37
Capítulo I AS TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA As técnicas de manipulação psicológica tornaram-se objeto, já há muitas décadas, de aprofundados trabalhos de pesquisa realizados por psicólogos e psicólogos sociais, tanto militares como civis. É às vezes difícil, e psicologicamente desconfortável, admitir sua temível eficácia. O objetivo deste capítulo consiste em chamar a atenção sobre tais técnicas, que frequentemente preferimos ignorar, deixando assim o campo livre àqueles que não temem utilizá-las. Já há trinta anos que as técnicas de lavagem cerebral fornecem resultados notáveis. Desde então, elas têm passado por significativos aperfeiçoamentos e, atualmente, são ensinadas nos IUFMs de maneira semivelada. Ainda que brevemente, trataremos de apresenta-las aqui, pois elas nos permitem perceber os verdadeiros riscos por trás da querela dos IUFMs e da introdução dos métodos pedagógicos ativos. Tais técnicas apóiam-se essencialmente sobre o behaviorismo e a psicologia do engajamento. 8 A submissão à autoridade Em uma série de experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. Milgram 9 repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas que foram reproduzidas em numerosos países. Os resultados obtidos são indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o verdadeiro

Psicologia Social Conformismo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Psicologia

Citation preview

Page 1: Psicologia Social Conformismo

Capítulo I

AS TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA

As técnicas de manipulação psicológica tornaram-se objeto, já há muitas décadas, de aprofundados trabalhos de pesquisa realizados por psicólogos e psicólogos sociais, tanto militares como civis. É às vezes difícil, e psicologicamente desconfortável, admitir sua temível eficácia. O objetivo deste capítulo consiste em chamar a atenção sobre tais técnicas, que frequentemente preferimos ignorar, deixando assim o campo livre àqueles que não temem utilizá-las.

Já há trinta anos que as técnicas de lavagem cerebral fornecem resultados notáveis. Desde então, elas têm passado por significativos aperfeiçoamentos e, atualmente, são ensinadas nos IUFMs de maneira semivelada. Ainda que brevemente, trataremos de apresenta-las aqui, pois elas nos permitem perceber os verdadeiros riscos por trás da querela dos IUFMs e da introdução dos métodos pedagógicos ativos. Tais técnicas apóiam-se essencialmente sobre o behaviorismo e a psicologia do engajamento.8

A submissão à autoridade

Em uma série de experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. Milgram9 repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas que foram reproduzidas em numerosos países. Os resultados obtidos são indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o verdadeiro objeto da experiência, o professor. A experiência pretende supostamente determinar a influência das punições no aprendizado. O professor deve então mostrar ao suposto estudante extensas listas de palavras e, em seguida, testar sua memória. Em caso de erro, uma punição precisa ser imposta ao colaborador. O objeto da experiência ignora, obviamente, o status real do colaborador, e crê que este, como ele próprio, não tem qualquer relação com a organização da experiência. As punições consistem em descargas elétricas de 15 a 450 volts, as quais o próprio professor deve acionar contra o suposto estudante, situado em uma peça vizinha. A voltagem das descargas aumenta a cada erro cometido. O colaborador, é claro, não recebe essas descargas, contrariamente ao que acredita o professor – este é quem recebe, no início do experimento, uma descarga de 45 volts, para “assegurar-se de que o gerador funciona”. As reações que o colaborador deve simular são estritamente codificadas: a 75 volts ele começa a murmurar; a 120 volts, ele reclama; a 150 volts ele pede que parem com a experiência e, a 285 volts, ele lança um

Page 2: Psicologia Social Conformismo

grito de agonia, depois do qual se cala completamente. É assegurado ao professor que os choques são dolorosos mas não deixam sequelas. O pesquisador deve zelar para que a experiência chegue a seu ermo, tratando de encorajar o professor, caso este venha a manifestar dúvidas quanto à inocuidade da experiência ou caso deseje encerrá-la. Também esses encorajamentos são estritamente codificados: à primeira objeção do professor, o pesquisador lhe responde: “Queira continuar, por favor”; na segunda vez: “A experiência exige que você continue”; na terceira vez: “É absolutamente essencial que você continue”; na quarta e última vez: “Você não tem escolha. Deve continuar”. Se o professor persiste em suas objeções após o quarto encorajamento, a experiência é encerrada.

O resultado da experiência é espantoso: mais de 60% dos professores levam-na até o final, mesmo convencidos de que realmente estão administrando correntes de 450 volts. Em alguns países, a taxa chega alcançar 85%. É preciso acrescentar que a experiência é extremamente penosa para os professores, e que eles vivenciam uma forte pressão psicológica mas seguem, não obstante, até o fim.

Há algo, porém, ainda mais inquietante. No caso de o professor limitar-se a simplesmente ler a lista de palavras, enquanto as descargas são enviadas por outra pessoa, mais de 92% dos professores chegam a concluir integralmente a experiência. Assim, uma organização cuja operação é setorizada pode-se tornar um cego e temível mecanismo: “Esta é talvez a lição fundamental do nosso estudo: o comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer hostilidade particular, pode-se tornar o agente de um processo de destruição terrível.”10

Houve quem considerasse a hipótese de que, em tais experimentos, os professores davam livre curso a pulsões sádicas. Mas essa hipótese é falsa. Se o pesquisador se afasta ou deixa o local de experiência, o professor logo diminui a voltagem das descargas. Quando podem escolher livremente a voltagem, a maioria dos professores emite a voltagem mais baixa possível.

A autoridade do pesquisador é um fator fundamental. Se já de início o colaborador pede que pesquisador troque de lugar consigo, encorajando em seguida o professor a continuar a experiência, agora sobre o pesquisador, suas recomendações não têm efeito, uma vez que ele não está investido de qualquer autoridade.

Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em 90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.

Finalmente, e é isto o que mais chama a atenção, nenhum professor tenta deter a experiência ou denunciar o pesquisador. A submissão à autoridade é, portanto, muito mais profunda que aquilo que os percentuais acima sugerem. A contestação se mantém socialmente aceitável.

Page 3: Psicologia Social Conformismo

Quais conclusões se podem tirar dessa experiência inúmeras vezes repetida? Inicialmente, que existem técnicas muito simples que podem modificar profundamente o comportamento de adultos normais. Em seguida, que essas técnicas podem ser, e são, objeto de estudos científicos aprofundados. Enfim, que seria bastante surpreendente que tais trabalhos fossem executados por mero amor à ciência, sem qualquer aplicação prática.

O conformismo

A tendência ao conformismo foi estudada por Asch,11 em sua célebre experiência. Ao sujeito avaliado, apresenta-se uma linha traçada sobre uma folha, além dela, três outras linhas de comprimentos diversos. Em seguida, se lhe pede para apontar, entre essas três linhas, aquela cuja medida é igual à da linha-padrão. Por exemplo: esta última mede quatro polegadas, enquanto as linhas que devem ser a ela comparadas medem, cada qual, três, cinco e quatro polegadas. À experiência estão presentes indivíduos associados ao pesquisador, que devem igualmente responder à questão. Estes, cujo papel real na experiência é ignorado pelo avaliado, dão, nos ensaios válidos, a mesma resposta errônea ou se opor à opinião unânime do grupo. A experiência é repetida diversas vezes, com diferentes linhas-padrão e linhas para comparar. Há ocasiões em que os colaboradores respondem de modo correto (ensaios neutros). Aproximadamente três quartos dos indivíduos realmente avaliados deixam-se influenciar nos ensaios válidos, dando uma ou várias respostas errôneas. Assim, 32% das respostas dadas são errôneas, mesmo que a questão não ofereça, naturalmente, qualquer dificuldade. Na ausência das pressões, o percentual de respostas corretas chega a 92%. Verifica-se também que os indivíduos conformistas, interrogados após a experiência, depositaram sua confiança na maioria, decidindo-se pelo parecer desta, apesar da evidência perceptiva. Sua motivação principal está na falta de confiança em si e em seu próprio julgamento. Outros conformaram-se à opinião do grupo para não parecer inferiores ou diferentes. Eles não têm consciência de seu comportamento. Assim, a percepção de uma pequena minoria de sujeitos avaliados foi modificada: seus membros enxergaram as linhas tais como a maioria as descreveu. Lembremos que o indivíduo não sofria qualquer sanção caso errasse ao responder, da mesma forma que, na experiência de Milgram, ninguém iria se opor a quem desejasse abortar a experiência.

Convém notar que, se um dos colaboradores dá a resposta correta, o indivíduo avaliado então se sente liberto da pressão psicológica do grupo e dá, igualmente, a resposta correta, resultado que ilustra bem o papel dos grupos minoritários. A realidade social, contudo, é para estes bem menos favorável, uma vez que as pressões ou sanções são aí muito mais intensas.

