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Maio de 2018 — N.º 551 FUNDADOR: Dr. Antonio Marcello da Silva - 15/01/1958 Diretores – Antonio Marcello da Silva (*1931). Pascoal Andreta (*1916 – +1982). Ugo Labegalini (*1931 – + 2012). A Capital Nacional da Moda Tricô Monte Sião é um município que fica no sul de Minas Gerais, na divisa com o estado de São Paulo. Pela estimativa do IBGE em 2017, conta com 23 247 habitantes. Sua área é de 292 km² e a altitude é de 850m. Monte-sionense é o gentílico para quem nasce em Monte Sião. ACREDITE, SE QUISER (JUSTIÇA) Jornal virtual Você também poderá ler este jornal através do site: www.fundacaopascoalandreta.com.br Prosa brasileira JOSÉ ANTONIO ZECHIN Prove para mim que existe Justiça no Brasil. Com conhecimento, coerência e clareza na resposta, não sectarismos baratos ou ideologias inconsequentes. Um país com 60 mil assassinatos por ano, mais que nações em guerra, com cerca de sete homicídios por hora. Particularmente, não acredito que ter uma arma seja solução para o problema da violência, mas, como cida- dão, tenho o seguinte posicionamento: se o Estado me protege, não preciso ter armas; se não protege, quero o direito de ter uma. Ficou claro ou preciso desenhar? Todos sabem o que ocorre neste país de corruptos e canalhas defendidos por advogados a preço de ouro que só ladrões podem pagar. E não me venham com conversa fiada que fulano e beltrano estão presos e ou- tros poderão ser. Estes caras não estão presos, estão “hospedados” em celas com caviar, champanhe e tele- visores de 800 polegadas. Se a “pobre” Justiça não tem dinheiro nem para comprar tornozeleiras eletrônicas, por que não fazem o próprio bandido comprar a dele com o dinheiro roubado? Nada serve para provar um crime. A não ser uma galinha furtada, claro. Um deputado carregando uma mala com 500 mil reais numa noite escura, assustado como se fugindo do demônio, não é prova. Um apar- tamento com 51 milhões de reais e a impressão digital dos “donos” da grana também não. Mais de duzen- tas páginas de um processo com depoimentos, fotos, documentos, e-mails, recibos falsos e etecetera de um apartamento no Guarujá com elevador privativo não provam nada. Pedalinhos, barquinhos, torres de trans- missão de celular, notas fiscais de lojas de material de construção, depoimentos de engenheiros, adegas, centenas de objetos com os nomes dos “proprietários” não provam quem é o dono dum sítio em Atibaia. Um deputado passeia numa Ferrari num dia e no outro, num gesto performático de doente terminal que não pode nem andar, é salvo pelo “gesto humanitá- rio” dos bondosos ministros do STF (e os milhares que morrem por falta de humanidade?). Um governador escolhe a prisão que quer ficar e a esposa dele, coitadi- nha, livre para cuidar do filhinho de doze anos que ela nem sabe em que ano escolar está. Um ex-presidente faz campanha eleitoral numa época que não pode nas barbas do TSE simulando tiros no ônibus da caravana. E o garotinho, a garotinha, o mineirinho e todos esses safadinhos que o Gilmar Mendes solta como se fossem umas madres Teresa de Calcutá... Quem não tem recur- sos mofa na cadeia mesmo! Quem tem dinheiro escolhe até quem pode visitá-lo em prisão domiciliar, como o doleiro que escolheu um amiguinho para jogar tênis. Irresponsáveis invadem terras produtivas destruindo plantações e anos de pesquisas genéticas; paralisam es- tradas desrespeitando o direito de ir e vir das pessoas, dizendo ser uma “luta pela democracia”; picham pré- dios onde alguém da mais alta Corte da Justiça tem um apartamento; destroem torres de telefonia rural; agri- dem violentamente quem se manifesta contra e uma “ex -presidenta” vem declamar a oração de São Francisco; embriagados ao volante “assassinam” trabalhadores e famílias inteiras e ficam soltos. Fico furioso quando os apresentadores dos noticiários na televisão começam a dar as “explicações” dos advogados e citados. Então, prove para mim que no Brasil todos são iguais perante a lei. ZEZA AMARAL Queria muito aquele País que o meu pai dizia que um dia acordaria para se tornar um gigante, terra em que se plantando tudo dava... Quando a Maria Fumaça apitava lá embaixo na por- teira do Furazoio, Taquaral, eu sonhava que um dia daria a volta ao mundo na sua boleia, visitando as pi- râmides e o Monte Everest. Eu queria de volta a Maria Fumaça e, se possível, voltar a sonhar impossíveis so- nhos... Eu queria um carrinho de rolimã para descer a Lotá- rio Novaes e me esbodegar nas sarjetas da Vila Isa, ao fim da Rua Lopes Trovão, a maior ladeira da cidade. Queria também um domingo de fila para ganhar uma maçãzinha da Vanucci, sem gelo, sentir novamente a primeira vez do sabor do gás fazendo cosquinha no céu da boca e nas bochechas... Eu queria pegar na mão da primeira menina que le- vei ao cinema, com a minha trêmula e molhada de suor gelado. Eu queria novamente sentir a mão suada e fria... Eu não queria deixar de acreditar nos santos e em Deus. Mas o padre do internato do Liceu batia de pal- matória nos meninos que sujavam as mãos em prazeres infantis. E aquela senhora que rezava todos os dias pela salvação de seu filho leucêmico nunca mais a vi na igre- ja. Ninguém ouviu suas preces e o menino morreu. Eu queria o filho da mulher de volta, são e salvo, e um pou- co que fosse da sua fé que nunca tive muito... Eu queria escutar a minha mãe gritando o nome dos filhos na hora do banho, sentir a casa envolvida no chei- ro da sopa de macarrão com feijão, ouvir o chiado do rádio na hora da Voz do Brasil, deitar e ficar imóvel para o barulho da palha do colchão não encobrir a mú- sica de que eu mais gostava e que servia de fundo para um programa da Rádio Mundial, enquanto o pastor Al- ziro Zarur, da LBV, declamava o Sermão da Montanha. Eu queria a minha mãe me dando um gole daquela água que todos os dias ela punha ao lado do rádio, com o gosto abençoado do barro da moringa... Eu que venho de terras calmas brasileiras, Atibaia, onde as pessoas se entardeciam em suas calçadas e ca- deiras encostadas nos muros e adormeciam com suas janelas abertas e muros baixos, vejo a bandidagem ca- rioca na tela da TV, por horas, fazendo um povo refém de sua vontade. Não sei bem qual é a vontade do ban- dido, se é virar notícia nos jornais. Mas eles estão bem na minha frente, na tela da televisão, perdidos sem pai e mãe. E sem professores. Há um país dentro do país que os nossos políticos desconhecem. Sabem eles apenas dos grandes centros e das maracutaias políticas, onde exercem seus viagras políticos, impotentes que são para erigir um projeto social que venha a nos salvar; nós que somos esse ban- do de caipiras que acreditamos em morar tranquilos em nossas cidades. Mas não vou arredar pé da minha cidade adotiva. Vou ficar por aqui e tentar, sei lá de que jeito, brigar para que a minha Campinas, a Rainha Metropolitana, tenha de volta o seu colo outrora perfumado do alecrim que nascia nas calçadas da rua que lhe deu nome: Rua dos Alecrins — e que o rio Atibaia siga feliz até aos abraços do Piracicaba, feliz como é o Rio Verde, que nasce nas montanhas de Pocinhos e se derrama feliz nos braços de uma sereia caipira de Vargem Grande do Sul, aos pés da Serra da Mantiqueira. Conheço centenas de cidades do interior do meu país, onde as pessoas conversam nas esquinas e calça- das, trocam ideias políticas, os homens, enquanto suas mulheres trocam receitas de bolos e rezas benzedeiras. Existe esse país e o raro leitor também sabe disso. Na casa do professor João Lorena, que fica bem atrás da Igreja Santuário de Santa Rita de Cássia, em Santa Rita de Caldas, era possível conversar numa autêntica cozi- nha mineira, aos cuidados de um muro baixo e de um pequeno portão desencadeado. E a conversa e a viola rolavam tranquilas por aqueles cantos mineiros, onde tem até mesmo um nicho na Igreja com o Santo Exco- mungado, São Cristóvão, carregando o Menino Jesus em seus ombros. E os moços e os rapazes daquela terra, todos eles, passam suas tardes domingueiras namoran- do e se olhando em suas belezas; enquanto nas grandes cidades a lei dos homens é a das armas, das drogas e dos motoristas cuspindo fogo pelas ventas dos escapa- mentos de seus carros, correndo atrás sei lá do quê. Pra quê? Bom dia. O Brasil que se quer ... um país que possa sair às ruas sem medo; em que as pessoas se cumprimentem sem temer assalto; em que a gente de bem possa crer na Justiça e, em vez de temê-la por injusta, respeite-a por justa; em que os todos os homens públicos estejam satisfeitos com o que ganham e, caso considerem pouco, vivam com o pouco, sem lançar mão no que é de todos; em que as crianças, antes de serem informadas, sejam formadas por magistério capaz, capaz de ensinar e capaz de amar; e que elas, as crianças, não apren- dam através de conselhos, mas de exemplos. Que- remos um Brasil onde o doente seja doente apenas e não um número a mais... e que lhe seja concedi- da morte digna num leito em vez de na fila; onde a parturiente dê seu filho à luz, sem ser arrancado ou parido numa caixa de papelão. Queremos uma terra onde quem não é branco tenha oportunidades e, se as tiver, ninguém lamente “teve, apesar de não ser branco”. Queremos uma nação com um líder, pelo menos, para termos em quem acreditar, a quem se- guir (porque pensa), a quem ouvir (pois que é ín- tegro), em quem possamos entregar nosso futuro e que tenha a capacidade de se compadecer com seus compatriotas e, divina graça, que possamos citá-lo a nossos filhos como exemplo a ser imitado. Quere- mos nosso Brasil fraterno, solidário, dócil, com seus filhos se não felizes, certos de que terão chances de, mais cedo ou mais tarde, sorrir ante a grandeza da Pátria. Não é desejar muito. Porque estamos assus- tados com as circunstâncias, estamos acuados pelas ameaças, estamos espremidos nos cantos da vida, nos escondendo de tocaias; desconfiamos de tudo e de todos pois há sempre alguém a nos espreitar, os olhos esgazeados, o sorriso tenebroso. Apavora- dos como uma criança, ansiamos por um colo onde possamos nos aconchegar e ficarmos protegidos da sanha ameaçadora por mãos redentoras, mas que não encontramos. Estamos com medo. Com medo que nos levem a dignidade. O mesmo medo que leva ao desespero e que gera os heróis. O Brasil poderá ficar repleto de heróis pusilânimes e sem saída, por isso, heróis... enquanto uns se locupletam, outros matam, outros roubam, outros maltratam e, os que assim não agem, consultam o watsapp para não ver, sentir ou reagir. Caminhamos para uma nação de ví- timas sobressaltadas. O que se quer do Brasil é colo protetor. A tecnologia, imprescindível em todos os setores para uma vida digna, fica para mais tarde. Agora, é apenas um colo para acolher o brasileiro e amenizar os seus temores.

