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Projeto genoma

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Page 1: Projeto genoma

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FACULDADE VICENTINA

ELAINE DE OLIVEIRA ANDRÉ

A CRIAÇÃO - PARTE II: IMPLICAÇÕES ÉTICAS E TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

CURITIBA 2011

Page 2: Projeto genoma

2

ELAINE DE OLIVEIRA ANDRÉ

A CRIAÇÃO - PARTE II: IMPLICAÇÕES ÉTICAS E TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

Monografia apresentada ao curso de Bacharelado em Teologia da Faculdade Vicentina, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Teologia. Orientador(a): Prof. Dra. Angela Luzia Miranda.

CURITIBA 2011

Page 3: Projeto genoma

3

DEDICATÓRIA

A Deus, razão de tudo que faço.

A Madre Clelia Merloni fundadora do Instituto das apostolas do Sagrado Coração de Jesus, sua fortaleza e seu exemplo de humildade e fé, me faz perceber que vale a

pena ser fiel a Deus.

Aos meus amados pais Alicio e Lucia Helena que me educaram na fé e me incutiram o desejo de viver e buscar sempre a verdade.

Ao meu irmão Eloi, que iniciou, percorreu e conclui comigo o caminho desafiador do conhecimento. Somos vencedores.

A minha avó Tereza, exemplo de fé e confiança em Deus, que me ensinou a superar as dificuldades e não esmorecer quando as intempéries da vida me assaltam.

As minhas amigas Ir.Rosenilda, Adriana, Ir.Joice e Ir.Maria, irmãs e companheiras de todas as horas.

Ao Papa João Paulo II (Karol Wojtyla) que me emocionou tantas vezes com sua coragem, ousadia e determinação.

A minha orientadora professora Angela Luzia Miranda, sua confiança e dedicação me faz acreditar em minhas capacidades.

Ao meu amigo Anderson, irmão de todas as horas, suas palavras sábias e iluminadas me serviram de estímulo e força durante a realização deste trabalho.

A Professora Méia, mulher forte, confiante e corajosa, sua esperança inabalável me impulsiona acreditar e valorizar mais a vida.

A todos aqueles que se utilizam da ciência e dos benefícios proporcionados por ela para promover a vida e a dignidade humana.

A todos que se dedicam e esforçam-se para promover a paz, a justiça, o diálogo e a partilha amenizando o conflito entre fé e ciência.

Page 4: Projeto genoma

4

A todos que esperam dos avanços científicos a cura ou o alívio de suas dores, para terem uma vida digna e feliz.

E dedico de modo muito especial a todos aqueles que por um motivo ou outro não terão a oportunidade de realizar um curso superior.

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5

AGRADECIMENTOS

A Deus, que por um derramamento de seu amor criou tudo o que existe e incutiu em mim a sabedoria e o desejo de querer estar sempre perto da Luz. Que foi criativo.

Seu fôlego de vida em mim me foi sustento e me deu coragem para questionar realidades e propor sempre um novo mundo de possibilidades

Ao Instituto das Apostolas do Sagrado coração de Jesus, por me oferecer este curso, dando-me a oportunidade de crescer espiritual e intelectualmente.

A Ir. Neli, Ir.Teodata e Ir.Tereza, por terem me ajudado, apoiado e incentivado; por compreenderem minha irritação e mau humor quando a inspiração me faltava.

A Professora Angela, pela paciência, confiança e pelas vezes que sentou comigo para orientar-me e conduzir-me ao melhor caminho, acreditando em minhas

capacidades mesmo quando essas estavam escondidas.

Aos Professores, educadores, que abriram as portas de um universo que não conhecia, alargando minha compreensão e impulsionando-me a buscar sempre

mais.

A Ir. Rosenilda, que compartilhou comigo todas as angústias durante a realização deste trabalho, pela ajuda e amparo na hora do desespero final.

A Ir.Carmem, que no decorrer desses quatro anos, me escutou, compreendeu e ajudou a recomeçar após cada queda.

Aos meus familiares, que mesmo distantes estão sempre muito próximos.

Aos meus amigos que sempre estiveram do meu lado, que mesmo estando distantes me deram uma palavra de incentivo de apoio me motivando a buscar e

querer sempre mais. .

A “nossa” querida bibliotecária Patrícia pelos empréstimos excessivos, e pela dedicação à nossa turma.

A comunidade escolar da Rede Sagrado de Educação da Escola social Coração de Jesus, por me incentivarem dando-me força e ânimo. Nesse meio aprendi o valor da

Page 6: Projeto genoma

6

minha fé e da vida humana, e que em muito pouco tempo aprendi a refletir e duvidar e nunca encarar a realidade como pronta. Aqui aprendi a ver a vida de um jeito

diferente.

Ao Professor Padre Dirceu Keller (in memorian) por testemunhar com sua vida a alegria de servir. Eu posso dizer que a minha formação, inclusive pessoal, não teria

sido a mesma sem a sua pessoa.

A todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para a conclusão deste trabalho.

Page 7: Projeto genoma

7

Quando se considera que o outsiders já estão trabalhando em clones

reprodutores de organismos humanos, impõe-se a perspectiva de que em

pouco tempo a espécie humana talvez possa controlar ela mesma sua

evolução biológica. “Protagonistas da evolução” ou até “brincar de Deus”

são as metáforas para uma autotransformação da espécie que parece

iminente.

Jurgen Habermas

Page 8: Projeto genoma

8

RESUMO

O presente trabalho visa apresentar a trajetória do ambicioso Projeto Genoma

Humano e suas implicações éticas e teológicas. Como se sabe, tal projeto consiste

em mapear e seqüenciar o genoma, favorecendo as pesquisas científicas,

sobretudo, na área da biomedicina. Inclusive, no sentido de descobrir a cura de

doenças e atenuar o sofrimento humano. Não obstante, os benefícios advindos com

suas descobertas, este projeto científico também suscita discussões acerca de suas

possíveis conseqüências, com relação à manipulação genética e à utilização de

embriões humanos. Deste modo, ademais de situar os aspectos históricos do

surgimento do Projeto Genoma Humano, o presente estudo busca trazer à tona

algumas reflexões éticas que acarretam suas descobertas, considerando,

principalmente a leitura do filósofo Jürgen Habermas sobre o futuro da natureza

humana. Do ponto de vista teológico, o trabalho também aponta algumas reflexões

em torno ao tema, considerando o olhar da Igreja Católica em seus documentos

pontifícios.

Palavras-chaves: Projeto Genoma Humano. Teologia. Doutrina Social da Igreja. Ética. Bioética.

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Abstract

The present paper presents the trajectory of the ambitious Human Genome Project

and its ethical and theological. As you know, this project is to map and sequence the

genome, promoting scientific research, especially in biomedicine. Also, in order to

find a cure for diseases and relieve human suffering. Nevertheless, the benefits to

their findings, the project also raises scientific discussions about their possible

consequences, in relation to genetic manipulation and the use of human embryos.

Thus, in addition to situate the emergence of the historical aspects of the Human

Genome Project, this study seeks to bring up some ethical reflections that lead to

their findings, considering especially the reading of the philosopher Jürgen Habermas

on the Future of Human Nature. From a theological standpoint, the paper also points

out some reflections on the theme, considering the look of the Catholic Church in his

papal documents.

Keywords: Human Genome Project. Theology. Social Doctrine of the Church.

Ethics. Bioethics.

Page 10: Projeto genoma

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

2 “GÊNESIS, CAPITULO UM, PARTE DOIS ?” ..................................................... 16

2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 17

2.2 PROJETO GENOMA HUMANO: A ÁRVORE DA VIDA ................................... 18

2.2.1 DNA: O início ............................................................................................. 18

2.2.2 Contexto Histórico...................................................................................... 20

2.2.3 Cronologia do Projeto Genoma Humano ................................................... 23

2.3 CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS ................................................................... 25

3 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA: UMA ANÁLISE HARBERMESIANA

SOBRE AS IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO ....... 31

3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 32

3.2 EUGENISMO SELETIVO ................................................................................. 32

3.3 DIGNIDADE HUMANA ..................................................................................... 36

3.4 CLONAGEM E OUTRAS MANIPULAÇÕES GENÉTICAS .............................. 37

3.5 A QUESTÃO MORAL ...................................................................................... 40

3.6 CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO. ................................................................... 44

4 IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO ................... 47

4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 48

4.2 A IGREJA CATÓLICA X ENGENHARIA GENÉTICA ...................................... 49

4.2.1 Uma mentalidade eugenética .................................................................... 50

4.2.2 Dignidade humana ..................................................................................... 53

4.2.3 Sacralidade da vida e a era genética ......................................................... 58

4.2.4 Patentiação ................................................................................................ 61

4.2.5 Clonagem e outras manipulações genéticas ............................................. 62

4.2.6 Biopoder .................................................................................................... 65

4.2.7 Meios de geração da vida .......................................................................... 66

4.2. QUESTÃO MORAL ......................................................................................... 68

4.3 UMA QUESTÃO ATUAL .................................................................................. 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 72

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 81

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11

1 INTRODUÇÃO

O Deus da Bíblia é também o Deus do genoma. Pode ser adorado na catedral ou no laboratório. Sua criação é majestosa, esplêndida, complexa e bela — e não pode guerrear consigo mesma. Só nós, humanos imperfeitos, podemos iniciar batalhas assim. E só nós podemos acabar com elas.

1

1 COLLINS, F. A linguagem de Deus. São Paulo: Gente, 2007, p.216.

Page 12: Projeto genoma

12

―No principio, Deus criou o céu e a terra... criou o homem e a mulher‖(cf. Gn

1,1;27).2 Durante muitos anos, essa fora uma história conhecida e aceita para

explicar a origem do cosmo e da vida humana. E, neste espaço de tempo, Deus, e

somente Ele fora o único protagonista da história da criação. Até que, em um dado

momento, desse período notável, como se sabe o cientista Darwin apresenta ao

mundo a teoria do evolucionismo e da seleção natural, contestando qualquer

participação divina nesse processo; fazendo com que os argumentos e fundamentos

bíblicos, fossem gradativamente desacreditados por muitos. Foi assim, que o

suposto conflito entre ciência e fé tornou-se veemente.

Desde então, é possível perceber na literatura que alguns autores vem

tentando conciliar ciência e fé, mas os posicionamentos contrários e não ecumênicos

de ambos os lados têm dificultado esta aliança. Com a descoberta de Darwin, os

cientistas têm encontrado, cada vez mais, razões para desacreditar na existência de

Deus. Hoje, com o avanço tecnológico e cientifico, os pesquisadores realizam

grandes descobertas. No entanto, a criação da própria espécie humana é ainda a

maior cobiça no âmbito cientifico.

Pesquisadores de todo o mundo tem se dedicado esmeradamente para

responder aquelas questões intrínsecas da vida humana: Quem somos? De onde

viemos? Para onde vamos?

A ciência propriamente dita, busca fundamentar e provar, através de fatos e

dados concretos, tudo que existe. E é este jeito de ser e agir que a distingue das

demais visões de mundo, pois essa lhe é uma característica própria.

Por isso mesmo, após a grande e frustrante tentativa de responder tais

questionamentos enviando o homem à lua, com o Projeto Apollo; os cientistas

descobriram que as respostas e os segredos da vida humana não estavam a

quilômetros de distância, mas estavam mais perto do que imaginavam isto é, as

respostas que procuravam estavam inseridas dentro de cada célula, surgindo assim,

um novo projeto para conhecer o que havia no interior de cada uma dessas células.

Essa iniciativa gerou o Projeto Genoma Humano: um audacioso projeto

científico consistindo em mapear o genoma e descobrir o sequenciamento do DNA.

2 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição revista, São Paulo: Paulus, 2006.

Page 13: Projeto genoma

13

Tal projeto é um marco para a ciência, cujos benefícios são incomensuráveis à

humanidade. A transcrição desses benefícios advindos do projeto genoma mostra

que o desenvolvimento da ciência, neste campo, é de extrema importância na busca

da qualidade de vida para os seres humanos.

Por essa razão, o século XXI possui todas as características de um século

voltado à genética, pois as descobertas advindas do sequenciamento do genoma

ocasionam grandes e profundas mudanças na medicina. Por outro lado, este mesmo

homem que vem realizando estas pesquisas com grande êxito, será responsável por

seus atos e descobertas, bem como será responsável pelas suas implicações e

consequências.

Do ponto de vista ético, uma das conseqüências previstas e/ou possíveis do

Projeto genoma Humano diz respeito ao próprio futuro da natureza humana. Com a

possibilidade da clonagem, inclusive de seres humanos haverá que se refletir sobre

a própria condição humana, tal como sugere o filósofo alemão Habermas.

A parte religiosa também tem acompanhado o caminho percorrido por esse

avanço cientifico e já se pronunciou, algumas vezes, ao perceber que determinadas

pesquisas genéticas poderiam, de certa forma, agredir a sacralidade da vida. De

acordo com seus ensinamentos a Igreja argumenta que a vida é um dom de Deus.

Sendo assim, só Ele pode intervir e inserir alterações nos indivíduos, isto é, em suas

criaturas. Como Senhor da criação, Ele reveste de caráter sagrado cada ser criado e

enaltece a dignidade do ser humano. Por isso mesmo, seu magistério, oferece

várias diretrizes, orientando e ensinando os fiéis a não se tornarem alheios diante

desses problemas éticos surgidos, principalmente, com a descoberta do genoma.

Este trabalho pretende, portanto, oferecer ao leitor uma reflexão aprofundada

dos aspectos históricos, éticos e teológicos do Projeto Genoma Humano,

possibilitando uma melhor compreensão deste fenômeno inédito e extremamente

relevante para a história da humanidade Não obstante, também, apresentará

argumentos fundamentando a posição da Igreja diante das questões genéticas.

Posição esta que visa, não somente opor-se aos avanços científicos e sim contribuir

com as diferentes correntes de pensamentos, fornecendo elementos a questões

relevantes para esse tema.

Desse modo, o trabalho compor-se-á de duas partes. A primeira descreverá a

origem, apresentando o contexto histórico do Projeto Genoma Humano, mostrando

os seus avanços científicos do conhecimento do genoma, seus ―segredos‖ e suas

Page 14: Projeto genoma

14

implicações históricas para a sociedade bem como as conseqüências; o que resultará

em resposta ao agir de hoje.

Já a segunda parte abordará as questões referentes aos aspectos éticos e

teológicos, ligados ao projeto. Apresentará uma análise dos posicionamentos

estudados no decorrer das pesquisas. Sobretudo evidenciará o posicionamento de

Habermas e o ponto de vista da Igreja Católica, e o porquê de em alguns momentos,

ela ter se distanciado da ciência, principalmente, no que diz respeito ao Projeto

Genoma Humano.

Para a fundamentação teórica, este trabalho utilizará pesquisas bibliográficas,

levantamento de dados, pesquisas documentais e entrevistas. Essas, no entanto,

serão usadas, somente, como fonte de informações e esclarecimentos sobre o tema

estudado, portanto, não terão um caráter quantitativo.

Tendo em vista que os escritos sobre o referido tema são demasiado

complexos por que diz respeito a área da medicina e biologia; portanto requer

conhecimento sobre, o presente trabalho buscará oferecer ao leitor, o conteúdo de

forma clara, simples e objetiva facilitando assim sua assimilação e entendimento do

ponto de vista ético e teológico.

O trabalho será composto por três capítulos. O primeiro será uma linha do

tempo, abordando o avanço, por meio de técnicas médicas e cientificas do

conhecimento do genoma, bem como suas conjecturas e consequências históricas.

O segundo capítulo trata de refletir sobre pontos principais da eugenia;

fundamentados em temas trabalhados pelo filósofo alemão, Jurgen Habermas, em

sua obra: ―O Futuro da Natureza Humana‖. Ressaltando que, desde sua origem, as

pesquisas envolvendo o genoma humano tem suscitado discussões e reflexões no

nível ético; tanto na coleta de dados, quanto no uso indevido dessas informações

genéticas obtidas no decorrer dessas pesquisas.

O terceiro capítulo apresentará o resultado de uma pesquisa pautada em

documentos, encíclicas e instruções pontifícias que sustentam o valor inviolável da

vida. Pelo ponto de vista doutrinal católico, a discussão de um tema polemico como

esse contribui para um agir ético do homem pós-moderno, bem como seu modo de

enfrentar a vida em suas mais diferentes nuances.

Nas considerações finais, far-se-á uma análise critica, contemplando os três

capítulos aqui abordados em seus pontos mais significativos. Sobretudo, refletir-se-

ão, cuidadosamente, questões divergentes entre fé e ciência, concernentes às

Page 15: Projeto genoma

15

questões genéticas. Particularmente, essas considerações explanarão a saga

científica de criar a vida e a preocupação da Igreja em manter acesa a chama da fé,

não poupando esforços para guardar seus preceitos, defendendo a crença de que a

vida é um dom incomensurável de Deus e compete, somente a Ele criar ou alterar

informações em seus dados genéticos.

Levando em consideração a narrativa do livro de Gênesis sobre a criação do

universo, surge a seguinte pergunta: Será que a semelhança entre Deus e o homem

por Ele mesmo criado torna esse homem capaz de ser um criador também? A

criação, por assim dizer, terá continuação, agora, por mãos humanas? Ou a nova

sociedade de homens, geneticamente perfeitos, ainda é uma utopia?

O leitor acompanhará essa abordagem nos próximos capítulos deste trabalho.

Page 16: Projeto genoma

16

2 “GÊNESIS, CAPITULO UM, PARTE DOIS ?”

Ele [o Projeto Genoma Humano] tem sido chamado o Santo Graal da biologia contemporânea. Custando mais de 2 bilhões de libras, é o projeto científico mais ambicioso desde o programa Apollo para o pouso do homem na Lua. Sua realização demandará mais tempo que as missões lunares, pois só se completará nos primeiros anos do próximo século. Antes mesmo de concluído, segundo seus defensores, o projeto proporcionará uma nova compreensão de muitas das enfermidades que afligem a humanidade e novos tratamentos para elas.

3

3 WILKIE, T. Projeto Genoma Humano: Um conhecimento perigoso. Rio de Janeiro: J.Zahar,

1994, p.11.

Page 17: Projeto genoma

17

2.1 INTRODUÇÃO

Foram com essas palavras do título deste capítulo que o jornalista e escritor

Reinaldo José Lopes inicia seu artigo publicado na revista online ―Galileu‖, 4 em que

apresenta a trajetória do cientista Craig Venter, participante e líder do Projeto

Genoma Humano com financiamento particular; fazendo história ao montar uma

célula sintética, provando que criar a vida ―do zero‖ ainda é um sonho distante e

talvez, nem valha à pena.

Como se sabe, o capítulo um do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, narra em

linguagem poética a origem do mundo e revela como Deus criou o universo e a

espécie humana a partir do nada. Milhões e milhões de anos depois, cientistas de

todo planeta voltam seus olhares, atenção e expectativas para uma única

descoberta: o genoma humano. Com a promessa de desvendar os segredos da

vida, esse conhecimento faria toda diferença para a medicina, trazendo alívio às

dores, à cura das doenças, e à criação de novas espécies. Desse modo, o

pesquisador moderno entendeu que aquele que comesse do fruto daquela árvore da

vida; não só teria seus olhos abertos, como também seria deus. Igualmente

prometeu a serpente ao tentar a primeira mulher no Jardim do Édem. Certificando a

ela muito mais que o conhecimento do bem e do mal, prometeu-lhe o poder. Dando

mostra de imensa arrogância, pesquisadores desse projeto gigantesco afirmavam

convictos, que o conhecimento vindo dessa descoberta, mudaria, indubitavelmente,

de modo extraordinário, a história da vida humana. Como assinala a epígrafe deste

capítulo, trata-se de um dos projetos científicos mais ambiciosos da história da

ciência.

