proposta de construçao de curriculo

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Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso Ministro da Educao e do Desporto Paulo Renato Souza

PROPOSTAS PEDAGGICAS E CURRCULO EM EDUCAO INFANTIL: UM DIAGNSTICO E A CONSTRUO DE UMA METODOLOGIA DE ANLISE

Secretria de Educao Fundamental Iara Glria Areias Prado Secretrio Executivo do MEC Luciano Oliva Patrcio Diretora do Departamento da Poltica de Educao Fundamental Virgnia Zlia de Azevedo Rebeis Farha Coordenadora-Geral de Educao Infantil Angela Maria Rabelo Ferreira Barreto

P965 Proposta pedaggica e currculo em educao infantil: um diagnstico e a construo de uma metodologia de anlise/Ministrio da Educao e do Desporto. Secretaria de Educao Fundamental. Departamento da Poltica de Educao Fundamental. Coordenao-Geral de Educao Infantil. Braslia: MEC/SEF/ DPEF/COEDI, 1996. 114p. 1. Educao infantil - proposta poltico-pedaggica 2. Currculo - educao infantil 3. Poltica Nacional de Educao Infantil. CDU: 373.2:371.214

MINISTRIO DA EDUCAO E DO DESPORTO SECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL DEPARTAMENTO DA POLTICA DE EDUCAO FUNDAMENTAL COORDENAO-GERAL DE EDUCAO INFANTIL

PROPOSTAS PEDAGGICAS E CURRCULO EM EDUCAO INFANTIL: UM DIAGNSTICO E A CONSTRUO DE UMA METODOLOGIA DE ANLISE

BRASLIA - 1996 -

COORDENAO DO PROJETO: ngela Maria Rabelo Ferreira Barreto Coordenadora-Geral de Educao Infantil Stela Maris Lagos Oliveira Chefe da Diviso de Ao Pedaggica Mrcia Pacheco Tetzner Laiz Tcnica em Assuntos Educacionais EQUIPE DE ANALISTAS: Ana Maria Mello (CONSULTORA) ngela Maria Rabelo Ferreira Barreto (MEC/COEDI) Ftima Regina Teixeira de Salles Dias (DEMEC/MG) Ludmila de Marcos Rabelo (MEC/COEDI) Mrcia Pacheco Tetzner Laiz (MEC/COEDI) Maria Aparecida Camarano Martins (MEC/COEDI) Maria Fernanda Rezende Nunes (DEMEC/RJ) Maria Lcia de A. Machado (CONSULTORA) Miguel Farah Neto (DEMEC/RJ) Rosana Miguel de Arago Soares (DEMEC/MG) Solange Jobim (DEMEC/RJ) Snia Kramer (CONSULTORA) Stela Maris Lagos Oliveira (MEC/COEDI) Teresa de Jesus Nery Barreto (MEC/COEDI) Tizuko Morchida Kishimoto (CONSULTORA) Vitria Lbia Barreto de Faria (DEMEC/MG) Zilma de Moraes Ramos de Oliveira (CONSULTORA) COLABORAO NA CONCEPO DO PROJETO: Rita de Cssia F. Coelho - MEC/IRHJP urea Fucks Dreifus - MEC/IRHJP Jane Margarete de Castro - MEC/IRHJP DIGITAO E APOIO OPERACIONAL Clia Honrio Pereira Cristina de Jesus Teixeira Janana Magalhes Saraiva Luciene Cardoso Almeida Maria Genilda Alves Lima

SUMRIO

INTRODUO........................................................................................................... CAPTULO I - Proposta pedaggica e currculo em educao infantil: questes conceituais..................................................................................... ...

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CAPTULO II - Anlise de proposta pedaggica/currculo: metodologia utilizada no projeto ......................................................................................... 21 CAPITULO III - Propostas pedaggicas em educao infantil: resultados das anlises .......................................................................................................'.. CAPTULO IV - Concluses e recomendaes .......................................................... CAPTULO V - Roteiro para elaborao e anlise de propostas pedaggicas/currculo: uma sugesto .......................................................................... BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 63

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ANEXOS: I - Documentos analisados .......................................................................................... 89

II - Roteiro para anlise das propostas pedaggicas/currculos................................... 109 III - Roteiro para avaliao da implementao de proposta pedaggica/currculo de educao infantil .................................................................. 111

INTRODUO

A necessidade de se estabelecer um currculo para a Educao Infantil, no Brasil. surge no final da dcada de 70 e comeo dos anos 80. inicialmente para a pr-escola e posteriormente tambm para a creche. Neste perodo de tempo, acirram-se os debates sobre a funo das instituies de educao infantil e inicia-se o delineamento de um projeto pedaggico para a rea. uma resposta prtica assistencialista, fruto das condies scio-econmicas do pas. que tm na marginalizao da infncia uma de suas mais srias conseqncias, impondo a contingncia de se atender ao maior nmero de crianas possvel, determinando uma expanso significativa de creches e pr-escolas pblicas em curto espao de tempo. Essa expanso, entretanto, no se fez acompanhar nem pela necessria preparao de quadros para atender especificidade do servio, nem por uma preocupao com a infra-estrutura necessria realizao de atividades indispensveis ao desenvolvimento da criana menor de 7 anos. Na medida em que vem com a finalidade de minorar carncias sociais, desvinculada de um compromisso com os direitos da criana e de sua famlia a um atendimento de qualidade, a educao infantil, em nosso pas. nasce dissociada de uma intencionalidade educativa explicitada num currculo preestabelecido. Surge, assim, desarticulada da escola. Entretanto, ao construir um espao institucional prprio, a educao infantil - e aqui se fala mais especificamente da pr-escola - acaba por identificar na prpria escola o espao mais prximo. O processo de "escolarizao" que se sucede a conseqncia natural de tal aproximao. Contudo, essa "escolarizao" no se d sem conflito. A no definio de uma identidade prpria a grande marca de educao infantil durante toda sua curta histria. Claro que no podem ser desconsiderados os avanos na busca dessa identidade, sobretudo no campo acadmico e nos termos da Constituio de 1988. Mas inegvel que persiste nas entrelinhas o conflito que ope a concepo de uma pr-escola caracterizada como "extenso do lar. da famlia" - um lugar destinado a garantir o cuidado e a assistncia criana na ausncia da me - de instncia preparatria para o ensino de primeiro grau, comprometida, inclusive, com o esforo de superao do fracasso escolar registrado nas primeiras sries desse ensino. Na verdade, existe uma identidade "mvel", ora pendendo para a escolarizao, ora para o assistencialismo, o que no poderia ser diferente - embora inaceitvel - em pas com tamanha heterogeneidade Scio-Cultural. poltica e econmica. Se, por um lado, tais tendncias levaram a um sem nmero de interpretaes sobre como desenvolver o trabalho com a criana em idade pr-escolar, por outro permitiram. entre outras coisas, que um expressivo contingente de profissionais, sem formao especfica para atuar num espao educativo de caractersticas peculiares, pudesse construir no dia-a-dia, alheios s imposies de regras e modelos, um saber-fazer

prprio, carregado das experincias e das contradies inerentes s prticas sociais. Essa , sem dvida, uma das diversas formas como se expressa hoje a educao infantil no pas. Nos ltimos vinte anos, desde que a educao infantil ganhou espao, de fato. BO pas, possvel reconhecer trs instncias de construo de um projeto educativo para a rea, na sociedade brasileira: a das prticas sociais, a das polticas pblicas e a da sistematizao acadmica de conhecimentos pertinentes a este segmento educacional. no mbito de cada uma dessas instncias que se manifestam, de forma diferenciada, tendncias que demonstram uma insatisfao com o projeto vigente: o profissional buscando uma identidade prpria e um reconhecimento, atravs da formao mais aprimorada: o poder pblico procurando traduzir em normas, regras e prioridades as novas exigncias para a rea; a academia preocupando-se com a consistncia terica e as bases cientficas de um trabalho voltado criana de 0 a 6 anos. As propostas de currculo para a educao infantil brasileira refletem o nvel de articulao das trs instncias referidas, assumindo contornos variados, traduzidos na heterogeneidade das propostas pedaggicas existentes. No h dvida de que esse dado representa uma riqueza nada desprezvel, na medida em que espelha as mltiplas facetas da sociedade brasileira. Entretanto, h que se garantir um paradigma norteador do projeto de educao infantil do pas. sem que isso signifique anular essa pluralidade. A busca desse paradigma no sinnimo, pois, de abandono do que j se construiu at aqui. Ao contrrio, deve, isso sim, contribuir para a evoluo desse processo. Com essa preocupao em mente e considerando a necessidade de avanar na implementao das diretrizes estabelecidas na Poltica Nacional de Educao Infantil (MEC/SEF/DPE/COEDI, 1994), o Ministrio da Educao e do Desporto, por intermdio da Coordenao-Geral de Educao Infantil, definiu como ao prioritria o incentivo elaborao, implementao e avaliao de propostas pedaggicas e curriculares coerentes com as diretrizes expressas na Poltica e fundamentadas nos conhecimentos tericos relevantes para a educao infantil. Era essencial, entretanto, realizar um diagnstico mais aprofundado a respeito das propostas pedaggicas/curriculares em curso nas diversas unidades da federao, investigando os pressupostos em que se fundamentam, as diretrizes e princpios que estabelecem, o processo como foram construdas e como informam a prtica no cotidiano dos estabelecimentos de educao infantil. Alm disso, considerou-se importante. como estratgia para implementar aquela ao prioritria, desenvolver orientaes metodolgicas que pudessem subsidiar as instncias executoras de educao infantil na anlise, avaliao e/ou elaborao de suas prprias propostas pedaggicas/curriculares. Com esses objetivos, a Coordenao-Geral de Educao Infantil constituiu, em dezembro de 1994. uma equipe de trabalho formada pelos prprios tcnicos da Coordenao, tcnicos do MEC com experincia na rea lotados nas Delegacias de Minas Gerais e Rio de Janeiro, alm de cinco consultores, especialistas em educao infantil. Essa equipe deveria desenvolver uma metodologia para analisar as propostas pedaggicas/ curriculares em vigor nas secretarias de educao dos estados e dos municpios das

capitais. Para isto, considerou-se necessrio iniciar o trabalho a partir de uma discusso conceituai sobre o que currculo ou proposta pedaggica em educao infantil. Essa anlise foi realizada a partir de textos produzidos pelos consultores, por demanda do projeto (veja Captulo 2). No mbito do Projeto "Anlise de propostas pedaggicas e curriculares em educao infantil", foram analisados 45 conjuntos de documentos, sendo 25 provenientes dos sistemas estaduais e 20 dos municpios de capitais, o que possibilitou a realizao de um diagnstico bastante representativo da realidade nacional. Alm disso, foram visitadas cinco unidades da federao, uma por regio, onde se buscou avaliar a implementao das propostas pelos rgos estaduais e dos municpios das capitais. Nos captulos seguintes ser apresentado o fruto do trabalho desta equipe: (1) um resumo das questes conceituais sobre proposta pedaggica/currculo em educao infantil; (2) a metodologia adotada no projeto Anlise de propostas pedaggicas/ curriculares em educao infantil; (3) os resultados das anlises realizadas; (4) as concluses e recomendaes, e, (5) uma sugesto de roteiro para elaborao e anlise de propostas pedaggicas/curriculares. Na Bibliografia encontram-se listados todos os autores citados nos textos dos consultores, bem como aqueles utilizados na elaborao desta publicao. So anexados, tambm. (1) uma descrio dos documentos analisados; (2) o roteiro utilizado na anlise dos documentos e (3) o roteiro aplicado na avaliao da implementao das propostas. No desenvolvimento deste projeto foi possvel aprofundar a compreenso a respeito da multiplicidade e heterogeneidade de propostas e de prticas em educao infantil. Essa multiplicidade, prpria da sociedade brasileira, um ponto crucial quando se discute a questo do currculo. Como tratar uma sociedade onde a unidade se d pelo conjunto das diferenas, onde o carter multicultural se acha entrecruzado por uma grave estratificao social e econmica? Como garantir um currculo que respeite as diferenas - de faixa etria, tnicas, culturais, raciais - e que, concomitantemente, respeite direitos inerentes a todas as crianas brasileiras de 0 a 6 anos. contribuindo, assim, para a reduo das desigualdades? Certamente as reflexes realizadas no decorrer desse trabalho sero de grande valia na construo de um projeto para a educao infantil brasileira que d conta de tal desafio.

