Psicopatia Os Caminhos Recondidos

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    PSICOPATIA: OS CAMINHOS RECÔNDITOS DA PERVERSIDADE

    Fernanda Feuser de Freitas1

    Fabiana de Bittencourt Rangel2

     

    SUMÁRIO

    RESUMO: Muito se discute acerca da personalidade psicopática, comopossíveis justificativas genéticas e sociais para seu surgimento, e a realidadequanto ao fato da inexistência de tratamento. Embora a sociedade tenhaciência da existência deste transtorno de personalidade, associa-o de formaerrônea, ligando-o, geralmente, ao cometimento de ilícitos penais, comoassassinatos brutais e em séries, com excesso do emprego de violência. Necessário se faz o esclarecimento quanto às diversas formas de condutaspsicopáticas existentes, tornando claro à população de que nem sempre umapessoa dotada de personalidade psicopática, tornar-se-á um assassino. Estepleno conhecimento da realidade envolto da psicopatia traz, de certa forma,maiores chances de defesa ante esses seres tão perversos. 

    PALAVRAS-CHAVE: Psicopatia. Psicopata. Violência. Conduta anti-social.Imputabilidade penal. 

    Introdução

    O presente artigo traz, como proposta, a explanação acerca da

    psicopatia e seus efeitos, no intuito de compreender as razões pelas quais os

    sujeitos acometidos dessa patologia transgridem toda e qualquer norma social,

    dotados de perversidade, violência e indiferença para com as outras pessoas.

    Os estudos envolvendo psicopatas são de suma importância, tanto

    para o Direito, como para a sociedade, pois, através desses é possível

    estabelecer a relação da patologia com as taxas de incidência e reincidênciacriminal, analisar a eficácia das penas aplicadas a esses indivíduos, auxiliar na

    busca de um possível tratamento ou, também, de novos modelos de

    reabilitação direcionada, no sistema penitenciário.

    1  Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, endereçoeletrônico [email protected], telefone 47-99815286.2 Professora do Curso de Direito do Campus Sede da Universidade do Vale do Itajaí,Psicóloga, Mestre em Administração, Docente da Disciplina de Psicologia, endereçoeletrônico [email protected], telefone 47-99670727. 

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    A relação do Direito Penal com a Psiquiatria e a Psicologia é essencial,

    e vem sendo firmada e destacada, ao longo dos anos, ainda nas primeiras

    versões do Código Penal.

    A Medicina contribuiu estabelecendo as condições nas quais um

    sujeito pode ser responsabilizado e imputado pelos seus atos, definindo os

    diversos estados mentais já constatados e os transtornos de personalidades

    existentes. Por tal motivo, o presente estudo foi construído, não só com base

    nas disposições legais e suas fundamentações, mas também na psicopatologia

    forense.

    A metodologia utilizada neste artigo foi a pesquisa bibliográfica, queconsiste:

    A pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrangetoda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema deestudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas,livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc.,até meios de comunicação oral: rádio, gravações em fitamagnética e áudio visuais: filmes e televisão. Sua finalidade écolocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foiescrito, dito ou filmado sobre determinado assunto [...].3

     A psicopatia é também denominada, hodiernamente, como transtorno

    de personalidade anti-social, sociopatia, transtorno de caráter, transtorno

    sociopático e transtorno dissocial4, porém, no presente trabalho, adotaremosapenas as terminologias: psicopatia e transtorno de personalidade anti-social.

    A ideia da abordagem central desse tema surgiu na observância do

    desconhecimento, por parte dos acadêmicos do curso de Direito, no que se

    refere ao transtorno de personalidade anti-social.

    Em decorrência da falta desse cabedal científico, indiscutivelmente

    necessário à prática jurídica, uma vez que o tema em questão faz parte do

    exercício diário do operador do Direito, objetivamos trazer à luz um estudocontextualizado sobre a psicopatia.

    Com a detecção da falta de conhecimento do tema por parte dos

    acadêmicos, presume-se também a necessidade de levar à sociedade dados

    básicos que os permitam identificar as características, as causas e demais

    3  LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Mariana A. Fundamentos de metodologiacientífica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 166.4 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica.São Paulo: Atlas, 2009. p. 105.

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    aspectos que envolvem a psicopatia, possibilitando, desta forma, chance a

    defesa. Fiorelli e Mangini contribuem:

    [...] da mesma forma que acontece com as doenças em geral, éútil o conhecimento de sinais (ou seja, manifestações visíveis)

    porque estes sugerem linhas de ação para aqueles que osobservam.5

     Por fim, far-se-á uma explanação acerca dos tratamentos já

    identificados e testados em psicopatas, as dificuldades enfrentadas e o

    benefício das intervenções sociais, como também a forma de imputabilidade

    aplicada aos indivíduos portadores do transtorno de personalidade anti-social.