Esta parte do trabalho, portanto, delineará o caminho percorrido pelo ambicioso

Projeto Genoma Humano, mostrando os avanços e conquistas alcançadas por meio

de técnicas médicas e científicas advindas com o sequenciamento do genoma. O

mesmo fará uma circunscrição histórica do desenvolvimento das pesquisas que

culminaram na clonagem animal e na tentativa da clonagem humana. Por fim,

desvendará alguns de seus segredos e analisará suas implicações históricas na

sociedade atual, a saber; as futuras consequências como resposta ao agir de hoje.

4 LOPES, R, J. Gênesis, Capítulo Dois?. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/ Revista/

Common/ 0, ERT150469-17933,00. html. Acesso em: 20/07/11.

Page 18: Projeto genoma

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2.2 PROJETO GENOMA HUMANO: A ÁRVORE DA VIDA

O Projeto Genoma Humano consiste em descobrir onde se encontra cada um

dos genes ou seu mapeamento, estabelecendo, assim, a sequência de bases de

cada gene, ou o sequenciamento do DNA (Acido Desoxirribonucléico) dos vinte e

três pares de cromossomos humanos e identificando cada uma das três bilhões de

bases que o compõem.

Nosso genoma, o conjunto dos nossos genes, é composto por DNA, que por sua vez é constituído de uma série de As, Cs,Gs e Ts – 3 bilhões desses elementos ordenados sequenciamente são a receita de um ser humano. Para você ter uma idéia da dimensão do nosso genoma, com esse número imenso de letras poderíamos escrever o equivalente a 800 Bíblias.

5

Decifrando o mapa do corpo humano, surgiria a capacidade de

conhecer sua personalidade e quais talentos poderiam desenvolver no

decorrer da vida. Informações essas até então desconhecidas para todos e

a cargo apenas do futuro e do destino.

Dessa forma, houve um esforço conjunto desde 1980, aproximadamente, para

decifrar o mapa humano. Cientistas do mundo todo participaram e participam do

Projeto Genoma Humano, trabalhando em conjunto para decifrar o genoma inteiro.

Pode-se dizer que a descoberta do genoma humano abriu as portas para a

genética, de tal maneira que daí surgiram milhares de pesquisas relacionadas a

essa. Dentre tantas, destaca-se a clonagem e células-tronco que, por assim dizer, já

causou e estão causando controvérsias e polêmicas, devido às implicações éticas

que acarretam.

É importante ressaltar que genoma humano, clonagem e células-tronco são

termos geneticamente interligados. Dessa forma, a descoberta de um, favoreceu o

surgimento do outro.

2.2.1 DNA: O início

Cada ser humano é formado por partículas subatômicas denominadas

cientificamente de nêutron, elétron e próton, formando o átomo que dá origem a

moléculas. Essas, por sua vez, organizam-se de tal forma e com tanta complexidade

5 PEREIRA, L, V. Sequenciaram o Genoma Humano... E agora?.São Paulo: Moderna, 2001, p.18.

Page 19: Projeto genoma

19

que compõem uma unidade chamada célula. O corpo humano é composto por cerca

de sessenta trilhões de células. No interior de cada uma delas está o núcleo; nele

encontram-se os cromossomos; dentro deles se localiza o ácido desoxirribonucléico;

mais conhecido como o DNA. Um pequeno trecho ou um segmento da molécula de

DNA chama-se gene. Dessa forma, pode-se dizer que a matéria-prima do gene é o

DNA e cada uma das células do corpo humano possui o mesmo mapa genético

herdado dos pais.6

A estrutura do gen contém as informações genéticas responsáveis pelo

código genético que caracteriza os indivíduos, como: a cor dos olhos, dos cabelos, o

formato do nariz, etc. A função dos genes, no entanto, é a produção de proteínas.

Desse modo, o genoma é o conjunto desses genes.

O genoma é o conjunto de instruções necessárias para formar um ser humano. Essas informações estão no DNA, uma longa molécula em formato de dupla hélice que carrega os genes compostos por quatro elementos básicos: adenina(A), Tinina (T), Citosina(C) e Guanina(G). ...Os componentes do DNA seriam as letras.(...) ...Os genes seriam as palavras.(...) ...Os cromossomos seriam os capítulos.(...) ...O DNA seria o texto.(...) ...O homem seria uma coleção de 100 trilhões de livros.

7

Para ler as informações do genoma é preciso, primeiramente, desenrolar os

cromossomos que comparados a um de novelo; a molécula do DNA seria a linha

desse mesmo novelo. Ela é feita de moléculas ainda menores chamadas bases, que

grudando uma nas outras formam uma enorme fita de DNA, que contém três bilhões

de bases; essas, são letras químicas A- adenina, T- tinina, C-citosina e G-guanina;

com as quais se escrevem as informações genéticas. Faz-se necessário ressaltar

que adenina sempre em par com tinina e citosina sempre com guanina.

Nesse alfabeto, de apenas quatro letras, é possível escrever ao longo de

todo o genoma cerca de trinta mil frases diferentes e cada uma contendo milhares

de letras. Dessa forma, cada frase é um gene, e cada gene é um pedaço dessa

longa fita de DNA.

6 LINHARES, S. e GEWANSDSZNAJDER, F. Biología: Programa completo. citocologia,

histologia, origem da vida. São Paulo: Ática, 2002, p.12-17. 7 PESSINE, L; e BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs). Bioética:Alguns desafios.São Paulo: Loyola,

2001, p.248 - 249.

Page 20: Projeto genoma

20

Todos os seres humanos possuem em comum 99,9% dos genes, mas este

0,1% corresponde a três milhões de diferenças. Por essa razão, não existe duas

pessoas idênticas.

Todos os seres vivos possuem o mesmo DNA; o que diferencia é sua

sequência: para cada ser há uma sequência própria e essa sequência é denominada

de genoma.

Quando a sequência das letras químicas é alterada, surge a probabilidade de

se provocar mutações. Essas, no entanto, não são necessariamente negativas, pois

são responsáveis por causar as diversidades dos seres vivos, sendo fonte de

inovação para a evolução das espécies.

Pode-se dizer que a descoberta do DNA foi a origem da genética, ou seja,

sua gênese abriu as portas para todas as outras pesquisas relacionadas ao gene

humano. Mas, surge a pergunta: com os avanços científicos, principalmente na área

da genética, está surgindo, hoje, o ―Gênesis, capítulo um, parte dois‖?

2.2.2 Contexto histórico

No ano de 1969, todos os seres humanos se voltaram para o céu,

testemunhando um dos maiores marcos da história da humanidade: a chegada do

homem à lua, com o Projeto Apolo.8 As expectativas eram grandes, pois o homem

ao chegar à lua, supôs que as perguntas mais profundas que calam no coração de

cada ser humano, como: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?

Seriam respondidas e, de fato, acreditavam, piamente, nessa idéia.

No entanto, nem tudo é o que parece ser e nem tudo que se imagina e se

deseja, realmente, se concretiza. Dessa forma, todas as expectativas, em relação à

lua, foram duramente frustradas. Descobriram que, no local ―sagrado‖ se

solucionariam todas as questões, desvendando os mistérios mais profundos, no

entanto, as respostas almejadas não vieram. De acordo com RASKIN:

A frustração de não encontrar as respostas para estes enormes dilemas com a conquista do espaço, fez com que os cientistas fossem procurá-las em outro lugar. Talvez estas informações estivessem na verdade escondidas muito mais próximas dos cientistas do que eles mesmos imaginaram quando conceberam o Projeto Apolo que levou o homem à lua.

9

8RASKIN, S. Entrevista concedida à Faculdade Vicentina.Curitiba, 2010.

9 RASKIN, S. Projeto genoma Humano. Disponível em: http://www.genetika.com. br/informacoes_

genoma.asp. Acesso em: 12/08/11.

Page 21: Projeto genoma

21

A partir disso, os norte-americanos começaram a refletir se as respostas a

essas questões humanas estariam mesmo a milhões de distância, ou estariam muito

próximas, ou seja, no interior de cada ser humano, mais precisamente, no interior de

cada célula humana. Dessa forma, surgiu a ideia de se criar um projeto, que se

preocupasse em conhecer, profundamente, cada célula, consequentemente a vida

humana. Essa nova perspectiva, então, deu origem ao tão evidenciado Projeto

Genoma Humano.

Embora tenha sido concebida uma proposta originária 1984, o Projeto teve

seu início oficial somente em 1990, com prazo de conclusão de quinze anos, tal

como afirma a pesquisadora Lygia Pereira:

Em 1988, a Human Genome Organization (Organização do Genoma Humano, HUGO) foi fundada por cientistas norte americanos para coordenar os esforços de sequenciamento do genoma humano internacionalmente. Essa ousadia foi formalmente proposta ao Congresso dos Estados Unidos em 1990 como um plano de 15 anos a ser executado por um consórcio de pesquisadores: o Projeto Genoma Humano (PGH).

10

Inicialmente, a direção do projeto ficou por conta de James D.Watson, cujo

cargo era o de chefe dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH). Tendo a

participação de cinco mil cientistas de duzentos e cinquenta laboratórios diferentes,

possuía um orçamento variando de três a cinqüenta e três bilhões de dólares. Com

isso, o projeto recebeu apoio financeiro do Departamento de Energia dos Estados

Unidos (DOE), esse também havia planejado e financiado o Projeto Apolo.

Ao denominar o Projeto Genoma Humano e seus objetivos, Wilkie afirma:

Ele tem sido chamado o Santo Graal da biologia contemporânea. Custando mais de 2 bilhões de libras, é o projeto científico mais ambicioso desde o programa Apollo para o pouso do homem na Lua. Sua realização demandará mais tempo que as missões lunares, pois só se completará nos primeiros anos do próximo século. Antes mesmo de concluído, segundo seus defensores, o projeto proporcionará uma nova compreensão de muitas das enfermidades que afligem a humanidade e novos tratamentos para elas.

11

Grandes e esperançosas eram as expectativas em relação ao Projeto

Genoma Humano. Por suas promessas miraculosas fora até mesmo comparado ao

10

PEREIRA, L, V. ob.cit., p. 35. 11

WILKIE, T. ob.cit., p.11.

Page 22: Projeto genoma

22

Santo Graal.12 Quando suas contribuições eram ainda um enigma, um mistério a ser

desvendado, seus defensores afirmavam que suas descobertas trariam a cura de

muitos, senão de todos os males da vida humana e proporcionaria novas

perspectivas e vigor, tal como prometia a lenda do Santo Graal àqueles que o

possuíssem. Segundo os celtas o ―caldeirão mágico‖ (Santo Graal), traria

prosperidade, renovação e, até mesmo, um certo tipo de ressurreição. Com as

novas possibilidades geradas pelo Projeto Genoma, os cientistas vão mais além, isto

é, não se interessam tanto em ressuscitar um ser. Tem-se observado que na

realidade, hoje, o desejo veemente dos cientistas se concentra em apenas um e

talvez um único ponto: eles querem criar a vida.

Wilkie ainda diz que o conhecimento genético proporcionado pelo Projeto

Genoma Humano, segundo seus idealizadores, transformará o mundo científico,

bem como a medicina atenuará o sofrimento humano e revolucionará o século XXI,

tornando-o século da genética e inaugurando uma nova era da área biomédica.

(...) Trata-se [o Projeto Genoma Humano] do mais audacioso e certamente do maior esforço jamais empreendido na biologia, que fará do século XXI a era do gene. Embora possa ser comparado ao programa Apollo, o Projeto genoma Humano vai transformar a vida e a história humana mais profundamente que todas as sofisticadas invenções tecnológicas da era espacial. Seu impacto excederá de muito a compreensão e o tratamento dos defeitos já mencionados de um único gene.

13

Vale ressaltar que este projeto é um trabalho a ser realizado em longo prazo.

Desde o anúncio do primeiro esboço, estima-se ainda mais 40 anos para ser

totalmente compreendido e entendido. Não obstante, um ano depois de seu

seqüenciamento, alguns tipos de doenças já eram diagnosticadas com testes

genéticos, porque usavam como sustentação as informações disponibilizadas pelo

Projeto Genoma Humano. Hoje, após 10 anos das descobertas do genoma, o

aconselhamento para reprodução, utilizando informações genéticas possibilita a um

casal saber, antecipadamente, se terão filhos saudáveis e normais ou não.

Futuramente, estima-se que grande parte das doenças hereditárias serão

eliminadas, realizando as correções nos genes defeituosos que ocasionam as

12

Santo Graal: Salvo algumas variantes, as várias narrativas identificam-no como sendo a taça que

Jesus usou na última ceia, na qual José de Arimatéia teria recolhido seu sangue após o soldado ter atravessado seu lado com uma lança, este, teria conservado e escondido, por sua preciosidade e sacralidade este fora objeto de desejo muitos anos mais tarde instigando valentes cavaleiros a arriscar sua vida para conquistá-lo ou defendê-lo. (Cf. BRUNEL, P. (Org.) - Dicionário de Mitos Literários, Rio de Janeiro: Editora UnB, 1997, p.422-429) 13

WILKIE, T. ob.cit., p.13.

Page 23: Projeto genoma

23

doenças. Sem falar ainda, no avanço das indústrias farmacêuticas, que poderão

fornecer o medicamento personalizado, isto é, de acordo com o paciente e a doença

que esse desenvolve; diminuindo assim, os efeitos colaterais.

Considerando os efeitos históricos de seu surgimento, e para uma

compreensão histórica mais detalhada do caminho percorrido pelo Projeto Genoma

Humano, faz-se necessário também uma abordagem mais profunda e organizada de

sua cronologia, situando o início desse projeto da ciência, que, por vezes, fora

considerado uma ideia superficial. É o passo a seguir.

2.2.3 Cronologia do Projeto Genoma Humano

Em 1953, o biólogo norte-americano, James Dewey Watson e os físicos

ingleses, Francis Harry Compton Crick e Maurice Hugh Frederick Wilkins, bem como

a cristalográfica inglesa, Rosalind Franklin, descobrem a estrutura de dupla hélice

do DNA. Esta e outras descobertas levaram, então, a um salto qualitativo na área da

biologia, principalmente na área molecular nos setores da genética.14

No ano de 1980, iniciam-se as primeiras discussões sobre o Projeto Genoma

Humano. Desse modo, o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE)

promoveu um workshop, avaliando os métodos disponíveis para detecção de

mutações e, durante esses trabalhos, divulgou-se a idéia de mapear o genoma

humano.

Em 1987, com iniciativa do Departamento de Energia dos Estados Unidos, foi

iniciado o Projeto Genoma Humano, com um financiamento inicial de 50 bilhões de

dólares e uma duração prevista de 20 anos. No entanto, somente em 1989 e,

oficialmente, em 1990, o Projeto Genoma Humano saiu do papel e de discursos

meramente teóricos e passou para a prática, dando início às pesquisas laboratoriais.

Assim, cientistas de vários países começaram a desenvolver o Projeto Genoma

Humano, patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) e pelo Departamento

de Energia americanos (DOE).

O chefe do Instituto Nacional de Saúde (NIH), James Wyngaarden, convocou

uma reunião na Virgínia, cidade de Reston, em fevereiro de 1988. Após muita

reflexão e discussão, uma vez que havia relutância por parte do Instituto Nacional de

14

PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs) Bioética:... ob. cit., p.245.

Page 24: Projeto genoma

24

Saúde (NIH), em relação às pesquisas do Projeto Genoma Humano, acabaram por

firmar algumas propostas e objetivos a serem alcançados com o andamento do

programa. Dessa forma, em maio desse mesmo ano, Wyngaarden convidou James

Watson para ser o diretor do Projeto Genoma Humano. Assim, em outubro, ele foi

nomeado oficialmente para dirigir o projeto. Nesta mesma data, o Departamento de

Energia dos Estados Unidos (DOE) assinou um acordo juntamente com o Instituto

Nacional de Saúde (NIH); ambos assumiram cooperarem entre si para a realização

do Projeto Genoma Humano.15

Em 1997, o Brasil une-se aos demais países que já colaboravam no Projeto

Genoma Humano, enviando cientistas para realização de pesquisas. No entanto, o

projeto em si já estava quase no término. As pesquisas brasileiras, então,

consistiram, apenas, no tratamento do câncer. Dessa forma, os pesquisadores

brasileiros deram origem ao Projeto Genoma do Câncer. Os responsáveis em

financiar estes pesquisadores, foi primeiramente e principalmente a Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); depois, o Conselho

Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) e o Programa de

Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (PADCT).16

No ano de 1998, surge uma nova e importante descoberta: as células-tronco.

Essas deveriam permitir, supostamente, ao longo de décadas, a criação de tecidos e

órgãos inteiros em laboratório. No entanto, eram apenas as primeiras discussões e

conjecturas dessa recente descoberta.

Em maio deste mesmo ano, a empresa CELERA, sob a direção de Craig

Venter e financiamento particular, entrou com uma proposta de mapear o genoma

em menor tempo que o setor público. Venter ainda comunicou, que sequenciaria

todo o genoma em apenas dois anos, ou seja, cinco antes que o projeto público.

Essa informação gerou um impasse entre os cientistas do projeto público. Esses, por

sua vez, decidiram adiantar as pesquisas evitando, porém, que se perdessem todo

investimento aplicado neste projeto, e, o que é pior: impedir o patenteamento das

descobertas.

Dessa forma, no dia 26 de junho de 2000, após negociações:

15

ECHTERHOFF, G. Direito à Privacidade dos dados Genéticos. Curitiba: Juruá Editora, 2010, p.36 - 37. 16

ECHTERHOFF. ob. Cit., p.38 - 39.

Page 25: Projeto genoma

25

em uma atitude politicamente correta, os líderes de ambos os grupos, Francis Collins (projeto público) e Craig Venter (projeto privado) concordaram em revelar juntos, da Casa Branca para o mundo, que tinham praticamente concluído um primeiro esboço do Genoma Humano.

17

Dessa forma, dez anos se passaram desde a conclusão do Projeto Genoma

Humano e, certamente a primeira e grande conquista alcançada foi a não

privatização das informações adquiridas com o mapeamento e sequenciamento do

Projeto Genoma Humano, como também os esforços para se chegarem a essa

conquista foram louváveis. Certamente, sem a publicação dos resultados do Projeto

Genoma Humano, não seria possível o acesso às maravilhosas descobertas pelos

cientistas que foram apresentadas toda a sociedade. Se assim não fosse, poder-se-

ia compará-lo a um livro com páginas, contendo o mapa do tesouro da vida,

seguramente lacrado a sete chaves ao longo do processo evolutivo, e o acesso às

informações patrimoniais contidas nesse livro, seria dado selo do patenteamento,

circunscrita no universo de poucos.18

2.3 CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS

Indubitavelmente, o mega projeto sobre a identificação do genoma humano,

trouxe, com suas descobertas, grandes consequências para a história: interferindo

expressivamente em questões governamentais, principalmente, entre os países,

que estavam mais envolvidos com o direito da patente dos genes descobertos;

possibilitando a clonagem, as descobertas com células-troncos, a produção de seres

das mais variadas espécies e os transgênicos; enfim, essas e muitas outras

inovações mudaram o rumo da história humana.

A formação de duas equipes, a CELERA liderada por Venter e com

financiamento particular e a outra do setor público para mapear o genoma, como já

citado anteriormente, fora algo positivo, pois o grande esforço e empenho por parte

dos pesquisadores de ambas as equipes para que se atingissem os objetivos

almejados, consequentemente, gerou um certo tipo de competição na área das

pesquisas, sendo essa de fundamental importância, porque, ao final, foi apresentado

à sociedade um resultado mais satisfatório e de melhor qualidade.

Porém,

17

RASKIN, S. Projeto Genoma... ob. Cit., 18

Id. ibid.

