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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE FRANCINE SOARES DE ALMEIDA QUATRO DÉCADAS DE TÊNUE RELACIONAMENTO ENTRE IRÃ E EUA E SUA IMPORTÂNCIA PARA AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS BELO HORIZONTE 2008

QUATRO DÉCADAS DE TÊNUE RELACIONAMENTO ENTRE … · Este trabalho versa sobre o relacionamento do Irã com os Estados Unidos da América durante as décadas de 1940 a 1980, apresentando

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

FRANCINE SOARES DE ALMEIDA

QUATRO DÉCADAS DE TÊNUE RELACIONAMENTO ENTRE IRÃ E EUA E SUA IMPORTÂNCIA PARA AS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

BELO HORIZONTE2008

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FRANCINE SOARES DE ALMEIDA

QUATRO DÉCADAS DE TÊNUE RELACIONAMENTO ENTRE IRÃ E EUA E SUA IMPORTÂNCIA PARA AS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Professor Danny Zahreddine

BELO HORIZONTE2008

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FRANCINE SOARES DE ALMEIDA

QUATRO DÉCADAS DE TÊNUE RELACIONAMENTO ENTRE IRÃ E EUA E SUA IMPORTÂNCIA PARA AS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Professor Danny Zahreddine

Monografia defendida e aprovada em: 15 de dezembro de 2008

Banca examinadora:

______________________________________________________

Prof. Cristiano Garcia Mendes, UNI-BH

Prof. Leandro de Alencar Rangel, UNI-BH

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Dedico a minha família, em especial a minha avó

Júlia e a todos que me apoiaram ao longo desses

quatro anos.

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Agradeço a Deus por todo o conhecimento. A minha

família e amigos por todo apoio e carinho. Ao meu

orientador, Danny Zahreddine pela sua dedicação,

paciência e orientação ao longo deste trabalho.

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RESUMO

Este trabalho versa sobre o relacionamento do Irã com os Estados Unidos da América

durante as décadas de 1940 a 1980, apresentando como se dava este relacionamento,

quais eram os objetivos dos dois países e qual era a relação de dependência entre os

mesmos, tanto nas questões econômicas quanto nas questões políticas. Seu objetivo é

analisar se com a Revolução iraniana foi criada uma nova identidade, ou se ela é uma

conseqüência do processo de securitização da identidade do país. Também será

analisado como houve a quebra entre o relacionamento dos dois países e quais foram

os principais acontecimentos que contribuíram para este fato. Ao final, conclui-se que o

principal fato que levou ao rompimento das relações entre Irã e Estados Unidos da

América foi o processo de securitização da identidade iraniana, em especial da religião,

associando os objetivos estadunidenses no país como uma ameaça a sua sobrevivência

através do forçado processo de ocidentalização imposto pelos seus governantes no

Regime dos Xás Reza Khan e Reza Pahlevi.

Palavras-Chave: Irã. EUA. Regime do Xá Pahlevi. Revolução Branca. Forças Armadas.

Aiatolá Khomeini. Securitização. Identidade.

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ABSTRACT

This paper is on the relationship between Iran and the United States of America from the

1940’s until the 1980’s. It shows how that relationship was, what both countries

objectives were, and the economical and political dependence each one played upon

each other. It aims at analyzing if another identity was created by the Iranian revolution

or if it was a consequence of the process of the identity of the country. It will also be

analyzed how the relationship between both countries was broken and the main aspects

that contributed for the mentioned break. At the end its concludes that the main fact that

led to the securitization process of the Iranian identity, particularly of the religion,

associating the United States aims in Iran with a threat to its survival through the process

of westernization imposed by its governors in the Shah Reza Khan and Reza Pahlevi

regimen.

Keywords: Iran. USA. Shah Reza Pahlevi Regimes. White Revolution. Army Forces. Ayatola Khomeini. Securitization. Identity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Mapa do Irã....................................................................................................18

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SUMÁRIO

Introdução..............................................................................................................10

1. Da segunda Guerra Mundial à Revolução Islâmica do Irã ............................14

1.1. Fim da segunda Guerra e a nova ordem internacional ..............................14

1.2. Os interesses estadunidenses na região....................................................17

1.3. O regime do Xá e o desenvolvimento do capitalismo.................................19

1.3.1. Ditadura e desenvolvimento do país.................................................19

1.3.2. A Revolução Branca ........................................................................20

1.3.2.1. Suas conseqüências sociais e políticas ................................20

1.3.3. As Forças Armadas .........................................................................21

1.3.3.1. Seu papel político e social ....................................................21

1.3.3.2. Seu papel na economia ........................................................24

1.3.3.3. Influência e dependência nos EUA ......................................25

1.3.4. As crises iranianas ...........................................................................26

1.3.5. O processo de industrialização ........................................................28

1.3.6. A sexta crise iraniana .......................................................................29

1.3.6.1. A mudança na política iraniana perante os EUA ...................32

2. Análise dos conceitos ....................................................................................34

2.1. Identidade ..................................................................................................34

2.2. Identidade e Estado ...................................................................................36

2.3. O processo de formação de uma questão de segurança ..........................38

3. O relacionamento entre EUA e Irã após a Revolução Islâmica do Irã .......44

3.1 O compartilhamento de valores entre os Estados e a identidade como possível

divergência .........................................................................................44

3.1. Houve a construção de uma identidade comum? ......................................46

3.2. A importância do discurso para a relação EUA e Irã .................................47

Considerações finais ...........................................................................................51

Referencias bibliográficas ...................................................................................53

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Introdução

A relevância de se estudar o relacionamento entre Irã e Estados Unidos, no

período de quatro décadas, veio da tentativa de demonstrar se o Regime do Xá Pahlevi,

apoiado pelos Estados Unidos, representava a identidade nacional iraniana e se houve

uma mudança na representação desta identidade junto à mudança de governo com a

revolução, e se essa “nova” representação influenciou no estabelecimento da agenda de

segurança do Irã e dos Estados Unidos.

Durante quatro décadas (1940-1978), os Regimes dos Xás Reza Khan e Reza

Pahlevi exerceu um governo totalitário sobre sua população, e teve como principal

aliado os Estados Unidos da América (EUA). As relações entre os dois governos iam

muito além de relações comerciais, já que se tratava do contexto da Guerra Fria. O

governo estadunidense influenciava nas decisões, golpes e políticas do governo

iraniano.

O Irã tinha uma posição geográfica estratégica para a política estadunidense

daquele período: ao norte tinha como vizinho a principal potência oponente aos Estados

Unidos, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) - e por isso, a potência

capitalista tinha como objetivo fazer daquela região sua zona de influência.

Por fazer parte do Golfo Pérsico, o Irã era importante, uma vez que esta região é

uma das principais e mais ricas fontes de petróleo do mundo. Como o petróleo

movimentava a economia mundial, e as indústrias estadunidenses precisavam do

mesmo para manter e aumentar a sua produção, os Estados Unidos se aliaram ao Irã,

pois este era o segundo maior exportador de petróleo mundial.

Com o objetivo de tornar o Irã um aliado, o governo estadunidense incentivou o

Irã a se tornar uma potencia regional no Oriente Médio (HALLIDAY, 1979). Com esse

“apoio”, o governo iraniano iniciou o processo de “ocidentalização” do país. O Irã

também se tornou um dos principais parceiros na compra de armamento bélico dos

Estados Unidos. Com isso, a ditadura do Regime do Xá Pahlevi conseguiu seu

fortalecimento internamente e obteve o reconhecimento da sua posição de potência

regional.

A ajuda cedida pelo governo dos Estados Unidos não era somente na facilidade

de compra de armamento, mas também na disponibilização de agentes do FBI para

treinar a polícia do governo e as forças armadas, fortalecendo internamente a repressão

a qualquer tipo de oposição à ditadura iraniana (HALLIDAY, 1979). Além disso, os

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Estados Unidos tinham total influência na política interna do governo iraniano, ao ponto

de forçar o governo iraniano a criar um programa de reformas na luta contra o

socialismo. Esse programa ficou conhecido como a Revolução Branca, que ao invés de

obter resultados positivos para diminuir a desigualdade e fortalecer a economia,

aumentou a separação de classe e manteve o petróleo como a principal base de

economia do Irã.

As relações entre os dois países começaram a se deteriorar no governo do

presidente Jimmy Carter (1977 e 1981), pois este iniciou uma série de discursos sobre

os Direitos Humanos, indo contra a realidade do relacionamento entre o governo e a

população iraniana. Esses discursos ajudaram a fomentar as esperanças dos iranianos

de uma mudança na política do governo, enfraquecendo a imagem interna do Xá (LIMA,

2005).

A intervenção do governo estadunidense na política interna do Xá garantia uma

aparente ordem e controle da situação por parte dos EUA, pois as crises internas

enfrentadas pelo Irã desde a década de quarenta foram superadas com a sua ajuda. Em

1978, ainda com os impactos da última crise iraniana – recessão econômica, problemas

com os funcionários civis e militares e as conseqüências da implantação da Revolução

Branca - os governos iraniano e estadunidense se vêem abalados por um protesto

nacional contra as políticas do regime e da incapacidade da monarquia em consolidar

uma base política. Esse protesto iniciou a Revolução Islâmica do Irã, que ao final,

derrubou o Regime do Xá Pahlevi e deu início ao governo do Aiatolá Khomeini.

O tema proposto acima tem por objetivo analisar o relacionamento entre os

governos dos Estados Unidos e do Irã antes da Revolução Islâmica Iraniana em 1979,

analisando como essa relação foi modificada – com as seguintes hipóteses: se a

mudança governamental no Irã influenciou na criação de uma nova identidade ou fez

reaparecer a identidade iraniana de uma forma mais forte ao ponto de romper suas

relações com os EUA e, como ocorreu a modificação da visão estadunidense sobre o Irã

com sua nova forma de governo. O tema é relevante por proporcionar a compreensão

dos conflitos políticos entre Irã e Estados Unidos, através do histórico e análise do

relacionamento entre os dois países.

O trabalho se dividirá em três capítulos, da seguinte maneira:

No primeiro capítulo será feito um breve histórico do final da Segunda Guerra

Mundial e do surgimento da Guerra Fria, destacando como o Irã se encaixou nesse

novo contexto. Abordaremos os interesses estadunidenses sobre o Irã, como por

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exemplo, as questões do petróleo e da posição geográfica estratégica do Irã na disputa

de zonas de influencia no período da Guerra Fria.

Para ter uma melhor compreensão sobre como os interesses estadunidenses

foram conduzidos na política iraniana, será necessário fazer uma análise histórica,

abordando o Regime do Xá, sua relação com os Estados Unidos, sua relação com a

sociedade iraniana (da elite aos camponeses) e como o Regime conseguiu se sustentar

no poder durante muitos anos sem obter o apoio da maior parte da população, sua

forma de governo e suas crises.

Após esse histórico, trabalharemos os antecedentes da Revolução Islâmica do

Irã, o seu desenrolar e suas conseqüências internas (a queda do Regime do Xá e o

surgimento de uma política ligada aos interesses religiosos) e externas (o rompimento

das relações diplomáticas – como, por exemplo, a crise da embaixada – a guerra com o

Iraque – que foi financiada pelos Estados Unidos como uma tentativa de impedir que a

Revolução Islâmica se tornasse um exemplo para os países do Oriente Médio).

O segundo capítulo tem como objetivo definir os conceitos teóricos que serão

utilizados neste trabalho. Abordaremos o debate sobre o que são as questões de

segurança, o cálculo feito por um ator para a ampliação de sua agenda de segurança e

verificar se a identidade pode ser considerada uma questão de segurança e como essa

identidade é construída pelo emissor e, recebida pela audiência. Utilizaremos o conceito

de Barry Buzan sobre securitização, visando o estudo de como as questões de

identidade, no caso iraniano, se tornaram questões de extrema importância para a

segurança do Estado, junto aos seus novos representantes, levando em consideração

quais seriam as ameaças reais, compreendendo a interação entre os objetos referentes,

os atores securitizados e os atores funcionais.

