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QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2° VARA CÍVEL E
FAZENDAS PÚBLICAS DA COMARCA DE FORMOSA - ESTADO DE GOIÁS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por seu
Representante Legal ao final assinado, titular da Promotoria de Justiça da Comarca de
Formosa - Goiás, no uso de suas atribuições Constitucionais, Infra — Constitucionais e
Institucionais, com suporte no artigo 129, inciso III da Constituição Federal: artigo 25, inciso
IV, alínea "b" da Lei n° 8.625/93; artigos 46, inciso VI e 47, inciso I, ambos da Lei
Complementar Estadual n° 25 de 06 de Julho de 1.998; artigos 1°, inciso IV, 2° e 5°, todos da
Lei 7.347/85 e demais legislações atinentes à matéria, vêm à presença de Vossa Excelência
propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR em face da
SANEAMENTO DE GOIÁS S/A - SANEAGO, CNPJ n.°
01616929/0001-02, Sociedade de Economia Mista constituída da Lei Estadual 6680/67,
que deverá ser citada na pessoa do seu Diretor-Presidente NICOMEDES DOMINGOS
'"lMinistelo PúblteD la* EstíMto «e Coife |
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
BORGES, na Avenida Fued Sebba, n.° l .245, Jardim Goiás, Goiânia/GO, pelas razões de fato
e de direito a seguir expostas:
I) SÍNTESE DOS FATOS
Em virtude da representação promovida pelo Vereador Joelson Ferreira
Ribeiro, foi instaurado o Procedimento Administrativo pela Portaria n° 002/09 por meio do
qual esta Promotoria de Justiça tomou ciência das circunstâncias a que estavam submetidos os
consumidores formosenses quando requereriam instalação de pontos para acesso à água
tratada pela Saneago S/A. O atendimento desse pedido está condicionado ao comportamento
dos usuários que são compelidos a adquirir o hidrômetro junto à Saneago ou no comércio
local, assumindo os custos de instalação, mediante a contratação de mão de obra credenciada
pela Saneago para exercício em caráter de exclusividade, sob pena de não lograr o serviço de
abastecimento. À essas circunstâncias agregue-se a agravante de que, ao final da execução da
obra, o consumidor é obrigado, através de um Termo de Doação, a transferir a propriedade
do hidrômetro para a concessionária de serviços públicos, ficando investido da condição de
depositário. A contrapartida da ré consistiria na manutenção feita pela Sanego sem qualquer
custo para o usuário, como se essa obrigação fosse ónus do consumidor.
Conforme relatado pelo funcionário da empresa, Sr. Valdeci Pereira
da Guia. ao impor ao cliente a doação do hidrômetro, a Saneago assume o compromisso de
fazer o serviço de manutenção do medidor, dispensando o usuário do pagamento de taxas,
instalação e ligação. Quando o usuário não se dispuser a adquirir o hidrômetro no comércio,
para cedê-lo a Saneago, a Saneago fornece o aparelho para o cliente ao custo de R$ 51,67 e
cobra R$ 40,00 pela taxa de ligação. A Saneago possuí 14 pessoas credenciadas para
execução dos padrões de água e o treinamento é feito na própria Saneago com agendamento
de 2 ou 3 dias de antecedência. A lista é apresentada para o usuário que, a seu critério,
escolhe o profissional credenciado sem qualquer influência da Saneago.
Ainda que se argumente que o credenciamento de pedreiros não
constitui medida restritiva do mercado profissional à medida que se faculta a qualquer
bombeiro hidráulico habilitação junto à Saneago para montagem e instalação de hidrômetros.
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
segundo os padrões de ligações prediais de água exigidos, a questão que move esta ação é a
indevida inversão dessas despesas. Mesmo quando a Saneago fornece ao usuário
onerosamente o hidrômetro, ela se torna proprietária do padrão, arrecadando o valor de R$
51,67 para manutenção do hidrômetro pela empresa. A pessoa que opta pela compra do
hidrômetro no comércio paga em torno de R$ 65.00 a R$ 70.00. Como a pessoa fica
dispensada do pagamento da ligação, ela ganharia a diferença do valor de aquisição do padrão
junto ao comércio em relação ao custo de fornecimento do aparelho e instalação pela
Saneago, que alcança o custo de R$ 91.67. Quando a Saneago fornece o hidrômetro o valor é
cobrado na própria fatura do consumo de água e, a requerimento do interessado, pode ser
parcelado em seis parcelas iguais e sucessivas de R$ 15,55.
II - FUNDAMENTOS JURÍDICOS
II. A) AÇÃO CIVIL PÚBLICA DEFESA DO CONSUMIDOR -
NOÇÕES GERAIS -LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Ação Civil Pública, ex vi do disposto no artigo 1° da Lei n° 7347/85,
como fator de mobilização social, é a via processual adequada para impedir a ocorrência ou
reprimir danos ao património público, ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, protegendo, assim, os interesses
difusos, coletivos e individuais homogéneos da sociedade, sendo que, diante de sua
magnitude e excelência, mereceu assento constitucional, como se extrai do artigo 129, inciso
III, da Constituição da República Federativa Brasileira.
Não restam dúvidas, portanto, de que o dano aos consumidores é um
interesse de dimensão difusa, o que autoriza sua tutela processual por intermédio da ação civil
pública.
Nesse contexto, em razão de sua destacada atuacão. desde 19SS ™
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
dentre eles o de conservar o de proteger os consumidores. Por isso, a Constituição Federal,
através de seu artigo 127 c/c os artigos 1° e 5° da Lei 7.347, consagraram definitivamente a
legitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS cujas atribuições
desta curadoria estão afetas à 4° Promotoria de Justiça de Formosa/GO na defesa de interesses
transindividuais, sejam eles coletivos, difusos ou, ainda, os tidos por direitos ou interesses
individuais homogéneos tratados coletivamente.
