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Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Rosali Henriques Depoimento de Humberto Benachio Nicoline Juiz de Fora 15/10/2013 Depoimento MAMM_03_ Humberto Benachio Nicoline Transcrito por Rogéria Nunes Henriques P/1 Para começar eu gostaria que você falasse o seu nome completo, data e local de nascimento. R Meu nome completo é Humberto Benachio Nicoline, eu nasci em São Paulo em 15 de setembro de 1955. P/1 Nome do seu pai, da sua mãe e dos seus avós. R Meu pai é Humberto Nicoline, minha mãe, que ainda viva, Clara Angelina Nicoline, meus avós maternos é Luís Benachio Filho e Genoveva Bérgamo, e os meus avós paternos é Rafael Nicoline e Antonieta Automare. P/1 Bom! Com esse sobrenome a gente até já desconfia, mas fala um pouquinho sobre a origem da sua família. R Olha! O meu avô materno ele nasceu no Brasil, mas voltou para a Itália e depois voltou para o Brasil, montou um armazém em São Paulo. O meu avô paterno que tem uma história muito interessante, ele veio fugido da primeira guerra da Itália e pegou um navio com direção a Buenos Aires, ele e um primo dele Felipe, essa história sempre me contam. O navio parou em Santos ele falou para o primo dele: “Vamos descer, vamos conhecer o Brasil” aí o Felipe pegou e falou assim: “Que Brasil só tem índio, aqui não tem nada”, mas o meu avô mesmo assim desceu no cais no Porto de Santos para conhecer um pouquinho, porque o navio ia ficar parado, ia descarregar, ele era meio cargueiro, meio passageiro o navio. E houve um problema de comunicação de língua, o navio partiu às 13 horas ele entendeu que ia zarpar às três horas, então ele perdeu o navio, ele ficou no Brasil com a roupa do corpo. Então, a vida dele começou, dali ele ficou sabendo que tinha uma colônia de italianos em Jundiaí, e lá ele ficou, ficou próspero, começou a trabalhar, começou a servir, conseguiu juntar um dinheiro e comprou umas terras em Conceição do Rio Verde, Sul de Minas. É ali que ele fez sua vida, como ele era descendente italiano da Calábria, é uma região, que é uma zona praticamente rural, ele sabia fazer tijolo, ele sabia cuidar de porco, ele sabia fazer queijo, então, ele começou a construir a casa dele, sozinho em Conceição do Rio Verde, a beira do Rio Verde, fazia plantações, vendia as coisas. Até que um “coronel” Automare da região, ficou sabendo que tinha um descendente de italiano na região, convidou ele para almoçar lá dizendo que era para ele produzir tijolo para ele. Mas na verdade não era isso não, depois do almoço ele perfilou as

Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse ......carrinho de rolimã, meu pai tinha essa loja de peças, eu tinha facilidade imensa de rolimã, então, eu era o

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  • Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Rosali Henriques Depoimento de Humberto Benachio Nicoline Juiz de Fora 15/10/2013 Depoimento MAMM_03_ Humberto Benachio Nicoline Transcrito por Rogéria Nunes Henriques

    P/1 – Para começar eu gostaria que você falasse o seu nome completo, data e

    local de nascimento.

    R – Meu nome completo é Humberto Benachio Nicoline, eu nasci em São

    Paulo em 15 de setembro de 1955.

    P/1 – Nome do seu pai, da sua mãe e dos seus avós.

    R – Meu pai é Humberto Nicoline, minha mãe, que ainda viva, Clara Angelina

    Nicoline, meus avós maternos é Luís Benachio Filho e Genoveva Bérgamo, e

    os meus avós paternos é Rafael Nicoline e Antonieta Automare.

    P/1 – Bom! Com esse sobrenome a gente até já desconfia, mas fala um

    pouquinho sobre a origem da sua família.

    R – Olha! O meu avô materno ele nasceu no Brasil, mas voltou para a Itália e

    depois voltou para o Brasil, montou um armazém em São Paulo. O meu avô

    paterno que tem uma história muito interessante, ele veio fugido da primeira

    guerra da Itália e pegou um navio com direção a Buenos Aires, ele e um primo

    dele Felipe, essa história sempre me contam. O navio parou em Santos ele

    falou para o primo dele: “Vamos descer, vamos conhecer o Brasil” aí o Felipe

    pegou e falou assim: “Que Brasil só tem índio, aqui não tem nada”, mas o meu

    avô mesmo assim desceu no cais no Porto de Santos para conhecer um

    pouquinho, porque o navio ia ficar parado, ia descarregar, ele era meio

    cargueiro, meio passageiro o navio. E houve um problema de comunicação de

    língua, o navio partiu às 13 horas ele entendeu que ia zarpar às três horas,

    então ele perdeu o navio, ele ficou no Brasil com a roupa do corpo. Então, a

    vida dele começou, dali ele ficou sabendo que tinha uma colônia de italianos

    em Jundiaí, e lá ele ficou, ficou próspero, começou a trabalhar, começou a

    servir, conseguiu juntar um dinheiro e comprou umas terras em Conceição do

    Rio Verde, Sul de Minas. É ali que ele fez sua vida, como ele era descendente

    italiano da Calábria, é uma região, que é uma zona praticamente rural, ele

    sabia fazer tijolo, ele sabia cuidar de porco, ele sabia fazer queijo, então, ele

    começou a construir a casa dele, sozinho em Conceição do Rio Verde, a beira

    do Rio Verde, fazia plantações, vendia as coisas. Até que um “coronel”

    Automare da região, ficou sabendo que tinha um descendente de italiano na

    região, convidou ele para almoçar lá dizendo que era para ele produzir tijolo

    para ele. Mas na verdade não era isso não, depois do almoço ele perfilou as

  • quatro filhas dele e: “Com que você quer se casar?” Ele falou: “Eu quero aquela

    de olho azul ali” aí eles tiveram mais um encontro e o terceiro encontro foi já

    casando já, tiveram oito filhos, sendo que o mais novo é o meu pai. Então, são

    histórias muito interessantes, inclusive na segunda vez que ele se viram foi

    feito um almoço para ele, então lá na casa grande da fazenda, ficaram todas

    naquela expectativa: “Ah! O noivo da Antonieta, o noivo da Antonieta vai vir”,

    naquela expectativa toda, então, naquela época todo detalhe era importante, a

    forma como eles chegavam, como é que ele descia do cavalo, como é que é a

    roupa dele, como eles se portavam. E nesse dia foi que eles almoçaram juntos

    um perto do outro, depois do almoço ele conseguiu ficar perto dela,

    conversaram um pouco, e aí tem uma história que quando ele foi embora todo

    mundo na sacada da varanda vendo ele indo embora: o noivo da Antonieta

    indo embora, e cavalo empaca, ele ia e o cavalo empaca, deu aquele clima,

    vira o meu avô chega perto do ouvido do cavalo, quando chegou perto do

    ouvido do cavalo, o cavalo saiu andando, depois a próxima vez encontraram

    com ele: “Rafael o que é que você falou para o cavalo, para o cavalo sair?” “Eu

    não falei não eu mordi a orelha dele”. São essas histórias da família, e ali

    ficaram em Conceição do Rio Verde, aonde meu pai com 15 anos foi para São

    Paulo começar trabalhar.

    P/1 – Mas o seu pai nasceu em Conceição do Rio Verde?

    R – É, ali perto de Caxambu, perto de Águas de Contenda, ali. Meu pai ele

    começou a trabalhar com parentes, trabalhou na fábrica Estrela de brinquedo,

    montando carrinho de brinquedo, depois ele conseguiu junto com o tio dele

    uma barraca de queijo, ele tinha uma barraca de queijo na feira. E foi ali que

    ele conheceu a minha mãe, eles se apaixonaram foi ali, ela ia fazer feira eles

    se encontravam, me parece que foi uma paixão mesmo, porque a minha mãe

    ela já estava querendo um médico que era residente, ia formar. O médico era

    doido com ela, mas ela se encantou mesmo foi com o meu pai, eles casaram

    em São Paulo.

    P/1 – Isso foi o quê? Década de 50?

    R – Década de 50, eu nasci em 55, e minha irmã nasceu em 52, minha irmã

    mais velha.

    P/1 – E sua mãe? Família paulistana?

    R – Paulistana também, todos de São Paulo.

    P/1 – Ela não tem origem italiana?

  • R – Não, a minha mãe não, o avô dela sim. O avô dela veio da Itália e veio

    para o Brasil, armazém, ‘Secos e Molhados’, armazém que tinha de tudo, tinha

    de tudo, o armazém era um açougue com mercearia, era tudo, importava tonéis

    de vinho, engarrafava os tonéis de vinho, engarrafava vinho italiano para

    vender no Brasil. Na verdade a colônia italiana em São Paulo era muito unida e

    meio corporativista, por exemplo, fotógrafo, só usava fotógrafo italiano, tem

    essas coisas. E assim, em São Paulo que a vida começou mesmo, a minha

    vinda para Juiz de Fora foi com cinco anos de idade, onde o meu pai junto com

    parentes, que já estavam aqui em Juiz de Fora, proporam para ele montar uma

    loja, uma loja de venda de peças de carros. Existia já a Sorocabana Pneus,

    antiga na Praça da República em frente ao cemitério, e esse tio nosso, que era

    cunhado do meu pai chamou ele para vir trabalhar, aqui montasse a loja,

    porque eles tinham a recauchutadora de pneus, o outro tinha uma oficina, e

    meu pai ficou na venda de peças para fazer uma trilogia de comércio, um

    puxando e fazendo propaganda do outro, e assim ele fizeram. O meu pai teve

    essa loja na Praça da Estação ali embaixo do Hotel Centenário, na esquina da

    Marechal com a Francisco Bernardino por 25 anos, e foi ali que eu cresci junto

    daquela loja, na época da faculdade eu também trabalhava com ele, vivia ali na

    Praça da Estação. Eu assisti a Praça da Estação se transformar, uma mão

    vinha para lá, depois vinha para cá, as mãos invertiam, aumento da praça,

    então é mais ou menos isso Christina.

    P/2 – Humberto, em São Paulo vocês morava onde? Em que bairro?

    R – Na Rua da Mooca, na Mooca.

    P/2 – Você se lembra dessa casa?

    R – Vagamente, porque com cinco anos de idade lembra muito pouco, eu

    lembro mais de Juiz de Fora. Em Juiz de Fora eu lembro que o segundo lugar

    que a gente morou, que me marcou para o resto da minha vida eu morava na

    Rua Oscar Vidal, quase esquina com a Independência, Independência não

    existia Avenida Independência, era Córrego Independência. Foi na gestão do

    Itamar Franco como prefeito que ele canalizou o Córrego Independência e

    transformou numa avenida, até lá eu brincava no córrego, a noite a gente

    caçava rã no Córrego Independência. Assisti toda a obra desde o início, ficava

    fascinado com aquelas máquinas gigantescas cavando, aquilo é coisa de

    criança, e nessa Rua Oscar Vidal foi onde eu fui batizado, eu cheguei de São

    Paulo caía na Rua Oscar Vidal com pessoas que já tinham nascido lá e no

    início foi difícil, porque até eu fui um pouco descriminado, hoje chamado

    bullyng, mas fui descriminado porque eu falava: tomate, restaurante, os

    meninos encarnavam em cima de mim, pegava no meu pé. Para mim entrar no

    grupo eu tive que passar por um teste, eu tive que pular no vizinho e roubar

    galinha, depois roubar os ovos da galinha, cozinhar para eles, eu tive que

  • adquirir um fogão a álcool, pequenininho, para poder cozinhar para dar para

    eles, aí sim eu entrei no grupo e naquela época como você entrava no grupo

    era feito um corte na mão e os colegas, todos cortavam a mão e faziam um

    pacto de sangue.