Page 26: Projeto genoma

26

Exatamente quando a notoriedade de Venter como líder no campo de sequenciamento do DNA, estava nas alturas, ele se viu envolvido numa controvérsia amarga sobre a questão das patentes dos genes.O problema da proteção da patente para a sequência do DNA tem forte carga emocional e grande complexidade legal.

19

Nesse sentido, em se tratando dos resultados, esses só tiveram livre acesso

graças à coordenação, por parte do setor público, que pouco a pouco revelava o

segredo dos estudiosos. A sequência divulgada na internet, por exemplo, fazia com

que todo e qualquer plano de patenteamento por parte da Celera se tornasse sem

sentido. No entanto, fora, extremamente importante esta rivalidade entre as equipes,

pois serviu para que as pesquisas tomassem, gradualmente, mais rapidez, como

também chamou a atenção da humanidade sobre o patenteamento genético.

Vale ressaltar que os conhecimentos adquiridos nas pesquisas realizadas

com as informações proporcionadas pelo projeto, também gerou o avanço desses

estudos. Assim como o grande investimento, no campo científico, tornou possível

encontrar algumas respostas para muitas interrogações pertinentes, à vida do

homem. Questionamentos esses, que vêm acompanhando o evoluir humano desde

um passado muito longínquo. O que, no entanto, são interrogações atuais, já

fizeram parte do universo pensante de muitos.

Muitas conjecturas para a história humana foram obtidas com o Projeto

Genoma Humano. Esse projeto abriu múltiplas possibilidades, e dele presumiram-se

muitas inovações, que revolucionariam a ciência médica.

No âmbito da genética, já se tornou possível sequenciar e analisar, por

completo, o genoma de três mil espécies diferentes de mamíferos, muito próximos

ao homem, organizado por escala hierárquica das espécies, destacando, por

exemplo, o camundongo, o rato e o chimpanzé. Com a ajuda das ciências e com

inúmeros estudos, comprovou-se, cientificamente, que a espécie humana e as

demais espécies, são muito parecidas no tamanho de seus genomas e

assemelham-se, também, no número de genes, ou seja, apenas 0,01% do genoma

faz a diferença. Com isso, esvaem-se os critérios utilizados até então, para,

geneticamente, explicar o fator que torna os seres humanos mais ―evoluídos‖ que

outras espécies. Assim, o avanço da genética possibilitou essa descoberta, isto é,

19

DAVIES, K. Decifrando o genoma: a corrida para desvendar o DNA humano. São Paulo:

Companhia das letras, 2001, p.97.

Page 27: Projeto genoma

27

por qual razão as doenças encontradas em animais; também podem contaminar

humanos ou vice-versa.

Explorando exatamente essas informações genéticas, os cientistas encontram

explicações para determinadas doenças que atingem o homem e são, ainda, pouco

compreendidas atualmente, como: o mal de alzheimer, a esquizofrenia, o autismo, a

suscetibilidade à AIDS e à malária. Dentre essas explicações, também está o de

devolver movimentos aos paraplégicos, injetando células-tronco corrigindo o dano.

Em 30 anos: Doenças hereditárias serão eliminadas com a correção de genes defeituosos. Os cientistas conhecerão os mecanismos genéticos envolvidos no processo de envelhecimento. A análise completa do genoma de uma pessoa será um exame comum de uma pessoa e custará menos de 1.000 dólares. Os testes laboratoriais, como os de sangue, serão substituídos por análises computadorizadas de células, mesmo nas doenças mais comuns.

20

Há pouco tempo, na era pré-genômica, nem mesmo Darwin imaginava que

existiria, em breve, ferramentas superpotentes como as usadas atualmente, capazes

de explicar os fenômenos da evolução das espécies. Tudo isso, a ciência tem nas

mãos, graças à descoberta do sequenciamento do genoma e ao grande empenho e

esforços por parte de muitos pesquisadores da área. Certamente, esse ramo da

genética vem fascinando inúmeros estudiosos em todo o mundo e trará, em breve,

muitas outras informações e descobertas surpreendentes para toda a humanidade.

Vale lembrar ainda, que esse ―avanço genético‖ trouxe inúmeros benefícios à

vida humana no aspecto econômico e no social. O homem desenvolveu tecnologias

capazes de sequenciar o genoma em muito menos tempo, com a utilização de

poucos recursos financeiros e com maior qualidade e precisão.

No entanto, de acordo com pensamento de pesquisadores, como o

geneticista Raskim, a ciência não pára e o que os estudiosos almejam, no momento,

é, em menos de cinco anos, alcançar a capacidade de sequenciar o genoma no

período de um dia e no valor de aproximadamente dois mil reais.21

As opções abertas pelo Projeto Genoma Humano serão novas, mas os princípios morais básicos que nortearão as escolhas que faremos entre elas não o são. Outros fizeram escolhas análogas no passado.(...) O conhecimento do passado é um guia indispensável para o futuro.

22

20

PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (orgs). Bioética:...ob. cit., p.250. 21

Id. ibid. 22

WILKIE, ob.cit., p.26.

Page 28: Projeto genoma

28

O século XXI possui todas as características para ser o século da genética,

pois as descobertas advindas do sequenciamento humano ocasionarão grandes e

profundas mudanças na medicina. Por outro lado, os cientistas estarão atentos à

responsabilidade de que seus atos, atitudes e descobertas podem ocasionar à

humanidade e a permanência de todo tipo de vida no planeta terra.

O estudo do genoma humano descobriu porque determinadas doenças

aparecem com tanta incidência em determinadas épocas da história. O que fazer

para retardar e aperfeiçoar a vida de pessoas portadoras de doenças genéticas.

Com o avanço das descobertas genéticas, conclui-se que, num futuro não

muito distante, alguns tipos de doenças serão diagnosticadas no primeiro dia de vida

de um bebê, isto é, essas descobertas possibilitarão saber se o recém nascido

possui a probabilidade de desenvolver tal doença, se é herdeiro de certas cargas

genéticas que o tornam refém de sua condição. Muitos serão beneficiados pela

eficácia de um diagnóstico preciso e precoce facilitando assim o início do tratamento

evitando sintomas e sinais decorrentes da manifestação das mesmas. A utopia

proveniente desse estudo é que a medicina deixe de ser uma ciência curativa e

venha ser preventiva e profilática. Dessa forma, os médicos terão mais tempo para

se dedicarem ao cuidado integral de seus pacientes, prescrevendo remédios

personalizados com base no código genético de cada indivíduo e, quem sabe, no

futuro, um pouco mais distante, mudar o genoma desse paciente, impedindo que ele

seja acometido pela doença que trazia graças à herança genética herdada de seus

antepassados.

Pretende-se, num futuro bem próximo, em torno de 20 anos, que o

conhecimento completo do material genético permita o acesso a medicações

individualizadas para cada paciente, respeitando a carga genética que ele carrega

em si. Tentar-se-á que os medicamentos sejam específicos para determinada

doença e determinado paciente, e os remédios por ele ingeridos, tragam efeitos

colaterais menores ao seu organismo. Conhecendo o genoma, as tendências

genéticas prevenirão o desenvolvimento de certas doenças. Tudo isso, porém, será

possível se cruzarmos uma boa dose de comprometimento pessoal com a vida

humana, aliada a uma extenuante pesquisa no campo genético, para que se formem

médicos capazes de optar pela vida em todos os momentos e de diferentes pontos

de vista.

Page 29: Projeto genoma

29

Em 10 anos: Testes genéticos estarão disponíveis para o diagnóstico antecipado e preciso de mais de 25 doenças, como o câncer, diabetes e enfarte. A terapia gênica, hoje ainda restrita e ineficaz, começará a ter seus primeiros sucessos nas doenças cardíacas, hemofilia e alguns tumores. O diagnóstico precoce e a consequente mudança de hábitos de vida permitirão diminuir o risco de surgimento de doenças genéticas.

23

De forma bastante análoga, o conhecimento dos nossos genes terá impactos

diferentes na vida humana. O perfil genético de uma pessoa será utilizado para que

ela, sabendo de suscetibilidade genética, desenvolva um estilo de vida saudável e,

ao longo de sua existência, explore seu patrimônio genético.

Ao analisar o Projeto Genoma Humano, constatou-se que as mudanças

proporcionadas por ele são profundas e o benefício por ele trazido é incomensurável

à humanidade. A transcrição dos benefícios advindos esse projeto mostrou que o

desenvolvimento da ciência, neste campo, é de extrema importância para a busca

de um constante aperfeiçoamento da qualidade de vida dos seres humanos.

A humanidade, diante dos novos conhecimentos decorrentes da genética,

constata o fortalecimento de ideais advindos de um determinismo genético que, por

vezes, desemboca num obcecado ideal de melhorar a espécie humana. No entanto,

a preocupação que perpassa esta pesquisa se concentrou no alcance do poder do

conhecimento genético, células-tronco, clonagem humana, avaliando a relevância da

informação genética frente aos interesses econômicos que possam pautar sua

indevida utilização.

Observa-se que os benefícios desse grandioso projeto, devesse, sempre, ser

bem divulgados. No entanto, quanto aos aspectos negativos, aquilo que, de certa

forma, estaria do ponto de vista ético, na zona de perigo foram, muitas vezes,

ignorados e refutados. Seria muito mais conveniente evidenciar a parte brilhante do

projeto, isto é, as promessas de um mundo novo: filhos geneticamente perfeitos,

diagnósticos antecipados de doenças hereditárias e um futuro promissor para a

ciência médica.

No entanto, com o passar do tempo, os pesquisadores do projeto

descobriram que não bastava, apenas, diagnosticar os problemas, mas para que a

descoberta tivesse realmente valor e sentido era preciso muito mais; necessitava de

algo concreto, ou seja, desenvolver tratamentos eficazes para solucionar os casos

23

PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, C. P. (orgs) Bioética...ob. cit., p.250.

Page 30: Projeto genoma

30

diagnosticados, e nesse sentido, pouco se fez com as informações que adquiriram.

Desse modo, acabaram por descobrir que a ciência biológica era por assim dizer,

muito mais complexa do que imaginavam e, diante de um vasto universo obscuro, só

surgiram mais dúvidas.

Assim, aqueles que acreditavam em que decifrariam a vida humana a partir

do genoma, enganaram-se completamente. Atualmente, não obstante, os

conhecimentos proporcionados pela sequência do mesmo, fizeram com que os

pesquisadores se deparassem, muito mais, com perguntas do que respostas. E,

diante de alguns dilemas da vida humana, só lhes restam afirmar como Sócrates:

―só sei que nada sei‖ .

Tal como observa Wilkie:

Talvez seja este, portanto o desafio final proposto pelo Projeto Genoma Humano: redefinir nosso sentido de nosso próprio valor moral e descobrir um meio de afirmar, em face de todos os detalhes técnicos da genética, que a vida é maior que o DNA de que brotou, que os seres humanos conservam um valor moral irredutível que transcende a sequência de 3 bilhões de pares de base contidas no genoma humano.

24

Contudo, tem-se observado, que mesmo para os melhores cientistas e

pesquisadores, o conhecimento pleno ainda não está acessível e disponibilizado.

Deste modo, ainda há muito que fazer para que todas as informações e descobertas

provindas do sequenciamento do genoma possam realmente, contribuir para a maior

descoberta científica: desvendar o segredo da vida.

24

WILKIE, T. ob.cit., p.215.

Page 31: Projeto genoma

31

3 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA: UMA ANÁLISE HARBERMESIANA SOBRE AS

IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

Devemos considerar a possibilidade, categorialmente nova, de intervir no genoma humano como aumento de liberdade, que precisa ser normativamente regulamentado, ou como a autopermissão para transformações que dependem de preferências e que não precisam de nenhuma autolimitação?

25

25

HABERMAS,J. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.18.

Page 32: Projeto genoma

32

3.1 INTRODUÇÃO

Atualmente, a humanidade tem-se deparado com um momento novo, a era

tecnológica funcional. Tem-se observado que certos dilemas éticos tratados

incorretamente, parecem expor o discurso normativo liberal a uma dificuldade lógica.

As novas pesquisas que utilizam a manipulação genética da natureza e de seres

humanos, após o sequenciamento do genoma humano, fenômeno não recente na

história, têm causado alterações na autocompreensão normativa, surgindo a

necessidade de uma nova regulamentação da questão moral.

Por isso mesmo, nesta parte do trabalho, far-se-á uma reflexão, de alguns

pontos principais da eugenia, fundamentando-os em alguns temas trabalhados pelo

filósofo alemão, Jurgen Habermas, em sua obra: ―O Futuro da Natureza Humana‖.

Nessa obra, Habermas questiona o caminho percorrido pela humanidade em

relação à eugenia; seria ela liberal ou conservadora? O que devemos esperar

moralmente com a biotecnia? Quais as implicações das pesquisas genéticas para a

integridade moral da espécie?

Vale ressaltar que, desde sua origem, as pesquisas envolvendo o genoma

humano e, consequentemente, clonagem e células-tronco, têm suscitado discussões

e reflexões sobre a ética, tanto na coleta de dados, quanto no uso que se faz das

informações genéticas obtidas no decorrer dessas pesquisas.

Com Jurgen Habermas, o presente capítulo fará uma abordagem mais

aprofundada de temas importantes e relevantes que surgiram com as descobertas

do genoma, como: dignidade humana, manipulação genética, biopoder, eugenismo

seletivo e a questão moral, dentro de uma perspectiva filosófica.

3.2 EUGENISMO SELETIVO

Primeiramente, Habermas reconhece dois tipos de eugenia: a primeira refere-

se a eugenia negativa. Essa consiste em utilizar-se das informações obtidas com o

sequenciamento do genoma humano, através de novas técnicas modernas, para a

prevenção de doenças ou melhoramento das condições de tratamentos. A outra é a

eugenia positiva. Essa é a preocupante, pois se utiliza das mesmas informações

citadas acima, não para melhorar as condições de vida, mas para excluir e

discriminar os genomas possuidores de defeitos, bem como, alterar suas

Page 33: Projeto genoma

33

informações genéticas, manipulando a vida e possibilitando a criação de um novo

ser humano, livre de qualquer imperfeição.

Nesse caso, pode-se observar que Habermas as distingue como eugenia

liberal e eugenia conservadora. Desse modo, ele é a favor de uma regulamentação

que visa orientar e guardar, juridicamente, essas pesquisas genéticas, a fim de

evitar a eugenia liberal que busca o aperfeiçoamento da raça humana sendo

orientada pelo acesso livre das informações necessárias e pelos desejos e

preferências individuais. Isto é, a eugenia positiva e liberal, permite alterar

informações no genoma, de um novo ser, de modo que esse nasça com as

características solicitadas pelos futuros pais. Desse modo, terão, por assim dizer, o

filho perfeito.

Evidentemente, observa-se que Habermas nesta obra aborda precisamente o

tema eugenismo seletivo, quando avalia alguns usos possíveis da engenharia

genética nas escolhas reprodutivas humanas, a saber: a cura de doenças

identificadas no código genético do embrião e a escolha deliberada de traços

desejáveis pelos futuros pais, a fim de discriminar os casos permitidos daqueles não

permitidos.

Deste modo, afirma Habermas:

Essas importantes questões bioéticas certamente estão ligadas ao aumento da acuidade do diagnostico e ao domínio terapêutico da natureza humana. No entanto, somente a técnica genética, que tem em vista a seleção e alteração das característica, bem como a pesquisa necessária para tanto e destinada a terapias genéticas futuras constituem uma nova espécie de desafio.

26

Nesse sentido, seu objetivo é chamar a atenção para o que está por vir. A

humanidade caminha para uma eugenia que não prima somente os fins

terapêuticos, mas tenta, de alguma forma, intervir nas características genéticas,

levando a uma transformação que atinge até a estrutura geral de nossa experiência

moral. Habermas ainda aponta para uma eugenia liberal extremamente inovadora,

isto é, com o passar do tempo, com os avanços tecnológicos estas intervenções

genéticas se tornariam aparentemente tão natural, que atrairia os interesses do

26

HABERMAS, J. O futuro... ob. cit., p.38.

Page 34: Projeto genoma

34

mercado, uma vez que bastaria, apenas, dinheiro para que todos os desejos fossem

realizados.

Habermas ainda afirma, que a eugenia liberal seria prejudicial à medida que

exterminaria o princípio natural de geração da vida, juntamente com o de identidade

humana e, dessa forma, a contingência elemento excelso e importante seria também

exterminada. Assim, os novos humanos, provindos dessa nova forma de concepção

ficariam submetidos à pré-determinações genéticas inalteráveis, realizadas antes de

cada nascimento, in vitro. O auto-reconhecimento, enquanto membro da espécie

humana, não seria mais possível. Desse modo ele afirma que: ―uma intervenção

genética não abre o espaço de comunicação para dirigir-se a criança planejada

como uma segunda pessoa e incluí-la num processo de compreensão.‖27

Tal como afirma Duran:

...abordando o tema de Habermas, existe uma necessidade de situar o autor dentro do tema da liberdade. Para Jurgen Habermas três campos são essenciais: a comunicação, a transcendência e a realização, livre para comunicar-se, que é a sua teoria, livre para poder transcender e livre para auto-trancender também. Agora, o Papa Bento XVI utilizou estas três expressões de Habermas uns dois anos a trás em uma das suas homilias referindo diretamente a qualquer tipo de manipulação.

28

A ação comunicativa que Habermas trata com tanta veemência na alteração

eugênica, deixaria de existir. Pois segundo ele, os seres que sofreram influência no

seu genoma não passariam pelo mesmo processo de socialização que os

concebidos de forma natural, pois esses não poderiam relacionar-se com suas

aptidões e, mesmo com suas limitações no decorrer de sua história.

Habermas não é contra o diagnóstico antecipado que permite o não

desenvolvimento de doenças. Mas não lhe agrada o fato desses diagnósticos

culminarem para um aperfeiçoamento genético. Assim, o autor considera a eugenia

negativa favorável, uma vez que prioriza o tratamento de doenças e que, por conta

dessa ação, pode ser justificável. O mesmo não acontece com a eugenia positiva,

que é inaceitável, porque altera o patrimônio genético, tornando-se assim, uma

prática condenável.

27

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.86. 28

DURAN,J,R. Entrevista concedida à Faculdade Vicentina. 2010.

Page 35: Projeto genoma

35

Por fim, Habermas enfatiza que as intervenções eugênicas, abalam a

estrutura geral da experiência moral, dado que, exerce alterações no limite que há

entre a natureza e a liberdade; entre o acaso e a decisão, afetando principalmente a

auto-compreensão moral. Desse modo, o ser humano é por assim dizer, impedido

de compreender-se como único autor de sua própria história de vida, dificultando

também, a percepção recíproca, que as pessoas devem ter ao considerarem-se

como nascidos ―sob as mesmas condições.‖29 Por essa razão, não se trata de um

argumento que se fundamenta na cautela e na moderação, e sim, no dano causado

a auto-compreensão normativa dos seres humanos.

Quanto ao futuro da natureza humana, pode-se considerar o que diz Hans

Jonas em sua obra ―O Princípio Responsabilidade‖. Nela, ele também analisa a

impossibilidade dos sistemas éticos clássicos e modernos de não conseguirem tratar

do futuro, lançando sua tese: ―devemos evitar arriscar a vida humana futura, ou seja,

diante dos avanços inevitáveis das tecnologia, devemos nos perguntar: temos o

direito de arriscar a vida futura da humanidade e do planeta?‖30 Para tanto, ele cunha um novo imperativo, que diz respeito ao ser e ao portar-

se cientificamente diante da humanidade fragilizada e incapaz de frear a ânsia

progressiva de ter em mãos o pleno domínio de sua evolução: ―Age de tal maneira

que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida

humana autêntica‖.31 Considerando os princípios éticos, Jonas conclui que o homem

não tem o direito de interferir no processo natural da vida humana e do planeta e

ainda que possua potencial para isto, não lhe cabe o poder de decidir e determinar o

fim das mesmas.

