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ESCOLA ESTADUAL BRASIL LIMEIRA/SP. PROF.ª.: MAGALÍ ALVES PEREIRA DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA TURMA: 5ª. SÉRIE 3 Nº. DE ALUNOS: 33 A E.E. Brasil situa-se na região central de Limeira/SP. É a escola mais antiga em funcionamento da cidade. Em maio próximo completará 75 anos. Os alunos desta unidade escolar, mais especificamente desta sala (5ª. 3) são de vários bairros da cidade com famílias de baixo poder aquisitivo. Logo na primeira semana de aula apliquei uma avaliação diagnóstica e pude constatar que a maioria apresenta grandes dificuldades, tanto na escrita como na leitura. Foi por esse motivo que resolvi mudar minha prática de ensino. Mesmo não tendo lido todos os livros da especialista em Didática de Língua Materna no contexto da Oficina de Cooperação Lingüística e Educativa da Embaixada da França no Chile (1992- 1993) e da Oficina Regional da UNESCO – OREALC (1994-1996), JOSETTE JOLIBER, dei início a essa prática, por ela divulgada na América do Sul. Primeiro perguntei aos alunos o que eles gostariam de aprender na escola, agora que já estavam na 5ª. Série. Responderam que queriam aprender a ler e escrever. Com essa resposta, perguntei-lhes: “mas vocês ainda não sabem ler e escrever?” responderam que sim, mas precisavam melhorar. “O que podemos fazer para melhorar?”

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ESCOLA ESTADUAL BRASILLIMEIRA/SP.PROF.ª.: MAGALÍ ALVES PEREIRADISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESATURMA: 5ª. SÉRIE 3Nº. DE ALUNOS: 33

A E.E. Brasil situa-se na região central de Limeira/SP. É a escola mais antiga em funcionamento da cidade. Em maio próximo completará 75 anos. Os alunos desta unidade escolar, mais especificamente desta sala (5ª. 3)são de vários bairros da cidade com famílias de baixo poder aquisitivo. Logo na primeira semana de aula apliquei uma avaliação diagnóstica e pude constatar que a maioria apresenta grandes dificuldades, tanto na escrita como na leitura. Foi por esse motivo que resolvi mudar minha prática de ensino. Mesmo não tendo lido todos os livros da especialista em Didática de Língua Materna no contexto da Oficina de Cooperação Lingüística e Educativa da Embaixada da França no Chile (1992-1993) e da Oficina Regional da UNESCO – OREALC (1994-1996), JOSETTE JOLIBER, dei início a essa prática, por ela divulgada na América do Sul. Primeiro perguntei aos alunos o que eles gostariam de aprender na escola, agora que já estavam na 5ª. Série. Responderam que queriam aprender a ler e escrever. Com essa resposta, perguntei-lhes: “mas vocês ainda não sabem ler e escrever?” responderam que sim, mas precisavam melhorar. “O que podemos fazer para melhorar?” inqueri. A grande maioria respondeu que poderíamos trabalhar os diversos tipos de textos, tais como:

Textos narrativos Textos informativos Textos poéticos Histórias em quadrinhos

Perguntei-lhes o que mais poderíamos aprender com esses textos além da leitura e da escrita? Ao que responderam:

Ortografia Pontuação Interpretação de textos Tempos verbais

Confesso que os induzi ou levei-os a perceberem sobre a importância dos tempos verbais e foi por isso que o citaram.

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Num segundo momento (2º. Dia de aula), depois da tempestade de idéias perguntei-lhes por qual dos textos iniciaríamos nosso projeto. Como não houve unanimidade, foi preciso agir democraticamente, através de eleição. A maioria optou por iniciarmos com os textos narrativos. Nesse momento perguntei se eles sabiam identificar um texto narrativo. Responderam que sim. “Quais são os elementos de um texto narrativo?” perguntei-lhes. Pensaram um pouco até entenderem bem a pergunta e responderam: narrador, personagens e ambiente. A partir daí esboçamos a estrutura do texto ou a silhueta conforme Josette Joliber. ESTRUTURA DO TEXTO NARRATIVOversão de um conto popular de Ricardo Azevedo), fazendo perguntas:P- O que vocês entendem por rei? personagem (participa da história)Narrador observador (não participa da história)

