Psicose Esquizofrenica e Intern Amen To Compulsivo

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PSICOSE ESQUIZOFRNICA E INTERNAMENTO COMPULSIVO Fernando Almeida, Ana Isabel Marques1*, Ana Sofia Castro**, Cristina Coelho**, Joo Palha***, Leonor Carneiro***, Magda Pereira***, Maria Francisca Rebocho**, Rui Madureira****, Snia Gonalves** & Vera Alves**

Fernando Almeida

PsiquiatraDoutorado pela Universidade do Porto (ICBAS)

Responsvel da Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense do Hospital de Magalhes Lemos; Director de Departamento e Professor de Psicologia do Instituto Superior da Maia (ISMAI); Presidente da Direco da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Psicologia da Justia

Correspondncia: Hospital de Magalhes Lemos - Rua do Professor lvaro Rodrigues 023 Porto; Fax: 226184084; e-mail: [email protected]

4149-

*Interna de especialidade de psiquiatria do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia **Psicloga ***Psiquiatra ****Estudante de Psicologia (FPCEUP).

1

RESUMO Os autores comeam por efectuar uma introduo na qual explicam a necessidade de os doentes que padecem de psicose esquizofrnica usufrurem de uma Lei que possibilite o seu internamento compulsivo. Explicitam alguns dos mais relevantes artigos da Lei 36/98 de 24/7 e, de seguida, apresentam uma investigao acerca dos doentes internados compulsivamente no Hospital de Magalhes Lemos, focando um pouco mais os doentes (e a sua evoluo) que padecem de psicose esquizofrnica, Alm disso, investigaram as percias que ocorreram entre 1991 e 2005 no Distrito Judicial do Porto, nomeadamente a criminalidade perpetrada por doentes

esquizofrnicos, na expectativa de que a Lei 36/98 de 24/7 tivesse contribudo para diminuir o total de doentes esquizofrnicos acusados de uma prtica criminal, em consequncia da qual os tribunais solicitaram percia mdico-legal.

Palavras-chave: Psicose esquizofrnica; Esquizofrenia; Internamento; Internamento compulsivo; Internamento involuntrio.

ABSTRACT The authors make an introduction about the need, namely for patients with a schizophrenic psychosis, of an Involuntary Internment Law. Clarifie some of the more relevant articles of the Law 36/98 of 24/7 and, after, present an investigation about compulsive internment, namely of schizophrenic patients of Magalhes Lemos Hospital. Furthermore, they researched the expert assessments conducted between 1991 and 2005 in the Judicial District of Oporto, namely the crimes perpetrated by schizophrenic patients, in expectation that Law 36/98 of 24/7 would had contributed in diminishing the total of schizophrenic patients accused of criminal acts, in which consequence the courts order expert assessments.

Key-words:

Schizophrenic

Psychosis;

Schizophrenia;

Internment;

Compulsive

Internment; Involuntary Internment.

2

INTRODUOOs doentes mentais graves, nomeadamente os que padecem de psicose esquizofrnica, apresentam, quando descompensados, problemtica comportamental muito superior que perpetram quando esto compensados. Pelo que o tratamento dos doentes deve ser adequadamente cumprido e bem monitorizado. Objectivo que, no raramente, apenas pode ser conseguido contra a vontade do sujeito. Coarctando a sua liberdade. E, se um dos conceitos fundamentais em volta do qual gravita a Psiquiatria o da Liberdade, no podemos ignorar que a insanidade se pode constituir no pior dos crceres. Porque a ltima pode libertar para uma mente delirante e alucinada, e um comportamento nscio e intolervel, inatingvel de outra forma que no pela loucura. Com consequncias que o doente, quando lcido e esclarecido, sofrer penosamente. Inmeros estudos tm sublinhado a relao entre doena mental grave e criminalidade violenta. Almeida (1998), Tiihonen (1993), Wallace (1998), em pases to diferentes como, respectivamente, Portugal, Finlndia, Austrlia, encontraram taxas de homicdio entre doentes esquizofrnicos seis a dez vezes maiores que na populao geral. Shaw et al.(2006) efectuaram uma pesquisa nacional de pessoas acusadas de homicdio, em Inglaterra e Pas de Gales, entre 1996-1999, e constaram que 34% dos homicidas tinham um transtorno psiquitrico, sofrendo 5% dos homicidas de esquizofrenia. Criminalidade que originada no apenas pelos efeitos psicopatolgicos da prpria psicose mas, tambm, pela comorbilidade psiquitica que os doentes apresentam, nomeadamente, abuso de substncias (Rasanen et al, 1999) e patologia da personalidade, sobretudo do tipo antisocial (Nolan et al, 1999; Moran, P.; Hodgins, S., 2004; Wallace et al, 2004; Swanson et al, 2006). A sofisticao cerebral do Homem permite-lhe saber que um Ser-para-a-doena, talvez um Ser-para-a-insanidade - um dos temores intemporais, e que sempre apoquentar o Homem, o medo de enlouquecer. Assim sendo, seria absurdo que o Homem, preventivamente, no se protegesse de si prprio, com medidas legislativas adequadas. Para, desde logo, tentar evitar ou minimizar danos que um estado de insanidade, provocado por uma anomalia psquica grave, nomeadamente uma psicose esquizofrnica, lhe possa determinar.