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Maio de 2018 — N.º 551FUNDADOR: Dr. Antonio Marcello da Silva - 15/01/1958Diretores – Antonio Marcello da Silva (*1931). Pascoal Andreta (*1916 – +1982). Ugo Labegalini (*1931 – + 2012).

A Capital Nacional da Moda TricôMonte Sião é um município que fica no sul de Minas Gerais, na divisa com o estado de São Paulo. Pela estimativa do IBGE em 2017, conta com 23 247 habitantes. Sua área é de 292 km² e a altitude é de 850m.

Monte-sionense é o gentílico para quem nasce em Monte Sião.

Acredite, se quiser (JustiçA)

Jornal virtualVocê também poderá ler este jornal

através do site:

www.fundacaopascoalandreta.com.br

Prosa brasileira

JOSÉ ANTONIO ZECHIN

Prove para mim que existe Justiça no Brasil. Com conhecimento, coerência e clareza na resposta, não sectarismos baratos ou ideologias inconsequentes. Um país com 60 mil assassinatos por ano, mais que nações em guerra, com cerca de sete homicídios por hora. Particularmente, não acredito que ter uma arma seja solução para o problema da violência, mas, como cida-dão, tenho o seguinte posicionamento: se o Estado me protege, não preciso ter armas; se não protege, quero o direito de ter uma. Ficou claro ou preciso desenhar?

Todos sabem o que ocorre neste país de corruptos e canalhas defendidos por advogados a preço de ouro que só ladrões podem pagar. E não me venham com conversa fiada que fulano e beltrano estão presos e ou-tros poderão ser. Estes caras não estão presos, estão “hospedados” em celas com caviar, champanhe e tele-visores de 800 polegadas. Se a “pobre” Justiça não tem dinheiro nem para comprar tornozeleiras eletrônicas, por que não fazem o próprio bandido comprar a dele com o dinheiro roubado?

Nada serve para provar um crime. A não ser uma galinha furtada, claro. Um deputado carregando uma mala com 500 mil reais numa noite escura, assustado como se fugindo do demônio, não é prova. Um apar-tamento com 51 milhões de reais e a impressão digital

dos “donos” da grana também não. Mais de duzen-tas páginas de um processo com depoimentos, fotos, documentos, e-mails, recibos falsos e etecetera de um apartamento no Guarujá com elevador privativo não provam nada. Pedalinhos, barquinhos, torres de trans-missão de celular, notas fiscais de lojas de material de construção, depoimentos de engenheiros, adegas, centenas de objetos com os nomes dos “proprietários” não provam quem é o dono dum sítio em Atibaia.

Um deputado passeia numa Ferrari num dia e no outro, num gesto performático de doente terminal que não pode nem andar, é salvo pelo “gesto humanitá-rio” dos bondosos ministros do STF (e os milhares que morrem por falta de humanidade?). Um governador

escolhe a prisão que quer ficar e a esposa dele, coitadi-nha, livre para cuidar do filhinho de doze anos que ela nem sabe em que ano escolar está. Um ex-presidente faz campanha eleitoral numa época que não pode nas barbas do TSE simulando tiros no ônibus da caravana. E o garotinho, a garotinha, o mineirinho e todos esses safadinhos que o Gilmar Mendes solta como se fossem umas madres Teresa de Calcutá... Quem não tem recur-sos mofa na cadeia mesmo! Quem tem dinheiro escolhe até quem pode visitá-lo em prisão domiciliar, como o doleiro que escolheu um amiguinho para jogar tênis.

Irresponsáveis invadem terras produtivas destruindo plantações e anos de pesquisas genéticas; paralisam es-tradas desrespeitando o direito de ir e vir das pessoas, dizendo ser uma “luta pela democracia”; picham pré-dios onde alguém da mais alta Corte da Justiça tem um apartamento; destroem torres de telefonia rural; agri-dem violentamente quem se manifesta contra e uma “ex-presidenta” vem declamar a oração de São Francisco; embriagados ao volante “assassinam” trabalhadores e famílias inteiras e ficam soltos. Fico furioso quando os apresentadores dos noticiários na televisão começam a dar as “explicações” dos advogados e citados.

Então, prove para mim que no Brasil todos são iguais perante a lei.

ZEZA AMARAL

Queria muito aquele País que o meu pai dizia que um dia acordaria para se tornar um gigante, terra em que se plantando tudo dava...

Quando a Maria Fumaça apitava lá embaixo na por-teira do Furazoio, Taquaral, eu sonhava que um dia daria a volta ao mundo na sua boleia, visitando as pi-râmides e o Monte Everest. Eu queria de volta a Maria Fumaça e, se possível, voltar a sonhar impossíveis so-nhos...

Eu queria um carrinho de rolimã para descer a Lotá-rio Novaes e me esbodegar nas sarjetas da Vila Isa, ao fim da Rua Lopes Trovão, a maior ladeira da cidade.

Queria também um domingo de fila para ganhar uma maçãzinha da Vanucci, sem gelo, sentir novamente a primeira vez do sabor do gás fazendo cosquinha no céu da boca e nas bochechas...

Eu queria pegar na mão da primeira menina que le-vei ao cinema, com a minha trêmula e molhada de suor gelado. Eu queria novamente sentir a mão suada e fria...

Eu não queria deixar de acreditar nos santos e em Deus. Mas o padre do internato do Liceu batia de pal-matória nos meninos que sujavam as mãos em prazeres infantis. E aquela senhora que rezava todos os dias pela salvação de seu filho leucêmico nunca mais a vi na igre-ja. Ninguém ouviu suas preces e o menino morreu. Eu queria o filho da mulher de volta, são e salvo, e um pou-co que fosse da sua fé que nunca tive muito...

Eu queria escutar a minha mãe gritando o nome dos filhos na hora do banho, sentir a casa envolvida no chei-ro da sopa de macarrão com feijão, ouvir o chiado do rádio na hora da Voz do Brasil, deitar e ficar imóvel para o barulho da palha do colchão não encobrir a mú-sica de que eu mais gostava e que servia de fundo para um programa da Rádio Mundial, enquanto o pastor Al-ziro Zarur, da LBV, declamava o Sermão da Montanha. Eu queria a minha mãe me dando um gole daquela água que todos os dias ela punha ao lado do rádio, com o gosto abençoado do barro da moringa...

Eu que venho de terras calmas brasileiras, Atibaia, onde as pessoas se entardeciam em suas calçadas e ca-deiras encostadas nos muros e adormeciam com suas janelas abertas e muros baixos, vejo a bandidagem ca-rioca na tela da TV, por horas, fazendo um povo refém de sua vontade. Não sei bem qual é a vontade do ban-dido, se é virar notícia nos jornais. Mas eles estão bem na minha frente, na tela da televisão, perdidos sem pai e mãe. E sem professores.

Há um país dentro do país que os nossos políticos desconhecem. Sabem eles apenas dos grandes centros e das maracutaias políticas, onde exercem seus viagras políticos, impotentes que são para erigir um projeto social que venha a nos salvar; nós que somos esse ban-do de caipiras que acreditamos em morar tranquilos em nossas cidades.

Mas não vou arredar pé da minha cidade adotiva. Vou ficar por aqui e tentar, sei lá de que jeito, brigar

para que a minha Campinas, a Rainha Metropolitana, tenha de volta o seu colo outrora perfumado do alecrim que nascia nas calçadas da rua que lhe deu nome: Rua dos Alecrins — e que o rio Atibaia siga feliz até aos abraços do Piracicaba, feliz como é o Rio Verde, que nasce nas montanhas de Pocinhos e se derrama feliz nos braços de uma sereia caipira de Vargem Grande do Sul, aos pés da Serra da Mantiqueira.

Conheço centenas de cidades do interior do meu país, onde as pessoas conversam nas esquinas e calça-das, trocam ideias políticas, os homens, enquanto suas mulheres trocam receitas de bolos e rezas benzedeiras. Existe esse país e o raro leitor também sabe disso. Na casa do professor João Lorena, que fica bem atrás da Igreja Santuário de Santa Rita de Cássia, em Santa Rita de Caldas, era possível conversar numa autêntica cozi-nha mineira, aos cuidados de um muro baixo e de um pequeno portão desencadeado. E a conversa e a viola rolavam tranquilas por aqueles cantos mineiros, onde tem até mesmo um nicho na Igreja com o Santo Exco-mungado, São Cristóvão, carregando o Menino Jesus em seus ombros. E os moços e os rapazes daquela terra, todos eles, passam suas tardes domingueiras namoran-do e se olhando em suas belezas; enquanto nas grandes cidades a lei dos homens é a das armas, das drogas e dos motoristas cuspindo fogo pelas ventas dos escapa-mentos de seus carros, correndo atrás sei lá do quê. Pra quê?

Bom dia.

