emergent. Official policies on favelas in Brazil are centred to this thesis which also studies the origins and the growth of favelas , the development of relevant public policies and the access of favela dwellers to public services, as rights, within a case history of the So Paulo Municipality. The historically and socially constructed transformation,, of public policies and projects developed for favelas are presented, in the context of Brazilian experience ,specially So Paulo e Rio de Janeiro). The process of the development of methods of intervention and paradigms of urban settlement and design are considered, since 1940. Study cases results of urbanisation results works of favelas, in terms of build projects are presented, based on coletive empirical research developed in 1999. The social, urban and environmental adequacy of favela programmes is discussed. On the basis of research findings, the question of the landscape aesthetics and urbanised favelas is also discussed, focusing on the specific spacial qualities resulting from the design solutions. The central focus of the thesis is a contribution for the improvement of projects and construction in favelas, as a social and spatial wideness of the response to one of glaring inequities of Brazilian urbanization.

Essa tese de doutorado apresenta uma sntese metodolgica para aprimoramento da elaborao de projetos e obras de urbanizao de favelas. Conceitua-se o fenmeno do assentamento ilegal como uma alternativa entre as formas de proviso de moradia da populao pobre de pases perifricos, mesmo que emergentes, como o Brasil. Apresenta-se um quadro geral da poltica oficial para favelas no Brasil. Estudamos aqui tambm o aparecimento e crescimento das favelas e o desenvolvimento de polticas pblicas relevantes e da obteno de direitos a servios, tendo como foco o Municpio de So Paulo. traado o caminho histrico da reformulao, socialmente construda, dos partidos do projeto para as favelas, a partir, principalmente da experincia brasileira, e particularmente, So Paulo e Rio de Janeiro. Destaca-se o processo de desenvolvimento das polticas pblicas e dos mtodos e paradigmas dos assentamento e de projeto desenvolvidos a partir de ps guerra em algumas capitais brasileiras. So analisados tambm casos de obras de urbanizao de favelas pesquisados coletivamente em 1999 em cinco cidades brasileiras. A partir da pesquisa emprica brefenciada, faz-se uma discusso sobre a adequao urbanstica, e scioambiental. Destaca-se a questo da esttica da paisagem resultante na favela urbanizada, em que a ocupao original no foi orientada por projeto tcnico, e resultando em uma qualidade espacial especfica, social e historicamente construda. A tese fechada com a apresentao de uma contribuio ao aprimoramento do desenvolvimento de projetos e obras, bem como de uma maior amplitude social e espacial das respostas a uma das graves iniqidades da urbanizao brasileira.

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Segundo observou Guimares,1998: 82 "A frase 'O Brasil no mais um pas subdesenvolvido, um pas injusto' reflete cabalmente a equivocada percepo de um setor amplo da intelectualidade acadmica e poltica brasileira, cada vez mais desmentida quotidianamente pela realidade". De fato, precria a condio de vida de boa parte do povo brasileiro (de 25% a 50% da populao pobre ou muito pobre, estruturalmente subempregada, e no dispe de uma estrutura razoavelmente aceitvel de seguridade social aposentadoria, sade e moradia). As cidades sobretudo (e mais recentemente, no s as metrpoles, mas tambm cidades mdias) no oferecem condies urbanas completas, como mobilidade, fcil acesso aos locais de moradia, limpeza pblica e manuteno urbana, saneamento bsico, quanto mais ambientais, como reas verdes, de lazer, esportes ou cultura. O resultado um ambiente construdo como pouca qualidade espacial e muitos problemas que causam desconforto. A cidade no um ente abstrato, mas local de prefencial habitat humano, local onde so aplicados altssimos valores de dinheiro pblico. Os cofres municipais, estaduais, e federais (no caso de transporte, saneamento, desenvolvimento socioeconmico) constrem o ambiente comum. As diferentes classes sociais se apropriam e vivem (e convivem) nesses espaos. Bastante motivada por essa incapacidade das polticas pblicas de ampliar o acesso da populao condio de humanidade (no sentido de conforto, dignidade, respeito, integridade, eqidade), procurei me dedicar a uma reflexo transversa ao sentido do tecido social desenvovido no meio urbano. Questionando as decises sobre o uso dos fundos pblicos e, ao mesmo tempo, a adequabilidade da qualidade espacial s necessidades humanas (to complexas), busquei trabalhar numa escala mais especfica e mais humana, onde possvel dar importncia ao cheiro, umidade, ou s cores do caminho, como meios de melhorar as condies de vida da populao pobre, de atenuar a dura luta pela sobrevivncia a que submetida o povo brasileiro. Concordando com Oliveira, 1998: 215 "De fato, h algo mais tenebroso por trs da renncia ao combate ao desemprego e misria. que as classes dominantes da Amrica Latina desistiram de integrar a populao, seja produo, seja cidadania. No Brasil, vemos se juntarem - inclusive no local de moradia populao de origem migrante, j com geraes de analfabetismo e carncias diversas, nosso tradicional exrcito de reserva, de mo-de-obra de baixa qualificao, uma populao de jovens urbanos sem qualificao e inteis para o setor produtivo e uma populao de idosos que no tem nenhuma estrutura de amparo social, alm da casa prpria - quase sempre precria e ilegal. Considerando que o local de moradia o lugar onde se passa a maior parte do tempo, sobretudo a criana e o jovem que no estudam, o idoso, o desempregado, e que, como bem observou Castel,1995: 30 "em uma sociedade 80% urbana, os problemas so efeito da degradao da condio social em taxas elevadas de desemprego, ruptura da solidariedade de classe e falncia da transmisso dos laos familiares", torna-se evidente a necessidade de promoo de aes sobre o meio ambiente urbano onde essa populao dorme, acorda, vive e sonha (s vezes pesadelos).

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H um de sc re n a a ce rc a d e t es es acadmicas que pregam "como fazer as coisas", acusadas de simplificar a realidade para que esta possa se adequar ao modelo proposto. Este trabalho procura justamente superar essa simplificao ao levar em conta pelo menos 40 anos de experincias concretas. Cabe dizer tambm que, embora admitindo abertamente a possibilidade concreta de melhoria das condies de vida pro por cio nad a pe lo p roc ess o de urbanizao de assentamentos informais, no pretendo minimizar ou esconder as contradies estruturais dele decorrentes, cujo enfrentamento , sem dvida, uma tarefa urgente da sociedade (tanto quanto da academia). Como poltica oficial, a consolidao das favelas no ambiente urbano no supe a soluo do problema da deteno dos direitos de propriedade do solo. H conflitos quanto concepo do direito, e h conflitos quanto ao que fazer em relao s invases existentes e s que viro. Essa uma situao extremamente contraditria, mas a nossa realidade. A criao de uma favela ou invaso d-se sempre de maneira coletiva. Os moradores colocam-se como coletividade (da os no me s d e c om un id ad e o u n c le o habitacional, ou assentamento) para se defender do proprietrio. Por um lado, no possvel apoiar ou incentivar a invaso como forma de proviso de moradia digna; por outro, a invaso de terra urbana hoje considerada um ingrediente fundamental do processo de urbanizao (e do modo de produo brasileiro), ao retirar a demanda da moradia do leque de reivindicaes da populao pobre. Minha hiptese a de que j temos, no Brasil e em outros pases com assentamentos habitacionais irregulares e informais, uma sistemtica de procedimentos tcnicos e operacionais para atuao nestas reas. Mediante a avaliao de experincias acumuladas, hoje possvel sistematizar uma metodologia para o desenvolvimento de projetos de urbanizao de reas j habitadas, os quais, com vontade poltica e alguns recursos financeiros, podero se estender maioria dos moradores destes assentamentos. A tese est dividida em duas partes. A Parte 1 inclui uma introduo geral e cinco captulos. Na introduo, defino o conceito de favela utilizado, sua relao com a excluso social e as conseqncias polticas

e trao um quadro internacional (no global) da habitao informal em diferentes 1 continentes. O primeiro captulo faz um histrico da postura e ao das polticas ha bi ta ci on ai s of ic ia is br as il ei ra s. O segundo captulo centra-se na anlise da favela especificamente no Municpio de So Paulo, desde as primeiras invases at 1999. No terceiro, detenho-me na poltica habitacional levada a cabo neste municpio durante a gesto do Partido dos Trabalhadores - PT (1989-1992), quando se implementou um Programa de Ao em Favelas de grande amplitude. No quarto captulo procuro sistematizar a experincia br as il ei ra em pr oj et os e ob ra s de interveno em favelas nos ltimos 40 anos. No quinto captulo, a partir de uma ampla pesquisa coletiva realizada em oito favelas de cinco cidades brasileiras em 1999, busco avaliar o resultado da urbanizao destes reas. A Parte 2 compe-se de trs captulos. Nos dois primeiros proponho uma discusso sobre poltica e esttica e sobre produo social do espao, procurando avaliar os limites e potencialidades das obras de urbanizao de favelas. No oitavo e ltimo captulo procuro sistematizar uma proposta metodolgica para a ao em favelas e outros assentamentos informais, confiante de que j dispomos hoje de um acmulo notvel de experincias neste campo que precisa ser transferido para os profissionais envolvidos com polticas e projetos de habitao e urbanismo e inserido nos contedos de ensino. Nas cons ider ae s fina is dest aco as questes que essa reflexo to longa (desde 1985, na atividade profissional, e nos cinco anos do doutorado) abre para novas investigaes.1 Ver meu trabalho programado, "3.1. Poltica Habitacional e Favelas: estudos de caso", apresentado FAUUSP em 1998, sobre o fenmeno no exterior, em especial sobre os avanos no desenvolvimento de obras de integrao e regularizao urbana na Indonsia, Venezuela e outras cidades brasileiras, alm de So Paulo e Rio de Janeiro.

