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Proteção do dossiê de testes no Brasil: um estímulo à inovação Novembro de 2015

Proteção do dossiê de testes no Brasil: um estímulo à inovação · 2017-01-04 · do registro e do preço Estudos pós-comercialização 5.000 - 10.000 moléculas 250 moléculas

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Proteção do dossiê de testes no Brasil: um estímulo à inovaçãoNovembro de 2015

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E X P E D I E N T E

Proteção do dossiê de testes no Brasil: um estímulo à inovação

S U P E R V I S Ã O

Antônio Britto | Presidente-executivo – Interfarma

C O O R D E N A Ç Ã O - G E R A L

Tatiane Garcia Schofield | Diretora Jurídica – Interfarma

E L A B O R A Ç Ã O

Dra. Liliane Roriz | Licks Advogados

C O L A B O R A Ç Ã O

Ronaldo Luiz Pires

C O O R D E N A Ç Ã O D E C O M U N I C A Ç Ã O

Octávio Nunes | Diretor de Comunicação Institucional - Interfarma

A P O I O

Selma Hirai | Comunicação – Interfarma

Paula Lazarini | Comunicação – Interfarma

Bruno Folli | Comunicação – Interfarma

P R O J E T O G R Á F I C O E D I A G R A M A Ç Ã O

Nebraska Composição Gráfica

R. Verbo Divino, 1.488 – 7º andar – cj. 7ACEP: 04719-904 – Chácara Santo Antônio – São Paulo – SP

Tel.: (11) 5180-3499 – Fax: (11) 5183-4247

w w w . i n t e r f a r m a . o r g . b r

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 3

ApresentaçãoHá muito se discute no Brasil a importância

da proteção do dossiê de testes para pesquisa

e desenvolvimento de novos medicamentos.

Por conta da falta de definição do prazo

dessa proteção no País, o tema tem ganhado

repercussão.

Como se verá ao longo deste estudo, ora

publicado pela Interfarma, a maioria dos

países pesquisados, tem o prazo de proteção

do dossiê de testes expressamente definido.

A proteção e a definição do tempo de

segredo dos dados são uma garantia para

quem faz investimentos em pesquisa e

desenvolvimento de um produto inovador.

Além disso, representam um estímulo à

comercialização no Brasil de medicamentos

inovadores de comprovada qualidade,

segurança e eficácia – uma esperança,

portanto, para inúmeros pacientes que

esperam a cura para uma doença ou a

melhora na sua qualidade de vida.

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PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 5

Você já parou para pensar em como é feito

um novo medicamento? Quando você

entra na farmácia e pede o remédio de

que precisa, dificilmente se dá conta do

trabalho que foi necessário, da pesquisa

que foi desenvolvida, dos testes que foram

exigidos, de cada etapa que foi superada,

para que aquela caixinha, contendo

alguns comprimidos, pudesse chegar a

você.

É sobre esse longo e oneroso percurso

que queremos lhe falar. Atualmente,

ele é comum a todos os produtos

farmacêuticos novos – do comprimido

para dor de cabeça ao mais complexo

e potencialmente revolucionário

medicamento, capaz de mudar o destino

de milhões de pacientes ao longo da

história, como antibióticos, vacinas,

anestésicos e anticoncepcionais.

Hoje, graças ao avanço das novas

tecnologias e do conhecimento científico

as pesquisas ganharam uma extraordinária

dimensão. Novos medicamentos estão

sendo desenvolvidos não apenas para

tratar, mas com o propósito de alcançar

a cura para doenças crônicas ou

degenerativas que, há tempos, afligem a

humanidade como Alzheimer, Parkinson,

Transtorno Obsessivo Compulsivo -

TOC, autismo, artrite reumatóide – sem

mencionar os inúmeros tipos de câncer.

O esforço envolvido nesse tipo de busca é

imensurável. Mas para que se entenda a

dimensão de tempo e investimentos em

pesquisa e desenvolvimento, é necessário

esclarecer que, mesmo depois de

concluída a fase de invenção e formulação

de um medicamento para doenças graves,

por exemplo, ainda serão necessários

cerca de dez anos para cumprir as etapas

de testes. Em média, cada pesquisa que

é bem-sucedida e chega à população

na forma de medicamento custa 800

milhões de dólares.

Falta para o Brasil lei que garanta um prazo de proteção ao dossiê de testes como acontece em outros países

6

Por isso, assim como qualquer atividade

econômica, há a expectativa daqueles

que acreditaram e confiaram seus

investimentos em um projeto de P&D

de um retorno sobre o que foi investido

como forma de compensar e remunerar

o esforço de empresas, cientistas e

pesquisadores envolvidos no processo.