    P/1 – Como era esse grupo? Era muita gente? Muitos meninos?

    R – Não, não eram muitos, eram uns cinco meninos.

    P/1 – Nenhuma menina?

    R – Não, era clube do bolinha mesmo, porque a gente fazia coisas terríveis. A

    gente matava gato, a gente matava passarinho como se fosse uma coisa

    normal na época com espingarda de chumbinho, atiradeira, era correr com

    carrinho de rolimã, meu pai tinha essa loja de peças, eu tinha facilidade imensa

    de rolimã, então, eu era o fornecedor de rolimã para todo mundo, cada um

    chegava com um carrinho de rolimã mais sofisticado possível. Então, foi uma

    infância bacana, no princípio dura, mas depois foi uma maravilha.

    P/2 – Humberto nesse Córrego Independência tinha alguma ponte? Alguma

    pinguela? Para vocês atravessarem para o outro lado?

    R – Pouquíssimos lugares tinham. Então a gente usava justamente essas

    pinguelas para pescar, pescar não, caçar rã, o negócio era caçar rã, que era o

    grande lance, você focava uma lanterna, quando você foca uma lanterna no

    olho de uma rã ela fica paralisada. Aí é fácil de fisga-la, a gente não comia rã

    não, era a caça mesmo.

    P/1 – E na escola? Você entrou com quantos anos?

    R – Eu entrei com, pelo fato de eu ter nascido em setembro, eu entrei com

    quase sete anos, o primeiro dia de escola eu nunca esqueço, aquele temor de

    ficar sozinho sem a família, sem a mãe, sem o pai, a primeira escola minha foi

    o Colégio Santos Anjos, que fica na Rio Branco, onde é que seria hoje? Em

    frente a Rua Santo Antônio do outro lado, era um colégio de irmãs, muito

    rígido. Eu me lembro que no primeiro dia eu chorava copiosamente, já no

    segundo e terceiro dia já me enturmei, o que me marcou muito foi a rigidez da

    disciplina do colégio e a reclamação diária da minha mãe, porque o corredor do

    colégio ele era encerado com uma cera avermelhada, a gente gostava muito de

    deslizar naquilo e eu chegava com a roupa toda avermelhada em casa, era

    motivo para briga, eu nunca me esqueço.

    P/1 – O colégio era só de meninos ou tinha turmas mistas?

  • R – Tinha meninos e meninas, de lá eu fui para o Jesuítas, estudei nove anos

    nos Jesuítas, e depois eu fui para o Colégio Magister, tem uma colega minha

    que estava regimentando pessoas para ir para o Magister, a Tereza Leite.

    Então, a primeira vez, parece que era o primeiro científico, que o Colégio

    Magister antes de ser na Braz Bernardino, era no porão do Colégio Stellla

    Matutina, ao lado da Capela Galeria de Arte, era o porão que era o colégio. Foi

    aonde eu comecei a realmente a interessar por estudo, porque o Jesuítas era

    um colégio rígido, e o Magister era um colégio liberal. E foi ali que foi a base

    para mim poder fazer vestibular e passar em jornalismo.

    P/1 – O que é que você chama de rígido e liberal? Era uma diferença de

    controle de presença? Rigidez na cobrança de conteúdo de disciplina?

    R – Exatamente eram coisas, por exemplo, os padres são os próprios

    professores, e eles mesmo sabendo que aquela disciplina não ia servia muito

    para você, mas eles eram rígido por uma questão da ordem dos Jesuítas, eles

    tinham uma coisa que era só do ensino dos Jesuítas, e ensinava a gente

    coisas que não tinham fundamento nenhum. Às vezes tinha aula de português,

    as vezes tinha aula de latim, se eu soubesse eu até podia estudar mais e essa

    coisa relevava, mas no final nem eles mesmos deixavam isso ir para a frente.

    P/1 – O Magister você já entrou no ensino médio? Segundo grau? O que foi?

    R – Exatamente foi o científico ali, na hora que o Magister passou para a Braz

    Bernardino eu estudei lá também. E ali que eu fiz o chamado científico,

    primeiro, segundo e terceiro científico, que era a base para se fazer o

    vestibular.

    P/1 – Isso na década de 70?

    R – Setenta, foi ali que eu comecei a amadurecer, em todos os aspectos,

    emocionalmente, foi a primeira namorada, aquelas coisa toda. E por falar em

    juventude, a década de 70 para mim foi muito importante Christina, porque eu

    era atleta, era jogador de vôlei, eu fui quatro vezes da seleção mineira juvenil

    de vôlei, eu conheci o Brasil todo jogando vôlei. Os campeonatos brasileiros e

    os jogos estudantis, eu participava desses dois campeonatos, que eram

    campeonatos brasileiros, e foi ali... Isso amadurece muito a gente, o espírito de

    equipe, eu era um bom jogador, por exemplo, na seleção mineira aqui em Juiz

    de Fora, nos times que eu joguei no Sport, no Olímpico principalmente, no

    Sport eu era a primeira rede, eu era o cara que abria a rede, na seleção eu

    comecei como o último cortador, e acabei como segundo cortador depois de

    três anos. A minha juventude foi muito interessante, muito gratificante.

    P/2 – Você não quis seguir a carreira de jogador de vôlei?

  • R – Não, naquela época não existia, era tudo amador, naquela época o clube

    nem pagava o tênis para você jogar, não existia. Foi depois de uns dez anos

    que eu parei de jogar vôlei que começou o incentivo com vôlei, por exemplo, o

    clube pagava escola, pagava material, dava uma ajuda de custo, aí começou o

    semiprofissionalismo na voleibol, só dez anos depois, mas dez anos depois eu

    já estava no mercado de trabalho, eu já estava fora da época de continuar

    jogando vôlei.

    P/1 – Mas o que é curioso é que em Juiz de fora na década de 70 o Diário da

    Tarde, por exemplo, dava ampla cobertura aos jogos de vôlei e campeonatos,

    então você deveria ser uma figurinha fácil nas fotos?

    R – Exatamente o meu apelido era Betinho da seleção mineira, Betinho não sei

    o que. O grande divulgador disso era o Mário Helênio de Lery Santos, onde eu

    conheci pessoalmente, torcedor do Olímpico, é o cara que me indicou para a

    seleção mineira, que ligou para o Minas Tênis Clube: “Olha! Tem um rapaz

    aqui que está batendo forte, não sei o que e tal, deixa ele ir para o treino.” A

    primeira vez que eu fui treinar na seleção mineira, muito novinho, meu pai que

    me levava, ele me levava, e eu fui discriminado no treino, porque o Minas Tênis

    Clube que era o grande clube, a base da seleção mineira era o Minas Tênis

    Clube, quando pintava alguém do interior, até que eu me irritei, como é que o

    técnico avalia se você era um cara bom, um cortador bom ou não, era na hora

    de você lançava a bola para o levantador levantava a bola na rede e você

    batia, e o cara começava a levantar a bola fora da rede, levantava a bola baixa,

    até que eu devolvi uma bola no levantador, chamou a atenção, deu aquele

    silêncio no ginásio, ginásio do Minas, aquela monstruosidade para mim, ginásio

    do Minas era um Maracanã, aí o que é que acontece? “Pede para o rapaz

    levantar a bola direito para mim”. Aí sim ele começou a ver que eu batia bola

    direito, assim que eu fui incluído na seleção.

    P/1 – Mas você teve uma juventude, assim, controlada? Você não foi um jovem

    dos anos 70, por exemplo, que conviveu com um lado mais rock and roll dos

    anos 70?

    R – Não, eu era atleta, eu respirava, comia, pensava só em vôlei, os estudos e

    o voleibol, eu não tinha mais outras ambições. A década de 70 o rock era o que

    eu escutava da minha irmã mais velha, ela tem três anos, inclusive o rock que

    eu sou a aficionado por rock, graças a ela, que ela escutava rock e eu

    acompanhava os discos e tudo, drogas não usava, não podia usar drogas, era

    atleta você não poderia usar drogas.

    P/1 – Nem fumava?

  • R – Nem fumava na época, só depois da década de 80 que comecei a virar

    jornalista. (risos) Aí tudo aconteceu, aí tudo acontece, universidade, movimento

    estudantil.

    P/2 – Como é que foi a escolha do jornalismo?

    R – Olha! Eu desde pequeno eu queria ser médico. Eu não sei o porque a

    gente ficava abrindo passarinho e gato lá na Rua Oscar Vidal, eu queria ser

    cirurgião, cismei com isso, Bem aí chegou no final da década de 70, época de

    fazer vestibular, o que é que vou fazer? A minha irmã mais velha que era

    psicóloga, estava quase formando em psicologia no CES: “Vamos fazer um

    teste vocacional”, eu topei fazer o teste vocacional e deu uma área que não era

    medicina, era ciências humanas, geografia, comunicação e eu optei por

    comunicação. Na época tinha assim, até hoje tem isso, ser jornalista, então é

    isso eu entrei e fiz comunicação e passei, bem no final fui um dos últimos

    aprovados, mas consegui passar, e comecei a estudar na UF, onde a

    Faculdade de Comunicação não era a Faculdade de Comunicação, era um

    departamento da Faculdade de Direito, só mais tarde que ela transformou

    numa Faculdade de Comunicação mesmo. Tinham professores que eram

    professores da Faculdade de Direito, eu fiz curso de oratória, que é uma coisa

    típica do direito, essas coisas.

    P/2 – Em que ano você entrou na Universidade?

    R – Eu entrei em 78, eu formei em 81. Para você ter ideia em 81 a gente

    formou o currículo era multidisciplinar e o diploma também, eu formei em

    jornalismo, rádio e TV, publicidade e propaganda, pesquisa, essas coisas

    todas, bacharel em comunicação.

    P/1 – Essa vida da faculdade, assim, como é que era a sua relação com os

    colegas? Essa introdução também num mundo que não era tão rígido, tão

    disciplinado como o mundo do esporte?

    R – Ali foi onde eu tive o meu amadurecimento, amadurecimento emocional,

    amadurecimento psicológico, sexual, foi ali que aflorou tudo, foi ali que eu

    comecei a ter convicções políticas, participava de movimentos estudantis,

    simpatizante dos partidos que nasciam como o PT, por exemplo, era

    simpatizante de partidos de primeira hora, a grande novidade. E a gente

    acompanhava, a gente era bem aguerrido nos lutas da Universidade lá,

    participava dos movimentos, das manifestações.

    P/1 – No caso assim você participou de passeatas? Porque era época de

    abertura política, ainda na ditadura.

  • R – Depois que eu comecei a trabalhar na Tribuna como fotógrafo em 81, eu

    participava mais como fotógrafo, mas na verdade eu estava também como

    participante. Então eu era o cara que eu era simpatizante, ao mesmo tempo o

    cara que registrava aquilo, me dá um orgulho muito grande.