CAPITULO I PROPOSTA PEDAGGICA E CURRICULO EM EDUCAO INFANTIL: QUESTES CONCEITUAIS

Os termos currculo e proposta pedaggica tm sido utilizados com diferentes sentidos, em diversos contextos da educao, em geral, e da educao infantil. Sero aqui apresentadas as principais idias expressas pelas especialistas contratadas para este projeto, em resposta seguinte questo: "o que proposta pedaggica e currculo em educao infantil?" Essas idias serviram de ponto de partida para a construo dos procedimentos, critrios e instrumentos da anlise das propostas pedaggicas/currculos dos estados e municpios de capitais realizada neste projeto. Tisuko Morchida Kishimoto1, para responder questo colocada, retoma a etimologia da palavra currculo, derivada do termo latino "currus" - carro, carruagem. significando um lugar no qual se corre. Seu uso metafrico em educao seria a busca de um caminho, uma direo, que orientaria o percurso para atingir certas finalidades. A autora procura mostrar como o significado de "currculo" evolui na literatura americana, refletindo diferentes concepes de ensino na histria da educao. Assim. a concepo de currculo como "um grupo sistemtico de cursos ou seqncia de matrias necessrias graduao num campo amplo de estudo" (Good, 1945) se ajustaria imagem preponderante no perodo de expanso do ensino nos Estados Unidos, entre 1876 e 1929, associada reproduo do material aprendido, enfatizando-se a memorizao. A partir de 1929, a valorizao das experincias sociais da criana reflete-se numa concepo de currculo como "o conjunto de experincias que o aprendiz adquire sob a responsabilidade da escola" (Encyelopedia of Educational Research, 1941). priori/ando-se. assim, o aluno e no apenas o contedo curricular. Kishimoto mostra como, nos pases europeus, termos similares a currculo - tais como, programa e planos de estudos - passaram tambm por alteraes de significados. Programa deixou de ser um receiturio de contedos para tornar-se um programa de atividades escolares ; plano de estudos, que era definido como catlogo das noes e mecanismos a serem adquiridos no decorrer de um determinado tempo de escolaridade, passa a assumir o sentido prximo ao de currculo. O uso indistinto de termos como plano de estudo, programa, proposta pedaggica e currculo tambm aparece no campo da educao infantil, como demonstra Kishimoto, encontrando-se na literatura a palavra "currculo" sendo utilizada na acepo mais antiga de contedos a adquirir em reas como arte. msica, movimento, linguagem e outras, ou na acepo de experincias a serem adquiridas pela criana; o termo "programa" usado no sentido de propostas governamentais ou institucionais, ou como linhas de trabalho ou mesmo como sinnimo de currculo. A autora apresenta sua prpria concepo sobre os termos, definindo currculo como "explicitao de intenes que dirigem a organizao da escola visando colocar em prtica experincias de aprendizagem consideradas relevantes para crianas e seus pais"; programa como "delineamento de linhas de trabalho que pode ocorrer no planoKISHIMOTO. T. M. Curriculo de educao infantil: creches e pr-escolas. Significado do termo curriculo. Curriculo de educao infantil: critrios de qualidade e instrumentos de implementao. Texto encomendado pela Coordenao-Geral de Educao Infantil do MEC. Dezembro. 1994 (mimeo).

mais geral (governamental ou institucional)" e proposta pedaggica como "explicitao de qualquer orientao presente na escola ou rede, no implicando necessariamente o detalhamento total da mesma". Entendendo experincias de aprendizagem como " a interao entre o aluno e as condies exteriores do ambiente a que ele pode reagir" (conforme Tyler, 1974), a autora pondera que, sendo os alunos individualidades distintas, interpretam e vivenciam as situaes de forma variada, podendo-se dizer, nesse sentido, que cada aluno tem um currculo. Kishimoto afirma que as escolas utilizam diferentes tipos de experincias de aprendizagem segundo objetivos que se propem atingir, enfatizando aspectos filosficos ou relacionados ao desenvolvimento infantil; predominando ou integrando facetas cognitivas, afetivas, sociais, fsicas; privilegiando o atendimento infantil e necessidades dos pais; optando por fortalecer a linguagem, os contedos acadmicos; atendendo aspectos expressivos e criativos e outros. Esta variedade de orientaes deve ser objeto de discusses dos profissionais, no sentido de explicitar as opes psicolgicas, scioculturais, epistemolgicas e polticas que assumem as experincias de aprendizagem. Assim, o currculo deve sempre incluir definies sobre: o tipo de escola que se deseja. 0 que se pretende oferecer aos seus participantes, a forma de administr-la, o detalhamento do contexto histrico, ideolgico, filosfico, sociolgico, cultural, poltico, econmico e psicolgico em que se insere, as relaes da escola e seu currculo com a sociedade como um todo, as metas, os contedos, os recursos, a avaliao, o desenvolvimento de estratgias e modos de planejar e implementar o currculo, se orientado para a resoluo de problemas, para o desenvolvimento infantil ou para experincias institucionais, nacionais ou domsticas. A autora afirma que o currculo deve incluir tudo o que se oferece intencionalmente para a criana aprender, abrangendo no apenas conceitos, mas tambm princpios, procedimentos, atitudes, os meios pelos quais a escola oferece tais oportunidades e formas de avaliao, pois a explicitao das intenes que permitir a orientao da prtica pedaggica. Conclui, enfatizando a necessidade de que. na definio de qualquer currculo, responda-se aos seguintes questionamentos: a que criana se destina? qual a concepo de educao presente? o que ensinar? como ensinar? de que forma, o que e como avaliar? Segundo a autora, a resposta a tais questes inclui elementos que comportam um currculo e que so parte do que se convencionou denominar fundamentos que influenciam e priorizam certas decises no currculo. Zilma de Moraes Ramos de Oliveira2 define currculo educacional como "um balizador de aes", estando associado orientao poltico-ideolgica-tcnica que, de modo mais ou menos consciente, tm seus proponentes. Assim, "o currculo envolve modos distintos de encarar o homem e a sociedade, de conceber o processo de transmis-

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OLIVEIRA, Z.M.R. Uma contribuio ao debate promovido pela Coordenao-Geral de Educao Infantil do Ministrio da Educao e do Desporto acerca da Anlise e Avaliao de Propostas Pedaggicas Implementadas nas Creches e Pr-escolas Pblicas Brasileiras, visando oferecer uma cooperao tcnica aos estados e municipios. Dezembro, 1994 (mimeo).

so e elaborao do conhecimento e de selecionar os elementos da cultura com que a escola trabalha" (Barreto.et allii, 1994. p.8). Partindo de uma concepo scio-interacionista do desenvolvimento infantil e considerando a criana como cidad, com plenos direitos de participar de ambientes estimuladores para seu desenvolvimento e de construir significaes e formas cada vez mais complexas de sentir e pensar, a autora afirma que no espao construdo na interao com outras pessoas que ocorre a ao educativa. Assim, considera o currculo como um roteiro de viagem coordenada por um parceiro mais eficiente: o educador ou professor. Atividades so programadas, estruturando um cotidiano dinmico, agradavelmente disciplinado pela adequada participao de todos, em clima de autonomia e cooperao. Embora tambm incluam as necessrias tarefas de cuidado, como merenda e higiene, as atividades tm seu foco central no trabalho propriamente pedaggico realizado com as crianas. A autora enfatiza que o planejamento curricular deve explicitar tanto uma fundamentao terica quanto as alternativas de estruturao do ambiente de aprendizagem e desenvolvimento das crianas, incluindo a organizao do espao fsico-social, uma vez que "este d suporte para a realizao de exploraes e brincadeiras, garantindo identidade, segurana e confiana s crianas e promovendo oportunidade de construo de competncias diversas" (Carvalho & Rubiano, 1994). Ressalta que o planejamento das atividades feitas com as crianas integra-se com outros aspectos institucionais, como as condies de trabalho do educador/professor, sua qualificao profissional e os programas de capacitao em servio a que tem acesso, o nmero de crianas por turma, o horrio de atividades, os recursos humanos, materiais e financeiros existentes. A autora conclui que. sendo uma tarefa contnua, o planejamento curricular e a formao em servio podem ser integrados, numa estratgia de planejamento participativo. Maria Lcia de A. Machado3 responde questo "o que proposta pedaggica e currculo em educao infantil?", revisando definio que defendia no livro "Prescola no escola", de sua autoria. Assim, considera limitada a concepo de currculo como "conjunto de todas as experincias de aprendizagem oferecidas pela escola" (Silveira Filho. 1982., p. 104). uma vez que impossvel definir o que ensinar sem uma clareza do porqu, por quem, para quem e para qu ensinar, alm do quando, do como e de onde. Nesta perspectiva, a autora identifica um currculo com uma srie de hipteses/pontos de partida, um conjunto de princpios e aes. Quanto aos princpios. Machado aponta as concepes relativas infncia e s relaes desenvolvimento/aprendizagem/ensino; funo da instituio e da educao; ao papel do profissional, da famlia e da comunidade; s questes relativas diviso de trabalho, noes de hierarquia, poder e competncia. As aes implicariam observar, selecionar, escolher, decidir, organizar, refletir, sonhar e realizar, ou seja, fazer. Reconhecendo que os termos proposta pedaggica, proposta educativa, projeto3