PersonagensEnredoEspaçoTempoFoco narrativo

Para chegarmos a estrutura acima, houve várias perguntas. O mais importante foi que os próprios alunos chegaram às respostas, isto é, eles mesmos fizeram a estrutura, embora usando os termos “começo, meio e fim, ambiente, 1ª. e 3ª. Pessoa”, para enredo, espaço e foco narrativo, respectivamente. Percebi que estavam felizes por participarem da aula e não serem somente, meros receptadores ou espectadores. Em seguida li o título da história que iria contar “O rei que virou vaca” (A- Uma pessoa que manda nos outros.A- Quem manda no castelo.P- Reis só existem nas histórias ou na vida real também?A- Existe na vida real também.P- Em que lugar ou país existe rei?A- Portugal, Inglaterra, França, Índia, Egito.P- Como uma pessoa torna-se rei?A- Nasci filho de um rei.P- E antes, esse rei nasceu de quem?A- De outro rei.P- E antes?

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A- Teve votação.A- Essa pessoa fez um ato e tornou-se rei.P- Que tipo de ato poderia ser?A- Ah! Algo muito importante.P- Voltando ao título do texto, é possível um rei virar vaca?A- Não.A- Sim.P- Como?A- Ele pode ter sido enfeitiçado. Encerrando a aula pedi como tarefa que pesquisassem sobre os sistemas de governo dos países que citaram acima. No dia seguinte levaram a tarefa e ficaram surpresos por saberem que o sistema de governo dos países: Portugal, Egito e Índia eram o Republicano, Inglaterra-Monarquia Parlamentar e França República com sistema misto. Perguntei-lhes se sabiam onde situavam esses países. Uns não sabiam, outros mais ou menos. Levei o mapa para sala de aula para que pudessem saber a localidade de cada um. Em seguida fiz uma breve explanação sobre os dois sistemas de governo. E a professora de História completou, reforçando o assunto em sua aula. Continuando com a história que até então só havia dado o título, contei-a de um modo peculiar, como uma “contadora de história”. Percebendo a ansiedade nos olhinhos de cada um, não revelei o final. Pedi que imaginassem e escrevessem qual seria o possível final. Na aula seguinte estavam curiosos para saber se o final da história seria parecido com o final que eles imaginaram. Somente dois escreveram o mesmo final do autor e ficaram felicíssimos. Em seguida entreguei uma cópia do texto a cada um que, num primeiro momento, fizeram a leitura silenciosa, em seguida a oral. Cada um leu um pequeno trecho. Fizemos o levantamento do vocabulário e perguntei-lhes: P- Que tipo de texto acabamos de ler? A- Narrativo. P- Por que vocês acham que narrativo? A- Porque tem alguém contando a história. Tem personagens, enredo, foco narrativo. P- Então podemos dizer que este texto pertence à tipologia relatar? A- Sim. P- Quais são os tipos de textos “tipologia relatar” que vocês conhecem? A- Carta, conto. P- Só?

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A- Acho que sim. P- Ta! Mas esse texto que acabamos de ler é uma carta ou é um conto? A- Um conto. P- Quais são os tipos de contos que vocês conhecem? A- Contos de fadas. P- Só? Esse, que acabamos de ler é um conto de fadas? A- Não. P- Que tipo é? Depois de muito pensarem, somente um respondeu A- É conto popular. P- E o que é conto popular? A- É uma história que todo mundo conhece. P- Podemos encontrar essas histórias em revistas? A- Não. P- Onde podemos encontrá-las? A- Em livros de História. P- Que tipo de livro de História? Do Brasil? História Geral? A- Histórias Populares. P- E vocês conhecem esses livros? A- Não. A- Sim. P- Qual ou quais? A- Chapeuzinho Vermelho. P- Conhecem outros? A- Cinderela. A- Os Três Porquinhos. P- Contos populares são só esses, desse tipo? A- Não. P- A história que lemos (O rei que virou vaca) é igual a essas que vocês citaram? A- Não.

Como tarefa foi pedido que levassem, por escrito, histórias contadas pelos familiares. No dia seguinte, os alunos contaram as histórias para os colegas. Confesso que fiquei decepcionada, pois além de virem com as histórias: Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos etc, essas histórias que já estamos acostumados a ouvir, eles contaram baixinho (estavam muito acanhados, tímidos).