De modo geral, para Jonas, a responsabilidade não tem mais como ponto

central o passado e/ou o presente. Todavia, sua preocupação, agora, passa a ser

com o futuro da humanidade, com as gerações futuras e sua sobrevivência. Nota-se,

que Jonas não está preocupado com a eternidade, mas sim com o que acontecerá

posteriormente, existindo simultaneamente com os tempos atuais, com a era da

ciência e da tecnologia. Para ele, a responsabilidade será, por assim dizer, o

alicerce, o princípio orientador para as resoluções que interferirão nas diferentes

formas de vida.

29

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.41. 30

JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Ed. da PUC Rio, 2006, p.8. 31

JONAS, H. ... ob. cit., p.40.

Page 36: Projeto genoma

36

3.3 DIGNIDADE HUMANA

Primeiramente, Habermas faz uma distinção entre dignidade humana e

dignidade da pessoa humana. Ele enfatiza que a dignidade da pessoa humana

consiste na liberdade que cada pessoa possui de escolher quem de fato ela é. Por

essa razão, seus estudos se voltam para os limites éticos dos cientistas e dos

médicos, particularmente, quanto aos propósitos terapêuticos.

Em se tratando da vida humana, Habermas se refere de modo especial ao

embrião utilizado nas pesquisas da biotecnologia moderna. O autor sublinha as

opiniões polêmicas e divergentes sobre a legalização do aborto e os direitos de

autodeterminação da mãe que decide sobre seu próprio corpo.

Nesse sentido, o autor fomenta que, se de um lado, o embrião é considerado

um simples amontoado de células, que, no sentido moral, só passará a ter dignidade

humana quando nascer; do outro lado, enfatiza que, a partir da fecundação, pode

ser considerado uma pessoa em potencial, por isso já porta seus direitos

fundamentais. E Habermas continua:

Ambos os lados parecem não se dar conta de que algo pode ser considerado como ―indisponível‖, ainda que não receba o status de um sujeito de direitos, que, nos termos de constituição, é portador de direitos fundamentais inalienáveis. ―Indisponível‖ não é apenas aquilo que a dignidade humana tem.

32

O autor explica que, por motivos morais nossa disponibilidade pode ser

privada de alguma coisa. Mas, isso não significa que ela seja intocável no sentido

dos direitos fundamentais encontrados na constituição. Por isso requer cuidado e

atenção.

Assim, pode-se dizer que a dignidade humana simboliza, de certa forma, uma

condição moral ou jurídica que determina as relações entre os indivíduos munidos

de direitos e deveres, que convivem e se confrontam em um mesmo contexto

normativo. A dignidade humana faz, portanto, sentido na contingência dos acordos

estabelecidos no interior de uma comunidade composta por seres morais, dotados

de relações simétricas e responsáveis, ou seja, dentro de formas concretas de vida

coletiva.33

32

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.44. 33

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.46.

Page 37: Projeto genoma

37

De fato, a dignidade da vida humana, por assim dizer, ultrapassa os limites

das práticas morais harmonizadas, elevando-a a estágios pré-pessoais, em que os

indivíduos estão, ainda em formação, bem como a condições em que a vida se

esvaiu. Dessa forma, a vida humana antecede a construção dos contextos morais de

ações recíprocas, incitando uma compreensão de dignidade própria, mais aberta e

comunicativa, menos específica e reduzida, resultando no termo traduzido como

dignidade humana.34

Em suma, Habermas fomenta que a utilização de biotecnologias que exercem

alterações no genoma humano, podendo culminar em um tipo de confusão na auto-

compreensão ética, de modo que o indivíduo não se percebe mais como um ser livre

não representando diferença em relação ao outro, e, por isso, são regidos por

normas e fundamentos idênticos, influenciando de modo negativo aquilo que é

definido como dignidade humana. Essa, no entanto, merece respeito.

3.4 CLONAGEM E OUTRAS MANIPULAÇÕES GENÉTICAS

Quando os primeiros pesquisadores divulgaram o primeiro clone animal,35

uma onda de especulações e olhares curiosos se alastraram pelo mundo, buscando

o foco dessa inovadora descoberta que iria, mais uma vez, revolucionar o mundo da

ciência. O que não se esperava era que, com o anúncio desse fato, uma corrida

científica entre os pesquisadores e cientistas de todo o mundo fosse iniciada, cujo

intuito fosse o de realizar clonagens dos mais diversos modos, inclusive, o tão

sonhado e fictício clone humano. A esse respeito, apesar de tentativas, insinuações

e algumas falas desarticuladas, nada foi, oficialmente, publicado.

Em relação ao que fora citado, surgem assim, muitos questionamentos

quanto à liceidade da destruição de um embrião humano para eventuais benefícios à

humanidade, mesmo que esse fosse usado para salvar ou curar um adulto. Por essa

razão, comitês de ética de diversos países estabeleceram que as práticas da

clonagem são contrárias à dignidade humana e não é, eticamente, aceitável. Por

isso, não são permitidas.

34

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.45. 35 Embora os cientistas Ian Wilmut e Keith Campbell, da estação de reprodução animal, na Escócia,

tenham clonado duas ovelhas idênticas "Megan" e "Morag" no ano de 1995, o clone animal mais famoso indubitavelmente é "Dolly", clonada pelas mãos dos mesmos pesquisadores citados acima, a partir de células congeladas de uma ovelha, no ano de 1997.

Page 38: Projeto genoma

38

Nesse sentido, Habermas faz uma reflexão também preocupante: os novos

humanos, provindos dessa nova forma de concepção, ficariam submetidos à pré-

determinações genéticas inalteráveis, realizadas antes de cada nascimento, in vitro.

O auto-reconhecimento, enquanto membro da espécie humana, não seria mais

possível. Pois, segundo o autor, ―o clone é privado de um verdadeiro futuro próprio

pelo olhar modelador voltado à pessoa e à história de vida de um irmão gêmeo‖.36

Quando Habermas discorre sobre o tema ―clonagem‖, pode-se dizer que esse

remete à escravidão, ou seja, usar o material genético de um ser para se criar outro

é apoderar-se do que é do outro e não se compara com as semelhanças que

acontece com os gêmeos univitelinos, pois o ser clonado torna-se dependente das

características herdadas dos seus doadores. Ainda nessa questão, em sua obra A

Constelação pós-nacional, ensaios políticos,37 ele dedica o último capítulo a essa

temática e no ítem que traz o título: “Escravidão genética? Fronteiras morais dos

progressos da medicina da reprodução,‖38 Habermas declara que o ponto a ser

evidenciado deve ser o respeito à autocompreensão do ser clonado em relação à

sua própria origem. Assim ele argumenta:

Ninguém deve dispor de uma outra pessoa e controlar as suas posibilidades de ação de tal modo que seja roubada uma parte esssencial da liberdade da pessoa dependente. Essa condição é violada quando uma pessoa decide o programa genético de uma outra. Também o clone apresenta-se nos seus procesos de auto compreensão como uma pessoa determinada; mas, por detrás do elemento essencial dessas condições e qualidades encontra-se a intenção de uma pessoa estranha.

39

O fato de ter sido fruto de uma experiencia genética afetaria o clone

moralmente e faria a diferença, ter essa consciência, ou não. Em seu ponto de vista,

Habermas, afirma que há diferença entre o ser que participou de um processo

natural e normal dentro daquilo que se compreende como vida humana; daquele que

foi configurado pela genética. Nesse caso, então, há uma diferença na

compreensão: como se daria, a relação entre criador e criatura, ou melhor, entre

original e cópia? Poderia, então, dizer que essa seria uma relação subjetiva?

Nota-se que o conteúdo da obra de Habermas é um apelo a todos, e,

principalmente, aos filósofos, para estarem atentos aos avanços científicos de modo

36

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.87. 37

HABERMAS,J. A Constelação Pós-Nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001. 38

HABERMAS,J. A constelação... ob. cit., p.209. 39

HABERMAS,J. A constelação... ob. cit., p.210.

Page 39: Projeto genoma

39

que possam se posicionar, refutando qualquer ameaça gerada pelas transformações

no campo das biotecnologias que, de certa forma, podem causar uma secularização

do intelecto, gerando, por assim dizer, uma crise na identidade humana,

principalmente, no tocante à autonomia.

Percebe-se ainda que ele se preocupa com as pesquisas de manipulação de

embriões, porque essas colocam em risco a liberdade e a igualdade de valores

importantes e essenciais à vida humana. Segundo ele:

A programação eugênica estabelece uma dependência entre pessoas que sabem que, para elas, por princípio está excluída a possibilidade de trocarem seus lugares sociais. Contudo, tal dependência social, que é irreversível, já que sua ancoragem social depende do que ela instaurou de modo atributivo, forma um corpo estranho nas relações recíprocas e simétricas de reconhecimento, que caracterizam uma comunidade moral e jurídica de pessoas livres e iguais.

40

Mais uma vez Habermas chama atenção para a manipulação do embrião, à

medida em que os pais podem, agora, exercer alguma margem de escolha sobre a

configuração genética de seus filhos. Isso abre o caminho para o surgimento de

indivíduos sem autonomia sobre seu próprio ―destino‖ ou corpo. Assim afirma:

Será que os pais que querem satisfazer seu desejo de ter filhos e optam pela seleção, não carecem de uma atitude clínica, cujo objetivo seria a boa saúde dos filhos? Ou será que eles se comportam, ainda que de modo fictício e, portanto não- verificável, com a criança que está para nascer da mesma forma como com uma segunda pessoa – supondo que ela mesma diria ―não‖! A uma existência de certo modo limitada?

41

Segundo Habermas, deve haver um cuidado e atenção para não se cair a

banalização e acostumar-se com qualquer forma ou modo que prejudique a vida;

fomentando que se faz necessário ter consciência que a manipulação de embriões

pode, de algum modo, instrumentalizar a vida, principalmente, quando esse é usado

para o avanço e benefício científico, até porque essas pesquisas ainda não são

seguras e por isso, estão sujeitas a erros. Desse modo, é importante lembrar que o

embrião, mesmo cultivado in vitro, é um ser em formação, com futuros pais.

Portanto, terá uma vida e uma história, como qualquer ser humano.

40

HABERMAS, J. O futuro da ... ob. cit., p.90. 41

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.95.

Page 40: Projeto genoma

40

Outro problema, aparentemente, mais substantivo, diz respeito ao fato da

clonagem reprodutiva utilizar células-tronco, tiradas de pré-embriões. Alguns

bioeticistas confessionais julgam isso moralmente errado, porque consideram o pré-

embrião pessoa humana.

Dentre tantos outros problemas bioéticos, o que exige mais atenção é a

pesquisa com células-tronco embrionárias, pois essas utilizam o embrião, o que, por

conseguinte implica a morte do mesmo. É notória a falta de respeito e o não uso da

ética em relação a essas pesquisas. Segundo Moser:

Compreende-se, desta forma, porque a descoberta das células-tronco revolucionou profundamente toda concepção de terapia. Compreende-se também que tenha agitado a mídia, revolucionado a economia e até provocado problemas políticos. Estes ocorreram, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o governo proíbe tais experiências porque implicam, forçosamente, na destruição do embrião.

42

Como se pôde observar, essa importante descoberta desperta preocupação

porque ao contrário de beneficiar, proteger e amparar os seres humanos, ameaça e

aniquila a vida logo no início de sua existência. Por essa razão, pode ser

considerada e classificada como antiética a atitude despreocupada de atentar,

irresponsavelmente, contra seres indefesos.

3.5 A QUESTÃO MORAL

Devido à pouca importância que se deu às questões de princípios e valores

das pesquisas genéticas, o aspecto moral ficou defasado não gerando os resultados

esperados. Por isso mesmo, Habermas procura, através destas conferências

inseridas nesta obra, chamar a atenção para os perigos vindouros, principalmente

com o DGPI (diagnostico genético de pré implantação)43 que está relacionado com a

suposta ―criação de humanos‖. Segundo ele, há sim o que temer, pois pesquisas

genéticas realizadas irresponsável e deliberadamente podem acarretar graves

consequências para a humanidade.

42

MOSER. A. Biotecnologia e Bioética: Para onde vamos?.Petrópolis:Vozes, 2004.p.74. 43

Diagnóstico genético de pré implantação é uma forma sofisticada e precoce de diagnóstico pré-natal que visa identificar embriões portadores de doenças genéticas. (In: EISSEI MOLINA LABORATORIA MÉDICO. Diagnóstico genético de pré-implantação. Disponível em: https://sites.google.com/a/eissei.com.br/info/artigos/diagn%C3%B3stico-gen%C3%A9tico-pr%C3 %A9-implanta%C3%A7%C3%A3o---pgd. Acesso em: 15/10/11.)

Page 41: Projeto genoma

41

Tememos, não sem razão, que surja uma densa corrente de ações entre as gerações, pela qual ninguém poderá ser responsabilizado, já que ela transpassa de modo unilateral e na direção vertical as redes de interação contemporâneas.

44

Nota-se, que Habermas preocupa-se com o surgimento dessa nova espécie,

consequência do avanço genético, dado com o sequenciamento do genoma. No

decorrer da obra, ele enfatiza que os benefícios da eugenia, para o âmbito

biomédico, são ímpares. No entanto, quando não se respeita o limite ético e se

banaliza o aspecto moral, as experiências se direcionaram para lados opostos, e

isso geraria grande confusão. Seria difícil classificar ou definir os novos seres que

tiveram algum tipo de intervenção no seu genoma. Desse modo, isso poderia afetar,

expressivamente, sua própria personalidade e, ainda mais, quem seria o

responsável por toda essa desordem?

É interessante considerar o que Habermas diz sobre a ―vida correta‖, logo no

início de sua obra. Seus escritos mostram que, em passado não muito distante, o

cosmo, a natureza humana e as histórias universal e sagrada, disponibilizavam

elementos imbuídos de normas que remetiam à vida correta. O correto aqui tratava-

se de um modelo a ser seguido. Desse modo, assim como as religiões ofereciam

seus fundadores como exemplo, a metafísica também propunha seus modelos de

vida. Nesse período, as doutrinas da boa vida e da sociedade justa eram, por assim

dizer, uma doutrina com base única, formando um todo, assim como a política e a

ética. Não obstante, devido à aceleração da transformação social, também esses

modelos caíram no esquecimento.

Assim, após tentativas da parte filosófica de determinar modos de vida como

modelos e exemplos de vida boa, é a própria sociedade justa que deixa a cargo, de

cada pessoa, optar e escolher o que quer para sua vida; bem como a liberdade para

desenvolver uma autocompreensão ética, que o levará à formação de seu próprio

conceito de vida boa, isto é, a vida correta.

Apesar de tudo, a filosofia não refutou a questão normativa mas se limitou a

questões jurídicas, esforçando-se para ressaltar o posicionamento moral. Habermas

44 HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.2.

Page 42: Projeto genoma

42

afirma que no que se refere à teoria moral e ética, estas parecem ser norteadas pela

mesma pergunta:

―O que eu devo fazer, o que nós devemos fazer?‖ No entanto, o ―dever‖

recebe um outro significado quando deixamos de perguntar, a partir de uma perspectiva inclusiva do ―nós‖, pelos direitos e deveres que todos atribuem uns aos outros e passamos a nos preocupar com nossa própria vida a partir da perspectiva da primeira pessoa e a questionar qual é a melhor coisa a fazer ―por mim‖ ou ―por nós‖ a longo prazo, observando-se o todo.

45

Nota-se que essas questões assumem a dimensão social, uma vez que para

serem respondidas dependem do contexto que é universal para todos. A justiça e a

moral, no entanto, percorrem caminhos próprios divergindo da ética. Por isso

mesmo, de acordo com a perspectiva moral, deve-se extrair daqueles modelos

religiosos e metafísicos citados anteriormente, uma vida boa ou ruím. A esse

respeito, Habermas evidencia que a autocompreensão existencial pode servir-se

desses modelos, mas a filosofia como tal não pode mais intervir em questões

envolvendo a fé que se fundamenta em seu direito próprio. Desse modo, o autor

fomenta que a definição de vida boa ou ruim só poderá ser concluída, mediante, a

linguagem. Essa seria, por assim dizer, a única intermediária.

Como citado anteriormente, questões normativas não diz respeito à filosofia.

No entanto, Habermas afirma que ela não se furta ao debate moral, pois ao analisar

temas relacionados à justiça, procura adotar medidas iguais para o bem de todos, e

ao fazer isso, esforça-se para priorizar o ponto de vista moral no momento de julgar

normas e ações.

Nesse sentido, vale evidenciar o que diz Habermas citando Wolfgang Van den

Daele quando se refere a moralização da natureza humana. Segundo ele, aquilo que

a ciência disponibilizou tecnicamente, a normativa, por meio do controle moral,

inviabilizou.46 Habermas comenta:

Com os novos desenvolvimentos técnicos, surge, na maioria das vezes, uma nova necessidade de regulamentação. No entanto, até agora, as regras normativas simplesmente se ajustaram às transformações sociais. As mudanças na sociedade, desencadeadas pelas inovações técnicas nos campos da produção e do intercâmbio, da comunicação e dos transportes, do exército e da saúde estiveram sempre a frente. A clássica teoria social ainda descreveu as concepções pós-tradicionais do direito e da moral como

45

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.5-6. 46

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.34.

Page 43: Projeto genoma

43

resultado daquela racionalização cultural e social, que se realizou paralelamente aos avanços da ciência e da técnica modernas.

47

Do mesmo modo, o autor expressa sua preocupação em relação aos novos

avanços tecnológicos no campo das pesquisas genéticas. Nota-se que, para tanto, é

necessário uma normativa inovada que acompanhe todo esse progresso científico,

e, de certo modo, oriente e conduza o momento recente. No entanto, tem-se

observado que, ao invés de tal ação, a normativa tem apenas se ajustado, conforme

a necessidade atual. E, neste caso, não seria o suficiente.

Some-se a isso, as promessas inovadoras dessas pesquisas, principalmente

para o âmbito econômico, porque promete progresso na produtividade e porque

também favorece a liberdade de escolha de cada pessoa. Assim, futuramente, as

portas para a autonomia privada do individuo serão abertas, de modo que, esta nova

perspectiva venha a facilitar o melhoramento da técnica, uma vez que, as pesquisas

dependem da liberação da normativa. E essa muitas vezes considera o parecer

coletivo. Deste modo, se a tecnicização da natureza promete uma vida mais

saudável, logo, a aceitação será universal, e isso é um dado preocupante, já que o

parecer coletivo é levado em conta.

Assim, Habermas ressalta que uma moralização da natureza humana, no

auge desta inovação tecnológica científica, seria inadmissível. Atualmente a

medicina histórica tem conduzido a humanidade, de um modo geral, a uma reflexão

incrédula. Pode-se afirmar que, de agora em diante, qualquer tentativa de

moralização da natureza humana seria interpretado como uma refutação do avanço

científico, com todas as suas promessas de melhorias na área da saúde. Para

muitos, seria considerado um retrocesso.

Quanto aos limites morais da eugenia, Habermas afirma que, a eugenia

liberal produziria uma nova relação interpessoal, jamais vista, dado que a

intervenção irreversível no genoma de outrem, implicaria em uma nova

compreensão de moral. Ou seja, alterar a formação de uma pessoa, seria praticar

certo tipo de desumanização.

A decodificação do genoma humano promete intervenções que lançam, de modo surpreendente, uma luz sobre uma condição natural de nossa

47

Id. ibid.

Page 44: Projeto genoma

44

autocompreensão normativa, condição esta até agora não tematizada, mas

que, nesse momento, revela-se essencial.48

Certamente, as descobertas advindas do seqüenciamento do genoma

trouxeram ao mundo uma nova perspectiva para o âmbito biomédico. Essas

alterações, como é sabido, gerou e tem gerado mudanças em algumas questões

éticas. Desse modo, também a autocompreensão normativa estará sujeita a sofrer

intervenções e aquilo que não era temido por não oferecer nenhum tipo de ameaça

passa agora a ser uma questão que exige um pouco mais de atenção, uma vez que

se trata de uma possível mudança na normativa.