    1. Psicopatas: uma breve análise

    A busca por definições e justificativas para a existência e o

    comportamento de psicopatas ocorre desde o início da história da psiquiatria,

    em que, frequentemente, especialistas deparavam-se com indivíduos que,

    mesmo apresentando comportamento de insanidade mental, não evidenciavam

    sintomas delirantes, alucinatórios ou deficiências mentais.

    A ideia inicial era de que o comportamento violento e imotivado,

    apresentado por determinadas pessoas, estava ligado a algum tipo de doença

    mental ainda não explorada, correlacionando-a com problemas de cunhomoral6.

    A psicopatia abrangida anteriormente como doença mental passou a

    ser classificada como um transtorno de personalidade7, ou personalidade

    doente, sendo também considerada como um fenômeno psicopatológico, pois

    nela não estão presentes sintomas como alucinações, delírios ou grave déficit

    intelectual.

    Hodiernamente, utiliza-se termos como transtorno de personalidadeanti-social, psicopatia, sociopatia, transtorno de caráter, transtorno sociopático

    5 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica.p. 113. 6 Para Freud, a moral tem a função de regular os relacionamentos entre os homens a

    fim de possibilitar o convívio em comunidade e o desenvolvimento da civilização.(ALTHUSSER, L. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Graal, 2000) 7Transtornos de personalidade são “padrões de comportamento profundamentearraigados e permanentes, manifestando-se como respostas inflexiveis a uma amplasérie de situaçoes pessoais e sociais.” (FIORELLI, José Osmir; MANGINI, RosanaCathya Ragazzoni. Psicologia jur ídica. p. 104).

     

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    e transtorno dissocial. A variação terminológica reflete a aridez do tema e o fato

    de a ciência não ter chegado a conclusões definitivas a respeito de suas

    origens, desenvolvimento e tratamento.8

    O conceito de Psicopatia para Pacheco (2011):

    Segundo os manuais internacionais de classificação ediagnóstico psiquiátrico DSM-IV (1995) e CID 10 (1993), osujeito com o diagnóstico de T.A.S.P. é conhecidopopularmente como psicopata ou sociopata e apresentadesprezo pelas obrigações sociais, falta de empatia para comos outros, baixa tolerância à frustração, tendência a culpar osoutros ou a fornecer racionalizações duvidosas para explicarum comportamento de conflito com a sociedade, além de umpadrão de desrespeito e violação dos direitos alheios,utilizando-se do engodo, da manipulação maquiavélica, daagressão a pessoas e animais e da violência para violar

    normas ou regras sociais importantes.9 

    Dentre as diversas causas apontadas para o surgimento deste transtorno,

    estão elencadas a presença de transtorno de conduta10  na infância, fatores

    genéticos, ambientais, e possível deficiência na formação do superego.

    Trindade preleciona algumas das causas citadas:

    Transtorno de Personalidade Anti-Social é fruto de umacombinação de fatores genéticos com fatores ambientais.Família e contexto social podem levar a déficits no controle do

    impulso individual. Isso, em combinação com a predisposiçãogenética para a impulsividade, que pode ser causada peladisfunção da região frontal e límbica do cérebro, é capaz deconduzir a dificuldade de aprendizagem, assim comoproblemas de controle do impulso, resultando no distúrbio deconduta na infância e, posteriormente, Transtorno dePersonalidade Anti-social. [...] Alem da predisposição genética,tem-se apontadas como causa patologias da região frontal elímbica do cérebro. Alguns estudos sugerem que os indivíduoscom TPA apresentam uma redução na área cinzenta do

    8 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica.p. 105.9 PACHECO. Pesquisas do cérebro e psicopatias: a potencialidade do criminoso

     just if icada por saberes científicos. Tese (Doutorado em Psicologia) Faculdade dePsicologia, Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.p.131.

     

    10 Os transtornos de conduta são caracterizados por padrões persistentes de condutadissocial, agressiva ou desafiante. Tal comportamento deve comportar grandesviolações das expectativas sociais próprias à idade da criança; deve haver mais doque as travessuras infantis ou a rebeldia do adolescente e se trata de um padrãoduradouro de comportamento. (CID-10 F91 Distúrbios de conduta)

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    cérebro, denominada córtex, mais precisamente no lobo frontal,quando comparados com sujeitos sem o transtorno.11 

    O autor supracitado destaca, ainda, o fato de que, filhos biológicos de

    pais com Transtorno de Conduta, também apresentam o transtorno, ainda que

    sejam adotados e criados por pais que não possuam essa patologia.

    Fiorelli e Mangini destacam como causas identificadas:Observam-se falhas na formação do superego (valores morais,éticos e sociais) e ausência de sentimentos de culpa, deremorso e de empatia, entre outros. Estatísticas apontam parainfluências biológicas, ambientais e familiares, surgindo,portanto, uma conjugação de fatores.12

     Muitos especialistas como Freud, Penteado, Fiorelli, Trindade, Morana,

    Kaplan e Kernberg, apontam a má formação do superego como indicador da

    presença da personalidade psicopática, pois o papel do superego engloba, em

    sua função, a observação do ego e a parte moralizadora da personalidade.