Com essa linha de entendimento, farta é a jurisprudência proveniente
dos Tribunais, inclusive do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA reconhecendo a legitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO para interpor
ações de civis publicas com o fito de defender os direitos difusos, coletivos e individuais
homogéneos dos consumidores.
A propósito, veja-se:
"(STF-014693) MINISTÉRIO PÚBLICO. Legitimidade
para propor acSo civil pública quando se trata de direitos
individuais homogéneos em que seus titulares se encontram
na situação ou na condição de
consumidores, ou quando houver uma relação de consumo.
É indiferente a espécie de contrato firmado,
bastando que seja uma relação de consumo. Precedentes.
(Ag. Reg. no Recurso Extraordinário n"
424048/SC, 1" Turma do STF, Rei. Min. Sepúlveda
Pertence, j. 25.10.2005, DJU 25.11.2005). (escurecemos e
grifamos)"
SI-J-174337) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRAT1VO.AÇÃO CÍVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO
PÚBL1CO.LEGITIM1DADE ATIVA (CF, ART. 129, III, E LEI 8.078/90, ARTS, 81 E 82, I). CONCESSÃO
DE SERVIÇO PÚBLICO. RODOVIA. EXIGÊNCIA DE TARIFA (PEDÁGIO) PELA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO CONCEDIDO QUE PRESCINDE, SALVO EXPRESSA DETERMINAÇÃO LEGAL, DA
EXISTÊNCIA DF. IGUAL SERVIÇO PRESTADO GRATUITAMENTE PELO PODER PÚBLICO. I. O
Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitosdifusos ou coletivos
O
///hMlnltMflD WfoBeo id*E5ta«f»aeGeiâs ff
QUARTA PROMOTOR1A DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Nota-se que a presente ação tutela não um único consumidor, mas todos
os consumidores do Município de Formosa/GO, isso porque, como confessado pela empresa
ré, na sua resposta, tal prática é rotineira em suas ações, atingindo todos os
usuários/consumidores do município e circunvizinhança que compõem a comarca, pela
presente, defende-se o direito difuso, de toda população possivelmente atingida pela cobrança
abusiva de instalação de hidrômetro.
Foi juntado ao Procedimento a Resolução n° 265/2008 - CG, que
Dispõe sobre a política de ligação de água de empresa de saneamento de Goiás S/A -
Saneago, que assim dispõe.
RESOLVE
Art. 1° - Estabelecer que é de responsabilidade da empresa de
Saneamento de Goiás S/A - Saneago, o fornecimento do
hidrômetro de até 3,0 m3/h,mediante o pagamento pelo usuário,
da tarifa estipulada para este fim abrangendo a cessão do
hidrômetro e o serviço de ligação.
[..omissis..]
Art. 3° - O usuário poderá opcionalmente, adquirir hidrômetro
de capacidade de até 3,0 m3/h no mercado e repassá-lo à
Saneago, mediante responsabilidade especifica :
- USUÁRIO
c- no ato de entrega do hidrômetro à Saneago, o usuário
assinará o termo de doação do bem a concessionária.
II - SANEAGO
a) - Uca vedado a Saneago cobrar qualquer valor pelos
serviços de ligação prestados aos usuários;
\ X
///lMinistério híbfa IHíEsUíaaeCoiís l
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Conforme constata-se, de acordo com a tabela de preços e serviços
especiais, que existem múltiplas cobranças e multas da concessionária face aos consumidores,
dentre eles alguns abaixo transcritos, não sendo possível se constatar a manutenção periódica
do hidrômetro pela empresa conforme afirmado no Termo de Declarações do funcionário.
3.7 - Aferição de hidrômetro, a pedido do usuário, quando não
for constatado defeito de funcionamento, valor a pagar RS
18.00
3.14 - Religação após corte simples valor a pagar RS 9.60
3.15 -Religação de urgência valor a pagar RS 12.82
3.38 - Hidrômetro 1,5 tnVHe de 3,0 m'/h, valor a pagar RS
51,67.
III.A) DAS JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PELASANEAGO QUE AUTORIZAM A COBRANÇA DA INSTALAÇÃO DOHIDRÔMETRO
As justificativas apresentadas pelo funcionário da citada empresa ré
não se mostram suficientes para autorizar a cobrança que rechaçamos de abusiva. Para
embasar a cobrança citou alguns dispositivos, que transcrevemos em sua integralidade. porém
imprestáveis para tal desiderato.
A Saneago por manter relação de natureza privada com o consumidor
não é quem institui os subsídios referidos no dispositivo. Nesse sentido, a Jurisprudência:
"(STJ-205134) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE RELIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA.
PAGAMENTO A EMPRESA CONCESSIONÁRIA SOB A MODALIDADE DE TARIFA. MINISTÉRIO
PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA."
///lMinistério Público lo*E«wlait6«l4í l
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
A União Federal é parte ilegítima para figurar no pólo passivo das ações que versam sobre
cobrança de serviço de religação de energia elétrica por parte de concessionária de serviços públicos, uma vez
que trata-se de tarifa que não beneficia a União. 2. A relação jurídica do serviço público prestado por
concessionária tem natureza de direito privado, pois o pagamento é feito sob a modalidade de tarifa, e não
estando os serviços jungidos às relações de natureza tributária, mas, ao contrário, encontrando disciplina também
no Código de Defesa do Consumidor, inexiste empecilho à defesa dos usuários via ação civil pública, cuja
legitimação encontra na figura do Ministério Público um representante por lei autorizado. 3. A jurisprudência do
STJ firmou-se no MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS Promotoria de Justiça de São Miguel do
Araguaia no sentido de que instruções normativas não se enquadram no conceito de "Lei Federal" do artigo 105.
inciso III, da Constituição Federal, ainda que tenham caráter normativo. 4. Recurso especial parcialmente
conhecido e improvido. (Recurso Especial n° 591916/MT (2003/0164487-9). 2' Turma do STJ, Rei. João Otávio
de Noronha, j. 27.02.2007, unânime, DJ 16.03.2007).
