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Propriedades Geom´ etricas de Bilhares Planares Wilker Thiago Resende Fernandes 06 de fevereiro de 2014

Propriedades Geometricas de Bilhares Planares´ - ufjf.br · Resumo O objetivo deste trabalho ´e apresentar um pouco da teoria dos bilhares planares. Apresen-taremos primeiro a teoria

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Propriedades Geometricas de Bilhares Planares

Wilker Thiago Resende Fernandes

06 de fevereiro de 2014

Resumo

O objetivo deste trabalho e apresentar um pouco da teoria dos bilhares planares. Apresen-

taremos primeiro a teoria geral, dando as devidas definicoes e resultados e em seguida, dois

exemplos, o bilhar no cırculo e na elipse.

Veremos nestes exemplos que a dinamica do bilhar esta fortemente ligada as propriedades

geometricas da regiao onde se define o bilhar e que nesses exemplos a dinamica e completa-

mente integravel (nao caotica).

Abstract

The objective of this paper is to present some of the theory of planar billiards. Firstly we

present the general theory, giving the necessary definitions and results and then two examples,

the billiard in a circle and in a ellipse.

We will see in these examples that the dynamics of billiards is strongly linked to the ge-

ometrical properties of the region where it defines the billiard and that in these examples the

dynamics is completely integrable (not chaotic).

Agradecimentos

A Deus pela vida, forca e sabedoria.

Aos meus pais, Elisabete e Idargil e minha irma Ines por me guiarem em cada passo de

minha vida, estarem sempre presentes mesmo estando longe e por me ensinarem as coisas mais

importantes da vida: ser humilde, educado e honesto. Voces sao, sem duvida, as pessoas mais

importantes de minha vida.

Ao meu orientador Regis, que me aconpanha desde que entrei na universidade, por toda

atencao, dedicacao, amizade, paciencia e por ter sido um verdadeiro “pai” durante os ultimos

dois anos.

A Flaviana, minha “mamae” durante os ultimos quatro anos, por literalmente “cuidar de

mim” e seguir cada passo meu nesse perıodo de tempo.

Aos meus professores academicos e tambem aos Professores Reginaldo, Laura e Ana Tercia

por aceitarem participar de minha banca e ajudar na melhoria deste trabalho.

Aos meus amigos, Alcides, Andre e Raony, pelos conhecimentos passados desde os primei-

ros dias de minha vida universitaria e pela grande amizade ao longo dos ultimos anos.

A toda minha famılia que sempre me apoiou e torceu por mim.

A todos os amigos de Juiz de Fora, que costumo de chamar de “minha famılia de Juiz

de Fora”, Abner, Atila, Camilo, Daniel, Kinn, Letıcia, Pedro, Vinıcius, com os quais passei

os melhores momentos de minha vida universitaria, com destaque para os companheiros de

mestrado, Gisele, Yamashita, Pedretti, Ceili, Rafael, Marianna e Carlos, com os quais dividi

duvidas, tristezas de provas e forca para seguir em frente.

A Universidade Federal de Juiz de Fora e ao Departamento de Matematica.

Ao CNPq e a CAPES pelo suporte financeiro.

Sumario

1 Introducao 1

1.1 Introducao Historica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

1.2 Estrutura do Texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

2 Preliminares 3

2.1 Teoria das Equacoes Diferenciais Ordinarias e Sistemas Dinamicos . . . . . . . 3

2.2 Teoria da Medida e Teoria Ergodica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2.3 Teoria dos Bilhares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3 Bilhares 15

3.1 Circular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3.2 Elıptico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

4 Consideracoes Finais 35

Referencias Bibliograficas 38

1

1 Introducao

1.1 Introducao Historica

Ha mais de cem anos, um fısico alemao chamado Ludwig Boltzmann, estudando um mo-

delo mecanico para explicar as propriedades dos gases, formulou a chamada Hipotese Ergodica.

Quando apresentada por Boltzmann, a Hipotese Ergodica tinha apenas um sentido fısico.

Durante varios anos, na tentativa de reformula-lo para um sentido matematico desenvolveram-se

varias areas, hoje bem conhecidas da matematica: Teoria Ergodica, Transformacoes Contınuas

com Singularidades e, em particular, Teoria dos Bilhares.

Podemos dizer entao que o grande desenvolvimento e interesse despertado pela Teoria de

Bilhares se deve, principalmente, ao fato de que muitos sistemas dinamicos de origem fısica que

envolvem choques podem, de certa maneira, serem reduzidos ao estudo de bilhares. Alem disso,

estudos recentes na area de caos quantico envolvem estudos detalhados de bilhares classicos.

Outro motivo e que desde o comeco de seus estudos, a Teoria dos Bilhares tem fornecido

um grande numero de problemas em teorias matematicas (como geometria, probabilidade e

a propria teoria ergodica).

Mas afinal, o que sao bilhares? A grosso modo, bilhares sao modelos matematicos para

muitas situacoes fısicas onde uma ou mais partıculas se movem livremente em uma regiao

delimitada, sofrendo colisoes em sua fronteira e/ou com as outras partıculas. De maneira mais

formal, consideremos o caso em que apenas uma partıcula se move livremente no interior de

um domınio D ⊂ IR2 sujeita a colisoes elasticas com a fronteira de D , ou seja, o angulo de

incidencia e igual ao angulo de reflexao. Quando se descreve o comportamento dinamico desta

partıcula, da-se o nome de Problema do bilhar para a mesa D . Ao sistema dinamico, gerado

por esta situacao, da-se o nome de Bilhar. O formato da mesa em duas dimensoes define

completamente o comportamento do fluxo, denominado de fluxo do bilhar.

Ao estudar o bilhar, podemos nos perguntar se a partıcula visita as vizinhancas de todos

os pontos da fronteira, ou se ela viaja em todas as direcoes. Em outras palavras, se para qual-

2

quer ponto inicial, a trajetoria de uma partıcula e densa no espaco de fase da transformacao.

Perguntas como essas podem ser reformuladas na seguinte: “O bilhar e ergodico?”. Pode-se

pensar tambem que ser ergodico, de certo modo, e ser caotico, pois qualquer regiao do espaco

e visitada por algum iterado de quase todo ponto pela transformacao.

A forma (geometria) do bilhar e essencial para caracterizar a sua dinamica, (isto e, o

modo como um sistema dinamico evolui no tempo) que pode variar de completamente caotica

(ergodica), para completamente integravel. E pode-se perguntar ainda se o bilhar apresenta al-

guma propriedade dinamica mais forte que ergodicidade, como ser Kolmogorov (propriedade

K) ou Bernoulli. Esta ultima significa que o sistema se comporta assintoticamente como o

lancamento de uma moeda, ou seja, perfeitamente aleatorio e a propriedade K esta entre ergo-

dicidade e “bernoullicidade”.

O objetivo deste texto e apresentar um pouco da teoria dos bilhares e em seguida expor

exemplos explorando suas propriedades geometricas para chegar a resultados sobre a dinamica

do bilhar.

1.2 Estrutura do Texto

O texto esta dividido da seguinte maneira: no Capıtulo 2, apresentamos algumas definicoes

e resultados gerais sobre Sistemas Dinamicos e EDO, Teoria da Medida e Teoria Ergodica e

Teoria dos Bilhares necessarios para entendimento de alguns resultados e demosntracoes ao

longo do texto.

No Capıtulo 3 apresentamos duas mesas de bilhar. Exploramos bastante suas proprieda-

des geometricas para mostrar algumas propriedades sobre sua dinamica e apresentamos alguns

resultados classicos referentes a estas mesas.

Finalizando o texto, o Capıtulo 4, contem algumas questoes interessantes que podem ser

levantadas e algumas respostas para elas. Destacamos tambem um pouco da historia na busca

por ergodicidade em bilhares.

3

2 Preliminares

Neste capıtulo apresentaremos os principais conceitos e teoremas que serao necessarios

para a compreensao deste trabalho. Na Secao 2.1 daremos algumas definicoes sobre Sistemas

Dinamicos e EDO. Na secao 2.2 falaremos sobre Teoria da Medida e Teoria Ergodica, incluindo

o Teorema de Birkhoff. Finalizando este capıtulo, apresentaremos a Teoria Geral do Bilhares,

enunciando resultados importantes desta teoria.

2.1 Teoria das Equacoes Diferenciais Ordinarias e SistemasDinamicos

Nesta secao apresentaremos alguns resultados de Teoria de Equacoes Diferenciais e de

Sistemas dinamicos, para maiores informacoes, ver por exemplo, [9], [21], [24].