Normas de grupo

Page 4: Psicologia Social Conformismo

A célebre experiência de Sherif12 sobre o efeito autocinético evidencia a influência exercida por um grupo sobre a formação das normas e atitudes de seus membros. A experiência desenrola-se assim: tendo-se instalado um indivíduo, sozinho, em uma sala escura, pede-se lhe que descreva os movimentos de uma pequena fonte luminosa, a qual, na verdade, acha-se imóvel. O sujeito, não encontrando nenhum ponto de referência, logo começa a perceber movimentos erráticos (efeito autocinético). Após algum tempo, passa a considerar que a amplitude dos movimentos oscila dentro de um valor médio, que varia de indivíduo para indivíduo. Se, ao contrário, a experiência é realizada com vários indivíduos observando a mesma fonte luminosa e partilhando entre si suas observações, surge logo uma norma de grupo à qual todos se conformam. No caso de, posteriormente, um indivíduo ser deixado só, ele permanece, ainda assim conformado àquela norma de grupo. Tendo-se repetido a experiência, propondo agora ao sujeito outras questões ambíguas (estimativas de temperatura, julgamentos estéticos etc.), constatou-se que, quanto mais difícil era formular um julgamento objetivo, mais estreita se fazia a conformidade à norma de grupo.

Sherif generaliza esses resultados até “o estabelecimento de normas sociais, como os estereótipos, as modas, as convenções, os costumes e os valores”. Interrogando-se sobre a possibilidade de “fazer com que o sujeito adote [...] uma norma prescrita, ditada por influências sociais específicas”, ele submete o indivíduo em teste à influência de um companheiro prestigioso (um universitário), e logra obter que o sujeito ingênuo modifique sua norma e a substitua por aquela do companheiro de mais prestígio.

Pé na porta

Freedman e Fraser, em 1966,13 trazem à luz um fenômeno conhecido como pé-na-porta. Trataremos brevemente de duas de suas experiências.

Com a primeira delas, se buscava conhecer, em função de como era formulada a pergunta, o percentual de donas de casa dispostas a responder a uma enquete a respeito de seus hábitos de consumo. Estimando que tal enquete deveria ser longa e aborrecida, somente 22% aceitaram dela participar quando se lhes convidou a isso diretamente. Mas os autores, dirigindo-se a uma segunda amostragem, fizeram preceder à pergunta um processo preparatório bastante simples: três dias antes de formulá-la, telefonaram aos membros desse grupo, solicitando-lhes que respondessem a oito perguntas acerca de seus hábitos de consumo em matéria de produtos de limpeza. Quando, três dias mais tarde, se lhes pediu que se submetessem à mesma enquete que fora feita com os membros da primeira amostragem, a taxa de aceitação elevou-se a 52%. Chama a atenção o fato de que um procedimento tão simples possua tamanho poder.

Portanto, o princípio do pé-na-porta é o seguinte: começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da

Page 5: Psicologia Social Conformismo

manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologicamente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso.

Noutra experiência, os mesmos autores dividiram igualmente os participantes em dois grupos. Os membros do primeiro não foram submetidos a qualquer preparação particular. Aos membros do segundo grupo foi solicitado que instalassem, cada qual em seu jardim, uma grande placa – que chegava a encobrir parcialmente a fachada da casa – a qual recomendava prudência aos motoristas. Enquanto o percentual de aceitação, no primeiro grupo, foi de apenas 16,7%, no segundo esse percentual atingiu a marca de 76%. Ainda, convém notar que, contrariamente à pesquisa anterior, nesta, as duas experiências foram conduzidas por duas pessoas diferentes.

E não é só isso. A enorme disparidade entre esses percentuais, citados logo acima, foi obtida nos casos em que o adesivo também exortava os motoristas à prudência. A atitude era a mesma (ser favorável a uma conduta mais prudente), tanto no ato aliciador (fixar um adesivo) quanto no ato custoso (instalar em seu jardim uma placa sem graça). Acontece que, mesmo que essa condição não seja atendida, podem-se obter resultados bastante significativos. Convidando um terceiro grupo, não para colar adesivos que recomendassem uma postura prudente, mas para assinar uma petição para manter bela a Califórnia, os autores obtiveram uma taxa de aceitação de 47,4% contra – notemos esse valor – 16,7%, quando a demanda não foi precedida de nenhum ato aliciador. Nesse protocolo experimental, a atitude referente a esse ato aliciador (ser favorável à preservação da qualidade ambiental) já não é a mesma relacionada ao ato custoso (estimular uma conduta mais prudente). Da mesma forma, a natureza de um e de outro ato, nesse caso, diferem: assinar uma petição redigida por um terceiro, comportamento pouco ativo e, de certa forma anônimo, não pode ser comparado ao fixar-se, no próprio jardim, uma placa de grandes dimensões, comportamento ativo e personalizado. Assim, favorecer as diversas associações e organizações não governamentais coloca a população no papel – ilusório – de ator14 e modifica suas atitudes, levando-a, em seguida, a empreender atos cada vez mais custosos.

“Porta na cara”

Técnica complementar à precedente, a “porta na cara”15 consiste em apresentar, de início, um pedido exorbitante, que naturalmente será recusado, depois do que se formula um segundo pedido, então aceitável. Em uma experiência clássica, Citaldini et al. solicitaram a alguns estudantes que acompanhassem, por duas horas, um grupo de jovens delinquentes em uma visita ao zoológico. Formulada diretamente, essa solicitação obteve somente 16,7% de aceitação. Entretanto, colocando-a após um pedido exorbitante, a taxa elevou-se a 50%. Naturalmente, um “pé na porta” ou uma “porta na cara” podem ser úteis para se extorquir um ato custoso, o qual, por sua vez, consistirá em um ato aliciador, no caso de um próximo pé na porta. Com tal expediente, é possível

Page 6: Psicologia Social Conformismo

obter comprometimentos cada vez mais significativos. Essa técnica de “bola de neve” é efetivamente aplicada.

Dissonância cognitiva ou o espiritualismo dialético

A teoria da dissonância cognitiva, elaborada em 1957 por Festinger,16 permite perceber o quanto nossos atos podem influenciar nossas atitudes, crenças, valores ou opiniões. Se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos possam modificar nossas opiniões. A importância dessa constatação leva-nos a destaca-la, para que, a partir dela, se tornem visíveis as razões profundas da reforma do sistema educacional mundial. Verificamos anteriormente que é possível induzir diversos comportamentos, apelando-se à autoridade, à tendência ao conformismo ou às técnicas do “pé na porta” ou da “porta na cara”. Os fundamentos que servem de base a esses atos induzidos repercutem em seguida sobre as opiniões do sujeito, modificando-as (dialética psicológica). Assim, encontramo-nos diante de um processo extremamente poderoso, que permite a modelagem do psiquismo humano e que, além disso, constitui a base das técnicas de lavagem cerebral.

Uma dissonância cognitiva é uma contradição entre dois elementos do psiquismo de um indivíduo, sejam eles: valor, sentimento, opinião, recordação de um ato, conhecimento etc. Não é nada difícil provocar dissonâncias cognitivas. As técnicas de “pé na porta” e “porta na cara” têm a capacidade de extorquir a alguém atos em contradição com seus valores e sentimentos. O exercício do poder ou da autoridade (de um professor, por exemplo) permite que se alcance facilmente o mesmo resultado. A “clarificação de valores”, técnica pedagógica largamente utilizada, provoca, sem qualquer aparência de coação, dissonâncias cognitivas. (Exemplo: você está, em companhia de seu pai e de sua mãe, a bordo de uma embarcação que naufraga; há disponível somente um colete salva-vidas. O que você faz?) A experiência prova que que um indivíduo numa situação de dissonância cognitiva apresentará forte tendência a reorganizar seu psiquismo, a fim de reduzi-la. Em particular, se um indivíduo é levado a cometer publicamente (na sala de aula, por exemplo) ou frequentemente (ao longo do curso) um ato em contradição com seus valores, sua tendência será a de modificar tais valores, para diminuir a tensão que lhe oprime. Em outros termos, se um indivíduo foi aliciado a um certo tipo de comportamento, é muito provável que ele venha a racionalizá-lo. Convém notar que, nesse caso, trata-se de uma tendência estatística evidente, e não de um fenômeno sistematicamente observado; as teorias que referimos não pretendem resumir a totalidade da psicologia humana, mas sim fornecer técnicas de manipulação aplicáveis na prática. Dispõe-se, assim, de uma técnica extremamente poderosa e de fácil aplicação, que permite que se modifiquem os valores, as opiniões e os comportamentos e capacita a produzir uma interiorização dos valores que se pretende inculcar. Tais técnicas requerem a participação ativa do sujeito, que deve realizar atos

Page 7: Psicologia Social Conformismo

aliciadores os quais, por sua vez, os levarão a outros, contrários às suas convicções. Tal é a justificação teórica tanto dos métodos pedagógicos ativos como das técnicas de lavagem cerebral.