MACHADO, M.L de A. Proposta de critrios de anlise e avaliao de projetos educacionais-pedaggicospara a educao infantil no Brasil. Verso preliminar. So Paulo, dezembro, 1994 (mimeo).

pedaggico, projeto educativo tm sido utilizados com significados similares na literatura especializada sobre a criana na faixa de zero a seis anos, para indicar o conjunto de princpios e aes que rege o cotidiano das instituies, a autora prefere adotar o termo projeto educacional-pedaggico. apresentando os motivos para essa opo. O primeiro deles que a palavra projeto traz em seu bojo a idia de plano, expresso atravs de linhas que sugerem uma organizao, com determinada finalidade, a partir das concepes, dos sonhos e das intenes daquele(s) que projeta(m). Por sua vez, projeto implica tomar posies, decidir e escolher, levando-se em conta as limitaes e possibilidades do real. Estas aes partem de uma realidade configurada, mas, tambm antecedem uma ao concreta no real, estabelecendo, portanto, condies a priori para essa ao. Alm disso, o termo projeto sugere tambm a idia de esboo, de incompletude a ser traduzida em realidade, permanentemente transformada pelo indito presente na dinmica do cotidiano; dosa com equilbrio a definio/indefinio que deve permear o plano cuja inteno servir de guia ao dos profissionais nas instituies de educao infantil. Machado recorre ao dicionrio para defender que o termo proposta tem um significado mais vago que o termo projeto, aproximando-se o primeiro mais do sentido de estabelecer tpicos abertos discusso, sem uma direo ainda definida, constituindose na ao de propor e, portanto, em iniciativas que antecedem um projeto. Assim, o uso da palavra projeto seguida do termo educacional indica, para tal autora, uma intencionalidade e um comprometimento por parte do adulto em relao sobrevivncia e ao desenvolvimento da criana, tanto no plano fsico quanto no psicolgico ou social. A complementao com o termo pedaggico explicita que a funo do atendimento institucional s crianas menores de sete anos tem tambm um carter de "intencionalidade planejada, acompanhada, sistematizada por parte dos adultos que desta tarefa participam" (Machado, 1993, pp. 75-92). A autora conclui que um projeto educacional-pedaggico. numa instituio de educao infantil, deveria contemplar trs planos distintos de princpios e aes registrados em documentos e articulados entre si. Num plano, de responsabilidade da equipe encarregada da definio das polticas, estariam contemplados temas relativos histria da instituio e sua funo; viso de criana, desenvolvimento infantil, conhecimento, aprendizagem, ensino; ao papel do corpo de profissionais envolvidos; s relaes instituio/famlia/comunidade. Ainda sob responsabilidade da equipe dirigente, com a colaborao dos profissionais diretamente envolvidos no trabalho institucional, um outro plano especificaria os procedimentos particulares a cada instituio; explicitaria prioridades, eixos e diretrizes para o trabalho da equipe de profissionais e dos educadores com os grupos de crianas, as formas de organizao dos tempos, espaos e materiais de uso coletivo; definiria a caracterizao geral da instituio quanto a perodo letivo, faixa etria, horrios; apontaria os critrios de configurao dos agrupamentos, os procedimentos durante o perodo de adaptao, dias de chuva, emergncias mdicas etc. Sob responsabilidade da equipe envolvida diretamente no trabalho com as crian-

as, outro plano diria respeito ao cotidiana dos educadores junto aos grupos de crianas (seleo de temas e organizao das atividades, dos materiais e espaos, do tempo): s atividades dos educadores em relao ao trabalho pedaggico (utilizao de instrumentos de acompanhamento, anlise e planejamento, reunies com supervisores); s atividades da equipe em conjunto, tais como, passeios, festas, reunies com pais. participao em eventos da comunidade etc. Ana Maria Mello4 trata da questo "o que proposta pedaggica e currculo em educao infantil?", partindo do pressuposto de que as instituies de cuidado e educao infantil coletivas podem ser espaos privilegiados de socializao e aprendizagem para as crianas, desde que o trabalho esteja adequadamente organizado e que seja assumida a funo social de educar e cuidar das crianas. A organizao e sistematizao do trabalho passa necessariamente pela elaborao de uma proposta psicopedagogia. A autora defende o termo psicopedaggico como mais adequado para currculos de tempo integral e tambm para a faixa de 3 meses a 3 anos, mesmo em tempo parcial, porque explicita melhor a necessidade de se considerar as caractersticas do sujeito que aprende. Afirma que se deve fazer opo por uma aprendizagem significativa que ", por definio, uma aprendizagem globalizadora, na medida em que supe que o novo material de aprendizagem se relaciona de forma substantiva e no arbitrria com aquilo que a criana j sabe". (Coll. 1991, p.l20). Mello defende a idia de currculo aberto, tomando como referncia a afirmao de Cesar Coll de que "o currculo aberto concede grande importncia s diferenas individuais, no contexto social, cultural e geogrfico onde se aplica o programa pedaggico. Prope a interao permanente entre o sistema e seu entorno, integrando as influncias externas no prprio desenvolvimento do programa educativo que est aberto a um contnuo processo de reviso e reorganizao" (Coll, 1991, p.45). A autora aponta trs ordens de fatores que devem ser considerados na elaborao de um currculo aberto: a realidade dos atuais equipamentos de educao infantil, a formao e opo pedaggica dos educadores e as necessidades biopsicossociais das crianas de zero a seis anos. Conclui que para no se cometer os mesmos erros que a histria da educao j apontou, a proposta pedaggica deve servir como orientadora dos princpios e objetivos gerais, alm de fornecer caminhos de adequao dos mesmos diversidade de situaes possveis e s especificidades regionais. Para tanto, deve partir do estabelecimento de critrios e metodologia de avaliao, deixando claros seus pressupostos tericos, polticos e filosficos. Snia Kramer5. para responder questo "o que proposta pedaggica e currculo em educao infantil?", opta por uma anlise que ultrapassa o enfoque apenas4

MELLO. A.M. Reflexes sobre proposta pedaggica e curriculo. Texto encomendado pela Coordenao-Geral de Educao Infantil. Dezembro, 1994 (mimeo). KRAMER, S.Propostas pedaggicas de educao infantil: subsdios para uma leitura crtica. Texto encomendado pela Coordenao-Geral de Educao Infantil do MEC, em novembro de 1994 (mimeo).

escolar ou administrativo que tem marcado as propostas educacionais. Afirma que no estabelece diferena conceituai entre proposta pedaggica e currculo, compreendendo currculo ou alternativa curricular de forma ampla, dinmica e flexvel, que , via de regra, a maneira como se tem concebido uma proposta pedaggica. Assim, um currculo ou proposta pedaggica rene tanto as bases tericas quanto as diretrizes prticas nelas fundamentadas, bem como aspectos de natureza tcnica que viabilizam sua concretizao. Partindo do pressuposto de que uma proposta pedaggica um caminho, no um lugar. Kramer afirma que toda proposta pedaggica tem uma histria que precisa ser contada e que toda proposta contm uma aposta. Nasce de uma realidade que pergunta c tambm busca de uma resposta. E, pois, um dilogo. Toda proposta situada, traz consigo o lugar de onde fala e a gama de valores que a constitui; traz tambm as dificuldades que enfrenta, os problemas que precisam ser superados e a direo que a orienta. E essa sua fala a fala de um desejo, de uma vontade eminentemente poltica no caso de uma proposta educativa, e sempre humana: vontade que, por ser social c humana, no nunca uma fala acabada, no aponta "o lugar", "a" resposta, pois se traz "a" resposta j no mais uma pergunta. Aponta, isto sim, um caminho tambm a construir. A autora alerta para os riscos que muitas vezes se corre quando se busca uma "nova" proposta pedaggica se se usa a lgica da atualizao, que nega a experincia acumulada em troca daquilo que se chama de moderno. Citando Benjamim (1987), que indagava "por que o moderno envelhece to rpido?", a autora pergunta: por que as propostas pedaggicas envelhecem to rpido? E responde: talvez por no terem sido geradas por perguntas vivas de uma comunidade atuante e reconhecida como tal, por reificarem respostas de um lugar que no o seu. Conforme afirma Kramer, uma nova proposta pedaggica um convite, um desafio, uma aposta. Uma aposta porque, sendo ou no parte de uma poltica pblica, contm um projeto poltico de sociedade e um conceito de cidadania, de educao e de cultura. Portanto, no pode trazer respostas prontas apenas para serem implementadas, se tem em mira contribuir para a construo de uma sociedade democrtica, onde a justia social seja de fato um bem distribudo igualitariamente a toda coletividade. Uma proposta pedaggica expressa sempre os valores que a constituem, e precisa estar intimamente ligada realidade a que se dirige, explicitando seus objetivos de pensar criticamente essa realidade, enfrentando seus mais agudos problemas. Precisa ser construda com a participao efetiva de todos os sujeitos - crianas e adultos, professores/educadores e profissionais no-docentes, famlias e populao em geral - levando em conta suas necessidades, especificidades, realidade. Segundo a autora, isto aponta, ainda, para a impossibilidade de uma proposta nica, posto que a realidade mltipla e contraditria. Partindo de uma concepo de infncia como categoria social, em que se compreende a criana inserida na histria e na cultura, e no como uma fase efmera, que preciso ser aligeirada em nome da modernidade e de sua nsia de futuro e superao, a

autora chama a ateno para o desafio de se construir a unidade na diversidade. pergunta que coloca a si prpria, sobre como construir um currculo que leve em conta a heterogeneidade, a autora responde: privilegiando fatores sociais e culturais; entendendo-os como sendo os mais relevantes para o processo educativo, porque implicam tambm a conquista da autonomia e da cooperao, princpios bsicos da cidadania; garantindo. ainda, o enfrentamento e a soluo de problemas, a responsabilidade, a criatividade, a formao do auto-conceito, a vivncia da linguagem nos seus vrios modos de expresso. pois o desenvolvimento infantil pleno e a construo/aquisio de conhecimentos acontecem simultaneamente conquista da autonomia, cooperao e insero crtica da criana na sociedade. Kramer enfatiza que uma proposio de educao infantil em que as crianas de desenvolvam, construam/adquiram conhecimentos e se tornem autnomas e cooperativas implica pensar, ainda, a formao permanente dos profissionais que nela atuam. Como os professores/educadores favorecero a construo de conhecimentos se no forem desafiados a construrem os seus? Como podem os professores/educadores se tornarem construtores de conhecimentos quando so reduzidos a executores de propostas e projetos de cuja elaborao no participaram e que so chamados apenas a implantar? Concluindo, a autora se impe uma outra questo: qual o requisito para tornar uma proposta um fato presente? Responde, afirmando que, alm das condies materiais concretas que assegurem processos de mudana, preciso que os profissionais de educao infantil tenham acesso ao conhecimento produzido na rea da educao infantil e da cultura em geral, para repensarem sua prtica, se reconstrurem enquanto cidados e atuarem enquanto sujeitos da produo de conhecimento. E para que possam. mais do que "implantar" currculos ou "aplicar" propostas realidade da creche/ pr-escola em que atuam, efetivamente participar da sua concepo, construo e consolidao. Esta apresentao das idias expressas pelas especialistas mostra que definir currculo ou proposta pedaggica no tarefa simples. Currculo palavra polissmica. carregada de sentidos construdos em tempos e espaos sociais distintos. Sua evoluo no obedece apenas a uma ordem cronologicamente estabelecida, mas. principalmente s contradies de um dado momento histrico, assumindo, portanto, vrios significados em um mesmo recorte de tempo. possvel verificar, na leitura desses textos, que as autoras fazem opes diferentes sobre os termos e a possibilidade de diferenci-los. Kramer afirma no estabelecer diferena conceituai entre currculo e proposta pedaggica; Oliveira tambm no explicita diferenciao, utilizando mais o termo currculo. As demais autoras, embora reconhecendo a similaridade de significao com que os termos tm sido utilizados. buscam estabelecer diferenciaes entre os mesmos, o que leva Maria Lcia Machado e Ana Mello a optarem por aqueles, segundo elas, mais adequados educao infantil: projeto educacional-pedaggico para Machado e proposta psicopedaggica para Mello. Apesar das diferenas nas conceituaes, h muitos pontos comuns entre as idias das especialistas, alguns dos quais sero destacados a seguir.