3

Compreende-se, consequentemente, que tenha sido implementado o Decreto-Lei 36 de 24 de Julho de 1998, o qual explicita que os internamentos compulsivos podem ser solicitados recorrendo ao contemplado no Art. 12.: 1- O portador de anomalia psquica grave que crie, por fora dela, uma situao de perigo para bens jurdicos, de relevante valor, prprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, E RECUSE SUBMETER-SE AO NECESSRIO TRATAMENTO MDICO pode ser internado em estabelecimento adequado. 2- Pode ainda se internado o portador de anomalia psquica grave que no possua o discernimento necessrio para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a ausncia de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado.

No seremos exaustivos na explicitao do articulado do referido Decreto-Lei. Todavia, referimos que, em situaes de urgncia, verificando-se os pressupostos do artigo 12., n. 1, e existindo perigo iminente para os bens jurdicos a referidos, nomeadamente por deteriorao aguda do seu estado (Art. 22.), as autoridades de polcia ou de sade pblica podem determinar, oficiosamente ou a requerimento, atravs de mandado2 (Art. 23.), que o portador de anomalia psquica seja conduzido ao estabelecimento com urgncia psiquitrica mais prximo do local em que se iniciou a conduo (Art. 24.), onde submetido a avaliao clnico-psiquitrica. O internamento pode ser substitudo por tratamento compulsivo em regime ambulatrio sempre que seja possvel manter esse tratamento em liberdade (Art. 33.), dependendo a substituio da aceitao expressa, por parte do internado, das condies fixadas pelo psiquiatra assistente para o regime ambulatrio. A substituio comunicada ao tribunal competente.3 O internamento compulsivo4 finda quando cessarem os pressupostos que lhe deram origem e a cessao ocorre por alta dada pelo director clnico do estabelecimento, fundamentada em relatrio de avaliao clnico-psiquitrica do servio de sade onde decorreu o internamento, ou por deciso judicial. A alta imediatamente comunicada ao tribunal competente (Art. 34.).Quando pela situao de perigo ou de urgncia na demora, no for possvel a emisso prvia de mandado, qualquer agente policial procede conduo imediata do internando. 3 Sempre que o portador de anomalia psquica deixe de cumprir as condies estabelecidas, o psiquiatra assistente comunica o incumprimento ao tribunal competente, retomando-se o internamento. Sempre que necessrio, o estabelecimento solicita ao tribunal competente a emisso de mandados de conduo a cumprir pelas foras policiais (Art. 33.). 4 Internamento compulsivo deve ser aqui entendida no sentido de tratamento compulsivo. 42

Desde a implementao da Lei 36/98 de 24/7 que tm vindo a ser internados compulsivamente, nas instituies psiquitricas de todo o pas, os doentes psiquitricos cuja condio de insanidade mental, e recusa de tratamento, o exige. Sabemos que a aplicao da Lei 36/98 de 24/7 tem evoludo com nmeros crescentes: desde 1999 513 (2.8%)5, 2000 618 (3.2%), 2001 874 (4,98%) que o nmero de doentes internados compulsivamente em Portugal tem sido crescente situando-se actualmente (2008) em cerca de 9-10% do total dos doentes psiquitricos internados (no existem dados oficiais mas este nmero est muito prximo, estamos certos, do que as estatsticas oficiais demonstraro).