    P/1 – Porque muitas famílias nessa época não gostava que os filhos seguissem

    a carreira de jornalismo, por exemplo, porque achavam que esses filhos iam

    tornar subversivos, não sei na sua família tradicional, italiana, possivelmente

    católica, se foi bem vinda esse seu ingresso no jornalismo? Ou se o seu pai,

    por exemplo, foi contrário? Sua mãe?

    R – Não foram contrário não, eu agradeço muito a eles por isso, eles nunca

    foram contra o que eu queria não. Eles não tinham esse posicionamento que

    eu iria ficar subversivo, porque se você vê uma foto minha da época era a

    barba desse tamanho, o cabelo grande, barba grande, eu já era um subversivo

    natural. Se ele quisessem me criticar e me colocar contra parede, colocavam,

    mas não colocavam, me deixavam livre, graças a Deus, eu agradeço muito a

    eles por isso.

    P/1 – Na época você nunca teve problema com a polícia? Porque a polícia

    costumava a ver alguém com esse tipo barba, cabelo grande já era suspeito.

    R – Eu tive alguns problemas. Eu tive, um em 79, eu cismei, eu andava com

    Olympus trip, lá na faculdade eu usava essa máquina para fazer as fotos dos

    jornais laboratórios, fazia algumas fotos já lá, eu já tinha noção de fotografia.

    Eu fui fotografar um preso político ali na Subsistência, que hoje a Praça Antônio

    Carlos onde tem o tanque do exército, ali que eram julgados todos os presos

    políticos do Brasil pela Lei da Segurança Nacional, e teve um preso político,

    que era de uma facção mais radical, mais esquerda do PT, que foi preso. Eu fui

    lá, fui na rua ele saindo da cela da Subsistência, indo passando no passeio em

    direção a Subsistência, ali eu fotografei, para que? Em 79 eu era estudante,

    polícia me pegou, não posso fotografar uma instalação militar. Aí fiquei preso, o

    advogado dele teve que ir lá e falou: eles só vão te soltar se você entregar o

    filme, eu entreguei o filme, em 79 eu era estudante. Mas foi a partir de 81 que o

    pessoal pegava no meu pé mesmo, mesmo sabendo que eu era jornalista, que

    era da Tribuna e tudo. Eu naquela época, Rosali, a presença do fotógrafo numa

    manifestação impedia muita pancadaria, que é a presença da imprensa lá,

    aquilo estava registrando. Então, eu peguei essa parte da ditadura militar,

    época da chamada extensão lenta e gradual, foi o começo da

    redemocratização do país. Eu fui enquadrado na Lei de Segurança Nacional na

    Tribuna de Minas, quando eu trabalhava na Tribuna de Minas, dois casos

    interessantes da Tribuna de repressão. Primeiro foi que eu fiz uma foto na Rua

    Marechal Deodoro existia um filme que passava na década de 80 que chamava

    ‘Pixote’. Esse filme ele foi feito denunciando o menor abandonado, a situação

  • social no Brasil, e a publicidade deles era basicamente pichações ‘Pixote’,

    escreviam Pixote, e ia pichando as ruas com a divulgação do filme. Eu vi uma

    família inteira de mendigos embaixo de uma pichação dela e fotografei, para

    mim guardar, para mim guardar essa foto, não usei. Mostrei essa foto para o

    Biel Rocha, que era do Jornal Unibairros, ele falou: “Nossa me empresta essa

    foto, me dá que eu vou publicar essa foto na capa do jornal Unibairros” que era

    um jornalzinho que ele fazia, aí eu falei: “Bem essa foto pertence ao arquivo do

    Tribuna”, eu fui no editor geral, que era o Eloísio Furtado de Mendonça, e falei:

    “Eloísio, o pessoal, o Biel, o pessoal do Unibairros está querendo publicar essa

    foto, tudo bem?” ele falou: “Tudo bem” publicaram a foto na capa com crédito:

    Humberto Nicoline/Tribuna de Minas, e mesmo assim eu fui enquadrado na Lei

    de Segurança Nacional, tive que contratar advogado, tive no exército, umas

    dez digitais estão lá até hoje, fui fotografado, igual ao um preso político. Mas

    devido, depois com o tempo, Christina, você só fica sabendo depois, eu fiquei

    sabendo que aquilo foi só um susto que me deram, foi só um susto que me

    deram. E também tinha uma coisa interessante, eu estava namorando na

    época a filha do Joaquim Simões de Faria, que era o Promotor da Justiça

    Militar, então, ele era o cara que escolhia quem ia ser preso, quem ia ser pego

    na época da ditadura, ele que também, então, eu acho que ele deu um susto

    em mim, para falar: Opa! Você está namorando a minha filha, mas não apronta

    não. (risos)

    P/1 – Essa paixão pela fotografia surgiu na universidade? Porque não tinha

    esse convívio em casa?

    R – Nada, eu não tinha equipamento, tinha essa Olympus trip, que eu

    fotografava com ela, participei de uma exposição, de uma coletiva com umas

    fotos preto e branca, nem sabia fazer, mandava fazer as fotos num laboratório,

    não sabia mexer com laboratório. Quando eu saí da faculdade eu queria se

    repórter de texto, eu formei em julho de 81, em setembro de 81 nasceu a

    Tribuna de Minas, o número zero da Tribuna de Minas é primeiro de setembro

    de 1981. Eu entrei na Tribuna, porque estava precisando de fotógrafo, eles não

    tinham fotógrafo, mas a minha ideia era com o tempo ir para a redação de

    texto, só que a fotografia me envolveu tanto que nunca mais larguei a

    fotografia. Eu queria ser repórter de texto, mas a fotografia me ganhou, aquela

    correria de fotografar, de você ver o teu trabalho registrado, aquilo me fascinou,

    nunca mais larguei a fotografia.

    P/1 – Você foi corajoso, porque você não tinha uma experiência com fotografia

    e nem mesmo na faculdade era pouca coisa?

    R – Não tinha experiência não, eu precisava comprar equipamento, eu soube

    que um primo meu morava em Manaus e tinha a Zona Franca de Manaus e ele

    comprou equipamento para mim, foi assim que comecei a trabalhar no Tribuna.

  • P/1 – Qual foi o seu primeiro equipamento?

    R – Foi uma Nikon F3, que é uma Nikon toda analógica, foco manual,

    fotometragem manual, mas era muito precisa e isso você via nas fotos, a

    qualidade ótica era excelente, com duas objetivas só e assim que eu comecei a

    trabalhar.

    P/1 – Você se lembra das primeiras coberturas como repórter fotográfico?

    R – As primeiras não, eu lembro da editoria de cidade mesmo, problema de

    bairro, buraco, coisa básica, basicão mesmo. Eu gostaria de registrar também

    que a minha segunda experiência com a ditadura militar foi assim mais

    traumática. Já que nós estamos em 81, a Tribuna de Minas, uma semana de

    existência da Tribuna de Minas estava na cidade o grupo ‘Tá na Rua’ era um

    grupo de teatro de rua do Amir Haddad do Rio de Janeiro, e havia censura na

    época, tanto é que foram censurados, eles foram impedidos de fazer a

    apresentação deles no Calçadão, que era a apresentação, até hoje, quando

    você quer fazer uma grande manifestação em Juiz de Fora você faz no sábado

    meio dia em frente ao Central. Que hoje passou um pouquinho para lá que é

    em frente ao Banco do Brasil, mas era sempre ali no Central, que era uma área

    maior. O grupo ‘Tá na Rua’ mesmo assim eles foram às ruas e na hora que o

    Amir Haddad pegou o megafone, não era megafone eletrônico era aquela

    corneta, aquele cone assim, para anunciar que eles foram impedidos de fazer

    apresentação a gente estava lá registrando o fato. Um agente P2, mão no

    megafone dele, e eu registrei isso, ah! Christina, foi uma correria, correria

    porque eu já vi que as pessoas vinham atrás de mim. P2 eram os agentes da

    polícia militar apaisano, eu corri, consegui esconder o filme, coloquei um filme

    virgem na máquina, na hora que eu saio do prédio, aquelas escadarias ao lado

    do Central, tem umas lojas que tem umas escadas, na hora que eu desci ali já

    tinham dois gigantes me pegaram, me puseram dentro de um carro com placa

    do Rio, com mais três elementos chamados guarda-roupas e começaram a

    rodar a cidade comigo, rodar cidade, vai para bairro, vai para bairro, cadê o

    filme? Me dá o filme aí, aí eu dei o filme, parou outro carro foi passado o filme

    para esse carro, aí continuaram rodando comigo, rodando, só fazendo tortura,

    a nós chegávamos no meio de um matagal: vai ser aqui, e eu estava

    começando a ficar apavorado... Bem na verdade eles estavam rodando

    comigo, depois eu fiquei sabendo, eles estavam revelando filme, umas duas

    horas e meia depois me deixaram na Delegacia de Santa Terezinha, na hora

    que eu entro na sala da PM eu me deparo com esse senhor que tinha tirado o

    megafone, esse senhor na época Tenente Piccinini, um conhecido aqui de Juiz

    de Fora na época, e esse Tenente Piccinini falou: “Nicoline o filme? Aquele

    filme que você deu está virgem.” “Não é aquele filme lá” “Então não saiu nada,

    eu quero o filme, quero o filme que você tirou a foto minha lá, tira a roupa”

  • “Como assim tira a roupa?” “Tira a roupa” “Não vou tirar a roupa eu sou

    jornalista” a gente tinha carteirinha, formado em jornalismo, trabalhando no

    Tribuna de carteira assinada, com crachá da Tribuna “Sou jornalista” “Eu não

    quero nem saber” tirei a roupa, fiquei de cueca, “Tira a cueca” “Não vou tirar a

    cueca” “Se você não tirar nós vamos tirar, o que é que você prefere?” na hora

    que eu vou fazer movimento com a cueca o filme cai, e foi aí que eu aprendi

    que da próxima vez eu não posso guardar filme comigo, eu tenho que esconder

    em outro lugar. Aí me liberaram fiquei sabendo que a redação do Tribuna parou

    em solidariedade, ninguém trabalhou em quanto não tivesse notícia minha,

    porque não tinha notícia minha, ficou todo mundo apavorado, a redação parou.

    Foi quando me soltaram que eu liguei que foram me pegar, aí o pessoal ficou

    aliviado e tal, quem me conta essa história foi o Renato Henrique Dias que me

    contou que eles paralisaram a redação em solidariedade ao meu

    desaparecimento. Três dias depois me liga o Tenente Piccinini para mim, olha

    eu fiquei bem na foto, me gozando a cara. Para você ver a ideia, só um

    pouquinho mais para frente, quando eu vou trabalhar em Belo Horizonte, eu fui

    cobrir uma solenidade na PM em Belo Horizonte, da Tropa de Choque, que

    eles estavam mostrando os novos equipamentos que eles conseguiram para a

    repressão, na hora que eu entro na sala o comandante da Tropa de Choque:

    Tenente Piccinini, aí ele me vê: “Sem ressentimento” bateu nas minhas costas

    “Sem ressentimentos” e a vida segue.

    P/1 – Quanto tempo você ficou aqui em Juiz de Fora?

    P/1 – Trabalhando na Tribuna.