    O ego consiste na superfície do id, é parte central da personalidade e

    mediador das nossas relações mundo interno-mundo externo, tem a função de

    estabelecer contato com a realidade, é a sede da inteligência, do pensamento,

    da atenção, da memória e do discernimento, cabendo-lhe a tarefa de examinar

    as demandas de prazer do id, assim como as condições oferecidas pelo mundo

    externo, além de atender as exigências do superego13; o superego, por sua

    vez, é o observador do ego, tem uma função crítica e moralizadora, agindo de

    maneira mais ou menos racional, conforme o grau de maturidade que

    conseguimos atingir. 14

    A má formação ou fragilidade do superego agrega uma

    desestruturação da personalidade, tendo em vista que este é responsável pela

    11TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito . 3 ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 218.12 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica p.107. 13 Freud acerca da definição do superego: “poderia dizer simplesmente que a instancia especialque estou começando a diferenciar no ego é a consciência. É mais prudente, contudo, mantera instancia como algo independente e supor que a consciência é uma de suas funções, e que aauto-observação, que é um preliminar essencial da atividade de julgar da consciência, é maisuma de tais funções. E desde que, reconhecendo que algo tem existência separada, lhe damosum nome que lhe seja seu, de ora em diante descreverei essa instancia existente no ego comosuperego.” (ALTHUSSER, L. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Graal, 2000. p. 45) 14 PEPE, Mafalda Janasievicz. Personalidade. In: COHEN, Claudio; SEGRE, Marco; FERRAZ,

    Flávio Carvalho (org). Saúde mental, crime e justiça. 2 ed. São Paulo: Editora da USP, 2006.p. 164.

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    internalizarão dos “bons atributos morais”; tal fato justifica, em parte, a total

    ausência de sentimento e remorso dos psicopatas.

    Acerca das funções do superego, elucida Kernberg:

    [...] manter uma honestidade social comum e experenciar umadequado sentimento de culpa e responsabilidade moral nasrelações com as outras pessoas defendem a capacidade demanter funções básicas do superego. Pelo contrário umadesonestidade geral nas relações humanas e a falta depreocupação e responsabilidade em todas as trocas humanasindicam a ausência ou deterioração das funções do superego.Naturalmente, a severidade da patologia de superego estárefletida no grau de comportamento anti-social presente. 15

     Muito se discutiu, nos últimos dois séculos, acerca desse transtorno de

    personalidade, diversos estudos foram realizados, até que o termo psicopata e

    suas características fossem definidos.

    Um psicopata não tem a capacidade de sentir, amar, desfrutar dos

    mais nobres sentimentos já alcançados e vividos por um ser humano. São

    seres frios e individualistas, que vivem de forma única e exclusivamente

    racional, traçam ideais, desenvolvem suas preferências, e as executam,

    objetivando apenas o resultado final, sem se importarem de que maneira, ou

    através de que meio o resultado será atingido. Para um psicopata, os fins

     justificam os meios, mesmo que, para isso, findem vidas e afetem pessoas,

    deixando um rastro de destruição.

    Os indivíduos portadores da personalidade psicopática estão

    disseminados por toda parte, e, na maioria das vezes, convivem livremente

    com outras pessoas sem que sejam identificados, proporcionando-os um

    campo livre e farto para atuação de suas ardilosas vontades.

    Neste sentido, Kaplan aborda:

    [...] o transtorno de personalidade anti-social é caracterizadopor atos anti-sociais e criminosos contínuos, mas não ésinonimo de criminalidade. Em vez disso, trata-se de umaincapacidade de conformar-se às normas sociais que envolvemmuitos aspectos do desenvolvimento adolescente e adulto dopaciente.16 

    15  KERNBERG, O. F.  Agressão nos transtornos de personalidade e nasperversões. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.p.234.16 KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J.; GREEB. J. A. Compêndio de psiquiatria. PortoAlegre: Artes Médicas, 1997.p. 692.

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    Os psicopatas não possuem a percepção de tempo, não planejam o

    futuro, vivem o presente, sempre no intuito de aliviar tensões e alcançar

    aspirações momentâneas, são imediatistas, além de possuírem a ciência das

    conseqüências de seus atos anti-sociais.

    Kenberng acrescenta:

    A ausência virtualmente total de capacidade para relaçõesobjetais não espoliativas e de qualquer dimensão moral nofuncionamento de personalidade é o elemento-chave nadistinção da personalidade anti-social.17 

    Morana (2003), destaca algumas características dos diagnosticados

    com transtorno de personalidade anti-social: são os responsáveis pela maioria

    dos crimes violentos em todos os países; iniciam as carreiras criminais em

    idade precoce; cometem diversos tipos de crimes e com maior freqüência que

    os demais criminosos; são os que recebem o maior número de faltas

    disciplinares no sistema prisional; apresentam insuficiente resposta aos

    programas de reabilitação; apresentam os mais elevados índices de

    reincidência criminal.18

    Apesar de serem vastas as características identificadas em indivíduos

    com esse transtorno, o diagnóstico é algo extremamente complexo e difícil, um

    dos fatores que enfatizam essa dificuldade é a possibilidade de encontrar

    comportamentos anti-sociais em praticamente todos os transtornos de

    personalidade existentes.