CARACTERIZAO DO ESTUDO O presente estudo pretende identificar mltiplos aspectos relacionados com o internamento compulsivo, nomeadamente, a anomalia psquica grave de que padecem, os artigos da Lei luz dos quais foram internados, eventual tratamento psiquitrico prvio, as alteraes comportamentais perpetradas, as alteraes psicopatolgicas apresentadas, o tempo de internamento exigido, os reinternamentos verificados, o espao temporal entre a alta e eventual reinternamento, a medicao instituda e tipo de administrao da medicao, etc.

PROCEDIMENTO De modo a conseguir apurar os dados que nos propusemos obter efectuamos: 1. Anlise de dados estatsticos relativos ao internamento compulsivo no Hospital de Magalhes Lemos (HML) desde 1999 a 2007. 2. Apresentao de alguns dados relativos aos doentes internados compulsivamente, em 2007, no HML. 3. Estudo dos Processos Clnicos dos doentes internados compulsivamente no HML em 2002. 4. Estudo do percurso clnico dos doentes referidos no ponto 3 at 31 de Agosto de 2006.

5

Percentagem do total de internamentos psiquitricos em Portugal. 5

5. Investigao das percias mdico-legais existentes no Instituto Nacional de Medicina Legal (Delegao do Porto) relativas ao Distrito Judicial do Porto e aos anos de 19912005.6

RESULTADOS O nmero e a percentagem de internamentos compulsivos no HML tm vindo a crescer progressivamente (Quadro I). Quadro I

INTERNAMENTOS COMPULSIVOS H. M. LEMOSANO Int.Volunt. Int.Comp. Int.Total %Int.C. 1999 1.480 23 1.503 1.5% 2000 1.420 19 1.439 1.3% 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 1.555 2.502 2.725 3.018 2.841 2.865 2.897

34 67 79 89 93 167 225

1.589 2.569 2.804 3.107 2.934 3.032 3.122

2.1% 2.6% 2.8% 2.8% 3.1% 5.5% 7.2%

A evoluo mais recente, em 2006 (5.5%) e 2007 (7.2%), deve-se, parcialmente, ao facto de, a partir de Abril de 2006, a Urgncia metropolitana do Porto se situar apenas no H. S. Joo. Desde ento, uma vez atendidos no HSJ, os doentes a internar so predominantemente encaminhados para o HML. Inclusive, doentes de todo o Norte de Portugal (alguns, poucos, so da regio centro e sul do pas). Alis, dos 225 doentes internados compulsivamente, em 2007, no HML, 87 (38.6%) eram doentes de outra rea assistencial, que no a estritamente do HML (Grfico I). Esta reorganizao assistencial do servio de urgncia de psiquiatria na rea metropolitana do Porto explica, parcialmente, o acrscimo de doentes internados compulsivamente no HML. A outra principal razo radica no maior conhecimento daEsta investigao foi possvel graas ao apoio do Instituto Nacional de Medicina Legal, muito particularmente da directora da Delegao do Porto, Professora Doutora Teresa Magalhes. 66

Lei pelos agentes envolvidos (incluindo a famlia dos doentes) e o consequente maior recurso ao internamento compulsivo.