Esta tese versa sobre a viabilidade de realizar investimentos em assentamentos ilegais como forma de melhorar as condies de vida de seus moradores e romper o processo de excluso social e segregao espacial que tem acompanhado a urbanizao brasileira. Questiona-se, aqui, no apenas as solues habitacionais baseadas nos modelos tecnolgicos barateamento da unidade pelo processo construtivo -, mas tambm a poltica da moradia real, sem subsdio e com sobretrabalho, com construo gradual. Conforme j foi denunciado por John Turner,1968, em 1962, seguindo-se esta poltica no s a edificao, mas tambm seu entorno, estaro em construo por um longo tempo e sero utilizados antes de estarem completos.

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Pgs. Pgs. Apresentao ndice Introduo 7 9 11

Cap.

PARTE 125 1 2 3 4 5 Favela e poltica habitacional recente no Brasil A (no) poltica ps BNH A reviso do conceito do dficit habitacional Novos atores na poltica habitacional A posio das agncias internacionais de financiamentoReferncia bibliogrficas do captulo 1

PARTE 228 32 35 35 36 40 46 54 60 62 64 67 69 74 81 88 93 100 104 115 126 136 140 151 155 157 163 167 171 177 182 191 193 207 218 218 222 227 233 240 244 244 252 259 264 267 269 271 297Referncias Bibliogrficas do captulo 6

1. 2. 3.97

275

Introduo

Cap. Cap. Cap.

Favela e poltica de moradia no Brasil

6.277

Favela: uma Questo tambm Esttica A produo social do espao ocupado

A favela no municpio de So Paulo dos anos 40 aos 90

1 2 43 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6

Origem da favela em So Paulo A favela torna-se problema Da remoo ao direito de localizao Luz e gua nas favelas A presena das favelas na urbanizao brasileira Uma mudana na postura municipal Jnio e as favelas O Partido dos Trabalhadores A mudana da poltica habitacional Consideraes finaisReferncias bibliogrficas do captulo 2

Cap.

311

Referncias Bibliogrficas do captulo 7

7.299 1 1.1 1.2 1.3 2 2.1 2.2 2.3 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 5

A ao do governo municipal em favelas de So Paulo entre 1989 e 1992

O incio do governo A "virada" na ao em favelas O programa de urbanizao A operacionalizao da urbanizao de favelas Custos Avaliao Quadro da situao obras de urbanizao de favelas da PMSP em dezembro de 1992 Densidade habitacional bruta das favelas atendidas entre 1989 e 1992Referncias bibliogrficas do captulo 3

3.1 3.2

4. 5.

Desenvolvimento dos mtodos de ao e projeto em favela

159 1 A erradicao 2 O direito localizao 3 Novas estruturas de gesto para as favelas e as novas Solues urbansticas 4 Exigncias ideolgicas e fisiogrficas da reurbanizao demolio/reconstruo 5 As novas tecnologias 6 Da urbanizao parcial urbanizao integrada 7 Urbanizao de favelas como poltica urbana e socialReferncias bibliogrficas do captulo 4

Cap.

215

316 Apresentao 317 Advertncias 317 Atendimento s ocorrncias emergenciais 317 Produo de novas unidades habitacionais para moradores em favela 318 Complementao da urbanizao da periferia 319 Urbanizao como processo 320 Levantamentos necessrios 323 Diretrizes e escopo do projeto 326 Parmetros projetivos e de manuteno urbana 326 O projeto 326 Urbanismo e fisiografia 329 Abastecimento de gua 329 Drenagem e esgotamento 332 A integrao projetiva 333 Especificidades 335 Desenvolvimento das Obras (e do projeto) 335 A questo da participao popular 335 Formas de execuo das obras 337 Coleta de lixo 337 A habitao 338 Tecnologia alternativas e procedimentos adequados de manuteno 339 Servios importantes 340 ltima advertncia 343 345 352 353 355 356 360 362 Consideraes finais Bibliografia Entrevistas realizadas Lista de abreviaturas Lista de mapas Lista e referncias das figuras Lista de tabelas Lista de grficos

Cap.

8.313

Contribuio para o desenvolvimento de projetos e obras em favela

Cap.

anexos

Condies de vida urbana qualidade habitacional em favelas urbanizadas

1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 3

As favelas pesquisadas Castelo Encantado, Fortaleza Favelas Jardim Conquista e Jardim Dom Fernando I, Goinia Vila Olinda e Baro de Uruguaiana, Diadema Jardim Esmeralda e Santa Lcia II, So Paulo Ladeira dos Funcionrios/ Parque So Sebastio, Rio de Janeiro Discusso dos resultados Qualidade de vida urbana, habitao e caracterizao social e econmica Urbanismo Infra-estrutura e planejamento urbano e ambiental Habitabilidade Integrao, participao e cidadania Concluses Referncias bibliogrficas do captulo 5

1.Favela e Poltica de Moradia no Brasil

Parte 1

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A favela tem sido tratada, desde sua origem, como um problema a ser erradicado. A partir da dcada de 60, alguns estudiosos comeam a encarar os ncleos favelados como uma forma legtima de proviso de habitao. Mas essa no ser a postura oficial. A poltica habitacional do regime militar no se ocupar das favelas, limitando-se a propor a sua erradicao. Em diversas capitais do pas, algumas iniciativas para acabar com elas chegam a ser implementadas, sem obter sucesso ou generalizar-se como poltica, apesar de o crescimento das favelas ser notvel durante todo o perodo de ditadura militar. Com a redemocratizao do pas, acompanhada da agudizao da crise econmica e da concentrao de renda, a favela torna-se uma alternativa habitacional perene. Nos nveis federal e estadual, com raras excees, no existe, praticamente, uma poltica habitacional, e pouca coisa feita em benefcio dos ncleos favelados, a no ser alguns programas ligados a saneamento. Apenas os municpios tm tido alguma atuao sobre as favelas, seja pela presso do dficit habitacional, pelos problemas sanitrios e ambientais a elas relacionados, seja para responderem a demandas do capital imobilirio.

1.1.poltica habitacionalrecente no BrasilA poltica habitacional desenhada pelo governo militar, a partir da criao do Sistema Financeiro de Habitao (que somava os recursos das cadernetas de poupana voluntria, depositados no Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo, aos da poupana compulsria, depositados no FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Servio, estes com baixssima remunerao at o fim dos anos 80) e do 1 Banco Nacional de Habitao, foi um importante e poderoso instrumento da poltica econmica do regime, tanto pela criao de empregos na indstria da construo civil, quanto pelo fortalecimento e modernizao deste setor do capital, que tem grande participao do capital nacional. A idia da casa prpria como a nica soluo legtima para o problema da moradia foi disseminada no Brasil. Por um lado, a propriedade privada da moradia justificava, tornava natural a propriedade privada de todos os bens - terras, edificaes, fbricas, capital etc. Por outro, a ideologia de que qualquer trabalhador honesto poderia ter acesso casa prpria servia desmobilizao social e fragmentao da ao poltica dos setores menos favorecidos. Como observa Maricato, 1987:30:

Favela e

1 O BNH, alm de financiar a habitao, financiou obras de desenvolvimento urbano, em especial de saneamento, para as quais foi montado um esquema financeiro ( o Sistema Financeiro de Saneamento) e institucional (as empresas estaduais de saneamento). Ver Bueno, 1994.

Neste captulo procuro sistematizar a histria da proviso pblica de habitao no Brasil e a poltica oficial 27 recente para o setor, destacando, por um lado, a presena da favela como um problema urbano-habitacional e, por outro, a ausncia de um atendimento abrangente populao que nela habita.

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"O SFH possibilitou a capitalizao das empresas ligadas proviso de habitaes, permitiu a estruturao de uma rede de agentes financeiros privados, permitiu a realizao do financiamento produo e tambm o financiamento do consumo. O longo tempo de giro do capital na produo e o longo tempo de circulao da mercadoria habitao foram aliviados por meio da entrada desses recursos. A poltica de concentrao da renda levada a efeito durante o perodo assinalado viabilizou a ampliao de um mercado imobilirio para a proviso de residncias de tipo capitalista. O mercado de terras urbanas tambm se modificou com o funcionamento do SFH, principalmente porque a hipoteca para o financiamento passou a ser o futuro edifcio e no o terreno, como era a prtica anterior. Dessa forma o mercado de terras fica mais atrelado ao setor produtivo imobilirio." No entanto, como essa poltica habitacional tinha como princpios a propriedade privada da moradia, a seletividade do muturio unicamente por sua renda e o retorno financeiro dos empreendimentos, tendo em vista a continuidade dos programas, o morador da favela dificilmente poderia ser agraciado com um financiamento do SFH para melhoria habitacional no local. A condio ilegal do assentamento impedia a obteno do financiamento. Ao mesmo tempo, a baixa renda da populao moradora de favelas a impedia de ser aceita nos parmetros de endividamento definidos como compatveis com o retorno dos financiamentos. Assim, apesar de a condio de moradia na favela indicar a precariedade habitacional do pas e de os domiclios favelados terem sido considerados no clculo do dficit habitacional brasileiro adotado pelo BNH, a ao do Banco voltada s favelas foi insignificante e os financiamentos aos setores de mais baixa renda foram decrescentes. Souza,1999:33, informa que, se de 1964 a 1969 40,7% dos financiamentos do BNH voltaram-se 2 para a faixa de renda popular, no perodo de 1970 a 1974 a participao desta faixa cai para 12%. A explicao para esta queda, segundo Souza,1999:33, que "os investimentos no mercado popular, atravs das Cohabs, tiveram resultados que comprometiam a lgica empresarial da poltica habitacional. Os altos ndices de atraso no pagamento das prestaes e inadimplncia evidenciavam a dificuldade de atender ao mercado com renda de at 3 salrios mnimos, sem nenhum tipo de subsdio. Entre 1970 e 1974, cerca de 60% dos muturios das Cohabs apresentavam atrasos em suas prestaes e aproximadamente 30% estavam inadimplentes, com mais de 3 prestaes atrasadas. Conforme Azevedo e Andrade, citados em Souza, 1999, a inadimplncia da Cohab no Rio de Janeiro era enorme, de cerca de 65%, em funo de a maior parte das habitaes dos conjuntos ter sido destinada aos favelados removidos da Zona Sul da cidade.