    Um dos métodos utilizados para o diagnóstico de psicopatia é a

    psicanálise, porém, assim como os demais meios de detecção, este é

    vulnerável, pelo fato de basear-se nas informações obtidas do indivíduo. A

    maioria tenta manipular o psicanalista e não lhe fala a verdade, por não admitir

    que possua tal transtorno, e tão pouco desejar livrar-se de uma conduta

    considerada “brilhante” por eles.

    Neste sentido, Shine assevera que:

    17  KERNBERG, O. F.  Agressão nos transtornos de personalidade e nasperversões. p.81.18  MORANA. Identificação do ponto de corte para escala PCL-R (PsychopathyChecklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de doissubtipos da personalidade; transtorno global e parcial. Tese (Doutorado emCiências) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. p. 05.

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    O método em psicanálise é o estudo de caso individual,enfocado em um quadro ou sintoma patológicos. A construçãodo entendimento do caso é feita a dois (analista e paciente)por meio da hermenêutica (análise e interpretação do discursodeste por aquele). De início temos uma dificuldade naaplicação do método em casos de psicopatia. Ora, o psicopatanão se julga doente ou necessitado de ajuda. Normalmente, aintervenção profissional é solicitada por algum membro dafamília que sofre as conseqüências de seu ato. Ou tambémquando o psicanalista é chamado a intervir em instituições jurídicas: no tribunal na condição de perito.19

     Além da psicanálise, existe um instrumento chamado “PCL–R” de

    Psychopathy chek-list Revised, desenvolvido por Robert Hare, em 1991. O

    estudo faz uma revisão dos conceitos, inicialmente correlacionados ao

    Transtorno Específico de Personalidade e, posteriormente, ao Transtorno Anti-social da Personalidade, procurando estabelecer a diferença com o conceito de

    psicopatia. O PCL-R é o mecanismo de eleição para o estudo da psicopatia.

    Os países que o adotaram apresentaram índices significativos de

    redução da incidência criminal, motivo pelo qual é considerado hoje um dos

    principais instrumentos para o diagnóstico da psicopatia.20

     

    2. Sociedade x Psicopatas

    Um grande problema relacionado à psicopatia é a falta de

    conhecimento acerca do assunto pela grande massa da sociedade, esta, que é

    alvo diário da astúcia e da crueldade dos portadores da personalidade

    psicopática, e perece, na maioria das vezes, por essa falta de informação.

    Isso ocorre, pois, ao longo do tempo, o termo “psicopata” foi atrelado

    pela mídia a crimes brutais, como, por exemplo, os casos que envolvem serial

    killers, os temidos autores de assassinatos em série.

    Muitos entendem ser psicopata, apenas aqueles que cometem

    homicídios com requintes de crueldade, e nem sequer imaginam que,

    19  SHINE, Sidney Kiyoshi. O psicopata e a moral. In: COHEN, Claudio; SEGRE,Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho (org). Saúde mental, crime e justiça. 2 ed. SãoPaulo: Editora da USP, 2006. p. 84.20  MORANA. Identificação do ponto de corte para escala PCL-R (PsychopathyChecklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de doissubtipos da personalidade; transtorno global e parcial. p.02.

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    provavelmente, já estiveram, ou em dado momento da vida, estarão, frente a

    frente com um.

    A realidade da psicopatia muito se distancia da fantasiosa

    exclusividade de crimes bárbaros, apesar de existirem casos em que há a

    prática de ilícitos penais dotados de considerável e aterrorizante violência. A

    maioria dos psicopatas possui uma vida normal, convivendo em sociedade,

    sem agredir fisicamente, ou matar alguém.

    Esse tipo de psicopata é perigoso e deixa um rastro de destruição tão

    grande quanto aquele que chega às vias de matar uma pessoa. Estamos

    cercados de seres como esses, cujo seu único objetivo é alcançar seus ideais,

    mesmo que, para isso, precise mentir, trapacear, ofender ou lesar alguém

    Fiorelli e Mangini trazem os principais campos de atuação dos

    psicopatas:

    Esses indivíduos encontram campo fértil no tráfico de drogas,no crime organizado em geral, na política, na religião; tornam-se líderes carismáticos e poderosos. Mentira, promiscuidade,direção perigosa, homicídios e seqüestros compõem seusrepertórios, em que não há sentimentos de culpa, pois osoutros não passam de “otários” que merecem ser ludibriadosna disputa por sexo, dinheiro, poder, etc. 21

    Um exemplo em destaque é o cenário político, um verdadeiro “parque

    de diversões” para o psicopata. A política é solo fértil para que ele ponha em

    prática seus mais ocultos e altos anseios, já que a busca insaciável pelo

    dinheiro e pelo poder é propiciada em um só meio.