Grfico IDoentes compulsivos de outros hospitais - 2007

25 20 15 N. doentes 10 5 Vila Nova de Gaia Curry Cabral HSJ HAmarante Portalegre HValongo Viana do Castelo Vale do Sousa Vila Real Braga 0

Hospitais

Quando comparamos estes valores com os do Hospital Jlio de Matos (HJM), constatamos que no HJM a percentagem de internamentos compulsivos bem mais significativa (Quadro II). Quadro II7

H.J.M. InternamentosAno 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Out total int comp 94 91 163 143 214 201 225 296 268 1695 masc 67 70 117 103 158 144 150 193 168 1170 fem 27 21 46 40 56 57 75 103 100 525 total int 1700 1784 1703 1809 2146 2082 2191 2186 1751 17352 % 5,53 5,10 9,57 7,90 9,97 9,65 10,27 13,54 15,31 9,77

Quadro apresentado pelo Dr. Manuel Cruz, psiquiatra do HJM, no I Congresso Internacional da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Psicologia da Justia, o qual decorreu no Porto, em 22 e 23 de Novembro de 2007. 7

7

Curiosamente, para o mesmo ano (2001), a percentagem de internamentos compulsivos no HJM chega a ser 4.5 vezes superior do HML. Em 2007, essa percentagem mantinha-se ainda bem mais elevada que no HML, aproximadamente dupla. Num pas to pequeno, e com a mesma legislao, e para uma populao relativamente homognea, uma diferena to significativa resulta, a priori, sobretudo, da diferente prtica dos diferentes agentes envolvidos, nomeadamente, mdicos psiquiatras e magistrados. Deduz-se, dos nmeros apresentados, que os doentes do HJM tenham, em mdia, alta do internamento compulsivo muito mais precocemente que os doentes do HML (com consequente mais rpida descompensao e reentrada em novo internamento compulsivo). Os doentes internados compulsivamente em 2007 so, predominantemente, solteiros (Grfico II)8, como seria expectvel. Esto distribudos por todas as faixas etrias com ligeiro predomnio na terceira e quinta dcadas de vida (Grfico III), e com um nvel de escolaridade relativamente modesto embora 11 (6.4%) sujeitos tivessem uma licenciatura ou frequncia do ensino superior. Os dados relativos ao estado civil, faixa etria e nvel de escolaridade9 so semelhantes em diferentes anos, embora nos ltimos anos se comece a constatar uma maior escolaridade dos doentes. Grfico IIEstado Civil - 2007

4%2% 15% solteiros casados 57% separ./div. vivos sem inf.

22%

Tivemos a preocupao de complementar os dados relativos aos doentes compulsivos de diferentes amostras evitando, sempre que possvel, repetir dados em uma e outra amostra. 9 Os dados relativos a estes trs tens, e ao diagnstico data da alta dos doentes compulsivos de 2007, foram apurados em 173 dos 225 doentes. 8

8

Grfico III

Compulsivos - Idade - 200745 40 35 30 25 20 15 10 5 0 60 A

Srie1

Os diagnsticos atribudos durante a admisso, no HML, dos 225 doentes internados compulsivamente (Grfico IV) revela um predomnio dos doentes que padecem de esquizofrenia mas, tambm, uma atitude cautelosa dos psiquiatras,10 os quais subscrevem o diagnstico entrada no HML de 799.9 - doena no diagnosticada, no especificada, ou seja, doena em estudo. Estes doentes em estudo so, predominantemente, doentes psicticos. Alis, os diagnsticos data da alta hospitalar relativos a 2007 revelam exactamente isso (Grfico V).Grfico IVDiagnsticos entrada no HML - 2007Psicose esquizofrnica Psicose afectiva

4% 8%

11% 34%

Doena no especificada (em estudo) Psicose Paranide

31%

12%

Outras Psicoses Outros Diagnsticos

Os psiquiatras responsveis pelos diagnsticos dos doentes entrada no HML tm, todos, largos anos de experincia profissional. 9

10

Grfico V

Diagnstico data da alta - 2007

20%

Psicose Esquizofrnica 53% 27% Outras Psicoses Outros Diagnsticos

No que concerne s Avaliaes Clnico-Psiquitricas efectuadas, no HML, no mbito do Art. 17., estas revelam um pico em 2003/2004 e nmeros inferiores desde ento: 1999 2, 2000 17, 2001 12, 2002 38, 2003 48, 2004 50, 2005 - 31, 2006 - 21, 2007 34. Apesar do nmero de internamentos compulsivos ser cada vez maior, como pudemos constatar, esta evoluo compreensvel na medida em que os internamentos compulsivos so operados sobretudo, e cada vez mais, no mbito do Art. 22. e seguintes da Lei 36/98 de 24/7 (internamento de urgncia). E, verificado o internamento compulsivo atravs do internamento de urgncia, deixa de ser necessria a avaliao clnico-psiquitrica no mbito do artigo 17..