O Brasil que se quer... um país que possa sair às ruas sem medo; em

que as pessoas se cumprimentem sem temer assalto; em que a gente de bem possa crer na Justiça e, em vez de temê-la por injusta, respeite-a por justa; em que os todos os homens públicos estejam satisfeitos com o que ganham e, caso considerem pouco, vivam com o pouco, sem lançar mão no que é de todos; em que as crianças, antes de serem informadas, sejam formadas por magistério capaz, capaz de ensinar e capaz de amar; e que elas, as crianças, não apren-dam através de conselhos, mas de exemplos. Que-remos um Brasil onde o doente seja doente apenas e não um número a mais... e que lhe seja concedi-da morte digna num leito em vez de na fila; onde a parturiente dê seu filho à luz, sem ser arrancado ou parido numa caixa de papelão. Queremos uma terra onde quem não é branco tenha oportunidades e, se as tiver, ninguém lamente “teve, apesar de não ser branco”. Queremos uma nação com um líder, pelo menos, para termos em quem acreditar, a quem se-guir (porque pensa), a quem ouvir (pois que é ín-

tegro), em quem possamos entregar nosso futuro e que tenha a capacidade de se compadecer com seus compatriotas e, divina graça, que possamos citá-lo a nossos filhos como exemplo a ser imitado. Quere-mos nosso Brasil fraterno, solidário, dócil, com seus filhos se não felizes, certos de que terão chances de, mais cedo ou mais tarde, sorrir ante a grandeza da Pátria. Não é desejar muito. Porque estamos assus-tados com as circunstâncias, estamos acuados pelas ameaças, estamos espremidos nos cantos da vida, nos escondendo de tocaias; desconfiamos de tudo e de todos pois há sempre alguém a nos espreitar, os olhos esgazeados, o sorriso tenebroso. Apavora-dos como uma criança, ansiamos por um colo onde possamos nos aconchegar e ficarmos protegidos da sanha ameaçadora por mãos redentoras, mas que não encontramos. Estamos com medo. Com medo que nos levem a dignidade. O mesmo medo que leva ao desespero e que gera os heróis. O Brasil poderá ficar repleto de heróis pusilânimes e sem saída, por isso, heróis... enquanto uns se locupletam, outros

matam, outros roubam, outros maltratam e, os que assim não agem, consultam o watsapp para não ver, sentir ou reagir. Caminhamos para uma nação de ví-timas sobressaltadas. O que se quer do Brasil é colo protetor. A tecnologia, imprescindível em todos os setores para uma vida digna, fica para mais tarde. Agora, é apenas um colo para acolher o brasileiro e amenizar os seus temores.

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PÁGINA 2 MAIO | 2018

ENTIDADE MANTENEDORA: Fundação Cultural Pascoal Andreta

Conselho Administrativo – Bernardo de Oliveira Bernardi, Carlos Caetano Monteiro, Ivan Mariano Silva e José Cláudio Faraco.

Diagramação – Luis Tucci - MTb 18938/MGFotografia – José Cláudio Faraco Direção financeira – Anderson Labegalini e Diogo Labegalini de CastroSecretário de Redação – Carlos Caetano MonteiroJornalista responsável – Simone Travagin Labegalini (MTb 3304 – PR)

Colaboradores – Ariovaldo Guireli, Antonio Edmar Guireli, Antonio Marcello da Silva, Bernardo de Oliveira Bernardi, Carlos Caetano Monteiro, Celso Grossi, Eraldo Monteiro, Fábio Magioli Cadan, Hermes Bernardi, Hudson Guireli (Uxo), Ilson João Mariano Silva, Ivan Mariano Silva, Jaime Gotardelo, José Alaércio Zamuner, José Antonio Andreta, José Antonio Zechin, José Ayrton Labegalini, José Carlos Grossi, José Cláudio Faraco, Luis Tucci, Luiz Antonio Genghini, Romildo Labegalini, Tais Godoi Faraco, Waldemar Gotardelo, Zeza Amaral.

Colaborações ocasionais serão apreciadas pelo Conselho Administrativo do jornal que julgará a conveniência da sua publicação. O texto deverá vir assinado e acompanhado do RG, endereço e telefone do autor, para eventual contato. Cartas enviadas à redação, para que sejam publicadas, deverão seguir as mesmas normas.

Toda matéria deverá ser enviada até o dia 20 do mês (se possível através de e-mail) data em que o jornal é fechado.

Redação: Rua Juscelino Kubitschek de Oliveira, 738 – Fone (35) 3465-1196

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PArece que FOi ONteMTONINHO GUIRELI

Que bom ir a Monte Sião, encontrar os amigos, bater um papo agradável e também visitar alguns lu-gares de nossa predileção. Saímos de Valinhos, SP, na quarta feira (16/05) e voltamos no dia 19. Meus cunhados Chico Bernardi e Rita, a Ana Maria (minha esposa) e eu (Toninho Gui-reli) ficamos esses dias no chamado Rancho do Ico, no Bairro Furriel, em Mon-te Sião, MG. Pra quem não sabe, o Ico (Bernardi) e sua esposa Dirce Jacomas-si Bernardi, meus sogros, eram monte-sionenses e assim como nós, gostavam muito de nossa cidade.

Também, como nós, eles gostavam bastante de nosso sitiozinho, onde fi-cavam dias descansando, nesse lugar que recebeu o

nome de Rancho do Ico. Lá ficavam pescando, ca-minhando, churrasquean-do, enfim divertindo-se e passando dias muito agra-dáveis mesmo.

Agora, entre os dias 16 e 19 de maio, estando aco-modados no sítio, fomos algumas vezes à cidade, mas infelizmente não ti-vemos a satisfação de en-contrar muitos de nossos amigos, pois como se sabe eles ficam “pilotando” suas possantes máquinas, tecendo e assim produzin-do seus tecidos especiais e que encantam o nosso Bra-sil e boa parte do mundo. Se chegarmos a seus locais de trabalho, certamente atrapalharemos, visto que o tipo de trabalho requer atenção e nossa presença poderia desviar seus refle-xos. E em razão disso, Ja-naina, Donny, Edgar (meus

queridos irmãos) é que deixamos de visitá-los nos dias úteis, evitando preju-dicá-los. Eu acho que vo-cês entendem, embora não concordem! Mas qualquer dia, passaremos no domin-go, que é folga de vocês (não sei não, se é!). Sai-bam, no entanto, que que-remos muito bem, vocês todos! E pra não dizer que não encontramos nenhum amigo, para nossa felici-dade encontramos sim o amigão de infância, José Claudio Faraco, muito dig-no Dr. Juiz de Paz, do Mu-nicípio, e aí conversamos um pouco.

Digo que gostei mui-to de ver a cidade e seu progresso. Parece que os Prefeitos estão trabalhan-do muito bem. O enor-me pavilhão montado em nossa maravilhosa praça ficou excelente e apro-

priado para receber os visitantes e o povo local. Certamente, nessa época o povo poderá torcer pela nossa seleção, na Copa do Mundo na Rússia. Nosso zagueirão Oscar Bernardi não estará jogando, desta vez, mas sim torcendo, ou lá na Rússia (com o Véio do Atílio e sua turminha de Monte Sião), ou com os amigos monte-sionenses, todos acomodados no Pa-vilhão. Pelo menos a foto enorme dele (Oscar), já foi colocada lá, junto às fotos de outros jogadores da se-leção. Avante, Brasil!

Também ao percor-rer algumas ruas de nossa “metrópole”, mesmo que fora de seu “centro ner-voso”, gostei muito do que pude ver. A rua em que mora o nosso amigo Celso Grossi – o eterno Gregory Peck – está repleta de be-

las construções e inclusive mostra o prédio da atual Câmara de Vereadores, suntuosa construção que abriga aqueles que cuidam das leis e que “brigam” pelo progresso constan-te de nosso município. E aproveito para enviar um abraço ao nobre vereador José Edgard Guireli, meu querido irmão, extensivo aos demais vereadores. Outras ruas, em diversas partes da cidade, apresen-tam belas casas, belos lo-cais comerciais, etc., que mostram bem o crescimen-to e modernização de nos-sa querida cidade. Se al-guém quiser disser que eu sou “bairrista”, pode dizer, pois eu sou mesmo, em se tratando de minha querida Monte Sião.

Concluindo essa sim-ples escrita, digo que o tí-tulo dela, ou seja “Parece

que foi ontem”, diz respei-to à nossa ida à Igreja Ma-triz de Monte Sião, onde meus cunhados Chico e Rita, mais a Ana Maria e eu, em agradecimento a Deus e aos Santos, pela saúde, pela vida, e pelos 50 anos de casados – Ana Maria e eu – já que no dia 11 de maio de 1968, esti-vemos nessa Igreja nos ca-sando e assim recebendo as graças divinas, na com-panhia de nossos pais, pa-rentes e amigos, sendo que muitos deles ainda conti-nuam entre nós, e presen-tes em nossa vida. Como o tempo passa, hein?

E assim eu digo: Obri-gado Senhor, por essa bênção! Obrigado amigos, pela amizade de sempre!

crônica de saudade: “A Legítima”ARNALDO GUIIRELI

Não é pelo motivo de praticarmos a pesca em pequenos rios por lon-gos anos que achamos esse tipo de esporte um dos mais belos. Praticar a pesca é estar sempre em convívio com a natureza, podendo respirar tranqui-lamente ar puro, vibrar com suas surpresas e reno-var emoções. Praticando a pesca, outros seres viven-tes, não só os aquáticos, estão sendo alvo de nossa admiração, pois onde exis-te água, por menor que seja na natureza, os animais de todos portes e espécies que aglomeram e é por isto que se faz do pescador um ser privilegiado, podendo co-nhecer muito da mãe terra,

enquanto pratica o seu es-porte favorito.

Durante horas em pes-caria, todos os problemas que o pescador deixou na sua cidade ficam comple-tamente esquecidos, pois o entretenimento com os peixes absorve todo o seu pensamento. Daí ser essa uma receita até de médi-co conceituado. Deixando de lado as neuroses, agi-tações, intranquilidades. Mesmo sentado num bar-ranco, por exemplo, pra-ticando o arremesso com sua vara de bambu.

Na minha infância eu vi-via encantado e totalmente absorto com as histórias do Tio Zé Guireli (muito mais pescador que caçador) que contava das suas caçadas nas matas de Mairiporã/

SP, das suas estadas, das jaguatiricas matreiras, dos macacos barulhentos, dos quatis, das pombas legíti-mas e sobretudo dos aris-cos macucos.

Tio Zé era meu padri-nho de batismo e tinha um carinho, assim eu sentia, especial por mim, e eu com meus treze anos de idade sentia um certo orgulho daquele tio, que para mim representava um herói.