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Uma aluna chegou bem pertinho de mim e disse que nem a mãe, nem o pai conheciam uma história que pudesse contar, por isso ela não havia feito a tarefa. Nesse momento pensei na socialização, uma idéia que alguém já havia me passado. Para aumentar o repertório de contos populares, selecionei vários livros para fazerem uma coletânea desses contos. A princípio estamos pensando em convidar os familiares para “uma tarde de contos” ou ainda fazer uma apresentação desses contos no aniversário da escola. Os contos escolhidos pelos alunos foram estes:

O REI ANDRADA

Havia um rei de nome Andrada, que tinha três filhas, e lhes disse que o que sonhassem, lhe contassem todos os dias pela manhã. Uma delas logo no dia seguinte contou ao rei um sonho que foi o seguinte: “Sonhei que havia de mudar de estado nestes poucos dias, e cinco reis haviam de me beijar a mão, e entre eles El-rei meu pai.” O rei ficou muito zangado com a filha e ordenou que, se de novo sonhasse aquilo, não contasse mais, senão a mandaria matar. A moça tornou a sonhar coisa semelhante, e pela manhã, apesar de lhe rogarem as irmãs, ela contou o sonho ao pai. Ele mandou matá-la, e cortar-lhe o dedo mindinho, que o matadores lhe deviam trazer. Os criados do rei levaram a princesa para um ermo, e tivera pena de matá-la: cortaram-lhe somente o dedo, que levaram ao rei, deixando a moça nas brenhas. Ela começou a caminhar, e, muito longe, encontrou um buraco, e entrou por ele adentro e, quanto mais entrava, mais o buraco se alargava, até que ela foi dar num rico palácio. Aí ela tinha o almoço, o jantar e a ceia, sem ver ninguém, porque o palácio era encantado. Apenas ela ouvia, de um quarto que estava fechado, falar um papagaio. Depois de alguns dias, apareceu-lhe um lindo moço, que lhe deu a chave do quarto e disse que o abrisse e respondesse ao papagaio coisas que fizesse sentido ao que ele dissesse. O moço desapareceu. A princesa abriu a camarinha, e de asas douradas, ficou muito alegre, sacudindo-se todo e disse: “Como vem a filha Do rei Andrada, Tão bonita, Tão formosa, E tão ornada!” _ Oh! Meu papagaio dourado, Eu das tuas ricas penas Pretendo fazer um toucado. Aí o papagaio desencantou-se no lindo moço que dantes lhe tinha aparecido, o qual moço mandou logo vir um padre e se casou com a princesa, mandando convidar cinco reis que no cortejo beijaram a mão de sua noiva. No meio deles veio o Rei Andrada. Todos ou outros beijaram a mão da princesa e quando chegou a vez do Rei Andrada, a nova rainha não lhe quis dar a mão; pelo que ele ficou muito injuriado, e foi queixar-se ao rei seu amigo, o dono da casa. O noivo, indo perguntar a razão daquilo, a moça lhe contou a sua história, o que sabendo o Rei Andrada foi pedir perdão à sua filha.

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A INCAPACIDADE DE SER VERDADEIRO

Paulo tinha fama de ser mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça: _ Não há nada a fazer, Dona Colo. Este menino é mesmo um caso de poesia.

Carlos Drummond de Andrade

ESTES CONTOS

Há muita coisa a emendar em meus contos. Às vezes eles saem totalmente ao contrário daquilo que pretendiam contar. Costumam até ficar melhor; mas nem sempre. Certos contos, os mais simples, parecem inverossímeis, e os inverossímeis, pois também escrevi alguns desta natureza, despertaram o comentário: “Daí, quem sabe? Tudo pode acontecer.” Tenho a impressão de que tudo pode mesmo acontecer em matéria de contos, ou melhor, no interior deles. Houve um que se recusou a terminar, como se dissesse: “Fica tão bom assim... Só você não percebe isto.” Duas historietas exigiram que as concluísse confessando minha incapacidade de contista. Como eu me recusasse a atendê-la, retrucaram: “Não faz mal. Não é preciso confessar; todos sabem.” Só um de meus contos me acompanha por toda parte, ao jeito de gato fiel, sem que o faça para pedir alimento. É um continho bobo, anão, contente da vida . Vai no meu bolso. Não o leio para ninguém. Seu calor me agasalha, já não me lembra o que diz, pois nunca o releio, mas sei que é raríssimo o texto que seja amigo é um continho em branco, de enredo singelo, passado todo ele na antena esquerda de um gafanhoto.