Notemos, de passagem, pois não seria ocasião de aprofundar esse aspecto, o papel fundamental desempenhado pelo sentimento de liberdade experimentado pelo indivíduo durante uma experiência. Na ausência desse sentimento, não se produz qualquer dissonância cognitiva e, consequentemente, nenhuma modificação de valor, já que o sujeito tem consciência de agir sob constrangimento e não se sente minimamente engajado. Essas considerações, bem como outras similares, no domínio da dinâmica de grupo, podem lançar uma nova luz sobre importantes processos políticos ocorridos nesses últimos anos.

Passemos em revista algumas experiências ou observações célebres a respeito da dissonância cognitiva.

Não pague a seus empregados

A experiência de Festinger e Carlsmith18 pode ser assim resumida: num primeiro momento, os examinandos devem realizar uma tarefa manual repetitiva e extremamente tediosa. Em seguida, o pesquisador – pretextando uma indisponibilidade de seu colaborador – lhes pede que apresentem a tarefa a outros examinandos, mostrando-a como um exercício interessante, prazeroso. Para que realizem essa apresentação, a uns é oferecido um dólar, a fim de conhecer suas atitudes reais em relação àquela tarefa inicial. Aqueles aos quais foram pagos vinte dólares descreveram-na como tediosa, enquanto os demais, que receberam um dólar, modificaram sua cognição relativamente à tarefa e passam não somente a considerá-la interessante e prazerosa, mas, ainda, mostram-se dispostos a participar de outras experiências semelhantes. Os primeiros justificaram sua mentira admitindo haver agido por interesse na retribuição, o que já não podem fazer os do outro grupo, aos quais se havia prometido um dólar apenas. Colocados em situação de dissonância cognitiva, provocada pela contradição entre sua percepção inicial da experiência e o ato que foram levados a cometer (mentir a respeito do caráter da experiência), sentem-se impelidos a reduzir a dissonância, e a maneira mais natural consiste em modificar sua opinião em relação àquela percepção inicial.

Assim, uma pressão fraca (oferecer um dólar como prêmio, quer dizer, uma pressão apenas suficiente para induzir ao comportamento buscado, tem efeitos cognitivos muito mais extensos que uma pressão mais forte (oferecer vinte dólares). Esse fenômeno é bem conhecido do “menagers”, que não ignoram que os dirigentes que percebem salários menores são mais comprometidos com o trabalho e na sua relação com a empresa. Da mesma forma, os pedagogos puderam constatar que uma ameaça fraca, apenas suficiente para gerar o comportamento desejado, é frequentemente mais eficaz a longo prazo do que uma ameaça mais forte. Nesse último caso, a criança,

Page 8: Psicologia Social Conformismo

consciente de que cede a uma forte pressão, conserva seu desejo inicial, o qual ela deverá satisfazer logo que possível. Entretanto, no primeiro caso dá-se o contrário: a criança tenderá a entrar em dissonância cognitiva induzida pela contradição entre seu desejo inicial e seu comportamento efetivo, produzido pela pressão psicológica ligada à ameaça fraca. Exatamente como no caso dos indivíduos submetidos às experiências de Festinger e Carlsmith, impõe-se a necessidade de reduzir essa dissonância, o que se pode obter mediante o expediente de desvalorizar o comportamento proibido. A modificação de atitude e de comportamento é então duradoura, uma vez que, nesse caso, ocorreu uma interiorização da proibição.

Você gosta de gafanhotos fritos?

Sob o pretexto de diversificar o menu de um colégio militar, incluíram-se nele gafanhotos fritos,19 o que, convém notar, não agradou a ninguém. Mas a apresentação dessa novidade foi realizada de duas maneiras diversas: um grupo foi convidado a dela participar por um sujeito simpático, enquanto o segundo grupo foi confiado a um homem desagradável, que tinha mesmo por objetivo forjar-se numa figura antipática, efeito que obtinha – a par de outros recursos – ao tratar seu assistente de modo grosseiro. Realizada a experiência, constatou-se que, entre as pessoas que realmente comeram gafanhotos fritos, o percentual de membros do segundo grupo que declararam haver gostado era significativamente maior que o do primeiro grupo. Enquanto estes podiam justificar interiormente seu ato, já que haviam sido motivados pela simpatia do apresentador, os membros do segundo grupo viram-se obrigados a encontrar uma justificação do comportamento que lhes fora extorquido. Para reduzir a dissonância cognitiva provocada pela contradição entre sua aversão por gafanhotos fritos e o ato de comê-los, só lhes restava mudar sua opinião a respeito daquela aversão.

Iniciação sexual de moças

Para participar de discussões em grupo acerca da psicologia sexual, algumas jovens foram levadas a passar por diversas “provas iniciáticas”.20 Ao primeiro grupo impôs-se uma iniciação severa e fastidiosa, psicologicamente aliciadora, portanto. Ao segundo, impôs-se uma iniciação superficial. O grupo testemunho, por fim, foi admitido sem qualquer iniciação. A discussão fora preparada para ser extremamente tediosa e desinteressante. Constatou-se, ao final, que as jovens que declararam haver gostado da discussão foram justamente aquelas que passaram pela iniciação mais severa. Nesse caso, a dissonância cognitiva era provocada pela contradição entre o investimento psicológico necessário para suportar uma iniciação severa e a ausência de qualquer benefício daí obtido.

Contatos extraterrestres

Page 9: Psicologia Social Conformismo

A senhora Keech,21 fundadora de uma pequena seita, dizia receber mensagens extraterrestres que a informavam sobre a iminência do fim do mundo. Tendo sido anunciado o dia da catástrofe, convidaram-se os membros da seita a se reunirem, na véspera, para serem conduzidos à segurança do interior de um OVNI, que aliás nunca veio. Festinger estudava o grupo e se interessava pelo modo segundo o qual seus membros realizariam a redução da dissonância cognitiva após o resultado, previsível, desse momento crítico. (Com efeito, sabe-se que é bastante significativo o investimento psicológico que ocorre em seitas; a dissonância cognitiva que se gera em tais situações é considerável.) Tendo já passado a hora fatídica, a senhora Keech declarou ter recebido uma nova mensagem, pela qual era informada que pela fé e o fervor de seus discípulos haviam permitido que a catástrofe fosse evitada. Então estes, submetidos a uma forte dissonância cognitiva, apressaram-se a aceitar tal explicação, que lhes proporcionava, a um custo baixo, reduzir aquela dissonância. Além disso, passaram ao proselitismo, atitude que haviam cuidadosamente evitado nos dias que precederam o dia fatídico.

Dramatização

Constatou-se experimentalmente que uma dramatização, em que pese seu caráter aparentemente lúdico, é capaz de provocar dissonâncias cognitivas e as subsequentes alterações de valor. A identificação ativa ao papel assumido é suficientemente forte para aliciar o ator. Esse surpreendente resultado é incontestável e firmemente estabelecido. Ao obrigar os indivíduos a agir em oposição às suas convicções, sem constrange-los formalmente a isso, facilita-se o surgimento das dissonâncias cognitivas e a consequente organização do universo cognitivo do ator. A dramatização é a base do psicodrama, técnica psicológica correntemente utilizada. Igualmente, a dramatização constitui uma das psicopedagogias ativas mais poderosas e de uso mais comum; é ensinada nos IUFMs, por exemplo.

Para que as experiências multiculturais dos alunos não sejam deixadas ao acaso dos encontros, pode-se mesmo simular, nas dramatizações, as quais se inspiram na dinâmica de grupos, o encontro de pessoas pertencentes a culturas diversas. Já são propostas estratégias de ensino e técnicas que oferecem aos alunos a possibilidade de explorar sistematicamente situações standard, de exercer metodicamente seu julgamento (o que permite descobrir como funcionam os mecanismos de julgamento), de clarificar os valores que eles encontram ou descobrem e de colocar à prova os princípios das diversas crenças. Há quem sustente que essas técnicas podem ser introduzidas nas escolas, e que já é hora de fazê-lo; outros há que sustentam opinião contrária, condenando essa inflexão do ensino para um sentido subjetivista e quase terapêutico.22

Essa última frase é um exemplo notável da dialética utilizada constantemente pelas organizações internacionais.

Page 10: Psicologia Social Conformismo

Assinalemos um aspecto frequentemente pouco conhecido da dramatização: a redação de textos, que se pode levar até à escrita de confissões. Experimentalmente, provou-se que tais expedientes tem a capacidade de promover uma mudança nas atitudes de seus autores. Sabe-se, além disso, que eles são parte integrante das técnicas de lavagem cerebral.

Decisão e discussão de grupo

As decisões e discussões de grupo, por seu inegável caráter público, tem um alto potencial para promover o engajamento. Elas constituem uma das mais poderosas técnicas para introduzir dissonâncias cognitivas. A terapia de grupo, técnica psicoterapêutica clássica, tem nelas um de seus elementos constitutivos fundamentais. Elas são também utilizadas pela pedagogia ativa, que frequentemente as apresenta como exercícios de comunicação. E são ensinadas nos IUFMs.