    R – De 81 à 87. Aí, eu fui para a Tribuna, que montou-se uma redação da

    Tribuna em Belo Horizonte, aqui continuou Tribuna da Tarde, mas a redação

    do Tribuna de Minas passou para Belo Horizonte, a gente fazia o jornal lá, mas

    o jornal era rodado aqui. Na época houve um acordo entre o Juracy e o

    governador Newton Cardoso, que é um jornal para dar sustentação ao governo

    de Newton Cardoso, porque o Newton brigou com os Diários Associados na

    época, eles não concordaram, então, ele precisava de um jornal, não só o

    Tribuna, mas tinham outros também. Então, montamos uma redação dentro de

    Belo Horizonte e fazia um jornalismo, claro que às vezes direcionado, política e

    essas coisas, mas a gente cobria o dia-a-dia também, agora você me pergunta:

    como é que se faz um jornal local e imprime em outro? Era uma loucura,

    porque não tinha internet, não tinha como você transmitir as coisas, como é

    que você transmitia? As fotos eram transmitidas através de um aparelho, era

    um aparelho com a cópia fotográfica você colocava nesse aparelho e transmitia

    essa foto, para cada foto eram 20 minutos de transmissão. Na verdade o

    resultado da impressão era um fax melhorado, e era a solução para a gente

    mandar as fotos do dia de Belo Horizonte para Juiz de Fora, para ser rodado

    aqui. E esse jornal era todo dia, ele vinha impresso para Belo Horizonte, para

  • ser distribuído em Belo Horizonte, o Tribuna de Minas rodou em Belo Horizonte

    como um jornal de Belo Horizonte. Essa história, Christina, de dois anos e

    pouco dessa história se perderam por causa desse trajeto BH Juiz de Fora, BH

    Juiz de Fora, e as publicidades eram o fotolitos tinham que ser mandado para

    cá, de carro para cá, foram dois óbitos, teve um diretor, um editor, e quatro

    automóveis destruídos nessa história dessa correria toda, foi uma aventura.

    P/2 – Mas a Tribuna da Tarde tinha notícias de Juiz de Fora e a de Minas a de

    Belo Horizonte? É isso?

    R – Exatamente.

    P/2 – Então haviam duas redações?

    R – Exatamente uma em BH e outra aqui, só que os dois jornais eram rodados

    aqui e todo dia a Tribuna de Minas, que era noticiário de Belo Horizonte ia de

    camionete, caminhão, para Belo Horizonte para ser distribuído lá.

    P/2 – Quando houve essa escolha, vocês que escolheram ir para Belo

    Horizonte? Não quis ficar em Juiz de Fora? Como é que foi?

    R – Eu quis ir para Belo Horizonte. Eu quis ir para Belo Horizonte porque eu

    achava que lá é um mercado maior, também confesso que eu fiquei um pouco

    decepcionado com a categoria do jornalista na época, porque eu fui vice-

    presidente eleito do sindicato de jornalista profissionais de Juiz de Fora, foi o

    primeiro repórter fotográfico eleito num plano de diretoria, Christina fez parte

    dessa diretoria, que o presidente renunciou e eu fiquei como presidente em

    exercício. E a gente era muito aguerrido, muito lutador, os sindicalistas que

    acompanhavam as lutas operárias do ABC, a gente era simpatizante do PT, o

    Lula era a figura que era emergente na época, e a gente fez movimentos,

    movimentos de melhorias salariais, a gente ia para o Calçadão, isso está

    registrado no meu livro, pedindo reajuste trimestral, a gente pedia piso salarial.

    Porque na década de 80, para você ter uma ideia, 86 governo Sarney, a

    inflação era base de 300% ao ano, então a luta dos trabalhadores tinha que ser

    constante para repor essa perda salarial que tinha. A decepção foi que nós

    conseguimos dentro da lei da CLT uma greve, em que se os jornalistas

    aprovassem essa greve, porque tinha que ser três assembleias com dois terços

    da categoria, como na época tinha 200 e poucos afiliados, a gente achou que

    tinha condições de aprovar isso, a gente instalar uma greve, em que tinha

    estabilidade por um ano, mesmo terminado a greve, então tinha todas as

    garantias possíveis para a gente poder finalmente ter uma melhoria salarial

    para os jornalistas de Juiz de Fora, a gente ralava muito, e a categoria em

    assembleia decidiu, a maioria foi por abstenções. Eu fiquei um pouco

    decepcionado, na hora que eu vi essa notícia de Belo Horizonte investi, pedi,

  • até o diretor da Tribuna: “Você quer ir para Belo Horizonte? Você vai ter que

    abrir mão da estabilidade,” como era da executiva do sindicato a gente tinha

    estabilidade, eu tive que abrir mão da estabilidade para ir para Belo Horizonte.

    Quem estava lá era o Toninho Carvalho, aí o Toninho Carvalho voltou e eu

    fiquei.

    P/1 – Voltando um pouquinho na experiência sua aqui em Juiz de Fora como

    fotógrafo, 81, 82, como era a rotina sua? Você chegava à redação que horário?

    Como é que é? Você recebia as pautas?

    R – Eu era um fotógrafo que sempre preferi a parte da tarde, sempre fui

    notívago, naquela época a redação fechava era meia noite, vária vezes eu saí

    do jornal oito, nove horas da noite, e fotografa alguma coisa e voltava para a

    redação para publicar um fato, por exemplo. Os deadlines daquela época eram

    meia noite, duas horas da manhã, e eu chegava no jornal uma hora da tarde, e

    era pautado com diversos tipos de fotos, era mais a cidade mesmo que era

    editoria forte, geral ou cidade, que cobria a cidade como um todo. No princípio,

    até 83 a gente tinha um concorrente, que era o Diário Mercantil, o centenário

    Diário Mercantil, inclusive nós cobrimos o fechamento do Mercantil em 83, a

    Tribuna soltou uma matéria do fechamento do Mercantil em 83, novembro de

    83. Então, eu cobria de tudo, por exemplo, eu era um cara solteiro, a máquina

    fotográfica aonde eu ia eu levava a máquina fotográfica, eu ia para o barzinho

    eu levava a máquina fotográfica. E naquela época, os anos 80 de Juiz de Fora,

    como no Brasil também foi um momento de muita efervescência cultural,

    efervescência sindical, as manifestações eram constantes, naquela época pelo

    fato da gente ficar muitos anos sem poder sair nas ruas, fazer manifestações, a

    ditadura não deixava, quando começava a liberar o pessoal saía mesmo, por

    exemplo, você via assim, dezenas de pessoas, centenas de pessoas para

    reivindicar água num bairro, o verdadeiro gigante adormecido, senti isso e eu

    vivi isso. Vivi isso até 87 em Juiz de Fora no processo de redemocratização do

    país, foi quando eu fotografei coisas importantes como a votação da Emenda

    Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta, que acabou sendo derrotada,

    porque as bases governistas não deixou dar quórum na câmara para poder

    votar, e Juiz de Fora sempre foi uma história aguerrida, pelo fato de ser cidade

    universitária, sempre teve um posicionamento mais de esquerda, então, eu fui

    um privilegiado na verdade de poder cobrir isso. Com isso de 81 a 87, até

    quando eu fui para Belo Horizonte culminou num livro, o livro ‘JF Anos 80’, é

    um livro de 300 páginas, com 280 fotos dos fatos de Juiz de Fora, que

    aconteceram em Juiz de Fora, e eu fui privilégio ser fotógrafo da Tribuna nessa

    época, e esse livro eu dividi o livro em capítulos como as manifestações, a

    cidade, os personagens, e pus em ordem cronológica e virou um filme

    documental. Naquela época as pessoas saíam na rua com o dobro de pessoas

    por motivo bem mais simples do que hoje, agora que voltou em junho de 2013,

    voltaram as manifestações.

  • P/1 – Você cobriu as Diretas Já, por exemplo, todos os comícios das Diretas

    Já?

    R – Diretas Já, essas coisas todas.

    P/1 – Esses comícios na Praça da Estação aqui em Juiz de Fora em especial,

    você tem alguma lembrança?

    R – Grandes comícios, porque naquela época para você ter uma ideia, as

    pessoas se interessaram por política, porque ficaram muitos anos sem poder

    ter voz. Então, os comícios que eu citei na Praça da Estação, eram comícios

    que não tinham show, iam lá para escutar os políticos e enchia, para escutar

    Tancredo Neves, para escutar Itamar Franco, escutar Tarcísio Delgado. Então,

    para você ver o interesse das pessoas em participar da vida política do país,

    uma retomada da participação popular nas decisões políticas do país, e Juiz de

    Fora acompanhou isso direitinho, prova disso, esse livro mostra isso as

    participações, os professores, por exemplo, sempre foram os movimentos de

    massa mais organizados, até hoje a Sind Ute ainda é os que fazem

    manifestações, que saem na rua reivindicando as coisas, os bancários, os

    professores e os bancários, e um pouquinho os jornalistas. (risos)

    P/1 – Humberto, você me diz assim, você chegava na redação, você gostava

    de trabalhar a tarde, não tinha muito horário, estava sempre com a sua

    máquina, mas você era pautado? Como é que era a equipe de reportagem

    cinematográfica da Tribuna, por exemplo? Tinha um chefe? Tinha um editor?

    R – Na verdade não tinha editor, era um chefe de departamento, um cara que

    tomava conta do material do laboratório, um cargo de confiança, porque o

    material fotográfico era muito caro, então tinha que ser um cara de confiança,

    meu primeiro chefe foi o Narcisse Szymanowsk, que foi uma pessoa iluminada,

    Narcisse depois foi fotógrafo do Museu, e merecidamente hoje o nome de uma

    galeria no Mascarenhas, então isso foi muito bacana. O Narcisse foi o meu

    primeiro chefe, só que não tinha assim a figura do editor: você vai fazer isso,

    fazer isso, procura fazer assim, assado, não, você ia para a pauta e fazia o que

    você achava melhor, e essa parte do fotojornalismo era interessante, porque

    tinha a parte laboratorial, você era laboratorista, você revelava os seus filmes,

    você ampliava as suas fotos, você identificava os filmes, ampliava fotos, tudo

    na câmera escura, e você identificava e entregava na redação. Na verdade a

    fotografia era um pré-industrial no jornal impresso, a parte pré-industrial, e o

    fato dos químicos da fotografia para revelar filmes, revelar as cópias, elas

    terem odores, os odores eram, principalmente, o fixador, que era base ácido

    asséptico, é mal cheiroso, eram retirados longe da redação. Sempre os

    departamentos fotográficos eram longe da redação por causa do cheiro, porque

  • era incomodo para as visitas e para quem trabalhava lá. Aí, sempre ficamos

    isolados, inclusive eu acho uma bobagem hoje os departamentos de fotografia

    continuarem isolados das redações, porque você pode muito bem editar as

    suas fotos ao lado do companheiro que você fez a matéria, o repórter de texto

    que fez a matéria, que eu acho mais adequado inclusive. Então, a gente tinha

    essa parte laboratorial, ou seja, era interessante, Christina, porque você

    chegava com o filme para revelar, o repórter sentava na máquina de

    datilografar para bater a matéria, na verdade na hora que você entregava a

    foto, entrega a foto em que? Em 20, 25 minutos, as fotos em 20, 25 minutos,

    era o tempo dele bater a matéria.

    P/1 – Vocês saíam sempre em equipe?

    R – Sempre.

    P/1 – Como era a equipe que saía para a externa? Tinha carro? Motorista?