Uma outra componente do nosso trabalho consistiu em estudar o percurso dos doentes internados compulsivamente, nomeadamente, no que concerne evoluo e reinternamento desses doentes nos anos posteriores. Escolhemos os doentes internados compulsivamente no ano de 2002 porque, nesse ano, havia j uma razovel experincia de trabalho com a Lei 36/98 e, por outro lado, poderamos seguir a evoluo dos doentes nos anos subsequentes. No ano de 2002 ocorreram 67 internamentos compulsivos, relativos a 65 doentes: 46 do sexo masculino e 19 do sexo feminino. Estes doentes foram internados compulsivamente no mbito do artigo 13. (5), do artigo 17. (3) e do artigo 22. (57). Ou seja, j ento se verificava algo que se mantm: os internamentos compulsivos so, quase todos, internamentos operados em situaes de urgncia.

10

Quarenta e cinco doentes (69%) tinham antecedentes de tratamento psiquitrico, 2 h menos de 1 ano, 2 entre 1-2 anos, 8 entre 2-5 anos, 26 h mais de 5 anos, e 7 h tempo no especificado. Dezasseis doentes (24%) no tinham antecedentes de tratamento psiquitrico e 4 (6%) no especificaram este item. Previamente ao internamento compulsivo tinham medicao psiquitrica prescrita 41 doentes, dos quais 7 mantinham a toma da medicao e 34 no (Quadro III). Quando procuramos saber h quanto tempo estes 34 doentes abandonaram a toma da medicao, 3 doentes afirmavam que o tinham feito h menos de 15 dias, 3 entre 15 dias e 1 ms, 6 entre 1-2 meses, 3 entre 2-3 meses, 5 entre 3-6 meses, 0 entre 6-12 meses e 4 h mais de um ano. Trinta e quatro doentes tinham internamentos psiquitricos prvios e cinco doentes antecedentes de internamento compulsivo prvio.

Quadro III

PREVIAMENTE AO INTERNAMENTO COMPULSIVOPrescrita medicao psiquitrica: Sim: 41 Mantinha a toma da medicao Sim : 7 No: 34 H quanto tempo abandonou a toma da medicao? H menos de 15 dias: 3 Entre 15 dias e 1 ms: 3 Entre 1-2 meses: 6 1Entre 2-3 meses: 3 2Entre 3-6 meses: 5 3Entre 6-12 meses: 0 6H mais de um ano: 4 No especificado: 10

Relativamente durao do internamento hospitalar, constatamos que a maioria dos doentes (68,6%) no transferidos (51) est internada entre trs semanas e trs meses (Quadro IV):

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Quadro IV

DURAO DO INTERNAMENTO HOSPITALARAt 1 semana: 2 Entre 1-2 semanas: 3 1Entre 2-3 semanas: 1 2Entre 3 semanas-1 ms: 8 semanasEntre 1-2 meses: 16 1Entre 2-3 meses: 11 2Entre 3-4 meses: 4 3Entre 4 meses e 1 ano: 6 Mais de 1 ano: 0 Transferidos: 1416 14 12 10 8 6 4 2 0 N Doentes At 1 sem. 1-2 sem. 2-3 sem. 3sem-1ms 1-2 meses 2-3 meses 3-4 meses 4meses-1ano Mais de 1 ano