Carlos Drummond de Andrade.A MELHOR OPÇÃO

Todos começaram a dizer que o ouro é a melhor opção de investimento. Fernão Soropita deixou-se convencer e, não tendo recursos bastantes para investir na Bolsa de Zurique, mandou fazer uma dentadura de ouro maciço. Substituir sua dentadura convencional por outra, preciosa e ridícula, valeu-lhe aborrecimentos. O protético não queria aceitar a encomenda; mesmo se esforçando por executá-la com perfeição, o resultado foi insatisfatório. O aparelho não aderia à boca. Seu peso era demasiado. A cada correção diminuía o valor em ouro. E o ouro subindo de cotação no mercado internacional.

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O pior é que Fernão passou a ter medo de todos que se aproximava dele. O receio de ser assaltado não o abandonava. Deixou de sorrir e até de abrir a boca. Na calçada a moça lhe perguntou onde ficava a Rua Gonçalves Dias. Respondeu, inadvertidamente, e a moça ficou fascinada pelo brilho do ouro ao sol. Daí resultou uma relação amorosa, mas Fernão não foi feliz. A jovem apaixonara-se pela dentadura e não por ele. Mal se tornaram íntimos, arrancou-lhe a dentadura enquanto ele dormia, e desapareceu com ela.

Carlos Drummond de Andrade. A LEBRE E O COMERCIANTE

Um dia uma lebre ofereceu um banquete aos pássaros, seus vizinhos: ao delicado tordo, ao melro com a sua voz de ouro, e ao grave corvo. Beberam, cantaram e estavam muito alegres. De repente a lebre teve uma idéia e disse: _ Passamos um belo dia, mas podemo-nos divertir ainda mais. Querem ir pregar uma partida a uma pessoa que eu conheço?... _ Sim!Sim! – responderam em coro. A lebre disse então para o corvo: _ Vês além ao pé da montanha, sentados em frente duma tenda de yak-hair dois homens, um gordo e outro magro? Eles são gananciosos. São comerciantes de pele e de pássaros e todos os anos vêm à nossa estepe para fazer fortuna. Olha como eles avidamente, calculam os seus lucros no ábaco. Irmão corvo atreves-te a ir pousar na cabeça do mais gordo? _ Claro, nada mais difícil – respondeu o corvo. _ Se conseguires, teremos um espetáculo divertidíssimo. Mas lembra-te disto: A primeira vez que te colocares sobre a cabeça do homem gordo, ele com certeza gritará: “Oh! Infelicidade! Um corvo empoleirou-se na minha cabeça. Amigo, que esperas para afugentá-lo!” E assim que o seu amigo magro companheiro vier em seu socorro, tu voarás! Depois voltarás segunda vez a pousar na cabeça do gordo e logo que este comece a gritar, o magro quererá bater-te com o ábaco, mas tu voarás rapidamente! E é então que nós riremos! E imediatamente o corvo partiu para se empoleirar na cabeça do mais atarracado dos comerciantes, que contorceu o rosto e gritou bem forte: _ Oh, que infelicidade! Um corvo empoleirou-se em minha cabeça. Amigo, afugenta-o, depressa! _ O seu débil companheiro agitou o livro de contas para afastar o corvo que ao seu gesto, voou bem depressa e se pôs as voltas por cima da careca do gordo comerciante. Este, com a testa enrugada, foi sentar-se ao lado de seu companheiro e recomeçou os cálculos no ábaco. Daí a pouco o corvo voltou a empoleirar-se na careca do gordo, que gritou: _ Oh, que infelicidade! O corvo voltou a posar na minha cabeça. És cego amigo! Por que não lhe bates? Depressa, mata-o! Diante de tanta ansiedade e impaciência, o seu companheiro perdeu o sangue frio, levantou o ábaco e lançou-o ao animal. Mas em vez de lhe acertar, pois o corvo já tinha fugido, o ábaco foi cair, bem no meio, na careca do gordo. Imediatamente um fio de sangue lhe começou a escorrer pela cara abaixo.