Independentemente do termo escolhido - currculo, proposta ou projeto - as concepes apresentadas pelas autoras expressam vises mais amplas do que as antigas conceituaes de currculo como seqncia de matrias ou conjunto de experincias de aprendizagem oferecidas pela escola. Nos vrios textos fica evidente a preocupao com a contextualizao histrico-social do currculo, proposta ou projeto, uma vez que est sempre situado(a) num momento e num lugar determinados, dos quais refletem valores e concepes. De um modo geral, as autoras consideram importante que o curriculo, proposta ou projeto explicite esses valores e as respectivas concepes, especialmente aquelas relativas aos conceitos de infncia, homem, educao, educao infantil, conhecimento, cultura, desenvolvimento infantil, funo da instituio em relao criana, famlia e comunidade. Outra preocupao comum diz respeito necessidade de se considerar os aspectos institucionais/organizacionais na definio e implementao do currculo, proposta ou projeto, Esses aspectos incluem os recursos humanos, materiais e financeiros. Entre eles se destacam a formao dos profissionais e a poltica de recursos humanos, em virtude da importncia do papel do educador em todo o processo de definio e implementao. Finalmente, uma percepo tambm de consenso entre os especialistas refere-se natureza dinmica e aberta do currculo, proposta ou projeto, e necessidade de que em sua elaborao e implementao, haja uma efetiva participao de todos os sujeitos envolvidos - crianas, profissionais, famlias e comunidade. Foram essas idias, discutidas por toda a equipe do projeto - tcnicos e especialistas - que constituram a base para a definio dos critrios de anlise das propostas pedaggicas dos estados e municpios. Buscou-se, em vez de partir de concepes fechadas sobre currculo, proposta ou projeto pedaggico, identificar as prprias concepes, explicitadas ou subjacentes, nos documentos encaminhados ao MEC, inclusive as denominaes que os mesmos receberam (currculo? proposta? projeto? programa? plano? etc). Essa identificao foi includa, assim, como o primeiro item no roteiro de anlise das propostas pedaggicas ou currculos em educao infantil.

CAPITULO ll ANLISE DE PROPOSTA PEDAGGICA/CURRCULO: METODOLOGIA UTILIZADA NO PROJETO

Ao conceber o Projeto de Anlise das propostas pedaggicas e curriculares em educao infantil, a Coordenao-Geral de Educao Infantil tinha como objetivo realizar um diagnstico das propostas pedaggicas e currculos de educao da criana de zero a seis anos, desenvolvidas pelo poder pblico, expressas tanto em documentos escritos quanto na forma de implementao no cotidiano das instituies. Para tanto. era necessrio construir uma metodologia, incluindo procedimentos e critrios. Nesse processo de construo, concepes e pressupostos foram se ampliando, levando ao estabelecimento de um objetivo maior que seria o desenvolvimento de uma metodologia quo subsidiasse tanto a anlise e avaliao de propostas pedaggicas/curriculares de educao infantil, como a elaborao de novas propostas. A construo da metodologia foi um processo coletivo e muito dinmico, uma vez que no se partia de nenhum modelo fechado. Um dos fatores que contribuiu para este dinamismo, foi, sem dvida, a opo da Coordenao-Geral de Educao Infantil em constituir uma equipe de trabalho, composta por tcnicos do MEC e por consultores especialistas, indicados por instituies de renome, com diferentes inseres na rea de Educao Infantil (ANPED, UNDIME, CONSED e FCC"), o que dotou o projeto de uma saudvel pluralidade terico-metodolgica e possibilitou uma troca efetiva entre o saber acadmico e institucional. O trabalho foi desenvolvido nas seguintes etapas: 1) Definio da amostra e coleta de documentos de propostas pedaggicas/ curriculares. 2) Elaborao de concepes de propostas pedaggicas/currculo para a educao infantil, bem como da metodologia e dos critrios para a anlise dos documentos escritos das propostas (textos dos consultores). Discusso e definio. pela equipe, da metodologia de anlise de propostas. 3) Anlise dos documentos das propostas pedaggicas. 4) Discusso dos resultados da etapa 3 e definio de metodologia de avaliao da implementao de propostas pedaggicas/curriculares em educao infantil. 5) Anlise da implementao de propostas pedaggicas. 6) Discusso dos resultados, elaborao do relatrio final e de roteiro de indicadores e critrios para avaliao e elaborao de propostas pedaggicas em educao infantil.

Etapa 1. Definio da amostra e coleta de documentosBuscando abranger tanto propostas implementadas pelos sistemas estaduais quanto pelos municpios, a coordenao do projeto definiu que a amostra incluiria as secrea saber: ANPED - Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao; CONSED Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Educao; FCC - Fundao Carlos Chagas; UNDIME - Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao.

tarias de educao de todos os estados e dos municpios de capitais. Para a anlise da implementao, definiu-se a escolha de uma unidade da federao de cada uma das cinco macro-regies. priorizando-se aquelas que apresentassem tanto propostas do municpio da capital quanto do estado e que, preferencialmente, tivessem propostas para creches e pr-escolas. Definida a amostra, a coordenao do projeto solicitou, em setembro de 1994, a todas as Secretarias de Educao dos estados e dos municpios de capital, o envio das propostas pedaggicas e/ou curriculares de creches e pr-escolas, implementadas tanto por essas secretarias, quanto por outros rgos da mesma instncia administrativa que desenvolvessem trabalho nessa rea.

Etapa 2. Elaborao e discusso de concepes, metodologias e critrios de anliseFoi solicitado a cada um dos cinco consultores contratados, a produo de documentos abordando: (1) concepes de proposta pedaggica/currculo em educao infantil. (2) sugestes de critrios para anlise e avaliao dos documentos enviados pelos estados e municpios e (3) metodologia e critrios para anlise da implementao das propostas. Esta fase culminou com a discusso dos documentos produzidos pelos consultores, em reunio realizada com a equipe tcnica envolvida no projeto. Neste encontro, foi tambm elaborado um roteiro (Anexo ll), contendo indicadores de qualidade de propostas educativas voltadas faixa etria de 0 a 6 anos e critrios de avaliao que seriam testados na anlise das propostas pedaggicas de educao infantil enviadas ao MEC. Estes parmetros comuns estavam embasados na concepo de proposta pedaggica/currculo que comeava a ser delineada pelo grupo. Na organizao desse roteiro, levou-se em conta o fato de que se estaria fazendo uma avaliao de documentos escritos. Assim, a equipe de analistas disps-se a tentar compreender as condies em que os documentos foram produzidos, acreditando que tanto a produo de um texto quanto a sua leitura envolvem uma parceria ativa entre autor, leitor e obra, num determinado contexto Scio-Cultural. Desse modo, ao se elaborar um texto, seu autor, em funo de determinados objetivos, gerados por necessidades historicamente situadas e tendo em vista interlocutores especficos, organiza determinados contedos numa dada estrutura textual. Na anlise das propostas, os indicadores teriam como "pano de fundo", alguns critrios, quais sejam: pluralidade, diversidade, unidade, coerncia (interna e externa). adequao, abrangncia, participao, provisoriedade, historicidade. cientifcidade. criticidade, dialeticidade. significao, articulao e organizao. Assim, por exemplo. considerou-se: a pluralidade de enfoques, de concepes, de prticas pedaggicas emergentes das propostas:

o respeito diversidade da populao abrangida, da formao e reas dos que elaboraram a proposta; a unidade que deve se fazer presente num documento destinado a uma determinada instncia do sistema (estado ou municpio); a coerncia entre as formulaes tericas do documento, entre essas e as diretrizes pedaggicas, entre os dados do diagnstico da realidade e as aes propostas, entre a formulao da proposta e a sua implementao: a adequao faixa etria e pblico ao qual a proposta se destina, da linguagem aos interlocutores previstos; a abrangncia em termos das redes atingidas, das dimenses a serem trabalhadas (cuidar/educar); a participao dos diversos segmentos envolvidos na elaborao das propostas. a relao entre participao e produto final; a provisoriedade necessria para tornar o documento passvel de reformulaes e a elaborao de estratgias que viabilizem essas reformulaes; a historicidade em relao ao registro da trajetria de elaborao e implementao da proposta e a sua insero no contexto scio-poltico-cultural; a cientifcidade em relao ao rigor quanto aos pressupostos tericos assumidos; a criticidade evidenciada na tentativa de superao da realidade tal e qual se apresenta e para a qual se formula a proposta; a dialeticidade. na explicitao dos diferentes nveis de contradies envolvidos; a significao das concepes e pressupostos assumidos; a articulao entre a formulao da proposta de educao infantil e a poltica educacional mais ampla (no mbito federal, estadual e municipal); a organizao em termos de apresentao, formatao, cuidados de impresso e estruturao textual, definio clara das categorias que orientam a organizao do trabalho.

Etapa 3. Anlise dos documentos de propostasUtilizando o roteiro construdo na etapa anterior a equipe de analistas estava ciente de algumas das limitaes que enfrentaria, j que se constituam, tambm, em leitores de textos dos quais no eram os interlocutores privilegiados e cujas condies de produo desconheciam. As expectativas, nesta fase do projeto, eram muitas. No se tinha, ainda, respostas para questionamentos tais como: possibilitaria a metodologia. em construo, detectar as caractersticas singulares de cada proposta? seria o roteiro elaborado para anlise dos documentos um bom guia para a apreenso do processo pedaggico que estava sendo efetivado?