Também discutiremos o processo de construção da identidade de um Estado

(quais são os fatores que influenciam ou não nessa construção) e como o discurso é

utilizado para a construção das questões de segurança. Estudaremos como ocorre a

construção social da segurança e quais são os fatores mais relevantes.

No terceiro capítulo, o principal foco será no relacionamento entre Irã e Estados

Unidos após a Revolução Islâmica do Irã, sendo retratadas as conseqüências da

mesma e a drástica mudança na forma de ver o outro. Para tanto, discutiremos se o que

ocorreu foi uma mudança na percepção da identidade iraniana ou se na verdade

ocorreu uma mudança na representação dessa identidade.

Em relação à representatividade da identidade nacional do Irã, discutiremos

como ela representava os interesses da sociedade, se um compartilhamento de valores

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entre o Regime do Xá e a população e, se depois da revolução, com a mudança de

governo e consequentemente, a mudança na representação da identidade, ocorreu

algum compartilhamento de valor entre o novo governo e a população, destacando

como foi esse processo.

Abordaremos também se houve o compartilhamento de valores entre o Irã e os

EUA no período do regime do Xá Pahlavi, e se houve uma troca de valores entre o novo

governo iraniano, representado pelo Aiatolá Khomeini e os EUA, que passou da posição

de principal aliado para oponente, destacando como a relação amigo/inimigo pode

ajudar no processo de securitização da identidade do Estado iraniano. Também será

discutido e analisado se nos casos acima, ocorreu ou não a construção de uma

identidade comum.

Ao final do capítulo, será analisado qual foi a importância do discurso e da

identidade nacional no relacionamento entre Irã e Estados Unidos ao longo de quatro

décadas, e como o mesmo foi emitido e recebido por ambos os atores ao longo do

tempo, contribuindo para o processo de deteriorização do relacionamento entre os dois

e para o processo de securitização da identidade iraniana.

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1. Da segunda Guerra Mundial à Revolução Islâmica do Irã

Este capítulo tratará da história do Irã desde a primeira crise no Irã em 1911 até o

final da guerra Irã-Iraque, retratando como o Irã se inseriu no cenário internacional, qual

era a sua importância no mesmo e como se dava as relações entre o Irã e os Estados

Unidos da América. Também mostrará como a sociedade iraniana reagiu ao longo dos

anos ao governo monárquico de seu país e de suas relações internacionais.

1.1. Fim da Segunda Guerra e a nova ordem internacional

O fim da Segunda Guerra Mundial gerou um impacto profundo nas sociedades

européias envolvidas no conflito. Esses países gastaram todas as suas reservas

econômicas, e tiveram que recorrer a empréstimos internacionais, levando ao

endividamento e a baixa da produtividade, pois além da falta de recursos financeiros,

houve a falta de mão de obra, já que ocorreu um grande deslocamento populacional, e

uma diminuição nos índices de natalidade (PADRÓS in REIS FILHO; FERREIRA;

ZENHA, 2005). Também essas sociedades sofreram com o medo das novas tecnologias

de destruição em massa e dos “perversos efeitos das ocupações” (PADRÓS in REIS

FILHO; FERREIRA; ZENHA, 2005). Para os países europeus e o Japão a prioridade era

recuperar-se ao ponto onde pararam antes da guerra (HOBSBAWM, 1995). Para os

Estados Unidos a prioridade era evitar uma crise de superprodução; e ainda evitar a

falência das economias européias, que tinham importância na manutenção da

supremacia estadunidense (PADRÓS in REIS FILHO; FERREIRA; ZENHA, 2005).

Os Estados Unidos nessa situação conseguiram obter o controle da economia

mundial com o acordo de Bretton Woods - que transformou os EUA em fiadores da

economia internacional-, a criação do FMI e do Banco Mundial. Como os países

europeus já haviam gastado quase toda a sua reserva de ouro para a sua reconstrução,

chegando a um ponto no qual não havia mais de onde tirar recursos para conseguir o

dólar. Isso levou o Tesouro americano a tomar medidas para evitar revoltas sociais e o

avanço dos partidos socialistas. Houve então, a criação da Doutrina Truman em 1947,

afirmando que os Estados Unidos só dariam ajuda aos “povos livres” ameaçados

(VIZENTINI in REIS FILHO; FERREIRA; ZENHA, 2005). Pouco tempo depois, o

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governo norte americano lança o Plano Marshall, que tinha como objetivo ceder

empréstimos para os governos europeus a juros baixo que abrissem suas economias

para os investidores estadunidenses. A URSS se opôs a essas medidas, pois acreditava

que a adoção das mesmas faria com que o Estado soviético perdesse o seu poder.

Os países europeus mantiveram uma postura ambígua em relação aos Estados

Unidos, ao mesmo tempo em que eram a favor eram contra; eles queriam ajuda para

combater o comunismo e reestruturar a economia européia, mas havia um temor de que

os Estados Unidos poderiam colocar seus interesses acima dos seus aliados

(HOBSBAWM, 1995). Com isso, os Estados europeus permitiram que os Estados

Unidos estabelecessem a sua hegemonia. Na realidade, não existia perigo iminente de

uma nova guerra mundial, pois tanto os Estados Unidos quanto a URSS aceitaram a

divisão mundial do fim da Segunda Guerra; A URSS ocupava a parte que conquistou no

final da segunda Guerra, no acordo de Yalta.1 Porém quando Truman assume o lugar de

Roosevelt, ele começa com uma política bastante rígida em relação a URSS, iniciando

uma disputa de demonstração de poder e força; e junto a Churchill elevando a

personificando a URSS como o “eixo do mal” (VIZENTINI in REIS FILHO; FERREIRA;

ZENHA, 2005). Com o objetivo de combater o financiamento estadunidense, o governo

soviético cria o Comecon para financiar a integração econômica do leste europeu.

Durante os anos de 1950 a 1962 a relação entre os Estados Unidos e a URSS

dentro do continente europeu passou por um período de coexistência pacífica, e as

economias européias conseguem se recuperar; e iniciou-se então, o período da corrida

espacial.

Porém, a Guerra Fria se deslocou para a periferia, incorporando os conflitos culturais

já existentes – as duas potências se envolvem nos conflitos direta ou indiretamente –

como, por exemplo, a Guerra da Coréia, o momento em que o Estado cubano se torna

socialista, dando um grande respaldo internacional para a URSS gerando a crise dos

mísseis.

A URSS começa a ter problemas dentro do seu bloco. Primeiro porque a sua

população se viu “desmoralizada” com a desestalinização2; e segundo com os

1 O acordo de Yalta assinado em fevereiro de 1945 por Churchill, Roosevelt e Stalin, determina que os países limítrofes da URSS na Europa não deveriam possuir governos anti-soviéticos, para assim poder garantir as fronteiras ocidentais, já que fora através desses países que a Alemanhã nazista havia invadido a URSS. Os EUA conseguem com que a URSS se comprometesse a entrar em guerra contra o Japão na Manchúria (VIZENTINI in REIS FILHO; FERREIRA; ZENHA, 2005).2 O secretário geral do partido Comunista, Nikita Kruchev, durante o XX Congresso do Partido Comunista em 1956, repudia o culto a personalidade de Stalin e denuncia os crimes ocorridos durante o governo do mesmo.

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problemas que passaria a ter com a China, especialmente depois de apoiar a Índia

(VIZENTINI in REIS FILHO; FERREIRA; ZENHA, 2005).

Durante a década de 1960, o mundo bipolar passa por uma nova fase,

estabelecendo-se a détente3. Com o assassinato do presidente norte-americano, J. F.

Kennedy, em 1963 e no ano seguinte, com a deposição de Kruchev, os novos líderes

das duas potências tentaram recuperar a antiga posição de seus países nas suas áreas

de influência, como por exemplo, os Estados Unidos se dedicaram à América Latina e

ao Vietnã e a URSS tentou restaurar a sua liderança no bloco socialista (VIZENTINI in

REIS FILHO; FERREIRA; ZENHA, 2005); Nesse período surgiram novos pólos

capitalistas, como por exemplo, o Japão. A URSS consegue atingir o equilíbrio nuclear

junto aos EUA, com os mísseis balísticos intercontinentais (VIZENTINI in REIS FILHO;

FERREIRA; ZENHA, 2005); Surge o Movimento dos Países Não Alinhados, que

recebeu o apoio da URSS.

O período acima (1962-1979) foi de grandes perdas para os Estados Unidos e para

a URSS; para o primeiro porque com a Guerra do Vietnã sua imagem perante o mundo

e sua economia – com a quebra do acordo de Bretton Woods, acabando com o padrão

ouro- dólar - sofreram desgastes, além das duas crises do petróleo nesse período (1973

e 1979); para a URSS com a questão da desestalinização, alguns países saíram do

bloco socialista, e com sua entrada no mercado dinamizado, a população tinha a

percepção de que o ocidente era mais desenvolvido do que eles mesmos.

A partir do ano de 1979 os Estados Unidos tentaram restaurar a bipolaridade. O

governo norte-americano passou a agir com maior inflexibilidade, abandonando a

détente. Uma das regiões de maior preocupação para os Estados Unidos era o Golfo

Pérsico, por causa da Revolução Islâmica do Irã, que se tornou um exemplo para o

mundo, um perigo tanto para os Estados Unidos, quanto para a URSS. Para os EUA o

problema se deu porque o Irã era o segundo maior exportador mundial de petróleo, pela

proximidade da região com a URSS e por ser um ponto estratégico para passagem para

outras regiões; Para a URSS o medo era de que a Revolução Iraniana inspirasse o

surgimento de outras revoluções, como aconteceu no Afeganistão, gerando um

problema em relação a legitimidade do Estado soviético.

3 O período da détente foi de 1962 -1978. Na primeira fase da década de 1960 foi um período onde ocorreu uma distensão da Guerra Fria entre as potências, pois a antiga URSS enfrentava problemas dentro do seu bloco (a aproximação com a Índia provocou desentendimentos com a China) e, os EUA sofriam com os desgastes da guerra com o Vietnã. Houve também o crescimento significativo das pequenas potências. Nesse período ocorreram a assinatura de tratados para frear a produção de armamento e a discussão das fronteiras, o que gerou problemas dentro do bloco soviético, pois houve o surgimento de novos movimentos sociais que enfraqueceram a política do bloco.Houve também o surgimento dos movimentos revolucionários e nacionalistas no terceiro mundo.

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A Guerra Fria chega ao seu fim quando no final da década de 1980, a URSS não

consegue se sustentar na nova corrida armamentista (iniciada pelos EUA após a

primeira crise do petróleo, em 1973, para reaquecer sua economia) suas reformas

políticas e econômicas não obtiveram o resultado esperado, o que acabou levando a

desintegração da URSS e ao final da Guerra Fria.

1.2. Os interesses estadunidenses na região

O relacionamento entre Irã e EUA começou no período final da Segunda Guerra

Mundial. Quando a Alemanha invade a URSS, os aliados viram o Irã como um local de

fácil acesso para enviar alimentos à URSS. Porém o governo iraniano se opôs a essa

decisão, e o país sofreu uma invasão anglo-russa, que depôs o governo iraniano. Os

EUA colocaram-se contra essa invasão, pois temiam que a aliança histórica entre o Irã e

a URSS (durante o período dos czares) levasse o país a aderir o socialismo. O território

iraniano ficou dominado pelo exército vermelho até 1946, quando os EUA forçaram que

a URSS a sair da região. Durante o regime do Xá Pahlevi (1941-1978), o governo

estadunidense manteve relações amistosas com o Irã, influenciando nas decisões,

golpes e políticas do governo iraniano

A posição territorial iraniana era de extremo interesse para os EUA. Ao norte tinha

como vizinho a URSS e, se tratando de um contexto de Guerra Fria isso deu ao Irã uma

posição estratégica na disputa de influencia na região. Outra importância na questão

geográfica, é que o Irã faz parte do Golfo Pérsico, se tornando naquele período o

segundo maior exportador de petróleo mundial.