A baixa capacidade de endividamento da populao mais pobre, seja pelos baixos salrios, seja pela informalidade e insegurana do subemprego, revelou-se o calcanhar de Aquiles do SFH. Para reequilibrar financeiramente o Sistema, o governo adotaria algumas medidas como a aprovao de um subsdio aos muturios em 1974 e, posteriormente, a liberao do abatimento de sua dvida atravs do saque da contribuio ao FGTS ou atravs da poupana do muturio inadimplente. O prazo dos financiamentos tambm foi aumentado para 25 anos. Estas medidas, entretanto, no tiveram o resultado esperado. Como bem observou Souza, 99:37-38: "Ao mesmo tempo em que o BNH criou melhores condies de acesso aos setores populares, a demanda atendida prioritariamente - famlias com renda entre 1 e 3 salrios mnimos - foi negligenciada. Isso por que a faixa de renda atendida pelo Planhap (Plano Nacional de Habitao Popular, de 1973) foi ampliada para 3 a 5 salrios mnimos e o limite do financiamento foi estendido de 320 UPCs para 500 UPCs. Estas medidas levaram reduo da inadimplncia entre muturios das Cohabs, de 36,3% em 1973 para 12,6% em 1978. No entanto, este "revigoramento" dos investimentos do setor popular se deu custas excluso da populao que recebia at 3 salrios mnimos. Em funo do grande nmero de vantagens que o financiamento das Cohabs oferecia, da recuperao do salrio mnimo, que pela primeira vez era corrigido acima das correes das prestaes, por um lado, e por outro, do alto preo da terra e da crise habitacional, os setores de maiores rendimentos passaram a ingressar nos programas populares. A partir de 1975, em funo de uma conjuntura poltica3 em que o Estado autoritrio necessitava ampliar sua legitimidade, o BNH ensaia alguns passos no sentido de atuar junto a estes estratos sociais excludos das Cohabs. Assim surgem o Profilurb, o Promorar e Programa Joo de Barro, programas habitacionais alternativos dentro do BNH, desenhados justamente para atender o "problema" da favela. O Profilurb (Programa de financiamento de lotes urbanizados) foi criado em 1975 para financiamento de lotes urbanizados, com infra-estrutura bsica, como ponto de gua, luz e ligao de coleta de esgoto, com ou sem a unidade sanitria. Concebido como o programa oficial para erradicao das favelas, o Profilurb seguia a orientao adotada pelos bancos internacionais (Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento) de facilitar o acesso terra e infra-estrutura, deixando ao trabalhador a tarefa de construir sua moradia, ao invs de compromet-lo com o financiamento de uma

A classificao do BNH deste 2 perodo inclui: mercado popular (conjuntos Cohab), mercado econmico (cooperativas, hipotecas e entidades assistenciais) e mercado mdio (o SBPE Servio Brasileiro de Poupana e Emprstimo e Material de Construo).

3 A partir da derrota eleitoral do governo ocorrida em 1974 e da articulao da oposio ditadura, inicia-se um novo momento poltico no Brasil, que levar ao incio da abertura poltica em 1979.

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unidade em um conjunto habitacional, que ele no tinha condies de pagar. Desenhado para todo o Brasil, o programa financiava lotes entre 80 e 370 m2. O prazo mximo de financiamento era de 25 anos, com juros de 2% a 5% ao ano, e o teto mximo era de 120 UPCs. Os dados levantados por Rossetto, 1993, sobre alguns conjuntos do programa (ES, RJ, SC) demonstram que a renda da populao atendida era menor do que trs salrios mnimos. Contudo, o fato de apenas 70 mil unidades terem sido financiadas pelo Profilurb de 1975 a 1984 indica a pouca eficcia do programa. O Promorar (Programa de erradicao da subhabitao) foi institudo em 1979 para fazer face ao crescimento assustador das favelas nas grandes cidades brasileiras ao longo da dcada de 70. Tinha como objetivo central "erradicar ou recuperar favelas, palafitas ou mocambos, atravs do saneamento e urbanizao da rea, seguido da construo de moradias compatveis na rea ocupada".4 O programa 2 financiava unidades habitacionais de at 24 m , oferecia o financiamento de at 300 UPCs, com prazo mximo de 30 anos e 2% ao ano de juros. Executado por empresas construtoras, o Promorar financiou 206 mil unidades em todo o Brasil at 1984, quase trs vezes mais unidades do que o Profilurb, mas ainda muito pouco diante da demanda existente. Apesar da inexpressividade numrica deste programa, sua implementao sinalizava uma mudana radical da postura oficial em face das favelas, na medida em que se passava a aceitar a possibilidade de regularizar juridicamente uma invaso de terra urbana. Tratava-se, portanto, de uma ao de consolidao de favelas. O Programa Joo de Barro foi criado em 1982, j em plena abertura poltica e em uma conjuntura de crise econmica. Tinha como objetivo "proporcionar o acesso habitao com a participao da coletividade, atendendo prioritariamente s cidades do interior e destinado s famlias com renda de at 3 salrios mnimos, comprometendo at 10% de sua renda familiar".5Alm do financiamento do terreno e do material de construo, o programa deveria fornecer tambm orientao tcnica. O financiamento mximo era de 120 UPCs, com juros de 2% ao ano e prazo de 30 anos. As prefeituras municipais deveriam fornecer a infra-estrutura urbana. O Programa Joo de Barro teve pouqussima eficincia, com apenas 7 mil unidades produzidas at 1984, em especial em pequenas cidades do interior do Nordeste. Analisando-se a produo do BNH pela faixa de renda da populao atendida, verifica-se a inexpressividade de sua atuao junto s populaes

de mais baixa renda. Segundo Taschner,1991, entre 1964 e 1985 o BNH financiou 3,2 milhes de unidades para famlias de renda superior a cinco salrios mnimos, contra 1,2 milho de unidades para famlias com rendimentos de at cinco salrios mnimos. Desse 1,2 milho de unidades, apenas cerca de 285 mil eram provenientes dos trs programas alternativos acima referidos. Fazendo um balano da atuao global do BNH, Souza,1999:49, afirma que "o desempenho social do Banco foi dbil, como mostram diversos autores. Apenas 33,6% das unidades habitacionais (1964 a 1986) foram destinadas aos setores populares, sendo que a populao com rendimento entre 1 e 3 salrios mnimos, que foi atendida atravs dos programas alternativos implementados pelo BNH a partir de 1975, foi contemplada com menos de 6% dos total de unidades financiadas."

A (no)

1.2.polticaps- BNHA crise econmica dos anos 80 acabou por implodir o sistema do BNH. Em 1986 o Banco fechado e seus contratos e fundos so transferindos para a Caixa Econmica Federal (CEF). A recesso econmica praticamente paralisou o setor, sendo fechadas, por resoluo do Banco Central de 1987, todas as possibilidades de novos financiamentos para os setores populares, mesmo s Cohabs.6 O uso das polticas de moradia pelo populismo eleitoral comum, seja atravs das obras, seja atravs de aes assistencialistas, como cestas bsicas, ticket-leite, ligaes de gua e pequenas obras. Esse tambm um espao para as pequenas (e grandes) corrupes.

Segundo relatrio do BNH de 4 1982, citado por Rossetto, 1993:120. Segundo relatrio do BNH de 5 1982, citado por Rossetto, 1993:120.

31

Durante o governo Jos Sarney (1985-1990) criada a SEAC - Secretaria Especial de Ao Comunitria, iniciativa com a qual o presidente pretendia ampliar sua legitimidade numa situao de crise econmica mundial e de crise poltica decorrente do processo de redemocratizao. A nova secretaria tinha como objetivo coordenar diversos programas voltados para as faixas de renda mais baixa: obras de infra-estrutura e regularizao fundiria em favelas, construo de habitaes em regime de mutiro, instalao de equipamentos comunitrios em favelas. Seus recursos, provenientes do Finsocial, seriam repassados a fundo perdido pelo BNDES para prefeituras ou organizaes comunitrias.

32

Apesar da pouca expresso numrica dos programas implementados e dos desvios populistas e de 6 interesses privados na distribuio dos recursos, a iniciativa iria consagrar trs novos atores na construo de polticas habitacionais: os assentamentos irregulares, as organizaes comunitrias e as prefeituras.

Estes novos atores estaro presentes no desenho institucional das polticas habitacionais propostas nos anos 90, nos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, perodo de grande conturbao poltica e de constantes mudanas na estrutura institucional de gesto da questo urbana, habitacional e social, quando ministrios e secretarias so criados e dissolvidos, programas de habitao social so montados e desmontados ao sabor das mudanas no controle da poltica nacional. Durante o governo Collor foram criados os seguintes programas habitacionais: Programa Empresrio Popular, Programa de Habitao Popular e Programa de Cooperativas, com recursos do FGTS; Programa de Construo e Recuperao de reas Degradadas, com recursos do Oramento da Unio, e o Plano de Ao Imediata para Habitao - PAIH, com recursos do FGTS e dos municpios/agentes promotores. O Ministrio de Ao Social tambm criou os programas Prosanear e Prosege para financiamento de obras de saneamento executadas por rgos municipais ou concessionrias estaduais. O PAIH foi o nico desses programas que teve alguma expresso. Tendo como meta construir 245 mil unidades at abril de 1992, entregou cerca de 220 mil unidades em 785 empreendimentos. Entretanto, irregularidades diversas e o comprometimento do retorno do dinheiro do FGTS, em funo da arquitetura financeira do programa, criaram grandes problemas para sua implementao, sobretudo para a comercializao de muitos conjuntos, cujas unidades, alm de pequenas e de baixo padro construtivo, tinham um custo do financiamento muito 7 alto, incompatvel com o produto. No governo do presidente Itamar Franco, empossado em 1992, surgiram outros programas: o Habitar Brasil e o Morar em Pequenas Comunidades, para urbanizao de favelas e construo de habitaes em regime de mutiro, a serem executados pelos governos estaduais ou municipais com recursos do Oramento da Unio; o Programa Nacional de Tecnologia da Habitao, vinculado ao Habitar Brasil, para promover inovaes tecnolgicas de combate ao desperdcio e melhorar a qualidade das construes, com recursos do Oramento federal; os programas Habitao do Trabalhador, para sindicatos e empresas, e Habitao do Cidado, para pessoas fsicas, financiados pelo FGTS, ambos para a faixa de renda familiar de at oito salrios mnimos. Estes programas, embora com resultados numricos pouqussimos expressivos (cerca de 18 mil unidades construdas at 1994), inauguraram um novo pensamento sobre a poltica habitacional no pas.