Seja M um espaco topologico. Um sistema dinamico discreto em M e uma F : Z×M→M

contınua tal que:

1. F(0, ·) = id

2. F(n,F(m,x)) = F(n+m,x), para todo n,m ∈ Z, e para todo x ∈M.

Se definirmos para cada n ∈ Z a aplicacao Fn : M → M por Fn(x) = F(n,x), temos que

Fn Fm = Fn+m, para todo n,m ∈ Z. Em particular, f = F1 e um homeomorfismo (sua inversa e

f−1 = F−1) e Fn = f n. Por isto, um sistema dinamico discreto e gerado por um homeomorfismo

f : M→M.

Um sistema dinamico contınuo ou fluxo, e uma aplicacao ϕ : R×M→M contınua tal que

1. ϕ(0, ·) = id

2. ϕ(t,ϕ(s,x)) = ϕ(t + s,x), para todo t,s ∈ R, e para todo x ∈M.

Como no caso discreto, se para cada t ∈ R definirmos ϕt : M→M por, ϕt(x) = ϕ(t,x), temos

que ϕt ϕs = ϕt+s, para todo t,s ∈ R.

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Definicao 2.1. Seja x ∈M.

1. Se f : M→M e homeomorfismo, a orbita de x e o conjunto O(x) = f n(x) : n ∈ Z.A orbita futura de x e o conjunto O+(x) = f n(x) : n≥ 0.A orbita pasada de x e o conjunto O−(x) = f n(x) : n≤ 0.

2. Se ϕ : R×M→M e fluxo, a orbita de x e o conjunto O(x) = ϕt(x) : t ∈ R.A orbita futura de x e o conjunto O+(x) = ϕt(x) : t ≥ 0.A orbita pasada de x e o conjunto O−(x) = ϕt(x) : t ≤ 0.

Esbocando algumas dessas orbitas obtemos o espaco de fase do sistema.

Seja f : M→M um sistema dinamico discreto.

• Um ponto p ∈M e dito fixo, se f (p) = p.

• Um ponto p ∈M e dito periodico, se existe um k ≥ 1 tal que f k(p) = p. Chamamos de

perıodo de p, mink ≥ 1 : f k(p) = p.

A definicao para fluxos e:

• Um ponto p ∈ M e dito ponto de equilıbrio ou singularidade, se ϕt(p) = p, para todo

t ∈ R.

• A orbita por p ∈ M e dita periodica se existe t > 0 tal que ϕt(p) = p. Chamamos de

perıodo de p, mint > 0;ϕt(p) = p.

Dizemos que dois sistemas dinamicos discretos f ,g : M→M sao conjugados se existe um

homeomorfismo h : M→M tal que h f = gh.

Para o caso de dois fluxos, φt , ψt em M, dizemos que eles sao conjugados se existe um

homeomorfismo h : M→M tal que hφt = ψt h para todo t ∈ R.

Definicao 2.2. Uma integral primeira da equacao diferencial x = X(x), X : Ω⊂ Rn→ Rn e Ω

aberto, e uma funcao diferenciavel V : Ω→ R que nao e constante em conjuntos abertos, mas

que e constante ao longo de cada solucao da equacao diferencial. Ou seja, V nao e constante,

mas

ddt(V x)(t) = 0,

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para cada x : I→ Rn trajetoria de x = X(x). E x = X(x) e dita integravel se existe um numero

suficiente de integrais primeiras a ponto de permitir identificar as curvas definidas pelas solucoes

das equacoes.

Consideremos agora o campo de classe C1, X : Ω→ Rn definido em um conjunto aberto

Ω⊂ Rn e a EDO correspondente, x = X(x). E seja φt o fluxo definido em Ω pela EDO.

Definicao 2.3. Seja p ∈ Ω tal que X(p) 6= 0. Uma secao transversal local em p e um subcon-

junto Σ⊂Ω tal que p ∈ Σ e tal que existe h : Bn−1 ⊂ Rn−1→ Rn diferenciavel e injetiva, onde

Bn−1 e uma bola em Rn−1 tal que Σ = h(Bn−1) e tal que para todo x ∈ Bn−1 temos que

Rn = dhx(Rn−1⊕X(h(x)).

Teorema 2.4 (Fluxo Tubular). Sejam X : Ω→Rn um campo Cr, r≥ 1, e p∈Ω tal que X(p) 6= 0.

Entao existem ε > 0, δ > 0, uma vizinhanca U(p) de p e um difeomorfismo Cr, H : U(p)→(−ε.ε)×Bn−1(0,δ ) tal que, se q ∈U(p) entao

dHq(X(q)) = (1,0, ...,0).

Em particular H e uma conjugacao de classe Cr entre o fluxo de X em U e o fluxo do campo

constante horizontal Y = (1,0, ...,0) em (−ε.ε)×Bn−1(0,δ ).

2.2 Teoria da Medida e Teoria Ergodica

Nesta secao falaremos sobre Teoria da Medida . Apresentaremos apenas as principais

definicoes e teoremas necessarios para nosso trabalho. Para mais informacoes e demonstracoes

dos teoremas aqui relacionados, recomendamos a leitura de [10], [18], [20] e [26].

Uma colecao τ de subconjuntos de um conjunto X e denominada uma topologia em X se τ

possui as seguintes propriedades:

(i) /0 ∈ τ e X ∈ τ .

(ii) Se Vi ∈ τ , para i = 1, ...,n, entao V1∩ ...∩Vn ∈ τ .

(iii) Se Vα e uma colecao abitraria de membros de τ (finita, enumeravel ou nao enumeravel)

entao⋃α

Vα ∈ τ .

Se τ e uma topologia em X entao X e denominado um espaco topologico, e os membros

de τ sao chamados (conjuntos) abertos em X . Se X e Y sao espacos topologicos e f e uma

transformacao de X em Y , entao f e denominada contınua se f−1(V ) e um aberto em X para

todo aberto V em Y .

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Uma colecao A de subconjuntos de um conjunto X e uma σ -algebra em X se A possui

as seguintes propriedades:

(i) X ∈A .

(ii) Se A ∈A , entao Ac ∈A , onde Ac e o complementar de A em relacao a X .

(iii) Se An ∈A , para n = 1,2, ..., entao A = ∪∞n=1An ∈A .

Se A e uma σ -algebra em X , entao X e denominado um espaco mensuravel, e os membros

de A sao chamados conjuntos mensuraveis em X . Se X e um espaco mensuravel, Y e um

espaco topologico, e T e uma transformacao de X em Y , entao T e dita mensuravel se T−1(B)

e um conjunto mensuravel em X para todo conjunto aberto B em Y .

Se (X ,τ) e um espaco topologico, a σ -algebra gerada pela topologia e chamada σ -algebra

de Borel e seus conjuntos, boreleanos. Uma medida definida sobre uma σ -algebra de Borel e

chamada medida de Borel.

Uma medida e uma funcao µ : A → [0,∞] tal que µ( /0) = 0 e µ(⊔

∞i=1 Ai) = ∑

∞i=1 µ(Ai),

onde o sımbolo⊔

denota uniao disjunta. Um espaco de medida e um espaco mensuravel que

possui uma medida definida na σ -algebra de seu conjuntos mensuraveis, usualmente denotada

pela terna (X ,A ,µ). Se µ(X) = 1, dizemos que µ e uma probabilidade e (X ,A ,µ) e um

espaco de probabilidade.

Se E ⊂ IRk e x ∈ IRk, a translacao de E por x e o conjunto

E + x = y+ x ; y ∈ E.

Um conjunto da forma

W = x = (x1, ...,xn) ; αi < xi < βi , 1≤ i≤ k,

ou qualquer conjunto obtido substituindo um dos ou todos os sinais < por ≤, e chamado uma

k-celula. Seu volume e definido por

vol(W ) =k

∏i=1

(βi−αi).

Proposicao 2.5. Existe uma medida Leb definida em uma σ -algebra A em IRk, com as seguintes

propriedades:

(a) Leb(W ) = vol(W ), para toda k-celula W.

(b) A contem todos os boreleanos em IRk.

(c) Leb e invariante por translacao, isto e, Leb(E + x) = Leb(E), ∀E ∈A e ∀x ∈ IRk.

(d) Se µ e uma medida de Borel em IRk qualquer, invariante por translacao, tal que µ(K)< ∞

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para todo conjunto compacto K, entao existe uma constante c tal que µ(E) = c.Leb(E), para

todo boreleano E ⊂ IRk.

(e) Para toda transformacao linear T de IRk em IRk correponde um numero real ∆(T ) tal que

Leb(T (E)) = ∆(T )Leb(E) para todo E ⊂A .

Demonstracao. Ver [20], pag. 51.

Os membros de A definida na proposicao acima sao os conjuntos Lebesgue mensuraveis

em IRk; Leb e a medida de Lebesgue em IRk.

Dado (X ,A ), sejam µ e ν medidas definidas sobre A . Dizemos que ν e absolutamente

contınua em relacao a µ se ν(A) = 0 para todo A ∈A tal que µ(A) = 0. As medidas µ e ν sao

equivalentes se µ e absolutamente contınua em relacao a ν e vice-versa.