Este modelo legítimo e consagrado pela

lógica econômica é parte de círculo

virtuoso de inovação que permite que

os ganhos obtidos sejam reinvestidos na

pesquisa e no desenvolvimento de um novo

medicamento.

Como é mesmo que se chega a um novo medicamento?A criação de um medicamento de

referência (aquele que, independentemente

de ser ou não patenteável, é qualificado

como parâmetro de eficácia, segurança

e qualidade para a produção e registros

de medicamentos genéricos e similares)

leva entre dez e quinze anos, desde a

identificação do alvo farmacológico até sua

chegada ao mercado, passando por seis

etapas, como se pode observar no próximo

gráfico:

� 1ª ETAPA: identifica-se o alvo

farmacológico e iniciam-se os testes

laboratoriais para analisar os novos

compostos que se mostrem promissores

no combate a determinada patologia.

Cerca de 90% das substâncias são

descartadas ainda nesta etapa.

� 2º ETAPA: são feitos os testes pré-clínicos

em animais, de toxicidade e atividade, in

vitro e in vivo. Estes testes são essenciais

para avaliar a segurança e a eficácia

do novo fármaco, antes de iniciados os

testes em humanos.

� 3ª ETAPA: são iniciados os testes em

seres humanos sadios (etapa clínica I).

Pretende avaliar como se dá sua ação

no organismo humano, o tempo para

se iniciar essa ação, o tempo que ela

demora e a toxicidade, dentre outros

fatores. A seguir, começam os testes

em pessoas que apresentam a doença

(etapas clínicas II e III). Aqui, a avaliação é

da eficácia de cura, propriamente dita.

� 4ª E 5ª ETAPAS: são as da aprovação do

registro do medicamento que permite

que ele seja comercializado; e do preço,

pelos órgãos reguladores, como no caso

do Brasil.

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 7

� 6ª ETAPA: o medicamento chega,

enfim, à farmácia. Paralelamente,

continuam os testes pós-clínicos ou

pós-comercialização (etapa IV) para

aferição ampla do potencial terapêutico

e eventuais efeitos adversos.

Ao conjunto de dados que inclui

informações diversas, desde a

caracterização e desenvolvimento do

medicamento até os testes pré-clínicos e

clínicos que comprovam sua qualidade,

eficácia e segurança, são atribuídos vários

nomes como data package, pacote de

dados, conjunto de dados ou de testes,

dossiê de testes, dados regulatórios, dados

não-divulgados dentre outros.

Pela simples análise do gráfico acima,

fica claro que esse dossiê possui um valor

em si mesmo e por isso merece receber

proteção. Afinal, seu custo financeiro pode

chegar a representar 70% do montante

total de desenvolvimento de um novo

medicamento.

Ensaios Clínicos

FASE 2FASE 1 FASE 3

Submissão do pedido à

ANVISA

Aprovação do registro e

do preço

Estudos pós-comercialização

5.000 - 10.000 moléculas

250 moléculas

5 moléculas

20-100 voluntários

100-500 voluntários

1.000-5.000 voluntários

1 molécula aprovada

pelo órgão responsável

Indefinido6-7 anos 1-2 anos3-6 anos

1a ETAPA 4a ETAPA 5a ETAPA 6a ETAPA2a ETAPA 3a ETAPA

Pesquisa do fármaco

Ensaios pré-clínicos

Fonte: PhRMA

8

O que acontece com esse dossiê de testes?O dossiê de testes é, obrigatoriamente,

apresentado ao órgão responsável pelo

registro e consequente autorização

de produção e comercialização dos

medicamentos. No caso do Brasil, a Agência

Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.

É importante não confundir esse dossiê

de testes, que é apresentado à Anvisa,

com os dados que são apresentados

ao Instituto Nacional de Propriedade

Industrial – INPI para obtenção do registro

de uma patente. Aliás, todo medicamento

requer uma autorização da Anvisa para

ser comercializado, mas nem todo

medicamento que é comercializado

está protegido por uma patente. Os dois

registros não se confundem. Há patente

quando o medicamento é uma invenção,

isto é, diferente de tudo aquilo que já é do

conhecimento do público em geral. Se não

é invenção, não será patenteado, mas será

registrado na Anvisa. Em outras palavras,

a proteção que recai sobre uma patente

concedida para um medicamento inovador

é diferente da proteção que merece o

dossiê de testes apresentado à Anvisa. Veja

as diferenças no quadro comparativo.