3.6 CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO.

Evidentemente, toda essa transformação no âmbito científico, tem gerado

também inovações e preocupações no âmbito religioso. Não é novidade que ciência

e fé sempre tiveram questões divergentes. Por isso mesmo, toda essa problemática

analisada anteriormente tem desencadeado uma pergunta que não cala: até que

ponto a instrumentalização da técnica influenciará a vida humana? Seria o caso de

se render a ela, ou de perseguir outro objetivo da auto-otmização?49

A este respeito Habermas comenta:

Nos primeiros passos deste caminho foi desencadeado um conflito de poderes da fé entre os porta-vozes da ciência organizada e os das igrejas. De um lado, o temor do obscurantismo e de um ceticismo em relação a ciência que se encerra na remanescência de sentimentos arcaicos; de outro, a oposição à fé cientificista no progresso, própria de um naturalismo cru, que mina a moral.

50

Pode-se dizer que na sociedade pós-secular a discussão sobre a

biotecnologia moderna está dividida entre o receio de se cair no obscurantismo e

ceticismo científico e a oposição cega à ciência. Para tanto, deve-se considerar,

também o fanatismo religioso. Fruto de um zelo exorbitante por aquilo que se crê,

ele tem conduzido muitos a ações inadmissíveis e cruentas para salvaguardar a fé.

O medo de que a ciência propriamente dita, venha a subjugar a religião, de modo

que ela se torne algo secundário (uma vez que a ciência poderia responder às

48

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.18. 49

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.135 50

Id. Ibid.

Page 45: Projeto genoma

45

questões mais íntimas do homem), o fanatismo não pondera, mas age de forma

arrasadora. Nesse caso, Habermas relembra o acontecimento de onze de setembro,

um ataque ao World Trade Center em Manhattan, quando terroristas,

fundamentados por uma crença deturpada, cometem um dos maiores atentado já

visto na história da humanidade.

Nota-se, portanto, que, apesar do fundamentalismo ser algo atual; as

convicções que moveram os terroristas a defenderem a fé de maneira atroz, são

motivações não contemporâneas. Por isso, ainda hoje, as técnicas genéticas são,

por assim dizer, refletidas ou discutidas sob a influência de sentimentos

ambivalentes.

Ainda nesse sentido, tem-se observado que, na sociedade pluralista

contemporânea mundial, os diferentes credos religiosos devem interagir e

compartilhar suas crenças, para sobrepor o poder destrutivo e intolerante do

monoteísmo vigente. Segundo Habermas, os credos religiosos precisam considerar

as contribuições da ciência de um modo geral e acolher as premissas do estado

constitucional. No entanto, vale ressaltar que, diante de um conflito entre a ciência e

a religião, como por exemplo, sobre à técnica genética, o Estado democrático deve

permanecer neutro.

Habermas ainda enfatiza que a ciência tem causado alterações na auto-

compreensão da espécie humana, ao invés de esclarecer o senso comum. E qual

seria o resultado se o lugar da autocompreensão normativa fosse ocupado pela

imagem objetiva da ciência dentro do processo de esclarecimento do senso comum,

uma vez que a normativa possibilita compreender que todos os seres humanos são

iguais, possuidores de atribuições e responsabilidades? E Habermas responde:

A crença cientificista numa ciência que um dia não apenas completará a autocompreensão pessoal, mas também a substituirá por uma autodescrição objetivante não é uma ciência, mas uma filosofia ruim. Também não haverá nenhuma ciência que possa privar o senso comum, cientificamente esclarecido, de, por exemplo, julgar o modo como devemos lidar com a vida humana pré-pessoal partindo das descrições biomoleculares, que tornarão possíveis as interações genéticas.

51

De certo modo, Habermas não concorda com o método que trata a vida pré-

pessoal de um embrião, envolvido em uma pesquisa biotecnológica, guiada pela

51

HABERMAS, J. O futuro da ... ob. cit., p.144.

Page 46: Projeto genoma

46

auto-descrição objetivante. Sublinha ainda, o conflito entre religião e ciência quanto

ao tocante à moral das pesquisas realizadas com embriões. A justificação racional é

mais voltada ao esclarecimento do senso comum norteado pela ciência, apesar da

religião participar, efetivamente no início do Estado constitucional, fundamentando o

valor da igualdade entre as pessoas.

Page 47: Projeto genoma

47

4 IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS DO PROJETO GENOMA HUMANO

O ensinamento moral da Igreja foi, por vezes, acusado de conter muitas proibições. Na realidade, ele se funda no reconhecimento e na promoção de todos os dons que o criador concedeu ao homem, com a vida, o conhecimento, a liberdade e o amor.

52

52

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Dignitas Personae: Sobre algumas

questões de bioética. São Paulo: Paulus e Loyola, 2008, p.37.

Page 48: Projeto genoma

48

4.1 INTRODUÇÃO

Analisando alguns documentos pontifícios, com questões relacionadas à

dignidade humana, sacralidade da vida e manipulação genética, pode-se observar

que esses contêm informações evidentes de que o homem, como ser criado por

Deus, tem abusado do poder e do conhecimento a ele conferidos. E, ao contrário de

guardar e proteger a vida como dom incomensurável, tem-na destruído e

banalizado.

Estaria o homem subestimando o transcendente, ignorando as atribuições

divinas, daquele que o criou e inseriu dentro de si a inteligência e a sabedoria, pelas

quais descobre e realiza tais feitos?

Pode-se dizer que a ciência e a técnica estão, de fato, a serviço da pessoa

humana? Como a Igreja Católica avalia e se posiciona diante dos novos desafios

gerados pelo avanço científico da investigação no campo da genética, da medicina e

das biotecnologias?

A Igreja já lutou, defendeu, pronunciou a posicionou em favor da classe

operária, através do documento Rerum Novarum em 1891, defendendo os direitos

dos trabalhadores. Hoje, ela age da mesma forma, agora para preservar e defender

o patrimônio genético humano.

Nesta parte do trabalho, far-se-á uma pesquisa em documentos, encíclicas, e

instruções pontifícias que defendem a vida. Evidenciando que o homem, como

criatura de Deus, é chamado a ―transformar o criado, ordenando seus múltiplos

recursos em favor da dignidade e do bem estar de todos os homens e do homem

todo, e a ser, ainda, o gerador de seu valor e intrínseca beleza.‖53

Por isso, analisar-se-á mais detalhadamente, do ponto de vista doutrinal

católico, os documentos e encíclicas pontifícias, tais como: Gaudium et Spes

(Alegria e Esperança-1965), trata da constituição pastoral do concílio vaticano II

sobre a Igreja no mundo de hoje, sob o Pontificado de Paulo VI (Giovanne Montini),

Redemptor Hominis (O Redentor do Homem-1979); Donum Vitae (O dom da Vida-

1987), Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da

procriação; Veritatis Splendor (O Esplendor da Verdade-1993), sobre algumas

questões fundamentais do ensinamento moral da Igreja; Evangelium Vitae (O

Evangelho da Vida-1995), sobre o valor da inviolalibilidade da vida humana, sob o

53

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob.cit., p.7.

Page 49: Projeto genoma

49

pontificado de João Paulo II (Karol Wojtyla) e, por fim, Dignitas Personae (Dignidade

da Pessoa-2008), sobre algumas questões de bioética, de Bento XVI (Joseph

Ratzinger).

4.2 A IGREJA CATÓLICA X ENGENHARIA GENÉTICA

No ano de 1998, o Projeto Genoma Humano estava em pleno andamento,

faltando pouco para ser revelado ao mundo. No auge de sua trajetória, quando todos

se voltavam para ele, ansiosos, esperançosos e curiosos, muitos buscaram

compreender e conhecer o audacioso projeto, que prometia revolucionar o universo

científico e suas demais extensões.

Foi, com este intuito, que a Pontifícia Academia para a Vida se reuniu nos

dias 23, 24 e 25 de fevereiro deste mesmo ano, em uma assembléia na Cidade do

Vaticano, abordando o tema: Genoma Humano: personalidade humana e sociedade

do futuro. Tendo como tarefa primordial, promover e defender o valor fundamental

da vida através do diálogo com especialistas nas disciplinas biomédicas, morais e

jurídicas, que, por sua vez, consentiram em recolher as diversas perspectivas,

dentro das quais a questão genética pôde ser enfrentada no respeito pelo método

científico e a luz de uma visão antropológica, coerente com a concepção cristã do

homem.

Em discurso proferido aos participantes dessa assembléia, O Papa João

Paulo II assim se expressou:

No maravilhoso percurso que a mente humana realiza para conhecer o universo, a etapa que se registra nestes anos no âmbito genético é particularmente sugestiva, porque leva o homem a descoberta dos segredos mais íntimos da sua própria corporeidade.(...) O genoma humano é como o ultimo continente que agora se explora.

54

Mais adiante, João Paulo II ressalta que o início do novo milênio está

permeado de dramas e conquistas. Segundo ele, as explorações geográficas e

descobertas, fez com que os homens se reconhecessem e se aproximassem. Nota-

se, que o conhecimento humano, realizou aquisições interdisciplinares

54

JOÃO PAULO II. A conquista do novo continente do saber, o genoma humano de possibilidades de vitoria sobre as doenças. In: L’osservatore Romano, Cidade do Vaticano, 14 mar. 1998, p.4.

Page 50: Projeto genoma

50

extremamente importantes. Não obstante, no campo da genética, a ciência vem,

através de um olhar perscrutador, adentrar no íntimo tecido da vida.

Estas conquistas revelam cada vez mais a grandeza do criador, porque consentem que o homem constate a ordem ínsita da criação e aprecie as maravilhas do seu corpo, além do seu intelecto, no qual, de um certo modo, se reflete a luz do verbo por meio do qual todas as coisas foram criadas.

55

Apesar disso, com o avanço científico, tem-se observado, que a saga da

busca do saber está ligeiramente ligada ao aumento de poder e não pelo interesse

em contemplar e admirar as coisas. É justamente este desejo veemente, pelo

domínio do conhecimento, que o saber e o poder têm, por meio de uma lógica

influente, estreitado os laços que os une, conduzindo o homem a um estado de

aprisionamento. No que se refere, ao conhecimento adquirido pelas descobertas do

genoma, essa lógica pode levar os cientistas a intervirem, de forma hostil, na

estrutura da vida humana, e assim poderia submeter, manipular e alterar

características importantes, principalmente, nas gerações futuras.

4.2.1 Uma mentalidade eugenética

No discurso que proferiu aos Membros da Pontifícia Academia para a Vida,

Wojtyla evidencia sua preocupação quanto à instauração de um tipo cultural, que

proporciona e beneficia a diagnose pré-natal, excluindo aqueles que, por meio desta,

apresentam algum tipo de anomalia; manifestando uma imperfeição. Observa-se,

então, que as pesquisas genéticas, caminham para uma direção que não é o da

terapia, em vista do melhor acolhimento do ser que ainda está por vir, mas sim, de

repulsa, e, infelizmente, daquele que não é, ou melhor, não será perfeito.

Por isso mesmo, a Igreja se preocupa com a questão do eugenismo seletivo,

suprimindo embriões, ou fetos, que desenvolvem algum tipo de doença. Por vezes,

esse tipo de seleção tem se pautado em teorias errôneas quanto à dimensão sacra

da vida.

Observa-se que quanto mais aumenta o conhecimento e o poder de

intervenção, tanto maior deve ser o conhecimento dos valores em voga. Do

55

Id. ibid.

Page 51: Projeto genoma

51

contrário, todas essas informações, não disponibilizadas a qualquer pessoa,

aumentará, expressivamente, a discriminação.

De fato, a engenharia genética trabalha com manipulações, visando ao

melhoramento e potenciamento da dotação genética. Não obstante, essas

manipulações não consideram o valor da criatura humana como um ser finito,

verdadeiramente. Algumas ações da engenharia genética recusam essa realidade.

Por isso, tem gerado preocupação, uma vez que favorecem o surgimento dessa

mentalidade eugenética.

Por essa razão, dez anos depois do discurso proferido aos membros da

Pontifícia Academia para a Vida, a Igreja encerra em si a mesma preocupação.

Assim, a encíclica Dignitas Personae, afirma:

...emerge, sobretudo o fato de que tais manipulações favorecem uma mentalidade eugenética e introduzem um indireto estigma social no confronto dos que não possuem particulares dotes e enfatizam dotes apreciados em determinadas culturas e sociedades que, por si, não constituem o especifico humano. Estaria isto em contraste com a verdade fundamental da igualdade entre todos os seres humanos, que se traduz no principio de justiça, cuja violação acabaria por atentar a convivência pacifica entre os indivíduos.

56

As perspectivas da Igreja em relação ao mapeamento e sequenciamento do

genoma humano concentram-se, na possibilidade de vitórias sobre doenças e não

no processo seletivo que, consequentemente, torna discriminatório. Assim, será

mais vantajoso, se todos os povos, independente de seu desenvolvimento, tenham

acesso aos resultados dessas pesquisas genéticas, evitando as desigualdades. Tal

como afirma Souza:

Essas manipulações, além de provocar discussões referentes à liberdade de escolha, à riqueza da diversidade humana, à utopia do homem perfeito levada ao extremo, suscitam o problema da dificuldade de acesso das pessoas às tecnologias. (...) Há nisso o grande risco de haver uma divisão entre pessoas geneticamente melhoradas e os concebidos naturalmente com suas ―imperfeições‖.

57

Portanto, deve-se observar se a finalidade do conhecimento proporcionada

pelo genoma está sendo usada para discriminar ou estigmatizar os seres que

possuem deficiência em seu material genético, ou se está possibilitando a 56

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução...ob.cit.,p.28. 57

SOUZA, V. J, ob.cit., p.86.

Page 52: Projeto genoma

52

separação e afastamento daqueles que têm probabilidade de desenvolver, no

decorrer da vida, uma doença que comprometa sua idoneidade e/ou capacidade de

exercer determinadas funções. Nesse caso, seria moralmente inaceitável, uma vez

que esse tipo de comportamento é contrário e incompatível à igualdade e à justiça.

Na perspectiva deontológica, também se tem considerado que há um ―clima

cultural‖ sendo favorecido por informações nem sempre científicas, logo, incorretas.

Essas informações têm orientado a prática da diagnose pré-natal, que seleciona os

indivíduos imperfeitos, conforme análises e testes realizados. E, dessa forma, deixa

de ser primordial a perspectiva terapêutica, torna-se discriminatória, daqueles

considerados não sadios e perfeitos, segundo os parâmetros de uma eugenia

seletiva. Torna-se preocupante quando esse conhecimento ameaça a vida do ser

que está no início de sua existência, correndo o risco de nunca subsistir.

Sob esse aspecto, a Igreja tem lutado, com afinco, cujo intuito é o de evitar

esse eugenismo seletivo, que discrimina e/ou destrói os embriões afetados, por

qualquer anomalia, criando e permitindo nascerem somente os seres considerados,

geneticamente, perfeitos e desconsiderando diferenças antropológicas e éticas entre

as várias fases da vida em formação. Nesse sentido, Fukuyama também tem

observado:

Ademais, a engenharia genética vê o ser humano não como um ato miraculoso da criação divina, mas como a soma de uma série de causas materiais que podem ser compreendidas e manipuladas por seres humanos. Tudo isso é um desrespeito à dignidade humana e, por isso, viola a vontade de Deus.

58

Outra preocupação que nasce dessa problemática está na forma como essas

informações genéticas seriam usadas para alterar, de modo evasivo, o genoma de

uma pessoa. Isso é uma mentalidade eugenética e possibilitaria a transformação, a

modificação e o melhoramento da raça humana. Nesse caso, a quem caberia decidir

e determinar o que, ou quem é o melhor? Seria mesmo possível responder e

atender os desejos e ambições de cada ser humano?

Levando em consideração o que fora evidenciado, conclui-se que todas essas

preocupações apontadas pela Igreja, ocasionariam uma desigualdade social

58

FUKUYAMA, F. Nosso futuro pós-humano: Conseqüências da revolução da biotecnologia. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 100.

Page 53: Projeto genoma

53

exorbitante que danificaria o bem comum, favorecendo, de certo modo, o

―predomínio da vontade de uns sobre a liberdade de outros‖.59

A esse respeito, o documento Dignitas Personae sublinha que a prática

eugenética demonstra uma negatividade ética, implicando na dominação da própria

raça humana. Esse tipo de intervenção demonstra ousadia e prepotência humanas

que dominam injustamente a própria raça, desconsiderando o cuidado que se deve

ter com o outro. Ressalta-se, por fim, que a tentativa de se criar o homem,

geneticamente perfeito, reforça a ideologia na qual o homem se torna, por si mesmo,

o próprio criador.

4.2.2 Dignidade humana

A Igreja compreende que o desenvolvimento e a utilidade das estruturas

somáticas e psíquicas do organismo possuem, em seu princípio, a formação do

genoma individual, que se dá no momento da fecundação. Por isso, ela defende a

opinião de que a vida se inicia nesse exato momento.

A única certeza que agora temos é que a sociedade do futuro só estará a medida da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre os povos, se as descobertas cientificas forem orientadas para o bem comum, que se realiza sempre através do bem de cada pessoa individualmente e requer a cooperação de todos e hoje, sobretudo, dos cientistas.

60

Cada pessoa humana tem, em sua natureza como base orgânica, a presença

de um genoma exclusivamente seu, isto é, especificamente humano, que o

possibilita, com o passar do tempo, desenvolver, gradualmente, suas faculdades.

Assim, observa-se que o vínculo íntimo do genoma, com a constituição da pessoa, o

diferencia do genoma de qualquer outra espécie vivente e, dessa forma, estabelece

sua dignidade, que é, por assim dizer, imutável, ou seja, nela não pode haver

alterações de outrem.

Quanto à dignidade humana, é importante ressaltar que quando o ser humano

busca um sentido para sua própria existência, ele insere em si mesmo uma

dignidade fundamental. Pode-se dizer que a dignidade como tal, não faz parte do

âmbito científico, mas social; ―Afirmar a dignidade humana é afirmar o valor que a

59

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução...ob.cit., p.28. 60

JOÃO PAULO II. A conquista... ob. cit., p.4.

Page 54: Projeto genoma

54

vida humana ocupa no sentido da existência do próprio ser humano‖61 uma vez que

a dignidade pode ser considerada como um princípio ético básico, conforme observa

Sanches:

A vida humana inteira, em todas as dimensões, é digna, sem nenhum tipo de reducionismo. Isto deixa de ser autocondescendência e se torna um programa arrojado e exigente, teórico e pratico, e o individuo passará a respeitar a vida humana e não poderá mais ―dispor dela a seu bel –prazer‖.

62

Do mesmo modo, compreende-se que a dignidade está presente no decorrer

de toda a vida humana, isto é, desde sua concepção até o final de sua existência.

Não obstante, algumas culturas venham a fragmentar sua compreensão; ela está

presente no todo da pessoa e deve ser afirmada em sua máxima extensão.

No que se refere às conquistas realizadas na área da saúde, pode-se dizer,

que o documento Donum Vitae, publicado há vinte três anos, foi uma resposta aos

diversos questionamentos do clero, teólogos médicos e cientistas da época, quanto

à conformidade com os princípios da moral católica, das técnicas biomédicas, que

concordam em intervir, alterando os dados genéticos de um indivíduo, ainda na fase

inicial de sua vida. Desse modo, a encíclica diz:

Fruto de ampla consulta e, em particular, de uma atenta avaliação das declarações de episcopados, a presente Instrução não pretende propor novamente todo o ensinamento da Igreja acerca da dignidade da vida humana nascente e da procriação. É seu desejo oferecer, à luz da precedente doutrina do Magistério, respostas especificas às principais interrogações que se levantam a esse respeito.