    R – Carro, motorista, repórter de texto e fotógrafo, sempre foi assim.

    P/1 – Você não saía sozinho? A pé?

    R – Não, geralmente não, no início da Tribuna não, porque tinha muito

    jornalista na Tribuna. Basicamente sempre saía um repórter de ter texto, o

    fotógrafo também sempre saiu muito sozinho, às vezes não precisa, às vezes o

    repórter fazia reportagem pelo telefone, e entrevistava a pessoa, eu ia

    fotografar, fazer um boneco, como chamava, do entrevistado, o repórter por

    telefone entrevistava, não precisava da presença dele lá. O fotógrafo sempre

    trabalhou mais sozinho do que o repórter de texto, dificilmente o repórter de

    texto ia sozinho, sempre o repórter de texto queria a presença do fotógrafo,

    porque a matéria com a foto ela tem mais importância, as matérias mais

    importantes tem fotografia.

    P/1 – Normalmente você quando saía com algum repórter, tinha aquele

    repórter com o qual você tinha mais afinidade? Como o qual você saiu mais

    vezes?

    R – O fato da Tribuna, da gente ter fundado um jornal, é como se a Tribuna

    fosse nossa também, então, a gente era colegas mesmo, porque o objetivo era

    fundar um jornal em Juiz de Fora. Então isso se transformava numa coisa

    maior, do que picuinhas, brigas, incompatibilidade, a gente tinha que lançar um

    jornal de Juiz de Fora, a gente estava pensando no nosso mercado de

    trabalho, então tinha uma causa maior, que era fundar esse jornal, foi o que

    nós conseguimos a duras penas, mas conseguimos.

  • P/1 – Parceria assim, você teve algum parceiro ou parceira mais constante

    nesse trabalho de documentar a cidade?

    R – Teve parceiros, assim, de repórter de texto? Eu trabalhei com muitas

    pessoas, trabalhei Isaura Rocha, trabalhei com Mazé Mendonça, trabalhei com

    Oseir Cassola, isso na editoria de cidade. Cultura eu trabalhei com Ana

    Goulart, Kátia Dias era editora de cultura, uma figura especial até hoje, muito

    especial para mim. Porque eu nasci no mesmo dia que ela, então, (risos) fora

    a figura muito interessante, tinha o Renato Henrique Dias, editor geral, Geraldo

    Muanis, o editor Eloísio Furtado de Mendonça, diagramadora Beth Barra, eram

    pessoas em que eu brigava muito não, eu era para fazer o serviço mesmo e

    trazer a melhor foto. Eu brigava para colocar as fotos que eu queria colocar,

    porque às vezes eles não colocavam o que a gente queria, ou questão

    editorial, ou questão de preferência, de gosto, essas coisas, porque fotografia

    todo mundo gosta, todo entende de fotografia, todo mundo opina sobre

    fotografia, você pode reparar isso, desde uma criança: não gostei, todo mundo

    tem essas coisas, a discussão era mais editorial, editorial mesmo, a gente fazia

    uma pré-seleção antes, agora você pergunta se a gente influenciava no

    trabalho a opinião pessoal? Sim, claro, ia fotografar um político, por exemplo,

    fotografar um governador que não eleito pelo povo, foi eleito pelo presidente da

    república, aqueles nomeados, eu entrega umas fotos bacanas e entregava

    umas fotos maus também, (risos) para ver se o editor punha, mas nunca pôs. A

    gente tinha preferência política e isso influencia muito no trabalho, não só

    repórter de texto, mas fotógrafo também, a gente faz as coisas que a gente

    pensa também.

    P/1 – E fotógrafo pauta jornal? Porque o repórter de texto quer sempre pautar,

    ele quer trazer a pauta da rua.

    R – É verdade, a gente pauta mostrando, eu fiz uma foto assim, assim vou

    revelar lá, aí o pessoal já começava a se mexer, entendeu? Começava a corre

    atrás, na hora que eu mostrava a foto: “Oh! Então está, vale a pena mesmo

    vamos colocar”, a gente pautava sim. Eu andava pela cidade para lá e para cá,

    com máquina fotográfica, então, onde eu ia levava máquina fotográfica, então

    eu pegava flagrante mesmo e flagrantes interessantes.

    P/1 – Teve alguma primeira página sua que ficou, assim, na memória?

    Inesquecível?

    R – Teve, a primeira página, da primeira foto, o jornal já estava prontinho, eu

    desci o jornal era dentro da Academia de Comércio, porque o pessoal da

    Tribuna, o Juracy comprou a Esdeva Gráfica, e ficava dentro da Academia. Eu

    desci a Halfeld até o Calçadão, na hora eu chego no Calçadão o Flamengo foi

    campeão, e teve uma passeata, uma carreata de flamenguistas, e a Rotam, a

  • polícia militar desceu o cacete, jogaram boba, fizeram o diabo, e eu registrei

    isso, e subi o morro e falei: gente o pau está comendo na Rio Branco, ou seja,

    enquanto estava revelando o filme o pessoal foi apurar, apurar, a capa de

    jornal foi a primeira grande sensação interessante, porque eu fazia um

    jornalismo puro, o jornalismo puro. Que é você flagrar aquilo e correr e fazer

    daquilo a primeira página do jornal.

    P/1 – Agora você tinha muita discussão com colegas repórter? Eu perguntei

    sobre as afinidades, mas às vezes tem aqueles repórteres que saem com você

    com os quais nada funciona.

    R – Nada. Geralmente os repórteres mais aculturados, mais de editoria de

    cultura, editoria de moda, que eram muito detalhista, a gente está com duas,

    três, quatro pautas a gente quer aquilo rápido para fazer outras pautas, sai com

    três, quatro pautas por dia. Depois, na década de 90 aumentou muito isso, na

    década de 90 aumentou muito o fato de você sair sozinho com motorista, e

    aumentou muito o número de pautas, porque aumentou a quantidade de

    editorias, você tinha que cobrir tudo, fazia um roteiro, o seu chefe: você vai

    aqui, aqui, aqui e aqui, os carros começaram a ter rádio, que antes como é que

    você comunicava com as pessoas? Com rádio você se deslocava de lá para

    cá, não, vai aqui, vai ali, está acontecendo isso e assim vai. A gente cobria de

    tudo, o fotógrafo cobre tudo, não tinha setorização, aqui não tinha setorização,

    o fotógrafo não era setorizado, você cobria de moda, desfile de moda, a futebol

    a assassinatos, quando eu saí da Tribuna daqui de Juiz de Fora e em Belo

    Horizonte na Tribuna também cobria de tudo, só quando eu fui trabalhar no

    Jornal Hoje Em Dia que houve uma setorização, interessante, mas eu cobria de

    tudo.

    P/2 – Desse período que você ainda está em Juiz de Fora, antes de ir para

    Belo Horizonte como é que deu a sua participação na Revista D’lira?

    R – A Revista D’lira era uma revista cultural, de poesias e desenhos e eu fazia

    parte do grupo, essas amizades que a gente faz fora da redação, então eram

    amizades mesmo, a gente saía do jornal ia para bar, a gente ia para festas,

    então sempre juntos, eram pessoas que trabalhavam com a gente. Por

    exemplo, era repórter, diagramador, mesmo editor, outros fotógrafos também, a

    revista nasceu, a Revista Delira nasceu da discussão de poetas com o José

    Santos, com o Piva, com o Talarico pintor, como Fernando Fábio Fioresi,

    então, são pessoas assim, eu entrei como opção, revista de cultura, então tem

    que ter a parte de fotografia, então eu entrei como corpo editorial como

    fotógrafo responsável pelas fotos da revista.

    P/2 – Como é que você conciliava esse trabalho da D’lira e a Tribuna?

  • R – Quando dava folga a gente investia nisso, eu ficava por conta disso, eu

    vivia isso, até hoje eu me pergunto como é que eu conseguia fazer tanta coisa?

    Atualmente eu não conseguiria fazer isso, mas na época tinha tempo para

    tudo, por exemplo, reunia de madrugada, varava madrugada, antigamente

    virava e no dia seguinte trabalhava, entendeu? (risos) E trabalhava, não tinha

    problema nenhum, tinha físico, você tinha condições de fazer isso, eu vejo os

    meus filhos hoje fazendo coisas, “Mas menino vai descansar você tem aula

    amanhã?” Mas não adianta era a mente, eu era assim também.

    P/1 – Aonde que vocês iam depois que saíam da redação? Muitas vez dez,

    onde horas da noite? Tinha algum bar que essa turma da Tribuna, do impresso

    frequentava?

    R – Não tinha específico muito não, mas tinha o Bar Redentor, tinha o Bar 650,

    na Tiradentes, me parece, ou na Santo Antônio agora não me lembro, agora

    você está me lembrando uns bares, tinha o Vitrô, na Rua São Mateus, esses

    bares a gente se encontrava nesses, os bares da moda na época.

    P/1 – Jornalista e repórter cinematográfico, fotográfico normalmente não

    ganhavam muito, eram bares mais populares, alguns com música como o Vitrô,

    e qual era a pedida? Cerveja?

    R – Cerveja e tira gosto, de tudo que você possa imaginar, almôndega, (risos)

    e tomava as piores bebidas, mais baratas possíveis. Porque o jornalismo é

    muito ligado a boemia, por quê? Por causa do deadline, se o deadline daquela

    época fosse oito horas da noite, sete horas da noite, como é hoje os jornalistas

    não seriam tão viciados em álcool, alcóolatras, porque eu conheci vários que

    eram alcoólatras, eu não encaminhei por essa vertente do alcoolismo não, as

    pessoas bebiam demais da conta, bebia muito, e bebida ruim, barata.

    P/1 – Conhaque?

    R – Nossa Senhora! Como, por exemplo, você tinha pouco dinheiro e queria

    ficar alegrinho você tomava conhaque, misturava as bebidas.

    P/1 – Pinga e conhaque.

    R – Graças a Deus eu não entrei nessa onda de álcool não, talvez por isso que

    eu conseguia acordar mais cedo do que os outros.

    P/1 – Você alguma vez passou algum problema, assim, além desses dois

    relatos de prisão, algum acidente? Porque houve jornalista da Tribuna que

    morreram em acidentes, como outros jornalistas de outras emissoras inclusive

  • de TV que morreram em acidente de carro. Você passou alguma situação

    realmente de tensão com ameaça física com você?

    R – Não isso não, graças a Deus não, trabalhando no Hoje Em Dia em Belo

    Horizonte sim passei por alguns sufocos lá, mas fora isso não, aqui em Juiz de

    Fora não, não passei não, fora essas, levei um tiro de borracha uma vez numa

    manifestação em frente a câmara.

    P/1 – Aqui em Juiz de Fora?

    R – Aqui em Juiz de Fora.

    P/1 – Conta um pouquinho para nós.

    R – Foi uma manifestação de bancários, eram muito comum os bancários

    saírem, os bancários fazia greve, eles paravam, faziam piquetes para os

    bancários não entrarem no Banco do Brasil na Getúlio com a Halfeld, por

    exemplo, e ficava dois, três camburões enfrente para impedir o piquete, e era

    comum eles saírem fazendo passeata pelo Calçadão e culminava em frente a

    câmara municipal, e ali houve a polícia chegou e começou a dar tiro e pegou

    um tiro em mim, pegou um tiro de raspão mas ardeu para caramba, ficou a

    marca um tempão, e é um tiro horroroso, dói demais, arde demais, entendeu?