Especialmente o programa Habitar Brasil, que possibilitou que algumas prefeituras pudessem, pela primeira vez, experimentar e aprimorar projetos de urbanizao de favelas com o apoio do governo federal. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso manteve os programas do governo anterior que eram financiados com recursos oramentrios, mas inovou os programas vinculados ao FGTS. Os programas implementados durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) so apresentados na Tabela 1.1. O que impressiona nesta gesto o descompasso entre as metas de cada programa e suas efetivas realizaes. A Caixa Econmica Federal sofreria um "choque de realidade" logo nos primeiros meses de 1996 e incio do governo de Fernando Henrique Cardoso, uma vez que as cartas de crdito no conseguiram ser aprovadas, por falta de titulao referente propriedade e pela inexistncia de habite-se dos terrenos dos interessados. Como boa inovao, a CEF criou o Construcard, para facilitar a compra de materiais para autoconstruo. Por este programa o trabalhador poderia obter financiamento diretamente nos depsitos de material de construo a juros menores que o praticado privadamente, diminuindo assim, tambm, os custos de transporte.RECURSOS FINANCEIROS FEDERAIS PARA PROGRAMAS DE HABITAO, 1995-1998Oramento/aplicao 1995Programas Recursos Oramentrios Habitar Brasil Protech Habitar/BID Modern Set. Habit. Recursos do FGTS 116.111 116.111 0 0 0 1.508.055 643.581 717.218 0 57.256 116.111 116.111 0 0 0 210.352 210.352 0 0 0 196.255 196.255 0 0 0 296.119 290.294 5.825 0 0 301.687 298.240 3.447 0 0 309.039 279.000 4.151 22.250 1.160 0 0 0 0 0 931.621 895.757 9.976 22.250 1.160 614.053 610.606 3447 0 0Orado Contratado

Com 785 conjuntos 7 implantados (Silva, 1999) o PAIH tem escala nacional, sendo necessria ainda uma avaliao de seus impactos scio-ambientais. Uma inovao positiva do PAIH foi a implementao do PRODEC Programa de Desenvolvimneto Comunitrio, para avaliao das condies de vida da comunidade residente nos conjuntos habitacionais.

Tabela 1.1

1996Orado Contratado

1997Orado Contratado

1998Orado Contratado

TotalOrado Contratado

33

442.353 2.979.652 2.029.195 3.507.81 1.796.632 1.740.000 60.788 723.091 292.776 650.252 88.500 321.900

219.036 9.735.523 4.487.215 0 2.338.824 442.064

Pro-Moradia Carta de Crdito Apoio Produo Resoluo 166 Unidades remanescentes Resoluo 211 Total geral

306.085 1.665.446 1.665.446 2.720.803 1.680.722 1.144.050 0 0 0 55.526 0 55.526 136.761 0 27.301 0 274.050 0

219.036 6.458.157 2.871.289 0 0 614.291 210.363 27.301 55.526

90.000 0 1.624.166

75.480 0

1.527 13.920

1527 13.920

0 0

108 0

0 0

0 0

90.000 23.888

77.115 13.920

558.464 2.225.450 2.225.450 3.803.935 2.098.319 2.049.039

219.036 10.667.14 5.101.268

Fonte: Silva, 1999. Retirado de MPO/Secretaria de Poltica Urbana. Relatrio Gerencial de Acompanhamento e Avaliao dos Programas, Braslia,1998.

A redemocratizao do pas teve como conseqncia a ampliao e aprofundamento dos estudos (e sua difuso) sobre a realidade brasileira, os quais vieram a contribuir para uma reviso conceitual das condies de habitao da populao brasileira, resultando na reviso do prprio conceito de dficit habitacional.

A reviso do conceito deTradicionalmente, o clculo do dficit habitacional brasileiro vinha sendo feito com base no crescimento demogrfico e coabitao familiar (necessidade de novas unidades) e na soma dos domiclios inadequados (rsticos, insalubres e deteriorados). Esses nmeros, muitas vezes at superestimados (Silva, 1994) sempre foram de grande valia para apoiar a liberao de vultosas verbas para a construo civil, para a construo de novas unidades.

1.3.dficithabitacional

As Cohabs acabaram por criar um "modelo" de habitao para baixa renda caracterizado, resumidamente, por grandes conjuntos horizontais ou verticais nas periferias das cidades, sem equipamentos sociais, constitudos de unidades pequenas e de discutvel qualidade tecnlogica e esttica. Seu poder econmico junto aos poderes municipais ofuscava, no entanto, qualquer questionamento. Atualmente, as dvidas contradas com o BNH, agora sob o controle da CEF impedem , novos emprstimos, impossibilitando as Cohabs de promover, atravs de contratos de obras, novas unidades. Algumas companhias transformaram-se em gestoras de projetos de empresas privadas, atuando sob o manto da legislao de interesse social, fecharam ou esto em extino. Nas grandes cidades e municpios das regies metropolitanas, o agravamento do problema habitacional - crescimento das favelas, cortios e dos loteamentos populares precrios - tem pressionado os governos municipais, fortalecendo a atuao dos setores de assistncia social junto populao das moradias "subnormais". Mais recentemente, aps 1998, os municpios tem criado secretarias e fundos de habitao. As empresas concessionrias dos servios de gua, esgoto e energia eltrica tm tido uma postura dbia em relao s favelas: no oferecem um servio de qualidade (quase sempre impossvel sem obras de urbanizao) mas tambm no cobram de seus usurios a mesma tarifa cobrada do restante dos cidados. Quando a favela se apresenta como um obstculo execuo de obras para a melhoria dos sistemas de infra-estrutura, comum as concessionrias pressionarem outras estruturas de governo a apresentarem uma soluo para o problema, seja ela a remoo ou a urbanizao. Algumas delas tm mesmo promovido programas prprios de urbanizao de favelas como nica sada para otimizar os sistemas de saneamento das cidades onde atuam. Esse quadro torna-se politicamente mais complexo com a perspectiva da privatizao destas empresas, cuja preparao tem sido o aumento nas tarifas, no s para os favelados como tambm para os demais consumidores destes servios.

Essa incapacidade do poder 8 municipal de atuar na poltica habitacional, j que somente as companhias estaduais tinham acesso a financiamentos, era ainda maior do que no setor de saneamento, no qual havia uma tradio de gesto municipal dos servios. Somente em 1988 a Constituio brasileira ir consagrar como de competncia comum da Unio, estados e municpios os programas de habitao, melhoria das condies habitacionais e de saneamento bsico.

Em 1995, a Fundao Joo Pinheiro apresentou uma nova concepo de dficit habitacional, que distinguia as diferentes condies de habitabilidade do nosso estoque habitacional e introduzia a noo de um dficit no s de unidades, mas de habitabilidade de uma unidade existente. O "ovo de Colombo" sabiamente colocado por este estudo que nem toda habitao executada (fora do mercado capitalista) sobre loteamentos irregulares, terra invadida ou por autoconstruo deveria ser demolida e reposta, devendo-se optar, em boa parte dos casos, pela criao de outros tipos de atendimento visando melhorar as condies de habitabilidade destas unidades. Essa nova concepo significava o reconhecimento da pertinncia dos novos programas e projetos habitacionais que vinham sendo engendrados em alguns municpios.

Novos atores

1.4.na poltica habitacional35

36

No perodo de atuao do BNH, as Cohabs (criadas em todos os estados e em alguns municpios - capitais e outros economicamente importantes) acabaram por monopolizar as aes no campo da habitao social, por serem as intermedirias legais do Banco no financiamento aos muturios com renda inferior a cinco salrios mnimos. Essa caracterstica da poltica habitacional dos governos militares levou inrcia dos governos estaduais e municipais no que diz respeito aos problemas habitacionais locais8 j que , para atuarem nesse campo s poderiam contar com recursos prprios, limitados em funo da centralizao do sistema tributrio brasileiro no perodo autoritrio.