PATENTES DOSSIÊ DE TESTES

Base Legislativa Decreto de promulgação nº 1.355, de 30/12/1994

(Acordo TRIPS), art. 27.3; Lei nº 9.279, de

14/05/1996 (LPI), arts. 6º a 93.

Decreto de promulgação nº 1.355, de 30/12/1994

(Acordo TRIPS), art. 39.3; Lei nº 9.279, de

14/05/1996 (LPI), art. 195, XIV.

Natureza Direito de Propriedade Industrial (espécie do

Direito da Propriedade Intelectual).

Direito de Propriedade Industrial (espécie do

Direito da Propriedade Intelectual).

Objeto Exclusividade sobre o medicamento. Exclusividade sobre as informações relativas aos

testes de segurança e eficácia geradas pelo titular.

Interdita Manufatura, venda, importação e exportação

de um produto patenteado ou de um produto

diretamente obtido por um processo patenteado

e/ou o uso de um processo patenteado.

A aprovação de comercialização de um produto

competidor com base em dados regulatórios

angariados pelo titular do direito.

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 9

Vê-se que a proteção temporária ao

dossiê de testes está sustentada num

arcabouço jurídico próprio, não sendo

possível reduzi-la a uma suposta

extensão indevida do prazo de vigência

das patentes. Primeiramente porque,

como já visto, proteção por patente e

proteção do dossiê de testes não se

confundem e, por conseguinte, esta

não pode ser considerada uma mera

prorrogação daquela. Depois, porque

os dois prazos, quando concomitantes,

correm paralelamente, caindo em

domínio público em momentos

distintos, por terem duração distinta.

Vale lembrar, ainda, que muitas vezes

haverá apenas a proteção do dossiê de

testes, vez que a proteção patentária

depende de requisitos específicos de

novidade, atividade inventiva e aplicação

industrial – nem sempre aplicáveis a

medicamentos inovadores – enquanto a

proteção do dossiê é medida de proteção

ao consumidor e ao investimento. Por

fim, porque o fato de inexistir um prazo

legalmente fixado para a proteção do

dossiê de testes faz com que a efetividade

da devida proteção a priori dependa

de esforço interpretativo, dificultando

o merecido retorno financeiro em

decorrência do investimento no produto,

o que tem uma influência direta na

decisão empresarial de investir em um

medicamento novo.

PATENTES DOSSIÊ DE TESTES

Finalidade Proteger e incentivar as invenções, revelando o

conhecimento.

Proteger os dados científicos relativos à segurança

e eficácia dos medicamentos e, por extensão,

preservar o direito de acesso do consumidor a

produtos comprovadamente eficientes.

Requisitos Art. 8º, LPI: Novidade; Atividade Inventiva; e

Aplicação Industrial.

Art. 39.3, TRIPS: Novidade; e Esforço Considerável.

Prazo 20 anos contados da data do depósito ou 10 anos

contados da data da concessão.

Medicamentos de uso veterinário: 5 a 10 anos;

Medicamentos de uso humano: prazo não

especificamente regulado pela legislação vigente.

10

Estando a Anvisa de posse desse dossiê de testes, quais seriam os limites do uso que a agência poderia fazer deles?Explica-se. Já foi dito que o medicamento

de referência é aquele que serve como

parâmetro aos medicamentos-cópias,

que são os genéricos e os similares. Isso

acontece porque ele se submete ao longo

ritual dos testes pré-clínicos, clínicos e

pós-clínicos. Já para os medicamentos-

cópias foi adotado um sistema simplificado

para a análise e concessão do registro, por

serem apenas versões do medicamento

de referência. É o chamado registro por

similaridade, no qual é comprovado

apenas o fato de a cópia e sua referência

serem suficientemente similares,

presumindo-se, então, que na cópia existe

a mesma eficácia, segurança e qualidade

já comprovadas no medicamento de

referência. Uma vez que o medicamento-

cópia comprove sua equivalência ao

medicamento de referência, os testes

aplicados para a comprovação das

qualidades deste são automaticamente

estendidos àquele, sem que se levantem

dados sobre o desempenho do

medicamento-cópia em si.

O entendimento da ANVISA é o de

que não seria razoável exigir-se do

medicamento-cópia os mesmos testes

exigidos do de referência, pois seria uma

perda de tempo e de dinheiro, além de

submeter mais vidas (animais e humanas)

a riscos desnecessários. Desta forma, todo

o ônus recai sobre o titular do dossiê de

testes do medicamento de referência.