Sejam (X ,A ,µ) e (Y,B,ν) espacos de medida. Dizemos que uma transformacao T :

X → Y preserva medida se, para B ∈ B, temos que T−1(B) ∈ A e µ(T−1(B)) = ν(B). Se

(X ,A ,µ)= (Y,B,ν), diz-se tambem que µ e T-invariante ou invariante sob T. Uma transformacao

T : X → X e chamada automorfismo se e uma bijecao mensuravel que preserva medida.

Definicao 2.6. Seja T uma transformacao que preserva medida de um espaco de probabilidade

(X ,A ,µ). Dizemos que T e ergodica se os membros A∈A com T−1A = A satisfazem µ(A) =

0 ou µ(A) = 1.

Existem varias outras maneiras de caracterizar a condicao de ergodicidade. Apresentaremos

algumas delas a seguir.

Proposicao 2.7. Se T : X → X e uma transformacao que preserva medida em um espaco de

probabilidade (X ,A ,µ) entao as seguintes afirmacoes sao equivalentes:

(i) T e ergodica;

(ii) os unicos membros A ∈A com µ(T−1A4A) = 0 sao aqueles com µ(A) = 0 ou 1;

(iii) para cada A ∈A com µ(A)> 0 temos µ(⋃

∞n=1 T−nA) = 1;

(iv) para cada A,B ∈A com µ(A)> 0,µ(A)> 0, existe n > 0 com µ(T−nA∩B)> 0.

Demonstracao. Ver [26], pag. 27.

Observacao 2.8. Das condicoes (iii) e (iv), pode-se pensar que a orbita T−nA∞n=0 de qualquer

conjunto nao vazio A, varre todo o espaco X , ou que cada conjunto nao trivial A possui uma

orbita densa.

Sejam 0 < p < ∞, e f : X→C, onde C representa o conjunto dos numeros complexos, uma

funcao mensuravel. Definimos:

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|| f ||p =∫

x| f |pdµ

1/p

,

e o conjunto

Lpµ = f ; || f ||p < ∞.

Dizemos que uma funcao f e integravel se f ∈ L1µ .

Outra caracterizacao de ergodicidade e a seguinte.

Proposicao 2.9. Se T : X → X e uma transformacao que preserva medida em um espaco de

probabilidade (X ,A ,µ) e f : X → IR entao as seguintes afirmacoes sao equivalentes:

(i) T e ergodica;

(ii) quando f e mensuravel e ( f T )(x) = f (x) para todo x ∈ X, entao f e constante q.t.p.;

(iii) quando f e mensuravel e ( f T )(x) = f (x) q.t.p., entao f e constante q.t.p.;

(iv) quando f ∈ L2(µ) e ( f T )(x) = f (x) para todo x ∈ X, entao f e constante q.t.p.;

(v) quando f ∈ L2(µ) e ( f T )(x) = f (x) q.t.p., entao f e constante q.t.p.

Demonstracao. Ver [26], pag. 28.

Dada f ∈ L1(X ,µ) definimos sua media temporal no ponto x como

f ∗(x) := limn→∞

1n

k=n

∑k=1

( f T k)(x).

Teorema 2.10 (Birkhoff). Seja (X ,A ,µ) um espaco de probabilidade e T : X→X uma aplicacao

que preserva µ . Seja f uma funcao definida em X integravel. Entao o limite

f ∗ = limn→∞

1n

k=n

∑k=1

( f T k)(x)

existe para µ-q.t.p. x ∈ X.

Alem disso:

(a) f ∗ T = f ∗ em µ-q.t.p.;

(b) se f ∈ Lp(µ) entao f ∗ ∈ Lp(µ), temos convergencia na norma ‖ · ‖p e temos que

‖ f ∗‖p ≤ ‖ f‖p;

(c)∫

f ∗dµ =∫

f dµ .

Demonstracao. Ver [26], pag. 34.

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Alem disso, temos a seguinte equivalencia:

Proposicao 2.11. Uma aplicacao T : X → X e ergodica se, e somente se

limn→∞

1n

k=n

∑k=1

( f T k)(x) =∫

f dµ .

Demonstracao. Ver [18], pag 44.

2.3 Teoria dos Bilhares

Apresentamos aqui uma breve introducao a Teoria dos Bilhares, tendo como base o livro de

Chernov e Markarian [5].

Definicao 2.12. Dado D ⊂ IR2 um domınio com fronteira suave ou suave por partes, um bi-

lhar planar corresponde ao movimento livre de uma partıcula no interior de D , com reflexoes

elasticas na fronteira ∂D .

Como so trabalharemos com bilhares planares, nos referiremos a eles neste texto apenas

como bilhares. Utilizaremos ainda as seguintes hipoteses:

(i) A fronteira de ∂D e uma uniao finita do fecho Γi de curvas suaves,

∂D = Γ = Γ1∪ . . .∪Γr.

As Γi sao chamadas paredes ou componentes de ∂D . Elas sao de classe Ck, k≥ 3, e cada

uma e definida por uma funcao fi : I ⊂ IR→ IR2 de classe Ck, onde I e intervalo de IR, que

esta parametrizada pelo comprimento de arco.

(ii) As componentes da fronteira Γi podem intersectar umas as outras apenas em seus extre-

mos, i.e.,

Γi∩Γ j ⊂ ∂Γi∪∂Γ j para i 6= j.

(iii) Em cada Γi a segunda derivada da curva ou nunca e zero ou e identicamente zero.

Definicao 2.13. Uma mesa de bilhar D e o fecho de um domınio aberto conexo D ⊂ IR2 tal

que ∂D satisfaz as hipoteses (i), (ii), (iii) descritas acima.

Denotemos por

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Γ∗ = ∂Γ1∪ . . .∪∂Γr, Γ = Γ\Γ∗.

Pontos x ∈ Γ∗ serao chamados pontos de quina, pontos x ∈ Γ serao chamados pontos de

fronteira regulares.

A parede Γi sera chamada

1. flat, se f ′′i = 0;

2. focalizadora, se f ′′i 6= 0, apontando para dentro de D ;

3. dispersiva, se f ′′i 6= 0, apontando para fora de D .

Definimos a curvatura (com sinal) k, dada por

1. k = 0 se Γi e flat;

2. k = ‖ f ′′i ‖ se Γi e focalizadora;

3. k =−‖ f ′′i ‖ se Γi e dispersiva.

Denotemos por q ∈D a posicao da partıcula em movimento e por v ∈ IR2 seu vetor veloci-

dade, que sao funcoes do tempo t ∈ IR. Quando a partıcula se move no interior da mesa, tal que

q ∈ int D , ela mantem velocidade constante

q = v e v = 0. (2.1)

Quando a partıcula colide com a parte regular da fronteira, q ∈ Γ, seu vetor velocidade e

refletido atraves da tangente a Γ em q, utilizando a regra angulo de incidencia e igual a angulo

de reflexao e pode ser expressado por

v+ = v−−2〈v−,n〉n, (2.2)

onde v+ e v− referem-se as velocidades pos-colisao e pre-colisao, respectivamente, e n denota

o vetor unitario normal a Γ no ponto q. Se a partıcula atinge um ponto de quina, ela para e seu

movimento nao sera mais definido alem desse ponto.

As equacoes de movimento (2.1) e (2.2) preservam a norma ‖v‖ e e comum toma-la nor-

malizada, ‖v‖= 1.

Definicao 2.14. Uma colisao e regular se q ∈ Γ e o vetor v− nao e tangente a Γ. Neste caso

v− 6= v+. Se v− e tangente a Γ nos pontos de colisao, entao v− = v+ e tal colisao e chamada

tangencial.

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O estado de uma partıcula em movimento para qualquer tempo e especificada por sua

posicao q ∈ D e seu vetor velocidade unitario v ∈ S1. Assim, o espaco de fase do sistema

e

Ω = (q,v)= D×S1.

Figura 2.1: Exemplo de uma trajetoria em uma mesa D qualquer.

Em cada ponto de fronteira regular q∈ Γ, e conveniente identificar os pares (q,v−) e (q,v+)

relacionados pela regra de colisao (2.2). Isto ocasiona uma mudanca na topologia de Ω, mas

suas propriedades topologicas nao serao essenciais.

Denotemos por πq e πv as projecoes naturais de Ω sobre D e S1, respectivamente. Alem

disso, denotemos por Ω⊂Ω o conjunto de estados (q,v) nos quais a dinamica da partıcula esta

definida para todos os tempos −∞ < t <+∞. Obtemos um fluxo

Φt : Ω→ Ω.

Toda trajetoria do fluxo Φtx, x∈ Ω, e uma curva contınua em Ω. E usual chamar sua projecao

πq(Φtx) sobre a mesa D uma trajetoria do bilhar.

