Quais Os Requisitos Para Que Uma Terapia Seja Considerada Comportamental (1)

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Quais Os Requisitos Para Que Uma Terapia Seja Considerada Comportamental (1)

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Quais os requisitos para que uma terapia seja considerada comportamental?

Snia Beatriz MeyerPublicado em: 06/02/2003

[email protected] realizada em 1995, do texto apresentado no IV Encontro Paranaense de Psicologia em 1990.Ser que a atividade profissional exercida por aqueles que se consideram terapeutas comportamentais pode realmente ser considerada comportamental? Por que? O que caracteriza, hoje em dia, a psicologia comportamental?Nos meus primeiros atendimentos clnicos minhas atividades eram coerentes com os trabalhos de anlise comportamental aplicada, que era um modelo que tnhamos na poca. Estabelecia objetivos, baseados em anlises funcionais, elaborava programas de treino com critrios para considerar os comportamentos adquiridos, registrava. S no tinha a preocupao em garantir controle experimental. No decorrer dos atendimentos cada vez menos programei e registrei. Aconteciam coisas durante as sesses que me pareciam relevantes demais para no serem trabalhadas naquele momento, e isto, evidentemente, interferia com a programao. Passei ento a analisar a posteriori o que eu havia feito, isto , relacionar minhas prticas com os princpios de comportamento e com as afirmaes do behaviorismo skinneriano. Esta no era uma prtica fcil, as interaes que ocorriam eram complexas demais para se fazer esta anlise com facilidade. Decidi naquela poca deixar meu comportamento como terapeuta ser modelado pelas contingncias da interao teraputica. Como minha formao era basicamente comportamental, sabia que o que eu fazia no estava em desacordo com ela. Aos poucos fui formalizando minhas reflexes, e este texto apresenta algumas das concluses sobre a relao da prtica teraputica com a anlise comportamental.Comment by Augusto: Primeiro momento: Decidiu mudar.Comment by Augusto: Definiu em geral o que fez para mudarEsta uma tarefa necessria, pois a ausncia de um entendimento terico das prticas teraputicas pode gerar confuso. O entendimento terico, pelo contrrio, pode contribuir para o avano da terapia comportamental, da cincia do comportamento e para a formao de outros terapeutas comportamentais.E o que anlise do comportamento, abordagem comportamental ou behaviorista? No existe uma definio nica, existem quatro nveis de anlise, que em conjunto formam um paradigma (Hayes, 1978). O paradigma que analisarei o chamado behaviorismo radical, termo utilizado por Skinner para se referir s suas posies (Skinner, 1974). Os quatro nveis de anlise envolvidos so o tecnolgico, o metodolgico, o conceitual e o filosfico.1. No nvel tecnolgico, temos um conjunto de tcnicas derivadas de pesquisas realizadas. Em geral so manipulaes diretas de eventos antecedentes e consequentes, por exemplo o uso de um sistema de pontos, procedimento de time out, reforamento ou extino sensorial ou social, programas de treino de habilidades especficas. Tcnicas teraputicas incluem dessensibilizao sistemtica, treino assertivo, entre outras.Comment by Augusto: Tcnicas so derivadas de pesquisas realizdasH ocasies em que aplico alguma tcnica comportamental, mas mais frequentemente utilizo-as como fonte de sugestes, aplicando-as de forma assistemtica. Mas a utilizao de tcnicas comportamentais, desvinculadas dos outros nveis de anlise, no serve de critrio para a caracterizao de uma terapia como comportamental. Bons terapeutas podem usar estas tcnicas, e outros bons terapeutas no as utilizar ou utiliz-las sem se dar conta disto. A gama de tcnicas que tenho utilizado grande, incluindo atividades pouco convencionais dentro da abordagem comportamental, como anlise de sonhos. O elemento comum a todas, que esto baseadas numa anlise funcional e esto sob controle do comportamento do cliente e no de demonstraes de sua eficcia.2. No nvel metodolgico, o trabalho original da anlise comportamental aplicada quase totalmente orientado para pesquisa. Baseia-se principalmente em delineamentos experimentais com sujeito nico, medidas repetidas, observao direta