Alm da obteno de dados e informaes sobre a proposta, tinha-se como objetivo nesta fase do trabalho, a testagem propriamente dita do roteiro anteriormente estabelecido. Afinal, o que se almejava era chegar a indicadores e critrios que constitussem instrumentos de dilogo com qualquer proposta ou projeto de educao infantil. Durante este processo, foi importante assegurar que cada uma das propostas fosse analisada por, no mnimo, um tcnico do MEC e um consultor, de forma a possibilitar maior riqueza de interpretaes, graas ao cruzamento da experincia construda na academia, com aquela proveniente da formulao de polticas pblicas de educao.

Etapa 4. Discusso dos resultados da etapa 3 e definio de metodologia de avaliao da implementaoNesta fase do projeto, houve o segundo encontro da equipe. Na ocasio foi possvel compartilhar a experincia adquirida e discutir as idias que emergiram da anlise realizada na etapa anterior, aprofundando a discusso sobre os indicadores de critrios para a anlise e a avaliao de propostas e projetos de educao infantil at ento definidos. Esses procedimentos permitiram realinhar as interpretaes atribudas ao universo pesquisado, alm de ratificar o eixo norteador construdo coletivamente pelo grupo de trabalho. Assim, foi possvel extrair algumas concluses sobre o panorama das propostas, definir a metodologia de trabalho da fase seguinte e elaborar roteiro da avaliao da implementao das propostas ( veja Anexo III).

Etapa 5. Anlise da implementao de propostas pedaggicas/curricularesEsta etapa foi realizada nas capitais de cinco unidades da federao previamente selecionadas a partir os seguintes critrios: 1. garantir a representatividade regional, atravs da escolha de uma unidade da federao de cada regio brasileira. Foram selecionados:Amazonas (Regio Norte): Paran (Regio Sul); Rio Grande do Norte (Regio Nordeste); Rio de Janeiro (Regio Sudeste) e Mato Grosso do Sul (Regio Centro-Oeste); 2. ter. tanto a rede estadual quanto a do municpio da capital, enviado suas propostas ao MEC e. se possvel, possurem propostas tanto para creches quanto para pr-escolas. Tendo estes critrios determinado a escolha das localidades a serem visitadas, a equipe de analistas se distribuiu entre as cidades e os estados selecionados. As viagens propriamente ditas foram realizadas por duplas compostas por um tcnico do MEC e um consultor. Nos locais visitados realizaram-se entrevistas com as equipes das secre-

tarias estaduais e municipais responsveis pela rea de educao infantil, acrescidas de visitas a unidades pr-escolares ou creches. Para garantir o sucesso dessa etapa, foram realizados contatos prvios com as secretarias, quando foram fornecidas informaes sobre o Projeto, os objetivos da visita, o interesse em contatar as duas instncias (estadual e municipal), a apresentao do tcnico do MEC e do consultor que iria Unidade da Federao e a solicitao para o acesso a outros documentos que permitissem complementar os dados sobre a educao infantil no Estado ou Municpio. Outra preocupao da equipe foi a de assegurar que se realizassem duas reunies tcnicas, no mnimo, com as equipes de educao infantil local. A primeira, no incio dos trabalhos, tinha como finalidade conhecer a equipe e o processo de implementao da proposta, bem como estabelecer uma programao das atividades. A outra reunio, no final, objetivava complementar informaes e discutir questes relevantes. A fim de se ter um panorama realista do atendimento, nas localidades visitadas. solicitou-se, tambm, a realizao de visitas tcnicas a dois estabelecimentos vinculados s secretarias, que atendessem a crianas na faixa etria de 0 a 6 anos, sendo um deles aquele considerado uma experincia que melhor atendesse aos padres de qualidade estabelecidos pela secretaria e outro que apresentasse dificuldades no atendimento a esses padres. Tambm nesta fase do trabalho buscou-se integrar a viso do tcnico do consultor especialista. Uma das preocupaes era apreender a dinmica da elaborao e implementao das propostas e, principalmente, o grau de envolvimento dos profissionais no processo.

Etapa 6 - Discusso dos resultados, elaborao do relatrio final e de um roteiro de indicadores e critrios para avaliao e elaborao de propostas pedaggicas em educao infantil.Com base nos relatrios da etapa anterior, promoveu-se a discusso, com toda a equipe, dos resultados da avaliao da implementao e da adequao da metodologia desenvolvida para aquela fase. Nessa discusso, ficou evidenciado que o roteiro elaborado para a avaliao mostrou-se um bom guia para a apreenso do processo pedaggico que estava sendo efetivado, apenas exigindo a reviso de alguns itens. A diviso do trabalho de avaliao da implementao em etapas mostrou-se adequada: o momento inicial para se ter uma viso geral, recolher informaes mais amplas. conhecer a equipe tcnica, com seus projetos e dificuldades, foi de grande utilidade. A visita s pr-escolas e creches junto com tcnicos da secretaria foi fundamental para revelar a diversidade das prprias funes e dos conceitos bsicos que envolvem a educao infantil. A escolha, pela prpria secretaria, dos estabelecimentos que

seriam visitados evidenciou o olhar que seus representantes tm sobre sua realidade, ora escolhendo o que consideram bons exemplos de um trabalho, ora apresentando situaes crticas, revelando suas dificuldades. Sem dvida, o processo em curso nas secretarias e nas unidades de educao infantil mostrou-se muito mais dinmico que o produto final expresso nos documentos analisados. Essa foi uma das concluses a que se chegou nesta etapa desse trabalho. quando foi possvel a concretizao dos dois produtos desse projeto: 1) o diagnstico, que reflete o estgio em que se encontram as propostas pedaggicas e curriculares de educao infantil no Brasil, tema dos prximos captulos III e IV; 2) o roteiro para avaliao/elaborao de propostas pedaggicas de educao infantil, reformulado a partir do processo vivido durante o projeto (veja o capitulo V). O contato com a realidade das secretarias de educao e das salas de aula. aliado experincia acumulada dos tcnicos e consultores e ao confronto de suas idias, possibilitou perceber que. subjacente ao propsito de se conhecer e avaliar o estado da arte da educao infantil no Brasil, reside a necessidade de um novo paradigma, um eixo norteador das aes correntes, que d conta de sua diversidade, garantindo, porm, uma desejvel unidade de princpios poltico-filosficos.

CAPITULO III PROPOSTAS PEDAGGICAS EM EDUCAO INFANTIL: RESULTADOS DAS ANLISES

As anlises aqui desenvolvidas baseiam-se tanto nos dados obtidos pela leitura de todos os documentos enviados pelas secretarias de educao dos estados e dos municpios de capitais, quanto nas discusses realizadas pela equipe e nas informaes levantadas durante as visitas realizadas nas cinco unidades da federao: Amazonas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro. Mato Grosso do Sul e Paran e suas respectivas capitais. Ao utilizar esses dados, procurou-se, por um lado, levar em considerao a complexidade da tarefa de escrever um documento, trazendo para o papel idias que expressam no s uma realidade, mas tambm os sonhos daqueles que participaram de sua execuo, seus dilemas, entendimentos e desentendimentos. Por outro lado, as visitas para a anlise da implementao evidenciaram o fato de que a prtica infinitamente mais complexa, mais contraditria e mais rica do que a teorizao de uma proposta. Ao redigir um documento, seus elaboradores, de certa forma, "congelam" e obscurecem fatos que no cotidiano so sempre redimensionados, revistos, relativizados e revitalizados. Ressalte-se que ao relatar a anlise dessas propostas, a equipe tcnica esteve vulnervel aos mesmos riscos. Desta forma, nem sempre foi possvel retratar com fidedignidade a riqueza e a diversidade encontrada. O processo vivido por tcnicos e consultores, desde os primeiros contatos com os documentos at a redao deste captulo, foi marcado pelo dinamismo e pouca linearidade, apresentando no seu desenvolvimento conflitos, dificuldades e contradies decorrentes da prpria natureza desse trabalho. Assim, a necessidade de sair de uma viso etnocntrica, considerando determinaes de contextos diversos, foi um imperativo para que, no entrecruzamento de olhares sobre o mesmo objeto, fossem se processando modificaes gradativas na prpria equipe de analistas e, consequentemente, nas suas anlises. A forma como este captulo se apresenta procura refletir a multiplicidade de situaes encontradas. Assim, os resultados das anlises foram organizados atravs de questes elaboradas a partir do confronto entre os aspectos levantados no roteiro e os dados da realidade. Procurou-se responder a cada uma das questes, utilizando-se, primeiramente, as informaes obtidas por meio do estudo dos documentos e, em seguida, aquelas levantadas quando da avaliao da implementao. Ressalte-se que esse processo foi permeado, todo o tempo, pelos critrios anteriormente definidos pela equipe. Ao se explicitar, de forma detalhada, as presenas e ausncias, os avanos e as dificuldades detectados na anlise das propostas, acredita-se estar contribuindo para o objetivo pretendido neste trabalho, isto . diagnosticar a realidade (que se mostrou mltipla) e oferecer subsdios para a elaborao ou o aperfeioamento de propostas pedaggicas/ curriculares.

1 - OS DOCUMENTOS E SUAS CONDIES DE PRODUOComo se apresentam os documentos encaminhados ao MEC? Foram encaminhados ao MEC 45 conjuntos de documentos, sendo 25 proveni-

entes dos estados e 20 de municpios de capitais (veja o Anexo I). Deste total, 39 referem-se pr-escola, destinando-se ao trabalho com crianas de 4 a 6 anos, prioritariamente aquelas de 6 anos; cinco referem-se a creches e um faixa etria de 0 a 6 anos. exceo de duas propostas, da rea da assistncia social, os demais documentos foram elaborados por rgos da rea educacional. As propostas pedaggicas/curriculares analisadas foram publicadas no perodo de 1985 a 1994, sendo a maioria datada de 92 a 94. De maneira geral, os documentos se intitulam Proposta Curricular. Outros se denominam Currculo Bsico. Contedo Programtico. Plano Bsico de Estudos, Proposta Complementar de Atividades, Reorientao Curricular, Listagem de Contedos ou Proposta de Revitalizao. Em um primeiro contato com o material ao qual a equipe teve acesso, pde-se constatar uma grande diversidade quanto sua nature/a e forma: algumas secretarias enviaram documentos de natureza diversa, incluindo textos oficiais, artigos publicados em revistas, textos para subsidiar o trabalho pedaggico. planos de trabalho e documentos de articulao poltica; esses textos ora se restringem especificidade da educao infantil, ora abrangem outros graus de ensino; alguns documentos apresentaram-se de forma organizada, com textos coerentes e coesos, alm de demonstrarem rigor cientfico na utilizao e citao de autores. Outros apresentavam problemas de impresso e Paginao, informaes incompletas na identificao de dados e de anexos. Alguns se utilizaram de autores de forma equivocada ou fizeram citaes sem as devidas referncias bibliogrficas. Essas constataes levaram a equipe a formular algumas questes iniciais sobre os possveis fatores determinantes dessa diversidade: - houve interpretaes variadas quanto solicitao do MEC ou o que distinto o entendimento do que seja uma proposta pedaggica? - a diversidade quanto a natureza e forma dos documentos apresentados decorre de diferentes condies dos recursos humanos e materiais existentes nas secretarias nas distintas regies do pas? - a forma precria como alguns dos documentos se apresentaram deve-se ao carter de provisoriedade que lhe atribudo? Independentemente das possveis respostas a estas questes, o fato de existirem propostas elaboradas na maior parte dos estados e nas suas capitais aponta para o significativo avano ocorrido no pas, nas ltimas dcadas, no que se refere pr-escola e sistematizao de suas propostas pedaggicas.