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A lebre sentiu-se vingada. Os pássaros que presenciaram a cena desataram em tais gargalhadas, que caíram dos ramos em que estavam empoleirados e a lebre rebolou-se pela grama em ruidosa alegria. Quando o corvo voltou, continuaram a festa cantando ao desafio. Quanto aos dois gananciosos comerciantes, não puderam continuar com as suas contas. Ao gordo homenzinho foi preciso mais de um mês para se recompor do golpe de ábaco. Conto Tibetano

MARKETING

Desde menina gostava de se promover. Antes de andar já ensaiava graciosos passos de dança. Crescendo, aceitou com alegria o título de rainha do clube, e depois, de oradora da turma. Com raro entusiasmo falava de si própria em alto tom de voz, enaltecendo as inúmeras qualidades. Gostava de cores berrantes, vestidos exóticos, jóias vistosas. Uma noite, usando o último recurso, luminosa, anunciou-se em néon.

NOTURNO

O violino, com o fino anzol da música, fisgou a lua no fundo do rio e a manteve suspensa por alguns compassos. Na primeira pausa, a lua, sobre a água, derramou-se em prata.

CLARIDADE

A mulher chegou para o marido com o rosto completamente iluminado e ele se irritou porque há muito se esquecera como e onde se acendia essa luz. E por mais que se esforçasse não conseguiu se lembrar. A mulher iluminada foi se deitar ao seu lado e ele passou a noite sem dormir porque se acostumara ao escuro.

MÃE

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A mãe tinha muitos filhos. Observando que as crianças cresciam colocou-lhes sobre a cabeça pesada pedra que as manteria sempre do mesmo tamanho. Media cuidadosamente cada uma todos os anos e verificando que elas permaneciam sempre da mesma altura, contente, entregou-se inteira ao exercício de sua vocação.

BIBLIOTECA

Solteira, fez dos livros sua única paixão. Comprava as coleções mais raras, mal acabavam de ser editadas, e amorosamente guardava-as na vastíssima estante. Horas e horas dedicava-se a organizar as filas perfeitas, livres de poeiras, em absoluta ordem de cor e tamanho. Quando morreu, a herdeira verificou que os livros, envoltos em fino papel, jamais lidos, haviam-se mantidos intocados, preservados, virgens.

FALSA PRISÃO

Era filha única e pensava que o mundo era muito pequeno. Desde o seu nascimento cercaram-na por uma redoma que além de protegê-la de muitos perigos a manteria fora do alcance dos homens quando crescesse, o que não impediu que mesmo assim fosse vista e escolhida e o noivo, disposto a qualquer sacrifício, se dispusesse a conservá-la em sua cristalina prisão. Do pequeno espaço onde se mantinha presa ela via o horizonte e a paisagem ao redor onde pessoas de moviam fora de seu alcance. Por longo tempo imaginou a liberdade do vento e invejou a trajetória das nuvens. Até que inesperadamente resolveu escapar, o que só conseguira com o impacto de seu próprio corpo arremessado contra as transparentes paredes, mesmo que para isso se retalhasse entre os cacos. Foi então que, experimentando o medo e a coragem, verificou surpresa que a redoma, feita de tênue papel, se rompeu ao primeiro contato, deixando-a completamente liberta sem o mais leve corte ou o menor sofrimento. Inteira e sem limites ganhou o horizonte.

A RÃ QUE QUERIA SER UMA RÃ AUTÊNTICA

Era uma vez uma rã que queria ser uma rã autêntica, e todos os dias se esforçava para isso. No começo ela comprou um espelho onde se olhava longamente procurando sua almejada autenticidade. Algumas vezes parecia encontrá-la e outras não, de acordo com o humor desse dia e da hora, até que se cansou disso e guardou o espelho num baú. Finalmente, ela pensou que a única maneira de conhecer seu próprio valor estava na opinião das pessoas, e começou a se pentear e a se vestir e a se despir (quando não

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lhe restava nenhum outro recurso) para saber se os outros a aprovavam e reconheciam que era uma Rã autêntica. Um dia observou que o que mais admiravam nela era seu corpo, especialmente suas pernas, de forma que se dedicou a fazer exercícios e a pular para ter ancas cada vez melhores, e sentia que todos a aplaudiam. E assim continuava fazendo esforços até que, disposta a qualquer coisa para conseguir que a considerassem uma Rã autêntica, deixava que lhe arrancassem as ancas, e os outros as comiam, e ela ainda chegava a ouvir com amargura quando diziam: que ótima Rã, até parece Frango.