Claro está que a dinâmica de grupos apóia-se ainda sobre outros elementos, principalmente afetivos, mas não seria pertinente detalhá-los aqui.

A avaliação (dos alunos e dos professores)

A avaliação23 consiste em outro meio extremamente eficaz para conduzir à interiorização de valores e de atitudes. Não é possível esclarecer os seus fundamentos recorrendo-se a outras teorias da psicologia social que não a do engajamento. Suas conclusões podem ser resumidas em poucas palavras, dizendo-se que, por força do exercício do poder personificado pelo avaliador, o sujeito da avaliação é levado a interiorizar normas sociais. Esse processo está na base da reprodução social ou – se se altera a escala da avaliação – da modificação de valores. A avaliação formativa, conforme seu nome indica, visa expressamente a ensinar o sujeito. Quando aplicada ao domínio da ética, leva a interiorizar valores e atitudes. Sob a forma de autoavaliação, ela acrescenta o engajamento do sujeito à sua avaliação. O estudo das diversas formas de avaliação (teorias da avaliação) constitui um componente importante da psicopedagogia e do ensino dispensado nos IUFMs.

Importa agora ver como essas técnicas são utilizadas no ensino e, de modo mais geral, em toda a sociedade.

Page 11: Psicologia Social Conformismo

A Manipulação do Homematravés da Linguagem

  

O grande humanista e cientista Albert Eisntein fez esta severa advertência: "A força desencadeada pelo átomo transformou tudo menos nossa forma de pensar. Por isso caminhamos para uma catástrofe sem igual". Que forma de pensar deveríamos ter mudado para evitar esta hecatombe? Sem dúvida, Einstein se referia ao estilo de pensar objetivista, dominador e possessivo que se esgotou com a primeira guerra mundial e não foi substituído por um modo de pensar, sentir e querer mais adequado à nossa realidade humana. 

Os pensadores mais lúcidos têm insistido desde o entre-guerras a mudar o ideal, realizar uma verdadeira metanoia e, mediante uma decidida vontade de servir, superar o afã de poder. Esta mudança foi realizada em círculos restritos, mas não nas pessoas e nos grupos que decidem os rumos da sociedade. Nestes continuou operante um afã descontrolado de domínio, domínio sobre coisas e sobre pessoas.

O domínio e controle sobre os seres pessoais se leva a cabo mediante as técnicas de manipulação. O exercício da manipulação das mentes tem especial gravidade hoje por três razões básicas: 1) Continua orientando a vida para o velho ideal de domínio, que provocou duas hecatombes mundiais e hoje não consegue preencher nosso espírito pois já não podemos crer nele. 2) Impede de se dar uma reviravolta para um novo ideal que seja capaz de levar à plenitude de nossa vida. 3) Incrementa a desordem espiritual de uma sociedade que perdeu o ideal que perseguiu durante séculos e não consegue descobrir um novo que seja mais de acordo com a natureza humana.

Se quisermos colaborar eficazmente a construir uma sociedade melhor, mais solidária e mais justa, devemos identificar os ardis da manipulação e aprender a pensar com todo o rigor. Não é muito difícil. Um pouco de atenção e agudeza crítica nos permitirá desmascarar as prestidigitações de conceitos que se estão cometendo e aprender a fazer justiça à realidade. Esta fidelidade ao real nos proporcionará uma imensa liberdade interior.

Não basta viver num regime democrático para ser livres de verdade. A liberdade deve ser conquistada dia a dia opondo-se àqueles que ardilosamente tentam dominar-nos com os recursos dessa forma de ilusionismo mental que é a manipulação. Esta conquista só é possível se tivermos uma idéia clara a respeito de quatro questões:

1º) O que significa manipular? 2º) Quem manipula? 3º) Para que manipula?

Page 12: Psicologia Social Conformismo

4º) Que tática utiliza para este fim?

A análise destes quatro pontos permitir-nos-á discernir se é possível dispor de um antídoto para a manipulação. Estamos a tempo de defender nossa liberdade pessoal e tudo o que ela representa. Façamo-lo decididamente.

1. O que significa manipular?

Manipular equivale a manejar. De per si, somente os objetos são suscetíveis de manejo. Posso utilizar uma esferográfica para minhas finalidades, guardá-la, trocá-la, descartá-la. Estou no meu direito, porque se trata de um objeto. Manipular é tratar uma pessoa ou grupo de pessoas como se fossem objetos, a fim de dominá-los facilmente. Essa forma de tratamento significa um rebaixamento, um aviltamento.

Esta redução ilegítima das pessoas a objetos é a meta do sadismo. Ser sádico não significa ser cruel, como geralmente se pensa. Implica em tratar uma pessoa de uma forma que  a rebaixa de condição. Esse rebaixamento pode realizar-se através da crueldade ou através da ternura erótica. Quando, ainda em tempos recentes, introduzia-se um grupo numeroso de prisioneiros num vagão de trem como se fossem embrulhos, e os faziam viajar durante dias e noites, o que se pretendia não era tanto fazê-los sofrer, mas aviltá-los. Sendo tratados como meros objetos, em condições subumanas, acabavam considerando-se mutuamente seres abjetos e repelentes. Tal consideração os impedia de unirem-se e formar estruturas sólidas que poderiam gerar uma atitude de resistência. Reduzir uma pessoa à condição de objeto para dominá-la sem restrições é uma prática manipuladora sádica. Já a carícia erótica reduz a pessoa ao corpo, a mero objeto de prazer. É reducionista, e, nessa mesma medida, sádica, ainda que pareça terna. A carícia pode ser de dois tipos: erótica e pessoal. Para compreender o que, a rigor, o erotismo é, recordemos que, segundo a pesquisa ética contemporânea, o amor conjugal apresenta quatro aspectos ou ingredientes:

1) A sexualidade, na medida em que implica atração instintiva pela outra pessoa, de prazer sensorial, de comoção psicológica...;

2) A amizade, forma de unidade estável, afetuosa, compreensiva, colaboradora, que deve ser criada de modo generoso, já que não possuímos instintos que, postos em jogo, dêem lugar a uma relação deste gênero;

3) A projeção comunitária do amor. O homem, para viver como pessoa, deve criar vida comunitária. O amor começa sendo dual e privado, mas abriga em si uma força interior que o leva a adquirir uma expansão comunitária. Isto acontece no dia do casamento, quando a comunidade de amigos e - no caso religioso - de fiéis acolhe o amor dos novos esposos;

4) A relevância e fecundidade do amor. O amor conjugal tem um poder singular para incrementar o afeto entre os esposos e dar vida a novos seres. Não há nada maior no universo do que uma vida humana e o amor verdadeiro por outra pessoa. Por isso o amor conjugal tem uma relevância singular, uma plenitude de sentido e um valor impressionantes.

Page 13: Psicologia Social Conformismo

Estes quatro elementos (sexualidade, amizade, projeção comunitária, relevância) não devem estar meramente justapostos, um ao lado do outro. Devem estar estruturados. Uma estrutura é uma constelação de elementos articulados de tal forma que, se um falha, o conjunto desmorona.

Agora podemos compreender de modo preciso o que é o erotismo. Consiste em isolar o primeiro elemento, a sexualidade, para obter uma recompensa passageira, e prescindir dos outros três. Essa separação puramente passional destrói o amor na raiz, privando-o de seu sentido pleno e de sua identidade. Por isso é violento ainda que pareça cordial e terno. Exerço a sexualidade isolada, porque interessa a meus próprios fins, e prescindo da amizade. Na realidade, não amo a outra pessoa; desejo o prazer que me é dado por algumas de suas qualidades. Deixo também de lado a expansão comunitária do amor. Não presto atenção à vida de família que o amor está chamado a promover. Recolho-me à solidão de meus proveitos imediatos. Por isso reduzo a outra pessoa a mera fonte de satisfações para mim. Essa redução desconsiderada é violenta e sádica. Posso jurar amor eterno, mas serão palavras vãs, pois o que aqui entendo por amor é simplesmente interesse de saciar minha avidez erótica.