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Figura 1- Mapa do IrãFonte: The University of Texas at Austin

Segundo Halliday (1979) os Estados Unidos incentivaram o Irã a se tornar uma

potência regional no Oriente Médio, pois o fato do governo iraniano transformar seu

poder potencial (dinheiro adquirido com a venda do petróleo) em poder real (a compra

de armas) era para obter forças tanto internamente quanto externamente para a ditadura

do Xá, e esse “ (...) fortalecimiento militar afectará inevitablemente el balance del poder

en esa región y sus relaciones internacionales, por lo menos durante algunos decenios.”

(HALLIDAY, 1979, p. 85).4

Incentivando o Irã a se tornar uma potência regional e apoiando as suas políticas, o

governo estadunidense buscava um aliado regional que fosse capaz de manter a

4 Tradução nossa: “ (...) fortalecimento militar afetará inevitavelmente o balanço de poder nessa região e suas relações internacionais, pelo menos durante algumas décadas.” (HALLIDAY, 1979, p. 85)

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estabilidade do capitalismo no Oriente Médio e também que lhe vendesse petróleo sem

nenhum obstáculo para sustentar a sua economia.

1.3. O regime do Xá e o desenvolvimento do capitalismo

1.3.1. Ditadura e desenvolvimento do país

A monarquia da família dos Xás Reza Khan (1925-1941) e Reza Pahlevi (1941-

1979) se instalou no Irã no ano de 1925, quando Reza Khan com a ajuda dos britânicos,

consegue depor o governo dos Qajars5 e assim, dando início ao processo de

ocidentalização – ou abertura para o capitalismo – no Irã. Essa monarquia consegue ao

longo do tempo obter o controle sobre um país centralizado, ter um exército grande e

permanente e transformar sua economia de pré-capitalista para capitalista em

desenvolvimento. O Regime do Xá Reza Khan tinha ao seu lado um exército forte e bem

estruturando e não existia nenhuma outra força capaz de enfrentar os governos dos

Xás.

A melhor forma de governo encontrada pelo Xá Pahlevi foi a ditadura, pois sabia

que era difícil sobreviver sem o apoio popular com uma burguesia fraca, tomando para

si o monopólio do uso da violência para conseguir garantir os interesses da classe

dominante e de seus aliados internacionais. Sendo o Estado iraniano capitalista, ele

criava formas de garantir as condições de reprodução e expansão das propriedades

capitalistas para fortalecer a sua burguesia que fora desestruturalizada no ano de 1908,

sendo assim ele teve a função de promover o crescimento das relações sociais

capitalistas juntamente com a expansão das forças produtivas (HALLIDAY, 1979).

Com a criação do partido único conhecido como “Partido de Ressurgimento

Nacional”, o Regime do Xá tomou para si o papel de único patrocinador e a única fonte

para o progresso, desestimulando qualquer movimento de mudança por parte da

população, que era obrigada a se comprometer com o governo através das declarações

de lealdade (HALLIDAY, 1979); algumas medidas foram tomadas para proibir a

emigração, a participação de advogados em casos políticos, os direitos à liberdade de

imprensa, que também se estendia aos sindicados, líderes religiosos e de aldeias,

5 Dinastia que governava o Irã desde o final do século XVIII.

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chefes tribais e intelectuais (HALLIDAY, 1979). Todos eram “aconselhados” a apoiar o

regime do Xá.

1.3.2. A Revolução Branca

No ano de 1961 o presidente John F. Kennedy iniciou o seu governo nos EUA.

Ele declarou que a ajuda ao Irã só continuaria se o Regime do Xá implementasse

algumas reformas à sua política, que fazia parte de sua luta contra o socialismo. Grupos

de oposição interna ao governo iraniano já exigiam que o mesmo fizesse algumas

mudanças significativas no país, por isso o Regime decide aderir à parte das

reclamações de sua oposição e a parte das reformas propostas pelo presidente

Kennedy, com o objetivo de fortalecer o seu governo e alargar o caminho para o

processo de desenvolvimento.

Em 1962 o governo iraniano inicia a chamada “Revolução Branca” que focava a

reforma agrária, a nacionalização das florestas, a privatização das empresas estatais,

ao direito de voto para as mulheres e a criação de um exército educativo para trabalhar

nas aldeias (HALLIDAY, 1979). Ao adotar essas reformas, o Xá queria mostrar que o

Estado iraniano estava se modernizando e que tinha uma grande preocupação com a

sua população.

1.3.2.1. Suas conseqüências sociais e políticas

A reforma proposta pelo governo para as áreas rurais foi a que teve maior

importância, já que mais da metade da população vivia no campo. Ela teve grande

importância para o governo no seu primeiro ano, pois o ajudou a superar a crise no

começo da década de 60, trouxe o apoio estadunidense e enfraqueceu sua oposição.

O problema da “Revolução Branca” foi a reforma agrária, pois essa ao invés de

diminuir a desigualdade e fortalecer a economia, aumentou a separação de classe e

manteve o petróleo como a principal base de economia do Irã, que ao mesmo tempo

que introduzia o capital na economia iraniana, limitava o desenvolvimento econômico,

pois esse produto não tem relações importantes com os outros setores da economia e

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suas tecnologia e mão-de-obra eram importadas de outros países, fazendo com que a

renda da população não aumentasse.

Ao invés de solucionar os problemas das áreas rurais, a reforma acabou gerando

maior desigualdade entre a população e mesmo que o campo se tornasse capitalista ele

não tinha forças suficientes para suportar as necessidades do outros setores da

economia; além disso, a reforma não foi aceita pelos grandes produtores, que não

queriam perder suas terras para a população, mesmo com as indenizações oferecidas

pelo governo.

Outro problema gerado pela reforma foi a incapacidade da mesma para aumentar

a produção agrícola – pois boa parte da população recebeu uma parte muito pequena

para plantação; o capital privado compra algumas aldeias, trocando a mão de obra

humana pelas máquinas agrícolas; o que gerou o surgimento de forma rápida de uma

nova posição social, a figura da burguesia rural (HALLIDAY, 1979).

1.3.3. As Forças Armadas

1.3.3.1. Seu papel político e social

Desde a década de 1920, as Forças Armadas do Irã foram consideradas a

principal instituição do Estado e, por isso, foram utilizadas como base dos Regimes do

Xá. Elas tiveram a função de sustentar os governos e reprimir a oposição para assim,

assegurar a estabilidade política da monarquia, sendo que os dois últimos golpes dos

Xás (o primeiro em 1921 e o segundo em 1953) tiveram o apoio e a intervenção direta

do exército.

De acordo com a Constituição Iraniana, o Xá era considerado o comandante em

exercício das Forças Armadas e se reunia com os chefes do exército duas vezes por

semana. O Xá obteve total controle sobre o exército. Nenhum general poderia se

encontrar com outro, ou até mesmo ir a Teerã sem a autorização do Xá, evitando que

alguém conseguisse obter força suficiente para derrubar o Regime; regularmente

mudava os principais generais; e utilizava da Organização Imperial como polícia secreta

para investigar seus oficiais, punindo aqueles que fosse acusados de corrupção.

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En 1974, tres generales y dos coroneles, todos ellos miembros del Cuerpo de Transportes de las Fuerzas Terrestres, fueron enjuiciados por corrupción. En febrero de 1976, el anterior jefe de la marina, contraalmirante Ramzi Abbas Attaie, y su segundo, (…) fueron sentenciados a cinco años de prisión por soborno, en un juicio en el que se sentenció a catorce personas, doce de ellas oficiales navales. (…) No cabe duda de que el control personal del Cha sobre el cuerpo de oficiales es mayor ahora que en 1963. (HALLIDAY, 1979, p. 91). 6

Aqueles membros das forças armadas que tinham uma estabilidade em suas funções

foram os que devotaram sua lealdade ao Xá.

Com a entrada do dinheiro do petróleo, o Xá fortaleceu o exército, comprando

um grande volume de armamento dos EUA. Essas compras foram efetuadas

diretamente pelo Xá, que não permitia que outras pessoas intermediassem a

negociação. Como

[…] la adquisición de armas que depende del conocimiento y los impulsos de una persona que no siempre tiene una visión realista de las capacidades de su país, Irán está comprometido ahora a comprar armas que sólo podrá usar si traer a decenas de millares de personal norteamericano. (HALLIDAY, 1979 p.91). 7

A compra de armamento estadunidense pelo governo iraniano, era justificada

pela eminência de um ataque soviético ao país, mas por trás desse discurso sabia-se

que a principal função das forças armadas era a manutenção do regime, aumentando a

repressão sobre a sociedade. “¿Saben ustedes lo que dijo a uno de los nuestros el jefe

del ejército iraní? Dijo que el ejército se encontraba en buena forma, gracias a la ayuda

norteamericana, y que ahora podía enfrentarse a la población civil.” (HALLIDAY, 1979,

p.99)8

O aparato militar do Estado iraniano era dividido nas seguintes unidades: Polícia

Militar, Polícia Rural e Urbana, Guarda Imperial, Gendarmería Imperial Iraniana,

SAVAK, Inteligência Militar (G-2), Inspetoria Imperial Iraniana e Escritório Especial. A

Inspetoria Imperial foi criada como respostas as acusações vindas dos EUA em relação

6 Tradução nossa: “Em 1974, três generais e dois coronéis, todos membros do Corpo de Transporte das Forças Terrestres, foram julgados por corrupção. Em fevereiro de 1976, o jefe anterior da marinha, Contra Almirante Ramzi Abbas Attaie, e seu segundo, (...) foram condenados a cinco anos de prisão por suborno, em um julgamento que condenou quatorze pessoas, doze delas oficiais navais. (...) Não há dúvida de que o controle pessoal do Xá sobre o corpo de oficiais é maior agora do que 1963.” (HALLIDAY, 1979, p. 91). 7 Tradução nossa: “ (...) a aquisição de armar que depende do conhecimento e dos impulsos de uma pessoa que nem sempre tem uma visão realista das capacidades de seu país, Irã esta comprometido agora a comprar armas que só poderá usar se trouxer dezenas de milhares do pessoal norte americano.” (HALLIDAY, 1979 p.91).8 Tradução nossa: “Vocês sabem o que disse um de nossos chefes do exército? Disse que o exército se encontrava em boa forma, graças a ajuda norte americana, e que agora poderia enfrentar a população civil.” (HALLIDAY, 1979, p.99).

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à corrupção e era utilizada pelo Xá para vigiar as Forças Armadas; a Inteligência Militar

tinha como objetivo evitar qualquer movimento insurgente contra o governo e por isso

tinha homens infiltrados em vários setores da sociedade, especialmente na área rural

para evitar o surgimento de guerrilhas; o Escritório Especial era a mais secreta das

instituições e dentre as suas responsabilidades estava a de vigiar a SAVAK (HALLIDAY,

1979).

A SAVAK (Organização Nacional de Informação e Segurança) foi criada como

uma nova área do serviço de espionagem do regime no ano de 1957, com o auxílio de

assessores estadunidenses. Esta nova unidade tinha como chefe o próprio Xá e sua

função era de obter informações para manter a estabilidade e segurança nacional e,

seus oficiais eram responsáveis por julgar os crimes políticos que estavam debaixo da

sua jurisdição. Em outras palavras a SAVAK era responsável por “(...) descubrir espías,

y de los sospechosos de violar las leyes referentes a la actividad antimonárquica, la

oposición armada, los crímenes militares e los atentados contra la vida del rey y del

príncipe de la Corona.” (HALLIDAY, 1979, p.103).9 Além de estar infiltrada em todos os

setores da sociedade iraniana e de julgar os criminosos, a SAVAK tinha informantes em

outras regiões da Ásia, Europa e nos Estados Unidos da América (HALLIDAY, 1979).