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 11

Negociações Comerciais Multilaterais

do GATT, promulgada pelo Decreto

n. 1.355/1994) – norma de caráter

internacional que obriga os países

signatários a protegerem, contra o uso

comercial desleal, os resultados de testes

ou outros dados não divulgados de

produtos farmacêuticos, cuja elaboração

tenha envolvido esforço considerável e

que tenham sido apresentados ao órgão

governamental como condição para

aprovar sua comercialização. Obriga-

os ainda a adotarem providências

para impedir que esses dados sejam

divulgados, exceto em caso de interesse

público ou de já existirem medidas

protetivas suficientes para prevenir a

concorrência desleal.

�O art. 195, XIV, da Lei de Propriedade

Industrial - LPI (Lei n. 9.279/1996) –

dispositivo legal que tipifica o crime

de concorrência desleal, indicando

como condutas criminalizadas a

divulgação, a exploração e a utilização

dos resultados de testes ou outros dados

não divulgados, cuja elaboração tenha

envolvido esforço considerável e que

tenham sido apresentados a entidades

governamentais como condição para

aprovar a comercialização de produtos.

Que tipo de proteção o Brasil assegura a esse dossiê de testes?O que vem acontecendo no Brasil é que a

política de acesso a medicamentos não está

harmonizada com outras políticas e direitos

que também são baseados em garantias

constitucionais, como o fomento à inovação

tecnológica e ao desenvolvimento científico.

Falta ao Brasil uma norma legislativa

que garanta expressamente um período

de proteção ao dossiê de testes do

medicamento de referência para uso

humano, durante o qual não haverá registro

para genéricos ou similares, por meio dos

testes de similaridade.

Como já informado no quadro comparativo

entre patentes e dossiê de testes, no Brasil

há dois dispositivos legais em vigor para

efetivar a proteção do dossiê de testes, que

são:

�O art. 39.3 do Acordo TRIPS1 (que é um

dos anexos da Ata Final que incorpora

os Resultados da Rodada Uruguai de 1. Agreement on Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights, ou Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – ADPIC.

12

Nenhum dos dois dispositivos

resolve integralmente o problema.

Primeiramente, porque a norma criminal

trata da punição do desvio de conduta já

ocorrido, quando a proteção pretendida

pela norma internacional teria um caráter

preventivo desse desvio, ou seja, em

nossa legislação só há a punição pelo

uso indevido desses dados, mas não há

qualquer prevenção contra tal uso. Depois,

porque sem prazo de proteção fixado, o

que existe é a incerteza jurídica acerca

do prazo de proteção, e não a falta de proteção. Finalmente, porque a norma

internacional fala de ‘uso comercial

desleal’, o que é figura bem mais ampla

do que a ‘concorrência desleal’ utilizada

pela lei brasileira.

Ainda no ano 2000, quando da

conclusão do relatório final da CPI dos

medicamentos, a Comissão Parlamentar

de Inquérito recomendou ao Poder

Executivo a regulamentação do referido

artigo 195, inciso XIV, visando corrigir a

proteção permanente que recai sobre os

dossiês de testes, estabelecendo um prazo

de duração para a mesma.

Contudo, e o que mais espanta no

tratamento dado pelo legislador brasileiro

à questão, é que isso foi feito apenas no

caso dos produtos de uso veterinário, dos fertilizantes e dos agrotóxicos, sobre os

quais já existe uma norma legal específica

para regulamentar a proteção do dossiê

de testes submetidos ao Poder Público

para aprovação da comercialização.

Trata-se da Lei n. 10.603/2002, cujo art. 3º

impede a utilização, pelas autoridades

competentes, dos respectivos dados a

ela confiados, pelo período de tempo

estabelecido no texto da norma (5 ou

10 anos), variando o tempo de proteção

de acordo com o grau de inovação

incorporado ao produto, ou seja,

concedendo período maior de proteção

para as invenções radicais (moléculas

novas) e períodos menores para as

inovações incrementais (aperfeiçoamento

de moléculas já conhecidas).

É interessante observar que a mencionada

lei resultou da conversão da Medida

Provisória nº 69/2002, que previa

expressamente a proteção também

para o dossiê de testes referente aos

produtos farmacêuticos de uso humano

por período de tempo determinado.