    Marietan, conceituado psiquiatra na Argentina, comenta:

    Os políticos importantes geralmente são psicopatas por uma

    simples razão: o psicopata adora poder. Utiliza as pessoaspara obter mais e mais poder, e as transforma em coisas para

    próprio beneficio dele. Isto não quer dizer, logicamente, que

    todos os políticos ou todos os líderes sejam psicopatas, desde

    21 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica 

    p.108. 

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     já, mas sim que o poder é um âmbito onde eles movem como

    peixe na água. 22

    Aquele que a sociedade denomina apenas como corrupto, pode ser

    um claro exemplo de psicopata. Um político que usa recursos públicos para

    despesas pessoais, que utiliza cotas de passagens para viagens particulares,

    que recebe propina para praticar algo que vá contra o interesse público, pode

    sim ser um psicopata.

    Ainda sobre do comportamento dos portadores de personalidade anti-

    social, corrobora Fiorelli:

    Na empresa, o comportamento inclui cometer roubos, destruiro patrimônio, envolver-se em conflitos corporais, vadiar

    durante o período de trabalho, ausentar-se injustificadamentee sistematicamente. Na família, compreende a traição, aviolência contra cônjuge e filhos, a ausência prolongada,dilapidação do patrimônio em aventuras relacionadas com osexo, assédio sexual à empregada doméstica, etc.23 

    Vale salientar que, tais características encontradas em determinada

    pessoa, não podem por si só defini-la como psicopata, o diagnóstico dessa

    patologia somente pode ser feito por profissional capacitado.

    A importância do conhecimento da sociedade acerca desse transtorno

    de personalidade consiste em tornar possível a observação de suas principais

    características, a fim de oferecer a oportunidade de precaução. A defesa de um

    mal só pode ser exercida quando há informação suficiente para “identificá-lo.”

    Jorge Trindade alerta, em sua obra, sobre a evolução do Transtorno

    de Conduta na infância para o Transtorno de Personalidade anti-social no

    adulto:

    Os manuais da psicopatia compilam diagnósticos de alteraçãode comportamento, geralmente encontrados pela primeira vezna infância e adolescência, como Transtorno de Conduta.Quando não tratados adequadamente, esses quadros tendema evoluir para um transtorno de personalidade anti-social. 24

     

    22 MARIETAN, Hugo. Disponível em: http://www.marietan.com.ar/material_psicopatia.Acesso em: 04/04/2011.

     

    23 FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Risa, MALHADAS JUNIOR, Marcos JulioOlivé. Psicologia aplicada ao direito. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.193.24  TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito .p.213.

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    Deve-se despender atenção especial às crianças com distúrbios de

    comportamento, pois estas apresentam um alto risco de, no futuro, tornarem-se

    adultos com transtorno da personalidade. 25

    Além da oportunidade de precaução, a sociedade com a obtenção de

    conhecimento que envolve o assunto, pode contribuir para a prevenção do

    desenvolvimento do transtorno de personalidade anti-social.

    Elucida Ferraz:

    Quando a criança começa a praticar suas ações anti-sociais(que se expressam pela via do furto, por um lado, ou pela viada destrutividade, por outro), o ambiente em que ela vive podeajudá-la a suportar tais tendências, reconhecendo que ela temdireitos e, assim, pode redescobrir o objeto bom. Ocorre queessa situação, muitas vezes, não é atingida, favorecendo a

    consolidação das tendências destrutivas dentro da estrutura dapersonalidade. 26

    Verifica-se, deste modo, o importante papel da sociedade através da

    família, que deve estar atenta a tais aspectos, tanto no intento de reverter o

    quadro como de evitá-lo.

    Entretanto, quanto aos já portadores do transtorno de personalidade

    anti-social, é necessário que haja cautela, pois, como visto anteriormente,

    estes são perversos e possuem um eterno vazio emocional, fato que os tornaindiferentes a punições, ao perigo, ao afeto e aos valores morais que regem as

    relações interpessoais. Fiorelli e Mangini destacam:

    Processos mentais responsáveis pelas funções dasociabilidade não se estruturam de forma adequada nessesindivíduos. Enquanto criminosos comuns desejam riqueza,poder e prestigio, os psicopatas manifestam crueldade fortuita.27

     A incapacidade de o psicopata vivenciar afetos e emoções o

    impulsiona a praticar atos de violência e crueldade, como uma forma de busca

    25  MORANA. Identificação do ponto de corte para escala PCL-R (PsychopathyChecklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de doissubtipos da personalidade; transtorno global e parcial. p.70. 26 FERRAZ, Flávio Carvalho. A abordagem psicanalítica das tendências anti-social. In:COHEN, Claudio; SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho (org). Saúde mental,crime e justiça. 2 ed. São Paulo: Editora da USP, 2006. p. 18327 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica p.106.