Certa vez, naqueles idos de 1967, estando sentado a ouvir a descrição de uma de suas caçadas, sonhan-do com aquelas aventuras perguntei: - Tio, como é a pomba legítima? E na es-pera de uma resposta des-critiva, toda cheia de deta-lhes, as quais eu já havia me habituado a ouvir, rece-

bi como resposta uma fra-se que ainda me ressoa aos ouvidos: - Vou levar você para ver de perto! Meu pai, do outro lado da mesa, fez uma expressão de desagra-do, mas tio Zé conhecendo seu irmão e principalmente meu desejo, tratou de con-vencê-lo a deixar que eu o acompanhasse a uma caça-da na palhada.

Finalmente chegou o dia e eu me sentia muito importante. Cheguei na casa do Tio Zé bem ma-drugadinha. A ansiedade tornou a viagem um boca-do longa, mas afinal che-gamos em Mairiporã/SP. O local era pitoresco em meio à vegetação densa e um grande milharal. Entra-mos por uma picada que serpenteava lentamente a

serra abaixo.Ao meio-dia chegamos

no vale, no qual estava er-guida uma “palhoça” de troncos rústicos cobertos de folhas de palmeiras. Tio Zé segurava nas mãos uma “Trochada Damasco”, nos ajeitamos sobre troncos de uma árvore caída, acomo-damos, e o Tio Zé começou a “chamar” as legítimas com as duas mãos fecha-das formando um cone e soprando emitia um som grave. Não tardou e “elas” responderam. Chegaram cinco. Grandes exempla-res. Tio Zé com um gesto de quem pede silêncio sen-tenciou: - Você quer atirar? Era exatamente o que que-ria ouvir. Quando me ajei-tei sobre o tronco o suor escorria por todos os po-

ros, as mãos tremiam e eu esperando para divisá-las melhor, apertei os dois ga-tilhos de uma só vez, e por incrível que pareça, acertei em uma legítima. Imedia-tamente fui ao chão, mal me sustentava e o coração batia forte; percebi a mão do Tio Zé sobre o meu om-bro, com uma pressão leve e carinhosa.

Hoje, depois de muitos anos e muitas outras expe-riências cinegéticas reco-nheço que o tiro naquela ocasião foi pura sorte do menino e grande azar da legítima.

O barqueiro e o bruxoANDRÉ GROSSI

1 – No Princípio... As inspirações são as

joias do universo, todos os rabiscos, todos os versos, nada será esquecido. Tudo habitará o mundo, pela eternidade...

Uma vez ouvi dizer que Deus só cria a resposta das nossas perguntas, pois sendo Sua inteligência in-finita a resposta tem que Lhe pertencer, e, para Ele

revelá-la tem que criá-la! Mas, para a resposta exis-tir e ser criada, tem que se ter a pergunta e foi por isso que a nossa existência começou, pois antes não existia dúvidas, tudo era plenitude. E sem a dúvida tudo era luz, e sem a tre-va de nossas dúvidas não existiria sombra, contras-te, e então tudo seria uma tela em branco, como no princípio ou como defini-ria Lao-Tsé, existir sem

existir.E por que isso seria ver-

dade? Bom, de fato tudo pode ser verdade, já que se trata do infinito, mas a pergunta não é essa! A per-gunta é: por que devemos acreditar em alguma ver-dade? Nessa ou em outra? Essa é a pergunta. E para responder tenho outra his-tória, que ouvi: disse um mestre que Einstein, Da-Vinci e Beethoven eram gênios não porque inven-taram algo. Mas porque acreditaram na resposta que encontraram para suas perguntas. E como fizeram para obter a resposta? Eles imaginaram qual seria a resposta, e isso é genial pois entenderam que eles

não criavam nada, e, por-tanto, imaginar não pode ser criar ou inventar, já que esse é o papel de Deus. Então imaginaram, logo isso era verdade! Einstein imaginava que cavalgava em um feixe de luz; Da Vinci imaginava como se-ria voar, como seria o fu-turo; mas, Beethoven fez ainda mais, ele imaginava que podia ouvir, e, mes-mo surdo, compôs obras imortais. Isso mostra o poder que temos para mu-dar nossas vidas, nossas limitações e nosso futuro. Imaginar e acreditar, esse é o dom que sempre tive-mos desde a infância, esse é o nosso dom divino e responde porque devemos

acreditar naquilo que ima-ginamos ser verdade.

Isto abre o infinito aos nossos olhos e também faz-nos à imagem da cria-ção, já que toda verdade agora habita nossa imagi-nação, nossa mente, nosso

coração e, porque não di-zer, nosso templo interior.

Convido vocês para esta história que começa agora, mesmo tendo co-meçado há muito tempo e terminado em algum lu-gar!

60 anos

Contando a história da

Capital Nacional do

Tricô

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MAIO | 2018 PÁGINA 3

A lógica do João GerônimoPASCOAL ANDRETA

Quando, pela lei nº 133, de 3 de novembro de 1936, foi criado o município de Monte Sião, choveram pedidos de emprego. Nin-guém queria outra coisa a não ser um encostozinho nas futuras repartições pú-blicas.

– Não tem nada como ser funcionário público! – dizia o espirituoso e mor-daz Julião. – Ser funcioná-rio do governo é o mesmo que passar de burro a peão, de esporeado a esporeador! Êta vidinha boa, meu Deus do céu! Ah, eu preciso dar um jeitinho no corpo e ar-ranjar uma beiradinha pra este filho do meu pai que é o degas aqui!

Os coronéis e os fa-zendeiros de influência na

política local estavam car-regados de afilhados. Volta e meia vinham saber das novidades e relembrar, aos chefões, os cargos pleitea-dos:

– O lugá de tesoureiro da Prefeitura eu faço ques-tão que seja dado prô cum-padre Maneco.

– Mas ele sabe ler e es-crever, coronel?

– Lê num lê. Escrevê num escreve. Fazê conta num faiz. A falá a verdade, num faiz nem o “o” com a boca do copo! Mais, óia lá: conhece dinheiro como ninguém e tem sete eleitô na famía!

Antes da instalação do município, porém, veio o golpe de 10 de novembro de 1937 e a política brasi-leira sofreu uma reviravol-ta dos diabos. Muitos coro-

néis perderam seu prestígio e muitos afilhados ficaram sem seus prestigiosos pa-drinhos. O carro da in-fluência pessoal e coletiva foi desatrelado do dia para a noite e recolhido, tempo-rariamente, no galpão da indiferença...

Instalado o município a 1º de janeiro de 1938 e preenchidos os cargos mais importantes, a Prefeitura local iniciou a tarefa de se-lecionar o pessoal que inte-graria o corpo de professo-res primários da zona rural. Para tanto, encarregou o Inspetor Escolar de organi-zar um pequeno concurso, com questões fáceis e ob-jetivas. Assim foi feito. As questões apresentadas obe-deciam às recomendações emitidas: eram facílimas e estavam perfeitamente

à altura dos vencimentos do cargo: cem mil réis por mês.

Na cidade, ninguém se interessou. Só se interessa-ram pessoas residentes nos bairros onde seriam insta-ladas as escolas. Apesar da simplicidade das provas, a roçada foi total. Os can-didatos que escaparam do zero não alcançaram a nota um...

O senhor João Gerôni-mo Penteado, entretanto, não se conformou com a classificação obtida e veio, feito onça, reclamar da in-justiça praticada e da per-seguição que acreditava ser vítima:

– Isso não tá certo! Se não me queriam pra profes-sô, era só dizê. Não preci-sava inventá essa paiareira boba!

O DIREITO DE VIVER COM DIGNIDADE

O Inspetor apanhou as provas e pacientemente explicou:

– Mas o senhor errou todas as questões e deixou sem solução um simples problema de aritmética!

– Quar deles?– Esse aqui. Olhe! Se

um pedreiro assenta qui-nhentos tijolos num dia, dois pedreiros assentarão quantos tijolos?

– Esse aí?– Pois então... Um pro-

blema tão fácil!– Fácil é herdá mijada

de criança de colo! Isso que tá aí ninguém arre-

sorve. Nem professora de Escola Normá, nem geren-te de banco e nem mesmo o falecido professô João Goulart, que era apartado nesse negócio de conta!

– Mas como? Isso é coi-sa muito simples! Se um pedreiro assenta quinhen-tos tijolos num dia, dois pedreiros quantos tijolos assentarão?

– É, né? E eu sei lá se um é trabaiadô e o outro é vagabundo?

Nota: Esta crônica faz parte do livro “Monte Sião de Outras Eras”.

AEME

Na edição de novembro de 2014, o Monte Sião publicou O Direito de Morrer com Dignidade, em que defendi o suicídio a s s i s t i d o d a j o v e m psicóloga norte-americana Brittany Maynard, de 29 anos, condenada a uma morte natural lenta e dolorosa por um câncer c e r e b r a l i n c u r á v e l (glioblastoma). Dentre os argumentos que utilizei contra os que qualificavam de perjuros os facultativos que facilitaram a morte de Brittany, destaquei este trecho do artigo O Suicídio Assistido, do Dr. John Cook Lane, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e médico da Fundação Centro Médico de Campinas, publicado dois anos antes no Correio Popular da mesma cidade:

“ N ó s , m é d i c o s , somos treinados para diagnost icar e curar

pacientes. Entretanto, quando deparamo-nos com doenças incuráveis que provocam sofrimento contínuo nos sentimos impotentes e frustrados. A família que cerca o paciente sofre junto com ele e não sabe o que mais fazer para aliviar a angústia do ente querido. Com o passar do tempo, quase todos desejam que o paciente tenha uma morte digna e sem mais sofrimento.”

No dia 10 deste maio de 2018, outro suicídio assistido ganhou manchetes nos jornais do mundo inteiro devido ao motivo alegado pelo suicida, o ecologista e botânico australiano David Goodall: o direito de viver com dignidade.

David Goodall, londrino radicado desde criança em Perth, capital da Austrália Ocidental, um dos seis estados da Comunidade da Austrália, tornou-se mundialmente conhecido em 1916 por ter vencido

uma “queda de braço” com a Universidade Edith Cowan, da qual era sócio pesquisador honorário, obrigando sua diretoria a anular a decisão que o considerara incapacitado para trabalhar no campus da instituição. Goodall, autor dos 30 volumes d e E c o s s i s t e m a s d o Mundo, premiado com a Ordem da Austrália por sua contribuição para o d e s e n v o l v i m e n t o d a Botânica e da Ecologia, tinha, então 102 anos!