Foi excluído do texto final aprovado,

entretanto, porque se entendeu que só

havia a urgência necessária para a adoção

de regra pela via da medida provisória no

caso dos produtos de uso veterinário, fertilizantes e agrotóxicos, em vista da

derrota do Brasil em um arbitramento

iniciado pela Argentina, perante a

Secretaria Administrativa do MERCOSUL,

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 13

PAÍSES PRAZO DE PROTEÇÃO

União Europeia 10 – 11 Anos (Fórmula 8+2+1)

Estados Unidos da América

5 – 12 Anos

Suíça 10 Anos

Japão 8 Anos

China 6 Anos

Canadá 8 Anos (Fórmula 6+2+½)

Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela

5 Anos

Austrália 5 Anos

Argentina, Bolívia e Brasil Prazo não especificado (a posteriori)

Índia Sem proteção (em estudo, 5 anos).

A proteção, na grande maioria deles, se

dá de forma direta (a priori), com prazo

previamente estabelecido, durante o qual

a autoridade responsável por conceder

registros sanitários sequer recebe pedidos

de registro para medicamentos genéricos

ou, se os recebe, apenas os concede após

um determinado tempo.

Veja o quadro comparativo a seguir:

por conta de barreira comercial imposta

por nosso país a produtos fitossanitários

similares argentinos. Em consequência,

o Brasil se viu compelido a adequar-

se e a regulamentar, o quanto antes, a

proteção do dossiê de testes dos produtos

agropecuários.

Remanesce, com isso, a falta de

regulamentação do prazo de proteção

para o dossiê de testes dos produtos

farmacêuticos de uso humano, muito

embora a aprovação da comercialização

de todos os mencionados produtos

(humanos e agropecuários) se dê de

maneira análoga.

Em outros países, como é feita essa proteção?A proteção conferida ao dossiê de testes,

referente aos medicamentos de uso

humano, não é novidade no mundo.

Ao contrário, ela se encontra positivada

na maioria dos países membros da

Organização Mundial do Comércio – OMC.

14

A União Europeia adota um sistema de

prazos 8+2+1 (anos). Por esta fórmula,

durante oito anos contados da concessão

do registro sanitário ao medicamento

inovador, a autoridade competente não

aceita nem mesmo pedidos de registro

de quaisquer outros medicamentos

genéricos (ainda que com autorização

do titular do registro inovador).

Passado esse período, os pedidos são

aceitos, mas a comercialização, caso

autorizada, só poderá ser iniciada após

completados dez anos da concessão

do registro ao medicamento inovador,

ou seja, é garantida exclusividade na

comercialização por um total mínimo

de 10 anos. Caso uma nova indicação

terapêutica seja adicionada ao registro do

medicamento, o prazo de exclusividade é

estendido por mais um ano.

Nos Estados Unidos o sistema é mais

complexo, pois se entrelaça com o direito

de patentes, gerando diversas variantes.

Contudo, o prazo mínimo é de cinco anos,

podendo chegar a doze, em alguns casos.

A Suíça adota um sistema simples de

proteção pelo prazo de 10 anos contados

da concessão de registro ao medicamento

inovador, mas permite que, com o

consentimento do titular desse produto,

outros baseiem seus pedidos de registro

naqueles dados.

No Japão, existe um período de oito anos

chamado de “período de reavaliação”,

onde são coletados mais dados sobre o

novo produto farmacêutico até que ele

seja considerado como bem estabelecido

no mercado. Durante este período, não

há a possibilidade de exame de pedidos

de registro de outros medicamentos

com o mesmo princípio ativo, o que

funciona, portanto, como um período

de exclusividade dos dados regulatórios.

Caso entenda necessário, a autoridade

competente pode estender o período

de reavaliação e, consequentemente,

o período de exclusividade de dados

regulatórios. Embora essa medida

beneficie o titular do medicamento de

referência, ela é, na verdade, uma forma

de proteção ao consumidor, visto que a

extensão ocorre apenas se for constatado

que ainda não existem dados de

segurança e eficácia suficientes sobre um

determinado medicamento para ampliar

a sua disseminação ao público, através dos

genéricos.

A China garante um período de

exclusividade ao pacote de dados de

seis anos. Permite, contudo, o registro de

medicamentos com o mesmo princípio

ativo no caso de o requerente realizar

todos os testes novamente. Tal conduta,

entretanto, não é permitida na maior

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 15

parte dos países por questões éticas, visto

que a repetição de todos os testes implica

em risco excessivo à saúde dos voluntários

(humanos) e submissão de animais a

sofrimento desnecessário.

O sistema adotado pelo Canadá é muito

parecido com o Europeu, mas a fórmula

é de 6+2+½, sendo que o meio ano de

proteção adicional se aplica apenas aos

medicamentos pediátricos

Diversos países sul-americanos, como

Chile, Colômbia, Peru e Venezuela,

além do México e de países da América Central, preveem a proteção de dados

regulatórios em seus ordenamentos

jurídicos. Esses países adotam um

sistema bastante simples de proteção

pelo período de cinco anos contados

da concessão do registro sanitário ao

medicamento inovador.