No estudo de sistemas dinamicos, e comum reduzir um fluxo a uma transformacao cons-

truindo uma secao transversal. Para um bilhar, uma secao transversal em Ω e geralmente cons-

truıda na fronteira da mesa de bilhar, i.e., no conjunto Γ× S1. Podemos descrever a secao

transversal como o conjunto de todos os vetores de velocidade pos-colisao:

M =⋃

i

Mi, Mi = x = (q,v) ∈Ω : q ∈ Γi,〈v,n〉 ≥ 0,

onde n denota o vetor unitario normal a Γi apontando para dentro de D . O conjunto M e uma

subvariedade de dimensao 2 em Ω chamado o espaco de colisao.

Denotamos por τ(x) o primeiro tempo positivo no qual a orbita Φt(x) intersecta Γ× S1, e

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chamamos esse valor o tempo de retorno. Seja M = M ∩ Ω. Este define uma aplicacao de

retorno T : M → M por

T (x) = Φτ(x)+0x,

onde o sımbolo τ(x)+ 0 indica que estamos tomando tempos que se aproximam de τ(x) pela

direita. T e chamada a aplicacao do bilhar ou aplicacao de colisao (de acordo com isso, M e

chamado o espaco de fase da aplicacao do bilhar T ).

Parametrizamos esses elementos como x = (s,θ), s e o parametro de comprimento de arco

ao longo de ∂D e θ ∈ [0,π] e o angulo entre o vetor velocidade v e a tangente a ∂D em q,

orientado como na Figura 2.2.

Figura 2.2: As orientacoes de s e de θ .

Denotamos

S0 = ∂M = θ = 0∪θ = π∪

(⋃i

(s = ai∪s = bi)

),

onde o conjunto s = ai ∪ s = bi esta incluıdo apenas para as curvas Γi que nao sao fe-

chadas (constituindo fronteiras para o intervalo [ai,bi]). Alem disso consideramos os seguintes

conjuntos

S1 = S0∪x ∈ int M : T (x) /∈ int M .

Esses sao pontos que fazem uma colisao tangencial com uma parede dispersiva (i.e, T (x) ∈ S0)

ou cuja trajetoria atinge um ponto de quina e para. Utilizando o mesmo estudo para a inversa

T−1, escrevemos

S−1 = S0∪x ∈ int M : T−1(x) /∈ int M .

Definicao 2.15. Seja k(s) > 0 a curvatura de Γ no ponto s ∈ Γ. Chamaremos de cırculo semi-

osculador o cırculo D(s) tangente a Γ em s com raio r(s)/2 onde r(s) = 1/k(s) e o raio de

curvatura de Γ em s .

Quando T esta bem definida em uma vizinhanca de um ponto x = (s,θ), podemos obter sua

13

derivada neste ponto dada (ver [7]):

DxT =

tk− sinθ

sinθ1

tsinθ1

k1tk− sinθ

sinθ1− k

k1tsinθ1

−1

, (2.3)

para x1 = (s1,θ1) = T (s,θ) = T (x) e k1 = k(x1), onde t e tempo necessario para duas rebatidas

consecutivas (ou o deslocamento entre duas rebatidas consecutivas, ja que a partıcula tem velo-

cidade constante unitaria) e k(x) indica a curvatura da fronteira ∂Γ no ponto x. Se ambos, s,s1

nao pertencem a linhas retas, entao (2.3) pode ser reescrita como

DxT =

t−d

r sinθ1

tsinθ1

t−d−d1

rd1

t−d1

d1

, (2.4)

onde r = 1/k, e o raio de curvatura de Γ em s e d = r sinθ ,d1 = r1 sinθ1. Note que se k > 0

(componente focalizadora), entao d e o comprimento do subsegmento de ss1 contido no cırculo

semi-osculador D(s).

Observacao 2.16. Em [5], na parametrizacao de x, foi usado o angulo ϕ entre o vetor velo-

cidade e o vetor normal. Isto acarreta apenas a mudanca cosϕ = sinθ , ja que ϕ = π/2− θ .

Assim os calculos continuam validos utilizando a parametrizacao com o angulo θ .

O proximo resultado pode ser visto em [5], pag. 35.

Teorema 2.17. A aplicacao T : M \S1→M \S−1 e um difeomorfismo Ck−1.

Note que a matriz derivada de T e expressa pelas curvaturas dos bordos de ∂D , que corres-

pondem a derivadas de funcoes Ck.

Definimos indutivamente

Sn+1 = Sn∪T−1(Sn) e S−(n+1) = S−n∪T (S−n).

Sn+1 e S−(n+1) sao os conjuntos de singularidades para T n+1 e T−(n+1), respectivamente. As-

sim, no conjunto

M = M \+∞⋃

n=−∞

Sn

todas as iteracoes de T estao definidas e sao Ck−1 difeomorfismos. Assim, T esta bem definida

em um subconjunto denso M ⊂M de medida de Lebesgue total. Assim a aplicacao pode ser

estendida por continuidade a todo M , como anteriormente.

14

Utilizando a formula para DxT (2.3), obtem-se que detDxT = sinθ/sinθ1.

Teorema 2.18. A aplicacao T preserva a medida sinθdsdθ em M .

Demonstracao. De fato, utilizando mudanca de variaveis e o valor do determinante acima∫∫T (A)

sinθ1ds1dθ1 =∫∫

Asinθdsdθ

para qualquer boreliano A⊂M .

15

3 Bilhares

Neste capıtulo apresentaremos dois exemplos de bilhares. Mostraremos como as proprieda-

des geometricas da mesa influenciam fortemente o comportamento da dinamica do bilhar. Para

mais informacoes, recomendamos a leitura de [5], [16] e [25].

3.1 Circular

Tomemos um cırculo S = S1, de raio 1 e centro na origem, C, parametrizado pelo angulo θ

a partir do eixo x, θ ∈ [0,2π].

Seja z0 = (θ0,ψ0) onde ψ0 o angulo de reflexao em θ0 medido a partir da tangente.

Proposicao 3.1. Para cada n ∈ Z, seja θn o n-esimo ponto de colisao e ψn o correspondente

angulo de reflexao. Entao

θn+1 = θn +2ψn(mod 2π) (3.1)

ψn+1 = ψn

para todo n ∈ Z

Demonstracao. Seja θ1 o ponto do cırculo da primeira colisao da trajetoria de z.

Notemos que o triangulo θ0Cθ1 e isosceles, ver Figura 3.1.

Logo o angulo de incidencia em θ1 e ψ0 e o angulo central α e 2ψ0.

Assim, se z1 = T z, temos que z1 = (θ0 +2ψ0,ψ0). E o resultado segue por inducao.

Como um corolario obtemos o seguinte resultado

Corolario 3.2. Seja (θ0,ψ0) os parametros iniciais de uma orbita. Entao

16

θn = θ0 +2nψ0(mod 2π)

ψn+1 = ψ0

Figura 3.1: Construcao do bilhar circular.

As colisoes sao caracterizadas por dois parametros, θ (o ponto) e ψ (o angulo). O espaco

de todas as colisoes, que denotaremos por M = (θ ,ψ);θ ∈ [0,2π],ψ ∈ [0,π], e um cilindro

cuja base e o cırculo e altura π .

Note que cada nıvel Cψ = ψ =const do cilindro e invariante pela aplicacao T . Quando

restringimos T a Cψ teremos uma rotacao do cırculo Cψ por um angulo de 2ψ , isto segue

diretamente da Equacao 3.1. Assim o espaco de fase da aplicacao do bilhar no cırculo pode ser

representado como na Figura 3.2.

Figura 3.2: Para os valores de ψ = const., em cada linha do espao de fase existe uma quantidadenao enumeravel de orbitas.

Em sistemas dinamicos, as rotacoes do cırculo sao exemplos bem conhecidos. Vamos des-

tacar agora algumas propriedades.

Definicao 3.3. Dizemos que a rotacao de um angulo α e irracional se o numero α/π e irracci-

onal, e dizemos que a rotacao e racional caso contrario.

17

Proposicao 3.4. Se ψ < π for um multiplo racional de π , isto e, ψ/π = m/n, m,n ∈ Z, entao a

rotacao do cırculo Cψ e periodica de perıodo n, ou seja, cada ponto no cırculo e periodico de

perıodo n, ou ainda, que T n(θ ,ψ) = (θ ,ψ) para cada 0≤ θ ≤ 2π .

Demonstracao. Temos que

ψ

π=

mn=⇒ 2ψ = 2π

mn

.

Fixe 0≤ θ ≤ 2π . Pela Equacao 3.1, segue que

T (θ ,ψ) = (θ1,ψ1) = (θ +2ψ(mod 2π),ψ) = (θ +2πmn(mod 2π),ψ)

T 2(θ ,ψ) = (θ2,ψ2) = (θ1 +2ψ(mod 2π),ψ) = (θ +4πmn(mod 2π),ψ)

T 3(θ ,ψ) = (θ3,ψ3) = (θ2 +2ψ(mod 2π),ψ) = (θ +6πmn(mod 2π),ψ)

...