É muito conveniente distinguir nitidamente nossos dois planos: o corpóreo e o espiritual, o que é passível de ser manejado e o que requer respeito. Quando uma pessoa acaricia a outra, põe seu corpo em primeiro plano, concede-lhe uma atenção especial. Sempre que umas pessoas se relacionam com outras, seu corpo assume certo papel na medida em que lhes permite falar, ouvir, ver... Se não se trata de uma comunicação afetiva, o corpo exerce a função de trampolim para passar ao mundo das significações que se querem transmitir. Falamos durante horas sobre uma  coisa e outra, e ao final lembramos perfeitamente o que dissemos, a atitude que tomamos, os fins que perseguimos, mas possivelmente não sabemos de que cor são os olhos do nosso interlocutor. Estivemos juntos, mas não detivemos nossa atenção na vertente corpórea. Não acontece assim nos momentos de trato amoroso. Nestes, o corpo da pessoa amada adquire uma densidade peculiar e prende a atenção daqueles que manifestam seu amor. O amante volta-se de modo intenso para o corpo da amada. Vê-se nele a expressão sensível do ser amado e toma seu gesto de ternura como um ato no qual está incrementando seu amor à pessoa, seu modo de acariciar terá um caráter pessoal. Em tal caso, o corpo acariciado adquire honras de protagonista, mas não exclui a pessoa, antes a torna presente de modo tangível e valioso. A carícia pessoal não se limita ao corpo, se estende à pessoa. Quando duas pessoas se abraçam, seus corpos entrelaçados assumem um papel de destaque, mas não constituem a meta da atenção; são o meio de expressão do afeto mútuo. A pessoa, em tal abraço, não fica relegada a um segundo plano. É, pelo contrário, realçada. Porém, se a atenção se detém no corpo acariciado, simplesmente pela atração sensorial que tal gesto implica, o corpo invade todo o campo da pessoa. Esta é vista como objeto, realidade de que se pode dispor, manejar, possuir, desfrutar... Ora, um objeto não pode ser amado, mas somente apetecido. Daí o caráter triste da expressão "mulher-objeto" aplicada a certas figuras femininas exibidas como objeto de contemplação em alguns espetáculos ou tomadas como objeto de posse no dia-a-dia.   

O amor erótico dos sedutores do tipo Dom Juan é possessivo, e na mesma medida une-se ao engodo e à violência. Dom Juan, o "Burlador de Sevilha" - segundo a perspicaz formulação de Tirso de Molina -, se comprazia em burlar as vítimas de seus enganos e resolver as situações comprometedoras com o manejo eficaz da espada. Esta violência inata, muitas vezes encoberta, do amor erótico explica como se pode passar

Page 14: Psicologia Social Conformismo

sem solução de continuidade de situações de máxima "ternura" aparente a outras de extrema violência. Na realidade, aí não há ternura, mas sim redução de uma pessoa a objeto. A violência de tal redução não fica menor ao afirmar que se trata de um objeto adorável, fascinante. Estes adjetivos não retiram do substantivo "objeto" o que ele tem de injusto, de não ajustado à realidade. Rebaixar uma pessoa do nível que lhe corresponde é uma forma de manipulação agressiva que gera os diferentes modos de violência que a sociedade atual registra. A principal tarefa dos manipuladores consiste em ocultar a violência sob o véu sedutor do fomento das liberdades.

Na origem da cultura ocidental, Platão entendeu por "eros" a força misteriosa que eleva o homem a regiões cada vez mais altas de beleza, bondade e perfeição. Atualmente, se entende por "erotismo" o manejo desenfreado das forças sexuais, sem outro critério e norma que o da própria satisfação imediata. Obviamente, este encerramento no plano do proveito  imediato indica uma regressão cultural.

2. Quem manipula?

Manipula aquele que quer vencer-nos sem convencer-nos, seduzir-nos para que aceitemos o que nos oferece sem dar-nos razões. O manipulador não fala à nossa inteligência, não respeita nossa liberdade; atua astutamente sobre nossos centros de decisão a fim de arrastar-nos a tomar as decisões que favorecem seus propósitos.

Em um comercial de televisão apresentou-se um carro luxuoso. Em seguida, no lado oposto da tela, apareceu a figura de uma belíssima jovem. Não disse uma só palavra, não fez o menor gesto; simplesmente mostrou sua encantadora imagem. Imediatamente o carro começou a andar por paisagens exóticas, e uma voz nos sussurrou amavelmente ao ouvido: "Deixe rolar  todo tipo de sensações!". Nesse anúncio não se dá razão alguma para se escolher esse carro em vez de outro. Sua imagem articula-se com realidades atrativas para milhões de pessoas e envolve todas no halo de uma frase impregnada de aderências sentimentais. Desse modo, o carro fica aureolado de prestígio. Quando você for à concessionária, você se sentirá inclinado a escolher este carro. E o carro você leva, mas não a mulher. Na verdade, ninguém tinha prometido que, se você comprasse o carro, teria a possibilidade de acesso à mulher, o que teria sido um modo de dirigir-se à sua inteligência. Limitaram-se a influir sobre sua vontade de forma tortuosa, astuta. Não lhe enganaram; lhe manipularam, que é uma forma sutil de engano. Estimularam teu apetite com sensações gratificantes a fim de orientar tua vontade para a compra deste produto, não para satisfazer ou ajudar a desenvolver tua personalidade. Você foi  reduzido a mero cliente. Essa forma de reducionismo é a quintessência da manipulação.  

Este tipo de manipulação comercial costuma acompanhar outra muito mais perigosa ainda: a manipulação ideológica, que impõe idéias e atitudes de forma oculta, graças à força de arrasto de certos recursos estratégicos. Assim, a propaganda comercial difunde, muitas vezes, a atitude consumista e a faz valer sob o pretexto de que o uso de tais e quais artefatos é sinal de alta posição social e de progresso. Um anúncio de um carro luxuoso dizia: "O carro dos vencedores. Você que é um vencedor deve usar este carro, que vence na estrada. Carro tal: o vitorioso!"

Quando se quer impor atitudes e idéias referentes a questões básicas da existência - a política, a economia, a ética, a religião...-, a manipulação ideológica torna-

Page 15: Psicologia Social Conformismo

se extremamente perigosa. Atualmente, muitas vezes se entende por "ideologia" um sistema de idéias esclerosadas, rígido, que não suscita adesões por carecer de vigência e, portanto, de força persuasiva. Se um grupo social assume radicalmente este sistema como programa de ação e quer impô-lo, só dispõe de dois recursos: 1. A violência, que se encaminha para a tirania, 2. A astúcia e recorre à manipulação. As formas de manipulação praticadas por razões "ideológicas" costumam mostrar um notável refinamento, já que são programadas por profissionais de estratégia [2] .

3. Para que se manipula?

A manipulação corresponde, em geral, à vontade de dominar pessoas e grupos em algum aspecto da vida e dirigir sua conduta. A manipulação comercial quer converter-nos em clientes, com o simples objetivo de que adquiramos um determinado produto, compremos entradas para certos espetáculos, nos associemos ao clube tal... O manipulador ideólogo pretende modelar o espírito de pessoas e povos a fim de adquirir domínio sobre eles de forma rápida, contundente, massiva e fácil. Como é possível dominar um povo desta forma? Reduzindo-o de comunidade a massa.

As pessoas, quando têm idéias valiosas, convicções éticas sólidas, vontade de desenvolver todas as possibilidades de seu ser, tendem a unir-se solidariamente e estruturar-se em comunidades. Devido à sua coesão interna, uma estrutura comunitária torna-se inexpugnável. Pode ser destruída de fora com meios violentos, mas não dominada interiormente por meio de assédio espiritual. Se as pessoas que integram uma comunidade perdem a capacidade criadora e não se unem entre si com vínculos firmes e fecundos, deixam de integrar-se numa autêntica comunidade; dão lugar a um punhado amorfo de meros indivíduos: uma massa. O conceito de massa é qualitativo, não quantitativo. Um milhão de pessoas que se manifestam numa praça com um sentido bem definido e ponderado não constituem uma massa, mas sim uma comunidade, um povo. Duas pessoas, um homem e uma mulher, que compartilham a vida numa casa mas não se encontram devidamente unidas formam uma massa. A massa se compõe de seres que agem entre si como se fossem objetos, através de justaposição e choque. A comunidade é formada por pessoas que unem seus âmbitos de vida para dar lugar a novos âmbitos e enriquecer-se mutuamente.

Ao carecer de coesão interna, a massa é facilmente dominável e manipulável pelos sequiosos do poder. Isso explica que a primeira preocupação de todo tirano -tanto nas ditaduras como nas democracias, já que em ambos os sistemas políticos existem pessoas desejosas de vencer sem necessidade de convencer- seja a de privar as pessoas, na maior medida possível, da capacidade criadora. Tal despojamento se leva a cabo mediante as táticas de persuasão dolosa que a manipulação mobiliza.    

4. Como se manipula?

Numa democracia as coisas não são fáceis para o tirano. Ele quer dominar o povo, e deve faze-lo de forma dolosa para que o povo não perceba, pois, numa democracia, o que os governantes prometem é, antes de tudo, liberdade. Nas ditaduras se promete eficácia à custa das liberdades. Nas democracias se prometem níveis nunca alcançados de liberdade ainda que à custa da eficácia. Que meios um tirano tem à sua disposição para submeter o povo enquanto o convence de que é mais livre do que nunca?

Page 16: Psicologia Social Conformismo

Esse meio é a linguagem. A linguagem é o maior dom que o homem possui, mas também, o mais arriscado. É ambivalente: a linguagem pode ser terna ou cruel, amável ou displicente, difusora da verdade ou propagadora da mentira. A linguagem oferece possibilidades para, em comum, descobrir a verdade, e proporciona recursos para tergiversar as coisas e semear a confusão. Basta conhecer tais recursos e manejá-los habilmente, e uma pessoa pouco preparada mas astuta pode dominar facilmente as pessoas e povos inteiros se estes não estiverem de sobreaviso. Para compreender o poder sedutor da linguagem manipuladora, devemos estudar quatro pontos: os termos, o esquemas, as propostas e os procedimentos.