Os doentes internados compulsivamente em 2007, e no transferidos, tinham um perodo mdio de internamento de 41 dias, o que se enquadra no perodo mdio de internamento relativo a 2002. data da alta do internamento hospitalar (em 2002), 47 doentes foram encaminhados para internamento ambulatrio compulsivo, 6 tiveram alta do internamento compulsivo, no estando especificado o encaminhamento em 14. Relativamente ao diagnstico sada do internamento hospitalar, em 200211, constatamos (Quadro V) que os doentes psicticos corresponderam a 76% dos doentes internados compulsivamente no ano 2002, 58% dos quais eram doentes com esquizofrenia. Quase cinquenta e quatro por cento dos doentes apresentavam quadros de comorbilidade psiquitrica, nmero no surpreendente se atentarmos que muitos destes doentes so particularmente problemticos. Dos onze doentes no psicticos internados compulsivamente em 2002, nove apresentavam comorbilidade psiquitrica,

nomeadamente, grave perturbao da personalidade e alcoolismo. Acentue-se, todavia, que a tendncia geral a de no internar os doentes compulsivamente quando padecem de perturbao da personalidade e/ou alcoolismo, ainda que exibam alteraes comportamentais graves. O facto de apenas um toxicodependente integrar este grupo,

11

A classificao diagnstica orienta-se pela CID 9, vigente a esta data, e ainda hoje, no HML. 12

insere-se na mesma orientao de no considerar a toxicodependncia uma anomalia psquica grave susceptvel de determinar internamento compulsivo.12 Quadro V13

DIAGNSTICO SADA DO DIAGN SA INTERNAMENTO HOSPITALAR290: 1 (1.5%) Comorbilidade: 1 (290+303) Comorbilidade: 295: 38 (58%) Comorbilidade: 19 Comorbilidade: 295 + 303: 5 295 + 304: 12 295 + 304 + 303: 1 290+295+296+297+298=50 (76%) 295+301: 1 296: 3 (4.6%) Comorbilidade: 2 Comorbilidade Psiquitrica: 35 (53,8%) Comorbilidade: Psiqui 1 (296+301.5) 1 (296+304) 297: 6 (9%) Comorbilidade: 1 (297 + 310.8) Comorbilidade: 298: 2 (3%) Comorbilidade: 2 (298+304) Comorbilidade: 301: 5 Comorbilidade: 4 (301+303) Comorbilidade: 303: 5 Comorbilidade: 5 (303+310; 303+301; 303+317; 303+304; 303+317+345.9) Comorbilidade:

304: 1 318: 1 Comorbilidade: 1 (318+303+296) Comorbilidade:

799: 3

A

esmagadora

prevalncia

dos

quadros

psicticos,

entre

os

internados

compulsivamente, mantm-se, actualmente, como se pode constatar no Grfico V, relativo ao diagnstico data da alta do internamento hospitalar, em 2007. Quando procuramos saber, relativamente aos doentes internados compulsivamente em 2002, h quanto tempo andavam os doentes descompensados, conseguimos apurar dados relativamente a 45 doentes: 3 andavam descompensados h menos de 1 semana, 10 entre 1 semana e 1 ms, 9 entre 1-2 meses, 7 entre 2-4 meses, 1 entre 4-6 meses, 3 entre 6 meses e 1 ano, 12 h mais de 1 ano, no sendo possvel especificar h quanto tempo se mantinham descompensados 20 doentes. Salientamos que 12 doentes andavam descompensados h mais de um ano, o que pode traduzir aspectos to diversificados como uma notvel capacidade de sofrimento dos familiares e/ou negligncia, insensatez,De um modo geral os psiquiatras consideram, para efeitos da Lei 36/98, anomalia psquica grave quando esta, independentemente da vontade e comportamento do sujeito, lhe retira a capacidade de avaliar a ilicitude de um comportamento ou a capacidade de se determinar de acordo com essa avaliao. 13 290 - Psicoses orgnicas senis e pr-senis; 295 Psicoses esquizofrnicas; 296 Psicoses afectivas; 297 Psicoses delirantes (psicoses paranides); 298 Outras psicoses no orgnicas; 301 Personalidades anormais; 303 Sndrome de dependncia alcolica; 304- Farmacodependncia (inclui dependncia de drogas); 318 Atraso mental mdio (QI 35-49); 799.9 Doena no diagnosticada, no especificada (doena em estudo). 1312