T n(θ ,ψ) = (θn,ψn) = (θn−1 +2ψ(mod 2π),ψ) = (θ +2nπmn(mod 2π),ψ).

Logo,

T n(θ ,ψ) = (θ +2mπ(mod 2π),ψ) =⇒ T n(θ ,ψ) = (θ(mod 2π),ψ).

Ou seja, T n(θ ,ψ) = (θ ,ψ).

Na Figura 3.3 podemos observar a presenca de algumas orbitas periodicas de perıodos

distintos.

Figura 3.3: Exemplos de orbitas periodicas no cırculo.

18

Definicao 3.5. Seja X um espaco topologico. Dizemos que o sistema dinamico f : X → X e

minimal se a orbita de cada ponto x ∈ X e densa em X .

Proposicao 3.6. Se α e irracional entao a rotacao Rα e minimal.

Demonstracao. Seja A ⊂ S o fecho de uma orbita. Se a orbita nao e densa, o complementar

S\A e um conjunto aberto, invariante e nao vazio que consiste de intervalos disjuntos. Seja I o

maior desses intervalos (ou um dos maiores, se existirem varios do mesmo comprimento).

Como a rotacao preserva o comprimento de qualquer intervalo, os iterados Rnα I nao se

sobrepoem. Caso contrario S\A conteria um intervalo maior que I.

Como α e irracional, nenhum iterado de I pode coincidir, pois caso isso acontecesse, uma

extremidade x de um iterado de I voltaria nele mesmo e terıamos x+kα = x(mod 1) com kα = l

um inteiro e α = l/k um numero racional.

Assim, os intervalos Rnα I sao todos de comprimentos iguais e disjuntos, o que e impossıvel

pois o cırculo possui comprimento finito e a soma dos comprimentos de intervalos disjuntos

nao pode exceder o comprimento do cırculo.

Definicao 3.7. Uma sequencia de pontos xn em um cırculo S e dita uniformemente distribuida

(ou equidistribuıda) se para qualquer intervalo I ⊂ S, o limite

limN→∞

#n;0 < n < N,xn ∈ IN

=m(I)m(S)

,

onde m(·) denota o comprimento.

O proximo teorema e devido a H. Weyl (1914).

Teorema 3.8. Seja (xn) uma sequencia em S. Entao as seguintes afirmacoes sao equivalentes:

1. (xn) e uniformemente distribuıda (mod 2π);

2. Para toda funcao ϕ : S→ R contınua, tem-se limN→∞

1N

N−1

∑j=0

ϕ(x j) =1

∫S

ϕ(x)dx;

3. limN→∞

1N

N−1

∑n=0

exp(2πimϕ(xn)) = 0, para todo m inteiro nao nulo.

Como um corolario desde teorema, obtemos o seguinte resultado,

Proposicao 3.9. Se ψ/π e irracional entao para cada ponto (θ ,ψ) ∈Cψ , suas imagens

19

xn =θ +2nψ

π(mod 2π),

sao uniformemente distribuıdas em Cψ .

Demonstracao. Dado m inteiro nao nulo, temos

1N

N−1

∑n=0

exp(

2πim(θ +2ψn)

π

)=

exp(2imθ)

N

N−1

∑n=0

(exp(4imψ))n

=exp(2imθ)

N

(1− exp(4imNψ)

1− exp(4imψ)

).

Como ψ/π e irracional, segue que na ultima igualdade acima, o quociente entre parenteses

e limitado, uma vez que o denominador nunca se anula. Logo,

1N

N−1

∑n=0

exp(

2πim(θ +2ψn)

π

)→ 0,

quando N→ ∞. Assim, pelo Teorema 3.8, o resultado segue.

Agora, com a proposicao acima, o Teorema 3.8 e a Proposicao 2.11 obtemos o seguinte,

Proposicao 3.10. Se Rα e uma rotacao irracional de um angulo α entao Rα e ergodica com

respeito a medida de Lebesgue.

E como uma consequencia,

Corolario 3.11. Se ψ/π e irracional, entao a rotacao de Cψ e ergodica com respeito a medida

de Lebesgue.

Uma pergunta que podemos nos fazer agora e: “T e ergodica?”

A resposta para esta pergunta e NAO!

De fato, considere a funcao F : M→ R definida por F(θ ,ψ) = ψ . Note que F ∈ L1(µ) e

satisfaz F(T x) = Fx para todo x ∈M, porem F nao e constante. Logo, pela Proposicao 2.9, T

nao e ergodica.

Vamos mostrar agora uma propriedade muito importante e interessante sobre o bilhar cırcular.

Ela diz que cada segmento entre duas colisoes consecutivas de uma trajetoria e tangente a uma

curva.

20

Proposicao 3.12. Cada segmento da trajetoria da partıcula entre duas colisoes consecutivas e

tangente ao cırculo Sψ = x2 +y2 = cos2 ψ concentrico com o cırculo original S. Alem disso,

se ψ/π e irracional, entao as trajetorias preenchem densamente o anel entre S e o cırculo

menor Sψ .

Demonstracao. Seja C = (0,0) o centro do cırculo S. Consideremos duas trajetorias conse-

cutivas tais que θ = (x,y) e θ ′ = (x′,y′) sao pontos de colisao consecutivos dessas trajetorias.

Seja P ∈ θθ ′ tal que CP ⊥ θθ ′. Temos que os triangulos CθP e Cθ ′P sao semelhantes, daı

θCP = θ ′CP = ψ , pois θCθ ′ = 2ψ , ver Figura 3.4. Logo, concluimos que P e o ponto medio

de θθ ′, isto e, P =(

x+x′2 , y+y′

2

)

Figura 3.4:

Alem disso, temos que P ∈ Sψ . De fato,

dist(C,P) =

√(x+x′

2

)2+(

y+y′2

)2,

logo

cosψ =

√(x+x′

2

)2+(

y+y′2

)2.

Assim,

cos2 ψ =(

x+x′2

)2+(

y+y′2

)2.

Portanto, P ∈ Sψ . Como P e o unico ponto com a propriedade de que CP⊥ θθ ′, segue que

θθ ′ e tangente a Sψ em P.

Para a segunda parte, tomemos um ponto P qualquer no anel entre S e o cırculo menor Sψ .

Dado ε > 0, seja B(P,ε) a bola de centro P e raio ε .

21

Seja r a reta por P tangente a Sψ . Assim, r intersecta S em dois pontos, denotemos por Q

um esses pontos, isto e, Q∈ S∩r. Temos que a rotacao por angulo 2ψ e irracional, por hipotese,

consequentemente a orbita de todo ponto (θ ,ψ) e densa em S devido a minimalidade da rotacao.

Logo, existe um ponto R em S pertencente a uma orbita densa, tal que dist(Q,R)< ε .

Seja l a trajetoria do bilhar que sai do ponto R (a qual e tangente a Sψ ). Seja tambem s a reta

passando por P e paralela ao segmento QR. Denote por E = l∩ s, para fixar ideias veja Figura

3.5. Note que dist(P,E) < dist(Q,R) < ε . Ou seja, dado qualquer ponto P no anel entre S e o

cırculo menor Sψ , temos uma trajetoria do bilhar passando por P. Isto conclui a demonstracao.

Figura 3.5:

O cırculo Sψ definido acima, com a propriedade que cada segmento da trajetoria de uma

partıcula entre duas colisoes consecutivas e tangente a ele, e denominado caustica. Varios tipos

de bilhares possuem causticas, ver por exemplo, [14] para a prova de existencia de causticas em

domınios focalizadores.

Sintetizando os resultados apresentados temos que,

. se ψ for um multiplo irracional de π , a partıcula descreve uma orbita que continuamente

atinge pontos diferentes do cırculo, preenchendo um anel no interior da mesa, como mos-

tra a Figura 3.6.

. caso contrario, ou seja ψ for um multiplo racional de π , a orbita e periodica, como a da

Figura 3.3.

22

Figura 3.6: Exemplo de formacao de caustica no cırculo.

3.2 Elıptico

Seja o bordo de uma regiao D a elipse (x,y) ∈ R2;x2

a2 +y2

b2 = 1,a > b > 0 de focos F1 e

F2. Por definicao, uma elipse e o conjunto dos pontos A ∈ R2 tais que a soma das distancias de

A aos dois focos F1 e F2 e constante.

Proposicao 3.13. Sejam A ∈ ∂D e L a reta tangente a elipse por A. Entao os segmentos AF1 e

AF2 fazem angulos iguais com L.

Para demonstrarmos este resultado, usaremos o seguinte lema, que pode ser encontrado,

por exemplo [13].

Lema 3.14. Seja f : R2 → R uma funcao de classe C1. Entao 5 f (x,y) e perpendicular as

curvas de nıvel de f , ou seja, e perpendicular a reta tangente a curva no ponto de tangencia.