    Só arde menos que chumbo, mas situações de perigo aqui em Juiz de Fora

    não, fora essas duas que eu te contei, do meu “desaparecimento”, as coisas

    perigosas mesmo aconteceram foram em Belo Horizonte.

    P/1 – A entrada do mundo digital na sua vida como é que foi? Primeira câmera

    digital? Essa revolução.

    R – Foi uma maravilha, a entrada do equipamento digital diminui o deadline dos

    jornais, porque a rapidez com que você envia uma fotografia. Para você ter

    ideia como é que antigamente você transmitia uma foto, você tinha que montar

    um laboratório, quando você viajava, como você transmitia uma foto? Com

    esse equipamento aqui, que você aluga da Associated Press, você chegava na

    cidade no hotel que você ia ficar, no banheiro do hotel você punha uns

    plásticos pretos com adesivos nas janelas para tampar a luz e transforma

    aquilo num laboratório fotográfico, ali tinha um mini ampliador, tinha os

    químicos para revelar o filme, os químicos para revelar as fotos, os papéis

    fotográficos, a luz vermelha, tinha tudo, você trazia tudo, instalava a luz

    vermelha lá e fazia as cópias fotográficas. Colocava a cópia fotográfica nesse

    aparelho e transmitia via telefone, tem sempre uma linha direta, não podia ter

    ramal, porque qualquer coisa que você falasse na extensão saia na foto, com

    um ruído. As fotos eram transmitidas desse jeito, na Tribuna, esse dois anos

    que eu fiquei na Tribuna 87 e 89, em Belo Horizonte, eu transmitia as fotos

  • para Juiz de Fora desse jeito, nesse aparelho. Depois eu usei esse aparelho no

    jornal Hoje Em Dia, para transmitir já com a cabeça cor, era cópia colorida,

    você punha nesse máquina e passava três vezes a mesma foto, 20 minutos

    cada vez, cyan, magenta e yellow, cada foto demorava uma hora para

    transmitir uma foto, ou seja, o deadline era mais alto. Agora com equipamento

    digital não, equipamento digital não, no princípio demorava também. Esse é o

    primeiro equipamento digital que eu trabalhei, era uma Nikon N90 com back da

    Kodak, essa câmera foi a primeira câmera a ser digital vendida no Brasil,

    profissional. Efla tinha uma resolução de seis megapixel, eu não podia usar o

    sequencial, que era para você disparar quatro, cinco fotogramas por segundo,

    porque ela não processava, eu fazia futebol, por exemplo, você dava três

    cliques ela travava, enquanto não processava, a tecnologia o processador não

    conseguia carregar as imagens dentro do winchester, da máquina. E a gente

    viajava com esse equipamento pesado, um laptop Macintosh pesado, dessa

    largura, desse tamanho, que me criava um problema enorme toda as vezes

    que eu viajava de avião, porque eu tinha direito uma maleta só e eu levava o

    meu equipamento fotográfico, as lentes, os fleches, a máquina e tinha que

    levar essa maleta, então, sempre a maleta ia na cabine do piloto, era sempre

    uma dor de cabeça, como eu viajava muito.

    P/1 – Você viajava muito por Minas Gerais? Isso já na fase do Hoje Em Dia?

    R – Hoje Em Dia eu viajava muito, e a última vez que eu usei esse

    equipamento de transmissão via cópia foi em Pirapora. A câmara municipal fez

    o Impeachment do prefeito, não me lembro o sobrenome dele, mas era Abdala,

    ele foi destituído do cargo de prefeito, e ganhou na justiça o retorno. E a

    população cercou a prefeitura não querendo ele deixar entrar, e ele tinha direito

    por lei, mas a população não queria, nós fomos lá para cobrir, era para ficar um

    dia, acabei ficando quatro. Então, eu consegui, já existiam os laboratórios

    coloridos, de foto colorida, eu consegui comprar um determinado tempo e todo

    o dia eu ia lá revelar os filmes, eu editava e transmitia essas fotos, por incrível

    que pareça era uma novidade, eu escolhi uma casa com telefone, pedi

    autorização e transmitia, as pessoas ficava vendo, fazia um círculo, junta

    pessoas para ver transmitindo as fotos.

    P/1 – Isso antes do digital?

    R – Antes do digital.

    P/1 – Agora a cor entrou na sua vida no jornal quando?

    R – Foi em Belo Horizonte, só no Hoje Em Dia, até lá eu trabalhava só com

    preto e branco.

  • P/1 – Então isso é o quê? 89? 90?

    R – Noventa.

    P/1 – Até então só preto e branco?

    R – Só preto e branco. 90 que começou no Hoje Em Dia, no começo do Hoje

    Em Dia a gente tinha filme preto e branco e slide colorido, quando era uma

    matéria importante era slide, era capa, capa era colorida, o interior, o miolo do

    jornal era preto e branco.

    P/1 – E você tem predileção por preto e branco ou cor para a imprensa?

    R – Preto e branco.

    P/1 – Por quê?

    R – Porque é mais objetivo naquilo que você quer transmitir, você não perde

    nuanças de coloridos, você é mais objetivo. Um exemplo clássico: uma criança

    chorando. Você vê a foto preto e branco você vai no cerne da questão, você vê

    o objetivo do fotógrafo, você não vai perder tempo se tem um balde vermelho

    do lado, que vai tirar a sua atenção, você foca mais; um guarda batendo em

    alguém, por exemplo, manifestações, uma pessoa de um vermelho muito

    intenso vai tirar sua atenção daquilo, então o preto e branco é objetivo a

    mensagem.

    P/2 – Humberto eu estou curiosa para saber sua saída para o Hoje Em Dia,

    você estava na Tribuna.

    R – Tribuna acabou em Belo Horizonte.

    P/2 – Mas você não quis voltar para Juiz de Fora?

    R – Não, eu quis permanecer em Belo Horizonte, eu permaneci em Belo

    Horizonte, a Tribuna de Minas acabou em dezembro de 89, quando acabou o

    governo Newton Cardoso acabou o Tribuna, entende?

    P/1 – A razão foi essa.

    R – Se o Newton fosse reeleito ou o grupo dele fosse reeleito a Tribuna

    continuaria com certeza, porque é o que estava sustentando, era as

    publicidades do governo que sustentava a Tribuna em Belo Horizonte. E

    acabou o Tribuna e eu permaneci como fotógrafo freelancer, nesse aspecto eu

    já conhecia outros fotógrafos, comecei a fazer substituição de férias, que em

  • Belo Horizonte você tinha quatro jornais diários, eu fazia substituição de férias,

    sempre alguém estava de férias, e eu fazia substituição de férias, até que um

    editor do Jornal Hoje Em Dia, me chamou para trabalhar lá. O Jornal Hoje Em

    Dia tinha um ano só, esse Jornal Hoje Em Dia na época ele era do Newton

    Cardoso. O Newton Cardoso fundou um jornal chamado Hoje Em Dia, que

    tempos depois passou para a Igreja Universal, que agora em agosto desse ano

    vendeu depois de tantos anos, vendeu para o grupo Bel de Belo Horizonte.

    Então, foi quando eu comecei a trabalhar, eu fiquei desempregado na Tribuna

    em 89, fevereiro de 90 em já comecei a trabalhar no Hoje Em Dia, e lá eu

    permaneci por 13 anos, comecei com repórter fotográfico e cheguei a ser editor

    adjunto de fotografia. Quando eu entrei no jornal Hoje Em Dia tinham 16

    fotógrafos, quando eu saí de lá tinham seis.

    P/1 – Por que essa redução?

    R – Porque é tudo muito caro, a fotografia é uma coisa cara, o filme fotográfico

    era caro, os equipamentos eram caros. Para você ter uma ideia esse

    equipamento digital aqui, quando ele chegou na minha mão ele custava 20 mil

    dólares, hoje você compra uma câmera digital, então era tudo caro. Fotografia

    ela o local onde a contenção de despesa era muito grande, tinha muita

    restrição de filmes às vezes, a gente viajava sem muitas opções, porque o

    jornal não tinha condição de dar.

    P/1 – Nessa época do Hoje Em Dia o equipamento era do jornal não era seu?

    R – Do jornal, optou-se por isso, diferentemente da Tribuna, tanto em Juiz de

    Fora, quanto BH que eles optaram por equipamento dos fotógrafos. Inclusive

    quando eu estava no sindicato dos jornalistas, eu consegui que a exemplo de

    Belo Horizonte, que se pagasse 25% do seu salário bruto como forma de

    aluguel de equipamento, equipamento básico, uma câmera, três lentes e um

    flash, isso até hoje é assim aqui em Juiz de Fora, pessoa é obrigada, 25% do

    salário. E por falar em salário não só ganha mais do que o repórter de texto,

    por causa disso, ele ganha porque ele é fotógrafo, ele faz os bicos dele como

    fotógrafo, faz casamento, faz festa de aniversário, o repórter fotográfico a cima

    de tudo ele é fotógrafo.

    P/2 – Você fazia muito?

    R – Faço, fazia, fora do jornal eu fazia, o pessoal me chamava para fazer, eu

    fazia, entendeu? Fazia muito serviço, fazia foto comercial, trocava foto por

    camisa, por calças, por muita coisa.

    P/1 – Havia uma disputa na época também, quando você esteve no sindicato,

    que era essa questão do repórter fotográfico e do repórter cinematográfico,

  • muitos não tinham cursado uma faculdade e tinham um registro especial, não

    tinham registro como jornalista, mas como repórter fotográfico e repórter

    cinematográfico.

    R – Exatamente, eu fui o primeiro repórter fotográfico na cidade a ter o registro

    de jornalista, foi uma novidade.

    P/1 – Você foi então o primeiro repórter fotográfico formado numa faculdade?

    R – Formado na Universidade de Juiz de Fora.

    P/1 – Isso te criou algum tipo de atrito, com os colegas autodidatas na

    profissão?

    R – Não. De jeito nenhum, eu era fotógrafo, eu optei por isso, não podia ficar

    em pé em cima deles, eu precisava deles, éramos muito unidos.

    P/1 – Um fotógrafo brasileiro e depois algum estrangeiro, que te inspiraram na

    carreira como fotojornalismo?

    R – Naquela época?

    P/1 – É.

    R – Eu vou contar uma coisa, antes de responder isso eu vou contar uma coisa

    para você. A década de 70 eu recebi um folheto da Revista Times, falando que

    se você mandasse aquele folheto assinado você receberia, você fazia a

    assinatura da revista, a Revista Times era tabloide colorida, um papel fino, mas

    um papel muito bom, e o fotojornalismo era muito bom naquela revista, as

    vezes as fotos de guerra, de conflito eram página inteira, eu mandei aquele

    folheto eu não sei por que cargas d’água, se os Estados Unidos queriam

    aculturação americana no Brasil naquela época, década de 70, eu recebia todo

    mês duas revistas iguais, eles mandaram de graça, eu fiquei recebendo isso

    dois anos. Então, o que é que eu fazia? Uma das revistas eu cortava e fazia

    um mosaico na parede da minha casa, em frente a parede onde eu dormia, no

    meu quarto, aquilo, Christina, o fato de eu acordar e dormindo vendo aquilo,

    quando eu comecei a trabalhar com fotografia os enquadramentos se tornaram

    automáticos, entendeu? Agora as pessoas que eu me espelhava, eu nunca me

    espelhei em ninguém na década de 80 em Juiz de Fora. A única pessoa que eu

    conhecia e que eu via foto era Jorge Couri, Toninho Carvalho e Toninho Maria.