A) Os termos

A linguagem cria palavras, e em cada época da história algumas delas adquirem um prestígio especial de forma que ninguém ousa questioná-la. São palavras "talismã" que parecem condensar em si tudo que há de excelente na vida humana.

A palavra talismã de nossa época é liberdade. Uma palavra talismã tem o poder de prestigiar as palavras que dela se aproximam e desprestigiar as que se opõem ou parecem opor-se a ela. Hoje aceita-se como óbvio -o manipulador nunca demonstra nada, assume como evidente o que lhe convém- que a censura -todo tipo de censura - sempre se opõe à liberdade. Conseqüentemente, a palavra censura está atualmente desprestigiada. Já as palavras independência, autonomia, democracia, co-gestão estão unidas com a palavra liberdade e convertem-se, por isso, numa espécie de termos talismã por aderência. 

O manipulador dos termos talismã, sabe que, ao introduzi-los num discurso, o povo fica intimidado, não exerce seu poder crítico, aceita ingenuamente o que lhe é proposto. Quando, em certo país europeu, realizou-se uma campanha a favor da introdução da lei do aborto, o ministro responsável de tal lei tentou justificar-se com o seguinte raciocínio: "A mulher tem um corpo e é necessário dar à mulher liberdade para dispor desse corpo e de tudo que nele acontece". A afirmação de que "a mulher tem um corpo" é desmontada pela melhor filosofia desde há quase um século. Nem a mulher nem o homem temos corpo; somos corpóreos. Há um abismo enorme entre estas duas expressões. O verbo ter é adequado quando se refere a realidades possuíveis ou seja: objetos. Mas o corpo humano, o da mulher e o do homem, não é algo possuível, algo do qual possamos dispor, é uma vertente de nosso ser pessoal, como o é o espírito. Estendo a mão para cumprimentar e você sente a vibração do meu afeto pessoal. É toda minha pessoa que sai ao seu encontro. O fato de que meu ser pessoal inteiro vibre na palma de minha mão põe em evidência que o corpo não é um objeto. Não há objeto, por excelente que seja, que tenha esse poder. O ministro intuiu sem dúvida que a frase "a mulher tem um corpo" é muito frágil, não se sustenta no estado atual da pesquisa filosófica e, para dar força a seu argumento, introduziu imediatamente o termo talismã liberdade: "A mulher te um corpo e é necessário dar à mulher liberdade para dispor desse corpo...". Ele sabia que, com a mera utilização desse termo supervalorizado no momento atual, milhões de pessoas iam encolher-se timidamente: "É melhor não contestar essa sentença porque o que está em jogo é a liberdade e serei tachado de anti-democrata, de fascista, de radical". E assim efetivamente aconteceu.   

Se queremos ser interiormente livres de verdade, devemos perder o medo da linguagem do manipulador e matizar o sentido das palavras. O ministro não indicou a

Page 17: Psicologia Social Conformismo

que tipo de liberdade se referia, porque o primeiro mandamento do demagogo é não matizar a linguagem. De fato, ele aludia à liberdade, à "liberdade de manobra", à liberdade -neste caso- de cada um manobrar, segundo seu capricho, a vida nascente: respeitá-la ou eliminá-la. A "liberdade de manobra" não é propriamente uma forma de liberdade; é antes uma condição para ser livre. Alguém começa a ser livre quando, podendo escolher entre diversas possibilidades, -liberdade de manobra- opta por aquelas que lhe permitem desenvolver sua personalidade de modo completo -liberdade criativa-. Mas uma pessoa que utilize essa liberdade de manobra contra a semente da vida, que corre aceleradamente até a plena constituição de um ser humano, estará se orientando para a plenitude de seu ser pessoal? Viver pessoalmente é viver fundando relações comunitárias, criando vínculos. Aquele que rompe vínculos fecundíssimos com a vida que nasce destrói na raiz seu poder criador e, portanto, bloqueia seu desenvolvimento como pessoa.   

Tudo isto se vê claramente quando se reflete. Mas o demagogo, o tirano, o que deseja conquistar o poder pela via rápida da manipulação, age com extrema rapidez para não dar tempo de pensar e submeter à reflexão pausada cada um dos temas. Com isso não se detém nunca para matizar os conceitos e justificar o que afirma; como se houvesse um grande consenso expõe com termos ambíguos, imprecisos. Isso lhe permite a cada momento destacar dos conceitos o aspecto que interessa a seus fins. Quando realça um aspecto, o faz como se fosse o único, como se todo o alcance de um conceito se limitasse a essa vertente. Dessa forma evita que as pessoas a quem se dirige tenham elementos de juízo suficientes para esclarecer as  questões por si mesmas e fazerem uma idéia serena e bem ponderada dos problemas tratados. Ao não poder aprofundar-se numa questão, o homem está predisposto a deixar-se arrastar. É uma árvore sem raízes que qualquer vento leva, principalmente  se este sopra a favor das próprias tendências elementares. Para facilitar seu trabalho de arraste e sedução, o manipulador afaga as tendências inatas das pessoas e se esforça em obstruir seu sentido crítico. 

Toda forma de manipulação é uma espécie de malabarismo intelectual. Um mágico, um ilusionista faz truques surpreendentes que parecem "mágica" porque realiza movimentos muito rápidos que o público não percebe. O demagogo procede, desse mesmo modo, com estudada precipitação, a fim de que as multidões não percebam seus truques intelectuais e aceitem como possíveis as escamoteações mais inverossímeis de conceitos. Um manipulador proclama, por exemplo, às pessoas que "lhes devolveu as liberdades", mas não se detém para precisar a que tipo de liberdades se refere: se são as liberdades de manobra que podem levar a experiências de fascinação -que precipitam o homem na asfixia- ou a liberdade para serem criativos e realizar experiências de encontro, que leva ao pleno desenvolvimento da personalidade. Basta pedir a um demagogo que matize um conceito para desvirtuar suas artes hipnóticas.

Na verdade, Ortega y Gasset tinha razão ao advertir: "Cuidado com os termos, que são os déspotas mais duros que a humanidade padece!". Um estudo, por sumário que seja, da linguagem nos revela que "na história as palavras são freqüentemente mais poderosas que as coisas e os fatos". (M. Heidegger [3] ).

B) Os esquemas mentais

Page 18: Psicologia Social Conformismo

Do mau uso dos termos decorre uma interpretação errônea dos esquemas que articulam nossa vida mental. Quando pensamos, falamos e escrevemos, estamos sendo guiados por certos pares de termos: liberdade-norma, dentro-fora, autonomia-heteronomia... Se pensamos que estes esquemas são dilemas, de forma que devamos escolher entre um ou outro dos termos que os constituem, não poderemos realizar nenhuma atividade criativa na vida. A criatividade é sempre dual. Se penso que o que está fora de mim é diferente, distante, externo e estranho a mim, não posso colaborar com aquilo que me rodeia e anulo minha capacidade criativa em todos os níveis.

Um dia uma aluna disse em classe o seguinte: "Na vida temos que escolher: ou somos livres ou aceitamos normas; ou agimos conforme o que nos vem de dentro ou conforme o que nos vem imposto de fora. Como eu quero ser livre, deixo de lado as normas". Esta jovem entendia o esquema liberdade-norma como um dilema. E assim, para ser autêntica, para agir com liberdade interior se sentia obrigada a prescindir de tudo o que lhe tinham dito de fora sobre normas morais, dogmas religiosos, práticas piedosas, etc. Com isso se afastava da moral e da religião que lhe foi dada e -o que é ainda mais grave- tornava impossível toda atividade verdadeiramente criativa.

Aqui está o temível poder dos esquemas mentais. Se um manipulador lhe sugere que para ser autônomo em seu agir você deve deixar de ser heterônomo e não aceitar nenhuma norma de conduta que lhe seja proposta do exterior, diga-lhe que é verdade mas só em um caso: quando agimos de modo passivo, não criativo. Seus pais pedem que você faça algo, e você obedece forçado. Então você não age autonomamente. Mas suponhamos que você percebe o valor do que foi sugerido e o assume como próprio. Esse seu agir é ao mesmo tempo autônomo e heterônimo, porque é criativo.

Quando era criança, minha mãe me dizia: "Pega esse sanduíche e dá ao pobre que tocou a campainha". Eu resistia porque era um senhor de barba comprida e me dava medo. Minha mãe insistia: "Não é um bandido; é um necessitado. Vai lá e dá para ele". Minha mãe queria que eu me iniciasse no campo de irradiação do valor da piedade. O valor da piedade me vinha sugerido de fora, mas não imposto. Ao reagir positivamente ante esta sugestão de minha mãe fui, pouco a pouco, assumindo o valor da piedade, até que se converteu numa voz interior. Com isso, este valor deixou de estar fora de mim para converter-se no impulso interno do meu agir. Nisto consiste o processo de formação. O educador não penetra na área de imantação dos grandes valores, e nós os vamos assumindo como algo próprio, como o mais profundo e valioso de nosso ser.