A DESFORRA DO COELHO

Há muitos, muitos anos havia um coelho que vivia perto de um leão. Se bem que vizinhos, não viviam em boa harmonia. O leão era orgulhoso e gostava muito de se vangloriar da sua força. Menosprezava muito o coelho, insultava-o e ameaçava-o. O coelho pensou então em vingar-se desta arrogância insuportável. E um dia disse para o leão: Bom dia, ilustre irmão! Imagina tu que outro dia encontrei um animal que se parecia exatamente contigo e que me disse: Sabes de alguém que fosse capaz de lutar comigo? Se sim, ele que venha ter comigo e faremos um duelo. Se não houver ninguém com essa coragem, então todos terão que me obedecer e servir! Que intolerável fanfarrão ele era! _ Não lhe falaste de mim? Disse o leão. _ Com certeza que falei – Disse o coelho. _ Mas, mais valia que tivesses sido tu a dizê-lo. Pois quando lhe falei da tua força, pôs-se a rir e afirmou que nem sequer és digno de ser seu criado. Furioso, o leão rugiu: _ Onde é que ele está? Onde é que ele está? Então o coelho levou o leão para detrás de uma montanha e – não se aproximando demasiado – apontou para um poço que era muito profundo e disse: _ Ele está ali dentro do poço. O leão correu de imediato para o poço e lançou um olhar feroz para o buraco. E era verdade! Lá estava o seu rival, tal como o coelho tinha dito – a imagem dele próprio – que até olhava com o mesmo ar feroz. Então ele deu um rugido terrível e o seu adversário fez o mesmo. O leão ficou de tal modo encolerizado, que a sua juba se eriçou e o mesmo aconteceu à do seu inimigo do fundo do poço. O leão mostrou-lhe os dentes e lançou as patas para frente e, no fundo na água, o outro respondeu-lhe da mesma maneira. Então, louco de raiva, de um salto lançou-se para o seu rival dentro do poço. E desta forma, o leão afogou-se, vítima de sua presunção.

Conto Tibetano

TREM FANTASMA

Afinal se confirmou: era leucemia mesmo, a doença de Matias, e a mãe dele mandou me chamar. Chorando, disse-me que o maior desejo de Matias sempre fora

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passear de Trem Fantasma; ela queria satisfazê-lo agora, e contava comigo. Matias tinha nove anos. Eu, dez. Cocei a cabeça. Não se poderia levá-lo ao parque onde funcionava o Trem Fantasma. Teríamos de fazer uma improvisação na própria casa, um antigo palacete nos Moinhos de Vento, de móveis escuros e cortinas de veludo cor de vinho. A mãe de Matias deu-me dinheiro; fui ao parque e andei de Trem Fantasma. Várias vezes. E escrevi tudo no papel, tal como escrevo agora. Fiz também um esquema. De posse destes dados, organizamos o Trem Fantasma. A sessão teve lugar a três de julho de 1956, às vinte e uma horas. O minuano assobiava entre as árvores, mas a casa estava silenciosa. Acordamos o Matias. Tremia de frio. A mãe o envolveu em cobertores. Com todo o cuidado colocamo-lo num carrinho de bebê. Cabia bem tão mirrado estava. Levei-o até o vestíbulo da entrada e ali ficamos, sobre o piso de mármore, à espera. As luzes se apagaram. Eram o sinal. Empurrando o carrinho, precipitei-me a toda velocidade pelo longo corredor. A porta do salão se abriu; entrei por ela. Ali estava a mãe de Matias, disfarçada de bruxa (grossa maquilagem vermelha. Olhos pintados, arregalados. Vestes negras. Sobre o ombro, uma coruja empalhada. Invocava deuses malignos) Dei duas voltas pelo salão, perseguido pela mulher. Matias gritava de susto e de prazer. Voltei ao corredor. Outra porta se abriu – a do banheiro, um velho banheiro com vasos de samambaia e torneiras de bronze polido. Suspenso do chuveiro estava o pai de Matias, enforcado: língua de fora, rosto arroxeado. Saindo dali entrei num quarto de dormir onde estava o irmão de Matias, como esqueleto (sobre o tórax magro, costelas pintadas com tintas fosforescentes; nas mãos, uma corrente enferrujada). Já o gabinete nos revelou as duas irmãs de Matias, apunhaladas (facas enterradas nos peitos; rostos lambuzados de sangue de galinha. Uma estertorava). Assim era o Trem Fantasma, em 1956. Matias estava exausto. O irmão tirou-o de carrinho e, com todo o cuidado, colocou-o na cama. Os pais choravam baixinho. A mãe quis me dar dinheiro. Não aceitei. Corri para casa. Matias morreu algumas semanas depois. Não me lembro de ter andado de Trem Fantasma desde então.