    A nível do Brasil, o Jorge Araújo da Agência F4, eram pessoas que divulgavam

    as fotos, naquela época não se divulgavam fotos, não tinham livros de

    fotografias, não se falava sobre os fotógrafos, não tinha nada, era raro um

    fotógrafo lançar um livro de fotos autorais, era raro, então a gente não tinha

  • muito conhecimento, eu não tenho um fotógrafo não tinha ninguém como

    referência não, a minha formação era autodidata mesmo.

    P/1 – E hoje alguém que seja para você, assim, um exemplo em termos de

    fotojornalismo?

    R – Só existe uma pessoa que exemplo hoje que está, que é o Sebastião

    Salgado, Sebastião Salgado é um cara que me emociona todas vezes que eu

    vejo uma foto dele, publica as fotos dele, o último livro dele Gêneses, as

    últimas entrevistas assisti todas, praticamente, é sempre uma emoção ver a

    carga que esse cara carrega, lembrei de algumas coisas que aconteceram

    comigo, você soube que ele quase morreu, Sebastião Salgado? Depois que ele

    fez Êxodos, ele voltou de Êxodos começou a ficar doente, ficar doente, vai no

    médico faz exames o médico falou: “Você não tem nada, você está morrendo,

    você que quer morrer” na verdade ele estava morrendo por causa das coisas

    que aconteceram com ele, o que ele viu, o que ele assistiu, o que ele vivenciou,

    o que ele cheirou, aquilo estava remoendo e comendo ele por dentro. A

    salvação dele, que foi a ideia da mulher dele, foi fazer Gêneses, é sair desse

    campo do pessoal, porque quando ele fazia, por exemplo, Êxodos ele ficava

    dentro de uma aldeia que estava migrando para outro lugar, por causa de

    guerra, por causa de fome, ele ficava dois, três meses vivendo com as

    pessoas, ele via as pessoas morrendo sem poder fazer nada, ele mesmo disse

    que viu pessoas sendo, corpos sendo jogados, tratores levando corpos de

    pessoas para enterrar porque não podia ficar, crianças morrendo e ele não

    podia dar nada para a criança, isso foi comendo ele por dentro. E isso

    aconteceu um pouco comigo, eu senti exatamente o que ele falou, as coisas

    que a gente faz, o drama humano isso fica sempre. Hoje eu não posso ver um

    filho, por exemplo, um pai ao lado de um filho num caixão de filho que eu me

    emociono e começo a chorar, eu tenho que sair de perto, por causa de coisas

    que eu vivi em Belo Horizonte, coisas que a gente vai vivenciando, aquilo fica

    na gente, aquilo não sai. O nome é Sebastião Salgado, por causa do preto e

    branco, por causa do envolvimento dele naquilo que ele faz, não é porque ele

    tem o melhor equipamento, porque as fábricas fazem as objetivas que ele quer,

    não é por causa disso não, por causa dele, por causa da personalidade dele,

    ele começou como repórter fotográfico, ele começou um cara que saiu do

    interior de Minas.

    P/1 – E que é economista de formação, né?

    R – Coisas que ele fala que me espelha muito.

    P/1 – Tem uma coisa também que eu queria saber de você, Humberto, fotos

    hoje a gente tem cada vez mais influência da foto posada, da foto produzida,

    da foto publicitária, em especial nas revistas invadindo esse terreno do

  • fotojornalismo, que trabalha com flagrante em especial, isso te incomoda? Ou

    não?

    R – Incomodou sim, é porque eu soube separar, as revista periódicas semanais

    são fotos posadas, basicamente são chamados bonecos, eu fiz muito frila para

    Veja, Isto É, aí eu entendi qual é, são fotos posadas, não é foto flagrante,

    dificilmente a Veja publicava um flagrante, só quando era um flagrante muito

    bom. Porque as revistas Veja e Isto É começaram no Brasil, com sucursais em

    Belo Horizonte, como desempregado da Tribuna eu trabalhei muito para a

    sucursal da Isto É em Belo Horizonte, chamava Isto É BH, tinha Isto É Rio de

    Janeiro, Isto É São Paulo, eram fotos direcionadas. O que é que era médico?

    Muito bem, eu punha ele num ambiente e ele olhando para a câmera, às vezes

    não olhando, às vezes trabalhando, mas aquela foto plástica. Hoje foto

    jornalismo qual que é a foto ideal para um jornal hoje? É uma foto que tem

    carga informativa, que você basta olhar para você entender o que está

    acontecendo, e tem uma plasticidade, ser atrativa, o ideal, aí entra o colorido

    que ajuda muito nisso, a essência. Mas você pode ver que hoje no jornalismo

    hoje, não só impresso, como televisivo também, imagens desfocadas são

    apresentadas como fatos reais, as imagens de celular, por exemplo, aquilo não

    tem resolução nenhuma, aquilo não tem foco, aquilo é uma loucura, mas está

    lá, a pancadaria comendo e a foto, aquilo atesta. Então, a carga informativa é o

    que prevalece, tem que prevalecer no jornalismo, não é a plasticidade. No dia

    que a plasticidade valer mais do que a carga informativa deixa de ser

    fotojornalismo, aí é foto, não é fotojornalismo, é fotografia.

    P/1 – Hoje os jornais têm muito assim, embate os repórteres fotográficos

    certamente também, todo mundo tira fotos, as câmeras digitais facilitaram o

    acesso.

    R – Todo mundo é fotógrafo agora.

    P/1 – Aí que eu queria como um sindicalista que você foi, você analisasse essa

    questão do trabalhador nesta área, hoje está mais desvalorizado ou há uma

    valorização? Porque todo mundo tira foto e com uma relativa qualidade.

    R – Isso acontece uma desvalorização dos profissionais. Com o avanço

    tecnológico dos equipamentos, não vai existir o repórter fotográfico, nem o

    repórter cinematográfico, vai existir o profissional de imagem, o futuro é esse.

    As empresas que tem rádio, jornal e TV, vão utilizar o repórter crossmídias, que

    eles chamam, então, ele vai fotografar, ele vai filmar, ou seja, uma filmadora

    hoje, já existem filmadoras em que você filma normal, você faz um frame, com

    resolução suficiente para publicar foto no jornal, existem, são caríssimas, mas

    existem. Então, o futuro é esse, um barateamento desse equipamento, então, a

    câmera vai fotografar e filmar ao mesmo tempo, você vai ter a imagem no

  • jornal com qualidade, vai ter imagem na TV, e o repórter vai escrever para site,

    vai escrever o texto diferenciado para site, para TV, para rádio, para jornal. Isso

    já acontece na Europa, a Yula Rocha do SBT, todas as imagens que você vê

    dela ela mesmo posiciona a câmera no tripé e filma ela mesma, ela filma, faz

    matéria para o SBT, correspondente do SBT, corre e faz três textos, um texto

    para site, um texto para o não sei o que, um para rádio, é isso. Eu conheci ela

    em Belo Horizonte, trabalhou em Belo Horizonte. O futuro é esse. Agora a

    câmera digital melhorou muito a vida de todo mundo, mas o problema da

    câmera digital, desculpe interromper e acrescentando o problema de guardar

    isso, como é que você vai guardar milhões de megapixels, gigabytes, o que

    está acontecendo é que os jornais estão deletando, se o fotógrafo não guardar

    o seu próprio trabalho vai ser tudo perdido. Porque um trabalho, por exemplo,

    que você faz você escolhe de cada pauta, no jogo de futebol, por exemplo,

    você guarda 20 imagens o resto é tudo deletado, numa passeata não é tudo

    guardado, às vezes essa foto guardada, esse livro, por exemplo, muitas fotos

    dessas foram recusadas de ser publicadas, que estão aqui, por quê? Porque

    tem os negativos originais, diferente da digital não tem original, se você não

    guardar não vai existir original, então o problema do equipamento digital é

    esse, a memória visual que pode estar sendo perdida.

    P/1 – Você ganhou prêmios como fotógrafo de jornal?

    R – Ganhei alguns prêmios. O primeiro foi um desfile militar em Juiz de Fora,

    um prêmio da Nikon, Photo Contest, do menino vestido de militar, como militar

    mesmo em frente ao tanque, em frente a um carro bélico. A outra é uma

    história interessante, que eu trouxe aqui que eu vou mostrar para vocês, todo

    ano a gente fazia a Procissão de Ressureição em Ouro Preto, que aconteceu

    até pouco tempo, onde as pessoas de madrugada enfeitam as ruas com

    serragem coloridas, e fazer aquelas imagens de Ouro Preto. Muito bem, a

    gente saía de Belo Horizonte quatro horas da manhã para chegar lá as seis,

    para pegar as pessoas fazendo isso e depois a procissão no início da manhã.

    E todas essas pautas a gente sempre está com dois ou três fotógrafos dos

    jornais diários de Belo Horizonte junto com você, futebol trabalhava demais, no

    Mineirão, por exemplo, a gente ficava um ao lado do outro, pela restrição do

    espaço a gente sempre fotografava a mesma coisa, às vezes no dia seguinte

    saía a mesma foto, mesmo lance de futebol, e em Ouro Preto também, todo

    mundo junto. Inclusive eu queria fazer um parêntese antes de contar essas

    história, você só tem a oportunidade de ser um profissional, jornalista impresso,

    jornalista de texto ou repórter fotográfico pleno, se você trabalhar com

    concorrência do lado. Se você não trabalha com concorrência do lado, igual

    aqui em Juiz de Fora às vezes, você trabalha sozinho, você faz o que quer e

    todo mundo acha bonito, agora a comparação com as edições, aí sim que vai

    engrandecer você, que você vai crescer, que você vai entender. Bem! Eu

    chegando em Ouro Preto, fiz algumas fotos do pessoal como sempre arrumado

  • as ruas e tal, e as sete horas da manhã na primeira missa na Igreja do Pilar,

    vejo uma quantidade de crianças vestida de anjo, que é uma tradição, as

    crianças morrendo de sono, todo mundo lá, e as mães juntos, na hora que eu vi

    eu tive uma ideia, tinha um grupo de mães, devia ser do mesmo bairro, uma

    coisa assim, aí eu pedi autorização para levar as crianças numa rua para fazer

    uma foto. E eu fiz a foto das crianças descendo a rua, os outros fotógrafos dos

    outros jornais viram eu fazendo isso, então com o respeito profissional eles não

    fizeram também, é uma coisa que eu produzi. Bem! Eu já tenho um diferencial,

    vou chegar em Belo Horizonte já tenho uma foto diferente, então vendi essa

    foto para capa do jornal, essa foto é a foto diferencial minha, aí chega o editor

    da primeira liga para mim: “Infelizmente não vai dar para publicar essa foto”

    “Mas por quê?” “Porque foi vetada pelo editor” e como o jornal era da Igreja

    Universal do Reino de Deus, a gente já sabia que não podia sair foto de padre,

    de cruz, de imagem nenhuma, mas de anjo eu não sabia, e anjo também não

    podia, eu fiquei chateado, porque aquilo era a foto diferencial minha. Bem!