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    incessante pela possibilidade de sentir e vivenciar algo que lhe dê verdadeiro

    prazer.

    Neste ínterim, encontra-se a sociedade que, ocupada em figurar no

    papel de vítima, deixa de perceber que também cabe a ela o papel de

    transformar os instintos anti-sociais do indivíduo em sociais, munindo-se dos

    sentimentos positivos que o ser humano é capaz de compartilhar, evidenciando

    a importância da família e dos vínculos afetivos, no período de formação da

    personalidade do indivíduo.28

     

    3. Do Tratamento e da Imputabilidade

    3.1 Tratamento

    Um fator preocupante, quando se trata de psicopatia, é o tratamento, a

    possibilidade de encontrar um meio que diminua ou cure o transtorno de

    personalidade anti-social.

    Não há, até o momento, qualquer tratamento que tenha sido eficaz,

    apresentando resultados consideráveis e atingindo a “cura” do transtorno de

    personalidade anti-social. Os estudos realizados, ao longo dos séculos,

    apontam para a ausência de cura desse transtorno, vez que não é consideradodoença e não é admitido por aqueles que o possuem.

    Alguns autores defendem a ideia de que os psicopatas não são

    tratáveis por qualquer tipo de terapia ou tratamento, porém, alguns estudos

    indicam que, após os 40 anos, a tendência é a diminuição da propensão de

    reincidência criminal.29

    Além da vulnerabilidade e da ineficácia dos tratamentos em

    psicopatas, há, também, o fator agravante no sentido de que, na maioria doscasos, há tentativa de manipulação, por parte do paciente.

    Muitas vezes, as sessões de psicoterapia desenvolvem habilidades no

    psicopata para a manipulação psicológica, eles não absorvem o tratamento,

    28 STEKEL, W. Atos impulsivos . Sao Paulo: Mestre Jou, 1968, pag. 457.29 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana C. Ragazzoni. Psicologia jurídica p.107.

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    mas o utilizam como oportunidade para conhecer métodos que os ajudem a

    aplicar essa manipulação nos outros. 30

    A punição, como tentativa de reabilitação e conscientização, não

    funciona com indivíduos portadores de personalidade psicopática, pois estes

    não estabelecem vínculos duradouros e não aprendem com a experiência,

    tendem à reincidência criminal e à apresentação de justificativa racional para

    seus atos, nunca os considerando ilícitos.

    Fiorelli e Mangini corroboram:

    Os indivíduos psicopatas possuem padrão intelectual médio ouaté elevado mas, paradoxalmente, não são influenciáveis pelasmedidas educacionais ou são insignificantemente modificáveispelos meios coercitivos ou de correção.31

     No entanto, inobstante as dificuldades apresentadas, há indícios de

    que um meio social estruturado, juntamente com o efetivo apoio dos familiares,

    pode contribuir para a contenção das manifestações e consequências do

    transtorno:

    É importante destacar que o acompanhamento familiar einstitucional, com orientação das pessoas, profissionais, ounão, que lidam com sujeitos com essas alterações graves dapersonalidade, é fundamental. Pode produzir mudanças

    significativas com relação à prevenção das conseqüências docomportamento.32

     Quando o transtorno já está confirmado e diagnosticado, a influência

    das ações da família é mínima, porém, se tal intervenção for praticada ainda na

    infância, quando manifestados os sinais de transtorno de conduta, são maiores

    as chances de melhora e de inibição da evolução do processo para o

    transtorno de personalidade anti-social na fase adulta.

    Essa observação destaca a necessidade do dispêndio na atenção da

    sociedade para essa patologia. Os pais que detêm o conhecimento acerca das

    características que envolvem o transtorno de conduta na infância, tornam-se

    30  MORANA. Identificação do ponto de corte para escala PCL-R (PsychopathyChecklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de doissubtipos da personalidade; transtorno global e parcial. p.69.31 PENTEADO, Conceição. Psicopatologia forense: breve estudo sobre o alienadoe a lei. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996. p. 44.32  MORANA. Identificação do ponto de corte para escala PCL-R (PsychopathyChecklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de doissubtipos da personalidade; transtorno global e parcial. p.70.

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    aptos a exercer a intervenção necessária para que, em ação conjunta com

    acompanhamento médico adequado, possam diminuir os reflexos desta

    conduta e, em uma remota, mas existente hipótese, eliminá-la.

    Por tal motivo, é imprescindível que os familiares e as pessoas de

    convívio próximo à criança não neguem ou ignorem a prática da conduta

    compatível a esse transtorno. Somente a percepção e intercessão precoce

    podem possibilitar chances de redução da progressão e melhoria dessa

    patologia.