O governo iraniano sofreu várias advertências por parte de instituições como a

Anistia Internacional pela crueldade dos métodos utilizados pela SAVAK, por presos

não terem direito a advogados, a julgamentos abertos, a receber visitas, e pelos

mesmos terem sido presos por crimes políticos - era difícil saber quais presos estavam

ali por crimes políticos, pois eram classificados somente como criminosos, dando

respaldo para a afirmação do governo de que não existiam presos políticos. Os presos

só tinham suas penas reduzidas ou eram soltos quando após os processos de tortura

para cederem informações, aceitavam se retratarem nos tribunais e publicamente de

seus atos.

O Exército também tinha a função de integração regional, sendo utilizado como

forma de coerção para acabar com a resistência tribal em relação às políticas

governamentais e convencia pessoas humildes a se alistar para ganhar apoio da

população rural. Com isso, as Forças Armadas também atuaram como um instrumento

de apoio e difusão da ideologia do Regime do Xá e também, seus militares apoiaram o

programa de reforma agrária da Revolução Branca do governo iraniano.

9 Tradução nossa: “(...) descobrir espiões, e os suspeitos de violar as leis referentes a atividade monárquica, a oposição armada, os crimes militares e os atentados contra a vida do rei e do príncipe de Corona.” (HALLIDAY, 1979, p.103).

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1.3.3.2. Seu papel na economia

As Forças Armadas Iranianas também tiveram um papel importante na economia

do país. Grande parte dos investimentos governamentais estavam atrelados ao setor

militar. Na década de 1920 estima-se que o investimento no setor militar representou um

terço dos gastos governamentais e esses números foram aumentando ao longo do

tempo (HALLIDAY, 1979).

Entre 1953 y 1970, el gasto de la defensa aumentó de 67 a 844 millones de dólares, un incremento de más de 12 veces; entre 1970 e 1977 aumentó dicho gasto casi en la misma proporción para llegar a 9400 millones de dólares. En 1974, el año en que los incrementos del precio del petróleo se reflejaron en un aumento de 141 por ciento sobre el gasto del año anterior, el gasto en defensa representó el 32 por ciento del total de las asignaciones presupuestales, y aunque este porcentaje declinó un poco después de esa fecha, se estimó que en el plan de 1973-78 la defensa representaría el 31 por ciento del gasto planeado total, o sea más del 9 por ciento del PNB. (HALLIDAY, 1979, p. 94)10

As Forças Armadas também tiveram um papel importante para incentivar o setor

industrial do país, pois eram produzidos uniformes, munições e aumentou o número de

montadoras de automóveis, que estavam sob o comando de oficiais das indústrias

militares. Também aumentou a construção de ferrovias controladas pelos militares para

o transporte da produção do setor agrário.

As Forças Armadas foram uma das principais fontes de emprego direta e indireta

no país desde a década de vinte, pois os soldados não vinham das classes altas da

sociedade iraniana, mas sim das áreas rurais, aumentando a renda da população do

campo. Porém, com a compra de armamentos muito modernos iniciou-se a escassez de

mão de obra especializada, aumentando a dependência com mão de obra vinda do

exterior. Além disso, com o programa de desenvolvimento do país, as Forças Armadas

foram enviadas para as áreas rurais para combater o analfabetismo e para cuidar da

saúde da população. Na região de Bandar Abbas “(...) el puerto escogido como nuevo

cuartel general naval, ha aumentando de 18000 habitantes en 1960 a 200000 a

10 Tradução nossa: “Entre 1953 e 1970, o gasto com a defesa aumento de 67 para 84 milhões de dólares, um aumento de mais de doze vezes; entre 1970 e 1977 esse gasto aumentou na mesma proporção para chegar a 9400 milhões de dólares. Em 1974, ano que o aumento do preço do petróleo refletiu em um aumento de 141 % sobre o gasto do ano anterior, o gasto com a defesa representou 32% do total de atribuições orçamentárias, e embora esta porcentagem tenha declinado pouco depois dessa data, se estimou que no plano de 1973-1978 a defesa representaria 31% do gasto do planejamento total, ou seja mais de 9% do PNB.” (HALLIDAY, 1979, p. 94).

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principios de los años setenta, y se espera que llegue a 400000 para 1980.” (HALLIDAY,

1979, p. 96). 11

1.3.3.3. Influência e dependência nos EUA

O relacionamento entre Irã e EUA começou no ano de 1941, quando a URSS e a

Grã Bretanha invadem o território iraniano. Como o exército do Irã estava totalmente

destruído, os EUA enviaram missões para dar auxílio na restauração do exército e para

ajudar a combater os invasores.

Com o início da Guerra Fria, as relações com os dois países se consolidaram e

além das missões auxiliadoras, os EUA enviaram missões operativas (conhecidas pelo

nome de Armish) e material bélico para fortalecer o exército iraniano e, no ano de 1950

os Estados firmaram um Acordo de Assistência de Defesa Recíproca. Entre os anos de

1946 a 1970 os EUA deram uma ajuda no valor de 1 365.6 milhões de dólares e desde

o final da Segunda Guerra Mundial até o ano de 1975, mais de 11.000 mil militares

iranianos receberam treinamento estadunidense.

Foi com a ajuda do governo estadunidense que no ano de 1953 o Xá Reza

Pahlevi consegue voltar ao poder com um golpe e se estabelecer até o final da década

de 1970.

Durante este periodo, los Estados Unidos mantuvieron por lo menos cuatro misiones militares separadas en Irán: GENMISH, que se encargó de la GII, las dos misiones de las fuerzas armadas, ARMISH y MAAG, y una misión secreta con la SAVAK. A fines de los años cincuenta, trabajaran con las fuerzas armadas iraníes hasta 900 militares norteamericanos. (HALLIDAY, 1979, p. 121)12

Na década de 1960, durante seu governo, o presidente Kennedy fez duras

críticas a situação do Estado iraniano, impondo uma série de medidas (conhecidas

como Revolução Branca). Dentre essas crítica estava a questão da corrupção dentro do

corpo militar, levando ao Xá diminuir seu número de oficiais e punir muitos acusados de

11 Tradução nossa: “O porto escolhido como novo quartel general naval, aumentou de 18000 habitantes em 1960 para 200000 no início dos anos setenta, y se espera que chegue a 400000 em 1980.” (HALLIDAY, 1979, p. 96).12 Tradução nossa: “Durante este período, os Estados Unidos mantiveram pelo menos quatro missões militares separadas no Irã: GENMISH, que se encarrego da GII, as missões das forças armadas, ARMISH e MAAG, e uma missão secreta com a SAVAK. No final dos anos cinqüenta, trabalharm com as forças armadas iranianas até 900 militares norte americanos.” (HALLIDAY, 1979, p. 121).

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corrupção. Depois desta difícil fase, o governo iraniano consegue aumentar a compra de

armamentos.

No ano de 1972 o presidente Nixon assina um acordo secreto com o Xá,

permitindo a venda de armas convencionais para o Irã, em especial os aviões F-14 e F-

15 (HALLIDAY, 1979). Em 1973 com a elevação do preço do petróleo, o Irã aumenta a

sua capacidade para comprar armas e passa a ser o maior comprador de armamento

estadunidense do período (HALLIDAY, 1979).

Esses fatos acarretaram problemas tanto internamente quanto externamente

para o Irã. Primeiro porque não havia nenhuma agência do governo iraniano para

controlar o fluxo de entrada e saída de armas no Irã, toda a responsabilidade estava

centralizada na pessoa do Xá. Isso levou a desconfiança entre ambos os Estados. Da

parte do Irã, o Xá acusava as empresas estadunidenses de vender armamento inútil e,

da parte dos EUA o congresso tinha dúvidas sobre a capacidade militar do Irã para

poder usar as armas adquiridas e se o Regime do Xá não tinha intenções de reconstruir

o grande Império Persa.

Um segundo fato a ser apontando foi a falta de mão de obra especializada para

utilização das novas armas do exército, pois não existia uma estimativa da capacidade

militar iraniana, só se sabia que ela não tinha experiência pratica igual a países como

Índia e Israel. A falta de mão de obra qualificada gerou um outro problema, a

dependência de mão de obra de ex - militares estadunidenses. Em 1980 havia por volta

de 50000/ 60000 estadunidenses morando com suas famílias no Irã, para prestar

serviços militares, diretamente enviados em nome do governo dos EUA ou contratados

pelo governo do Irã (HALLIDAY, 1979).

1.3.3. As crises iranianas

Até o ano de 1978, o Irã havia passado por cinco importantes crises políticas. A

primeira crise ficou conhecida como “Revolução Constitucional” que ocorreu entre os

anos de 1905 a 1911. Ela foi uma tentativa de reformar a monarquia, estabelecendo

uma constituição e um parlamento para poder limitar o poder estabelecido pelos

monarcas até então. Ela não obteve sucesso, pois o Xá Qajars (regime que estava no

trono desde o século XVIII) com a ajuda da Rússia conseguiu reduzir seus efeitos e

ganhar de seus opositores. Apesar do fracasso desta crise, já que nenhuma mudança

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ocorreu, sua importância se deve por ter sido o primeiro movimento no Irã que tentou

limitar o poder da monarquia.

A segunda crise ocorreu durante o período da Primeira Guerra Mundial. Com a

Revolução Russa de 1917, o Xá dos Qajars perdera o seu principal aliado e o Irã foi

invadido por tropas russas, britânicas e turcas, que aproveitaram os movimentos

separatistas que insurgiram dentro do Irã nesse período. No ano de 1925 o líder de um

dos movimentos separatistas, Reza Khan, com apoio britânico depõe o Regime do Xá

Qajars, implantando o seu próprio regime e dando continuidade a monarquia. Com esse

novo regime o Irã tem seu governo aberto ao mundo capitalista (HALLIDAY, 1979).

A terceira crise teve início em 1941, quando após a invasão alemã ao território

soviético o governo de Reza Khan se opôs a liberar o seu território para que os aliados

enviassem suprimentos para a URSS. Em agosto de 1941 o Irã sofreu uma invasão de

tropas anglo-soviéticas que derrotou o governo de Reza Khan. Seu filho assume o

poder, porém não conseguiu obter liberdade para governar, pois as tropas ficaram no

país até o ano de 1946, quando a URSS não querendo entrar em confronto com os

EUA, que deram apoio político e financeiro ao Irã, retirou as suas tropas.

Ainda no ano de 1941 iniciou-se a quarta crise iraniana. A questão discutida foi a

da nacionalização do petróleo, pois quem obtinha o monopólio do petróleo iraniano era a

Anglo-Iranian Oil Company, uma empresa de propriedade britânica. No ano de 1951, o

então primeiro ministro iraniano Mohammad Mossadeq com alguns deputados,

nacionaliza o petróleo iraniano. Essa atitude não foi bem vista aos olhos da sociedade

internacional, pois o primeiro ministro iraniano foi considerado comunista e por isso o Xá

com a ajuda dos EUA o tira do poder.