Scliar Moacir

O DEFEITO

Nascera com orelhas feíssimas e procurava ocultá-las sob os longos cabelos. Porém, tão logo descobriam, mudava de cabeleireiro e mudava de amigos e não satisfeita mudava de cidade. Até que, depois de percorrer todas as cidades e trocar todos os amigos, cortou os cabelos bem rentes e pela primeira vez pôde criar laços definitivos.

Simões Maria Lúcia

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O NABO

O vovô plantou um nabo. Chegou a hora de colhê-lo. O velhinho pegou o nabo e puxou e puxou, mas não conseguiu arrancá-lo. O vovô chamou a vovó; a vovó puxou o vovô, e o vovô puxou o nabo. Puxaram e puxaram, mas não conseguiram arrancá-lo. Aí chegou sua neta; ela puxou a avó, a avó puxou o avô, o avô puxou o nabo; puxaram e puxaram, mas não conseguiram arrancá-lo. Aí chegou o cachorrinho; ele puxou a neta, a neta puxou a avó, a avó puxou o avô, o avô puxou o nabo; puxaram e puxaram, mas não conseguiram arrancá-lo. Aí chegou um besouro; ele puxou o cachorrinho, o cachorrinho puxou a neta, a neta puxou a avó, a avó puxou o avô, o avô puxou o nabo; puxaram e puxaram, mas não conseguiram arrancá-lo. Aí chegou outro besouro. O segundo besouro puxou o primeiro, o primeiro besouro puxou o cachorrinho, o cachorrinho puxou a neta, a neta puxou a avó, a avó puxou o avô, o avô puxou o nabo, mas não conseguiram arrancá-lo. Depois foi um terceiro, depois um quarto e depois um quinto besouro. Aí o quinto besouro puxou o quarto, o quarto besouro puxou o terceiro, o terceiro besouro puxou o segundo, o segundo besouro puxou o primeiro, o primeiro puxou o cachorrinho, o cachorrinho puxou a neta, a neta puxou a avó, a avó puxou o avô, o avô puxou o nabo; puxaram e puxaram, e puxaram de novo, e arrancaram o nabo.

Contos de Fadas Russos

A VOLTA DO BODE

Bode, seu bode, onde é que você estava? Pastando com os cavalos. E onde estão os cavalos? Nikolka os levou embora. E onde está Nikolka? Foi para a despensa. E onde está a despensa? Está inundada na água. E onde está a água? Os bois beberam. E onde estão os bois? Foram para a montanha. E onde está a montanha? As minhocas comeram. E onde estão as minhocas? Os gansos comeram. E onde estão os gansos? Foram aos pés de zimbro. E onde estão os pés de zimbro? As mocinhas quebraram. E onde estão as mocinhas? Todas elas se casaram. E onde estão os maridos? Todos eles morreram.

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O JABUTI E A ONÇA

Uma vez a onça ouviu o jabuti tocar a sua gaita debicando outra onça e veio ter com o jabuti e perguntou-lhe: _ Como tocas tão bem na tua gaita? O jabuti respondeu: _ “Eu toco assim a minha gaita: o osso do veado é a minha gaita; ih! ih!” A onça tornou: “A modo que não foi assim que te ouvi tocar!” O jabuti respondeu: _ “Arreda-te mais para lá um pouco; de longe te há de parecer mais bonito.” O jabuti procurou um buraco, pôs-se na soleira da porta, e tocou na gaita: “O osso da onça é a minha gaita, ih! ih!” Quando a onça ouviu, correu para pegá-lo. O jabuti meteu-se pelo buraco adentro. A onça meteu a mão pelo buraco, e apenas lhe agarrou a perna. O jabuti deu uma risada, e disse: _ “Pensavas que agarraste a minha perna e agarraste a raiz de um pau!” A onça disse-lhe: “Deixa-te estar!” Largou então a perna do jabuti. O jabuti riu-se segunda vez e disse: _ “De fato era a minha própria perna.” A grande tola da onça esperou ali, tanto esperou, até que morreu.