    3.2 Imputabilidade

    Nem todos os psicopatas cometem ilícitos penais, muitos figuram

    apenas no exercício de condutas não aceitas pela sociedade, defrontando-se

    com a moral. Todavia, aqueles que chegam ao patamar criminal, possuem

    tratamento diferenciado pelo judiciário, por não serem considerados

    imputáveis. A imputabilidade para Damásio consiste:

    Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de algumacoisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condiçõespessoais que dão ao agente capacidade par a  lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível.33 

    Para Bittencourt:

    Imputabilidade é a capacidade ou aptidão para ser culpável,embora, convém destacar, não se confunda comresponsabilidade, que é o princípio segundo o qual oimputável deve responder por suas ações. 34

     As exceções no tocante à imputabilidade, ou seja, os classificados

    como inimputáveis, estão elencados no artigo 26, do Código Penal:

    Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou

    desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, aotempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz deentender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordocom esse entendimento.

    O que nos interessa, no entanto, é o disposto no parágrafo único do

    artigo, que traz a diminuição da culpabilidade, abrigando, dessa forma, os

    33 JESUS, Damásio E. Direito penal parte geral. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.469.34 Bittencourt, Cezar Roberto. Tratado de di reito penal: parte geral, 1. 164 ed. SãoPaulo: Saraiva, 2011. p. 408. 

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    indivíduos que estão entre o campo da doença mental e da normalidade,

    denominados como fronteiriços:

    Parágrafo único: A pena pode ser reduzida de um a doisterços, se o agente, em virtude de perturbação de saúdemental ou por desenvolvimento mental incompleto ouretardado não era inteiramente capaz de entender o caráterilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esseentendimento.

    As personalidades psicopáticas estão entre o limite da doença mental

    e da normalidade psíquica, pois, apesar de deterem o entendimento do caráter

    ilícito de seus atos, não são capazes de controlá-los, tornando-se semi-

    imputáveis, ou, com culpabilidade diminuída, enquadrando-se no parágrafo

    único do artigo 26 do Código Penal, e não no caput do mesmo.35

    Damásio conceitua este grupo: 

    [...] diminuição da capacidade de entendimento e de vontade –caso de redução da pena ou de aplicação da medida desegurança: [...] entre a imputabilidade e a inimputabilidadeexiste um estado intermédio com reflexos na culpabilidade e,por conseqüência, na responsabilidade do agente. Situam-senessa faixa os denominados [...] personalidadespsicopáticas.36 

    Os critérios existentes utilizados para a verificação da semi-imputabilidade do agente são o biológico, o psicológico e o biopsicológico.37 

    Atualmente, no Brasil, o sistema utilizado é o biopsicológico.

    O método biopsicológico é a reunião dos dois primeiros (biológico e

    psicológico), sendo que, neste, a responsabilidade somente é excluída, se o

    agente, em razão de enfermidade ou retardo mental, era, no momento da ação,

    incapaz de entender o processo ético-jurídico e de autodeterminação.38 

    Com base no sistema vicariante,39  depois de diagnosticado o

    transtorno e classificado o agente como semi-imputável, o juiz, primeiramente o

    35 PENTEADO, Conceição. Psicopatologia forense: breve estudo sobre o alienado ea lei. p. 47.36 Jesus, Damásio E. de, 1935 – Direito penal parte geral. p. 502.37 PENTEADO, Conceição. Psicopatologia forense: breve estudo sobre o alienado ea lei.p. 63.38 Bittencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, 1. p. 412.39  Na hipótese dos fronteiriços, isto é, de culpabilidade diminuída, é obrigatória, nocaso de condenação, a imposição de pena, reduzida, para, somente num segundomomento, se comprovadamente necessária, ser substituída por medida de segurança

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    condenará com a diminuição proporcional da pena, para, depois, sendo

    necessário, substituí-la por medida de segurança.

    Quando há a substituição da pena imputada pela medida de

    segurança nos casos envolvendo psicopatas, esta será realizada no Hospitalde Custódia e Tratamento Psiquiátrico, conforme determina o artigo 99 da lei nº

    7210, de 11 de Julho de 1984: O Hospital de Custódia e Tratamento

    Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26

    e seu parágrafo único do Código Penal.

    Ocorre que, em grande parte dos casos de ilícitos penais, os

    psicopatas são julgados e condenados como imputáveis, cumprindo pena no

    regime prisional comum, ignorando o fato de possuírem o transtorno de

    personalidade anti-social.

    Apesar de não haver tratamento eficaz para esses indivíduos, o grau

    de periculosidade torna inviável sua permanência nas penitenciárias comuns,

    visto que, tais sujeitos, não aprendem com seus erros, e encontram, em

    ambientes como estes, um campo a mais para sua perversa atuação,

    colocando os demais detentos em situação desfavorável e de risco.