Desde o ano de 1958 o governo enfrentava problemas com funcionários civis e

militares e a economia iraniana passava por um período de grande recessão. Na década

de 1960, o então presidente dos EUA J. F. Kennedy impõe uma série de condições para

continuar o apoio financeiro cedido ao Irã, pois acreditava que o único caminho para

impedir que o comunismo chegasse ao Irã era através desse programa (da mesma

forma que foi feito com a Aliança para o progresso na América Latina). Parte dessa

proposta agradou a oposição do Regime do Xá. Este decidiu então, adotar

vigorosamente as reformas propostas pelo presidente Kennedy, para poder fortalecer o

Estado e atrair a oposição para o seu lado. Essa reforma – que já foi tratada nesse

trabalho - não obteve o sucesso esperado e, no ano de 1963 quando o exército é

chamado para deter as manifestações lideradas pelos ulema13 em Teerã e em mais

13 Termo utilizado para descrever o corpo clérigo do Islã. São pessoas que completam vários anos de estudo no islamismo. Também são conhecidos como árbitros da charia, que é o direito islâmico.

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algumas cidades, matando milhares de pessoas (HALLIDAY, 1979) e com isso aumenta

a oposição popular ao regime do Xá. Essa foi suprimida até o ano de 1978, quando

ocorreu a Revolução Islâmica do Irã.

1.3.5. O processo de industrialização

A partir da década de 1960, a economia iraniana deu um salto positivo com o

desenvolvimento capitalista. O grande financiador desse período foi o petróleo. Mas ao

mesmo tempo em que este produto sustentava toda a economia iraniana ele limitava o

seu desenvolvimento, pois ele não tinha relações importantes com os outros setores da

economia, já que sua tecnologia, mão de obra e até mesmo os alimentos servidos aos

trabalhadores deste setor eram importados.

Nesse período a meta do governo iraniano era o processo de substituição de

importações e isso gerou um aumento significativo no número de indústrias em Teerã e

em suas regiões próximas, como por exemplo, a indústria de automóveis.

Com o aumento do preço do petróleo no ano de 1963, o Estado pode aumentar

para 60% os financiamentos no setor privado. Além deste tipo de financiamento, o

governo não cobrava taxas altas das indústrias, criou bancos responsáveis por

empréstimos com baixo juros para o setor privado e assumiu a responsabilidade para a

construção da infra-estrutura necessária para o processo de industrialização (estradas,

portos, sistemas de energia, etc). O capital estrangeiro também estava presente nesse

processo, pois o governo iraniano não cobrava impostos das indústrias estrangeiras que

quisessem se instalar em seu território.

Mas esse processo trouxe grandes problemas para o país. O primeiro problema

foi a concentração da renda nas mãos da burguesia, sendo que cerca de 85% das

empresas do país se concentravam nas mãos de 45 famílias (HALLIDAY, 1979). O

segundo problema foi que com o passar do tempo, o governo iraniano não cumpria seus

compromissos com as indústrias estrangeiras que retiraram o seu capital e sua

tecnologia do país. Outro problema grave era a falta de mão de obra qualificada para

trabalhar nas indústrias levando à diminuição da capacidade produtiva do país. Com o

aumento da inflação no país na década de 1970, os produtos iranianos ficam mais caro

do que os do mercado internacional e por isso não eram competitivos.

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O setor industrial do Irã era ineficiente e acabou afetando as outras áreas da

economia. A distribuição dos investimentos estatais era desigual, deixando de lado, por

exemplo, o setor da agricultura, onde se concentrava a maior parte da população, além

desse setor não prover as matérias primas necessárias para o processo de

industrialização do país. O fracasso do setor agrícola esta diretamente ligado ao setor

industrial e com isso a imagem do regime do Xá perante a população foi cada vez mais

denegrida.

1.3.6. A sexta crise iraniana

O Irã chega a década de 1970 com vários problemas internos: a longa crise da

agricultura, o aumento da desigualdade nas áreas rurais, baixa produtividade do setor

industrial – este não conseguia competir com as manufaturas estrangeiras - , a má fase

do Regime do Xá, que era visto como um governo incapaz de fazer reformas sociais e

econômicas e de controlar a corrupção, os investimos no setor militar geraram altos

custo governamentais e, por fim a insatisfação de parte da burguesia, que no ano de

1977 começou a falar abertamente contra o Regime do Xá (HALLIDAY, 1979).

Políticos e intelectuais começaram a publicar cartas e artigos em que

demonstravam a insatisfação da população perante o Regime do Xá. Logo após esses

eventos, especialmente os estudantes universitários iniciam uma série de protestos

contra o governo. Estes protestos eram reprimidos duramente pela SAVAK. Em seguida

o Regime do Xá começou a combater os aiatolás, líderes religiosos e os mollahs,

funcionários das mesquitas. O filho do Aiatolá Khomeini morre em um acidente de carro

e na época suspeitava-se que fora planejado pelo Xá (HALLIDAY, 1979).

Na véspera do ano novo de 1978, o presidente estadunidense Jimmy Carter faz

uma visita ao Irã, reforçando o seu apoio ao Xá Pahlevi e liberando a uma nova venda

de armas ao Irã em torno de 10 bilhões de dólares (LIMA 2005). No ano de 1978 o

governo liberou a imprensa oficial a falar de alguns movimentos da oposição, mas ao

mesmo tempo endureceu sua política para combater militarmente a população: colocou

um novo chefe na SAVAK, o general Nasser Moqaddem, veterano oficial do serviço de

espionagem que era totalmente contra as reformas liberais propostas pela população.

Começa então um período no qual a SAVAK combateu de forma mais árdua a

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população, como por exemplo, a instalação de bombas nas casas de políticos da

oposição (HALLIDAY, 1979).

Em janeiro de 1978 um artigo publicado no jornal Ittila’at “acusava o Aiatolá

Khomeini de ser traidor e oponente do programa de reforma do Xá, além de culpa-lo

pelas mortes ocorridas nas várias revoltas de 1963 e de sugerir sua colaboração com

inimigos externos.” (LIMA, 2005, p. 80). Esses dois eventos culminaram nas

manifestações no dia 8 de janeiro em Qom (o centro religioso do Irã), onde clérigos e

estudantes tomam as ruas da cidade em marcha de protestos. A polícia reage de forma

violenta, o que resultou na morte de dezenas de pessoas. No dia seguinte ocorre um

novo protesto dos estudantes na cidade, exigindo o estabelecimento de um Estado

Islâmico e o retorno do Aiatolá Khomeini (LIMA, 2005). Em solidariedade aos mortos nas

manifestações de Qom, em fevereiro começou em Tabriz vários protestos que depois se

espalharam para outras províncias do Irã, sendo que todos foram duramente reprimidos.

Os protestos se espalharam, entre 30 de março e 02 de abril, para Teerã, Mashhad, Khomein, Isfahan, Miyanah, Rizaiyah e Zarand, atinginfo nas duas primeiras semanas de maio Shiraz e, movamente Teerã, Tabris e Qom. Seguiram-se uma greve geral em Qom e outras demosntrações, desta vez pacíficas, em Isafahan, Tabris, Ahwaz, Khurramshahr, Yazd e Zanja, entre 16 e 18 de junho, e revoltas violentas em Mashhad, em 25 de julho, e em outras cidades no final de julho. Em agosto, confrontações sangrentas tomaram lugar em Ishahan nos das 10 e 11; mais de 400 pessoas morreram no dia 19, num incêndio no Rex Cinema em Abadan, incidente que desencadeou outras demonstrações naquela cidade. (LIMA, 2005, p. 80)

Em setembro do mesmo ano ocorreu uma das maiores manifestações populares

no Irã do século XX, no qual especialmente mulheres pediam mudanças no Regime.

Logo em seguida o Xá proíbe qualquer tipo de manifestação e, em resposta no dia 7 de

setembro, cerca de 300 mil pessoas vão as ruas protestar contra o governo. Nesse

movimento a população permaneceu nas ruas de Teerã até a manhã do dia 8 de

setembro, quando o Xá manda o exército as ruas para reprimir o movimento, que ficou

conhecido como “sexta-feira negra”, pois centenas de manifestantes foram mortos

(HALLIDAY, 1979; LIMA,2005). Em seguida o governo declara a lei marcial no país.

Em outubro, as revoltas continuaram em Mashhad, Qom, Teerã e Hamadan e, no dia 27, manifestantes oposicionistas tomaram controle de uma cidade inteira no norte do Irã, Babul. Ademais, grandes demonstrações que quase sempre terminavam com derramamento de sangue fecharam o mês de outubro em trinta e seis cidades. (LIMA, 2005, p. 81)

Ao perceber a incapacidade de sua política para lidar com a efervescência social

e a falta de apoio da administração do presidente estadunidense Jimmy Carter, o Xá no

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dia seis de novembro indicou um governo militar, dirigido pelo general Gholam Reza

Azhari. Mesmo após a instauração de um governo militar, as revoltas aumentaram em

todo o país, pedindo o retorno de Aiatolá Khomeini, a “expulsão” dos EUA e a morte do

Xá Reza Pahlevi. “Os meses de novembro de 1978 a fevereiro do ano seguinte

testemunharam, além de constantes manifestações e protestos em todo o país, inúmera

greves, as quais contaram com a participação coletiva de trabalhadores do setor

petrolífero.” (LIMA, 2005, p. 81)

Outro problema encontrado pelo Regime do Xá nesse período foi a situação

interna do exército iraniano, “que passou a sofrer uma série de deserções, o que

enfraquecia ainda mais a capacidade do Xá de controlar a situação doméstica e, por

conseguinte, de garantir a perpetuação da dinastia Pahlevi.” (LIMA, 2005, p. 81).

Na tentativa de auxiliar o governo iraniano a se restabelecer, em dezembro de

1978 o governo estadunidense envia uma série de recomendações:

i) o Xá deveria abandonar sua postura vacilante e agir; ii) a restauração da estabilidade por um governo civil era preferível; mas iii) se isso fosse possível, o Xá deveria indicar um ‘governo militar firme’ que pusesse fim à desordem e à violência; e iv) caso nenhuma destas opções fosse viável, o Xá deveria considerar o estabelecimento de um Conselho Regente (o que implicava que ele abdicasse do trono em favor de seu filho) para supervisionar o governo militar então estabelecido. (LIMA, 2005, p. 82).

Porém o Xá Pahlevi afastou-se das recomendações estadunidenses, e promoveu

uma mudança radical para tentar colocar um fim na crise. Primeiro declara o fim da lei

marcial, depõe o governo militar e em seguida o Xá recorreu aos membros da oposição

moderada para discutir a situação do país (LIMA, 2005). No dia 29 de dezembro, o Xá

Pahlevi concordou que fosse criado de um governo de reforma pelo liberal-democrata

Sahapour Bakhtiar e, em 16 de janeiro de 1979 Pahlevi foi deposto e abandona Teerã e,

em 2 de fevereiro o Aiatolá Khomeini regressa ao país, de forma triunfante.

Em Washington com a notícia das manifestações civis no Irã e da falta de

habilidade do Regime do Xá em negociar com a população, os departamentos de

governo tentavam encontrar quem era o “culpado” pelo desastre ocorrido, e para

agravar a situação mundial veio a segunda crise do petróleo aumentando os preços em

150% (HALLIDAY, 1979).

No ápice das manifestações da revolução iraniana em 1979, nove meses depois

da volta de Khomeini ao Irã, ocorreu a invasão da embaixada dos Estados Unidos por

um grupo de estudantes que associavam os estadunidenses como os principais aliados

do Xá. Essa invasão gerou uma crise que durou em torno de 444 dias, com o seqüestro

dos funcionários da embaixada.

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Após o período da revolução foi instaurada a República Islâmica do Irã. Durante

essa nova fase da política iraniana, um dos principais objetivos da política do novo

governo era levar a revolução para os outros países, e a independência da política em

relação aos EUA e a URSS (LIMA, 2005).