63

O documento evidencia o tema do respeito pelo ser humano desde a sua

fecundação, afirmando que a ciência e a técnica são preciosos recursos quando

postos ao serviço do homem. Ressalta, também, as questões morais, suscitadas

pelas intervenções da técnica na procriação humana e dá orientações referentes a

questões de lei moral e lei civil, surgidas nesse contexto, em relação ao respeito que

se deve ter com os embriões e fetos humanos.

61

SANCHES, M. A. Bioética:Ciência e transcendência. São Paulo: Loyola, 2004, p. 98. 62

SANCHES, M. A. ob. cit., p. 99. 63

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. A instrução sobre o respeito à vida nascente e à

dignidade da procriação. 6ª Ed. Paulinas: São Paulo, 2009, p. 5.

Page 55: Projeto genoma

55

Diante do exposto, observa-se que, do ponto de vista antropológico, as

orientações dadas pelo documento Donum Vitae, fomentam o respeito para com a

dignidade da pessoa humana, que, antes de ser um emaranhado de células e

tecidos, é formada à imagem e semelhança de Deus, seu próprio criador. Como

citado anteriormente, o homem é formado de corpo e alma, desse modo, qualquer

interferência neste corpo, não atinge somente os tecidos, mas a própria pessoa. O

documento deixa claro, que a vida de todo ser humano deve ser respeitada e

protegida de modo absoluto, uma vez que, o ser humano, e somente ele, foi e é a

única criatura querida, amada e desejada por Deus.

Com efeito, por consequência da união substancial da alma com corpo, o

genoma humano ganha um novo significado e deixa de ser uma dimensão

puramente biológica para alcançar uma dignidade antropológica, cuja base principal

é a alma espiritual que o imbui, anima e dá vida. A propósito, afirma o documento

Gaudium et Spes:

Corpo e alma, mas realmente uno, o homem por sua própria condição corporal, sintetiza em sim os elementos do mundo material, que nele assim atinge sua plenitude e apresenta livremente ao Criador uma voz de louvor. Não é portanto lícito ao homem desprezar a vida corporal, mas, ao contrário, deve estimar e honrar o seu corpo, (...) Deste modo, reconhecendo em si mesmo a alma espiritual e imortal, longe de se tornar um joguete de uma criação imaginária.

64

Conclui-se, então, que não é lícito exercer qualquer intervenção ou alteração

no processo natural do genoma, a não ser que essa seja para contribuir e favorecer

o bem da pessoa, compreendida como, ser ―uno e integral: corpo e alma, coração e

consciência, inteligência e vontade‖65. Do mesmo modo, não seria correto

discriminar alguém por seus defeitos genéticos, confirmados antes ou depois do

nascimento.

Todavia, a Igreja entende que, antes de ser uma ameaça, o genoma

apresenta-se como o elemento estruturador e construtivo do corpo nas suas

características individuais e hereditárias. Portanto, essa influência na estrutura, no

ser corpóreo é determinante desde o início até o fim da vida, e é por esta

fundamentação autêntica do genoma, que está presente desde o momento da

64

CONCILIO VATICANO II...ob. cit., p. 18. 65

Id. ibid.

Page 56: Projeto genoma

56

concepção, que os patrimônios genéticos do pai e da mãe se tornam um. Assim, a

Igreja assume a tarefa de defender a vida desde sua gênese.

A este respeito Wojtyla comenta:

De fato, o aprofundamento antropológico leva a reconhecer que, em virtude da unidade substancial do corpo com o espírito, o genoma humano não tem unicamente um significado biológico; ele é portador de uma dignidade antropológica, que tem o seu fundamento na alma espiritual que o penetra e vivifica.

66

Do ponto de vista teológico, a evolução do genoma permite estudar e

compreender a origem humana. Mas, no que se refere à criação de Deus, nada se

compara ao amor Divino, que transborda e livremente cria o homem a sua imagem e

semelhança. Essa ação ultrapassa a compreensão humana, ficando fora do alcance

de qualquer investigação científica, que, movida pela razão, distancia-se dessa

afirmação da revelação divina. Por outro lado, pode-se afirmar que a Igreja protege e

defende de tal modo a dignidade humana, porque seu próprio criador se tornou

humano, exaltando, expressivamente, a dignidade da vida humana que passa a ser

um valor incomensurável.

Nota-se, que em relação às diversas correntes de pensamentos que abordam

o tema do Projeto Genoma Humano, levando em consideração os níveis, biológicos,

jurídicos, sociocultural, filosófico e religioso, a Igreja traz elementos que

fundamentam sua posição em relação à liceidade e eticidade das pesquisas com o

genoma humano. Alguns autores católicos, como José V. Souza, tem se dedicado,

em pesquisas e trabalhos diversos, contribuindo para uma melhor compreensão do

tema, a fim de melhorar a defesa e orientação quanto aos direitos humanos e

dignidade da vida.

A Igreja Católica nunca se furtou ao debate bioético; ao contrário, tem-se empenhado para, junto a tantas correntes de pensamentos, fornecer elementos que possibilitem uma compreensão mais abrangente. O papa João Paulo II, particularmente, se esforça por refletir sobre várias questões éticas e religiosas que surgem neste campo.

67

Em virtude do que fora mencionado, entende-se porque a primeira encíclica

de Wojtyla, a Redemptor Hominis, menciona, pela primeira vez, a técnica moderna e

66

JOÃO PAULO II. A conquista... ob.cit.,p.4. 67

SOUZA, V. J, ob.cit., p.115.

Page 57: Projeto genoma

57

faz uma referência insigne ao homem e ao progresso cienífico. Wojtyla afirma que o

homem moderno tem-se influenciado pela vontade do poder, e por essa razão, tem

sido ameaçado pela sua própria inteligência. Na terceira parte dessa encíclica, onde

Wojtyla discorre sobre o homem redimido e a sua condição no mundo atual, solicita,

de certa forma, que o progresso cientifico traga, primeiramente, uma vida mais

humana sobre a terra e um homem bom. Ou seja, uma pessoa, espiritualmente,

madura, prudente e consciente da dignidade de sua humanidade, que seja mais

responsável e que viva a alteridade, em particular, aos mais necessitados e mais

frágeis.

Por essa razão, a Congregação para a Doutrina da fé, através da encíclica

Dignitas Personae, julgou, por bem, apoiar os trabalhos e ações daqueles que se

utilizam da ciência para promover a dignidade humana e espera que os cristãos,

inseridos no meio científico, dediquem-se aos demais com o auxílio do progresso

biomédico. No entanto, esses são exortados a testemunharem sua fé, em seu

campo de atuação.

Nesse sentido, vale ressaltar, também, o que a encíclica Redemptor Hominis,

diz sobre a dignidade humana. Segundo seus escritos, o homem é um ser redimido

por Cristo e reforça a importância de defender sua dignidade, uma vez que a

redenção, por assim dizer, enaltece e dignifica, expressivamente, o valor da vida:

O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se o não experimenta e se o não torna algo seu próprio, se nele não participa vivamente. E por isto precisamente Cristo Redentor, (...) revela plenamente o homem ao próprio homem. Esta é — se assim é lícito exprimir-se — a dimensão humana do mistério da Redenção. Nesta dimensão o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua humanidade. No mistério da Redenção o homem é novamente ―reproduzido‖ e, de algum modo, é novamente criado.

68

A mesma encíclica, ainda faz, um convite a todos os políticos, bem como a

todos os cientistas, para promoverem a vida, servindo-se das descobertas

científicas, pois essas aperfeiçoam terapias eficazes, principalmente, no campo da

genética. No entanto, as descobertas científicas devem ser utilizadas somente

68

JOÃO PAULO II. O redentor do homem. São Paulo: Paulinas, 1982, p.26.

Page 58: Projeto genoma

58

quando não oferecem nenhum tipo de risco ao ser humano, como nas intervenções

terapêuticas, no genoma das células germinais e do embrião precoce.

Da mesma forma, faz-se necessário reforçar os sustentáculos jurídicos que

protegem e defendem a dignidade da vida humana, bem como os dados genéticos,

diante das imensas possibilidades diagnósticas que são apresentadas pelo projeto

sequencial do genoma humano.

4.2.3 A Sacralidade da vida e a era tecnológica

A Igreja católica tem muito a contribuir com o debate em torno da técnica

moderna. Por isso, através de documentos pontifícios e pronunciamentos, procura

conscientizar todas as pessoas que, na era da ―civilização tecnológica‖, a razão

também apresenta algumas irracionalidades e limitações. Nesse sentido, torna-se

correto afirmar que fé e ciência necessitam-se mutuamente. Pois a ciência informa e

fundamenta, livrando a fé da ingenuidade; a fé, por sua vez, pode ajudar a ciência a

não ser materialista. Desse modo, a fé precisa da luz da ciência para não ser infantil

e retrógrada; a ciência, no entanto, precisa da fé para não colocar as suas

descobertas a serviço da destruição humana e para não sustentar a pretensão do

homem em comparar-se a Deus.

Nesse sentido, o documento Gaudium et Spes contribui:

...a investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus. Antes, quem se esforça com humildade e constância por perscrutar os segredos da natureza, é, mesmo quando disso não tem consciência, como que conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta as coisas e as faz ser o que são. Seja permitido, por isso, deplorar certas atitudes de espírito que não faltaram entre os mesmos cristãos, por não reconhecerem suficientemente a legítima autonomia da ciência e que, pelas disputas e controvérsias a que deram origem, levaram muitos espíritos a pensar que a fé e a ciência eram incompatíveis.

69

Sobre o referido, Gonzalo em sua obra Penitência e unção dos enfermos,

aborda a questão da cura de doenças, na qual, deve-se considerar a fé e a ciência,

e diz que:

69

CONCILIO VATICANO II. Constituição Apostólica: Gaudium et Spes. 4ª. Ed. São Paulo:

Paulinas, 1974, p. 44.

Page 59: Projeto genoma

59

A fé pretende, certamente, não competir com a ciência ou com as artes médicas na luta contra a enfermidade, mas sim reconhecer a vinculação que a vida e todo o seu entorno tem com Deus, criador e Senhor supremo do mundo. A fé também é não uma oferta de soluções para problemas que o ser humano não pode resolver por si mesmo.

70

Quanto à dimensão sacra da vida humana, é interessante oferecer uma

reflexão mais aprofundada do tema em questão. Nesse sentido, pode-se observar

que para o cristianismo, o homem é o único ser criado a imagem e semelhança de

Deus, por essa razão se torna a glorificação de toda a criação. A. vida humana

possui um valor sagrado, porque é, por assim dizer, um dom incomensurável de

Deus que, no Antigo Testamento, primeira parte do livro sagrado cristão a Bíblia, é

denominado como um Deus Vivente (cf.Jeremias. 10: 10), Deus que criou todas as

coisas (cf. Apocalipse 4: 11) e, Aquele que possui a fonte da vida (cf. Salmo 36: 9)71.

Pode-se dizer que o respeito e o cuidado com a vida humana provêm de uma

fundamentação bíblica, cuja fonte da vida está no próprio Deus (cf. Salmos 35: 10).

Por essa razão, a vida é algo inviolável, pois, desde o momento da sua concepção,

ela já é preciosa aos olhos de Deus. Um outro fator digno de ser fomentado, quanto

ao valor incomparável e sagrado da vida humana, é o que diz o documento

Evangelium Vitae:

O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus. A sublimidade desta vocação sobrenatural revela a grandeza e o valor precioso da vida humana, inclusive já na sua fase temporal. Com efeito, a vida temporal é condição basilar, momento inicial e parte integrante do processo global e unitário da existência humana: um processo que, para além de toda expectativa e merecimento, fica iluminado pela promessa e renovado pelo dom da vida divina.

72

Também no catecismo da Igreja católica, encontram-se afirmativas de que a

vida humana é imbuída de valor sacro porque sendo imagem e semelhança de seu

próprio criador; ela é por assim dizer uma unidade do corpo e da alma, como já

citado no capitulo anterior. O homem surge como a apoteose da criação. Para

reafirmar sua importância e sacralidade; ele recebe de Deus o domínio sobre as

demais espécies, sendo assim introduzido no centro da gênesis.

70

GONZALO, F. Penitência e unção dos enfermos. São Paulo: Paulinas,2010, p. 368. 71

BÍBLIA DE JERUSALÉM .op. cit., 72

JOÃO PAULO II. Evangelium Vitae: Sobre o Valor da Inviolalibilidade da Vida Humana. 6ª Ed.

São Paulo:Paulinas, 2009, p.6.

Page 60: Projeto genoma

60

Nesse sentido, o documento Donum Vitae fundamenta por que esta

perspectiva faz da vida humana algo sagrado:

Desde o momento da concepção, a vida de todo ser humano deve ser respeitada de modo absoluto, porque o homem é, na terra a única criatura que Deus quis por si mesma, e a alma espiritual de cada um dos homens é imediatamente criada por Deus, todo seu ser traz a imagem do Criador. A vida humana é sagrada por que desde o seu início comporta a ação criadora de Deus e permanece para sempre em uma relação especial com o criador, seu único fim. Somente Deus é o Senhor da vida, desde o seu inicio até o seu fim.

73

Assim, nenhum outro ser vivente, em nenhuma circunstância tem o direito de

interferir na vida humana. Uma vez que, conforme o que fora citado anteriormente

somente Deus possui esse direito.Ele é, por assim dizer, o único senhor, isto é, o

dono, o legislador, o tutor da vida.

Interessante também é evidenciar a alegoria que o apóstolo Paulo utiliza em

seus escritos para fundamentar a sacralidade da vida. O termo escolhido por ele

mesmo para denominar a vida humana é ―templo‖:

Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Por que o templo de Deus é sagrado, e isto sois vós.(cf. I Cor. 3, 16-17)

74

Partindo do pressuposto de que o templo é o lugar sagrado, onde habita a

divindade, e, por esta razão, deve ser respeitado e guardado, o corpo humano,

como templo do Espírito santo, não pode, em hipótese alguma, ser profanado e

desrespeitado em sua dignidade. Ele é transcendente, uma vez que é dádiva de

Deus.

Ademais, pode-se observar que essa teoria justifica a atitude de Jesus, o

Filho de Deus, expulsa com tanta ira os vendilhões que estavam comercializando no

Templo. De acordo com escritos bíblicos, Jesus se encheu de cólera porque os

negociantes estavam profanando o templo, ou seja, a casa de seu Pai. Entende-se,

então, que aquele lugar se tratava de um lugar sagrado, digno de ser respeitado e

cuidado.

73

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. A instrução sobre o respeito à vida nascente e à

dignidade da procriação. 6ª Ed. Paulinas: São Paulo, 2009, p.17-18. 74

BÍBLIA DE JERUSALÉM .op. cit.,

Page 61: Projeto genoma

61

Em suma, compreende-se que verdadeiramente o conteúdo da mensagem

cristã, quanto ao respeito à vida, passa a ser um dever primordial e essencial, pois,

definitivamente, para os cristãos, a vida constitui algo inviolável e sagrado.

4.2.4 Patentiação

A Igreja reconhece os conhecimentos obtidos por meio de pesquisas

genéticas em relação ao homem e esses possuem, de fato, considerável poder. O

mapeamento do genoma humano trouxe também muitos benefícios e, por essa

razão, possui um valor positivo, digno de ser reconhecido. No entanto, não cabe a

ninguém o direito absoluto a essas informações, uma vez que essas devem estar

disponíveis,atingindo assim, o objetivo primordial dessas pesquisas, isto é, servir ao

bem da pessoa, à prevenção, à diagnose e também à terapia de doenças de origem

genética, dentre outras.

Nesse sentido, a grande preocupação da Igreja consiste na indiferença e

desigualdade que esses conhecimentos gerariam, visto que o acesso a essas novas

descobertas implicaria em sua aquisição. Considerando que a maioria da população

mundial não possui tal recurso indubitavelmente, estas informações permaneceriam

restritas e disponíveis somente àqueles que pudessem pagar para possuí-las.

O documento Dignitas Personae, ao falar sobre o perigo de se patentiar as

informações obtidas com o sequenciamento do genoma, faz um apelo: que os

resultados das pesquisas e investigações, sejam colocados à disposição de todos os

seres humanos, sem exceção, para que todos possam se beneficiar com as

descobertas advindas do Projeto Genoma Humano.

Por essa razão, o grito dos biocientistas e daqueles que atuam no campo da

bioética consiste, principalmente, na proteção dos dados genéticos e,

especialmente, contra a patentiação de DNA e venda de informações genéticas.

Essas, porém, deveriam ser usadas com justiça. Nesse caso, trata-se de uma

questão muito mais jurídica do que ética, pois implica na patentiação da própria vida

humana.

Nota-se que no cenário atual do mundo genético, ou seja, a ―era do gene‖

urge a existência de algo que limite eticamente e direcione o uso do conhecimento

científico, pois fica evidente que a ciência caminha em direções opostas e se

distancia da ética. Dessa forma, surge a bioética dando um novo rosto à ética

Page 62: Projeto genoma

62

científica; oferecendo, assim, diretrizes para orientar as pesquisas, enaltecendo,

deste modo, a dignidade humana.

É certo que o Projeto Genoma Humano trouxe muitos benefícios para as

pesquisas genéticas e, como já citado antes, abriu notoriamente as portas para as

demais pesquisas relacionadas aos genes que vieram posteriormente. No entanto, é

importante lembrar que desde seu descobrimento a bioética, como diretriz, teve seu

primeiro confronto quando a empresa privada CELERA, dirigida por Craig Venter

logo após ter anunciado o sequenciamento do genoma, fez o pedido da patente de

6500 genes, mesmo tendo usado informações do projeto público.

O grande problema da patente é sua generalização, isto é, se cada empresa

tiver o direito a um gene ou genoma de alguma espécie e outra empresa vier a

desenvolver um medicamento envolvendo o genoma da outra empresa, essa terá

que pagar uma fortuna para possuir o direito de fabricar o remédio e, desse modo,

inviabilizará sua produção.

(...) Com os resultados do PGH estarão abertas muitas possibilidades de diagnósticos e prognósticos de várias doenças, visto que se conhecerá melhor o que cada um é geneticamente. É preciso lembrar também do real perigo que tornará a absolutização desses conhecimentos levando ao dogmatismo os resultados. A era pós-genomica deverá ser marcada por um rigoroso aprimoramento das técnicas de avaliação e tratamento, para que seja garantida a máxima proteção àqueles que se submetem a estes tratamentos.

75

4.2.5 Clonagem e outras manipulações genéticas

A Pontifícia Academia Pro Vita do Vaticano, já se pronunciou desaprovando e

limitando qualquer reprodução via clonagem, tanto para finalidades reprodutivas,

quanto para finalidades terapêuticas. Entre os problemas apontados, está a

possibilidade da aproximação da clonagem com a eugenia e pontuam-se ainda,

nesses pronunciamentos, outros argumentos contrários à clonagem: como a

redução do significado da reprodução humana ao seu aspecto biológico, numa

perspectiva que emoldura a lógica da produção industrial; instrumentalização da

mulher, a qual passa a estar limitada às suas funções biológicas, a partir do

empréstimo dos óvulos e do útero; perversão das relações fundamentais de filiação,

75

SOUZA, V, J. Projeto Genoma Humano : Utopia do homem geneticamente perfeito. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p.31.

Page 63: Projeto genoma

63

parentesco, consangüinidade e descendência; falta de identidade da pessoa

clonada, que passa a ser simplesmente um plágio.