1.5.internacionais de financiamentoFiltrado pelo BNH, o dinheiro internacional, como vimos, dificilmente chegava aos assentamentos informais. Isso, porm, no impediu que os agentes internacionais que discutem as polticas pblicas nacionais desenvolvessem um conhecimento e um posicionamento sobre eles. Como observa Guimares, 1998:7:

A posio das agncias

"As sociedades perifricas se encontram isoladas entre si e se vem umas s outras pelos olhos vigilantes do pases centrais. O fato de se verem umas s outras pelos 'olhos de terceiros' patente quando se verifica a escassez e at a inexistncia de estudos de nacionais de um pas perifrico sobre aspectos de outro, mesmo quando vizinhos, como no caso da Argentina em relao ao Brasil e vice-versa. Enquanto isto, notrio o esforo permanente dos pases centrais em estudar a periferia, ter sobre ela suas prprias vises, como herana das necessidades de controle do perodo colonial, vises que so difundidas e absorvidas pela prpria periferia. O posicionamento do Banco Mundial em relao aos problemas urbanos e habitacionais sofreu vrias alteraes ao longo do tempo. Suas diretrizes bsicas para o enfrentamento da questo encontram-se sistematizadas em documentos como Urbanization (1972), Vivienda (1975), Site and service projects (1975) e Agenda for the 1990's (1991). Analisando estes documentos, Rossetto, 1993:68-77, nos informa que a posio do Banco em 1972 era a de que os moradores de favelas e habitaes autoconstrudas (a parte da populao que vive em condies inadequadas) estavam provendo uma soluo para a falta de moradia, ao invs de se colocarem como um problema para a sociedade e de pressionarem os governos. No entanto, o Banco considerava que as polticas de remoo e reassentamento, e at de melhoramento de assentamentos existentes, implementadas pelos governos no encaravam o problema principal, que seria a falta de estoque habitacional. Para o Banco, a diretriz correta, naquele momento, seria a urbanizao de terras onde se pudesse construir com sistemas de poupana /investimentos. Neste documento de 1972, a habitao vista como um fator de desenvolvimento econmico, promoo individual e estabilizao social. A baixa renda apresentada como a principal causa do problema habitacional. Como a renda que define o tipo de habitao que a famlia pode adquirir, parte do problema poderia ser resolvida no mercado privado. As polticas pblicas existentes so criticadas por partirem de estimativas exageradas do dficit habitacional, por executarem padres habitacionais incompatveis com os padres socioeconmicos dos beneficirios, com standards elevados e cdigos proibitivos. Conforme observou Rossetto, 1993:69, "a crtica atinge a soluo mais comum, que consiste no ciclo de demolies de favela para a construo de conjuntos habitacionais, constitudos de unidades acabadas. Como resultado, verifica-se uma disparidade entre o preo da unidade produzida e a capacidade de pagamento da famlia favelada que deveria ser removida para o novo conjunto. O problema, desta forma, continua irresoluto.

Entre as diretrizes apontadas pelo Banco destacam-se o uso da poupana, a reduo de custos via rebaixamento das normas urbansticas e de edificao e o aumento da produtividade da construo pela utilizao da ajuda mtua. Para a habitao de baixa renda prope-se a melhoria dos assentamentos precrios e a oferta de lotes urbanizados. O documento de 1975, Site and services projects, afirma a preferncia do Banco por projetos de lotes urbanizados, por serem compatveis com a escassez de recursos e a baixa capacidade de pagamento da populao a que se destinam. O importante a destacar neste documento a relevncia atribuda criao de estruturas administrativas para a implementao da poltica habitacional, a defesa dos estratos mdios da populao de baixa renda, com maior capacidade de pagamento, como alvo prioritrio dos programas, e a afirmao de que a unidade habitacional, assim como a infra-estrutura, podem ser executadas em etapas, indicando-se o mutiro como meio adequado de diminuio dos custos e ampliao da participao. Reafirma-se tambm a posio de que o financiamento deve incluir todos os custos, restringindo-se os subsdios, de modo a garantir a reprodutividade do programa e no alimentar o interesse de outros setores por subsdios. No documento de 1991, Agenda for the 1990's, observa-se uma modificao na postura do Banco Mundial, que passa a tratar a questo habitacional (e seus financiamentos) integrada questo da produtividade urbana e do desempenho macroeconmico. Os principais problemas apontados so a infra-estrutura deficiente, a excessiva regulamentao urbana, onerando as atividades, a falta de autonomia local e a inadequao da estrutura financeira. Pela nova orientao, os emprstimos no sero mais especficos para habitao ou infraestrutura, mas estaro vinculados a reformas administrativas e a questes urbanas mais complexas. Comentando esta mudana de postura do Banco, Rossetto, 1993:77, conclui: "A partir de 1979, os projetos de lotes urbanizados comeam a aparecer agregados a projetos de interveno mais complexos. Vo perdendo importncia como objeto central da poltica e tornam-se cada vez mais complemento de uma poltica de desenvolvimento urbano [...]. Os projetos habitacionais e de infra-estrutura s tero sentido como objeto de financiamento se agregados a uma ao de grande porte." Este seria o caso do programa Geprocav, que a Prefeitura de So Paulo financia junto ao Banco, viabilizando diversas obras de remoo de favelas. No Brasil, as agncias internacionais - Banco Mundial e BID - no financiaram nenhuma ao em favelas at o desenvolvimento do Projeto Grande Rio, iniciado em

37 3

38

Referncias bibliogrficas Referncias bibliogrficas

1989, com recursos do Banco Mundial. Em 1992 a Sabesp e a Prefeitura de So Paulo assinaram com o Banco Mundial o Programa de Saneamento Ambiental do Reservatrio Guarapiranga, com quase um tero dos recursos destinados urbanizao de favelas. A Prefeitura do Rio de Janeiro desenvolve desde 1993 o Projeto Favela-Bairro, com receitas do BID. Em 1994 a Prefeitura de So Paulo negociou com o BID o financiamento do Programa Cingapura. Conforme nos relata Rossetto,1993:79, "[..] outra poltica, com repercusses menores e com menos recursos destinados, previa a urbanizao de assentamentos precrios (upgrading), por considerar economicamente invivel a remoo de todas as famlias que ali moravam. Tratava-se portanto, de aceitar a precariedade como espao inevitvel da moradia, buscando integrar estes assentamentos malha urbana e melhorar suas condies de urbanizao, implantando a infra-estrutura bsica, e tentando evitar que a falta generalizada destes servios viesse a afetar a reproduo da fora de trabalho e, em conseqncia, a produtividade da economia urbana. 9 Pode-se concluir que at praticamente o fim dos anos 80, o BNH (e seus sucedneos), o BID e o Banco Mundial mantiveram inalterados seus princpios de formulao de polticas habitacionais: propriedade privada da moradia e a renda como requisito nico para o acesso aos programas habitacionais. As polticas alternativas (lotes urbanizados, upgrading e autoconstruo) foram episdicas. O que h de novo, nesse perodo, so as diferentes experincias implementadas pelos municpios, que vo desenvolver e sistematizar aquelas polticas alternativas, as quais sero adotadas, nos anos 90, como polticas pblicas oficiais, seja pelo governo federal e os governos estaduais, seja pelas agncias internacionais de financiamento.

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Essa poltica foi implementada 9 em larga escala na Indonsia nos anos 70, com o financiamento do Banco Mundial. Optou-se, no caso, pela manuteno e urbanizao dos kampungs (assentamentos informais existentes dentro das maiores cidades), com solues que previam a melhoria das condies fsicas atravs da introduo de infra-estrutura e servios bsicos.

39

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41

42

2.A Favela no municpio de So Paulo dos anos 50 aos 90

C

A

P

T

U

L

O

2.1.da favelaem So Paulo

Origem

At a dcada de 40, a cidade de So Paulo no tinha muitas favelas ou, pelo menos, a favela no se apresentava como um problema para a administrao local. Encontra-se no Plano de Avenidas de Prestes Maia, uma referncia ao fato de que, com as obras virias e de paisagismo tinha-se afastado o risco de aparecerem favelas. Arthur Saboya, no texto de introduo ao Plano, descrevendo a Av. Anhangaba, comenta (Maia, 1930:III): "No s o saneamento do vale e das zonas vizinhas foi assegurado; desapareceu o perigo da transformao em novas "favelas" das encostas marginais e do prprio vale." O Padre Lebret, um dos mais sistemticos estudiosos de So Paulo, com uma viso humanstica, a partir de dados de 1947, tambm no aponta a favela como um problema, num estudo sobre habitao em So Paulo (Lebret,1951). Nos estudos do SAGMACS, afirma-se: "O problema das favelas existe em So Paulo, mas bastante reduzido em relao a outras capitais do pas. Julgamos que este problema deve ser enfrentado dentro de um programa mais amplo de habitao popular, que vise criar melhores condies de habitao em todos os bairros perifricos de nvel popular." (SAGMACS, 1958:II/125) Godinho, 1964:2, apresenta uma quantificao do problema da favela em So Paulo, dentro de um quadro mais amplo da precariedade habitacional : "Os estudos feitos pela SAGMACS em 1957 revelam a existncia de 60000 moradores em favelas num total de 147 favelas disseminadas em 143 bairros de nossas Capital. E levantamento por amostra e estudos ultimamente realizados pelo MUD (Movimento Universitrio de Desfavelamento), nos levam a crer que esse nmero j se tenha elevado para 150000 pessoas morando em favelas." Ela apresenta os seguintes dados:Municpio de So Paulo

O objetivo deste captulo sistematizar a evoluo das favelas e das transformaes ocorridas na postura institucional frente a elas, no Municpio de So Paulo. Procurar-se- relacionar os indicadores quantitativos e qualitativos sobre as favelas, os 45 documentos de interpretao do fenmeno ou propostas de ao oficiais, a organizao institucional criada e as aes concretas executadas, relacionando-se esses dados com as transformaes ocorridas no Brasil, no perodo.1

Tabela 2.1

46

DADOS DE HABITAO INFRA HUMANA170 000 habitaes 30 000 habitaes 140 000 habitaes 340 000 habitaes

850 000 moradores em casas de periferia 150 000 moradores em favelas 700 000 moradores em cortios Total 1 700 000 moradores

1

Procura-se organizar os seguintes indicadores: localizao das favelas no espao urbano, em relao fisiografia e infra-estrutura urbana - saneamento bsico e sistema virio, propriedade do solo, material de construo e rea construda por morador.