É verdade que a SANEAGO pertence ao Estado de Goiás, sendo
uma Sociedade de Economia Mista. Contudo, como acima aludido, a relação jurídica do
serviço público prestado por concessionária tem natureza de direito privado, regulando-se
pelo Código de Defesa do Consumidor. E este, só pode pagar pelo que consome, nos termos
da Lei.
O que nesse campo do saneamento básico é autorizado pela Lei n.°
11.445/2007, no artigo 30, é a definição de categoria de usuários, distribuídas por faixas ou
quantidades crescentes de utilização ou consumo. Ou seja, a tarifa a ser cobrada depende do
consumo do usuário. Aqueles que consomem menos pagam menos pela tarifa. Já os que
consomem mais pagam uma tarifa maior. Isso ocorre, como afirma a doutrina (Carvalho
Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 15" ed., Ed. Lumen Júris, 2007, p.
331), em razão das "diretrizes estabelecidas para a política adotada para prestação dos
serviços de saneamento básico, em que, além dos usuários, deve ser considerado o próprio
serviço a ser prestado ".
Em resumo, a Saneago não tem o direito, nem poder, de se colocar no
lugar do próprio Estado. Cabe a este as providências previstas no dispositivo citado, e não
àquela. Tudo que for feito pela Saneago deve estar respaldado em Lei.
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Quanto ao artigo 20, da Resolução 265/2008, inicialmente, aduzimos
que é uma resolução e não uma Lei. E mesmo assim, aquela não pode ser interpretada de
forma isolada. Tem que ser feito conjuntamente, seguindo a diretriz maior prevista na Lei
11.445/2007. No mais, uma coisa é a ligação da instalação com a rede da SANEAGO, e outra,
completamente diferente, é a instalação/manutenção/conservação do hidrômetro.
Tanto isso é verdade que em inúmeras residências espalhadas por todo Estado de Goiás
existem a ligação com a rede da Saneago, mas não há medição via hidrômetro. Nesses casos,
a cobrança se faz por um valor mínimo estipulado.
III. B) OBSERVAÇÕES SOBRE A LEI 11.445/2007
De acordo com o artigo 3°, inciso I, alínea "a", da Lei 11.445/2007,
considera-se saneamento básico o conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações de:
a) Abastecimento de água potável: constituído pelas atividades,
infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento
público de água potável, desde a captação até as ligações
prediais e respectivos instrumentos de medição.
b) Esgotamento sanitário: constituído pelas atividades. infra-
estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte,
tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários,
desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio
ambiente.
Ora, de acordo com a norma acima escrita o serviço de abastecimento
de água potável ocorre desde a captação ale as ligações prediais e respectivos instrumentos de
medição, cabendo a concessionária prestá-lo em sua integralidade. É um serviço único e para
remunerar este serviço cabe ao usuário o pagamento de uma tarifa.
Esse entendimento esposado é confirmado pelo artigo 29, inciso I, da
Lei 11.445/2007:
À /V
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Art. 29 - Os serviços públicos de saneamento básico terão a
sustentabilidade econômico-fmanceira assegurada, sempre que
possível, mediante remuneração pela cobrança dos serviços:
I - de abastecimento de água e esgotamento sanitário:
preferencialmente na forma de tarifas e outros preços públicos,
que poderão ser estabelecidos para cada um dos serviços ou
para ambos conjuntamente.
O que se entende do dispositivo é que é possível uma cobrança única,
englobando tanto o serviço abastecimento de água e esgotamento sanitário, ou uma cobrança
em separado, isto é, uma só para o abastecimento e outra só para o esgotamento.
Saliente-se que essa cobrança em separado é muito comum em Goiás,
podendo se dizer que na imensa maioria das residências de Formosa/GO não há esgotamento
sanitário. Daí não pode a concessionária cobrar o esgotamento. Por isso, é cindido o
pagamento. Mas, quando ele existe, sobre o valor do serviço de abastecimento se cobra 80%
para custear o esgotamento. Essa é a cisão permitida.
O que a Saneago pretende com a referida cobrança é, de forma
indevida, cindir algo que deve ser remunerado, em regra, de forma única. Aqui entra o inciso
V, do artigo 38, da Lei Estadual 14.939/2004, que assim dispõe:
LEI N° 14.939, DE 15 DE SETEMBRO DE 2004.
Institui o Marco Regulatório da Prestação de Serviços de
Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, cria o
Conselho Estadual de Saneamento - CF.SAM e dá outras
providências.
[..omissis...]
Art. 38 São direitos dos prestadores dos serviços:
V - cobrar, além das tarifas, outros serviços e/ou
procedimentos efetivamente prestados aos usuários;
Minisléilo PúblicojUMURrllMH
QUARTA PROMOTORTA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Com este amparo legal entende a ré que estaria autorizada para
cobrança de outro serviço e/ou procedimento prestado ao usuário. Acontece que não se pode
fazer essa interpretação do dispositivo, pura e simples, sem levar em consideração todo
ordenamento jurídico, notadamente a Lei 11.445/2007 e o Código de Defesa do Consumidor.
Como se sabe, é direito do consumidor pagar pelo que realmente
consumiu, sendo dever do fornecedor cobrar o efetivamente consumido. E dessa forma, é
preciso não distorcer o fato.
O que se quer afirmar é que instalação de hidrômetro faz parte da
prestação do serviço abastecimento de água, porque é o modo pelo qual o fornecedor se
desincumbe do dever de cobrar do consumidor aquilo que ele realmente consumiu. Tanto isso
é verdade que se o fornecedor cobrar além do devido, segundo as regras insculpidas no
parágrafo único, do artigo 42, da Lei 8.078/90, o consumidor "tem direito à repetição do
indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária
e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
Hoje, a melhor forma de auferir o consumo é através do hidrômetro.