Onde esto as propostas de creche? Dos documentos encaminhados, poucos se referem ao trabalho com crianas de

O a 3 anos de idade, no se podendo concluir, a partir da. pela sua inexistncia. No momento da avaliao da implementao das propostas, pde-se confirmar uma hiptese levantada anteriormente, de que existem propostas pedaggicas sistematizadas relativas ao trabalho de creche. De fato, estas propostas so elaboradas, em geral, pelas secretarias ligadas rea de desenvolvimento e promoo social. Sua ausncia neste Projeto pode ser explicada pelo fato de as secretarias de educao, a quem foi feita a solicitao de encaminhamento das propostas, no terem, ainda, assumido a responsabilidade pelas redes de creches. Neste sentido, raros so os casos em que as creches so incorporadas aos sistemas de educao. No entanto, pde-se constatar que algumas secretarias de educao apresentaram, nas suas propostas, diretrizes pedaggicas bem gerais para esse atendimento. Outras esto iniciando uma articulao com aqueles setores que. historicamente, tm assumido as creches.

Com que objetivos foram elaboradas as propostas? Partindo-se do pressuposto de que ao elaborar um texto, aquele que o produz sempre tem em vista alguns objetivos, buscou-se identific-los na leitura dos documentos, quer se expressassem explicitamente, quer estivessem implcitos no discurso. Assim, verificou-se que h um nmero expressivo de documentos que se propem a fornecer subsdios aos educadores para a realizao de seu trabalho diretamente com as crianas. H outros que estabelecem como objetivo trazer elementos para que as instituies construam suas prprias propostas pedaggicas. Nesses casos, embora tratem de uma forma mais geral da fundamentao terica e dos subsdios prticos para o trabalho pedaggico, restringem-se. tambm, queles aspectos relativos ao trabalho direto do educador com as crianas. Assim, em nenhum destes casos, os documentos se referem aos demais elementos de um projeto poltico-pedaggico que orientariam as instituies no sentido de se constiturem em unidades executoras de um projeto amplo para educao infantil. Por sua vez. esta perspectiva mais contempornea de articulao projeto educativo e currculo pode ser vislumbrada em alguns poucos documentos, j elaborados nessa perspectiva.

A quem se dirigem as propostas/currculos? Qual o dilogo que elas estabelecem com seus leitores? Em decorrncia dos objetivos expressos da maioria das propostas, os interlocutores ocultos ou apontados nos documentos so. em geral, os professores/educadores. Todavia, a despeito da inteno de oferecer subsdios orientadores de sua prtica, o dilogo que os textos pretendem estabelecer com esses leitores . muitas vezes, prejudicado

pela falta de uma explicitao mais clara entre a dinmica do cotidiano das pr-escolas e creches e os pressupostos que embasam a ao pedaggica. Outro fator que dificulta essa interlocuo a linguagem utilizada, ora muito rebuscada, carregada de jarges, ora confusa e truncada, comprometendo a compreenso dos textos. Essa forma de tratamento do leitor leva a supor que no existe, por parte daqueles que redigiram a maioria destes documentos, uma conscincia clara da importncia de se formular um documento escrito tendo sempre em mente o pblico ao qual o texto se destina. Na verdade, o teor dos documentos e a forma como foram elaborados permite levantar a hiptese de que o processo de elaborao destes documentos se configura, tambm, numa forma de as equipes centrais se capacitarem e buscarem unidade filosfica/poltica, seja atravs da sistematizao conjunta do estado do conhecimento na rea da educao da criana menor de 7 anos, seja com o objetivo de servir de "carto de visita" das administraes. Por outro lado. h que se ressaltar a tentativa de aproximao de alguns documentos de seus possveis leitores, tanto atravs da adequao de sua linguagem, quanto pelo seu contedo e a forma dinmica de sua elaborao: os textos vo sendo construdos em etapas, oferecendo, desse modo, espao para que os professores/educadores possam tecer crticas aos mesmos. Estas so incorporadas, citadas e discutidas nos documentos subsequentes. Alm disso, inclui-se a anlise dos pressupostos tericos, a partir de inmeras situaes do dia-a-dia da escola e das dificuldades da prtica pedaggica, possibilitando aos profissionais ultrapassarem esse cotidiano, pensando-o criticamente. Durante as visitas para anlise da implementao, procurou-se conhecer os mecanismos de divulgao dos documentos e buscar os indcios do alcance dessas propostas nos seus virtuais leitores e nas prticas desenvolvidas por eles . Em alguns casos. viram-se as propostas sendo traduzidas pelas secretarias de educao atravs de outros instrumentos, tais como, cadernos de subsdios ao professor/educador, revistas, apostilas com listagens de atividades, etc. Em outros, as equipes centrais ou regionais organizaram encontros para tentarem discutir ou "repassar" as propostas. H os casos, ainda. das secretarias que propuseram a criao de espao nas instituies para que elas fossem ali discutidas e reconstrudas. No contato com alguns profissionais, foram constatadas situaes diversas no que diz respeito ao real alcance das propostas: h situaes em que os professores ou educadores tm acesso ao documento. apropriam-se de seu discurso, embora a sua prtica seja norteada por concepes prprias, distintas daquelas preconizadas na proposta: em muitos casos, a proposta no sequer conhecida pelos professores ou educadores, o que indica problemas, sobretudo quanto s formas de divulgao e distribuio. Em geral, estes so determinados por questes de ordem poltico-administrativa; percebeu-se ainda que, quando o acesso proposta se d atravs dos instrumentos que as traduzem, elas conseguem atingir o profissional responsvel pelas crianas. Entretanto, questiona-se sobre a real possibilidade de dilogo

do professor/educador com esses textos, j que ele os utiliza como algo pronto para ser seguido e no como um leitor ativo, transformador da proposta e de sua prpria prtica. Assim, de um modo geral, constatou-se que h pouco investimento nos mecanismos que vo, de fato, favorecer essa interlocuo, como por exemplo, um processo contnuo de formao em servio dos profissionais, no qual se estabelea um dilogo permanente entre as formulaes expressas nos documentos e prtica cotidiana. Ao invs disso, a cada nova gesto administrativa despende-se muito esforo, tempo e dinheiro pblico, na elaborao de novos documentos, consoantes, muitas vezes, com os mais recentes modismos tericos, sem levar em conta o processo vivido por seus virtuais interlocutores. Estes, por sua vez, acabam tornando-se impermeveis s novas definies. Neste sentido, constitui-se um paradoxo: as propostas privilegiam um interlocutor. mas distanciam-se dele. tendo existncia autnoma em relao quele a quem se direcionam.

Tcnicos, consultores, professores/educadores, pais: afinal quem de fato participa da construo da proposta pedaggica/currculo? Na anlise das informaes relativas autoria ou forma de produo explicitadas nos documentos, verifica-se que esses se concretizaram atravs de diferentes processos e envolvendo autores diferenciados, de alguma forma vinculados s secretarias de educao. Em alguns casos, trata-se de propostas elaboradas por tcnicos, apoiados ou no por consultores: em outros verifica-se a utilizao de modelos prontos de propostas ou elaborao de documentos apenas por consultores contratados para essa tarefa. Em outros, ainda, elas resultam de um amplo processo participativo, envolvendo educadores, famlias e comunidades em todas as suas etapas. H tambm alguns casos em que essa participao ocorreu nos momentos de discusso, mas a redao final coube a tcnicos. Em muitos desses documentos, mesmo naqueles em que no houve uma participao dos vrios sujeitos envolvidos no projeto educativo, h uma proposio de que esses sujeitos se constituam enquanto co-autores da proposta, questionando-a, fazendo novas sugestes, enfim, reformulando-a a partir de sua leitura e utilizao. De uma forma ou de outra, o discurso da participao est presente na maioria dos documentos. Esperava-se que esse discurso estivesse fundamentado na perspectiva de que uma proposta pedaggica, que tenha como objetivo contribuir para a construo de uma sociedade democrtica, deva ser construda com a participao de todos os sujeitos que estivessem, de alguma forma, envolvidos: crianas e adultos, alunos, professores ou educadores e profissionais no docentes, famlias e populao em geral. Nesse sentido, ela estaria intimamente ligada realidade a que se dirige, expressandoa em sua multiplicidade de desejos, de concepes, de valores, de necessidades. No que

se refere mais especificamente participao do professor/educador, interlocutor privilegiado dos documentos, esperava-se que fosse considerado como sujeito construtor de conhecimentos e no como mero executor de propostas prontas. Na anlise dos documentos, percebeu-se que alguns deles apontam para um avano em termos de preocupao com mecanismos efetivos que assegurem a participao de diversos segmentos na discusso e implementao da proposta. Entretanto, em alguns casos, embora a participao seja propagada, seus indcios no foram percebidos no produto. Em outros casos, embora fique evidente uma grande participao dos vrios segmentos do sistema, o documento final apresenta justaposio de textos, fragmentao e falta de articulao entre as partes, prejudicando a possibilidade de interlocuo. Nas visitas para avaliao da implementao, muitas dessas questes foram corroboradas. Neste sentido, constatou-se, em alguns dos locais visitados, a criao de vrios mecanismos viabilizadores dessa participao: seja atravs da abertura de espaos para discusso e elaborao da proposta, em encontros com a participao ampla dos vrios segmentos envolvidos na educao infantil ou de seus representantes; seja atravs de formas indiretas de participao, como pesquisas avaliativas, sistemas de superviso e acompanhamento, projetos-piloto, permitindo que os elementos do cotidiano subsidiem a construo da proposta. Entretanto, apesar do engajamento dessas equipes na busca desses mecanismos participativos, constataram-se vrias dificuldades de ordem poltico-administrativa que emperram esse processo: a dimenso das redes versus o tamanho e a organizao das equipes de superviso e acompanhamento; a rotatividade e a pouca disponibilidade de tempo dos professores/educadores: a desvalorizao desses profissionais, expressa nos baixos salrios e na escassez de recursos financeiros para o setor. Por outro lado. verificou-se, em algumas secretarias, que o discurso da ampla participao serviu apenas como uma estratgia de sua legitimao, no se constatando. de fato, a criao de mecanismos para a sua viabilizao. Assim, em alguns locais. o convite ao debate feito aos profissionais da educao infantil pareceu envolver mais uma estratgia de trabalhar as resistncias s mudanas, tratando de no identificar a proposta como um pacote autoritrio, do que uma real possibilidade de sua construo ou reformulao coletiva.