Observe que podemos dizer tambem que5 f (x,y) e normal a curva.

Lema 3.15. Seja G um ponto do plano e g : R2→ R definida por g(X) = |X −G|. Entao g e

derivavel em R2 \G e5g(X) =X−G|X−G|

.

Demonstracao. (da Proposicao 3.13). Defina f : ∂D→ R por

f (X) = dist(X ,F1)+dist(X ,F2) = |X−F1|+ |X−F2|= c

para valores de c > |F2−F1|.

Podemos escrever f (X) = f1(X)+ f2(X), onde f1(X) = |X−F1| e f2(X) = |X−F2|. Logo,

pelo Lema 3.15, temos que5 f1(X) =X−F1

|X−F1|e5 f2(X) =

X−F2

|X−F2|.

Entao,

5 f (X) =X−F1

|X−F1|+

X−F2

|X−F2|,

23

daı, o gradiente de f e a soma de dois vetores unitarios nas direcoes de F1X e F2X .

Logo, os vetores unitarios formam com a normal a curva (gradiente de f ) angulos iguais,

para fixar ideias, ver Figura 3.7. Como A e um ponto qualquer de ∂D, segue o resultado.

Figura 3.7: Construcao geometrica para provar o resuldado da Proposicao 3.13.

Observacao 3.16. Segue dos resultados acima que5 f (X) bissecta o angulo F1XF2 e e perpen-

dicular a tangente.

Assim, se uma partıcula segue na direcao e sentido do vetor A−F1, entao apos colidir em

A, a partıcula segue na direcao do vetor A−F2, mas com sentido contrario, ou seja, em direcao

ao segundo foco. Portanto, se a trajetoria do bilhar passa por um dos focos, apos colidir com

∂D tal trajetoria ira sempre para o outro foco.

Vamos parametrizar a elipse pelas coordenadas (r,θ), onde r e um parametro comprimento

de arco na elipse e ψ e o mesmo angulo definido na Secao 3.1 (o angulo de reflexao em r medido

a partir da tangente). Convencionamos o ponto referencia r = 0 como sendo a extremidade (a,0)

na elipse e r orientado no sentido anti-horario. Seja λ = |∂D| o comprimento da elipse ∂D.

O espaco de fase da aplicacao do bilhar na elipse e o cilindro M = [0,λ ]× [0,π] (ou

retangulo, imaginando M com os lados esquerdo e direito identificados).

Lema 3.17. Sejam A0A1 e A1A2 segmentos consecutivos da mesma trajetoria do bilhar elıptico

com focos F1 e F2. Entao, os angulos A0A1A2 e F1A1F2 tem a mesma bissetriz.

Demonstracao. Pela definicao da aplicacao do bilhar, os angulos que A0A1 e A1A2 fazem com

a reta tangente a elipse no ponto A1 sao iguais . Dado que A0, A1 e A2 nao sao colineares, o

angulo que A0A1 faz com a bissetriz de A0A1A2 e igual ao angulo que A1A2 faz com a mesma

bissetriz.

24

Sejam θ = A0A1F1 e γ = F2A1A2. Se θ = γ entao as bissetrizes dos angulos A0A1A2 e

F1A1F2 coincidem. Agora, pela Proposicao 3.13, os angulos que F1A1 e F2A1 fazem com a

tangente a curva no ponto A1 sao iguais, o que prova que θ = γ .

Logo, as igualdades entre angulos verificadas provam que as bissetrizes coincidem.

Proposicao 3.18. Se a trajetoria do bilhar cruza o segmento F1F2 que une os dois focos, entao

ela reflete em ∂D e cruza o segmento novamente. Da mesma forma, se a trajetoria cruza o eixo

maior fora do segmento F1F2, digamos a esquerda de F1, entao apos colidir com ∂D cruzara o

eixo maior a direita de F2.

Demonstracao. Sejam A0A1 e A1A2 segmentos consecutivos da mesma trajetoria.

Segue do Lema 3.17 que A0A1A2 e F1A1F2 tem a mesma bissetriz. Logo, se A0A1 intersecta

F1F2, entao A1A2 tambem intersecta F1F2. Se A0A1 nao intersecta F1F2, entao A1A2 tambem

nao vai intersectar F1F2.

Por inducao sobre n, sendo A0, ...,An os pontos em que a trajetoria colide com o bordo ∂D,

prova-se que se um dos segmentos da trajetoria intersectar F1F2 entao os restantes tambem o

intersectam.

Analogamente, se prova que se um dos seus segmentos nao intersecta F1F2 entao nenhum

dos restantes intersecta F1F2.

A Proposicao 3.13 mostra que existem trajetorias de tres tipos,

. as que passam pelos focos;

. as que cruzam o segmento F1F2, que chamaremos de Trajetorias interiores;

. as que cruzam o eixo maior da elipse fora do segmento F1F2, que chamaremos de Tra-

jetorias exteriores

O proximo resultado e considerado uma das propriedades mais importante do bilhar elıptico.

Ele nos garante que para cada tipo de trajetoria (interior ou exterior) existe uma curva onde cada

segmento entre duas rebatidas consecutivas da trajetoria e tangente a essa curva. Este resultado

tambem e verdadeiro para o bilhar no cırculo (Proposicao 3.12). E como mencionado anterior-

mente, curvas com essa propriedade sao chamadas de causticas.

Uma hiperbole e o conjunto dos pontos A ∈ R2 tais que a diferenca das distancias de A aos

dois focos F1 e F2 em valor absoluto e constante.

25

Observacao 3.19. Dado um ponto A na hiperbole de focos F1 e F2, segue de um argumento

analogo ao da Proposicao 3.13, que a reta tangente a A bissecta o angulo F1AF2, para fixar

ideias, veja a Figura 3.8.

Figura 3.8: Construcao geometrica para provar o resuldado da observacao 3.19.

Lema 3.20. Seja B um ponto pertencente a elipse de focos F1 e F2 e pertencente tambem a um

segmento A0A1, tal que o angulo A0BF1 e igual ao angulo F2BA1. Entao A0A1 e tangente a

elipse no ponto B.

Demonstracao. Se o angulo A0BF1 e igual ao angulo F2BA1 entao necessariamente pela Proposicao

3.13 a reta que contem A0 e A1 deve coincidir com a reta tangente a elipse por B.

Teorema 3.21. Seja ε a elipse de focos F1 e F2. Para cada trajetoria exterior existe uma elipse

confocal com ε que e tangente a cada segmento entre duas rebatidas dessa trajetoria. Para

cada trajetoria interior existe uma hiperbole confocal com ε que e tangente a cada segmento

entre duas rebatidas dessa trajetoria.

Demonstracao. Dada ε a elipse de focos F1 e F2. Sejam A1, A e A2 pontos dessa elipse tais que

A1A e AA2 sao dois segmentos consecutivos da mesma trajetoria.

Assuma que A1A nao intersecta F1F2. Segue do Lema 3.17 que A1AF1 = A2AF2. Refletindo

F1 relativamente a A1A obtem-se B1 e refletindo F2 relativamente a AA2 obtem-se B2. Sejam

C1 = B1F2∩A1A e C2 = B2F1∩AA2.

Considere a elipse ε1 confocal a ε , passando por C1. Temos que F2C1A = F1C1A1, pois

AC1F2 = A1C1B1 (angulo oposto pelo vertice) e A1C1B1 = A1C1F1 (pela simetria). Para fixar

ideias veja Figura 3.9.

26

Figura 3.9: Construcao geometrica para demonstracao da Proposicao.

Pelo lema anterior, ε1 e tangente a A1A em C1. Da mesma forma, uma outra elipse ε2

confocal a ε e tangente a AA2 em C2. Se mostrarmos que a elipse ε1 e igual a elipse ε2, o

teorema fica provado para o caso de trajetorias exteriores.

De fato, queremos mostrar que

|F1C1|+ |C1F2|= |F1C2|+ |C2F2|,

o que se reduz a |B1F2|= |F1B2|. Note que

B1AA1 = A1AF1 = F2AA2 = A2AB2.

Assim os triangulos F1AB2 e B1AF2 sao congruentes, pois |AF1| = |AB1|, |AB2| = |AF2| e

F1AB2 = B1AF2. Portanto |B1F2|= |F1B2| como querıamos.

Suponhamos agora que A1A intersecta o segmento F1F2. Faremos uma construcao seme-

lhante a feita anteriormente. Com a mesma notacao, refletimos F1 e F2 relativamente a A1A e

AA2 respectivamente e obtemos B1 e B2 (resp.). Denotemos por C1 a intersecao da reta deter-

minada por F2 e B1 com o segmento A1A, e por C2 a intersecao da reta determinada por F1 e B2

com o segmento AA2.

Consideremos uma hiperbole h1 confocal a ε passando por C1. Como F1C1A = B1C1A,

entao pela Observacao 3.19, h1 e tangente a A1A. Analogamente, uma outra hiperbole h2 e

tangente a AA2 em C2. Vamos mostrar que as duas hiperboles sao as mesmas.