Nada impede que no futuro seja criado outro mecanismo mais eficaz, a exemplo do que
aconteceu com o serviço de telefonia fixa, que pode ser medido por pulso ou minuto. O que
cabe ao fornecedor é cobrar do consumidor exatamente o que ele consumiu. Isso vale dizer,
engloba algo maior, previsto tanto no CDC, como na Lei 8987/95, relacionado ao direito de
informação do consumidor/usuário.
Em resumo o que se deseja mostrar é que quando se paga a fatura da
água, nesta, ou melhor, no valor da fatura, estão inclusas todas as despesas, bem como os
lucros, que são auferidos pela concessionária, desde a captação até as ligações prediais e
respectivos instrumentos de medição. Autorizar a empresa ré a continuar cobrando algo que já
está incluso na tarifa paga pelo consumidor representa enriquecimento sem causa, vedado por
nosso ordenamento jurídico.
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Interessante se faz notar o artigo 40, inciso III, da Lei 11.445/2007.
Vejamo-lo:
Art 40. Os serviços poderão ser interrompidos pelo prestador
nas seguintes hipóteses;
111 - negativa do usuário em permitir a instalação de
dispositivo de leitura de água consumida, após ter sido
previamente notificado a respeito.
Esse dispositivo legal só comprova que o encargo financeiro da
instalação do hidrôraetro tem que ficar a cargo da concessionária e não do consumidor. Este,
sequer pode recusar a instalação. Isso porque é um direito/dever do fornecedor aferir quanto
foi gasto do consumidor, até porque também é uma obrigação do consumidor só pagar pelo
que consumiu.
Contudo, se é um direito/dever do fornecedor instalar hidrômetro, é
incongruente cobrar do consumidor a instalação. Isso porque, além de não ter o direito de
recusar a instalação, ainda caberia o consumidor o pagamento da mesma. Em resumo, cobrar
a instalação de hidrômetro do consumidor é violar o princípio da
proporcionalidade/razoabilidade, bem como o princípio da equidade, e ainda as normas
protetivas previstas no Código de Defesa do Consumidor.
Em se percorrendo a ordem natural das coisas, seria somente o
fornecimento da água tratada ao consumidor o serviço pretendido. É disso que necessita o
usuário. O hidrômetro, como se nota pelo artigo 40, é mais um dever da concessionária do
que do usuário/consumidor. Este, como asseverado, tem o direito de pagar o que consumiu,
sendo dever da concessionária cobrar o valor correio. Daí a necessidade de se instalar o
hidrômetro, para aquela se desincumbir do seu dever.
V
Ministério PúblicedaEstaSo de Goiás
QUARTA PROMOTORJA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Quando a Lei inclui "instrumentos de medição" como parte do serviço
de abastecimento de água, já o incluiu no valor da tarifa. Essa é justificativa utilizada para se
aumentar, inclusive, o valor da tarifa, pois se aduz que a concessionária necessita se ressarcir
do valor desprendido com a instalação dos instrumentos de medição. Agora, em se mantendo
essa cobrança o consumidor/usuário paga duas vezes o mesmo serviço, na medida em que já o
faz quando paga a tarifa.
É bom que se diga, até levando em conta um dos princípios basilares
previstos no artigo 47, do CDC, em que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de
maneira mais favorável ao consumidor, a interpretação acima é a única em consonância com a
Constituição Federal (artigo 170. V c/c o parágrafo único, incisos II e III, do artigo 175) e
com o Código de Defesa do Consumidor.
Ressalte-se que a própria Jurisprudência já se manifestou sobre a quem
cabe prover as despesas com a instalação, manutenção e conservação dos hidrômetros. E, de
acordo com a mesma, cabe a concessionária.
" (TJRJ-040721) AÇÃO REVISIONAL DE DÉBITO - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO -
FORNECIMENTO DE ÁGUA - DEFEITO NA INSTALAÇÃO DO HIDRÔMETRO - RESPONSABILIDADE
DA CONCESSIONÁRIA - COBRANÇA PELA TARIFA MÍNIMA. A prestação do serviço essencial de
fornecimento de água está submetida às regras do Código de Defesa do Consumidor, sendo da responsabilidade
da Concessionária os prejuízos decorrentes dos defeitos no serviço de instalação do hidrômetro. Havendo falha
no serviço de instalação do medidor de fornecimento de água, ocasionando medições fictícias, o consumo deve
ser cobrado com base na tarifa mínima. Improvimento do recurso. (Apelação Cível n° 200500112960, 10a
Câmara Cível do TJRJ, Rei. Dês. José Geraldo António, j. 06.09.2005). (TJRJ-038884) APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITOS PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE DÉBITO
C/C ANULAÇÃO DE ACORDO.DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA A MEDIDA CAUTELAR.AÇÃO
CONSIGNATÓRIA DISTRIBUÍDA POR DEPENDÊNCIA AO PROCESSO PRINCIPAL. CEDAE.
FORNECIMENTO DE ÁGUA. ALEGAÇÃO DE DEFEITO NO HIDRÔMETRO."Concluiu o perito técnico
que o aparelho instalado no condomínio apresentava defeitos que comprometeram o seu regular funcionamento,
acarretando aumento excessivo do consumo. O vínculo obrigacional estabelecido com base no serviço de água
configura uma relação de consumo, eis que presentes as características estabelecidas no Código de Defesa do
Consumidor. A cobrança de tarifa de água se faz por medição, quando há hidrômetro instalado no imóvel, sendo
responsabilidade da concessionária sua manutenção e conservação. Correta a sentença ao determinar que a
empresa fornecedora revisse os valores cobrados, na forma do art. 108 do Decreto 553/76, ante a verificação de
///lRHftlsMfto Publiee ldoeaailadíGeiís Ji
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
discrepante diferença na média mensal registrada anteriormente, assim como o restabelecimento do fornecimento
de água. Pedido consignatório que merece julgado procedente, tendo em vista que o valor do débito depende de
liquidação por arbitramento, não podendo antes disso decidir o ilustre sentenciante pela insuficiência do
depósito. Desprovimento do primeiro recurso. Provimento do segundo. (Apelação Cível n" 2004.001.17869, 15a
Câmara Civel do TJRJ, Rei. Dês. José Pimentel Marques, j. 02.03.2005).