Em que histria se inserem os documentos? A maior parte das propostas foi elaborada no incio da dcada de 90. Apesar de haver documentos que buscam se contextualizar, muitos deles parecem soltos, sem apresentarem evidncias da histria que os constituiu. Em geral, as propostas no se referem sua insero na histria da educao local e nacional. Alguns documentos chegam a fazer um histrico da educao infantil em nvel internacional e nacional, mas no estabelecem relaes entre estas questes mais amplas e a histria da educao do

estado e/ou municpio, que culmina com a elaborao da proposta em questo. Ressaltese a existncia de pouqussimos documentos que buscam retratar, de forma bastante comprometida, a histria da educao infantil, vivida e construda pelos educadores na sua prtica e na sua ao, enquanto sujeitos histricos. Esses documentos sintetizam a trajetria do atendimento na rede. discutindo e analisando as conseqncias das reformas administrativas, as tendncias tericas que predominavam nas propostas pedaggicas anteriores e as concepes norteadoras do trabalho cm uma perspectiva histrica. Em grande parte das propostas apresentadas no foi possvel identificar qualquer preocupao com o resgate das experincias acumuladas pela rede. Mesmo os documentos que procuram justificar a necessidade de sua elaborao. no parecem guardar nenhum compromisso com a histria anterior. Poucos apresentam informaes sobre o processo de construo da proposta e sobre os fatores que geraram a necessidade de adoo do novo modelo curricular. Da mesma maneira que a situao e a evoluo da rede no so retratadas, os problemas histricos e atuais tambm no so inventariados, fazendo com que grande parte das propostas se apresente descontextualizada e no fornea, tambm, elementos para futuras investigaes. Assim. negando-se o passado, nega-se tambm o futuro. E como se cada proposta existisse apenas enquanto durasse uma gesto administrativa e depois desaparecesse sem deixar rastros. Por outro lado. naquelas poucas propostas em que a historicidade permeia a construo do projeto poltico-pedaggico, o texto aponta para a convico de que a histria continuar sendo construda por todos aqueles, de alguma forma, envolvidos nesse processo, independentemente das mudanas administrativas. As visitas para avaliao da implementao parecem ter reforado as anlises iniciais feitas a partir dos documentos. A maioria dos estados e municpios visitados possui poucos dados a respeito da histria anterior que culmina com a elaborao da proposta em vigor, quer seja por serem equipes recm constitudas, quer seja por falta de registro. Em qualquer um dos casos, o que se evidencia a falta de reconhecimento. por parte da maioria das equipes, da sua insero num processo histrico e poltico mais amplo. Entretanto, h que se ressaltar que. em um dos locais observados, a educao infantil vem ganhando um espao cada vez maior, em decorrncia do resgate do processo histrico vivido. Assim, o trabalho mais consistente na rea se inicia a partir de um pesquisa da realidade, organiza-se enquanto projeto-piloto e consegue atravessar algumas administraes, estruturando-se progressivamente, sem perder as suas concepes bsicas iniciais.

Como planejar sem um diagnstico? Na anlise dos documentos, foi possvel constatar que a grande maioria das secretarias no se utiliza de nenhum tipo de diagnstico para a organizao e implantao de suas propostas. De uma maneira geral, os documentos no apresentam e nem pare-

cem estar pautados em dados relativos ao contexto scio-econmico-cultural e educacional a que se destinam. Tampouco caracterizam a rede de atendimento de educao infantil ou informam sobre dados de demanda. O silncio tambm notvel no que diz respeito ao perfil e carreira dos profissionais, s expectativas da famlia, e aos problemas e obstculos a serem enfrentados. Da mesma forma, no h evidncias de que as opes conceituais privilegiadas nos documentos estejam baseadas num diagnstico das mltiplas concepes norteadoras das diversas prticas existentes nas redes. Em alguns casos, foram verificadas tentativas de levantamento e de sistematizao de alguns desses dados para servirem de base para a elaborao das propostas. Como exemplo dessas tentativas, um dos documentos analisados faz um levantamento dos problemas e dificuldades enfrentados em relao rede fsica, ao material didtico. ao perfil dos profissionais, e s concepes que norteiam o trabalho pedaggico, com a finalidade de definir e priorizar metas de ao. Outro documento, ao historiar sua proposta e a educao infantil de sua rede, oferece dados sobre as diversas concepes que permeiam ou permearam historicamente o trabalho junto s crianas, visando o delineamento das concepes defendidas na proposta. Outra proposta, ainda, apresenta um diagnstico detalhado e aprofundado da sua rede, com o objetivo de sustentar e orientar a definio de uma poltica de educao infantil para o municpio. Neste sentido, so coletados e analisados dados sobre: a caracterizao geral do atendimento (abrangncia, horrios e perodos, formas de atendimento, situao dos equipamentos, fontes de recursos para a manuteno); perfil dos profissionais; formas de acompanhamento do trabalho; organizao e funcionamento; sade: abastecimento e relao com as famlias. Entretanto, nem sempre foi possvel perceber nos documentos indcios da real utilizao das informaes levantadas. Esse o caso de uma das propostas que apresenta dados relevantes sobre o contexto scio-econmico-cultural da clientela atendida pela sua rede. mas que no os incorpora, ao definir seus objetivos, contedos e estratgias de trabalho junto s crianas. Acreditava-se que. nas visitas aos estados, seria possvel ter acesso a dados contidos em outros documentos que pudessem complementar e enriquecer a anlise. O que se pde verificar, de um modo geral, foi a confirmao das impresses iniciais no que se refere pouca utilizao dos dados na implementao das propostas. Verificaram-se situaes diferenciadas nos locais visitados: h redes em que alguns dos dados encontram-se dispersos em outros setores da secretaria, no se constituindo em material para o planejamento de aes da equipe de educao infantil: existem outras redes em que essa equipe detm apenas dados relativos s questes estritamente pedaggicas; ocorrem tambm situaes em que. por falta de registro, h um conhecimento emprico da realidade, constitudo por um saber no sistematizado: finalmente, encontraram-se casos em que. apesar de existir um diagnstico mais amplo da situao, questes poltico-administrativas inviabilizam a sua utilizao na perspectiva de mudana da realidade. Pde-se. ainda, verificar, nas visitas para avaliao da implementao, uma mai-

or proximidade dos rgos municipais com os dados que informam suas propostas, quando comparados com aos rgos estaduais que, pela dimenso de suas redes, mostram-se mais distantes da realidade sobre a qual pretendem atuar. De toda forma, constatou-se que a maior ou menor quantidade da dados disponveis. sua disperso por vrios setores ou concentrao no setor responsvel pela educao infantil, sua abrangncia ou restrio apenas aos aspectos pedaggicos e, principalmente, sua utilizao ou no no delineamento das propostas esto diretamente relacionados concepo do que seja uma proposta pedaggica/currculo para os seus elaboradores e dos elementos que lhe do suporte.

2 - AS PROPOSTAS E SEUS FUNDAMENTOS TERICOS: O DISCURSO E A PRTICAComo as concepes tericas permeiam a proposta? A maioria dos documentos apresenta uma fundamentao terica, podendo-se identificar concepes variadas de criana, educao, pr-escola, desenvolvimento, aprendizagem, alm de outras. Algumas vezes estas concepes no so explicitadas mas aparecem subjacentes ao texto. Quanto s concepes de criana, muitas das propostas caracterizam-na enquanto ser social, psicolgico e histrico, abordando-a na sua concretitude. Nessa perspectiva. alguns documentos enfatizam a criana como cidad. Outras consideram-na apenas na sua dimenso psicolgica, enfatizando-a enquanto ser em desenvolvimento. A maioria das propostas defende uma educao democrtica, transformadora da realidade, tendo como meta a formao de cidados crticos. Nesse sentido, predomina a defesa de uma escola que cumpre seu papel na sociedade, na medida em que possibilita ao indivduo o acesso aos conhecimentos historicamente acumulados. Estes conhecimentos. na maioria das vezes, se apresentam organizados no formato das tradicionais disciplinas presentes no currculo do ensino fundamental. Como decorrncia dessa viso. optam por uma concepo de instituio de educao infantil com funo pedaggica. numa perspectiva restrita, que tende a se caracterizar por um modelo de escolarizao, tendo como foco principal a alfabetizao. Algumas poucas propostas, entretanto, j buscam redimensionar o conceito de pr-escola/creche e retomar, de forma mais ampla, o conceito de funo pedaggica da instituio de educao infantil. Considerando, tambm, o conjunto de experincias e valores vivenciados na cultura. alm de abranger as necessidades especficas do desenvolvimento das crianas dessa faixa etria e suas formas privilegiadas de aprender, incluem a dimenso do cuidar. entendido enquanto atendimento s necessidades bsicas da criana. Dentre os poucos documentos direcionados ao trabalho nas creches, pode-se constatar a existncia de propostas que enfatizam a questo da guarda e do cuidado, em oposio a outras que procuram garantir tambm a dimenso educativa.