1.3.6.1. A mudança na política iraniana perante os EUA

Os Estados Unidos tentaram manter relações diplomáticas moderadas com os

líderes do período pós-revolução e, com isso conseguiram colocar outra vez em

território iraniano a sua força de inteligência para juntar informações sobre o novo

Estado, porém não mantinham relações com o governo e não reconheciam

publicamente a revolução, fazendo com que tanto o governo quanto a população do Irã

ficassem cada vez mais insatisfeitos com a postura do governo estadunidense. (LIMA,

2005).

Como a Revolução Iraniana, junto a outras situações da conjuntura internacional,

abalaram internamente o governo de Carter, a posição norte-americana em relação ao

Irã mudou completamente e, com a guerra Irã x Iraque (1980-1988) os EUA passam a

apoiar e ajudar o Iraque. A partir de então os EUA tomam medidas em que tentam

barrar a revolução islâmica por todo o oriente e para isso transformam a imagem do Irã

de grande amigo na região para inimigo que deve ser detido.

Na década de 1980, a guerra entre Irã e Iraque trouxe outra preocupação para os

interesses estadunidenses, pois temiam que o acesso ao petróleo do Golfo Pérsico

fosse impedido pelos países da própria região e não pela URSS. Os Estados Unidos

declaram então que a proteção dos fluxos de petróleo no Oriente Médio faz parte de seu

interesse vital e que fariam qualquer ação que fosse necessária, inclusive enviando sua

força militar.

Inicialmente os Estados Unidos se declararam neutros, mas apoiaram o Iraque

durante os oito anos de conflito. Contudo, em um momento do governo de Reagan, os

Estados Unidos apoiavam os dois lados (com as transações secretas de armas), e no

ano de 1987 entraram com participação direta na guerra em favor do Iraque. Durante

esse período o Irã entrou em conflito político e em algumas situações, conflito armado

com a Arábia Saudita, com o Kuwait, com o Qatar e no Líbano, contra a ocupação

israelense.

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A postura ofensiva do Irã no cenário regional alertou os Estados do Golfo e acabou por provocar o seu isolamento, tendência reforçada em meados da década de 1980 pela posição dos Estados Unidos e de alguns de seus aliados de apoio ao Iraque durante a guerra que travava com o Irã. (LIMA, 2005, p. 90)

Com o final da guerra o Irã estava debilitado e a política adotada pelo governo foi

pautada na necessidade que o país passava. O Irã iria se reconciliar com as outras

nações, para assim atrair o capital e os investimentos das empresas estrangeiras (LIMA,

2005). No cenário internacional, o mundo via a queda de uma das grandes potências, a

URSS e, junto com ela o mundo assistia ao fim do período da Guerra Fria. Com isso

houve um “descongelamento” da história, ressurgindo antigos conflitos com o seu real

significado (deixando de lado a disputa capitalismo X socialismo); impulsionando a

discussão de outros temas e teorias, abrindo espaço para novos movimentos.

2. Análise dos conceitos

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Neste capítulo, serão discutidos os conceitos utilizados neste trabalho e, para isso

dividido em três partes. A primeira parte tratará da conceitualização de identidade e a

dicotomia entre identidade e diferença, apresentada pelo autor Tomaz Silva (2006). A

segunda parte tratará da relação entre o Estado e a identidade, mostrando como a

política externa de um Estado é baseada na sua identidade e, na distinção do “outro”. A

terceira parte versará sobre o conceito de segurança, trabalhando com o processo de

securitização de um objeto para que ele possa se tornar uma questão de segurança

internacional e, qual são os requisitos para que isso ocorra.

2.1. Identidade

Giddens (2005) afirma que o conceito de identidade na sociologia é multifacetado

e pode ser abordado de inúmeras formas. Para ele, de um modo geral, a identidade é

intrínseca a um conjunto de compreensões que as pessoas mantêm para si, afirmando

que:

A identidade refere-se ao entendimento que as pessoas têm sobre quem são e o que é importante para elas. A identidade social descreve as características que são atribuídas a um indivíduo por outros. Essas atribuições são amiúde feitas com base nos grupos sociais a que um indivíduo parece pertencer – como homem, asiático ou católico – e marcam de que forma um indivíduo é igual a outros. A auto-identidade, ou a identidade pessoal, nos diferencia como indivíduos distintos. Refere-se ao juízo singular de si mesmo que é produzido pelo autodesenvolvimento e pela constante interação do indivíduo com o mundo exterior (GIDDENS, 2005, p. 56-57).

A identidade pode ser caracterizada como um conceito relacional, ou seja, sua

existência depende de algo exterior a si mesma para existir. Quando se diz “sou

americano”, é porque existe mais de uma nacionalidade, fazendo com que a pessoa que

diz ser americano se diferencia das outras que não o são. É sabendo que existe outra

identidade, que uma identidade consegue sobreviver. Por exemplo, um iraniano ao se

deparar com um americano, percebe diferenças entre suas características e, isso

reforça a sua noção de identidade. Sendo assim, a identidade forma

[...] uma extensa cadeia de ‘negações’, de expressões negativas de identidade, de diferenças. Por trás da afirmação ‘sou brasileiro’ deve-se ler: ‘não sou argentino’, ‘não sou chinês’, ‘não sou japonês’ e assim por diante, numa cadeia, neste caso, quase interminável. (SILVA, 2006, p.75).

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Pode-se dizer então, que identidade e diferença são vistas como mutuamente

determinantes, pois a diferença não é uma simples conseqüência da identidade e, esta

por sua vez não é uma simples conseqüência da diferença, uma está diretamente

relacionada ao processo de formação e identificação da outra.

A identidade é resultante de atos de criação lingüística (SILVA, 2006), sendo

assim, ela é construída dentro das relações sociais e culturais. Isso significa que a

identidade é criada por meio de atos de linguagem, pois ela precisa ser nomeada e, é

através dos atos de fala que uma identidade se determina como diferente de outras, ou

seja, “[...] a língua não passa de um sistema de diferenciação.” (SILVA, 2006, p.77).

É importante ressaltar que a identidade está submetida às relações de poder já

que “elas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem

harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas.”

(SILVA, 2006, p.81). Segundo Tomaz Silva (2006) quando se afirma a identidade, pode-

se explicar o anseio dos diversos grupos sociais (que estão organizados de forma

assimétrica) de assegurar a obtenção dos bens sociais. Isso demonstra que a

identidade está estritamente ligada às relações de poder da sociedade.

Dessa forma, a identidade pode se traduzir em

[...] declarações sobre quem pertence e quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre “nós” e “eles”. Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. [...] Os pronomes “nós” e “eles” não são, aqui, simples categorias gramaticais, mas evidentes indicadores de posições-de-sujeito fortemente marcadas por relações de poder. (SILVA, 2006, p. 82).

O processo de criação da identidade, segundo Tomaz Silva (2006), ocorre de

duas formas: a primeira são os processos de fixação e estabilização da identidade e a

segunda são os processos que tentam subverte-la. Sobre o processo de fixação o autor

mostra que:

No caso das identidades nacionais, é extremamente comum, por exemplo, o apelo a mitos fundadores [...] é necessário criar laços imaginários que permitam ‘ligar’ pessoas que, sem eles seriam simplesmente indivíduos isolados, sem nenhum “sentimento” de terem qualquer coisa em comum. (SILVA, 2006, p. 85).

No processo de subversão da identidade recorre-se a idéia de movimento, como

por exemplo, a diáspora e o nomadismo, trazendo a idéia de identidade móvel, já que

esse tipo de movimento pode colocar em contato culturas diferentes que poderão sofrer

o processo de miscigenação e assim, desestabilizar suas identidades originais.

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Outro fator a ser considerado no processo de formação da identidade é o da

representação. A identidade depende da representação para obter sentido, “ganhar

vida”. Além disso, é através da representação que a identidade se relaciona aos

sistemas de poder. “Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e

determinar a identidade.” (SILVA, 2006, p. 91). Junto à representação, pode-se

acrescentar a idéia de “performatividade” de J.A.Austin, que vai muito além das

proposições descritivas, pois ela se caracteriza por uma proposição que fará algo

acontecer, como por exemplo, a frase “Declaro aberto os jogos” (SILVA,2006).

Para Tomaz Silva (2006) “a eficácia dos enunciados perfomativos ligados à

identidade depende de sua incessante repetição “[...] é de sua repetição e, sobretudo,

da possibilidade de sua repetição, que vem a força da produção da identidade.” (SILVA,

2006, p.94), e ele cita que para Judith Butler ao mesmo tempo em que a repetição

assegura a eficiência dos atos peformativos reforçando a identidade.

Significa também a interrupção daquelas identidades hegemônicas, sendo que essa

repetição pode ser questionada, interrompida e até contestada e é aí que surge a

possibilidade de estabelecimento de identidades que não representam simplesmente as

relações de poder existentes e também, é nessa possibilidade que os atos performativos

são caracterizados.

2.2. Identidade e Estado

Como foi visto anteriormente, a identidade é construída de acordo com o contexto

histórico onde ela está inserida. E, em relação à construção da identidade do Estado,

deve-se analisar as questões políticas que ajudam na sua formação. Para que isso

ocorra, é necessário que haja a desconstrução:

de conceitos sobre IDENTIDADE (...)para a compreensão sobre a maneira como são construídas as identidades - possibilitando a desnaturalização de identidades outrora reificadas14 - e para que sejam mostradas as práticas políticas que se encontram por detrás de tais construções, sendo que, para eles, é só através da desconstrução que se cria espaço para que articulações alternativas de identidade sejam pensadas. (OLIVIERA, 2006, p. 71)

David Campbell (1998) trabalha com a relação existente entre “identidade” e

“diferente”. Segundo o autor, para podermos entender o “diferente” ou “estrangeiro” do

14 “(...) reificação pressupõe que nós nem percebamos mais nas outras pessoas as suas características que as tornam propriamente exemplares do gênero humano: tratar alguém como uma “coisa” significa justamente tomá-la(o) como “algo”, despido de quaisquer características ou habilidades humanas.” (HONNETH, 2008,p.70).

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Estado, é preciso entender as relações exteriores do Estado, já que o “estrangeiro” se

refere a tudo aquilo que não está dentro do Estado. Ele também afirma que a política

externa dos Estados é o reflexo da sua identidade nacional, na tentativa de estabilizar

sua identidade e garantir a sua existência. Para Campbell a identidade – coletiva ou

pessoal – é construída em relação à diferença e esta por sua vez, é construída pela

identidade. Essa relação é criada através do discurso.

Os Estados, ao longo da história, constituíram as suas idéias sobre as

identidades nacionais através de um regulado processo de repetição, na tentativa de

fixar a sua identidade, pois era através da mesma, que eles poderiam obter a base para

a sua sobrevivência. Porém, segundo Campbell (1998) “as transformações trazidas pelo

processo de globalização colocam em cheque as identidades nacionais e em

conseqüência, os próprios Estados (...)” (CAMPBELL apud OLIVEIRA, 2006, p. 72).

Num movimento de autodefesa, os Estados passam então a procurar situações que reforcem a necessidade da idéia identidade nacional, submetendo suas populações a “discursos de perigo”. A política externa aparece então como o instrumento do Estado para defender sua população contra esses perigos do mundo externo. (OLIVEIRA, 2006, p. 72)

Para Campbell (1998) os Estados modelam a sua identidade através dos

relacionamentos mantidos na sua política esterna. Segundo Oliveira (2006), Campbell

adota uma metodologia perspectivista para analisar como a política externa americana,

ao determinar quem é o “estrangeiro”, consegue “produzir e reproduzir” a sua

identidade.