Agora vemos com clareza a importância decisiva dos esquemas mentais. Um especialista em revoluções e conquista de poder, Stalin, afirmou o seguinte: "De todos os monopólios de que desfruta o Estado, nenhum será tão crucial como seu monopólio sobre a definição das palavras. A arma essencial para o controle político será o dicionário". Nada mais certo, desde que vejamos os termos dentro do quadro dinâmico dos esquemas, que são o contexto em que desempenham seu papel expressivo.

C) As abordagens (planteamientos) estratégicas

Com os termos da linguagem se propõem (plantean) as grandes questões da vida. Devemos ter o máximo cuidado com o que se propõe (planteamientos). Se você aceita uma proposta (planteamiento), vai ter que ir para onde o levem. Desde a infância deveríamos estar acostumados a discernir quando uma proposta (planteamiento) é

Page 19: Psicologia Social Conformismo

autêntica e quando é falsa. Nos últimos tempos as coisas estão mal colocadas (planteadas), com a finalidade estratégica de dominar o povo, temas tão graves como o divórcio, o aborto, o amor humano, a eutanásia... Quase sempre são abordados (plantean) de forma sentimental, como se apenas se tratasse de resolver problemas agudos de certas pessoas. Para comover o povo, apresentam-se cifras  exageradas de matrimônios dissolvidos, de abortos clandestinos, realizados em condições desumanas... Tais cifras são um ardil do manipulador. O Dr. B. Nathanson, diretor da maior clínica abortista dos EUA, manifestou que foi ele e sua equipe que inventaram a cifra de 800.000 abortos por ano em seu país. E ficavam surpresos ao ver que a opinião pública engolia o dado e o propagava com total ingenuidade. Hoje, convertido à defesa da vida, sente vergonha de tal fraude e recomenda vivamente que não se aceitem as cifras apresentadas para apoiar certas campanhas.

D) Os procedimentos estratégicos

Há diversos meios para dominar o povo sem que este repare. Vejamos um exemplo; nele eu não minto mas manipulo. Três pessoas falam mal de uma Quarta, e eu conto a esta exatamente o que me disseram, mas altero um pouco a linguagem. Em vez de dizer que tais pessoas concretas disseram isso, digo que é o pessoal que anda falando. Passo do particular ao coletivo. Com isso não só infundo medo a essa pessoa mas também angústia, que é um sentimento muito mais difuso e penoso. O medo é um temor ante algo adverso que nos enfrenta  de maneira aberta e nos permite tomar medidas. A angústia é um medo envolvente. Você não sabe a que recorrer. Onde está "o pessoal" que te atacou com maledicências? "O pessoal" é uma realidade anônima, envolvente, como neblina que nos envolve. Sentimo-nos angustiados. 

Tal angústia é provocada pelo fenômeno sociológico do boato, que parece ser tão poderoso quanto covarde devido a seu anonimato. "Andam dizendo tal ministro praticou um desvio de verbas". Mas quem anda dizendo? "O pessoal, ou seja, ninguém em concreto e potencialmente todos".

Outra forma tortuosa, sinuosa, sub-reptícia, de vencer o povo sem preocupar-se em convencê-lo é a de repetir uma e outra vez, através dos meios de comunicação, idéias ou imagens carregadas de intenção ideológica. Não se entra em questões, não se demonstra nada, não se vai ao fundo dos problemas. Simplesmente lançam-se chavões, fazem-se afirmações contundentes, propagam-se slogans na forma de senten-ças carregadas de sabedoria. Este bombardeio diário modela a opinião pública, porque as pessoas acabam tomando o que se afirma como o que todos pensam, como aquilo de que todos falam, como o que se usa, o atual, o normal, o que faz norma e se impõe.

Atualmente, a força do número é determinante, já que o que é decisivo depende do número de votos. O número é algo quantitativo, não qualitativo. Daí a tendência a igualar todos os cidadãos, para que ninguém tenha poder de direção de ordem espiritual e a opinião pública possa ser modelada impunemente por quem domina os meios de comunicação. Uma das metas do demagogo é anular, de uma forma ou outra, aqueles que podem descobrir suas trapaças, seus truques de ilusionista.

A redundância desinformativa tem um poder insuspeitável de criar opinião, fazer ambiente, estabelecer  um clima propício a toda classe de erros. Basta criar um clima de superficialidade no tratamento dos temas básicos da vida para tornar possível a

Page 20: Psicologia Social Conformismo

difusão de todo tipo de falsidades. Segundo Anatole France, "uma tolice repetida por muitas bocas não deixa de ser uma tolice". Certamente, mil mentiras não fazem uma só verdade. Mas uma mentira ou uma meia verdade repetidas por um meio poderoso de comunicação se converte em uma verdade de fato, incontrovertida; chega a construir uma "crença", no sentido orteguiano de algo intocável, de base, em que se assenta a vida intelectual do homem e que não cabe discutir sem expor-se ao risco de ser desqualificado. A propaganda manipuladora tende a formar este tipo de "crenças" com vistas a ter um controle oculto da mente, da vontade e do sentimento da maioria.

O grande teórico da comunicação MacLuhan cunhou a expressão:  "o meio é a mensagem"; não se diz algo porque seja verdade; toma-se como verdade porque se diz. A televisão, o rádio, a imprensa, os espetáculos de diversos tipos têm um imenso prestígio para quem os vê como uma realidade prestigiosa que se impõe a partir de um lugar inacessível para o cidadão comum. Aquele que está sabendo do que se passa nos bastidores tem algum poder de discernimento. Mas o grande público permanece fora dos centros que irradiam as mensagens. É insuspeitável o poder que implica a possibilidade de fazer-se presente nos cantos mais afastados e penetrar nos lares e falar ao ouvido de multidões de pessoas, sem levantar a voz, de modo sugestivo.

Antídoto contra a manipulação

A prática da manipulação altera a saúde espiritual de pessoas e grupos. Eles possuem defesas naturais contra esse vírus invasor? É possível contar com algum antídoto contra a manipulação demagógica?

Atualmente é impossível de fato reduzir o alcance dos meios de comunicação ou submetê-los a um controle de qualidade eficaz. Não há defesa mais confiável do que a devida  preparação por parte de cada cidadão. Tal preparação inclui três pontos básicos:

1) Estar alerta, conhecer detalhadamente os ardis da manipulação.

2) Pensar com rigor, saber utilizar a linguagem com precisão, propor bem as questões, desenvolve-las com lógica, não cometer saltos no vazio. Pensar com rigor é uma arte que devemos cultivar. Aquele que pensa com rigor dificilmente é manipulável. Um povo que não cultive a arte de pensar, com a precisão devida, está à mercê dos manipuladores.

3) Viver criativamente. O que há de mais valioso na vida somente se pode aprender verdadeiramente quando se vive. Se você, por exemplo, promete criar um lar com outra pessoa e for fiel a essa promessa, vai aprendendo dia a dia que ser fiel não se reduz à capacidade de agüentar. Agüentar é para muros e colunas. O homem está chamado a algo mais alto, a ser criativo, ou seja: a ir criando em cada momento o que prometeu criar.

A fidelidade tem um caráter criativo. Quando o manipulador de plantão diz a seu ouvido: "Chega de agüentar, procure satisfações fora do casamento, pois isso é que é imaginativo e criador", você saberá responder adequadamente: "Amigo, não estou para agüentar, mas para ser fiel, que é bem diferente". Você dirá isso porque saberá por dentro o que é a virtude da fidelidade e suas conseqüências. 

Page 21: Psicologia Social Conformismo

A mobilização de um contra-antídoto: a confusão da vertigem com êxtase

Se tomamos estas três medidas, seremos livres apesar da manipulação. Mas aqui surge um grave perigo: quem deseja dominar-nos está pondo em jogo um contra-antídoto, que consiste em confundir dois grandes processos de nossa vida: o da vertigem e o do êxtase. Se caímos nesta armadilha, perderemos definitivamente a liberdade.