No que se refere s concepes de desenvolvimento e aprendizagem, o construtivismo piagetiano o mais freqentemente citado. Constatam-se tambm outras influncias, sobretudo do scio-interacionismo. Os fundamentos tericos acima descritos muitas vezes ocupam boa parte dos documentos. Se essa postura mostra uma busca de fundamentao para explicitar, justificar ou informar a prtica, ela mostra, tambm, as formas de apropriao da teoria pelos autores das propostas. Assim, h documentos que apresentam fundamentos consistentes e coerentes entre si. bem como com seus objetivos, diretrizes e encaminhamentos metodolgicos. Alm disso, esses documentos buscam, na teoria, formas de compreender e explicitar a diversidade das prticas existentes. Ressalte-se que, em algumas das propostas analisadas, isso aparece de forma bastante simples e clara. Por outro lado, em alguns documentos. embora os fundamentos tericos sejam explicitados de forma aprofundada e consistente, no guardam coerncia com o restante da proposta, dicotomizando-se. desse modo. teoria e orientaes para a prtica. Muitos deles, entretanto, na tentativa de embasar teoricamente o trabalho pedaggico, apropriam-se de diversos e, por vezes, antagnicos discursos tericos: misturam e superpem autores, sem a diferenciao de suas concepes epistemolgicas, tratam superficialmente e at banalizam produes tericas, copiam fragmentos de textos, sem a devida citao de suas fontes. Como exemplo, constatou-se a utilizao inadequada de termos como: "construtivismo", "sciointeracionismo", "educao democrtica e transformadora", "criana cidad", "professor/educador mediador", entre outros. Corre-se o risco, assim, de que essa abordagem superficial venha a fomentar prticas pedaggicas sem consistncia. Nas visitas para avaliao da implementao, pde-se confrontar o discurso textual, presente nas propostas, com o discurso dos tcnicos dos diversos rgos. Constatou-se, em alguns casos, uma grande coerncia entre esses discursos: as falas dos diferentes profissionais esto impregnadas dos pressupostos filosficos da proposta. Em outros, pde-se verificar que alguns dos referenciais tericos apontados no documento no foram ainda incorporados pela equipe responsvel pela implementao da proposta, evidenciando-se a utilizao, no papel, de um discurso acadmico, sem a sua real compreenso. No que se refere prtica pedaggica desenvolvida nas instituies, no se pde perceber em que medida a maior ou menor apropriao dos fundamentos tericos pelas equipes tcnicas tem reflexos no cotidiano, uma vez que esse tambm influenciado por outros fatores. Assim, quando os profissionais de educao infantil conhecem a proposta (j que muitos sequer tiveram acesso a ela), incorporam-na de diferentes maneiras. H aqueles que desenvolvem uma prtica coerente com os pressupostos norteadores da proposta, embora utilizem-na enquanto um receiturio. A maioria, entretanto, na tentativa de se apropriar dos fundamentos preconizados, distorce-os ou se utiliza de alguns fragmentos, misturando-os s suas prprias concepes. Outros, ainda. na perspectiva de resistirem ao que lhes foi imposto, tm sua prtica norteada por referenciais diversos daqueles da proposta. Predomina, assim, uma prtica pedaggica

informada pelas prprias crenas dos educadores, sua histria, seu empenho pessoal e por suas condies de trabalho, ao invs de se pautar pelos ditames do documento. Mesmo considerando as dificuldades poltico-administrativas na implementao das propostas, essas constataes permitem fazer inmeros questionamentos. Dentre eles, pergunta-se. at que ponto no se est privilegiando a teoria em detrimento da prtica na elaborao de propostas, ao invs de possibilitar que a prtica informe a teoria, ou mesmo que a teoria venha contribuir na melhor compreenso e avano das mltiplas prticas existentes?

Construtivismo: essa a soluo? O construtivismo a referncia terica utilizada com maior freqncia nos documentos analisados. como se fosse uma palavra mgica que resolveria todas as questes pedaggicas ou uma chave valiosa que abriria as portas da credibilidade de qualquer projeto. O suposto valor no mercado educacional dado a essa palavra parece ser O maior responsvel pelo seu uso indiscriminado e por suas inmeras utilizaes. Desta forma, O que se verificou no discurso foi uma utilizao bastante generalizada do construtivismo piagetiano, com mltiplas interpretaes: construtivismo enquanto concepo de aprendizagem e desenvolvimento: construtivismo enquanto concepo de alfabetizao; construtivismo enquanto mtodo. Nos documentos, outra referncia feita tambm com grande freqncia diz respeito perspectiva scio-interacionista ou scio-histrica de Wallon e Vygotsky. Algumas vezes essas referncias se fazem enquanto uma complementao perspectiva piagetiana, outras vezes enquanto oposio a esta e outras ainda como superao dessa forma de abordagem. Em alguns casos, constata-se uma confuso de perspectivas, evidenciada na justaposio desses enfoques tericos. Contudo, h propostas em que essas vises so utilizadas na busca efetiva de maior entendimento da relao ensino-aprendizagem, inspirando avanos na ao pedaggica. Nas visitas feitas aos estados, para avaliao da implementao, foi possvel perceber, no discurso dos tcnicos, diversas formas de incorporao dessas perspectivas, algumas vezes guardando coerncia com O que aparecia no discurso textual, outras evidenciando um total descompasso entre essas duas instncias discursivas. Essa dissociao tambm percebida na forma como. algumas vezes, os tcnicos conduzem O processo de formao dos educadores. Desse modo, O novo modelo lhes imposto, arbitrariamente, sem possibilitar que estabeleam relaes entre esses conhecimentos, impedindo que construam conceitos a partir de uma reflexo crtica. Contraditoriamente, pretende-se que haja uma apropriao dessa concepo de aprendizagem atravs de treinamentos e cursos de curta durao, onde esses conceitos so "repassados".

O trato inadequado dessa questo leva, algumas vezes, a mudanas no discurso dos educadores, com a incorporao de "chaves", enquanto suas prticas permanecem inalteradas. Observaram-se, assim, em algumas classes visitadas, prticas empiristas ao invs de construtivistas, evidenciadas atravs de trabalhos mecnicos e repetitivos desenvolvidos pelas crianas, poucas situaes de interao de crianas na busca de construo de conhecimento e a no-considerao da insero cultural da criana no seu processo de aprendizagem. Desta forma, possvel concluir que no a adoo de um modismo terico, tal como vem sendo feito com O construtivismo, que ir solucionar os problemas das relaes ensino/aprendizagem na educao infantil.

Qual a identidade da educao infantil? Na fundamentao terica da quase totalidade dos documentos, verificou-se a afirmao incondicional de uma educao infantil, mais especificamente de uma prescola. com funo pedaggica, da forma como foi explicitada por Snia Kramer (1991): ... "reconhecer O papel social da pr-escola significa justamente reconhecer como legtimos e, mais do que isso, assumir, junto com a escola pblica, a tarefa de universalizao dos conhecimentos. Reconhecer O papel social da pr-escola significa compreender que ela tem a funo de contribuir com a escola. Nem intil, nem incapaz de resolver todos os problemas futuros, nem tampouco importante em e por si mesma, a pr-escola tem sim. como papel social O de valorizar os conhecimentos que as crianas possuem e garantir a aquisio de novos conhecimentos, exercendo O que me acostumei a chamar de funo pedaggica da pr-escola. para diferenci-la das demais (in Souza. S.J. & Kramer. S. Educao ou Tutela. 1991. pg. 52). Entretanto, constata-se uma srie de confuses na apropriao dessa concepo, evidenciadas tanto na incoerncia entre os prprios fundamentos tericos, quanto entre esses e O corpo da proposta. A maior parte dessas confuses origina-se do fato de se buscar a realizao dessa funo, espelhando-se no modelo tradicional da escola de primeiro grau. Embora essa tendncia manifeste-se em graus diferenciados, de um modo geral, predominam: a no-considerao, de fato, do universo cultural da criana; O privilgio aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, organizados em reas de conhecimento compartimentadas conforme as disciplinas escolares, com nfase especial na alfabetizao; a dicotomizao entre O conhecer e O desenvolver-se; a no-valorizao do jogo e do brinquedo como atividades fundamentais da

criana nessa faixa etria, mas, apenas como estratgia para trabalhar contedos; a articulao da pr-escola com O 1o grau compreendida enquanto antecipao da escolaridade; a ausncia de uma meno clara sobre a forma como as atividades relativas ao cuidado da criana pequena se articulam funo pedaggica preconizada. Nos documentos, essa tendncia aparece, em geral, associada idia de uma educao democrtica e transformadora, trazendo, em seu bojo, um discurso sobre a criana enquanto ser social, inserida numa cultura e vista como sujeito de direitos. Percebe-se, no entanto, que a opo por essas concepes tem servido para legitimar a defesa apenas do direito de aprender os contedos escolares. Com esse entendimento restrito do conceito de cidadania, os direitos fundamentais das crianas no so estendidos queles relativos aos cuidados, ao brincar, e ao acesso a outros bens da cultura. Na ida aos estados, para avaliao da implementao, tanto nas entrevistas. quanto nas visitas s instituies, perceberam-se marcas da escolarizao tradicional em grande parte dos locais visitados: trabalho centrado no adulto; carteiras enfileiradas ou espaos e mobilirios inadequados (mesmo quando h espaos, estes so mal utilizados); ausncia do ldico, de atividades corporais, do trabalho com diferentes formas de expresso: nfase no aspecto cognitivo, principalmente em atividades de alfabetizao. dentre outras. Essas marcas so mais fortes nas classes de pr-escola, principalmente naquelas de crianas de 6 anos, que funcionam dentro de escolas de 1o grau pblicas, tanto em funo da proximidade do modelo quanto pelas prprias presses da escola, dos professores de 1o grau ou mesmo dos pais. Talvez seja possvel explicar as questes analisadas acima, relativas aos documentos e s observaes feitas durante as visitas, pela trajetria histrica da educao infantil em nosso pas, na busca de construo de sua identidade. Nesse processo, O trabalho com a criana pequena, que na sua origem voltava-se apenas para a assistncia. \ ai. num movimento dialtico, entremeado por conflitos, idas e vindas, buscando sua funo educativa. Assim, tentando construir um espao prprio, encontra no modelo escolar a forma privilegiada de sua legitimao, O que acaba por constituir um paradoxo. Entretanto, como no h linearidade nessa caminhada, a busca de identidade prpria constantemente retomada. Na anlise realizada neste projeto foi possvel identificar propostas e experincias que trazem em si O germe do novo. apontando para uma identidade prpria para a educao in f an ti l. Assim: buscam atender s necessidades e cuidados especficos demandados pelas crianas: no dicotomizam O brincar e O aprender: ampliam os conhecimentos trabalhados para alm daqueles compartimentados em disciplinas escolares;

consideram a criana, de fato, como ser social, produtor de cultura; buscam formas concretas de articular a educao infantil com O 1o grau.

Como a antiga polmica sobre a questo da alfabetizao na pr-escola vem sendo revisitada nas propostas pedaggicas? A quase totalidade das propostas pedaggicas faz referncia questo da alfabetizao. E, em geral, no bojo da discusso sobre a funo pedaggica da pr-escola que surge a necessidade de se incluir a alfabetizao, muitas vezes como prioridade, chegando-se at a confundir essas duas questes. H casos em que esta postura parece se constituir numa busca para conferir maior legitimidade pr-escola. Entretanto, nessa busca, so cometidos alguns equvocos conceituais. Nesse sentido, tomam a parte pelo todo, quando, ao defenderem uma concepo construtivista, referem-se apenas ao trabalho de alfabetizao, apoiando-se na perspectiva trazida por Emilia Ferreiro e colaboradores sobre a psicognese da lngua escrita. Desta forma, confundem concepo de aprendizagem com processo de construo da escrita pela criana. Outra questo bastante recorrente diz respeito prpria concepo de alfabetizao implcita ou explicitamente tratada nos documentos. O processo de aquisio da leitura visto, em muitas das propostas, de forma restrita, sendo entendido apenas enquanto domnio do cdigo. Existem alguns textos que revelam incoerncia entre seus pressupostos toricos e as diretrizes para O trabalho de alfabetizao. Nessa categoria encontram-se alguns documentos bem fundamentados, com abordagens consistentes, mas que. ao tentarem fornecer orientaes mais gerais para a ao alfabetizadora ou indicativos quanto a contedos, objetivos e metodologia, revelam a no incorporao desse