Alguns meses depois, o cientista entendeu que, devido às suas deficiências de visão e locomoção, precisava mesmo trabalhar mais perto do pequeno apa r t amen to em que morava sozinho. Um pouco mais à frente, teve que deixar de dirigir e de atuar no teatro, o que, somado à imposs ib i l idade de conversar com colegas e amigos do antigo escritório, deixou-o bastante triste, ao ponto de empacotar todos

os seus livros, segundo sua amiga Carol O’Neill, enfermeira e representante do grupo Exit Inernational, defensor da morte assistida.

Todavia, o que o levou a decidir-se pela eliminação da vida foi o fato de os médicos o informarem de que precisaria de cuidadores 24 horas por dia ou de se internar numa casa de repouso, após ter levado um tombo e permanecido no chão do apartamento até ser encontrado pela faxineira dois dias depois. Ele se negou a seguir a prescrição: era muito independente e não admitia ser cuidado por uma pessoa estranha. Entrevistado pela rede australiana ABC quando completou 104 anos, no dia 4 de abril passado, confessou seu desejo de morrer por não se sentir feliz e lamentou ter que deixar a Austrália para realizar seu intento.

Goodall não sofria de doença grave e a lei de Victória, o único estado

australiano que legalizou o su ic íd io ass i s t ido , restringiu sua efetivação a pacientes terminais, a exemplo do que dispõe a legislação da maioria dos países que o acolheram. Diante disso, ele decidiu viajar para a Suíça, onde, desde 1942, qualquer pessoa mentalmente sã pode recorrer à “morte voluntária assist ida”, denominação o f i c i a l do procedimento, sem necessidade de expor seus motivos.

Mediante uma petição postada na internet por seus amigos, Goodall conseguiu arrecadara cerca de US $ 20.000,00, com os quais pôde viajar para a Europa no último dia 2, com sua fiel amiga Carol, e passar alguns dias na França em visita a seus familiares, antes de seguir para a Suíça e se internar na Life Cycle, na Basileia, depois que dois facultativos da clínica, um deles psiquiatra, atestaram sua saúde mental.

E às 12h30’ do dia 10, ao som de Ode à Alegria, da 9ª Sinfonia de Beethoven, ele abriu a válvula do aparato preparado pelos médicos para injetar em sua veia uma alta dose de Nembutal dissolvido em uma solução salina. Em segundos estava dormindo e dormindo se foi.

Eis a história de David Goodall, que doou seu c o r p o p a r a e s t u d o s , esc larecendo que , se não pudesse ser usado, desejava fosse cremado e as cinzas espalhadas nas proximidades da Life Cycle. Não pretendo manifestar-me sobre o assunto, para não influenciar a resposta do leitor à pergunta que se impõe:

O inquestionável direito de viver com dignidade justifica a supressão da própria vida?

Restaurantes“Comida Sobrenatural” – comida natural - Rua 29 de Março, 113 – (35) 3465 2750“Cheiro Verde” – comida mineira – fogão a lenha – Praça do Rosário, 62 – (35) 3465 2295“Todo Sabor” – self-service- comida mineira – Padre Cornélio, 55 – (35) 3465 32 35“Tempero Mineiro” – Padre Cornélio, 45 – (35) 3465 2289“Rest. da Licinha”- comida mineira – fo-gão a lenha – Rod. MG 459 (km.6) – (35) 3465 1355“Cantinho da Costela” – rest. e churras-caria – Maurício Zucato, 60 – (35) 3465 6932“O Casarão” – self-service – por quilo - Juscelino Kubitschek, 537 – (35) 3465 2423“Prato D’Minas” – self-service – Juscelino Kubitscheck, 499 – (35) 3465 1930“Copett’s”- R. Mercado, 1193- (35) 3465- 6306“Vitória” – sef-service – José Guireli, 74 – (35) 9860 3056 e (35) 9146 8199“Quitutes da Analu” – Avenida das Fontes, 621

Pizzarias“Do Roberto” (também restaurante) – Juscelino Kubitschek, 1914 – (35) 3465

4855/2508“Mansão” (também restaurante) – Pref. José Carlos Francisco, 76 – (35) 3465 2712“Do Rex” – (disk-pizza) - (35) 3465-2289“Bella Toscana” (disk-pizza) – R. Minas Gerais – (35) 3465-5577

Choperias“Rest. e Choperia Monte Terraço” – R. Abílio Zucato, 499 – (35) 3465 4519“Mimi” (espetinhos e outros) – Pres. Tan-credo Neves, 367 – (35) 3465 3280

HotéisChalés Villa di Carpi – Rua Joaquim Vi-cente Lopes, 260 – Bairro Tanque - (35) 3465 8660Grande Hotel Monte Sião - Praça Prefei-to Mário Zucato,70 - (35) 3465 1228Guarany Country Hotel Fazenda - (35) 3465 1443/1998Hotel Galeria – Pref. José Carlos Francis-co, 180 - (35) 3465 2220Hotel Guarini – Pres. Tancredo Neves, 231 - (35) 3465 1190Hotel Minas Square – Rua Minas Gerais, 530 - (35) 3465 1705/1284Hotel Novo Horizonte – Praça Renato Franco Bueno, 64 - (35) 3465 1252Hotel Villa de Minas – Pres. Tancredo Neves, 431 - (35) 3465 2429/2718Hotel Sion – Praça Pref. Mário Zucato –

(35) 3465 2220

PousadasPousada Água da Mina – Rua Lindóia, 100- Parque das Fontes - (35) 9130 2681/8469 5632Pousada Monte Sião – Rod. MG 459 – km 05 – (35) 3465 4014

Visitação turísticaMuseu Histórico e Geográfico – Rua Maurício Zucato, 115 – (35) 3465 2467 (fechado na 2a. feira)Mosteiro da Santíssima TrindadeMirante com imagem de Nossa Senhora da Medalha, santa padroeiraPorcelana Monte Sião LtdaIgreja do RosárioFontanário da Água VirtuosaSantuário N. S. da Medalha MilagrosaPraça Prefeito Mário ZucatoReavida –Recanto de apoio à vidaLar S. José – casa dos idososPesqueiro Lago Azul – Bairro Furrier – (35) 8411 6333/8411 6310 Pesqueiro Padavini – Rod. M.Sião/O.Fino, Km 9 – (35) 3465 7132

Se sua empresa não está registrada neste espaço e se enquadra em alguma destas

categorias, comunique-se com a redação enviando todos os dados

referentes ao negócio.

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PÁGINA 4 MAIO | 2018

Afinal, quem ganhou o jogo?J. CLAUDIO FARACO

Esta era a única pergunta proibida naquela noite. Num fato real e engraçado, todos os presentes tinham plena consciência disso, embora houvesse uma tensão explí-cita pairando na sala da resi-dência de Harry Gotardelo, o conhecido Ari, junto aos seus companheiros corin-tianos de carteirinha: Ismael Bernardi, José Comparim, Luciano Bernardi e Antonio Comune, o “Cana Verde”, todos já falecidos.

Eram 22h35 e o grupo de amigos aguardava impa-ciente o sinal da TV para o início do vídeo tape sobre o jogo Corínthians & Pal-

meiras, uma das maiores rivalidades do futebol bra-sileiro e que ocorrera horas antes. (Observação para os jovens: na época, 40 anos atrás, não havia transmis-são direta pela TV. Os jogos eram filmados em película e, somente depois de reve-lada em laboratório, é que seria divulgada pela televi-são). Até aquele momento, portanto, todos tinham se comprometido e, fielmen-te, cumpriram a missão de não acompanhar a peleja pelo rádio. Essa atitude em comum acrescentava um sabor a mais ao vídeo tape, pois assisti-lo daquela for-ma era como ver o jogo ao vivo onde os lances mais

emocionantes e a surpresa pelo resultado final perigo-samente oscilavam entre uma grande alegria ou uma tragédia emocional.

Na sala, a fumaça dos cigarros e o nervosismo de mãos inquietas, revelavam um jogo de baralho com-pletamente desinteressan-te. Importante mesmo era o jogo. E qual tinha sido o resultado? A interrogação incomodava a todos e pou-co se falava, mas muito se andava de um lado ao outro, olhares vagos espiando pe-las janelas.

Vinte e três horas e 59 minutos: o momento do vídeo tape se aproximava. Antevendo o início da trans-

missão, Ari declarou em alta voz que faria mais um café antes mesmo do assopro do juiz. Caminhou até a cozi-nha e enquanto fervia a água e ajeitava os ingredientes preparados para o recebi-mento do líquido, ouviu um assobio alto, alegre e melo-dioso vindo da rua. Curioso, abriu a pequena janela para espiar. E qual não foi sua surpresa ao se deparar com a imagem de Luiz Antonio Alves, mais conhecido por Luiz Rosa e seus filhos, to-dos em fila indiana, sendo o pai um dos maiores, mais fervorosos e fanáticos pal-meirenses da região coman-dando a fila alegre e feliz de filhos saltitantes seguindo-o

O JACU

como fosse ele o líder de um grupo de crianças pron-tas para brincar!

Os olhos corintianos de Ari se arregalaram mais ainda diante da surpresa. Gaguejando e agora já pre-vendo a “tragédia”, Ari gri-tou para os demais colegas:

— Venham ver isso aqui!No mesmo instante,

correria para a cozinha e a pergunta pairando no ar: “O que aconteceu?” Todos che-garam ao mesmo tempo e, pescoços esticados, espia-ram pela janela basculante. Alguém da turma, mais de-savisado e menos sintoniza-do, ao ver a cena na calçada em frente, perguntou:

— E o que tem isso?

Qual o problema?Numa resposta ríspida e

raivosa, Ari respondeu:— E você ainda não en-

tendeu?! Não há outra con-clusão lógica: se o Luiz e seus filhos estão felizes é porque o Palmeiras ganhou o jogo!

E então, a esperança explodiu em mil estilha-ços pelo ambiente. Naque-le mesmo instante, o tão aguardado vídeo tape foi julgado e desprezado sem direito à réplica ou qualquer outra contestação. E todos partiram em direção a seus lares numa noite gostosa-mente quente, mas difícil de engolir.