Como ficou esclarecido, a cobrança da instalação de hidrômetro aos
consumidores da Comarca de Formosa/GO é uma violação as regras previstas na Constituição
Federal, no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 11.445/2007, pois representa uma
dupla oneração ao consumidor/usuário, que acaba por pagar 2 (duas) vezes um mesmo
serviço, que teria que ser pago só pela tarifa referente ao abastecimento de água.
Feitas essas considerações, entende o Ministério Público que a
interferência do Poder Judiciário é imperiosa, contrário, continuamente, o consumidor/usuário
será lesado no seu direito de pagar o realmente devido.
III.D) DA NULIDADE DO ITEM 4.4 DO CONTRATO DE
ADESÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
De acordo com o item 4.4 do Contrato de Adesão firmado entre a ré e
os consumidores/usuários do serviço público, este últimos devem:
4.4 "Guardar e conservar, na condição de fiel depositário, o
padrão de ligação de Água, o hidrômetro e outros
dispositivos da SANEAGO".(escurecemos e grifamos)
Ora, é imperioso perceber o absurdo jurídico acima transcrito. Em se
interpretando a cláusula acima, combinada com a exigência de que o custo da instalação do
hidrômetro fique por conta do consumidor/usuário, observa-se o seguinte: o consumidor fará
uma doação a SANEAGO de um hidrômetro e ainda será obrigado a ser fiel depositário da
mesma.
A/ \/
MlitMMa Púbta«•HM» 4* Ml*
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Com o perdão do termo, isto é uma excrescência, tamanho o abuso
perpetrado pela ré. Fere de morte o princípio da razoabilidade e o direito do usuário do
serviço.
Entende o Ministério Público que isso representa um constrangimento
ilegal por parte da ré, na medida em que ela obriga o consumidor a lhe "doar" um hidrômetro
e, pior, ainda transforma o doador em seu fiel depositário, pois, se este "danificar" o mesmo
ainda pode sofrer penalidades.
De acordo com o artigo 538, do Código Civil, "considera-se doação o
contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu património bens ou
vantagens para o de outra", (escurecemos e grifamos)
Dois são os elementos peculiares à doação: a) o animus donandi
(elemento subjetivo), que é a intenção de praticar uma liberalidade; e, b) a transferência de
bens, acarretando a diminuição do património do doador (elemento objetivo).
Compulsando o presente contexto, inexiste a vontade do consumidor de
praticar tal liberalidade em favor da ré. O que existe é uma injusta imposição, na qual se
aproveita da condição de única fornecedora do serviço para cobrar de forma abusiva uma
"doação" do aparelho de medição.
Não há dúvidas que essa cláusula combinada com a prática da cobrança
da instalação do hidrômetro pela ré, é nula de pleno direito. Nesse contexto, aduz o artigo 5 1 ,
do Código de Defesa do Consumidor que sío nulas de pleno direito as cláusulas contratuais
que
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade".(escurecemos).
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Ademais, como acima esclarecemos, a responsabilidade pela
instalação/manutenção/conservação do hidrômetro pertence à ré. Nesse sentido está o farto
repositório de Jurisprudência já citado, ao qual nos reportamos, pois só faz corroborar o
argumentos acerca da nulidade da presente cláusula do contrato de adesão que segue anexo a
esta exordial. in casu, essa cláusula certamente é abusiva e por isso, merece ser declarada
nula, com fulcro no §4°, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor, é medida que se
impõe a declaração de nulidade da cláusula aludida, pois além de ser abusiva, não assegura o
justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes, na medida em coloca o
consumidor/usuário em desvantagem exagerada perante a ré.
III. E) DA RESTITUIÇÃO DO VALOR COBRADO
INDEVIDAMENTE
Conforme o artigo 42, parágrafo único, do CDC, o valor cobrado
indevidamente do consumidor deve ser restituído em dobro, com juros e correção monetária.
Nesse sentido, certamente, antes de se ajuizar este feito, diversos consumidores já pagaram, e
alguns, estão pagando em parcelas a referida instalação.
Desse modo, além de se impedir a cobrança é necessário possibilitar aos
consumidores a restituição do valor cobrado e pago, em arrepio ao ordenamento pátrio,
indevidamente pago e usado para enriquecer ilicitamente a empresa ré.
III.F) DO DANO MORAL COLETIVO
Uma vez que a cobrança da instalação de hidrômetro aos consumidores,
não só aos de Formosa/GO, como também de todo o Estado de Goiás, está ao arrepio da
legislação consumerista, inclusive confessado por funcionário da empresa ré, conduta esta
que lesou uma infinidade de consumidores/usuários, é indene de dúvidas que tal situação
ocasionou uma lesão ao direito difuso de todos os consumidores/usuários do serviço público
prestado.
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Pela lesão causada a interesse ou direito difuso e coletivo, o sujeito
passivo da ação civil pública poderá ser condenado ao pagamento de uma determinada
quantia em dinheiro a título de indenização pelos danos coletivos causados, sem prejuízo da
multa pelo eventual descumprimento. Como se vê, há duas hipóteses de incidência da
condenação pecuniária em questão. Os valores da condenação em pecúnia para o
ressarcimento dos danos causados aos interesses difusos ou coletivos para que seja instalado
hidrômetro, ao arrepio da legislação consumerista) e aqueles relativos à multa que será
estabelecida em caso de inadimplemento das obrigações de fazer ou não fazer que a seguir
serão pleiteadas.