ignorncia, etc., desses familiares, mas tambm o isolamento a que no raramente estes doentes esto votados. Em qualquer caso, demasiado tempo para um doente psictico andar descompensado e sem tratamento. De facto, a sintomatologia que apresentavam estes doentes muito grave, como se explicita no quadro VI. Quatro dos doentes apresentavam sria ideao suicida e um grave ideao homicida. Todos os doentes apresentavam alteraes de comportamento e quase 90% no tinham conscincia mrbida (82% dos doentes apresentavam ideao delirante e 35,8% actividade alucinatria). Cinquenta e dois doentes apresentaram agressividade, 41 dos quais agressividade fsica e verbal dirigida a pessoas, sobretudo a familiares (33), habitualmente muito prximos: pais, irmos, cnjuge, filhos. Dos 65 doentes, 14 foram transferidos (2 outros seriam transferidos posteriormente) e em 2 no foi possvel apurar com rigor a medicao instituda data da alta. Dos 49 doentes medicados com antipsicticos data da alta, 27 estavam medicados com antipsicticos tpicos, 10 com antipsicticos atpicos, 12 com antipsicticos tpicos e atpicos. Quanto via de administrao da medicao, em 19 era a V.O., em 5 a via I.M. (Depot) e em 25 a via V.O. + I.M. (Depot). Assinalamos que, em 2002, ainda no estava comercializado em Portugal qualquer antipsictico atpico depot, nomeadamente o Risperdal consta. Quadro VI

SINTOMAS DATA DO INTERNAMENTO COMPULSIVOIdeao delirante: 55Persecutria: 44 Mstica: 9 Megalmana: 6 Cime: 2

Actividade alucinatria: 24 Alteraes do comportamento: 67 Ideao suicida: 4 Ideao homicida: 1 Sem conscincia mrbida: 60 Alteraes graves do humor: 7Depressivo: 2 Expansivo: 5

Agressividade particularmente marcada e que dificultou a avaliao: avaliao: 3 Sinais/sintomas de intoxicao alcolica aguda: 8 Sinais/sintomas de intoxicao com substncias ilcitas: 5

Dos 65 doentes, 18 foram transferidos. Dos 47 restantes, foram reinternados, at 30.06.2006, 25 doentes (53.2%) num total de 53 reinternamentos: 6 reinternamentos14

(12.8%) ocorreram no prazo de um ms aps a alta e, nos seis e doze meses subsequentes, ocorreram 43% e 68% dos reinternamentos. At 31/8/06, dois doentes tinham mantido sempre o internamento compulsivo. Entre os doentes reinternados, 18 (72%) dos 25 doentes padecem de psicose esquizofrnica (58% na amostra global). A comorbilidade psiquitrica dos doentes reinternados (68%) superior prevalecente na amostra global (53,8%), o que confirma os pressupostos tericos, e se consubstancia, predominantemente, no concomitante consumo de substncias. Verifica-se, tambm, que os doentes reinternados (25) so predominantemente solteiros (15) e divorciados (7), dado que os casados (2) e os vivos (1) so minoritrios, mais ainda do que os doentes da amostra global (65), de entre os quais existiam 20% de sujeitos casados (13).

Efectuamos, ainda, uma trabalhosa pesquisa no Instituto Nacional de Medicina Legal (Delegao do Porto), a qual consistiu na reviso de milhares de percias mdico-legais efectuadas no Distrito Judicial do Porto, arquivadas no INML, e relativas aos anos de 1991 a 2005. O pressuposto terico era o de que seria expectvel que a Lei 36/98, ao possibilitar uma mais clere e efectiva interveno, aquando da descompensao dos doentes psicticos, pudesse contribuir para a preveno da criminalidade dos doentes psicticos, nomeadamente dos doentes que padecem de psicose esquizofrnica. A ser assim, seria expectvel que o nmero de percias psiquitricas, efectuadas a doentes esquizofrnicos que cometeram crimes, fosse, em mdia, menor, aps a implementao da Lei 36/98 de 24/7. Sendo certo que a quase totalidade dos doentes que padecem de psicose esquizofrnica, quando cometem crimes, submetida a percia psiquitrica forense, seria expectvel que o nmero destas percias diminusse a partir de 2001, inclusive, ano em que j se verificava uma razovel implementao da Lei 36/98 de 24/7. Porque seria dedutvel, em funo do que at agora expressamos, que a implementao da Lei 36/98 de 24/7 contribusse para a diminuio desta criminalidade que, sabemo-lo, frequentemente violenta. Numa primeira anlise, separamos os doentes em dois grupos: 1991-2000 e 2001-2004. Constatamos que, em mdia, foram considerados inimputveis 30,1 doentes que padecem de psicose esquizofrnica, entre 1991 e 2000 contra 27,5 nos anos de 20012004. Numa anlise precipitada diramos que a Lei 36/98 de 24/7 estava a ser eficaz porque, ao tratar atempadamente os doentes, prevenia que eles cometessem crimes e, consequentemente, fossem considerados inimputveis.15