27

De fato, queremos mostrar que

||F1C1|− |F2C1||= ||F2C2|− |F1C2||.

Note que

||F1C1|− |F2C1||= ||F1C1|− (|F2B1|+ |B1C1|)|= |F2B1|,

pois |B1C1|= |F1C1| (pela simetria) e

||F1C2|− |F2C2||= ||F1B2|+(|B2C2|− |F2C2|)|= |F1B2|.

Assim, basta mostrar que |F2B1|= |F1B2|.

Temos que os triangulos F1AB2 e B1AF2 sao congruentes, pois |AF1|= |AB1|, |AB2|= |AF2|e F1AB2 = B1AF2. Portanto, |F2B1|= |F1B2|.

Portanto, resumindo o que foi feito ate agora,

. se a trajetoria passar entre os focos, todos os outros trechos de trajetoria entre colisoes

sucessivas tambem passarao por entre os focos preenchendo uma area delimitada por

uma hiperbole confocal a elipse (caustica hiperbolica, Figura 3.11);

. se a trajetoria passar entre um dos focos e a elipse, a orbita mantera esse padrao preen-

chendo uma area entre a mesa e a caustica definida por uma elipse confocal a original

(caustica elıptica, Figura 3.10);

. passando sobre um dos focos, nossa terceira possibilidade, todos os segmentos de tra-

jetoria passarao por cima de um dos focos.

Vamos provar agora que a aplicacao do bilhar T admite uma integral primeira. Este fato e

suficiente para provar que a aplicacao do bilhar na elipse nao e ergodica, porem comentaremos

isto posteriormente apresentando outra integral primeira de T que sera necessaria para mostrar

algumas propriedades posteriores.

Proposicao 3.22. A funcao G(x,v) =x1v1

a21

+x2v2

a22

e uma integral primeira da aplicacao do

bilhar T .

28

Figura 3.10: Exemplo de formacao de caustica elıptica.

Figura 3.11: Exemplo de formacao de caustica hiperbolica.

Demonstracao. Sejam B =

1a2

10

01a2

2

, e x =

[x1

x2

]A elipse considerada pode ser escrita

na forma: Bx · x = 1.

Seja (x,v) ∈M e (x′,v′) = T (x,v). Basta provarmos que Bx · v = Bx′ · v′, ou seja, G(x,v) =

G(T (x,v)).

Como x e x′ pertencem a elipse, temos que

B(x+ x′) · (x− x′) =

(x1 + x′1)

a21

0

0(x2 + x′2)

a22

[

x1− x′1x2− x′2

]

=(x1 + x′1)(x1− x′1)

a21

+(x2 + x′2)(x2− x′2)

a22

= 0,

Como v e colinear com x− x′, ou seja, v = α(x− x′) e B(x+ x′) · (x− x′) = 0, temos que

B(x+ x′) ·α(x− x′) = B(x+ x′) · v = 0. Logo, Bx · v =−Bx′ · v.

Seja

29

ϕ(x′) =Bx′ · x′

2=

12

(x′21a2

1+

x′22a2

2

).

Temos que5ϕ(x′) = Bx′ e sabemos que o vetor gradiente e ortogonal as curvas de nıvel de ϕ ,

em particular5ϕ(x′) = Bx′ e ortogonal a elipse. Temos tambem que v+ v′ e tangente a elipse,

pela definicao de bilhar.

Portanto,

Bx′ · (v′+ v) = 0⇒ Bx′ · v′ =−Bx′ · v = Bx · v.

Ou seja, Bx′ · v′ = Bx · v, como querıamos provar.

Consideremos agora que nossa regiao D seja limitada pela elipse x2/a2 + y2 = 1, a > 1.

Vamos avaliar a partir daqui o comportamento das obitas na elıpse, apresentando algumas pro-

priedades e resultados. Estuda-se o comportamento das orbita do bilhar elıptico variando o

comprimento do eixo maior da elipse, a. Os resultados que apresentaremos a partir daqui se

devem principalmente a Donnay, Markarian, Oliffson e Pinto-de-Carvalho (para maiores escla-

recimentos ver [8] e [16]).

Podemos parametrizar ∂D pelo angulo que um vetor (x,y) ∈ ∂D faz com o eixo x, ou seja,

x(u) = acosu, y(u) = sinu, 0≤ u≤ 2π .

A curvatura da elipse no ponto (x(u),y(u)) e dada por

k(u) =a

(a2 sin2 u+ cos2 u)32

.

Outra parametrizacao possıvel e pela coordenada ϕ que e o angulo formado pela reta tangente

a elipse no ponto (x,y) com a linha horizontal y = 0. A equacao de nossa elipse e sua curvatura

parametrizada por ϕ sao dadas por

y(ϕ) =± 1√1+a2 tan2 ϕ

, x(ϕ) =−a2y(ϕ) tanϕ ,

k(ϕ) =(1+a2 tan2 ϕ)

12 (1+a2 tan2 ϕ +a2 tan2 ϕ +a2 tan4 ϕ)

a2(1+ tan2 ϕ)52

.

30

Afirmamos que o bilhar elıptico nao e ergodico.

De fato, temos que o espaco de fase, M, do bilhar elıptico pode ser parametrizado por

dois conjuntos de coordenadas (r,θ) e (ϕ,θ). No momento vamos usar o segundo conjunto de

coordenadas. A funcao

G(ϕ,θ) =cos2θ − ε2 cos2 ϕ

1− ε2 cos2 ϕ, (3.2)

onde ε =

√a2−1

ae a excentricidade da elipse, tambem e uma integral primeira para a aplicacao

do bilhar na elipse, significando que G e constante (≤ 1) ao longo das orbitas da aplicacao do

bilhar.

Observacao 3.23. Nao apresentamos os argumentos para a verificacao de que a Funcao 3.2

realmente e uma integral primeira para a aplicacao do bilhar. Esses argumentos podem ser vistos

em [1], pag. 96-97 e em [12]. A adotamos neste trabalho pois algumas de suas propriedades

sao importantes para os proximos resultados.

O espaco de fase do bilhar elıptico e folheado pelas curvas de nıvel de G, conforme Figura

3.12. Nesta figura,

. na curva com formato de ∞ estao as famılias de orbitas que passam pelos focos;

. as orbitas que descrevem uma hiperbole como caustica (orbitas interiores) sao as curvas

no interior da regiao com o formato de ∞;

. as curvas fora dessa regiao sao as formadas pelas orbitas com caustica elıptica (orbitas

exteriores);

. as orbitas periodicas de perıodo dois estao representadas em quatro pontos desse espaco

de fase: as intersecoes dos ramos da regiao com formato de ∞ representam a orbita

periodica sobre o eixo maior e os centros desse mesmos ramos representam a orbita

periodica sobre o eixo menor.

Definicao 3.24. Denote por E o subconjunto de M consistindo das curvas de nıvel elıpticas e

por H o subconjunto de M consistindo das curvas de nıvel hiperbolicas. Claramente, pontos em

E tem trajetorias com caustica elıptica e pontos em H tem trajetorias com caustica hiperbolica.

Temos 0 < G < 1 em E , e 1−a2 ≤G < 0 em H . Ao longo das trajetorias que passam pelo

foco, cuja uniao forma uma conexao de sela no espaco de fase, temos que G = 0.

Quando variamos o comprimento de a, aparecem varias diferencas entre as orbitas em E e

H . Destacaremos aqui algumas dessas diferencas.

31

Figura 3.12: Espaco de fase do bilhar elıptico.

A primeira diferenca esta na existencia de orbitas periodicas, para cada a > 1, temos orbitas

periodicas de todos os perıodos em E , fato que nao acontece em H . Orbitas de perıodo 4

existem apenas para a >√

2 e nao existem orbitas de perıodo 8 para a <√

4−2√

2.

A segunda diferenca que iremos destacar e o ponto de tangencia com a respectiva caustica.

O ponto de tangencia para cauticas em E sempre ocorre dentro dentro de D (isto e da elipse

original), e assim este ponto esta no segmento de trajetoria que une duas rebatidas consecu-

tivas na elipse. Entretanto, em H , a tangencia pode ocorrer fora de D, isto e, nao temos

necessariamente o ponto de tangencia entre duas rebatidas consecutivas no interior de ∂D. Isto

pode ocorrer mesmo no infinito, se um segmento de trajetoria esta contido em uma assıntota da

caustica hiperbolica.

Nos proximos lemas, daremos condicoes para que a tangencia para trajetorias em H ocorra

em D. Sejam Γ1 e Γ2 as semielipses referentes a u∈ [−π/2,π/2) (ϕ ∈ [0,π]) e u∈ [π/2,3π/2)

(ϕ ∈ [π,2π]) respectivamente.