    Morana ressalta:

    A taxa de reincidência criminal é ao redor três vezes maior paraos psicopatas do que para outros criminosos. Sendo que, paracrimes violentos, a taxa é de quatro vezes maior parapsicopatas quando comparados aos não psicopatas.40

    A maioria dos crimes cometidos por detentores da personalidade

    psicopática são acrescidos de extrema violência, incluindo multiplicidade de

    golpes, motivos torpes, crueldade na execução e falta de remorso. Essas

    características evidenciam a necessidade de uma medida específica.

    O tratamento especial e diferenciado consiste em adequar a medida

    coercitiva à capacidade de imputabilidade do agente, fazendo com que esta

    chegue o mais próximo possível de sua eficácia, o que é o caso da internação

    em hospital de custódia, que não só retira o psicopata do convívio em

    (princípio vicariante). (Bittencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: partegeral, 1. p. 420.) 40  MORANA. Identificação do ponto de corte para escala PCL-R (PsychopathyChecklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de doissubtipos da personalidade; transtorno global e parcial. p.06.

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    sociedade, como também, durante o período de internação, coibe o intento de

    prática de suas artimanhas, ação que não é possível em um estabelecimento

    penitenciário comum.

    Essa alusão entre as duas medidas gera controvérsias, conforme

    descrevem Fontana e Cohen:

    [...] observa-se, às vezes, um entendimento da sociedade deque a psicopatologia forense estaria protegendo o agente, aoconcluir que este é semi-inimputável ou inimputável e, assim,orientando a Justiça para a internação em casa de custódia eTratamento Psiquiátrico, ou de que o agente estaria sendobeneficiado por essa decisão visto que se “livraria” dapenalização. Entretanto, pensamos que, na prática, ocorra ocontrário, ou seja, maiores benefícios poderiam ser auferidospelo agente penalizado com a redução da pena por diferentes

    motivos, enquanto a internação compulsória em Casas deCustódia e Tratamento pode transformar-se em verdadeirareclusão “perpétua”.41

     

    Por fim, verifica-se que há uma medida diferenciada para os

    psicopatas, porém, nem sempre é utilizada, tendo em vista que, de acordo com

    o artigo 98 do Código Penal42, o acolhimento da aplicação é facultado ao juiz,

    podendo este acatar o diagnóstico de transtorno de personalidade anti-social,

    apresentado por perito capacitado, ou não.

    Considerações Finais

    A psicopatia é um transtorno de personalidade que, embora seja

    estudado desde os primórdios, permanece cercada de dúvidas e incertezas,

    representando um desafio para a psiquiatria forense e para o Direito.

    A perversidade e a frieza demonstradas por indivíduos acometidos

    dessa patologia chocam a grande massa da sociedade que, desprevenida,

    torna-se vitima diária de seus estratagemas.

    41 FONTANA-ROSA, Júlio César; COHEN, Claudio. Psicopatologia forense na esferapenal. In: COHEN, Claudio; SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho (org). Saúdemental, crime e just iça. 2 ed. São Paulo: Editora da USP, 2006. p. 117.42

      Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando ocondenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode sersubstituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a

    3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. 

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    Devido à falta de conhecimento acerca do assunto, é indispensável que

    o tema seja abordado em segmentos sociais, acadêmicos, jurídicos, etc. Só

    assim, esclarecer-se-ão alguns pontos obscuros que ainda estão “escondidos”

    na conduta do psicopata, nas questões concernentes à imputabilidade do

    portador desse transtorno, no tratamento disponibilizado pela psiquiatria e

    psicologia e sua eficácia, bem como nas relações familiares conflitantes com o

    portador de personalidade psicopática.

    Um dos fatores que mais desanimam a psiquiatria e a psicologia, em

    relação aos portadores de transtornos de personalidade anti-social, é o fato de

    não haver nenhum tratamento efetivo e reconhecido especificamente para esse

    estado, pois é comprovado que os psicopatas não estabelecem vínculos, não

    aprendem com a experiência e manipulam as pessoas.

    Indubitavelmente, faz-se mister assinalar que, o conhecimento

    disponível sobre a psicopatia e seus caminhos, na maioria das vezes

    imperceptíveis, constitui-se em limites tênues, sutis; o que necessita um

    entendimento mais aprofundado das áreas que operam diretamente com os

    indivíduos de personalidade psicopática.

    É imprescindível que o estudioso do Direito tenha conhecimentos na

    área da Psiquiatria Forense, pois só assim terá condições de poder avaliar se

    um diagnóstico é confiável ou se há necessidade de consultar outro

    profissional, e, assim, constatar se deve aplicar a medida de segurança.

    Devido à complexidade que a Psicologia e a Psiquiatria encontram em

    realizar um diagnóstico preciso e proporcionar um tratamento eficaz, e à

    dificuldade com que o Direito se depara nos casos em que a transgressão da

    lei é praticada por um psicopata, revela-se necessária a continuidade dos

    estudos concernentes à psicopatia, sob a ótica forense e psicológica, bemcomo a outras áreas do conhecimento humano que estejam diretamente

    ligadas ao tema proposto neste artigo.

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