Fonte: retirado de Godinho,1964:2

Em um trabalho da PMSP publicado em 1962, temos a primeira sistematizao do problema da favela em So Paulo e da poltica do municpio. Nele (SO PAULO (CIDADE), 1962) se descreve a ao executada pela PMSP na favela do Canind. Segundo este documento, (pg. 10) "As primeiras favelas surgiram em So Paulo entre 1942 e 1945, localizadas em prprios municipais. Apareceram outras e, em 1957, de acordo com a pesquisa urbana levada a efeito por SAGMACS em convnio com a Prefeitura Municipal, a situao, considerando-se favela um agrupamento de dez ou mais barracos, era a seguinte:Municpio de So Paulo

Tabela 2.2Marta Godinho tem grande 2 importncia na formulao de uma poltica de assistncia social para So Paulo e tambm para as favelas, com uma atuao praticamente contnua desde 1951 at hoje. O trabalho de 1955, de concluso do Curso de Servio Social, apresenta um relato detalhado e documentado sobre sua atuao como membro da CASMU, do que falaremos adiante. Neste momento ela apresenta um entendimento do fenmeno favela bastante prximo questo da marginalidade policial. Esse seu conceito de favela (pp.6/7): " um aglomerado de habitaes toscamente construdas, em terrenos alheios, e desprovidos de recursos higinicos, onde vivem pessoas (humanas) na mais completa desintegrao psicossocial, quase que completamente marginal vida humano-social, apresentando os mais srios problemas de desajustes.

NMERO DE FAVELAS EXISTENTES EM 1957Nmero de favelas 110 16 13 2 141Fonte: SO PAULO (CIDADE), 1962

De fato, neste perodo So Paulo passou por intensa 3 transformao na sua estrutura viria. Prestes Maia, em sua primeira gesto como prefeito (nomeado em 1938, governou at 1945 em sua primeira gesto) "iniciou o Plano de Avenidas da Capital, com a execuo da Av. 9 de Julho com o tnel, Av. Itoror (trecho da atual Av. 23 de Maio), Av. Ipiranga, Av. Paulista, Av. Pacaembu e Av. So Joo e a reconstruo do Viaduto do Ch. Em 1945, quando Prestes Maia deixa a Prefeitura, 4 das pontes do Tiet j estavam concludas, entre elas a Ponte das Bandeiras. ... Em 1952 j haviam sido executados 12 km da retificao do rio Tiet, em diferentes trechos. ... Em 1953 estavam construdas tambm a ponte Anhanguera e a ponte da Casa Verde. A ponte do Limo estava iniciada, a ponte da Vila Maria j estava contratada, e havia sido construda uma ponte metlica provisria, a dos Remdios."(Bueno, 1994:107/108) Ao mesmo tempo, esse perodo marcado por uma grave crise habitacional em todas as grandes cidades 4 brasileiras, decorrente de uma situao scioeconmica peculiar. H escassez de materiais, em grande parte importados, para construo, priorizao do capital pelo investimento industrial em detrimento da construo civil, em particular habitao popular para locao e onda de despejos provocada pela poltica de congelamento dos aluguis, a partir de 1942. A citao recolhida por Bonduki 1994:153, exemplar: "Finalmente ficou resolvido o caso da rua Fortaleza 160...As 10 famlias que residiam no cortio mudaram-se para a favela da Vrzea do Penteado, indo aumentar o nmero dos que moram sobre o brejo, respirando as miasmas do charco e dando um colorido diferente paisagem urbana desta capital. Correio Paulistano 5/10/1946". Ao mesmo tempo em que a ao da Prefeitura e dos empreendedores privados, de demolio de casas para as avenidas e novos edifcios, expulsava famlias pobres dos cortios, criava escassez de casas, e criava terrenos vazios ao longo destas avenidas, que, no sendo urbanstica e paisagisticamente tratados, se tornavam reas ociosas, passveis de ocupao. Ocorreu o mesmo com as obras para a retificao dos rios Pinheiros e Tiet e abertura das avenidas marginais, nos anos 60. Terrenos pblicos e privados foram criados com a drenagem dos meandros do rios e tornaram-se rea, tanto para ocupaes paulatinas de favelas, quanto para a criao de abrigos de emergncia, que se tornaram favelas, conforme nos descreve a prpria Prefeitura: (SO PAULO(CIDADE), 1962:10) "Com a retificao do Rio Tiet, vrias faixas inaproveitadas esto sendo ocupadas, bem como outros prprios municipais e no poucos terrenos particulares."... "Em 1957 calculava-se 50000 o nmero de favelados. J agora poder-se-ia estimar em mais de 70000.

Estratos por nmero de barracos de 10 a 50 de 51 a 100 de 101 a 200 de 850 a 900 Total

3 Prestes Maia iniciou obras em quantidade expressiva, no s no segundo mandato, mas tambm no primeiro.

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O documento tambm informa que h, ao todo, 8488 barracos na cidade, e que 48 favelas localizam-se em terrenos de propriedade municipal, um tero do total. Estimando-se que cada barraco tivesse 6 habitantes, teramos 50000 pessoas morando em favelas. Se lembrarmos que So Paulo tinha uma populao de cerca de trs milhes de habitantes nesta poca, veremos que a situao paulistana no era das mais dramticas, no quadro brasileiro. o que tambm revela o mesmo documento, na pg.10: "Comparando-se com a populao favelada do Rio, que, segundo os mais otimistas, chega a 700000 e outros a 1000000 para uma populao pouco inferior de So Paulo, a de Belo Horizonte que com cerca de 700000 habitantes possui 60000 em favelas, a de Recife com cerca de 800000 habitantes, dos quais 200000 favelados, a de Braslia que, ao inaugurar-se em abril de 1960, tinha metade da populao, isto , 60000 homens vivendo em favelas, a situao de So Paulo no to m, quanto ao nmero. Godinho, 1955 explica o crescimento das favelas em So Paulo atravs do desabrigo causado por demolies feitas pela Prefeitura entre 1942 e 1945 para a implantao do Plano de Avenidas da Capital. A Prefeitura acabou por improvisar barraces em terrenos municipais ou do IAPI, para onde levava as famlias sem posses.2

4 Bonduki, 1994:134 indica que pelo crescimento populacional havido em So Paulo de 1940 a 1950, seriam necessrias 180 mil moradias novas, enquanto que foram construdos cerca de 120 mil prdios, sem contar os que teriam sido demolidos pelo "boom imobilirio do perodo e as desapropriaes realizadas para obras virias".

48

Assim tem origem o padro de expanso do estoque habitacional para a populao pobre em So Paulo, conforme comentrio de Bonduki, 1994:136: "Sem acesso s formas tradicionais de proviso de moradia, a populao trabalhadora criava favelas ou buscava os loteamentos de periferia, em assentamentos onde devia confeccionar um alojamento precrio num contexto em que inexistia qualquer equipamento ou infra-estrutura urbana. As favelas localizavam-se em terrenos lindeiros s novas vias, ou prximos s estaes de trem, ou prximos a cursos d'gua, em reas sem interesse para o mercado imobilirio paulistano. Descreve-se abaixo a localizao de algumas favelas onde a Prefeitura ou o Movimento Universitrio de Desfavelamento tm atividade, conforme SO PAULO(CIDADE), 1962:Favela Do Canind:margem esquerda do rio Tiet, entre as ruas Azurita (antiga rua do Prto) e Felisberto de Carvalho. Era prxima 4a. e 5a. Parada, hoje Estao Eng. Gualberto, nas imediaes do rio Aricanduva, entre a estrada de ferro e o rio Tiet,

Nas dcadas de 40 e 50, surgiram favelas como a da Baixada do Penteado, Ibirapuera, Canind, Ordem e Progresso, da Lapa, Vila Prudente, Vila Guilherme, Piqueri, Tatuap, Vergueiro e outras. A pesquisa de Bonduki, 1994 nos d pistas do que acontecia com as favelas em terrenos particulares: Correio Paulistano de 28/7/1946: "As aes de despejo unem a populao da Paulicia....Dessa maneira so postos abaixo (quando o so) desde a favelinha da rua da Assemblia, porque as favelas no existem s da Vrzea do Penteado, at o prdio de apartamentos da Praa da Repblica." - Dirio Popular de 7/11/1946, se referindo ao incio da Avenida do Estado: "Na nossa capital no se conhecia a improvisao da favela, talvez porque todo palmo de terra tem dono e paga imposto....No assim de estranhar que aquele aglomerado de tugrios impressionasse o paulistano habituado pobreza encoberta e misria recolhida nas saturaes urbanas do Bexiga e de alguns trechos do Brs....E em pleno centro, no terreno vasto para o qual o IAPI projetara um soberbo conjunto de apartamentos... O terreno ficou limpo, uma tentao. No tardou a encher-se de casebres". Bonduki 1994:156 informa que a Prefeitura resolveu intervir nesta favela, construindo alojamentos no prprio terreno, para onde transferiu as famlias, e incendiou os barracos antigos. Essa ao pontual seria talvez o primeiro sinal de tratamento da questo habitacional como problema social. Caracterizando o perfil scio-econmico da populao favelada da capital neste perodo, Bonduki 1994:157/158 apresenta os dados referentes a uma pesquisa dos moradores da favela Baixada do Penteado, onde, dos 172 moradores pesquisados, 133 tinham profisso definida e estavam empregados; em relao renda, das 111 famlias pesquisadas, apenas 13% tinha renda inferior a um salrio mnimo da poca. Metade dos moradores j morava na capital anteriormente e 37% respondiam que haviam mudado para a favela por conta de aes de despejo e de demolio do local de moradia anterior. Godinho, 1955 tambm apresenta algumas observaes importantes para entendermos a origem das favelas em terrenos pblicos e particulares. Este trabalho apresenta pesquisa feita em 4 favelas Piquer, Canind, Barra Funda e Ibicaba, todas em terrenos pblicos. Descrevendo a origem das famlias, Godinho afirma que os moradores da Favela Piquer moravam anteriormente na Favela da Lapa, implantada em terreno pblico, onde hoje o Mercado da Lapa; quanto s outras trs favelas, Godinho afirma que as famlias vieram para essas favelas por terem sido removidas de favelas que eram em terrenos particulares.