Lema 3.25. Se 1 < a <√

2, entao qualquer orbita de H , exceto a orbita periodica ao longo

do menor eixo, tem no maximo duas rebatidas consecutivas em uma mesma semielipse.

Demonstracao. Demonstraremos o lema para rebatidas consecutivas em Γ1, o outro caso e

analogo.

A reta normal ao longo do ponto (x(u),y(u)), u ∈ (−π/2,π/2) intersecta o eixo y em

y = (1−a2)sinu.

Para a <√

2, uma trajetoria em H comecando em z ∈ Γ1, com T z pertencendo tambem a

Γ1 tera θ(T z)< π/2 (basta comparar o angulo de chegada em T z com a reta normal em T z.

32

Como uma trajetoria em H atravessa o eixo x em algum x ∈ (−c,c), temos que T z saira

de Γ1.

Lema 3.26. Suponha que uma trajetoria T n(ϕ0,θ0) ∈H tenha duas rebatidas consecutivas

em uma mesma semielipse. Se 1 < a <√

2, entao a tangencia entre o segmento unindo estas

duas rebatidas e a caustica hiperbolica ocorre dentro de D.

Demonstracao. Suponhamos que exista uma trajetoria na qual a tangencia ocorra fora da elipse.

Para fixar as ideias, suponhamos que esta tangencia ocorra na parte inferior direita da hiperbole.

Por continuidade, e possıvel obter ϕ0 ∈ [0,π/2) e ϕ1 ∈ [π/2,π] tal que esta tangencia ocorra na

intersecao de caustica hiperbolica com a elipse, para fixar ideias veja figura 3.13.

Figura 3.13:

Isto significa que, ou Γ(ϕ0) ou Γ(ϕ1) esta na intersecao da caustica hiperbolica com a

fronteira da elipse. Como hiperboles e elipses formam uma famılia ortonal, temos que θ0 = π/2.

Mas, se 1 < a <√

2, ϕ0 ∈ [0,π/2] e θ0 = π/2 entao, pelo mesmo argumento usado no

lema anterior, ϕ1 ∈ [π,3π/2]. Logo ϕ0 e ϕ1 nao estao na mesma semielipse, contrariando nossa

hipotese inicial.

Portanto a tangencia entre o segmento ϕ0ϕ1 com a caustica hiperbolica ocorre dentro de

D.

Lema 3.27. Suponha que uma trajetoria T n(ϕ0,θ0) ∈H tenha duas rebatidas consecutivas,

ϕ0 e ϕ1, em uma mesma semielipse. Se 1 < a <√

4−2√

2, entao a tangencia entre cada um

dos segmentos ϕ−1ϕ0 e ϕ0ϕ1 e a caustica hiperbolica ocorre dentro de D.

33

Demonstracao. Seja G(ϕ0,θ0) = K0 < 0 a curva de nıvel que representa a caustica hiperbolica

para uma orbita T n(ϕ0,θ0). Fixe esta caustica hiperbolica K0. Chamenos de θ(ϕ) a solucao

de G(ϕ,θ(ϕ)) = K0.

Consideremos o pedaco de trajetoria passando por ϕ = 0, (ϕ−1,θ(ϕ−1)), (0,θ(0)), (ϕ1,θ(ϕ1)),

tal que ϕ1 ∈ [0,π] e ϕ−1 ∈ [π,2π]. Como ϕ = 0 pertence as duas semielipses e√

4−2√

2<√

2,

pelo Lema 3.26 temos que, ϕ−10 e 0ϕ1 tocam a hiperbole dentro da elipse.

Consideremos agora que, ϕ−1 ∈ (π/2,3π/2), ϕ0 ∈ [0,π/2) e ϕ1 ∈ [π/2,π], os outros casos

sao analogos. Seja G(ϕ0,θ0) = K0 < 0 a curva de nıvel que representa a caustica hiperbolica

para a orbita acima.

Como√

4−2√

2 <√

2, pelo Lema 3.26, o ponto de tangencia entre ϕ0ϕ1 e a caustica

ocorre dentro da elipse. Suponhamos que o ponto de tangencia entre ϕ−1ϕ0 e a caustica ocorra

fora da elipse.

Como na demonstracao do lema anterior, podemos encontrar ϕ−1 e ϕ0 tais que o ponto

de tangencia ocorra na intersecao de caustica hiperbolica com a elipse. Alem disso, como

ϕ1 ∈ [π/2,π], e a <√

2 segue que θ(ϕ−1) = π/2.

Figura 3.14:

Variando continuamente o ponto ϕ−1 e continuando com θ(ϕ−1) = π/2, coseguimos uma

nova caustica hiperbolica K1 tal que ϕ0 ∈ [0,π/2] e ϕ1 = π . Isto nos da uma configuracao,

(ϕ−1,π/2) 7→ (ϕ0,θ0) 7→ (π,θ1), para fixar ideias veja a figura 3.14. Continuando-a obtemos

uma orbita periodica de periodo 8 que corta o eixo menor 6 vezes. Como citado anteriormente,

este tipo de orbita ocorre apenas quando a >√

4−2√

2, contrariando nossa hipotese.

34

Como consequencia do lema anterior obtemos o seguinte resultado

Corolario 3.28. Suponha que uma trajetoria T n(ϕ0,θ0) ∈H tenha duas rebatidas conse-

cutivas, ϕ0 e ϕ1, em uma mesma semielipse. Se 1 < a <√

4−2√

2, entao a tangencia entre

cada um dos segmentos ϕ−1ϕ0, ϕ0ϕ1 e ϕ1ϕ2 a caustica hiperbolica ocorre dentro de D.

35

4 Consideracoes Finais

Apresentamos neste trabalho exemplos de bilhares completamente integraveis, isto e, seu

espaco de fase pode ser foleado por subvariedades invariantes. A pergunta natural a fazer e:

“Existe outro bilhar que nao seja no cırculo e na elipse completamente integravel?”. Essa

questao e bem conhecida como,

Conjectura de Birkhoff. Os unicos bilhares completamente integraveis sao os bilhares em

cırculos e elipses.

A conjectura ainda esta em aberto e muitos matematicos acreditam ser verdadeira.

Alem disso, os exemplos de bilhares que apresentamos possuem mesa com fronteira focali-

zadora e vimos que esses bilhares nao sao ergodicos. Assim um apergunta fica no ar: “Existem

bilhares ergodicos?”

A resposta e sim! Em 1970, Sinai [23] provou que a aplicacao do bilhar de um sistema em

um toro bidimensional com uma quantidade finita de obstaculos convexos (curvatura positiva),

Figura 4.1, e um K-automorfismo (esta condicao implica ergodicidade). Para isso, ele utilizou

o chamado metodo de Hopf. Este consiste na prova de ergodicidade de um sistema a partir da

existencia de variedades estaveis e instaveis absolutamente contınuas.

Em um outro artigo, em conjunto com Bunimovich [2], este resultado foi aprimorado, sendo

demonstrado para uma classe mais abrangente de bilhares que foram denominados dispersivos,

Figura 4.3. Essa denominacao e aplicada aos bilhares cuja fronteira possui um numero finito de

pecas convexas quando vistas do interior, inclusive com cantos com angulos positivos. Galla-

votti e Ornstein [11] provaram que o bilhar de Sinai (ou seja, dispersivo) tambem e Bernoulli.

Assim, como as primeiras demonstracoes das propriedades ergodicas surgiram para bilhares

do tipo dispersivo, podemos ainda nos fazer outra pergunta: “Poderia existir um bilhar ergodico

com fronteira focalizadora?”.

36

Figura 4.1: Bilhar no Toro com obstaculos convexos.

A resposta tambem e sim! Em [3], Bunimovich provou que existem domınios convexos no

plano com fronteira nao totalmente focalizadora que geram um bilhar ergodico. Uma condicao

necessaria para este resultado foi a presenca de segmentos de reta na fronteira.

Posteriormente, em [4], Bunimovich provou um teorema que estabelecia condicoes sufici-

entes para ergodicidade para regioes cuja fronteira nao tinha componentes dispersivas e com

isso apresentou o primeiro exemplo de bilhar ergodico com fronteira nao dispersiva. Este bilhar

e definido em uma mesa formada por dois semicırculos unidos por segmentos de reta, denomi-

nada estadio. Apresentou tambem outros tipos de regioes apenas com fronteiras focalizadoras

que satisfaziam as condicoes de seu teorema chamadas de “flowerlike”.

Figura 4.2: O estadio em (a) e uma regiao do tipo flowerlike em (b).

Resaltamos ainda que existem outros tipos de bilhares que sao ergodicos, Bernoulli e Kol-

mogorov, e que esta area possui muitos problemas a serem resolvidos, sendo assim objeto de

intenso pesquisa atualmente.

37

Figura 4.3: Este exemplo de bilhar dispersivo apresenta cuspides, mas ainda e ergodico [19].

38

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