A vertigem é um processo espiritual que começa com a adoção de uma atitude egoísta. Se sou egoísta na vida, tendo a considerar-me como o centro do universo e a tomar tudo o que me rodeia como meio para meus fins. Quando me encontro com uma realidade -por exemplo, uma pessoa- que me atrai porque pode saciar meus apetites, me deixarei fascinar por ela. Deixar-se fascinar por uma pessoa significa deixar-se arrastar pela vontade de dominá-la para pô-la a meu serviço. Quando estou a caminho de dominar aquilo que inflama meus instintos, sinto euforia, exaltação interior. Parece que estou para obter uma rápida e comovedora plenitude pessoal. Mas essa comoção eufórica degenera imediatamente em decepção, porque, ao tomar uma realidade como objeto de domínio, não posso encontrar-me com ela, e não me desenvolvo como pessoa. Lembremos que o homem é um ser que se constitui e desenvolve através do encontro. Essa decepção profunda me produz tristeza. A tristeza sempre acompanha a consciência de não estar a caminho do desenvolvimento como pessoa. Essa tristeza, quando se repete uma e outra vez, se torna envolvente, asfixiante, angustiante. Vejo-me esvaziado de tudo o que necessito para ser plenamente homem. Ao vislumbrar esse vazio, sinto vertigem espiritual, angústia.

Se o sentimento de angústia é irreversível porque não sou capaz de mudar minha atitude básica de egoísmo, a angústia dá lugar ao desespero: a consciência lúcida e amarga de que tenho todas as saídas fechadas para minha realização pessoal.

Um jovem estudante um dia se esforçou em convencer uma amiga viciada em drogas  de que ela estava se destruindo. Ela o interrompeu e disse com desalento: "Não perca seu tempo. Sei perfeitamente que estou à beira do abismo. O que acontece é que não posso voltar atrás, o que é muito diferente". Esta consciência de não ter saída é o desespero. O desespero leva rapidamente à destruição, própria ou alheia, física ou moral. (Digamos entre parêntesis que este processo se refere àqueles que em perfeito estado de saúde se entregam ao afã de possuir o que deslumbra os próprios apetites, não àqueles que sofrem algum tipo de depressão por motivos fisiológicos).

Resumindo: a vertigem não exige nada no princípio, promete tudo e tira tudo no final. A vertigem te enche de ilusões (ilusiones) e acaba convertendo-te num iludido.

Vejamos agora o processo oposto: o do êxtase ou criatividade. Se não sou egoísta, mas generoso, não reduzo o que me rodeia a meio para meus fins. Eu sou um centro de iniciativa, mas você também o é. Por isso lhe respeito como você é e no que você está chamada a ser. Este respeito me leva a colaborar com você, não a lhe dominar. Colaborar é articular minhas possibilidades com as suas. E esta articulação é o encontro. Ao encontrar-me, desenvolvo-me como pessoa e sinto alegria. Esta alegria, em seu grau máximo, se chama entusiasmo. Entusiasma-me encontrar realidades que me oferecem tantas possibilidades de agir criativamente que me elevam ao melhor de mim mesmo. Essa elevação é o êxtase. Quando me sinto próximo à realização de minha vocação mais profunda, experimento uma grande felicidade interior. Esta felicidade me

Page 22: Psicologia Social Conformismo

leva à construção de minha personalidade, da minha e as daqueles que se encontram comigo. Aqui está um dado decisivo: No processo de êxtase o encontro cria vida de comunidade. O processo de vertigem a destrói.

O êxtase é um processo espiritual que ao princípio exige de você por inteiro, lhe promete tudo e ao final lhe dá tudo. O que é que exige no princípio? Generosidade. Você não encontrará nem uma só ação que seja criativa no esporte, na vida de relação, na vida estética ou religiosa que não tenha em sua base alguma dose de generosidade. Se você for egoísta ao praticar esporte, você reduzirá o jogo a mera competição, que é uma das formas de vertigem da ambição. Você vai tomar os companheiros de jogo como meios para seus fins. Você não construirá unidade mas dissensão, e vai gerar violência. 

Ficam claras as consequências da vertigem e do êxtase:

A vertigem anula pouco a pouco a criatividade humana -porque impossibilita o encontro, e toda forma de criatividade ocorre no homem através da construção de diversos modos de encontro-, diminui ao máximo a sensibilidade para os grandes valores, torna impossível a construção de formas elevadas de unidade.

O êxtase, ao contrário, incrementa a criatividade, a sensibilidade para os grandes valores, a capacidade de unir-se de forma sólida e fecunda com as realidades ao redor.

Agora podemos responder lucidamente à pergunta que deixamos pendente. Dizíamos que o tirano domina os povos reduzindo as comunidades a meras massas. Faz isso minando a capacidade criadora de cada uma das pessoas que constituem tais comunidades. Este empobrecimento das pessoas se consegue orientando-as para diversas formas de vertigem não para o êxtase. Para isso o demagogo manipulador confunde ambas as formas de experiência, e diz às pessoas, sobre tudo aos jovens: "Concedo a vocês todo tipo de liberdades para realizarem experiências exaltantes de vertigem. Essa exaltação é a verdadeira forma de entusiasmo, e conduz à felicidade e à plenitude".

Se caímos nesta armadilha ardilosa, não teremos futuro como pessoas. Vertigem e êxtase são polarmente opostos em sua origem -que é a atitude de egoísmo, por um lado, e a de generosidade, por outro- e são diferentes em seus fins: A vertigem tende ao ideal de dominar e  desfrutar; o êxtase se orienta para o ideal da unidade e solidariedade. Confundir ambas as experiências significa projetar o prestígio secular das experiências que os gregos denominavam êxtase -elevação ao que há de melhor em si mesmo- sobre as experiências de vertigem e dar uma justificação aparente às práticas que conduzem o homem a formas de exaltação aniquiladora.

Nossa vontade de sobrevivência como seres pessoais nos leva a perguntar se há um antídoto contra a confusão entre vertigem e êxtase. Afortunadamente, há, e se baseia na convicção de que o ideal é que decide tudo em nossa vida. Somo seres dinâmicos, devemos configurar nossa vida de acordo com um ideal; temos liberdade para assumir um ideal ou outro como meta da existência, impulso e sentido de nosso agir, mas não podemos evitar que o ideal do egoísmo e de domínio nos exalte primeiro e nos destrua ao final, e que o ideal da generosidade e de unidade nos exija no princípio um grande

Page 23: Psicologia Social Conformismo

desprendimento e nos dê a plenitude no final. O fato de orientar a vida para este ideal plenificante nos impulsiona a escolher em cada momento o que é mais adequado para nosso verdadeiro ser. Esta liberdade interior nos imuniza em boa medida contra a manipulação.

A configuração de um Novo Humanismo

Uma vez que recuperemos a linguagem seqüestrada pelos manipuladores e ganhemos liberdade interior, podemos abordar com garantia de êxito a grande tarefa que a humanidade atual tem diante de si: dar vida a uma nova forma que assuma as melhores realizações da Idade Moderna e supere suas deficiências, as que provocaram duas hecatombes mundiais. Esta tarefa, que em linguagem religiosa está sendo chamado de "re-evangelização", somente poderá levar-se a cabo se formos à raiz de nosso agir. A raiz é o ideal que nos move.

Desde o período de entre-guerras pede-se na Europa uma mudança no estilo de pensar, de sentir e agir. Essa mudança não se realizou, Daí o desconcerto e a apatia da sociedade contemporânea. É hora de abandonar a indecisão e lançar as bases de uma concepção de vida ponderada, mais ajustada à verdadeira condição do ser humano. Isso requer ter a valentia de optar pelo ideal da generosidade, da unidade, da solidariedade. Esse ideal -e a cultura  correspondente- tem uma antiga e prestigiosa tradição na Europa, mas, diante de épocas anteriores à nossa, apresenta-se a nós como uma novidade. Se o assumimos com garra, sem restrição alguma, veremos nossa vida cheia de alegria, pois, como bem dizia o grande Bergson, "a alegria anuncia sempre que a vida triunfou" [4] . E não há maior triunfo que o de criar modos autênticos de união pessoal.

Levar a cabo esta tarefa criativa na sociedade atual depende em boa medida dos meios de comunicação. Um dia e outro, com o poder de persuasão exercido pela insistência, os meios abrem ante o homem atual duas vias opostas: a via da criatividade e a edificação cabal da personalidade, e a via da fascinação e o desmoronamento da vida pessoal. Quando se fala de manipulação, se alude a uma forma de abuso dos meios de comunicação que tendem a encaminhar as pessoas por uma via destrutiva.

Cabe, no entanto, outra forma de uso que assuma todas as possibilidades de tais meios e lhes confira uma profunda nobreza e uma grande fecundidade. Somente quando as pessoas se orientem por esta via terão garantido sua liberdade no seio dos regimes democráticos, que -é bom lembrar- não geram liberdade interior automaticamente.

1. Este trabalho servirá de Introdução a um curso que o autor dará em breve na Internet do Vaticano (Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais) com esse mesmo título.

2. Sobre este conceito de "ideologia" pode-se ver meu trabalho "Conhecer, sentir, querer. A propósito do tema das ideologias", em Hacia un estilo de pensar I. Estética. Edit. Nacional, Madrid 1967, págs. 39-96.

Page 24: Psicologia Social Conformismo

3. Cf. Nietzsche I, Neske, Pfullingem 1961, p. 400.

4. Cf. L'energie spirituelle, PUF, París 32 1944, p. 23