    Passado uns oito meses, eu escrevi essa foto num PNT internacional, o maior

    concurso internacional de fotojornalismo, World Press com sede na Holanda, e

    eu ganhei menção honrosa, na hora que a direção do jornal soube que eu

    ganhei uma menção honrosa no World Press, aí eles fizeram uma matéria

    comigo, publicaram a foto, aí sim eles publicaram a foto. “O fotógrafo do jornal

    Hoje Em Dia ganha prêmio internacional”, ou seja, para o dia-a-dia não pode,

    mas para prêmio pode.

    P/1 – Humberto você falou que ficou 13 anos no Hoje em Dia, como você saiu

    de lá? Por que saiu? Como deu a saída de lá?

    R – Eu sai do Jornal Hoje Em Dia por uma contenção de despesa da firma,

    quando uma empresa faz um corte eles vão na folha de pagamento, eu como

    era editor adjunto, eu tinha um salário razoável, bom, razoável, para Juiz de

    Fora muito bom, para BH razoável. Aí, foram oito editores adjuntos mandado

    embora que uma vez só, aí eu fazia a mesma coisa quando eu fiquei

    desempregado da Tribuna lá, ia começar a fazer substituição de férias do

    outros jornais, porque eu aprendi uma coisa quando se trabalha com

    concorrência, você sempre respeitar os colegas de trabalho. Você nunca vai

    brigar com outro fotógrafo do jornal concorrente, porque um dia você pode ser

    colega dele, não pode brigar com ele, você tem que ajudar ele, a gente se

    ajudava uns aos outros. Aí, eu fiquei desempregado, um outro fotógrafo que

    também estava desempregado, que trabalhávamos juntos, a gente até tinha

    combinado de fazer alguma coisa, ele tinha um estúdio fotográfico na Savassi,

    então nós combinamos, eu faço foto das coisas externas e você faz as fotos de

    estúdio, vai fazendo, vai vivendo. Aí, quando eu soube que em Juiz de Fora ia

    nascer um novo jornal. Inclusive esse negócio de nascer jornal já virou parte da

    minha vida profissional, porque primeira equipe da Tribuna, depois a Tribuna

    em BH, é outra redação nova, o Jornal Hoje Em Dia ele tinha um ano só,

  • depois o Jornal Panorama em Juiz de Fora. Eu soube que um empresário de

    Leopoldina estava abrindo um jornal, comprou a concessão da TV Globo em

    Juiz de Fora, estava montando um jornal e uma rádio. A minha mulher sempre

    quis voltar para Juiz de Fora, ela sempre falou isso comigo, eu ponderei, nós

    ponderamos, meus pais já velhos, e a questão de segurança em Belo

    Horizonte estava ficando pesado. Eu comprei uma casa com financiamento de

    Caixa e cada vez mais aumentava muro, e punha rede, punha cerca, cada vez

    mais, aumentou muito a questão da violência e de assalto em Belo Horizonte,

    então estava me assustando um pouco, em determinados horários você não

    podia estar em determinados lugares em Belo Horizonte, coisa de cidade

    grande. Fiquei sabendo desse jornal, aí fiquei sabendo que estava

    regimentando currículos, eu entrei o meu currículo Fritz Utzeri, e ele me

    contratou como editor de fotografia do Jornal Panorama, foi quando eu voltei

    para Juiz de Fora em 2004.

    P/1 – Como é que foi essa sua experiência no Jornal Panorama?

    R – Foi a mesma experiência da Tribuna, muito parecida, nascendo um jornal,

    como o próprio editor falou: é você pilotar um avião em aprendizagem, deslocar

    o avião no ar em aprendizagem. Como eu já estava acostumado, eu tinha uma

    bagagem, foi uma experiência interessante também, foi muito estressante,

    Christina, muito estressante, porque a gente lidava com profissionais, que pelo

    fato de não ter vivência em grande imprensa, as vezes esbarrava em ideias

    antagônicas. Eu pedi para fotografia ficar dentro da redação, não, eles

    isolaram, eu comecei a brigar com isso, deixa a fotografia dentro, são três

    terminais só, põe dentro da redação, não, tem ficar longe, aí ficava afastado,

    por que afastado da redação? Eu queria que fosse lá dentro, que é uma coisa

    só, o veículo é um só. No princípio foi duro para todo mundo, muita gente tinha

    saído da Tribuna para ingressar lá, pessoas competentes, muito interessantes,

    que eu aprendi a conviver muito, aprendi a admirar também. E a Panorama

    nasceu, você lembra muito bem, Christina, como nasceu, a gente a serviço

    fazendo um jornal novo, dentro de um mercado de quase 25 anos de um outro

    jornal. Foi interessante aquela mudança de standard para tabloide, aquela

    loucura toda.

    P/1 – Quando tempo você ficou?

    R – Fiquei lá três anos e quatro meses, acabou com o Panorama ele

    transformou no JF Hoje. Aí eu saí junto com o Panorama, o Panorama acabou

    eu saí junto com o Panorama.

    P/1 – Mas você sentia muitas mudanças nas rotinas do jornal Panorama para

    aquelas que você tinha vivenciado na década de 80, da Tribuna devia ter muita

    diferença.

  • R – A diferença básica era o deadline, na Tribuna você tinha um tempo maior,

    ali você tinha que resolver aquilo ali e acabou.

    P/1 – E o jornal também não era impresso aqui, era impresso no Rio de

    Janeiro.

    R – Exatamente, tinha esse problema também, às vezes dava problema de

    transmissão, você transmitia o jornal via internet.

    P/1 – Tinha uma coisa curiosa, quer dizer, você montava o jornal todo aqui,

    diagramava, mas já tudo digitalmente, enviava pela internet, o jornal ele era

    rodado em gráfica no Rio de Janeiro, e depois a distribuição era feita por

    carros, por uma logística.

    R – Era outro problema também, às vezes não chegava o jornal, às vezes

    chegava todo borrado, eles falavam, que começou a roda no Globo, que o

    Jornal Panorama era o aquecimento para o Globo, para as máquinas do Globo

    (risos) servia para aquecer as rotativos do Globo.

    P/1 – Você não chegou a trabalhar com linotipo, não? Sempre offset.

    R – Sempre offset, eu cheguei a ver linotipo no Diário Mercantil, cheguei a ver

    a chumbeira, eu já peguei com offset, a foto era transformada no PMT, que era

    impresso na chapa para ser gravada a chapa por offset, o Juracy inovou nisso,

    no offset.

    P/1 – Humberto pensando nessa carreira, você nunca chegou a dar aula não?

    R – Não, eu até tentei uma vez, eu tentei ser professor numa faculdade

    particular, mas aí na hora lá eles preferiram pessoas que tinham pós-

    graduação, e eu não tinha o título de pós-graduação.

    P/1 – Só experiência.

    R – Exatamente.

    P/1 – O que é que você gosta de fazer além de trabalhar?

    R – Além de trabalhar? Fotografar. (risos)

    P/1 – Não tem a separação de trabalho e lazer para você?

  • R – Tem sim, agora com uma certa idade eu já estou começando a separar

    sim, mas sempre que possível eu carrego a máquina e faço umas fotos ainda.

    Estou procurando, estou fazendo um ensaio fotográfico da Praça da Estação,

    já tem um bom tempo, pelo fato de eu gostar muito da Praça da Estação desde

    a época que o meu pai tinha a loja lá. Então, estou fazendo um ensaio, aos

    poucos fazendo um conjunto de fotos bem interessantes da Praça da Estação.

    Eu estou muito preocupado com a Praça da Estação, eu tenho medo da Praça

    da Estação pegar fogo, porque aquilo se você olhar direitinho, aquilo parece

    que se pegar fogo num prédio vai pegar em tudo, eu estou muito preocupado,

    outro dia, ótima notícia, eu vi uns tapumes na frente da Associação Comercial,

    falei: que ótimo eles estão reformando aqui, tem um prédio ao lado da

    Associação Comercial, parece que vai pegar fogo a qualquer momento, eu

    estou preocupado com aquilo. A Praça da Estação não é valorizada porque é

    uma região de tráfego, na verdade Juiz de Fora é separada por uma linha de

    trem e um rio, ali passa todo mundo. Então, a Praça da Estação é lugar de

    mendigo, até hoje é, de prostituta, até hoje, mas não deixa de ter a importância

    dela, foi ali que nasceu a cidade praticamente.

    P/1 – Agora você também teve uma experiência mais com assessoria de

    comunicação, que nós até tínhamos esquecido de falar, é muito diferente.

    R – Depois que eu saí do Panorama eu fiquei de freelancer, fiz muito freelancer

    para o Estado de Minas, o Estado de Minas tinha um caderno comercial eu

    fiquei muito tempo. Depois eu fui chamado para trabalhar na campanha do

    Custódio em 2008, e eu comecei a trabalhar na campanha do Custódio, fui o

    único fotógrafo da campanha, e ele ganhando eu entrei na prefeitura, e fiquei

    quatro anos trabalhando como assessoria de imprensa. Primeira experiência

    minha de fotógrafo de assessoria de imprensa, foi a primeira vez, quatro anos

    na prefeitura.

    P/1 – Aí um enquadramento totalmente diferente.

    R – Totalmente uma foto direcionada.

    P/1 – Que dialoga mais com publicitário?

    R – Mais ligado ao publicitário, exatamente. Inclusive fizemos todas as fotos,

    da publicidade da prefeitura nesses quatro anos, fora um caderno da Avenida

    Rio Branco, foram todos feitos por nós, era eu e mais um fotógrafo e no final da

    gestão mais um fotógrafo, porque estava bombando de serviço.

    P/1 – Se você pudesse mudar alguma coisa na sua vida o que é que você

    mudaria?

  • R – Isso no passado ou agora?

    P/1 – Hoje, se você olhasse para trás mudaria alguma coisa?

    R – Sim, porque a gente tem uns arrependimentos, mas atualmente o que

    mudaria: às vezes a minha forma de ser muito sincera, às vezes eu sou muito

    intransigente, muito sincero e perco amizades com isso, às vezes sou muito

    sincero e direto, um pouco intransigente, mais velho estou ficando sem

    paciência com certas hipocrisias. (risos)

    P/1 – Você tem algum sonho assim? O maior sonho hoje, nesse momento, não

    é do passado, agora.

    R – Agora? Viajar, para países que eu não conheci, porque quando eu fiz

    futebol, quando eu cobria futebol, setorizei na Hoje Em Dia muito anos.

    Setorizei em esportes, em conheci a América do Sul todinha, fazendo futebol,

    Mercosul e Copa Conmenbol fazia muito, viajava muito. Teve uma vez que eu

    peguei nove aviões em uma semana, com esse equipamento digital, fazia

    campeonato brasileiro, você vai para São Paulo, vai para Criciúma,

    campeonato brasileiro o Atlético estava jogando, Porto Alegre, depois vai para

    Buenos Aires, e depois você vai para Santiago do Chile, é assim, eu acordava

    dentro do avião e não sabia onde eu estava, era comum isso, entendeu? Uma

    pauleira danada. Eu gostaria de contar um caso interessante para vocês, há

    pouco tempo, no dia 11 de setembro, passado se comemorou 40 anos do

    golpe militar no Chile, eu tive uma experiência interessante lá. Na época que

    não tinha internet você transmitia as fotos via