ZÈ ANTONIO

Época houve em que as comunicações telefônicas interurbanas eram feitas através de circuitos forma-dos por fios desencapados que, por isto mesmo, eram chamados de fios nus. Cada circuito era constituído por dois fios instalados um ao lado do outro em isoladores de porcelana presos a cruze-tas de madeira, que ficavam no topo de postes também de madeira. Como cada cir-cuito de fio nu transmitia apenas uma comunicação interurbana por vez, quase sempre havia dezenas des-ses circuitos num mesmo poste, o que fazia com que cada um deles parecesse um cipoal de fios. Os circuitos de fio nu eram construídos buscando-se a menor dis-tância entre os pontos inter-ligados por eles. Por isso, com frequência se afasta-vam das estradas principais e seguiam ao longo de es-tradas rurais esburacadas e

estreitas.Para manter em funcio-

namento os circuitos de fio nu, as empresas telefôni-cas utilizavam trabalhado-res que eram chamados de guarda-fios. A função dos guarda-fios era não só subs-tituir os fios que se quebra-vam, como também roçar o mato que crescia embaixo das linhas, para evitar que o crescimento de algum ar-busto danificasse o circuito de fio nu. Tinham também que retirar – numa época em que os defensores da ecologia ainda não eram tão ativos – as casas de joão-de-barro construídas por aqueles pássaros nas cru-zetas dos postes e que in-terferiam no bom funciona-mento dos circuitos. Como os postes que suportavam os circuitos de fio nu eram de madeira, os guarda-fios não usavam escadas para subir nos postes, mas sim esporas. As esporas eram hastes pontiagudas de me-tal, que se assemelhavam às

esporas dos galos e por isso tinham esse nome, presas por correias aos calcanha-res dos guarda-fios. O guar-da-fios fincava a espora no poste batendo o calcanhar contra ele e, apoiando-se na espora, ia galgando o poste até chegar à cruzeta.

Até o final da década de setenta do século XX ainda existiam muitos circuitos de fio nu espalhados pelo Bra-sil. Aliás, não só no Brasil: o mais famoso circuito de fio nu do mundo, que inter-ligava Nova Iorque, na cos-ta leste dos Estados Unidos, a São Francisco, na costa oeste daquele país, e que havia sido inaugurado em 1915 pelo próprio Graham Bell, o inventor do telefone, somente foi completamente desativado no final dos anos setenta. Na década de oiten-ta, porém, os circuitos in-terurbanos de fio nu foram completamente substituídos pelos troncos de microon-das e pelos satélites de te-lecomunicação. E, depois,

as fibras ópticas passaram a ser usadas para interligar cidades e continentes. Com o fim dos circuitos de fio nu, com eles também desa-pareceu uma profissão: a de guarda-fios.

Nos tempos de antiga-mente, quando ainda exis-tiam circuitos de fio nu, Abílio trabalhava como guarda-fios numa empresa telefônica. Ele era de pou-ca conversa, vivia sempre mal-humorado e explodia com facilidade. Seus com-panheiros não gostavam de trabalhar com ele. Mas era assíduo e caprichoso, eficiente e dedicado, o que compensava seus proble-mas de relacionamento com os colegas. Ele era também conhecido por levar sem-pre um balaio de vime no veículo que usava em seu trabalho, misturado às fer-ramentas e às peças de repo-sição. Nesse balaio Abílio ia guardando as frutas que apanhava ao longo dos ca-minhos rurais que percorria,

para saboreá-las quando houvesse oportunidade. Por isso, seus companheiros o apelidaram de “Abílio Ba-laio”, embora nenhum de-les tivesse coragem de dizer esse nome na sua frente.

Um dia, Abílio conser-tava um circuito de fio nu numa estrada rural estreita. Para retirar suas ferramen-tas, havia também retirado o balaio de dentro do veícu-lo, e este ficara esquecido quase no leito da estrada. Um japonês, que transitava pela estrada dirigindo um jipe, não viu o balaio do Abílio e passou por cima dele. Uma das rodas do jipe destroçou o balaio e arras-tou-o por alguns metros, obrigando o japonês a parar e a descer do veículo para retirá-lo do lugar onde ha-via ficado preso.

Abílio desceu do poste, furioso, e interpelou com seus habituais maus modos o japonês do jipe:

– Olha só o que você fez, seu jacu! Pois agora vai

ter que me pagar o balaio!O japonês refletiu por

alguns instantes, emperti-gou-se e respondeu, engo-lindo preposições e artigos, trocando o “l” das palavras pelo “r”, naquele tom leve-mente cantado que caracte-riza o sotaque dos nipôni-cos:

– O senhor chamou ja-ponês de jacu.

Parou de falar por um breve momento, talvez para dar tempo para que Abílio dissesse “Hai!”, como seria de se esperar caso seu inter-locutor fosse outro japonês. Mas Abílio ficou quieto, e o japonês prosseguiu:

– Jacu é passarinho. Pas-sarinho não tem dinheiro. Não tem dinheiro, não paga balaio.

O japonês entrou no jipe, engatou a marcha e, antes de arrancar, resumiu inape-lavelmente seu raciocínio:

– Jacu não paga balaio!E partiu, deixando Abí-

lio desconcertado no meio da estrada.

Ouça nossos índiosIVAN

Em edição passada pu-bliquei crônica advertindo os pais: “Ouça seu filho”. A mesma advertência faço hoje às construtoras, gran-de ou pequenas, de todo o mundo, na certeza de que este jornal “de amenida-des” tenha abrangência universal: antes de cons-truir, seja estrada, ponte, prédio, casa, usina, ouçam os índios. Naturalmente, os engenheiros devem ser consultados, arquitetos, ouvidos, urbanistas, pro-curados, calculadores e projetistas contratados e, depois de aprovados os respectivos planejamentos é imprescindível consultar os índios. Os índios brasi-leiros. E nem é preciso que seja o pajé curando com o chocalhar das maracás, as-pergindo fumaça de ervas

profiláticas queimadas, tudo reforçado pela dan-ça mágica; nem mesmo é necessário recorrer-se ao morubixaba, cujo poder do cocar é mais potente e impositivo que qualquer básculo, coroa, trono ou cetro. Pode ser um índio raso, sem graduação, e que, mesmo assim, des-tituído de ascendência, pode salvar uma obra in-teira com seu vasto co-nhecimento da natureza e suas artimanhas. Explico. Quando foi construída nossa usina nuclear em Angra dos Reis, os respon-sáveis convocaram os me-lhores técnicos conheci-dos para erguer um prédio seguro, sólido, indevassá-vel e, logicamente, geólo-gos conceituados para es-colher o local, porém sem o cuidado de procurar um índio e pedir sua opinião.

Deu no que deu. As cons-truções imponentes cede-ram ao peso, principiaram afundar, adernar, perigan-do as instalações - letais se desabadas - só porque as edificaram em uma praia chamada Itaorna, que um simples curumim sabe o significado: “pedra mole, podre, pedra que se esfa-rela”. Estão vendo? Todo transtorno seria evitado com uma simples consulta a quem chamamos de sel-vagem. Tinha mesmo que afundar.

O mesmo sucedeu com o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP). Con-vocaram-se até meteoro-logistas para verificar as condições climáticas do local das pistas, se livres de neblina, bruma, névoa, fumaça, garoa e tudo o mais que impedisse a mo-vimentação regular das

aeronaves. Mais uma vez, sem pedir ajuda à sabe-doria indígena. Agora, é comum, principalmente no inverno, diversos voos serem cancelados por falta de visibilidade ocasionada pela intempérie. Procura-da, mesmo uma cunhã sa-beria responder: não façam a picada para passarinho de lata correr porque Cum-bica quer dizer nuvem bai-xa e passarinho de lata não enxerga e cai. Mas, não; preferiram gente formada, PHD, diplomada, especia-lizada, em detrimento dos aborígenes. Percam voos - bem feito - cheguem atrasados ao destino - pito pitou – durmam em hotéis enquanto a neblina se dis-sipa – tomara que tenham insônia. Era só pedir ao índio que determinasse o local adequado e, para não ferir suscetibilidades, co-

locar em placa os nomes dos construtores e políti-cos que superfaturaram a empreitada. Ao índio, um espelho.

Ontem mesmo um ín-dio Carajá que conheci na Ilha do Bananal, tomando conhecimento das exce-lências naturais do meu Latifúndio, visitando-me, pediu-me uma espiga de milho, mas que não esti-vesse inguirim. Para não confessar minha ignorân-cia do termo usado, disse que ele mesmo quebrasse a espiga desejada, safan-do-me da asnice. Trou-xe um fruto viçoso, bem granado, adolescendo do branco leitoso para o ama-relo adulto, apetitoso. De-pois, notando meu sorriso de alheamento para dissi-mular a burrice, informou: inguirim, na língua Jê,

quer dizer criança e, milho inguirim está criança ain-da, não está granado nem crescido e nem serve para alimento.

Sem consultar os com-panheiros deste jornal, convidei o índio para ser mais um nosso colabora-dor, aconselhando os lei-tores, orientando, recei-tando, opinando, curando, protegendo, resguardando. Sério, esticou o beição pra frente: “índio não diminui; só cresce”. Partiu a pé que, diga-se, ainda é o meio mais seguro de viajar. Antes, mandou lembran-ças “ao cearense acambe-ba (cabeça chata), doutor Raimundo Esteves e, para mim, disse: “tchau, abae-té”, que a modéstia não me deixa traduzir.