Como ensina Carlos Alberto Bittar Filho:
"Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o património valorativo de uma
certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente
injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, etn
seu aspecto imaterial."2
Em abalizado comentário, aduz Luís Gustavo Grandinetti Castanho De
Carvalho: "O Direito se preocupou durante séculos com os conflitos intersubjetivos. A sociedade de massas, a
complexidade das relações económicas e sociais, a percepção da existência de outros bens jurídicos vitais para a
existência humana, deslocaram a preocupação jurídica do setor privado para o setor público; do interesse
individual para o interesse difuso ou coletivo; do dano individual para o dano difuso ou coletivo. Se o dano
individual ocupou tanto c tão profundamente o Direito, o que dizer do dano 2 "Do dano moral coletivo no atual
contexto jurídico brasileiro" in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT. Vale destacar, ainda, a
manifestação de André de Carvalho Ramos que, ao analisar o dano moral coletivo, assim
dissertou: "(.,.) é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses
transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranquilidade do cidadão,
que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera. ("A ação civil pública e o dano moral coletivo",
Revista de Direito do Consumidor, vol. 25- Ed. RT, p. 83). Continua o citado autor, dizendo: "Tal
intranquilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis,
acarretam lesão moral que também deve ser reparada colctivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão
brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado c ofendido no seu sentimento de
pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular 'o Brasil é assim mesmo'
deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo" (idem,
ibidem). que atinge um número considerável de pessoas? É natural que o Direito se volte, agora, para elucidar as
X , V
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
intrincadas relações coletivas e difusas e especialmente à reparação de um dano que tenha esse
caráter" (Responsabilidade por dano não-patrimonial a interesse difuso: dano moral coletivo, p. 29).
Xisto Tiago de Medeiros Neto, procurador do Ministério Público do
Trabalho, leciona que Assim, há de se ressaltar que, no tempo atual, tornou-se necessária e
significativa para a ordem e a harmonia social, a reação do Direito em face de situações em
que determinadas condutas vêm a configurar lesão a interesses: 1) juridicamente protegidos; 2) de
caráter extrapatrimonial; 3) titularizados por uma determinada coletividade. Ou seja: adquiriu relevo jurídico, no
âmbito da responsabilidade civil, a reparação do dano moral coletivo (em sentido lato) (Revista do Ministério
Público do Trabalho n.° 24, ano 2002, pág. 79).
André de Carvalho Ramos, captando esse aspecto, registra que o
entendimento jurisprudencial de aceitação do dano moral em relação a pessoas jurídicas,
"é o primeiro passo para que se aceite a reparabilidade do dano moral em face de uma coletividade". E ainda
acresce: "o ponto chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito,
deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas" (A
ação civil pública e o dano moral coletivo. In: Revista de Direito do Consumidor, n. 25/98, p. 82).
Rogério Tadeu Romano, Procurador da República, em artigo disponível
na internet, considera
"perfeitamente aceitável a reparabilidade do dano moral em
face da coletividade, que apesar de ente despersonalizado,
possui valores morais e um património ideal a ser receber
proteção do Direito. Ora, se aceita-se a reparabilidade do dano
moral em face das pessoas jurídicas, quanto a honra objetiva, a
fortiori, deverá ser aceita tal tese em face da coletividade".
Xisto doutrina de forma conclusiva que "Resta evidente, com
efeito, que, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a
interesse moral (ressalte-se, extrapatrimonial) de uma
coletividade, configurar-se-á dano passível de reparação, tendo
em vista o abalo, o sentimento negativo, a desalentadora
indignação, ou a diminuição da estima, infligida e apreendida
em dimensão coletiva. Nesse passo, é imperioso que se
apresente o dano como injusto, usurpando a esfera jurídica da
coletividade em detrimento dos valores fundamentais do seu
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Ministério MMteoao Es***» «e Gaias
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
acervo" (Revista do Ministério Público do Trabalho, n.° 24,
ano 2002, pág. 84).
Elenca-se, por fim, os seguintes elementos que caracterizam o dano
moral coletivo c revelam o seu conceito:
• a conduta antijurídica do agente, que poderá ser uma pessoa (física ou
jurídica);
• a ofensa a valores extrapatrimoniais essenciais, identificados no caso
concreto, reconhecidos e inequivocamente compartilhados por uma determinada coletividade
(titular de interesses morais protegidos pela ordem jurídica);
• a certeza do dano causado, correspondente aos efeitos que, ipso facto,
emergem coletivamente, traduzidos pela sensação de desvalor, de indignação, de menosprezo,
de inferioridade, de descrédito, de desesperança, de aflição, de humilhação, de angústia ou
respeitante a qualquer outro sentimento de apreciável conteúdo negativo;
• o nexo causal observado entre a conduta ofensiva e a lesão
socialmente repudiada (Revista do MPT, n.° 24, ano 2002, pág. 85).
A partir da Constituição da República de 1988, descortinou-se um novo
horizonte quanto à tutela dos danos morais (particularmente no que tange à sua feição
coletiva), face à adoção do princípio basilar da reparação integral (art. 5°, V e X) e diante do
direcionamento do amparo jurídico à esfera dos interesses transindividuais, valorizando-se,
pois, destacadamente, os direitos de tal natureza (a exemplo dos artigos 6°, 7°, 194, 196, 205,
215, 220, 225 e 227)(45) e os instrumentos para a sua proteção (art. 5°, LXX e LXXIII, e art.
129,111).