ESCRITA A LÁPIS

Era tão apagada que certa vez inadvertidamente a Vida escreveu sobre seu rosto uma nova história pensando tratar-se de uma página em branco. Finalmente ela passou a ter novos pensamentos.

O MACACO E O COELHO

O macaco e o coelho fizeram um contrato para o macaco matar as borboletas e o coelho as cobras. Estando o coelho dormindo, veio o macaco e puxou-lhe pelas orelhas, julgando que eram borboletas. Zangado por esta brincadeira, o coelho jurou vingar-se. Estando o macaco descuidado assentado numa pedra, veio o coelho devagarzinho, arrumou-lhe uma paulada no rabo, e o macaco sarapantado gritou e subiu por uma árvore acima a guinchar. Então o coelho ficou com medo e disse:

Por via das dúvidas, Quero me acautelar; Por baixo das folhas Tenho de morar.

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CARROSSEL

Montada nos cavalinhos descia e subia ao mesmo tempo em que girava ao compasso da música. E presa ao carrossel viajava ao longínquo país da infância.

A MONTANHA

Durante muito tempo olhou de longe a montanha e sonhou conhecê-la. Um dia, liberto dos compromissos, começou a viagem. Mas, à medida que caminhava alteravam-se as cores até que pisou a terra áspera e gretada. Entre névoas e nuvens outra montanha se avistava. Sonhou conhecê-la.

O REI QUE VIROU VACA

Certa vez, um rei convocou os nobres da corte e declarou que era uma vaca. Os nobres ficaram assustados. O soberano disse mais: desejava ser morto e ter sua carne cortada e distribuída ao povo. Achando que o rei havia enlouquecido, os nobres convocaram os principais médicos do reino. Remédios e ungüentos foram experimentados mas, infelizmente,sem nenhum resultado. Enquanto isso, o monarca piorava. Mugia o dia inteiro. Sujava o chão do palácio. De vez em quando, saía galopando, dando coices e cabeçadas. Passado um tempo, o rei chamou novamente seus principais nobres e ministros. Parecia contrariado. Esbravejou. Disse que, porque suas ordens não haviam sido cumpridas, a partir daquele dia não ia comer mais nada. Uma nuvem negra pousou no futuro do reino. O povo, angustiado, acompanhava o drama de seu querido rei, cada vez mais magro, fraco e abatido. Um dia, um famoso cientista apareceu no reino. Diziam que era um grande médico. Diziam que era um filósofo capaz de lidar com os mais intricados segredos da alma humana. O sábio foi ao palácio examinar o rei. Deitado na cama, o monarca repetiu ao médico suas alucinações. Mugiu. Confirmou que era uma vaca. Confirmou que seu único desejo era ser morto, cortado e ter sua carne distribuída ao povo. Coçando a longa barba, o sábio declarou que o rei tinha razão. Ordens reais eram leis que precisavam ser cumpridas imediatamente. Em seguida, abrindo a porta, chamou o açougueiro. Um homem imenso, vestido de branco, entrou no quarto com uma faca na mão. Perguntou onde estava a tal vaca. _ Estou aqui! – gemeu o soberano, exultante, com os olhos alegres de loucura. O açougueiro aproximou-se da cama. Levantou, cuidadoso, a perna fina e branca do monarca. Balançou a cabeça, decepcionado. Aquela vaca estava magra demais. De que adiantava matar um animal que era só pele e osso? Cortar o quê Distribuir o quê?

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_ Primeiro – aconselhou ele -, é necessário que essa vaca aprenda a se cuidar, a comer, dormir direito e caminhar pelas montanhas, até ficar forte, alegre e cheia de saúde. Dizendo que só voltaria quando a vaca estivesse no ponto certo, o açougueiro guardou a faca e foi embora. A partir desse dia, o rei decidiu alimentar-se de novo. Aos poucos, foi engordando, as cores voltaram a brilhar em seu rosto, ficou forte e acabou esquecendo de vez que um dia havia sido vaca.

Versão de um conto popular, por Ricardo Azevedo.