No perspectivismo de Campbell, tudo é discurso e a preocupação central gira em torno da consideração das conseqüências políticas manifestadas pela adoção de um modo de representação em detrimento de outros, isto é, pela escolha de um discurso em detrimento de outro. (OLIVEIRA, 2006, p. 73)

Ela argumenta ainda que, para Campbell, os Estados reafirmam suas identidades

e suas fronteiras territoriais com o “discurso do medo”, delimitando que o “outro”, o

“estrangeiro” sempre está relacionado com a noção do medo, estabelecendo e

reafirmando os seus espaços morais. Assim os Estados criam uma fronteira ética

através da dicotomia “dentro/fora”, “doméstico/estrangeiro”, mostrando aqueles que são

de “fora” como fontes de perigo.

Segundo Oliveira (2006), Campbell faz uma analogia de gênero/corpo com

identidade/Estado, pois o Estado para ser legitimado precisa do apoio (da identidade) do

povo, utilizando o nacionalismo como uma forma de se legitimizar e garantir a sua

existência.

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Assim, a identidade estaria para o Estado assim como o gênero para o corpo, e se a essencialização do gênero tem por propósito a disciplinarização da sexualidade, o propósito da essencialização da identidade seria a disciplinarização da forma como entendemos a política mundial. (OLIVEIRA, 2006, p. 74)

Porém, como foi visto a identidade não é fixa, ela se transforma ao longo da

história. Se essa identidade que não é fixa e, esta mesma identidade é a base da

sobrevivência do Estado, existe então, a necessidade de reafirmá-la constantemente

para garantir a estabilidade e sobrevivência do Estado e, para isso, pode ser utilizado o

“discurso do medo”, considerando o “outro”, o “estrangeiro”, como perigo.

A articulação constante do perigo através da política externa é, portanto, não uma ameaça para a identidade ou para a existência de um estado; mas sim sua própria condição de possibilidade. (CAMPBELL, 1992:12 in OLIVEIRA, 2006, p. 75)

É importante ressaltar que para Campbell, por causa da relação tensa existente

entre necessidades da identidade e aquelas práticas que a constituem, os Estados não

são entidades acabas, já que essa tensa relação não consegue obter de forma completa

a resolução de suas questões.

2.3. O processo de formação de uma questão de segurança

As questões de segurança em Relações Internacionais podem ser discutidas em

duas visões segundo Barry Buzan (1998). A primeira visão é a tradicional, na qual, o

tema é dividido em três esferas (política, tática e estratégia) e tudo o que se refere às

questões de segurança está conectado ao uso da força.

A segunda visão (que o autor defende) é a “ampla”, na qual, a segurança não

necessariamente está atrelada aos problemas da esfera militar e, por isso, nem sempre

está conectada ao uso da força. Nessa visão, segurança pode ser uma questão da

esfera econômica, política, ambiental, societal e militar.

Para Buzan, é através do discurso que um objeto passa de uma simples questão

doméstica para uma questão de segurança internacional do Estado. Essa visão parte de

uma metodologia transnacionalista, onde o Estado não é considerado como o único ator

internacional, mas se destaca a existência de múltiplos atores internacionais.

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Mas então o que seria uma questão de segurança em Relações Internacionais?

Geralmente são questões enraizadas na visão tradicional, onde segurança está ligada

ao poder político-militar, isto é, segurança significa sobrevivência. Um problema de

segurança se dá quando um objeto de referência sofre uma ameaça existencial. Para

Buzan, essa natureza da ameaça existencial tem sido usada para legitimar o uso da

força.

A invocação da segurança tem sido a chave para legitimar o uso da força, mas em geral isso abriu o caminho para o Estado mobilizar, ou obter poderes especiais, para segurar estas ameaças existenciais. Tradicionalmente, por dizer “segurança”, o Estado representativo declara uma condição emergencial, assim reclamando um direito de usar qualquer meio que seja necessário para bloquear uma ameaça em andamento. (BUZAN, 1998, p. 21) 15

Segundo Buzan, quando se considera a agenda ampla, para poder se identificar

o que seria uma “ameaça existencial” e o que seriam as “medidas emergenciais” e,

como ocorre a diferença entre os processos de politização e de securitização, é

necessário observar qual é o objeto de referência que está sendo tratado, pois em cada

setor, esse objeto será diferente. Por exemplo, no setor militar o objeto de referência

geralmente é o Estado, sendo que

O Estudo tradicional de segurança tende a ver todos os assuntos militares como instancias de segurança, mas este pode não ser o caso. Para muitas das democracias avançadas, a defesa do Estado está se tornando somente uma, e talvez nem mesmo a principal de fato, função das forças armadas. Seus militares devem ser cada vez mais treinados e requisitados para atividades de suporte de rotina da ordem mundial, tais como manutenção da paz ou intervenção humanitária, que não podem ser vistas como ameaças existenciais aos seus Estados ou até mesmo como ações emergenciais no sentido de suspender as regras normais. (BUZAN, 1998, p.22) 16

Já no setor político, ameaça existencial é definida em termos de princípios

constitutivos do Estado, como por exemplo, a soberania. Esta pode sofrer uma ameaça

existencial ao ser questionada sobre sua legitimidade e/ou reconhecimento. A ideologia

também pode ser considerada neste caso. Para Buzan,

15 Tradução nossa: “The invocation of security has been the key to legitimizing the use of force, but more generally it has opened the way for the state to mobilize, or to take special powers, to handle existential threats. Traditionally, by saying “security”, a state representative, declares an emergency condition, thus claiming a right to use whatever means are necessary to block a threatening development.” (BUZAN, 1998, p. 21)16 Tradução nossa: “Traditional security studies tends to see all military affairs as instances of security, but this may not be the case. For many of the advanced democracies, defense of the state is becoming only one, and perhaps not even the main de facto, function of the armed forces. Their militaries may be increasingly trained and called upon to support routine world order activities, such as peacekeeping or humanitarian intervention, that cannot be viewed as concerning existential threats to their states or even as emergency action in the sense of suspending normal rules.” (BUZAN, 1998, p.22).

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Entre as relações cada vez mais interdependentes e institucionalizadas característica do ocidente (cada vez mais do sistema internacional como um todo) uma variedade de objetos referentes supranacionais estão também se tornando importantes. A União européia (UE) pode ser ameaçada existencialmente por eventos que pode desfazer o seu processo de integração. Regimes internacionais, e sociedade internacional mais largamente, podem ser existencialmente ameaçados por situações que inderteminam os papeis, as normas, e instituições que constituem esses regimes. (BUZAN, 1998, p. 22)17

No setor societal (caso de estudo deste trabalho), o objeto referente geralmente

são as identidades coletivas, que podem ter um funcionamento independente do Estado

– nações e religiões entram aqui.

Dada a natureza peculiar desse tipo de objeto referente, é extremamente difícil de estabelecer limites rígidos que diferenciam ameaças existencial de ameaças menores. Identidades coletivas naturalmente envolvem uma mudança na resposta para desenvolvimentos internos e externos. Tais mudanças podem ser vistas como evasivas ou hereges e suas fontes apontam como uma ameaça existencial, ou elas podem ser aceitas como parte da evolução da identidade. Dada a natureza conservativa de “identidade”, é sempre possível pintar desafios e mudanças como ameaças para identidade (...)não importa o caminho que nós estamos ou o caminho que devemos estar para que seja verdadeiro para nossa “identidade”. (...). As habilidades de manter e reproduzir uma linguagem, um ajuste de costumes comportamentais, ou uma concepção de pureza étnica podem todos ser lançados em termo de sobrevivência. (BUZAN, 1998, p. 23) 18

É através do discurso que um objeto é elevado ao status de uma questão de

segurança. Para Buzan, “‘Segurança’ é o movimento que leva a política além das regras

estabelecidas pelo jogo e estrutura a questão tanto como um tipo especial de política

como acima da política.” (BUZAN, 1998, p. 23). Para uma questão ser politizada, é

necessário que ela saia da esfera privada e passe a ser tratada como uma questão de

política pública, sendo que esse deslocamento não irá garantir o processo de

securitização19 dessa questão. Para ela ser elevada ao nível de uma questão

17 Tradução nossa: “Among the ever more interdependent and institutionalized relations characteristics of the West (and increasingly of the international system as a whole), a variety of supranational referent objects are also becoming important. The European Union (EU) can be existentially threatened by events that might undo its integration process. International regimes, an international society more broadly, can be existentially threatened by situations that undermine the rules, norms, and institutions that constitute those regimes.” (BUZAN, 1998, p. 22).18 Tradução nossa: “Collective identities naturally evolve and change in response to internal and external developments. Such changes may be seen as invasive or heretical and their sources pointed to as existential treats, or they may be accepted as part of the evolution of identity. Given the conservative nature of “identity”, it is always possible to paint challenges and changes as threats to identity (…) no longer the way we were or the way we ought to be to be true our “identity”. The abilities to maintain and reproduce a language, a set of behavioral customs, or a conception of ethnic purity can all be cast in terms of survival.” (BUZAN, 1998, p. 23).19 O processo de securitização – que será discutido neste trabalho - ocorre quando uma questão passa a ser elevada ao status de um problema de segurança nacional que esta sendo ameaçado existencialmente.

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securitizada, ela deve ser considerada uma questão de ameaça existencial e, por isso,

irá requerer decisões emergenciais, relembrando que é através do discurso que uma

questão passa a ser considerada como securitizada.

Buzan cita em seu livro exemplos de questões que foram securitizadas, dentre

elas a cultura e a religião no Irã. Isso demonstra que qualquer tema da agenda ampla

pode se tornar uma questão de segurança. Também existe o caminho inverso a este

apresentado, quando uma questão é (des) securitizada, deixando de ser um problema

de segurança internacional e, (des) politizada, deixando assim de ser um problema

debatido na esfera pública.

Para a análise da segurança é necessário distinguir três tipos de unidades

envolvidas: o objeto referente, o ator securitizador e, os atores funcionais. A primeira

unidade, objetos referentes, é a representação das questões que são consideradas

ameaçadas existencialmente, tendo uma legítima reclamação de sobrevivência.

A segunda unidade, ator securitizado, são os atores que através do discurso

fazem o processo de securitização de um objeto que consideram como sendo

ameaçado existencialmente. A terceira unidade, atores funcionais, é o ator que afeta a

dinâmica do setor que está sendo securitizado ou não, mas não está tentando

securitizar o objeto em questão.

Tradicionalmente, o objeto referente nas questões de relações internacionais tem

sido o Estado, sendo que para este a sobrevivência se refere à sua soberania, enquanto

para a nação, a sobrevivência se refere à identidade. Para ser um ator securitizador, um

grupo tem que elevar uma questão que se refere à ameaça da coletividade, como um

todo, por isso, nem toda questão será securitizada, somente aquelas que são apontadas

como necessárias para a sobrevivência do coletivo.

Segundo Buzan, segurança tradicionalmente

(…) Diz respeito a estado e o estado é e deveria trazer segurança, com ênfase na segurança política e militar. Uma complicada linha de pensamento liberal diria que o estado não tem outra função além de prover segurança. Quando isso (segurança) extrapola o controle do estado, nós temos uma problemática situação de securitizaçao tal como risco ambiental; quando o estado expande para além da segurança nós temos problemas tais como fusão da segurança econômica com protecionismo. É possível projetar a posição da segurança que o estado deveria oferecer e lutar contra todas as tentativas de se “fazer” segurança com referência a outros quesitos que somente através do estado o processo de securitização pode ser democraticamente controlado. (BUZAN, 1998, p. 37)20

20 Tradução nossa: “(...) is and should be about the state and the state is and should be about security, with the emphasis on military and political security. A hard-line liberal might say the state has no legitimate functions other than security. When security is expanded beyond the state, we have problematic securitizations such as environmental security; when the state expands beyond security

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Buzan continua dizendo que segurança não é somente referida ao Estado, mas

que essa é uma área tendenciosa e que privilegia o Estado, pois historicamente ele é

considerado o principal ator nas questões relacionadas a segurança e também como o

ator que está mais adequado estruturalmente para lidar com este propósito.