Com isso, a tutela do dano moral coletivo passou a ter, explícita e
indiscutivelmente, fundamento de validade constitucional. Destaque-se, por oportuno, a
ampliação do objeto da ação popular manejada pelo cidadão, que, em decorrência do referido
artigo 5°, LXXIII, da Lei Maior, passou a visar a anulação de ato lesivo (e a consequente
reparação por perdas e danos — art. 11 da Lei n. 4.717/65) ao património público e também à
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QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao património histórico e cultural. Daí a
pertinência dessa ação no campo do dano moral coletivo, conforme destacado por Carlos
Alberto Bittar Filho, ao citar Hely Lopes Meirelles:
"Embora os casos mais frequentes de lesão se refiram ao dano
pecuniário, a lesividade a que alude o texto constitucional tanto
abrange o património material quanto o moral, o estético, o
espiritual, o histórico. Na verdade, tanto é lesiva ao património
público a alienação de um imóvel por preço vil, realizada por
favoritismo, quanto a destruição de um recanto ou de objetos
sem valor económico, mas de alto valor histórico, cultural,
ecológico ou artístico para a coletividade local" (pág. 59).
Ainda dentro do enfoque constitucional, vê-se que o artigo 129, inciso
III, ao conferir legitimação qualificada ao Ministério Público para o manuseio da ação civil
pública, também abriu o leque do seu objeto para qualquer interesse difuso e coletivo, além
daqueles referentes ao património público e social e ao meio ambiente. Assim, a ação civil
pública tomou-se instrumento de alçada constitucional apto a ser utilizado pelo parquet na
busca da proteção irrestrita de todo interesse de natureza transindividual, inclusive os de
caráter moral. E por força do § 1° do mesmo artigo 129 da Lei Maior, também foram
legitimados para este fim os entes arrolados no artigo 5° (caput e incisos I e II) da Lei da Ação
Civil Pública (Lei n. 7.347/85).
Frise-se, também, que sob a égide do regime constitucional passado,
quando do surgimento da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), o respectivo artigo 1°
limitava o seu uso somente nas hipóteses de lesão ao meio ambiente, ao consumidor e ao
património cultural, além de não fazer referência específica ao dano moral, utilizando o termo
dano, sem qualificativo.
Com efeito, a redação original, em seu caput, previa: "Art. 1° Regem-
se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por
danos causados: (...)."
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QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
A possibilidade jurídica do pedido de indenização por dano moral
coletivo decorre de expresso dispositivo legal: o art. 1°, caput, da Lei da Ação Civil Pública
(Lei Federal n° 7.347/85):
Art. 1°. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, AS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE POR DANOS MORAIS e patrimoniais
causados (...) QUALQUER outro INTERESSE DIFUSO OU COLETIVO.
Xisto arremata a exposição da configuração do dano moral coletivo com as seguintes
ponderações:
"Na atualidade, a ação impositiva, por meio dos mecanismos e
órgãos competentes, objetivando a efetivação dos direitos, em
prol dos indivíduos e da coletividade, é o que dá concretude à
ideia de cidadania. Em muito maior dimensão isso ocorrerá
quando tratar-se de valores fundamentais, status reconhecido
constitucionalmente aos direitos ou interesses coletivos,
materiais ou morais. Sem dúvida, a evolução do regime da
responsabilidade civil, tendo por norte o equilíbrio e o
desenvolvimento sociais, possibilitou a devida proteção em
face de danos infligidos aos valores morais reconhecidos a
coletividades de pessoas, fruto da ampla projeção que adquiriu
o conceito de dignidade humana.
A ordem jurídica, assim, considera ser a coletividade titular de direitos ou interesses
extrapatrimoniais, os quais são passíveis de tutela por meio do sistema processual apto a essa finalidade,
definidor da chamada jurisdição civil coletiva, cujos fundamentos principais encontram-se gizados na Carta
Constitucional de 1988 (art. 5°, XXXV e LV, e art. 129. III e § 1°), ordenando-se instrumentalmente com a
interaçao das normas da Lei da Acâo Civil Pública (art. 21) e da parte processual do Código de Defesa doConsumidor (arts. 90 e 117).
NSo se há de duvidar, enfim, que, no tempo presente, o reconhecimento e a efetiva
reparação dos danos morais coletivos — na medida em que sanciona o ofensor (desestimulando novas lesScs) e
compensa os efeitos negativos decorrentes do desrespeito aos bens mais elevados do agrupamento social
constitui uma das formas de alicerçar o ideal de um Estado Democrático de Direito (ob. cit.pág. 109).
V
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QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Ressalte-se que, para fins de indenização por danos morais, é suficiente
a demonstração do fato que deu origem ao dano, o que pensamos já ter feito nesta inicial:
"Indenização de direito comum. Dano moral. Prova. Juros moratórios. Súmula n.° 54
desta Corte, l - N3o há que falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o
sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de
violação ao art. 334 do Código de Processo Civil. 2 - Na forma da Súmula n." 54 da Corte, os juros moratórios
nestes casos contam-se da data do evento. 3 - Recurso especial conhecido e provido, em parte."3.
O VALOR DEVIDO a título de indenização pelos danos morais coletivos, observa
Carlos Alberto Bittar, "(...) deve traduzir-se em MONTANTE QUE REPRESENTE ADVERTÊNCIA AO
LESANTE E À SOCIEDADE DF, QUE SE NÃO SE ACEITA O COMPORTAMENTO ASSUMIDO, OU O
EVENTO LESIVO ADVINDO. Consubstancia-se, portanto, em IMPORTÂNCIA COMPATÍVEL COM O
VULTO DOS INTERESSES EM CONFLITO, REFLETINDO-SE DE MODO EXPRESSIVO, NO
PATRIMÓNIO DO LESANTE, A FIM DE QUE SINTA, EFETIVAMENTE, A RESPOSTA DA ORDEM
JURÍDICA AOS EFEITOS DO RESULTADO LESIVO PRODUZIDO. DEVE, 3 STJ - RESP n.° 86.27l SP -
3" Turma - Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito - DJ 09/12/97. POIS, SER QUANTIA
ECONOMICAMENTE SIGNIFICATIVA, EM RAZÃO DAS POTENCIALIDADE» DO
PATRIMÓNIO DO LESANTE.