Esse é também o sistema adotado pela

Austrália.

A Índia, até o presente momento, não

reconhece o direito de exclusividade dos

dados regulatórios, encontrando-se em

discussão, porém, a adoção de um prazo

de três a cinco anos. A resistência em

adotar a proteção conferida aos dados

regulatórios se dá pelo fato de ser um dos

grandes produtores de medicamentos

genéricos. A Índia vem enfrentando,

entretanto, um enorme problema

decorrente da baixa qualidade de seus

medicamentos, sendo possível estimar,

segundo informações da Central Drug

Standard Control Organisation – CDSCO2,

que pelo menos 25% dos medicamentos

indianos estão abaixo dos padrões de

qualidade adotados mundialmente.

Entre os países que, além do Brasil, adotam um sistema de proteção apenas

contra a concorrência desleal, sem prazo

estabelecido (a posteriori), destacam-se

Argentina e Bolívia.

Ainda no contexto internacional, chama

atenção o fato de o regime de proteção

de dados adotado nesses países não

ter-se revelado como barreira de entrada

para a introdução de medicamentos

genéricos em seus respectivos mercados

internos. De fato, analisando alguns dos

principais mercados farmacêuticos do

mundo, pode-se facilmente constatar ser

falso o silogismo que elege a proteção ao

dossiê de testes como fator impeditivo

a um maior acesso da população a

medicamentos, tal como demonstra o

gráfico a seguir, comprovando ser possível

a convivência pacífica entre a adequada

proteção à inovação e o posicionamento

dos medicamentos genéricos no mercado.

2. “Organização de Controle das Normas para os Medicamentos”.

16

Ou seja, nos EUA, por exemplo, onde

a proteção do dossiê de testes ocorre

por um período de 5 a 12 anos, 80% dos

medicamentos vendidos são genéricos e

só 20% são de referência.

O que o Brasil perde ao ignorar a proteção desse dossiê de testes?O Brasil perde muito ao não efetivar a

proteção temporária desse dossiê de

testes:

� Perdem os consumidores brasileiros,

que deixam de ter acesso mais

rápido a medicamentos de ponta e a

medicamentos mais seguros e eficazes;

� Perde o pesquisador brasileiro;

� Perde a agenda de inovação para o

Brasil;

� Perde a capacidade de atrair

investimentos produtivos nacionais e

internacionais;

� Perde a imagem do país no exterior.

Para que os pacientes tenham acesso rápido a medicamentos de ponta,

produzidos pela indústria farmacêutica

nacional e internacional, é fundamental

PAÍS Proteção DPE% em unidades

E.U.A* 5 – 12 Anos 80

Alemanha* 10-11 Anos (Fórmula 8+2+1)

66

Reino Unido* 10-11 Anos (Fórmula 8+2+1)

60

Canadá* 8 Anos (Fórmula 6+2+½)

45

França* 10-11 Anos (Fórmula 8+2+1)

42

Chile** 5 Anos 44

Colômbia** 5 Anos 57

Peru** 5 Anos 38

Brasil* --- 28

Argentina** --- 11

(*) Fonte: IMS Health, dez 11. (**) Fonte: Kaplan WA, Wirtz VJ, Stephens P (2013) The Market Dynamics of Generic Medicines in the Private Sector of 19 Low and Middle Income Countries between 2001 and 2011.

Participação dos Genéricos no mercado farmacêutico em outros países

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 17

que haja um bom nível de proteção

garantido a esses medicamentos.

Veja-se o caso do Brasil: durante os 25

anos em que o país restringiu a proteção

à inovação no campo farmacêutico (1971

– 1996), quase não houve lançamento

de produtos que trouxessem efetiva

contribuição para a ampliação do arsenal

terapêutico disponível no país, restando ao

paciente apenas a opção da importação

por meio do Serviço Humanitário de

Transportes de Medicamentos do Exterior

administrado pela extinta VARIG®. Depois

de 1996, entretanto, o Brasil entrou no rol

dos países receptivos à inovação, o que

fez com que as empresas aumentassem

gradualmente seus investimentos em

produtos novos, mais eficientes e mais

seguros, com benefício direto para o

mercado farmacêutico em geral, e para a

população em particular.