Favela da Moca:100 barracos: entre o rio Tamanduate e a estrada de ferro,

Favela Maranho:(crrego contribuinte do rio Aricanduva, j prximo ao rio Tiet) e Tatuap (prxima rua Ibicaba) com 700 barracos,

Favela do Vergueiro:a maior da cidade, com 7000 moradores, localizada em terras de propriedade da famlia Klabin,

Favela do Aeroporto: 336 barracos, Favela Barra Funda: sem localizao precisa, Fave.prxima ao rio Tiet, entre a estrada de ferro e o rio, em terras devolutas criadas com a retificao.

49

interessante notar que quase todas as favelas acima, citadas no estudo, esto em terrenos municipais. Entretanto, os dados apresentados, de 1957, mostravam que apenas um tero do total das favelas da cidade estava em terreno pblico. A maioria estava em terreno privado ou pelo menos de propriedade duvidosa. Sobre essas favelas a Prefeitura no tinha uma ao ou postura, entendendo que fosse um assunto particular entre proprietrio e ocupantes. Segundo Bonduki, 1994:154 "Muitas das favelas surgidas em So Paulo neste primeiro perodo de proliferao limitada do fenmeno, localizaram-se nas vrzeas prximas s reas centrais e polarizadoras de emprego porque, dada a configurao fsica da cidade, estas reas pertenciam majoritariamente ao poder pblico e permaneciam ociosas devido dificuldade de ocupao.

50

Assim, entendemos que a Prefeitura tem um papel ativo de apoio ao proprietrio de terrenos invadidos, viabilizando a remoo dos ocupantes e dispondo de terrenos pblicos para isso. A ao pblica sobre as favelas em terrenos pblicos comea a se engendrar nos anos 50, com a idia de apoiar os pobres para sarem da situao de favelados, numa postura de desfavelamento articulado ao assistencialismo. Em 1951 criada a CASMU (Comisso de Assistncia Social Municipal), cuja atuao descrita em So Paulo (CIDADE), 1962:20/21): "Uma primeira tentativa de desfavelamento - Em outubro de 1953, por Portaria do Sr Prefeito (Jnio Quadros), foi atribuda hoje extinta CASMU a tarefa de tratar o problema das favelas situadas em prprios municipais. Essa Comisso houve por bem celebrar convnio com a Confederao das Famlias Crists, qual incumbiria a execuo do plano enquanto que a Prefeitura forneceria os recursos financeiros. O objetivo desse Convnio foi a extino de 4 favelas situadas em prprios municipais: Barra Funda, Canind, Ibicaba e Piqueri, totalizando 259 barracos com 271 famlias e 1064 pessoas."... Godinho, 1955, ao comentar a proposta de atuao da CASMU, afirma, na p. 80: "No se tratava, como de outras vezes, na Favela do Glicrio e da Floresta: em que a soluo foi atearem fogo nos barracos e passarem os tratores por cima deles. Entretanto, o prprio documento da Prefeitura apresenta a limitao dos resultados: "Ao cabo de um ano, 57,53% do total das famlias haviam deixado as favelas e os respectivos barracos haviam sido demolidos, ultrapassando-se a previso que fora de 50% para o 1o. ano. Infelizmente ao trmino desse exerccio, por ocasio de mudana polticoadministrativa na Prefeitura, o Convnio foi denunciado e o trabalho interrompido. Em consequncia, aquelas quatro favelas no s no desapareceram como foram ampliadas e a do Canind, que na ocasio tinha apenas 96 barracos, atingiu em 1961 168 barracos, com a populao de 230 famlias e quase 1000 pessoas." De fato, entre 1955 e incio de 1957, So Paulo teve 3 prefeitos, tendo sido esta certamente, uma fase de grande confuso administrativa. Com o incio da 2a. gesto de Prestes Maia como prefeito (1961 a 1965), so retomadas as obras de retificao dos rios e construo das marginais, da continuao da Av. 23 de Maio e da Av. Cruzeiro do Sul, todas em fundos de vale. Segundo entrevistas feitas com funcionrias da Prefeitura poca,5 se intensificam os contatos da Prefeitura com as favelas com a implementao das grandes obras de canalizao de crregos e de implantao de grandes avenidas.

Foi-se criando um servio de promoo da remoo das favelas que eram obstculo execuo das obras, com apoio de voluntrios da Igreja Catlica, que faziam o contato com os moradores, juntamente com os funcionrios da Prefeitura e utilizavam recursos financeiros municipais. Quando havia aes de despejo em favelas situadas em terreno particular, muitas vezes, mas no sistematicamente, a Prefeitura tambm entrava em ao. Em 1961 o desfavelamento do Canind retomado. O destino do terreno do Canind seria, se tivesse ocorrido a remoo total, a construo de um conjunto de casas pela Junta da Casa Prpria da Prefeitura (para funcionrios) e um campo de futebol. O documento publicado pela Prefeitura sobre esta ao (SO PAULO(CIDADE), 1962:31) tem o mrito de sistematizar a poltica para as favelas que o municpio havia construdo at ento. "As solues possveis se apresentaram como sendo: viagem cidades ou regio de a. origem, de retorno a suasque se encontravam para aqueles completamente desambientados e que vislumbravam possibilidades de reintegrao em seus prprios meios,

Entrevistas feitas com Marina 5 Caldeira, Vera Kussama e Nahomi Oncken, que trabalham com favelas na Prefeitura, desde a dcada de 60.

b. pagamento de aluguel dos primeiros meses para aqueles que no tinham condies para adquirirterreno ou casa, reconstruo de casa de madeira em terreno j c. de propriedade do favelado,

d. emprstimo para aquisio de material paraconstruo de alvenaria em terreno prprio; e

e. emprstimo para prestao inicial de terreno ou casa j construda. impressionante a similaridade das alternativas apresentadas ao favelado naquele momento com as at hoje utilizadas pela Prefeitura para as aes de remoo de moradores, dando-se um tratamento assistencial e individual a cada famlia, tratada como um obstculo liberao da rea a ser esvaziada, limpa. Somente muito depois, e nem sempre com constncia, os moradores de favelas a remover sero tratados enquanto grupo social parte de um problema de interesse pblico, com necessidades e desejos especficos a serem tratados coletivamente. De fato, nas gestes recentes de Jnio Quadros e Paulo Maluf foram removidas favelas atravs de uma simples indenizao em dinheiro.52

51

Neste perodo criada a Diviso de Servio Social, ligada ao Gabinete do Prefeito Prestes Maia, que executava o servio de remoo de favelados por causa de obras pblicas ou despejo e dava superviso ao trabalho voluntrio de entidades religiosas, de caridade e para o MUD-Movimento Universitrio de Desfavelamento , criado em 1961. Faziam parte da equipe da Diviso assistentes sociais, contnuos, operacionais e motoristas. Eram feitas reunies noturnas com os moradores e contatos com as lideranas. Depois iniciava-se o atendimento individual, com a definio de cada soluo particular, e com o cadastro e numerao dos barracos. Pelas solues individuais, ia-se dispersando a populao da favela. O atendimento era dado pela Prefeitura em dinheiro, que podia ser utilizado para retorno ao local de origem, entrada para compra de terreno, abertura de poo ou fossa em terreno adquirido, cauo de aluguel, material para construo da nova casa, etc. Deve-se, entretanto, relativizar a eficcia desta ao, j que, segundo informao do mesmo documento, a remoo da favela do Canind no se completou. O MUD Movimento Universitrio de Desfavelamento, era um movimento assistencialista que mobilizou jovens universitrios para atuao gratuita nas favelas, atravs de convnios com a Prefeitura. O esquema funcionava da 6 seguinte forma: primeiro iam favela os alunos de direito e assistncia social, resolver os casos de polcia, marginalidade, falta de documentos pessoais. Depois iriam os alunos de medicina e enfermagem, examinar os favelados e trat-los. Assim estariam preparados para receber os professores para serem educados. Chegariam aps os arquitetos, que iriam fazer os projetos das casas novas em loteamentos perifricos para onde os moradores seriam removidos. Essa casa era financiada, com subsdio, para o morador. O MUD iniciou trabalho nas favelas da Moca, Vergueiro, Maranho e Tatuap. Em 1965 o MUD organizou em So Paulo o 1 Seminrio Nacional de Estudo do Problema Favela, trazendo diversos intelectuais, representantes de entidades de classe e do governo, para discutir o assunto. Neste perodo tambm surgiu (em 1959) a Cruzada Pio XII, para atuar de maneira semelhante, em favelas, 7 numa proposta similar de D. Helder Cmara no Rio de Janeiro, que j havia criado no Rio de Janeiro a Cruzada So Sebastio. Vemos nestas e outras iniciativas pelo pas, uma tentativa de aplicao tardia dos preceitos da cidade funcional, na medida em que se tenta remover, extirpar os problemas e implementar uma nova moradia, na periferia, mas tambm um novo modo de ser, reeducado, civilizado, urbano.

Essas iniciativas, entretanto, so pontuais e no do conta da questo habitacional, sendo que em So Paulo o loteamento precrio na periferia que ir responder demanda habitacional crescente com a dinamizao econmica da Capital. Assim, desde as primeiras iniciativas, na dcada de 50, o atendimento municipal s favelas vinha se caracterizando, por um lado, pela inexpressiva atuao assistencialista visando o desfavelamento e por outro lado, pela necessidade de agilidade para cumprir os prazos das obras pblicas e privadas que dependiam da remoo das favelas. Essas duas formas de atuar tinham como resultado a disperso do ncleo de favelados por diferentes locais da cidade, pois o destino de cada famlia era decidido individualmente.