Coaduna-se essa postura, ademais, com a própria índole da teoria em
debate, possibilitando que se realize com maior ênfase, a sua função inibidora de
comportamentos. Com efeito, o peso do ónus financeiro é, em um mundo em que cintilam
interesses económicos, a resposta pecuniária mais adequada a lesionamentos de ordem
moral. "4.
Em consideração que no município de Formosa/GO, foram feitas
inúmeras ligações com cobrança indevida considerando que apenas a partir da Resolução
265/2008, de 10 de outubro de 2008 às fls 10/11, e também certamente antes disso, pode-se
entender que esta quantidade desconhecida de cobranças é referencial para se demonstrar o
número de vezes que houve a lesão do direito perpetrado, na medida em que ou se cobrou
efetivamentc a instalação, ou ainda deixou o usuário/consumidor de instalá-lo por falta de
condições financeiras para arcar com tal despesa, tendo assim que pagar a esdrúxula "taxa
mínima". Como, segundo tabela fornecida, em anexo, confirmada pela ré, faz-se a cobrança
QUARTA PROMOTOR1A DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
de R$ 51,67 (cinquenta e um reais e sessenta e sete centavos) por cada hidrômetro instalado,
em se multiplicando este valor por um número não sabido de ligações consideramos que deva
ser arbitrado por este juízo justo e necessário e apto a sanar o dano moral coletivo perpetrado,
valor que deverá ser revertido ao
IV - DO PEDIDO LIMINAR
Da análise do arcabouço trazido com esta vestibular,vislumbram-se
presentes os pressupostos que rendem azo ao deferimento da medida liminar, nos termos do
artigo 12 da Lei n.° 7.347/85 c/c o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor. Esta
medida é possível porque a tese jurídica exposta é plausível e fundada na necessidade de se
assegurar a fruição da tutela de mérito pretendida antes da estabilização da demanda e da
efetivação do contraditório.
Disso, resulta que em se continuando a desmedida cobrança por parte
da empresa ré, incontáveis consumidores continuarão a pagar duplamente o mesmo serviço,
ou melhor, continuarão a enriquecer a parte ré sem causa prevista no ordenamento. E pior,
com o passar do tempo, mais e mais consumidores/usuários continuarão a serem atingidos por
essa cobrança, sem meio de defesa, pois, conforme o artigo 40, da Lei 11.445/2007, é possível
existir até o corte do abastecimento de água, caso o consumidor se recuse em pagar o preço
pedido. Pois bem, estão presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora. Assim,
requer o parquel à imediata suspensão por parte da SANEAGO, da cobrança do referido
'"serviço" de instalação/manutenção/conservação do hidrômetro de todos os usuários da
Comarca de Formosa/GO, bem como a imediata suspensão do pagamento daqueles que se
encontram em curso.
Em caso de descumprimento desta, requer ainda a cominação de multa
na ordem de R$ l .000,00 ( mil reais) por cada consumidor/usuário que for impelido pela ré a
pagar pelo irregular serviço de instalação de hidrômetro.
V - DOS PEDIDOS DEFINITIVOS
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
Tecidas estas razões, o Ministério Público do Estado de Goiás requer:
a) Que seja concedido o pedido liminar na forma do item IV;
b) Que a presente Ação Civil Pública seja recebida, autuada e
processada, eis que presentes os requisitos dos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil
c da Lei 7.347/85;
c) Que seja citado o requerido na pessoa de seu representante legal, na
forma preconizada pelo Código de Processo Civil para, querendo, ofertar resposta, sob pena
de confissão quanto à matéria de fato e sob os efeitos da revelia;
d) Que, após a regular tramitação processual, seja julgado procedente o
pedido nessa Ação civil Pública para que a empresa ré se abstenha de cobrar dos usuários do
serviço de abastecimento de água no Município de Formosa/GO a indevida cobrança de
instalação/manutenção/conservação de hidròmetro;
e) Que a SANEAGO seja condenada, nos termos do parágrafo único, do
artigo 42, do CDC, a restituir, em dobro, acrescido de correção monetária e juros legais o
valor cobrado indevidamente, e já pago, total ou parcialmente, pelos consumidores para a
instalação de hidrômetros desde 10 de outubro de 2008 até a data do julgamento da presente
Ação Civil Pública;
f) Que, até para garantir o transporte da coisa julgada, que pode
beneficiar milhares de consumidores prejudicados com a desmedida cobrança e que já a
pagaram em parte ou em sua integralidade, e autorizado no §3°, do artigo 103, do Código de
Defesa do Consumidor, a empresa ré, após o deferimento do pedido, seja compelida a custear
ampla divulgação junto aos meios de comunicação, na Comarca de Formosa/GO, do
resultado positivo do presente feito, para, assim, possibilitar aos consumidores à liquidação e
a execução nos termos dos artigos 96 a 99, do CDC;
g) Cominação de astreintes, nos mesmos valores da multa diária supra,
para assegurar o cumprimento da decisão final;
h) A condenação da Ré ao pagamento de INDKNIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS COLETIVOS, em valor a ser arbitrado por este juízo, valor este a ser
revertido para a conta 06064-2, ag. 4422, Banco Itau (CNPJ 74.159.245/0001-00)
i) Que seja declarada nula de pleno direito a seguinte cláusula "Guardar
e conservar, na condição de fiel depositário, o padrão de ligação de Água, o hidrômetro e
Ministério PfiWteiío Estada dt Balis
QUARTA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FORMOSA
outros dispositivos da SANEAGO" (item 4.3 do contrato em anexo), face aos expostos, para
com os consumidores residentes no Município de Formosa/GO.
j) A produção de todas as provas admitidas em direito, notadamente
documental, depoimento pessoal do réu, sob pena de confissão, oitiva das testemunhas que
oportunamente serão arroladas, perícias e inspeções.
Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para efeitos
meramente fiscais.
Formosa/GO, 26 de junho de 2009.
cv/Frederico Augush/de Oliveira^Santos
Promotífr de Justic