Por isso mesmo, a Igreja Católica é categórica, e afirma é inadmissível o

exercício de clonagem, visto que, é uma forma extrema de intervenção

manipuladora na formação de um genoma. O ato de clonar se torna uma grande

ameaça à dignidade do ser clonado, que não possui direito às suas próprias

informações genéticas, pois o ato da clonagem é predeterminado a partir de um

outro genoma. Portanto, como uma cópia de outro, assume características idênticas,

não podendo qualificar-se como ser único e irrepetível.76

Nesse sentido, Fukuyama afirma que:

Essas tecnologias reprodutivas, mesmo que livremente adotadas por pais movidos pelo amor dos filhos, são erradas vistas por essa perspectiva porque põe o ser humano no lugar de Deus na criação de vida humana (ou na sua destruição no caso do aborto). Elas permitem que a reprodução ocorra fora do contexto dos processos naturais do sexo e da família.

77

Atualmente, após as descobertas propiciadas pelo sequenciamento e

mapeamento do Projeto Genoma Humano, a Igreja tem enfrentado duras críticas,

principalmente em relação às pesquisas com células trocos embrionárias e

clonagem. Por esse motivo, vinte anos após a promulgação da Instrução Donum

Vitae, citada anteriormente,a Congregação para a doutrina da fé julgou oportuna a

atualização deste documento, esclarecendo algumas questões de bioética. Assim,

pode-se observar que:

O ensinamento da referida Instrução [Donum Vitae] conserva intato seu valor, tanto nos princípios enunciados como nas avaliações morais expressas. Todavia, as novas tecnologias biomédicas, introduzidas nesse delicado âmbito da vida do ser humano e da família, provocam ulteriores interrogações, em particular no setor da investigação sobre os embriões humanos e do uso das células estaminais para fins terapêuticos, bem como em outros âmbitos da medicina experimental, levantando assim novas perguntas que pedem outras tantas respostas.

78

De acordo com a encíclica Dignitas Personae, há uma grande preocupação

quanto à rapidez dos progressos feitos no âmbito científico e suas amplificações,

pois, esse tem causado expectativas e perplexidades, uma vez que, estando nos

76

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução...ob.cit.,p.29. 77

FUKUYAMA,F. ob. cit., ps. 99-100. 78

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob.cit., p.7.

Page 64: Projeto genoma

64

meios de comunicação social, atingem, a cada dia, maior número de pessoas nos

mais variados setores da opinião pública. Observa-se, porém, que, diante de

qualquer problema da área biomédica, é acionado primeiramente o poder legislativo,

a fim de solucionar juridicamente essas questões. Todavia, a parte jurídica recorre à

opinião pública, em consultas populares. Logo, a população por falta de informações

e esclarecimentos, não se encontra em condições de responder tais

questionamentos; aderem às propostas que, diante da pouca compreensão, julga

ser a mais favorável. Essa, no entanto, nem sempre pode ser considerada como

melhor, necessária, viável e lícita.

O documento Dignitas Personae destaca, ainda, as questões originadas com

as novas propostas terapêuticas referentes à manipulação do embrião e/ou do

patrimônio genético humano, trazendo consigo grandes e novas preocupações.

Obviamente, com o avanço na área da genética, abriram-se novas perspectivas para

a medicina regenerativa. Desde que se descobriu que a manipulação de células

estaminais embrionárias poderiam ser mais eficazes e úteis para o tratamento

terapêutico do que as células adultas, houve um grande embate entre o meio

científico e o meio religioso, porque essas dependiam da destruição do embrião para

tornarem-se reais. Assim, fé e razão se confrontam.

Do mesmo modo, é por esta razão que as tentativas de clonagem suscitaram,

no mundo todo, e, principalmente, no meio religioso, a preocupação e insegurança.

Incontáveis comitês de ética, junto a diferentes organismos nacionais e

internacionais, trabalharam para formular avaliações negativas quanto a essas

pesquisas que, por conta disso, acabaram sendo proibidas em vários países.

Sob o mesmo ponto de vista, o documento Dignitas Personae afirma:

A clonagem humana é intrinsecamente ilícita, pois ao levar ao extremo a negatividade ética das técnicas de fecundação artificial, pretende dar origem a um novo ser humano sem relação com o ato de recíproca doação entre dois cônjuges e, mais radicalmente, sem nenhuma ligação com a sexualidade. Tal circunstancia dá lugar a abusos e a manipulação gravemente lesivas à dignidade humana.

79

Em outros termos, o documento levanta a seguinte problemática: partindo

uma vez mais do pressuposto de que o homem é formado com alma e corpo,

espírito e matéria, por isso é um ser único e irrepetível, como se denominaria um ser

79

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob. cit., p. 29.

Page 65: Projeto genoma

65

clonado? Visto que esse fora criado por mãos humanas, seria ele um corpo sem

alma? Se o seu patrimônio genético é pré-ordenado e estipulado a partir de outro,

entende-se, então, que ele é apenas uma cópia. Neste caso, estaria ele, então,

preso, infinitamente, a um certo tipo de escravidão biológica?

Todas essas perguntas, apesar de inquietantes, permanecem sem respostas

concretas. A certeza que se tem é que, independentemente do objetivo dessa

prática, a clonagem humana fere gravemente a dignidade das características

genéticas desse ser e agride, incontavelmente, a igualdade entre os seres humanos.

Contudo, pode-se dizer ainda que, de todos os aspectos observados acima,

nada agride mais a ética quanto a clonagem terapêutica, que a nada se compara,

pois, o fato de:

Criar embriões com o propósito de destruí-los, mesmo com a intenção de ajudar os doentes, é totalmente incompatível com a dignidade humana, porque faz da existência de um ser humano, se bem que em estado embrionário, um mero instrumento de uso e destruição. É gravemente imoral sacrificar uma vida humana a uma finalidade terapêutica.

80

Em se tratando da vida indefesa, a Igreja é enfática: as objeções éticas

impostas provêm justamente da proteção que essa oferece àqueles que estão no

princípio da vida. Nesse caso, o documento se refere ao uso de embriões formados

in vitro, consistindo na destruição do mesmo visando a um outro fim.

Muitos cientistas e pesquisadores da área buscam, de várias formas, criar e

propor novas técnicas, afirmando que tais pesquisas não consistem na destruição

dos embriões. No entanto, as explicações oferecidas por eles ainda não são

convincentes e esclarecedoras. Logo, até que se prove o contrário, a Igreja

permanece firme e rigorosa em seus posicionamentos e orientações.

4.2.6 Biopoder

Nota-se que para os aspectos teológicos, as legislações vigentes sobre o bio-

poder e a nova genética, possibilitam grandes esperanças, do mesmo modo que

oferecem também muitos temores. É necessário que os responsáveis na elaboração

das leis que protegem os dados genéticos evitem abusos excessivos; observem os

80

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob.cit., p. 30.

Page 66: Projeto genoma

66

direitos e levem, em consideração, a dignidade humana assim, asseguem uma justa

ordem social e os direitos reservados à pessoa, à família e aos não considerados

idôneos, isto é, aqueles que não possuem a capacidade mental para distinguir o

certo do errado. Em uma perspectiva teológica, essa justa ordem só poderá vigorar

se forem observados valores como: vida, liberdade e verdade.

Atenta a essa necessidade, a Congregação para a Doutrina da Fé, elaborou

esta instrução Dignitas Personae, de caráter doutrinal, a fim de responder e oferecer

material para fundamentar a posição assumida pela Igreja, diante da problemática

do bio-poder. O documento reafirma, algumas questões já tratadas na Instrução

Donum Vitae, dando uma maior atenção aos temas que surgem atualmente e

merecem maiores e profundos esclarecimentos, principalmente no tocante legal e

moral das pesquisas genéticas, advindas com as descobertas do Projeto Genoma

Humano.

4.2.7 Meios de geração da vida

No tocante à manipulação genética de embriões humanos, o documento

refuta todo tipo de fecundação com animais e/ou gestação de humanos em animais

ou construção de úteros artificiais, afirmando ser contrários à dignidade da pessoa

humana, bem como, a geração não natural de um ser humano sem a utilização do

sexo, isto é, sem nenhuma conexão com a sexualidade. Cita também a clonagem ou

a partogênese. A crioconservação e as tentativas de seleção de sexo ou de outras

qualidades pre-estabelecidas, segundo afirmações do documento, são práticas tidas

por imorais e contrárias à ética; por violarem o direito que a pessoa tem, de ser

concebida de maneira digna, tanto do ponto de vista dos gerados, como dos

genitores.

A propósito, pode-se citar também a carta encíclica de Wojtyla, Evangelium

Vitae. Essa, aborda o atual cenário mundial, no que diz respeito à produção da vida

e os benefícios a ela disponibilizados, por meio de técnicas modernas, considera os

avanços científicos como algo positivo. Diante da evolução do mundo, o documento

apresenta duas críticas primordiais. A primeira trata do momento lúgubre, no qual o

mundo se encontra. Segundo o documento, a sociedade está em constante relação

com uma ―cultura de morte‖ pelo fato de que se deve à multiplicidade de formas de

eliminação da vida; principalmente quando essa ainda é considerada débil e

Page 67: Projeto genoma

67

indefesa. Entretanto, a segunda crítica, consiste em realizar uma procura urgente

dos sinais de esperança que, não obstante à contínua destruição, ainda persiste e

sobrevive em tal contexto. Nesse sentido, o documento salienta:

...Com as perspectivas abertas pelo progresso científico e tecnológico, nascem outras formas de atentados à dignidade do ser humano, enquanto se delineia e consolida uma nova situação cultural que dá aos crimes contra a vida um aspecto inédito e - se é possível – ainda mais iníquo, suscitando novas e graves preocupações. (...) A todos os membros da Igreja, povo da vida e pela vida, dirijo o mais premente convite para que, juntos possamos dar novos sinais de esperança a este nosso mundo, esforçando-nos por que cresçam a justiça e a

solidariedade e se afirme uma nova cultura da vida humana.81

Levando em conta o que fora observado acima, compreende-se que o

documento desenvolve questões em torno da vida que é ameaçada, principalmente,

pelo âmbito biomédico. Dessa forma, enfatiza e orienta contra as práticas de aborto,

eutanásia, manipulação de embriões, diagnósticos pré-natais, contracepção,

técnicas de reprodução assistida, dentre outras. Por tais exortações, o documento

mostra-se atual e tornou-se referência, ao abordar questões que atualmente,

sugerem fortes interrogações em bioética. Não obstante, traz ainda a audaciosa e

desafiadora proposta de anunciar o ―Evangelho da Vida‖. Proposta essa, que fora

apresentada de forma clara, contundente e convincente, provocando um embate,

com as diferentes formas de agressões à vida. Nesse sentido, o documento oferece

uma boa argumentação ética, desenvolvendo critérios evidentes que sustentam

suas propostas éticas no campo operacional.

Do ponto de vista bíblico, considera-se que a pessoa se configura através de

uma relação íntima e particular entre a criatura e o criador. Segundo relatos bíblicos,

é Deus (criador) que plasma, com suas próprias mãos, o ser humano; formando-o

como sua imagem e semelhança; dando-lhe domínio sob as demais espécies,

também por ele criadas; bem como a capacidade de crescer e se multiplicar. Ou

seja, o ser humano possui a aptidão de gerar outros seres, como símbolo da obra

criadora de Deus. Entretanto, deve-se observar que mesmo os cristãos deturpam o

sentido real dessa ordem divina, como afirma Haering:

81

JOÃO PAULO II. Evangelium Vitae: Sobre o Valor da Inviolalibilidade da Vida Humana. 6ª Ed. São Paulo:Paulinas, 2009, p. 10 e 15.

Page 68: Projeto genoma

68

Os cristãos começam a compreender que em relação a genética existem consequências éticas acerca dos tempos teleológicos da criatividade e da procriação. A ordem divina de dominar a terra e de povoá-la inclui a missão do homem de transformar a vida de acordo com a visão esplendida do futuro do gênero humano.

82

É importante saber que o primeiro chamado que Deus faz a cada ser humano,

é o chamado à vida. Pondera-se que essa é a vocação fundamental de todo ser

humano; para que, por meio deste chamado, cada pessoa possa realizar, de

maneira livre e responsável, o plano divino de redenção e salvação.

4.2. QUESTÃO MORAL

No tocante à moral das pesquisas com manipulações genéticas, deve-se

considerar o documento Veritatis Splendor,83 que trata dos princípios fundamentais

da Moral Católica, visando primordialmente as tendências subjetivistas que

ameaçam a genuinidade da ética. O documento fomenta a existência da lei natural

incutida em todo ser humano, com suas normas universais e imutáveis. Em suma,

seus ensinamentos afirmam que, é o próprio Deus, Criador da natureza humana,

quem define o bem e o mal e não a vontade e compreensão do homem. Em virtude

de sua própria natureza, o homem possui, dentro de si, duas forças distintas que o

movem para lados opostos. Pode-se dizer que a mesma capacidade que o homem

possui para fazer o bem, ele também possui para fazer o mal. Fica a cargo de sua

consciência observar os preceitos morais e aplicá-los à situação concreta. Para

tanto, requer-se que a consciência seja formada, evitando o excesso de escrúpulos

ou o exagero de laxismo.

Somado a esse postulado, o documento lembra, ainda, que a rigidez da Igreja

Católica em moral é um serviço prestado ao homem e à sociedade. Em última

análise, pode-se afirmar que a evidente crise sócio-econômico-política atual é, por

assim dizer, uma crise ética. A propósito, o documento ressalta que a

fundamentação em Deus e nos seus preceitos é impar nesse momento. Pois, essa

adesão permitirá à sociedade contemporânea superar a banalização do mal,

proporcionando um maior bem-estar aos seus cidadãos. Assim, oferece um vasto

82

HAERNG, B. Medicina e Manipulação: O problema moral da manipulação clinica comportamental e genética. São Paulo: Paulinas, 1977, p. 183. 83

JOÃO PAULO II. O Esplendor da Verdade. São Paulo: Paulinas,1993, p. 5-6.

Page 69: Projeto genoma

69

conteúdo para enfrentar algumas problemáticas relacionadas às questões morais.

Possivelmente o documento Veritatis Splendor, fora usado como fundamentação

teórica do Dignitas Personae, pelas orientações quanto à doutrina moral que este

oferece, conforme cita:

A Igreja Católica, ao propor princípios e avaliações morais para a investigação biomédica sobre a vida humana, recorre à luz da razão e da fé, contribuindo para a elaboração de uma visão integral do homem e de sua vocação, capaz de acolher tudo o que o bom emerge das obras dos homens a das varias tradições culturais e religiosas, que não rara vezes, mostram grande reverencia pela vida.

84

Evidentemente, no complexo âmbito filosófico e científico, existem pessoas

sérias, conscientes e responsáveis, que, não obstante, o predomínio da morte, no

sentido ético e moral, lutam para fazer da ciência médica um serviço à fragilidade

humana, conforme aponta o documento. Esses se utilizam do conhecimento

científico para encontrar a cura de doenças, o alívio dos sofrimentos, mas

fundamentalmente, procuram atender a cada ser humano com justiça e equidade,

dando assim, total assistência e proteção, seguindo o espírito do ―Juramento de

Hipócrates‖. Do contrário, não faltam aqueles que, imbuídos de um desejo veemente

de poder, fazem do progresso científico biomédico um salto para o eugenismo.

Quanto aos aspectos antropológicos, teológicos e éticos da vida e da

procriação humana, o Dignitas Personae reconhece o progresso das ciências

médicas que permitem um maior conhecimento da vida humana, ainda em sua fase

inicial, e afirma ser positivo o fato de descobrir patologias e corrigí-las logo no inicio,

a fim de favorecer o bem estar do ser em gestação. Mas, chama a atenção quando

a utilização desses meios são usados para lesionar ou alterar as informações

genéticas do indivíduo, agredindo, sua dignidade. Assim o documento exorta:

À luz (...) da fé, ainda mais se acentua e se reforça o respeito pelo indivíduo humano, que a razão exige. Por isso, não há contradição entre a afirmação da dignidade e da sacralidade da vida humana.

85

Desse modo, a Igreja não intervém no campo da ciência médica propriamente

dito, mas, salienta quanto à necessidade urgente de se ter ações responsáveis,

éticas e sociais em qualquer operação realizada nessa área. Nesse caso, a Igreja

84

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob. cit., p.8. 85

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução... ob. cit., p.13.

Page 70: Projeto genoma

70

intervém para contribuir na formação da consciência, plasmada na pessoa de Jesus

Cristo, que é a própria verdade e declara, com veemência, os princípios de ordem

moral que procede à própria natureza humana. Em suma, pode se concluir que o

desafio moral proposto pelo Projeto Genoma Humano é o de redefinir nosso próprio

valor moral e o verdadeiro sentido da vida.

4.3 UMA QUESTÃO ATUAL

Entretanto, as pesquisas não param. No dia 20 de maio do ano de 2010, o

mundo todo recebeu a assustadora notícia de que o cientista Craig Venter, o mesmo

que liderou o sequenciamento do genoma humano, com financiamento particular,

havia obtido em laboratório a primeira célula com DNA artificial.

Não obstante, ao impacto gerado pelo anúncio do sequenciamento do

genoma humano há dez anos, o polêmico Venter quis repetir a dose e anunciou ao

mundo que sua equipe havia criado em seu laboratório a primeira célula movida por

um genoma sintético.

Como o esperado, a notícia gerou uma grande alegria, perplexidade e receio

em toda população. Naturalmente, o resultado de tudo isso foi uma imensa

discussão e movimentação de todas as partes para uma melhor compreensão e

conhecimento do assunto em voga.

Pode-se dizer que se encontra aqui a mais recente preocupação da Igreja

Católica, em relação ao futuro da dignidade humana. Em nota publicada no jornal

oficial da Cidade do Vaticano, L’osservatore Romano, o médico Carlo Bellieni afirma

que se trata de um ―trabalho de engenharia genética de alto nível, um passo além da

substituição de partes do ADN [DNA]. Entretanto, na realidade não se criou vida;

substituiu-se um de seus motores‖.86

Com efeito, o anúncio feito por Venter não gerou apenas alguns

questionamentos duvidosos quanto à veracidade do resultado das pesquisas no

âmbito religioso, mas também no âmbito científico. Por exemplo, o geneticista David

Baltimore, do California Institute of technology, escrevendo ao jornal, New York

Times, assim se pronunciou: de ―fato: Não se criaram a vida, só a copiaram‖. Já o

86

BELLIENE, C. Um ótimo motor, mas não é a vida. In: L’osservatore Romano. Cidade do Vaticano,

29 mai. 2010. p.5.

Page 71: Projeto genoma

71

biogenheiro Jim Collins, afirmou que ―isto não representa a criação da vida a partir

do zero‖.87

Com base nessas afirmações, Belliene acrescenta:

A engenharia genética pode fazer o bem, basta pensar nas possibilidades de curar doenças cromossômicas. Trata-se de unir a cautela à coragem: as ações sobre o genoma podem, espera-se, curar, mas tocam um terreno fragilíssimo no qual o ambiente e a manipulação desempenham um papel que não deve ser subestimado.

88

A recente preocupação se volta para o futuro, isto é, o desenvolvimento nessa

área poderia gerar organismos geneticamente modificados. Essa forma de praticar

tais pesquisas, com certeza, geraria questões éticas a serem cuidadosamente

observadas.

Não obstante, às inquietações suscitadas pela publicação dos resultados

dessas pesquisas,a Igreja católica vê, nessas descobertas, esperanças para a cura

de doenças, mas as segue, acompanhada de um cuidado: o de se evitar más

consequências, uma vez que, os resultados dessas pesquisas em mãos erradas

acarretariam uma catástrofe indizível.

Por hora, a Igreja acredita na ação de Deus, e se é Ele o autor da vida, na

qual insere no vivente, inteligência e capacidade, não há que duvidar das

competências e talentos humanos. No entanto, a inteligência jamais deve ser usada

sem responsabilidade e consciência.

Em suma, pode-se dizer que a ciência pode sim, recriar alguns motores da

vida, mas, apesar de todo avanço e progresso, ela ainda é limitada. Não obstante,

todos os esforços realizados para criar a vida a partir do zero, por hora, essa criação

é uma realidade irrealizável e ainda distante de mãos humanas.