Segundo depoimento do 6 professor arquiteto Luiz Chicherchio e Blanco, 1998.

2.2.

D. Helder Cmara teve grande 7 sensibilidade para as condies habitacionais dos mais pobres. Essa sensibilidade deve ter sido alimentada pela proximidade com o Pe. Lebret, que era ser assessor no Conclio Vaticano II, de 1963.

53

A administrao do Brigadeiro Faria Lima (1965-1969) cria em 1965 a COHAB, Companhia Municipal de Habitao, com a proposta de utilizar A favela sua produo para apoiar as aes de desfavelamento. Segundo entrevistas torna-se com funcionrios pblicos do municpio no perodo (ver nota 1), problema inicialmente 50% de sua produo destinar-se-ia a moradores de favelas. Entretanto, em 1967 criada a SEBES, Secretaria de Bem Estar Social, com um Departamento de Habitao, voltado s aes relacionadas a favelas. Em 1965 so criadas tambm as administraes regionais, que em 1968 passam a ter a lotao de assistentes sociais. Eram subordinadas administrativamente s ARs. e orientadas tecnicamente pela SEBES, que detinha a dotao oramentria para o atendimento habitacional para a remoo de favelados. Alm da remoo para obras, a Prefeitura, atravs das ARs. e da SEBES, tambm passa a atender de maneira mais organizada os favelados atingidos por situaes de emergncia, especialmente em pocas de chuva. Segundo as entrevistas, durante a administrao Faria Lima, foram removidas favelas para executar, pelo menos, as seguintes obras: avenidas Marginal ao rio Tiet, Marginal ao Rio Pinheiros, Sena Madureira, Rubem Berta, dos Bandeirantes, alm do Metr. Para estas obras foram removidas, somente na Administrao Regional de Vila Mariana, mais de 1000 barracos em um ano. Segundo Taschner, 1986:88, entre 1971 e 1975 foram removidas 23 favelas, com 1382 barracos.

54

Municpio de So Paulo

DISTRIBUIO DOS AGLOMERADOS DO MSP Tabela 2.3 SEGUNDO A SOLICITAO

PARA A DESOCUPAO DA REA 1973Solicitao para desocupao(*)No houve Sim, rea com contrato de obra viria Sim, rea com previso de obra viria Sim, rea com obra contra enchente em andamento, paralisada Sim, rea com previso de obra contra enchente Outro (**)

no. absoluto 461 4 23 1

%87,9 0,8 4,4 0,2

A ao do PATR, defendendo o interesse pblico de manuteno do patrimnio municipal, ao mesmo estilo da iniciativa privada - solicitao de desocupao que embasam aes judiciais de reintegrao de posse - no parou. Ao mesmo tempo, outros setores da mesma Prefeitura procuravam assumir como de interesse pblico o problema social de falta de moradia, viabilizao de condies de salubridade nas favelas. A partir de 1971 a Prefeitura toma algumas iniciativas de remoo coletiva de favelados, com a execuo de alojamentos provisrios em terrenos municipais e a compra de lotes em loteamentos da periferia, onde os favelados construiriam suas novas casas em mutiro ou em auto-construo. Estas experincias consubstanciaram uma proposta de poltica para as favelas de So Paulo (SO PAULO (CIDADE), 1971, 1971a e 1971b) que tentava englobar diferentes aspectos do problema: a pressa pela remoo da favela por causa do cronograma das obras pblicas, a viso do favelado como marginalizado e diferenciado socialmente, a ser orientado para a vida urbana e a favela como um sinal da escassez de habitao popular acessvel. A poltica proposta para as favelas consistia em trs fases de atendimento. Primeiramente, os favelados deveriam se removidos para alojamentos provisrios executados em terrenos municipais vagos ou para outras favelas situadas em terreno municipal (j que a retirada era sempre urgente) seja para execuo de obras pblicas, seja pela ocorrncia de emergncias nas favelas. Nesses alojamentos, ou vilas de habitao provisria, os favelados receberiam, durante cerca de um ano, diferentes treinamentos de promoo social, como educao bsica e profissionalizao. Assim estariam preparados para serem definitivamente transferidos para habitaes compradas no mercado, alugadas ou financiadas pelo poder pblico. Taschner, 1986:89 faz uma interessante avaliao destas propostas: "As colocaes tericas que mediavam essa forma de interveno traam a idia de que a favela seria a primeira alternativa habitacional a ser utilizada pelo migrante, na sua chegada cidade, um certo "trampolim" para a cidade. Aps certo tempo na favela, ele "ascenderia" a outra alternativa habitacional. A favela representaria, desta forma, etapa de integrao ao sistema, uma disfuno deste sistema. Sua populao se constituiria por migrao rural-urbana e permaneceria na favela at se incorporar cidade. Os projetos tipo Vila de Habitao Provisria (So Paulo) e Parques Proletrios (Rio de Janeiro) nasceram sob a tica da integrao e foram permeados pela preocupao da ascenso social.

5 30 524

1,0 5,7 100

Total

(*) entre as solicitaes para desocupao do terreno no foram includas as notificaes do Departamento Patrimonial da Prefeitura. (**) a categoria outros refere-se aos aglomerados que, situados em terrenos particulares, sofreram presso verbal ou por ao de despejo por parte dos proprietrios. Fonte: SO PAULO, 1974:38.

55

Comparando-se as Tabelas 2.3 e 2.19, ve-se que , das 293 favelas em terrenos particulares existentes na cidade de So Paulo em 1973, apenas 30 haviam sofrido alguma presso para remoo por parte dos proprietrios. O agente de presso e remoo mais ativo era a Prefeitura, solicitando a desocupao para a execuo de seu Plano de Avenidas de Fundo de Vale e tambm do Metr. "A prefeitura teve que remover favelas atravs de indenizao em dinheiro a cada famlia, para executar as avenidas Marginal do Tiet e Pinheiros, Sena Madureira, Rubem Berta, Bandeirantes, alm da Linha Norte-Sul do Metr, antes de 1970. A partir de 1971 iniciaram-se as primeiras remoes com tratamento coletivo, executando-se alojamentos provisrios em terrenos municipais e compra de lotes na periferia pela prefeitura."(Bueno, 1994:76) No esqueamos entretanto de que, j em 1973, o Departamento de Patrimnio da Prefeitura (PATR) formalizava solicitaes de desocupao de terrenos pblicos invadidos por favela (ver nota da Tabela 2.3). O setor responsvel pelas favelas naquele perodo (Secretaria de Bem Estar Social) no devia considerar como exequveis ou de comprovado interesse pblico esses pedidos, pois no os computou entre os casos de favelas que tinham recebido presses para remoo.

56

Na V.H.P. a preocupao bsica era de encurtar o "tempo obrigatrio" que o migrante ficaria na favela atravs de orientao quanto a formas de obteno de moradia e emprego."... "As crticas a este projeto foram inmeras. Ningum participa de um dado sistema aleatoriamente. Alm da existncia de pr-requisitos para a participao, existe sempre um limite para ela, dado pela capacidade de um sistema de incorporar a fora de trabalho nos polos dinmicos da economia. Alm disso,...os favelados no so em absoluto migrantes recentes e nem sempre tm na favela seu primeiro local de moradia urbana. As favelas paulistanas cresceram mais por pauperizao do que por migrao. O que impressionante na proposta de Vilas de Habitao Provisria em So Paulo sua extemporaneidade. No Rio de Janeiro, em 1943 j haviam sido construdos 3 parques proletrios e aps os anos 50 j se avaliava que no havia condio de transferir os favelados para moradias provisrias, passando-se a desenvolver alternativas de remoo definitiva para as favelas. Na dcada de 40 em Recife, foram tambm removidos milhares de famlias de mocambos, e construdos conjuntos de casas, diferentes para cada categoria profissional, o que foi tambm abandonado no ps-guerra. As VHP paulistanas foram propostas em 1971. As propostas e aes municipais no modificaram o quadro de crescimento da favela em So Paulo, j que o destino do favelado era a disperso na cidade, outra favela ou os alojamentos provisrios, que se tornavam favelas definitivas. Quase todos os alojamentos provisrios construdos pela Prefeitura para acabar com uma favela tornaram-se outras favelas. Aquela poltica de desfavelamento e adestramento social no se concretizou. A fase final de atendimento - moradia definitiva - dependia ou de um crescimento da renda dos moradores de favela - o que no ocorria, num quadro scio-econmico de intensa concentrao de renda - ou da produo subsidiada da habitao para essa faixa de renda.57

Pela primeira vez a localizao das favelas registrada oficialmente, conforme mostra o MAPA 2.1, baseado no mapa do Relatrio do Censo de Favelas.Municpio de So Paulo

Mapa 2.1

FAVELAS EXISTENTES SEGUNDO O CENSO DE 1973

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ITAPECIRICA DA SERRA

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DIADEMA

FAVELAS

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Fonte: So Paulo, Estudo Sobre o Fenmeno Favela, Boletim HABI, Secretaria do Bem Estar Social, 1974 Fonte: BUENO,L.M.M., DOUTORADO FAUUSP, 2000

Em 1973 a SEBES executa o primeiro censo das favelas do municpio. Esse estudo a primeira grande tentativa da Prefeitura de quantificar o problema e refletir sobre ele, conforme sua apresentao: "O presente trabalho uma contribuio para um diagnstico da situao, com a finalidade de subsidiar uma poltica de interveno habitacional." (So Paulo(Cidade), 1974:18) So feitos os levantamentos , tabulados os dados e analisados para toda So Paulo e so elaborados e publicados estudos especficos para cada Administrao Regional. O volume que descreve os resultados gerais do censo das favelas paulistanas inclui uma apresentao de conceitos sobre marginalidade, a partir de autores como Lus Pereira, Fernando Henrique Cardoso e Lcio Kowarick.

Os textos dos volumes publicados mostram uma t