e anlise de grficos.Ser que metodologicamente a experimentao, ou pelo menos o isolamento de variveis, caracterstica definidora da abordagem comportamental? H pessoas na nossa comunidade que responderiam afirmativamente a esta questo, dizendo talvez que este um ideal a ser atingido nos trabalhos de aplicao. importante que clnicos e outros psiclogos faam pesquisas sobre sua atuao e/ou paralelamente sua atuao. Afinal, a formao de conhecimento cientfico um dos compromissos da abordagem, que muitas vezes chamada de "experimental". Entretanto, concordo com a colocao mais geral de Freitas (1985) de que a tarefa central da anlise do comportamento ou da cincia do comportamento a de especificar as variveis independentes das quais o comportamento tenha probabilidade de ser funo. relevante tambm a colocao de Fulton (1982) de que a anlise de contingncias parte integrante da nica contribuio que a cincia do comportamento pode fazer tanto no empreendimento ligado bsica como aplicada: um problema social significante reflete uma relao entre certos comportamentos e eventos ambientais. Uma interveno bem sucedida implica no apenas em usar uma tcnica, mas, tambm, em corretas decises sobre ocasies apropriadas para seu uso e acurada interpretao de seus efeitos. Separar as tcnicas da anlise que acompanhou seu desenvolvimento pode conduzir a usos diferentes dessa tcnica, interpretaes diferentes sobre os efeitos, e a concluses falsas sobre o valor do enfoque comportamental (Fulton, 1982). A questo do papel da experimentao na definio da abordagem comportamental respondida tambm por Todorov (1982): "Muito do progresso obtido pela anlise do comportamento deve-se a anlises funcionais no-experimentais. Seguramente, mais da metade dos escritos de Skinner referem-se a anlises funcionais no-experimentais, isto , identificao (ou tentativa) de variveis dependentes e independentes e de processos de interao em exemplos de comportamento humano."Seguir uma programao, registrar, pesquisar so ento requisitos para que uma terapia seja comportamental? No devemos nem afirmar que estas atividades so irrelevantes na nossa atuao diria, nem que so necessrias. Devemos estudar quando sua utilizao apropriada e quando ela no . Se sua utilizao nos tornar insensveis s contingncias atuantes na situao, ser inadequada. Se, no entanto, ela nos der condies de enxergar com maior clareza que processos comportamentais esto ocorrendo, e de obter resultados mais consistentes, ento poder ser uma grande contribuio.Portanto, o aspecto metodolgico bsico da anlise comportamental a anlise funcional, e este aspecto condio necessria para que um trabalho seja considerado comportamental. Psiclogos comportamentais tm apresentado uma variedade de comportamentos que podem ser englobados por este termo. Possivelmente so comportamentos modelados pelas contingncias da situao de trabalho, e deveriam ser descritos para que possamos ampliar e organizar nossas prticas analticas.3. No nvel conceitual, o analista do comportamento deve conhecer e aplicar os princpios bsicos do comportamento. Alm disto, deve tentar relacionar os seus procedimentos com estes princpios. Reforamento, punio, extino, controle de estmulo, generalizao, esquemas de reforamento, contraste comportamental, equivalncia de estmulos, controle por regras verbais, so alguns dos conceitos da abordagem. O que tem ocorrido a nvel conceitual o contrrio do ocorrido nos nveis tecnolgico e metodolgico, isto , pouca nfase tem sido dada relao daquilo que os psiclogos fazem com os conceitos gerais da cincia do comportamento. A tentativa de entender quais os princpios bsicos do comportamento desejvel e possvel. desejvel pois conceitos cientficos podem fornecer a estrutura necessria para se ordenar e desenvolver as nossas prticas. Por exemplo porque consideramos til perguntar a um cliente o que ele sentiu em uma dada situao ou o que ele pensou? Como que isto pode ser entendido comportamentalmente? Ou quando analisamos sonhos, intuies? Enfim, porque qualquer tcnica bem sucedida funcionou? Que processo ou processos comportamentais podem ter ocorrido? possvel ao psiclogo comportamental tentar entender que princpios de comportamento esto envolvidos em seu