Um bom exemplo disso é o Laboratório

Cristália, empresa farmacêutica brasileira,

com capital 100% nacional, única a realizar

inteiramente no território nacional o ciclo

completo de um medicamento, desde

a concepção da molécula, até o produto

final. Atualmente, conforme anuncia em

seu site, o Cristália é o maior produtor

de anestesias de toda a América Latina,

além de ser o maior fabricante de dois

dos relaxantes musculares mais utilizados

no Brasil e de todos os narcoanalgésicos

disponíveis no mercado brasileiro. Ora, o

Cristália conta, em seu portfolio, com 76

patentes. Dessas, podemos destacar o

Helleva®, medicamento utilizado contra

disfunção erétil cujo projeto resultou

num acúmulo de competências para

o laboratório, tanto na parte técnica

de pesquisas, aí incluídas produção e

desenvolvimento, quanto nas etapas I, II e

III dos testes clínicos, consistente no dossiê

de testes apresentado à ANVISA, sendo

que este projeto habilitou e incentivou a

empresa a trabalhar em outras inovações.

Outro bom exemplo é o Aché

Laboratórios, também uma empresa

100% brasileira, que investe em pesquisa

e desenvolvimento, especialmente de

fitomedicamentos, todos desenvolvidos

a partir do extrato padronizado de

plantas brasileiras. Dentre estes, encontra-

se o Acheflan®, que foi o primeiro

medicamento totalmente pesquisado

e desenvolvido no Brasil, um anti-

inflamatório indicado para tendinites

crônicas e dores musculares. A pesquisa

para tal medicamento foi feita em parceria

com quatro universidades brasileiras

(UFESC, UNIFESP, PUC/Campinas e

UNICAMP) e obteve um grande avanço

com a descoberta, já na fase de testes

com animais, de qual era o princípio ativo

18

responsável pela ação anti-inflamatória,

o que deu uma reviravolta em tudo que

era feito até então. Foi depositado um

pedido internacional de patente (PCT)

que, após o processamento internacional,

entrou na fase nacional na Europa,

Áustria, Brasil, Canadá, Japão, México e

Estados Unidos, já tendo sido deferida a

patente apenas pelo Escritório Europeu

de Patentes, prosseguindo-se o exame nos

demais países. No Brasil, além do pedido

de patente, o dossiê de testes, contendo

todas as informações requeridas, foi

devidamente entregue à ANVISA.

Ora, uma vez apresentado o dossiê de

testes ao Poder Público para o necessário

registro, é possível admitir que os dados,

alcançados com tanta superação e

dificuldades, não seriam passíveis de

proteção? Não seria mais incentivador para

o pesquisador brasileiro ou a indústria

farmacêutica brasileira se houvesse uma

regra legal prevendo a exclusividade

de uso temporária do dossiê de testes,

tanto como medida de proteção a seu

investimento, como, e principalmente,

de preservação do melhor interesse do

consumidor? A falta dessa regra legal

não desestimula a pesquisa de novos

medicamentos no Brasil?

Como se pode observar pelo gráfico

abaixo, em 2014, apesar de todos os

problemas narrados, 9,9% da indústria

farmacêutica brasileira já atuavam em

P&D. Não seria razoável admitir que

esse percentual tenderia a aumentar

caso houvesse efetiva previsão legal da

proteção temporária do dossiê de testes?

52,8% Similares

37,2% Genéricos

9,9% Medicamento de referênciaParticipação das nacionais por

categorias, em %

Fonte: Grupo FarmaBrasil (Folha de São Paulo)

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 19

Com a invasão do mercado brasileiro

pelos produtos asiáticos, de custo mais

baixo, com os quais não há condições de

competir, a agenda de inovação para o país não tem outra alternativa senão

fomentar a produção de medicamentos

inovadores e de referência que gerem

conhecimento e inovações genuinamente

brasileiras, especialmente em áreas em

que há uma vocação natural do país e de

suas indústrias, como é o caso do combate

às doenças tropicais. Vale destacar

que se limitar a fabricar versões de

medicamentos de referência não pode ser

entendido como agenda de inovação, visto

que a cópia não produz conhecimento

novo.

Portanto, as maiores perdas para o Brasil,

ou pelo menos as mais evidentes, são a

redução da capacidade brasileira de atrair

investimentos nacionais e internacionais

em inovação, além do impacto negativo

sobre a competitividade da indústria

nacional, sobretudo para a produção dos

testes de eficácia e segurança exigidos

internacionalmente pelas autoridades

regulatórias.

Sobre a questão dos investimentos estrangeiros no Brasil, o Banco Mundial

realiza um estudo chamado Doing Business3, cujo relatório é lançado

anualmente e já se encontra em sua

13ª edição (2016). Nesse relatório são

investigadas as regulamentações que

melhoram ou restringem o ambiente de

negócios em 189 países, do Afeganistão

ao Zimbábue, sendo pesquisadas dez

diferentes áreas. O Brasil se encontra na

116ª colocação.