87

Id. ibid. 88

Id. ibid.

Page 72: Projeto genoma

72

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosotros los “actuales”, somos “muy expertos”, en el sentido del conocimiento científico, pero en medio de ello hemos perdido la capacidad de percibir las cosas, la naturaleza y las relaciones humanas en su plenitud y vitalidad. Hemos perdido lo “divino”, lo cual significa que el “espíritu” se ha retirado del mundo. Hemos sometido la naturaleza; el “telescopio” penetra en las más remotas lejanías del universo, y con ello “aceleramos” la “ascensión festiva” del mundo que aparece. De los “lazos de amor” entre hombre y naturaleza hemos “forjado cadenas férreas”, hemos hecho “escarnio” de los límites de lo humano y lo natural. Nos hemos convertido en una “generación astuta”, que incluso se siente orgullosa de poder ver las cosas “desnudas”. Y así ya no “vemos” la tierra, ya no “oímos” el sonido de los pájaros, y se ha “secado” el lenguaje entre los hombres.

89

89 HÖLDERLIN. F. Hyperion. Werke, vol. 1, citado por MIRANDA, A.L. ―Técnica y ser em Heidegger:

Hacia una ontologia de La técnica moderna‖- (tese de doutorado) Salamanca: Universidad de

Salamanca (Espanha) 2008,p.131.

Page 73: Projeto genoma

73

Certamente o conhecimento científico trouxe muitos benefícios para a

humanidade. No entanto, toda essa carga de saber também tornou o homem cego;

tanto para contemplar a natureza, quanto para perceber as relações interpessoais

das quais faz parte. Ao contrário do que parece, tem-se perdido muito,

principalmente em questões puramente naturais e sensíveis. Ou seja, o homem

perdeu lentamente a capacidade de simplesmente observar a natureza e se alegrar

com o canto dos pássaros. Triste é saber que o homem olha para tudo que construiu

e/ou destruiu e se sente orgulhoso, por ter sido o protagonista de tal façanha.

Embora se tenha suprimido o divino do mundo, a fim de que os feitos da

ciência sejam suficientes para resolver e responder tudo, ainda não é neste ponto

que se pode chegar. Sobre este aspecto, a observação a seguir é sugestiva:

A ciência é a única forma confiável para entender o mundo da natureza, e as ferramentas científicas, quando utilizadas de maneira adequada, podem gerar profundos discernimentos na existência material. A ciência, entretanto, é incapaz de responder a questões como: "Por que o universo existe?"; "Qual o sentido da existência humana?"; "O que acontece após a morte?".

90

Uma afirmativa meramente trivial como qualquer outra, se não pertencesse a

um cientista. E este é nada mais, nada menos que Francis Collins o líder do Projeto

Genoma Humano financiado pelo poder público, atualmente um dos maiores nomes

na área genética, o cientista que mais rastreou genes, visando a cura de doenças.

Desde que assumiu sua condição de fiel seguidor e observador das leis

divinas, Collins fora, e ainda é, muito criticado no âmbito cientifico. Isso porque para

muitos fé e ciência não convergem para o mesmo ponto. No entanto, ao contrário de

apenas incomodar-se com as críticas, ele decidiu publicar um livro, relatando como

deixou de ser ateu, passando a acreditar na intervenção de Deus. Lançado nos

Estados Unidos, o best seller, The Language of God (A Linguagem de Deus) é uma

resposta aos seus companheiros de profissão que se declaram ateus.

Acredita-se, que, apesar do longo tempo desde a descoberta de Darwin,

ainda hoje há uma grande dificuldade em conciliar a fé e a ciência. Observa-se que

isso se dá pelo fato de ambas as partes quererem que prevaleça o seu ponto de

vista. Na realidade, o que falta é o diálogo entre elas. Apenas proibir e culpar, nunca

foi a melhor opção para justificar algumas divergências.

90

COLLINS, F. A linguagem de Deus. São Paulo: Gente, 2007, p.216.

Page 74: Projeto genoma

74

O fato é que, não obstante os desconfortos causados pelos conflitos

advindos com os avanço tecnológicos científicos, em que determinadas pesquisas e

manipulações genéticas foram obstruídas pelos preceitos, ensinamentos morais e

éticos da Igreja, não se procurou ressaltar essa compatibilidade a qual se refere

Collins. Mas se reafirmou sempre, mais que as duas vertentes não possuam nada

em comum. Por isso, ele faz a seguinte afirmação:

No século XXI, em uma sociedade cuja tecnologia vem crescendo, uma batalha está se alastrando pelo coração e pela mente da humanidade. Muitos materialistas, ao perceber, triunfantes, que os avanços da ciência preenchem as lacunas de nossa compreensão sobre a natureza, indicam que a crença em Deus é uma superstição ultrapassada, e que seria melhor admitir isso e seguir adiante. Muitos dos que crêem em Deus, convencidos de que a verdade que deduzem da introspecção espiritual é um valor mais duradouro do que as verdades que vêm de outras fontes, encaram os progressos da ciência e da tecnologia como perigosos e não-confiáveis. As posições estão se acirrando. As vozes, tornando-se mais estridentes.

91

Com os trabalhos realizados, entendeu-se que a posição da Igreja em relação

às manipulações que agridem a sacralidade da vida humana, (seja ela, com

alterações ou destruições da mesma) são imorais, ilícitas e antiéticas. A única forma

aceita é a manipulação terapêutica, a qual deve ser entendida como tratamento

terapêutico adequado em que se respeita o princípio moral e ético do ser humano,

uma vez que, o fim não justifica os meios.

Dessa forma, a conclusão da Instrução Dignitas Personae ―sobre algumas

questões de bioética‖ da Congregação para a Doutrina da Fé, é expressão do que a

Igreja Católica significa no meio científico. Infelizmente, não por motivos doutrinários,

mas, históricos, a Igreja tem sido rotulada como retrograda, ditadora e inimiga de

qualquer avanço científico ou tecnológico.

Vale ressaltar que na história da humanidade, a Igreja só se pronunciou e

interferiu, quando algo ameaçou, agrediu ou prejudicou a vida. Nesse caso, verifica-

se que quanto ao Projeto Genoma Humano propriamente dito, a Igreja não se furtou

ao debate ético e não se posicionou de maneira contrária.

Pode-se dizer que a humanidade se divide em dois grandes grupos: de um

lado os que defendem que, questões da vida humana, podem ser respondidas do

ponto de vista cientifico, e desse modo a fé e a religião podem, tranquilamente,

91

COLLINS, F. op. Cit., p.217.

Page 75: Projeto genoma

75

serem abandonadas gradativamente por não se fazerem mais necessárias. Do outro

lado, os que acreditam na intervenção divina, isto é, creem que Deus, a suprema

divindade criou por si mesmo o universo e criou o homem à sua imagem e

semelhança. Este grupo refuta qualquer manifestação científica por considerarem

que essas podem ameaçar a fé. Dentro dessa perspectiva competitiva, por assim

dizer, é difícil chegar a um acordo. Isso porque concordar em algo poderia ser

interpretado como uma submissão.

Nesse sentido, a parte teológica deve estar atenta para não transformar seus

discursos autoritativos em discursos autoritários tal como afirma Anjos:

O que acaba ocorrendo, entretanto, é a transformação do autoritativo em autoritário, esperando de autoridades constituídas a definição cabal de conceitos e critérios. E isto parece um grande prejuízo, na medida em que se perde em teologia a perspectiva de discipulado, que se constitui base da proposta evangélica.

92

Considerando o que afirma o documento da Igreja Veritatis Splendor93 e o

evangelium Vitae94, observa-se que o homem é exortado a obedecer a verdade.

Dessa forma, ele é incitado a conhecê-la através da palavra da ação e da pessoa de

Jesus. De acordo com Anjos, nessas afirmativas se concentra a força autoritativa da

fé. No entanto, a palavra autoritativa é bem diferente de autoritária, pois a primeira

ligada ao termo latino augere, diz respeito a amplidão, alargamento de horizontes e

libertação; já a segunda remete à imposição e dominação.95 O que acontece,

conforme cita Anjos, é uma alteração; transformando a força autoritativa em

autoritária.Desse modo, a Igreja, com o seu magistério, não exerce sua função de

também aprender, uma vez que o magistério da Igreja presta um grande serviço à

pedagogia e à aprendizagem.96

Nesse sentido, quando Anjos usa o termo ―janelas‖ para intitular seu artigo,ele

está, justamente, referindo-se a esta atenção necessária que a Igreja deve dar à

relação entre fé e razão. Abrir novas janelas significa estar disponível e flexível para,

também, aprender com a ciência novas formas de salvar, proteger e cuidar da vida.

92 ANJOS, M. F. Bioética e Teologia: janelas e interpelações, In: Perspectiva Teológica, ano

XXXIII, n. 89, Belo Horizonte. jan/abril 2001. p.28-29. 93

JOÃO PAULO II.O Esplendor...op. cit., p. 5. 94

JOÃO PAULO II. Evangelium Vitae...op. cit., 72. 95

ANJOS, M.F.... ob. cit., p.28. 96

Id. ibid.

Page 76: Projeto genoma

76

Por outro lado também a ciência é convidada a não tratar a religião como uma

ameaça antiprogressista, porque veta suas pesquisas. Nesse sentido, Collins

adverte o cientista:

Você tem se preocupado porque a crença em Deus exige retroceder à irracionalidade, esquecer do compromisso com a lógica ou mesmo cometer suicídio intelectual?

97

Collins chama a atenção dos cientistas para perceberem o que, neste caso,

tem dificultado sua crença em algo superior. Posto que, de todas as visões de

mundo, a ateísta é a pior, uma vez que, de todas as outras, ela é a menos racional.

E continua:

Você se irrita com o comportamento hipócrita dos que professam uma crença? Mais uma vez, tenha em mente que a água pura da verdade espiritual é transportada em recipientes enferrujados, aos quais chamamos de seres humanos. Assim, não se surpreenda se, às vezes, essas crenças fundamentais ganhem distorções graves. Portanto, não baseie sua avaliação da fé nos comportamentos que vir em um ou outro indivíduo ou em religiões organizadas. Em vez disso, baseie-se nas verdades espirituais e atemporais que a fé apresenta.

98

O autor considera que essa adesão à fé, torna-se difícil ao pesquisador ateu

porque isso implica no fato de admitir que há questões da vida humana que a

ciência, com toda sua técnica, não pode responder. E aceitar ou admitir essa

incapacidade, seria um ―soco em seu orgulho intelectual‖99 E ainda mais: acreditar

na existência de Deus, implicaria em uma mudança de vida, e essa mudança estaria

ligeiramente ligada a algum tipo de aprisionamento intelectual, ou seja, a fé o

tornaria cego. No entanto, Collins, evidencia que Deus não está relacionado a

qualquer tipo de prisão, mas com a liberdade,100 e prossegue:

A ciência não é ameaçada por Deus; ela é aprimorada. Certamente Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. Por isso, busquemos, juntos, recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre intelectualidade e espiritualidade de todas as grandes verdades.

101

Por isso mesmo, ele incentiva ambos os lados, científico e religioso a

abandonarem a condição de luta, pois o futuro da humanidade depende disso; desta

97

COLLINS, F...ob. cit., p.234. 98

COLLINS, F...ob. cit., p.234-235. 99

Grifo do autor. 100

COLLINS, F...ob. cit., p.235. 101

COLLINS, F...ob. cit., p.237.

Page 77: Projeto genoma

77

união e compatibilidade que favorecerão muito mais, o avanço científico e

tecnológico, promovendo a vida de modo que essa seja guardada e protegida.

Afinal, já se pode observar que o homem é capaz de potencializar a velocidade para

adquirir conhecimentos científicos, quando trabalha compartilhando conhecimentos,

sonhos e dados.

Se, de um lado, quando se ouve falar sobre avanços genéticos, tem-se a

concepção de que algo novo surgiu e surgirá. Da mesma forma, brota a esperança

de que esses ―avanços‖, possam significar melhoria de vida para todos os seres

humanos. Por outro lado, percebe-se que não dá para camuflar certo ―temor‖, com

relação às consequências que se sofrerá, como também ao custo que tais

descobertas e avanços implicarão para a sociedade.102 Parafraseando Hans Jonas,

―é preciso cuidar do hoje, para que tenhamos um futuro digno da vida humana e de

sua sobrevivência no Planeta Terra‖103. Esse paradoxo poria ser ilustrado,

lembrando um ditado popular, usado frequentemente por aqueles que não possuem

tanto conheciemento: ―Cada descoberta feita pelas inúmeras ciências, é como

produzir melancia sem semente, muito mais prática, talvez mais doce, porém, mais

cara e menos produtiva”.

Considerando as conjecturas do Projeto Genoma Humano, de extrema

importância foi a colaboração do Filósofo Jüngen Habermas, para a fundamentação

dos aspectos éticos, uma vez que seus escritos sobre o referido tema não se limita,

somente, ao discurso e à ótica cientificista, para não desmerecer a esperança de

inúmeras pessoas e famílias, que vêem nessa nova tecnologia uma esperança

futura de cura para muitas doenças neurodegenerativas, muitas vezes, letais ou,

gravemente, incapacitantes. No entanto, ressalta de forma evidente e contundente a

sua posição com referência aos avanços e prognósticos da ciência, no que diz

respeito à vida humana e seu cuidado.

É preciso elucidar nesta conclusão que foi perceptível um parecer favorável

da Igreja a esse ato. Há um desconhecimento da sociedade quanto ao pensamento

da comunidade eclesial, pois a mesma busca conciliar sempre condições

necessárias para que a vida se desenvolva em sua plenitude. Conclui-se, pois, que

tanto o progresso alcançado no campo científico quanto à posição da Igreja perante

102

GOODFIELD, J. Brincando de Deus: a engenharia genética e a manipulação da vida. São Paulo: Ed. Itatiaia, 1981. p.6. 103

JONAS, H. op. cit., p.39.

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à consequência de tais progressos, demonstram preocupação e cuidado com a vida

humana e sua dignidade, mutuamente sublinhada nos esforços, religioso e cientifico.

O princípio norteador dessa pesquisa quanto aos avanços cientifíco e

tecnológico no decorrer da história, foi o fato de fazer com que o princípio da

dignidade humana tomasse espaço e corpo no campo científico e médico, para que

a vida seja valorizada, cuidada no transcurso em sua permanência no mundo em

que está inserida. O âmbito das técnicas genéticas mostra o avanço desmedido e

não temeroso de suas conseqüências. Estas conseqüências são as que ainda

perturbam o agir ético das pessoas de bem que trazem, intrinsecamente, o gosto

pela vida. Vida essa, vivida de forma compatível ao desejo de seu Criador:Deus viu

que todas as coisas criadas eram boas e nascidas de seu coração.

Partindo do pressuposto de que ―Conhecimento é poder‖.104 Fica, pois, claro

que, fortalecidos pelos conhecimentos vindos do genoma, os cientistas descobrirão,

ainda, outras e muitas formas de beneficiar o mundo com essas informações.

Inclusive no aumento na expectativa de vida dos seres humanos. Nesse caso, até a

previdência social terão sérios problemas, isto é, se as pessoas viverem mais, logo

terão que consumir e gastar mais também.

Como se pode observar, incomensuráveis são as vantagens, no entanto,

vasto também é o campo das desvantagens. Não há razão, porém, para algum tipo

de medo ou desespero. Mas uma melhor compreensão do tema se faz prudente

para que possibilite uma fundamentação autêntica, aprofundada e clara;

favorecendo uma consciência ética. Assim, diante de situações em que se coloca

em risco a dignidade da vida, as pessoas possam ter segurança e um

posicionamento firme para defender e argumentar em favor dos valores humanos,

tal como adverte Habermas:

A decodificação do genoma humano promete intervenções que lançam, de modo surpreendente, uma luz sobre uma condição natural de nossa autocompreensão normativa, condição esta até agora não tematizada, mas que, nesse momento, revela-se essencial.

105

Em suma, em pleno século XXI, pode-se observar que a humanidade tem

presenciado, e boa parte tem se beneficiado, usufruindo dos avanços e progressos

da vida moderna, principalmente, daqueles progressos da ciência médica. No 104

A frase é atribuída ao filósofo do século XVI Francis Bacon e parafraseada por: PESSINE, L; BARCHIFONTAINE, Bioética : Alguns desafios ...ob.cit., p.252. 105

HABERMAS,J. O futuro da ... ob. cit., p.18.

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entanto, há que considerar que nunca, como agora, tem-se encontrado tanta

disparidade de estilos de vida, tanta divergência entre fé e ciência e, sobretudo,

tanta perplexidade diante do futuro do homem.

Nesse sentido em seu documento Fides et Ratio, Wojtyla afirma:

Confirma-se assim, uma vez mais, a harmonia fundamental entre o conhecimento filosófico e o conhecimento da fé: a fé requer que o seu objeto seja compreendido com a ajuda da razão; por sua vez a razão, no apogeu da sua indagação, admite como necessário aquilo que a fé apresenta.

106

Pode-se afirmar que a razão é atribuída ao homem durante a criação e a fé é

um dom concedido por Ele; por isso mesmo, a razão conduzirá o homem a

solucionar e responder algumas questões resultantes do momento atual. Não

obstante, a fé para aqueles que acreditam iluminará naqueles momentos em que a

razão não obtiver as respostas.

Concluindo, em tempos atuais, onde prepondera a tecnologia funcional,

requer-se que os cientistas e todos os que se encontram envolvidos nas pesquisas

genéticas tenham sensibilidade moral e competência ética. Contudo, mais do que

isto, é extremamente importante observar a normativa não visando o interesse

econômico, subjacente às pesquisas científicas. Desta forma, onde a ciência não

alcança com o uso da razão, a religião chega à luz da fé. E onde termina o alcance

limitado da ciência, aí começa o horizonte infinito da fé. É o que Anjos, em seu

discurso argumentativo da fé busca ressaltar: que a teologia deve estar atenta e

disposta para buscar esta parceria:

...os próprios teólogos assumem uma postura de parceiros na busca das certezas; e, com suas verdades (teológicas) contribuem nesta parceria. E em seguida, buscam expor os argumentos de suas verdades.

107

Deste modo, ambas se completam e se auxiliam mutuamente. Cabe agora a

religião e a ciência unirem suas forças para orientar a humanidade e conduzí-la aos

novos caminhos.

Para tanto, deve-se ainda considerar, que ambas não devem se preocupar

em obter sempre a resposta para todos os questionamentos da humanidade, talvez

106

JOÃO PAULO II. Fides et Ratio: Sobre as relações entre fé e razão. São Paulo: Paulus, 1998,

p.23. 107

ANJOS, M.F. op. cit., p.30.

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seria mais interessante se ocupar um pouco mais das perguntas. Tal como afirma

Miranda:

O questionar é a devoção constante do pensamento; (...) no fundo, quando se resolve refletir sobre a técnica se coloca a pergunta no lugar errado, fomos treinados para acreditar que mais importante que a pergunta é a resposta. Devemos abdicar um pouco desta idéia e refletir aonde reside a pergunta.

108

Assim, ao término deste trabalho, é possível que esse, não tenha apresentado

as devidas soluções para resolver o problema das divergências entre a Doutrina da

Igreja e as pesquisas genéticas advindas com a descoberta do genoma. No entanto,

pode ter gerado questionamentos e dúvidas e emergido muito mais perguntas do

que respostas. Todavia, essas mesmas perguntas inseridas no lugar correto podem

muito bem gerar as respostas necessárias, as soluções almejadas e os problemas

resolvidos

108

Miranda,A. L. A técnica como pergunta filosófica. In: Simpósio de filosofia: Técnologia, ética e

estética. Curitiba.Faculdade Vicentina, out. 2011.(comunicação oral).

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