trabalho. H, entretanto, trs consideraes a fazer. A primeira, que esta anlise no deve se dar durante o atendimento. Se o psiclogo estiver preocupado com esta enquanto interage com o cliente, pode deixar de estar sensvel s contingncias presentes naquele momento do processo teraputico. Esta deve ser uma reflexo posterior, que, com a prtica pode at ocorrer de forma concomitante. A segunda considerao que um relato de caso para colegas ou para a comunidade cientfica deveria ser feito de forma descritiva, e s numa anlise posterior seriam usados termos e conceitos tcnicos. Isto , em vez de se dizer que quando o cliente disse X o terapeuta reforou sua verbalizao, mais correto dizer que quando o cliente disse X o terapeuta disse Y, o que provavelmente foi reforador. Desta forma fica mais fcil rever possveis erros de interpretao. A terceira considerao quanto possibilidade de sucesso nesta tarefa. Pode ser que no consigamos relacionar todas nossas prticas com os princpios de comportamento. Mesmo que isto acontea, ainda assim ela til. S a poderamos afirmar que faltam conceitos dentro da abordagem, (ou que nos faltam conhecimentos), o que levaria ou a novas pesquisas ou busca de outros modelos conceituais.Conforme Hayes (1978), a metodologia e as tcnicas formam as paredes e teto do nosso campo, mas eles no podem permanecer firmes por longo tempo sem a firme fundao do interesse filosfico e conceitual.4. No nvel filosfico, um resumo das principais propostas do behaviorismo radical foi apresentado por Freitas (1985):1- O comportamento dos organismos ordenado, passvel de ser estudado cientificamente na mesma forma das cincias naturais. A cincia do comportamento tem "status" prprio e independente da fisiologia.2- A relao entre o comportamento dos organismos e seu meio ambiente deve ser estudada diretamente, sem a postulao de eventos mentais, conceituais ou fisiolgicos de efeito mediador entre as variveis independentes e a varivel dependente.3- Os acontecimentos do mundo privado dentro da pele so levados em considerao, como mais comportamento a ser estudado. No se nega a possibilidade de auto-observao ou do auto-conhecimento, ou ainda sua possvel utilidade. Questiona-se sua natureza e sua acessibilidade.4- O que sentido ou introspectivamente observado no nenhum mundo imaterial da conscincia ou vida mental, mas o prprio corpo do observador. So produtos colaterais da histria gentica e ambiental da pessoa.5- O que sentido ou introspectivamente observado no a causa do comportamento. Essas residem fora do organismo e afetam a sua probabilidade de ocorrncia. O ambiente determina o comportamento pelo menos em trs formas: a) atravs de sua ao seletiva durante a evoluo da espcie; b) seu efeito na modelagem e manuteno do repertrio comportamental que converte cada membro da espcie em uma pessoa; e c) seu papel como estabelecedor da ocasio na qual o comportamento ocorre (Skinner, 1974).Concluindo, nenhum nvel de anlise, isoladamente, caracteriza a abordagem. No basta aplicar procedimentos operantes para ser considerado terapeuta comportamental, e no basta acreditar, por exemplo, que sentimentos no so causas de comportamentos observveis, ou ento que o ambiente afeta o comportamento. Mas tambm no h necessidade de que os quatro nveis de anlise estejam sempre presentes para que a terapia seja comportamental. So essenciais, no nvel metodolgico, a anlise de contingncias; no nvel conceitual, o conhecimento e a aplicao, mesmo que assistemtica, de princpios de comportamento; e no nvel filosfico, pelo menos a rejeio ao mentalismo. Caso contrrio teremos uma abordagem sem consistncia e que provavelmente no sobreviver.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASFreitas, L. C. Anlise Experimental do Comportamento aplicada educao: Um estudo do caso brasileiro. 3o borrador, USP, 1985.Fulton, B. The importance of analysis in Behavioral Technology: a response to Paine and Bellamy. Behavior Analyst, 1982, 5, 2, 209-211.Hayes, S. C. Theory and Technology in Behavior Analysis. Behavior Analyst, 1978, 1, 25-33.Skinner, B. F. About behaviorism. New York: Knopf, 1974.Todorov, J. C. Behaviorismo e Anlise Experimental do Comportamento. Cadernos de Anlise do Comportamento, 1982, no 3, 10-23.