A imagem do país no exterior também

é afetada. Em abril de 2014, a revista

britânica The Economist, em reportagem

intitulada “50 anos de soneca“, analisa

a falta de produtividade no Brasil,

destacando que a força de trabalho

brasileira contribui com apenas 40% do

PIB, percentual menor do que o de outros

países emergentes (na Índia, o índice é de

67%, e na China chega a 91%). Dentre as

causas desse baixo índice, a revista aponta

justamente o pequeno investimento em

inovação e a baixa produção de patentes.

A matéria conclui que a combinação

desses fatores resulta num ambiente

propício a atrasos e baixa eficiência.

Por fim, já há estudos internacionais

comprovando a contribuição dos setores

industriais que atuam com intensos

investimentos em Propriedade Intelectual

(IP-intensive industrial sector4) – dos

3. “Fazendo Negócios”, em tradução livre.

4. “Setor Industrial Intensivo em Propriedade Industrial”, em tradução livre.

20

contribution to economic performance and employment in the EU”6 , concluiu

que essas indústrias são responsáveis por

um em cada cinco empregos existentes

e por quase 40% do PIB europeu. Já nos

EUA, um estudo de 2012 denominado “IP and the US Economy: Industries in Focus”7

mostrou que os titulares de PI geraram

19% dos empregos nacionais e foram

responsáveis por 35% do PIB americano.

Concluindo, o Brasil perde muito

com a baixa proteção à Propriedade

Intelectual em geral, e ao dossiê de testes

especificamente.

5. “Instituto de Harmonização do Mercado Interno”.

6. “Indústrias Intensivas em PI: contribuição para a performance econômica e o emprego na União Europeia”, em tradução livre.

7. “PI e a Economia Americana: Indústrias em Foco”, em tradução livre.

quais o setor farmacêutico é um bom

representante – para o nível de emprego

e a prosperidade de um país. Na União

Europeia, por exemplo, um estudo de

setembro/2013, produzido pelo Office for Harmonization in the Internal Market5

(OHIM) e intitulado “IP-intensive industries:

PROTEÇÃO DO DOSSIÊ DE TESTES NO BRASIL: UM ESTÍMULO À INOVAÇÃO 21

Como superar o problema?O regime jurídico da proteção do dossiê

de testes pode ser uma arma de duplo

impacto: ao mesmo tempo em que serve

de incentivo à inovação por parte dos

cientistas brasileiros, também estimula

a entrada no país de medicamentos

de comprovada eficiência e segurança,

reduzindo, consequentemente, o espaço

para a oferta de medicamentos de baixa

qualidade.

Adotar ao menos o modelo simplificado

já assumido pela maior parte de nossos

vizinhos da América Latina é o mínimo

que pode ser feito para melhorar a

situação. A questão do prazo protetivo é

que pode ser melhor discutida, uma vez

que, como já foi visto, os dados relativos

aos medicamentos de uso veterinário e

aos agrotóxicos gozam de uma proteção

de cinco a dez anos.

Importante também salientar que a

proteção do dossiê de testes não terá

impacto sobre o preço praticado pelo

fabricante daquele medicamento, isto

porque os preços máximos (de todo e

qualquer medicamento) são regulados

pela CMED (Câmara de Medicamentos),

órgão vinculado à agência reguladora,

ANVISA, e isso não será alterado pela

adoção de um sistema que estabeleça, a

priori, o prazo legal de exclusividade do

dossiê de testes.

É urgente, portanto, a adoção de um mecanismo que estenda ao dossiê dos medicamentos de referência de uso humano a mesma proteção que é assegurada aos medicamentos de uso veterinário e produtos agrícolas, fixando-se um prazo de exclusividade durante o qual o mesmo não poderá ser utilizado de nenhuma forma pelas autoridades competentes em favor de terceiros, sem a devida autorização de seu titular. Deste

modo, pode-se evitar o uso comercial

desleal, atendendo ao disposto no Acordo

TRIPS, firmado pelo Brasil. E, nesse meio

tempo, é fundamental, ao menos, acatar o

regime existente para o setor agropecuário

como extensível, por analogia, ao setor

humano, como forma de minorar a

situação de inexplicável descompasso

entre ambos.

R. Verbo Divino, 1.488 – 7º andar – cj. 7ACEP: 04719-904 – Chácara Santo Antônio – São Paulo – SP

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