Uma anlise mais ampla, porm, e incluindo o ano de 2005, permitiu constatar que, para uma mdia de 30,1 indivduos considerados inimputveis nos anos de 19912000, nos anos de 2001-2005 essa mdia tinha subido para 31.0! E, ainda mais significativamente, nos anos de 1996-2000 foram declarados inimputveis, em mdia, 28.8 indivduos, contra 31,0 nos anos de 2001-2005! Ou seja, tudo se passa como se a Lei 36/98 no estivesse a ser eficaz na preveno da criminalidade dos doentes esquizofrnicos. Pensamos, todavia, ser ainda muito cedo para chegarmos a concluses definitivas embora os dados preliminares nos devam alertar para a necessidade de sermos (mdicos psiquiatras, psiclogos, delegados de sade pblica, magistrados, assistentes sociais, nomeadamente) mais vigilantes e pragmticos no que concerne a esta problemtica.

DISCUSSO DOS RESULTADOS 1. O internamento compulsivo de doentes com anomalia psquica grave luz da Lei 36/98 tende a ocorrer sobretudo ao abrigo dos Art. 22. e seguintes (internamento de urgncia). 2. O conceito de anomalia grave incide, sobretudo, em doentes com quadros psicticos. 3. Os doentes que padecem de psicose esquizofrnica compreendem mais de metade dos doentes internados compulsivamente. 4. Os doentes no psicticos apresentavam, quase todos, graves quadros de comorbilidade psiquitrica (alguns com sintomatologia psictica txica data de entrada no hospital). 5. Alteraes comportamentais, maioritariamente graves, estavam presentes em todos os doentes. 6. Actividade delirante e/ou alucinatria estava presente em nmero muito substancial de doentes. 7. Cinco doentes apresentavam ideao auto (4) e heteroagressiva (1) sria. 8. Uma percentagem elevada de doentes foi reinternada e, entre estes, quase metade foi reinternada nos primeiros seis meses aps o primeiro internamento. 9. Entre os doentes reinternados estava ainda mais representada a psicose esquizofrnica, nomeadamente doentes com comorbilidade psiquitrica (psicose esquizofrnica e abuso de substncias).16

10. Existe heterogeneidade relativamente percentagem de internamentos compulsivos entre diferentes instituies. 11. No se tem verificado uma diminuio substancial do nmero de doentes esquizofrnicos que tm sido objecto de percias psiquitricas em consequncia de crimes perpetrados.

CONCLUSO 1) O internamento compulsivo revela-se um instrumento fundamental na compensao de doentes com anomalia psquica grave, nomeadamente dos doentes que padecem de psicose esquizofrnica. 2) A interveno luz da Lei 36/98 de 24/7 possibilitou a interrupo de alteraes comportamentais graves. 3) Tudo indica que o accionar da Lei 36/98 de 24/7 impediu, em alguns doentes, comportamentos graves atentatrios da sua vida e da de outrem. 4) necessrio implementar atitudes teraputicas, integradas no mbito da implementao da Lei 36/98, que previnam mais eficazmente a descompensao dos doentes. 5) Aparentemente, tudo indica que a implementao da Lei 36/98 de 24/7 ainda no se repercutiu de uma forma estatisticamente relevante na preveno da criminalidade dos doentes esquizofrnicos. 6) Justifica-se efectuar um estudo mais amplo, preferencialmente de mbito nacional, que permita entender as razes que subjazem s discrepncias verificadas entre diferentes instituies, no que concerne s percentagens to diferentes de doentes internados compulsivamente.

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