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MAIO | 2018 PÁGINA 5

O MUNDO É UM OVO: CAVAR O PASSADOJOSÉ ALAÉRCIO ZAMUNER

Numa certa manhã, bem no meio de um po-voadinho; com as casas espiando, Oracierla foi pro centro da praça, beira lago, e portando ferramentas de cavar. Muitas, só ele, sem olhar ao redor começou a cavar. O Oracierla, tá arrancando minhoca? Aí não pode, não, um gaiato poderia ter gritado. Um outro, por pouco não gri-tou: O caboclo, vai desen-terrar a volta dos que não foram? Pra que cavar aí, Cierla, não vê que aí não tem nada além de terra e restos de lembranças! Acho que essa é a voz do Zé Garcia. O sol beirava a tarde, o silêncio da praça parece que gelava aquele dia de junho descendo das montanhas. Picareta vindo pro chão, firme, propósito cego (pode-se dizer que de um jeito meio abduzido), no chão um proto-buraco bem no vagar se espalha:

lateral e vertical. A sorte é que hoje ninguém olha pra ninguém, se quer ca-var, que cave, mas não es-trague a grama; as pessoas passando porque era fim de dia. Deixe ele lá que ao se cansar vai parar. Logo a noite desceu com seus passos de horas pra frente, as horas nunca andam pra trás, pensando bem, não é bem assim; podem inver-ter percurso... (quando ro-dopiam espirais.) E a noite escureceu, e o proto-bu-raco toma corpo na força das ferramentas de pica-reta, pá, enxada: daí, um antagônico buraco sobe ao lado: desce o profundo, sobe a altura, para espanto de ninguém, para bem das vistas de Oracierla. Noite adentro a cidade dormiu, noite adentro o constru-tor de buraco cavou... Era madrugada, e não eram esmeraldas...

Um frio desce muito e pesado sobre a cidade, pingos de luz só das es-trelas; os postes calados

nas suas expressões para aquele dia. Mas, ainda mais, o céu sempre tem riscos, e não é por boni-teza... Astros vagando, al-guns pousam no topo do Morro Pelado: ninguém vê, mas há binóculos ob-servatórios voltados pro vale onde tem a cidade, onde tem praça, e nas ruas vinham alguns gatos-pin-gados nos binóculos... As pessoas dormem à noite. Muitos bichos não; mas naquela noite nenhum não dormiu, porque os bichos sentem, ouvem, percebem qualquer mínimo evento no movimento do ar.

Oracierla ainda cavan-do, há uma força sobre ele, só pode ser, porque a noite o acompanha do observa-tório. Sem trégua, desce a escavação, sobe uma in-trometida montanha ao lado. Pode ser um passado que saltou das pás de Ora-cierla: Euclides poderia, poderia não, deveria di-zer, mas não disse porque o povo não ia entender: O

Navegar é preciso... ver Portugal, tambémJAIME GOTTARDELLO

O avião sobrevoava a costa de Portugal, vindo através do mar pelo lado sul. Do alto era possível ver claramente o contorno de sua costa e os telhados de Lisboa. O Tejo causava a impressão de realmente ser largo o suficiente para despachar caravelas rumo ao desconhecido, séculos atrás. E se encher das lá-grimas dos que ficaram e não voltaram a ver os que se jogaram em busca das novas terras.

O português é afável e receptivo. E básico e lite-ral. Quando perguntado se poderia sentar em uma mesa do restaurante, a res-posta do garçom veio cor-tante como os versos de Camões: “não... podes se

sentar na cadeira, na mesa não se senta, ora pois”. Bá-sico, literal. Após trocas de sorriso e apertos de mão, o jantar foi regado a vinho acompanhado de baca-lhau. E o garçom parecia um amigo de décadas.

Caminhar pelas ladei-ras da Baixa e do Chiado, Alfama, Bairro Alto e Bica é ser invadido por chei-ros e cores que facilitam compreender a alma aven-tureira e melancólica do povo português. Azulejos. Edifícios completamente cobertos de pequenos azu-lejos intrincados nas pa-redes são uma forma única de arte. Sacadas e telhados em harmonia, cafés com mesinhas nas ruas e a sen-sação de perceber o antigo vivendo confortavelmente com a história.

E dá-lhe pernas para subir as ladeiras para ver o entardecer na melhor vista da cidade, de frente para o Castelo de São Jorge. É o Miradouro de Nossa Se-nhora do Monte, no bair-ro da Graça. Para quem busca a paz de espírito, tão rara nos dias de hoje, esse é um local a ser escolhido.

“Por favor, quero um Pastel de Belém.”

Oracierla... pare de sondar o chão e inventar mais di-mensões, aí, caboclo!!

Depois de um tanto de fundo, o frio da madru-gado gela a terra, mas o escavador segue na força intensa, a sonda... E dentro da terra quadros aparecem em camadas, são galerias de filetes de tempos sobre-postos... (neste evento uma nave paira suave, com gen-te que observam...)

...tempos que bro-tam nas paredes lá no fun-do da escavação: linhas de filetes diferentes nas cores. Com uma machadinha em instruções, Oracierla pôs-se a escavar mais preciso estes eventos em camadas nas paredes da terra: bateu forte, e desenterrou alguns dias, limpou-os da terra e pó, poliu-os ali mesmo: de repente aparecem mais dias, anos, como num fil-me, pessoas dos tempos outrossim mas de outrora construindo a cidade, con-forme os binóculos busca-vam, ao focar cada um de

gente, limpos de terra e pó, podia-se (eles) observar, ainda, todas as nuanças dos homens, da brutalida-de à compaixão, da avare-za à generosidade, da ira à mansidão, todos com-pondo os homens: porém, porém, mias que porém: sempre os vícios suplan-tando em brilho de ofuscar qualquer virtude, como a crista de uma montanha sobrepondo as campinas: cristas de montanhas so-brepondo as campinas.

Os seres da nave que pairava frente à esca-vação de Oracierla des-ceram, foram à beira do buraco, instrumentos de fotografar o achado ar-queológico: imagens do tempo primórdio de uma cidade, as horas rápidas circulando espiral anti-ho-rário, de um primórdio lugar, escavaram mais, limparam mais dias do pó da terra, e quanto mais cavavam, mais limpavam os dias, e destes dias sur-giam mais homens iguais

no sempre (de Antanhos e andrômedas), com as mes-mas protuberâncias vicia-das suplantado qualquer virtude.

Os homens da nave interromperam o serviço de Oracierla, enfadonhos dos mesmos exemplos. Antes de partir, pediram para não voltar a terra à dimensão buraco, que fi-que exposto a herança dos homens. Os animais já es-tavam ali de não se sabe pra onde.

Mas amanheceu, sol aparece como sempre, a pessoas transitam pelas ruas, praça, sem muito interesse pelo buraco an-tagônico expondo a na-tural condição humana. Oracierla foi pra casa sem muito o que explicar: era só um trabalhador que ca-vou um buraco ao lado do lago da praça.

“Ora pois, se queres um Pastel de Belém, deves ir a Belém”, foi a resposta da senhora que vendia Pastéis de Nata e que usava um avental com a foto de um cravo vermelho. Básico. Li-teral.

Ok, toca então para Be-lém. Um distrito de Lisboa com sua famosa Torre, de onde partiram as caravelas em todas as grandes nave-

gações. É onde o rio Tejo vai derramar suas má-goas e poesias no oceano Atlântico. Logo ali perto, o Mosteiro dos Jerônimos com sua igreja, onde estão os túmulos de Vasco da Gama e Camões, mostra seu esplendor arquitetôni-co e religioso.

Tomando um café ao lado da estátua de Fernan-do Pessoa, no mesmo local

onde ele escreveu muitos de seus belos versos, pen-so em voz alta se “minha pátria é minha língua”. O garçom interrompe meu pensamento e define: “ ora pois, e não é? Não estamos a falar em português?”

Básico. Literal. E belo.

Popo de SiãoKuaiaB. O. B.

Que sobre

se sobrar

Se muito

será lixo

Pouco

será demais

tantas fomes

na mesa

pouco peixe

no mar

Sobras

42Realidade é imaginaçãoque não deu certo48O dia envelheceuEnverrugou de estrelas16Quando fecho os olhosé para visitara imensidão da alma17No guardanapo de lágrimasescrevi versos borradosEram bons versos aquelesperfeitamente inacabados27Solidão é minha almaavoando de mimDeixando-mecom meus desnadas

Meu melhor é inventado

Munique!... Muito chique!...Estar na Alemanha, grande façanha!Literal e literária.Retornando venha nos contar as aventuras da viagem.Se, por ventura, só de passagem,Viu semelhança e discrepância.Tanto lá como em nosso bairro Ca-rapiáO homem carece de retidão na con-duta.Tem que ser firme e batuta...Essa andança inspira, cria sustança o caipiraE roda o mundo de cabeça erguida pra uma selfie!

Mensagem para Alaercio Zamuner

Quando divulgava seus livros no exterior.

Visite o passado em nosso

Museu Histórico e Geográfico

Rua Maurício Zucato - Centro

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N.º 551Maio de 2018

CÍRCULO ITALIANO TEM NOVA DIRETORIA

Em reunião realizada no dia 25 deste, o Círculo Ítalo-brasileiro de Monte Sião elegeu nova diretoria com os seguin-tes componentes:Diretor Presidente – Mário Lúcio Got-tardello de OliveiraDiretora Administrativa – Lourdes La-begalini MonteiroDiretor Financeiro – Dorneles CanelaDiretora Social – Rosalva Rita GuariniPresidente do Conselho Deliberativo (que indica e nomeia o Diretor Presi-dente) – José Ayrton Labegalini.

DOAÇÃO

Ismael Rielli doou, de seu Sebo insta-lado em Águas de Lindoia, cerca de 30 livros para a biblioteca de Roberto Carlos Bueno, aberta todos as quartas e domingos na feira livre da Praça An-tonio Oswaldo Bernardi, bairro Magioli. A biblioteca, como já divulgamos, está à disposição dos leitores, que podem levar o livro de seu interesse e depois devolvê-lo no mesmo local, sem qual-quer cadastro ou formalidade. Trata-se de maneira simples, engendrada pelo Roberto Carlos, de incentivar o hábito à leitura. Monte Sião agradece ao Is-mael.

LOUVAÇÕES

Sob este título, o agrônomo Raimundo Esteves da Silva coligiu textos alusivos à sua pessoa, transformando-os em livro, onde também estão registrados todos os cargos ocupados, homena-gens recebidas, facetas de sua vida

como universitário e funcionário da Prefeitura, da antiga ACAR e atual Emater, tudo ilustrado com diversas fotos. O projeto gráfico e diagrama-ção foram admiravelmente feitos pelo Irmão Bruno Couto, do Mosteiro da Santíssima Trindade e a impressão realizada pelas famílias editoras Cen-tury Schoolbook e Edwardian Script.

CUIDADOS

Com o mesmo zelo com que a Prefei-tura vem tratando nossa praça princi-pal – Praça Mário Zucato – também é merecedora a Praça Antonio Oswaldo Bernardi, do Magioli. Bancos de ma-deira e banquetas de cimento encon-tram-se em estado precário, causan-do desconforto ao usuário e péssima impressão ao passante. Cidade com pretensões turísticas deve sempre es-tar atraente, limpa e constantemente conservada. A boa impressão é funda-mental para o retorno do visitante.

PESCARIA DO GODINHO

A lagoa estava coalhada de traíras, mas cadê de o Godinho pegar pelo menos uma unzinha só? Esperto com ele é, foi até à sede da fazenda e trou-xe um pato emprestado e, num dos pés, amarrou linha com anzol e isca viva. Soltou o pato na lagoa, a maior traíra que ali morava desde 1970, ima-ginou um patão assado, bronzeado, com as duas pernas pra cima, deitado de costas na assadeira. Com água na boca, abocanhou a lambari (em Mon-te Sião lambari é do gênero feminino, mesmo os machos) com anzol e tudo, puxando o almoço pra baixo. Sentindo que ia se afundar, o pato levantou voo

CELSO GROSSI

Numa tarde acalorada, assentei-me num dos ban-cos da “Praça da Matriz” e, acomodado, sentia a brisa fresca e perfumada transpassada por entre os arbustos e flores encanteirados. Aproveitar o aconchego desses bancos, numa tarde tranquila, em que o sol está se indo, é uma coisa a fazer sempre que se possa. Recordações inesquecíveis do passado vivido nesse jardim fluem, presenteando-nos na vida atual. Que coisa boa!

Enquanto eu torcia o passado, como se torce uma toalha molhada para eliminar a água, querendo tirar dele a negatividade de minha existência e, absorto com minhas recordações, não percebi que Vaira, uma ami-ga minha de há muito tempo, se aproximava! Fui sur-preendido com a alegria que ela demonstrava por ter me achado, solitário, e, por isso, poder entabular comigo uma conversa legal. Juntos, rememoramos coisas que só nós sabíamos, da nossa juventude. Um papo bom desenrolava histórias antigas. Em dado momento, des-pojada de qualquer retraimento, me perguntou se eu, sendo católico praticante, sabia o que era o purgatório. Estranhei a pergunta deslocada, mas a transferi de ime-diato para meu celular, procurando me livrar daquele aperto, mas ele estava sem a bateria. Confabulei e, num instante, a lâmpada acendeu e eu relatei-lhe minha versão: ”O purgatório é o lugar onde se faz a triagem do aproveitamento da alma de quem morre. Exemplo: A alma da gente é como uma peça de madeira que nos acompanha desde o nascimento até a morte. Ela vai sendo carcomida pelos nossos pecados, assim como os cupins vão devorando a madeira descuidada. Então, quando a alma é analisada na triagem do purgatório, a parte carunchada pelos pecados é jogada no fogo do inferno e, a que sobra, é levada para o Céu.”

“Ei, pera aí! O que ocê ta falando? Deus do Céu! To perdida!” Vaira ficou transtornada e apavorada, descon-jurando meu fantástico exemplo e me deixando encabu-lado, sem se despedir, sumiu!

Novamente sozinho, questionei-me: Será que o pur-gatório é isso mesmo? Será!

O purgatório

JUNHO DE 2018Dia 01

Rosângela AraújoAparecida Jaconi Faraco

Dia 02Wedimilson Giovani da Silva

Dia 04José Raimundo Rodrigues

Ronan Gaiotto BenattiDulcinéia Dias e Silva

Dia 05Antonio Carlos Ortoloni Jr.

Luciana Ferreira de Godoy, BH/MGEiko Tanaka Bernardi

Rodney Campbell QueirozDia 06

Patrícia da Silva Puton, Gatinha do Jornal - Mai/2010Paula Silveira Andreta, SP/SPSebastiana R. Zucato, SP/SP

Dia 07Mayara Pereira Alves

Joela Ávila SantosDia 08

Marco Antonio GuireliRoberta Jaciane

Beatriz Veloso LabegaliniDia 09

Sônia Maria dos SantosDia 10

Maytê Tavares Souza Bueno,Gatinha do Jornal - Mar/2007

Wanderlei ArmelimMário Márcio Zucato Jr.

Dia 11Gláucia Maria Comparini

Dia 12Sandra Vilas Boas

Altair Antonio AugustoMariles A.D. Resende

Gisele LopesGiovana Evi Labegalini (PR)

Dia 13Rita Amélia de Souza

Dia 14Bruno Aparecido Ruiz

Thais F. LopesJosiane Barros de Oliveira,

Gatinha do Jornal - Dez/2006Eliza Machado

Dia 15Patrícia Corsi

Fátima Ivanilde P. LabegaliniRoberta Damasceno e Souza

Felipe Prado JaconiDia 16

Nilson Assis AraújoDanilo Labegalini

Victor Morelo Valentim (PR)Dia 17

Reinaldo ComuneEdemárcio Souza Bueno

Adriana Aparecida OliveiraDorialva G. de Bacelar, Barueri/SP

Dia 18Antonio Raimundo P. da Silva

Claudemir JonasClaudete JonasHelvin Barbosa

Juliano Bueno de GodoiMaria Carolina M. Benatti

Dia 20Naliete Rufino Lima,

Gatinha do Jornal - Set/2010José Oscar Bernardi

Danieli Zucato GaspardiMárcio Roberto LabegaliniAnderson Luiz de Oliveira

Maria Tereza Dias FernandesJonni B.E. Delphim ResendeMaria Laura Pereira Zucato

Dia 21Rosângela D. Righete

Karina GuariniGraziani Comune Pinheiro

Fernando Gonçalves OliveiraDia 23

Mariane Faria ZucatoCristiani M. R. Guarini, Itajubá/MG

Carla Fernanda FaracoJoaninha B. Queiroz Bueno

João Batista CamiloDia 24

Camila Raimundo de SouzaMaria Celina Comune

Débora Martins VedovotoDia 25

Luiz Henrique FerreiraRogério Virgílio

Dia 26Maria Regina S. Souza

Dia 28Paulo César A. Branco

André Luiz C. Labegalini (PR)Thais Labegalini

Tiago Bourgeth MachadoSimão Pedro Alves

Dia 29José Luiz de Oliveira

Wilson Rodrigues de Bacellar,Graziela Zucato

Marcela Pereira AlvesFlávia Canela

Dia 30Rodrigo de Castro RibeiroBenedito José dos SantosJosé Aparecido da SilvaIzilda Angélica C. Canela

Km 6 da Rod. M.Sião - O.Fino -(35)3465 1355 – 9 9114 9447

RESTAURANTE DA LICINHA

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Espaço para 250 pessoas

e, ao pegar altura, fisgou o trairão de 18 quilos. Mas, não conseguiu subir muito: o peso era excessivo para uma ave que pesava apenas 4 kg. Com voz, pronúncia e língua de pato, o pato grasnou: acuda, Godinho. Imediata-mente nosso pescador pegou a linha que arrastava o peixe, soltou o pato e recolheu a traíra. A traíra pagou o pato e o Godinho também pagou o pato com dois quilos de milho. O Godinho acabara de inventar nova modalidade de pesca: Pesca 4 Pês - “PEGUE O PEIXE PAGUE O PATO”.

NOITE DO CHORINHO

A Fundação Cultural “Pascoal An-dreta” ofereceu, na noite de 19 deste mês, no salão Mega Festa, mais uma noite de “Choro”, quando foram apre-sentadas as mais tradicionais músicas deste gênero genuinamente brasilei-ro. O conjunto, formado por bandolim, cavaquinho, violão de sete cordas e sanfona, excelente, foi merecedor dos aplausos entusiasmados da grande plateia presente. Durante intervalo para descanso e lanche dos músicos, o Grupo de Seresta da Fundação – Marilu, Neide, Alessandra, Maria Inês, Álvaro, Aírton, Jaime, Ivan (violão), Luis (violão de 7), Acácio (cavaqui-nho), André (percussão) e Sabrina (regente), cantou diversas melodias do passado, sempre a gosto da gente monte-sionense. Após os seresteiros, voltou ao palco o pessoal do Choro, novamente muito aplaudido pela qua-lidade de seus componentes.Assim, a Fundação alcança mais um objetivo de divulgar a cultura, através do lazer que a boa música proporcio-na.

1 Nasceu em 1961, em Catagua-ses (MG). É jornalista, prosa-dor e poeta. Renasce a cada

palavra. Vai além da geografia do lugar e respeita a mistério no qual investiga sem medo de se desmanchar.

Mineiramente coagula na veia o sentido máximo da vida em cada se-gundo. Em cada olhar. Permite-se ser observado no seu cotidiano simples e até mesmo como um “dono de casa”, mas com regras para escrever diaria-mente. Publicou “Histórias de remor-sos e rancores”; “Os Sobreviventes”; “Eles eram muitos cavalos”; “As másca-ras singulares”; “A cidade dorme”; “In-ferno provisório”. Estamos escrevendo sobre: LUIZ RUFFATO.

2- Fragmentos: Trechos do dis-curso do escritor Luiz Ruffato- em Frankfurt- Alemanha- na

abertura da Feira do Livro para 2.000 pessoas. Entre representantes dos go-vernos do Brasil e da Alemanha. Foi ovacionado! (08/10/13).

“O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é com-promisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caí-ram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir

LiterÁrio LXVIIà tentativa autoritária de aplainar as di-ferenças.

(...) Nascemos sob a égide do genocídio.

Dos quatro milhões de índios que exis-tiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos au-tóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mes-tiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.

(...) Convivendo com uma terrível sen-

sação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intole-rância emerge. Aquele que, no desam-paro de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse esta-tuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios --o semelhante torna-se o inimigo.

(...) A taxa de homicídios no Brasil che-

ga a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil

pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fecha-dos, protegidos por cercas elétricas, se-gurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narco-traficantes e policiais corruptos.

(...) A perpetuação da ignorância como

instrumento de dominação, marca re-gistrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasi-leiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a ali-mentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.

(...) Volto, então, à pergunta inicial: o

que significa habitar essa região situa-da na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexis-tentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?

3- A frase do mês: - “As pessoas não aceitam se olhar no espe-lho” L.Ruff