O ator de securitização é caracterizado por uma pessoa ou por um grupo que faz

o discurso de segurança - podendo ser desde líderes políticos a grupos de pressão -,

mas esse discurso não pode ser voltado para a sua própria segurança. Com isso seus

argumentos demonstram, na maioria das vezes, que é de vital importância defender a

segurança seja da nação, da civilização, do Estado ou de alguma outra questão que

esteja ameaçada.

Para Buzan, é importante diferenciar o objeto referente do ator de securitização,

pois geralmente significa que existe uma categoria diferente de “audiência” – este é o

público alvo que discursos de securitização tentam convencer a concordar e aceitar com

os seus argumentos para alguma questão de segurança.

O ator de securitização tem que ter legitimidade para falar em nome do objeto de

referencia, discursando sobre os valores que estão em jogo, como por exemplo a

identidade. Geralmente o Estado tem regras que delimitam aqueles que podem falar em

seu nome, aqueles que são os seus representantes, sendo que o governo tem o direito

de falar e agir em nome do Estado. Já no caso do meio ambiente ou da nação as regras

estabelecidas para um ator falar em seu nome não são formais o que leva a problemas

de legitimidade, mais até que os gerados no setor estatal, pois as regras nos primeiros

além de não serem formais são menos rígidas do que as do Estado. Sendo assim, é

mais fácil falar da atuação de um representante do Estado do que de um representante

da nação e/ou meio ambiente.

A importância de se distinguir objetos referentes de atores securitizados vem de

que em cada contexto do processo de securitização, um objeto referente pode ser

diferente de um ator de securitização ou como no caso do Estado, eles podem ser

iguais, com um representante autorizado pelo Estado a falar em nome do mesmo.

Como já foi dito, o processo de securitização usa constantemente o discurso e

nem sempre o objeto a ser securitizado é algo material, como no caso do Irã, que teve

como objeto referente a religião, mostrando assim que segurança é um conceito

subjetivo que trabalha com alternativas hipotéticas sobre o futuro.

we have problems such as the conflation of economic security with protectionism. It is possible to tale the state-security position and argue politically against all attempts to ‘do’ security with reference to other referent objects on the ground that only through the state can the process of securitization be controlled democratically and kept in check.” (BUZAN, 1998, p. 37).

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É necessário que sejam identificadas quais são as percepções dos atores de

segurança, pois são elas que decidirão e delimitarão quais ações serão tomadas para

impedir que seu objeto referente seja ameaçado. O discurso é utilizado por esse ator

para tentar convencer a sua audiência a aceitar que o objeto referente em questão está

sendo ameaçado existencialmente e é, portanto essa audiência que vai decidir se a

questão será ou não securitizada.

A partir desse ponto, o próximo capítulo fará uma análise sobre as relações entre

Irã e EUA pós Revolução iraniana através das questões de como a identidade

influenciou para o acirramento entre os dois países e de como se dava a relação e

formação da identidade entre a população iraniana e o governo do Xá.

3. O relacionamento entre EUA e Irã após a Revolução Islâmica do Irã

3.1 O compartilhamento de valores entre os Estados e a identidade como possível

divergência

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Com o processo de ocidentalização iniciado no ano de 1925 com a ajuda da

Inglaterra, o governo iraniano passa a adotar novos valores que vieram do mundo

ocidental para tornar o seu país “moderno”, desvalorizando assim, toda a cultura de sua

população e, obrigando a mesma a aceitar um novo padrão. Durante o governo do Xá

Pahlevi (1941-1979), para tentar controlar a insatisfação gerada na população por esse

processo e para obrigar a lealdade dos mesmo, foram proibidas as ações dos líderes

dos principais setores das sociedade.

Nesse período, os EUA apoiaram o Irã tanto nas suas políticas internas quanto

nas externas, para demonstrar aos outros países do Golfo Pérsico que todos os países

que aderiam ao capitalismo prosperavam, sendo assim, houve um compartilhamento de

valores entre os governos estadunidenses e o Xá iraniano, pois enquanto os EUA

ajudavam o Irã no seu processo de ocidentalização, inserção internacional e de

manutenção do Regime, o Xá ajudava no combate ao comunismo na região. Com isso,

o relacionamento entre os dois países se tornou cada vez mais estreito e a população

iraniana passou a atrelar a imagem do governo do Xá aos EUA, atribuindo a esses os

principais eventos que ocorriam em seu país.

Como a Revolução Branca não conseguiu alcançar o seu objetivo inicial, pelo

contrário, trouxe mais pobreza e desigualdade para a sociedade iraniana, a população

no ano de 1963 iniciou protestos, liderados na maioria das vezes pelos líderes

religiosos, em várias cidades do país, contra as medidas adotadas pelo governo para

beneficiar o capitalismo e foi reprimida duramente pelo exército em nome do governo.

Os líderes desses protestos foram punidos e o Aiatolá Khomeini foi obrigado a sair do

país. A partir desse momento, ele se transforma na principal representação do

sofrimento e anseio de liberdade da população iraniana.

No início da década de 1970, os principais problemas do país eram a falta de

apoio da maior parte da população, inclusive das elites, crise na agricultura - que afetou

profundamente a população iraniana, já que sua maior parte vivia no campo -,

problemas no processo de industrialização, elevados gastos governamentais, falta de

reforma nos processos econômicos e sociais, e uma grande corrupção que o governo

não conseguiu controlar, especialmente nas Forças Armadas.

Novamente começa uma onda de protestos nas cidades iranianas contra o

Regime do Xá, liderados por universitários. Em resposta o governo aumenta a

repressão do exército nas ruas e combate aos líderes religiosos do país, proibindo as

manifestações no ano de 1978. Assim, a população se afastava mais do governo além

de pedirem o retorno da principal figura da futura revolução, o Aiatolá Khomeini.

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Demandavam a expulsão do Xá e de seus aliados - EUA - o que aconteceu no ano de

1979, culminando assim no êxito da Revolução e no estabelecimento da República

Islâmica do Irã.

Em relação aos EUA, seus interesses em apoiar o governo do Xá eram para

garantir uma potencia capitalista na região e para obter o fornecimento de petróleo mais

barato. Mas para isso, os EUA tiveram de ajudar o Regime do Xá a se manter

internamente, fortalecendo o seu exército para reprimir a população e estabilizar o seu

governo. Por causa dessa postura dos EUA em relação ao governo do Irã, a população

iraniana via o seu país como um fantoche nas mãos dos estadunidenses e para eles,

não adiantava somente retirar o Regime do Xá do poder, mas também acabar com

qualquer influência dos EUA em seu país, sendo que este passa a ser visto pela

população iraniana como grande inimigo.

Todo o processo da Revolução Islâmica do Irã mostra que não havia um

compartilhamento de valores e interesses entre o Regime do Xá e a população, pois

enquanto o Regime tentou “modernizar” o país para se inserir internacionalmente e se

aliar aos EUA como forma de manter o seu governo, a população não quis aderir aos

novos valores propostos, pois teriam que abrir mão de toda a sua cultura colocando em

risco a sua identidade.

Devido a isso, a presença da política ocidental imposta pelo Regime do Xá Reza

Pahlevi no Irã era vista como uma ameaça existencial a identidade da nação, a tradição

religiosa e a cultura. Essa política não era legitimada pela população, por isso foi

necessário a utilização da força para estabelecer o regime político iraniano. Nesse

contexto, a população identificou que a sua cultura, mais especificamente a sua religião

estava com a sua sobrevivência ameaçada e que para isso era preciso ocorrer o

processo de securitização da mesma, o que será visto no próximo tópico.

3.2. Houve a construção de uma identidade comum?

Desde o começo de seu governo, o Regime do Xá Reza Khan iniciou o processo

de ocidentalização de seu país e para isso, era necessário mudar o setor industrial do

país e como conseqüência, essa mudança atingiu vários setores da sociedade que

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faziam parte da tradição cultural do Irã, como por exemplo o afastamento dos líderes

religiosos da política.

O governo de Reza Pahlevi, na tentativa de dar continuidade ao processo de

ocidentalização, fortaleceu as forças armadas para sustentar a monarquia e impedir que

a oposição se expressasse no país. Nesse período, o Xá sempre se comparou a

imagem do rei Ciro da Pérsia, como se o Irã estivesse outra vez vivenciando os tempo

do grande império Persa, e que sua função seria manter a ordem e a estabilidade da

região, fazendo assim uma alusão quando o rei Ciro libertou os prisioneiros do império

babilônico. Com isso, a monarquia dos Xás criou um discurso na tentativa de

internamente fazer com que a população o apoiasse, em nome do grande rei Persa e,

externamente para mostrar qual eram as suas intenções para a região.

Nesse período a maior parte da população se viu reprimida, sem direito à

liberdade e sendo forçada a mudar sua cultura para poder acelerar a implementação do

capitalismo e de uma cultura ocidental no país. Enquanto o Xá fazia grandes banquetes

para impressionar os representantes de seus Estados aliados, a população passava

fome e várias famílias vendiam os seus filhos e sequer tinham roupas para vestir. Isso

foi uma das conseqüências que a Revolução Branca trouxe para a população iraniana.

Junto a pobreza gerada pela situação do país, o elevado nível de corrupção e

desemprego, o Xá foi duramente atacado pelo Aiatolá Khomeini que estava exilado. O

Aiatolá conseguia publicar várias declarações dentro do Irã se opondo ao Regime dos

Xás. Nesses textos, Khomeini se opunha ao Xá por considerar este um traidor do Islã e

dos fundamentos islâmicos, pois mantinha relações com os EUA e vendia petróleo para

Israel, além de mandar matar vários líderes religiosos, invadir as escolar religiosas e

matar todos aqueles que se opunham ao seu governo abertamente. Nessas

declarações, o Aiatolá Khomeini convocou o povo e, em especial, os líderes religiosos a

fazerem manifestações contra o Xá, pois eles teriam que prestar conta ao seu Deus por

deixar que uma monarquia totalitarista destruísse o seu povo e a sua cultura.

Percebe-se então que nesse contexto, a identidade da população iraniana foi

ameaçada, pois o Regime do Xá impôs uma nova cultura, onde os valores e princípios

do povo do Irã, em especial a religião teriam que ser modificados. Então, a identidade

iraniana, que estava sendo ameaçada existencialmente, passaria pelo processo de

securitização. A partir desse momento houve uma quebra no processo de construção de

identidade entre a audiência e o Xá dando uma abertura para o reconhecimento e

identificação do Aiatolá Khomeini com a mesma.

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Nesse processo de securitização da identidade iraniana, a religião é o objeto

referente, pois a audiência acreditava que para manter a sua existência, a sua

identidade não poderia ser transformada drasticamente, pois para eles o fato de serem

iranianos estava diretamente relacionado ao fato de serem xiitas, um não existiria sem o

outro. O ator de securitização foi o Aiatolá Khomeini, que desde o ano de 1963

conseguiu com que a audiência elevasse a questão da identidade iraniana ao ponto de

uma questão de segurança através de seus discursos.

Com a saída do Xá Reza Pahlevi e sua família do país a revolução iraniana

atingiu o seu objetivo de securitizar a religião. Quando o Aiatolá Khomeini regressou ao

país, foi instaurado a República Islâmica do Irã.

Pode-se afirmar que houve a construção de uma identidade em comum entre o

Aiatolá e a audiência, pois especialmente durante todo o ano de 1978, todas

manifestações ocorridas foram incentivadas por Khomeini já que para ele a

sobrevivência da cultura e em especial da religião, só aconteceria se o Regime dos Xás

fosse deposto. Além disso, a audiência aderiu aos ideais e princípios discursados pelo

Aiatolá, legitimando sua política na construção de um novo Estado que fosse de acordo

com os princípios pregados pelo Islã.

No próximo tópico trataremos sobre o principal fator para a securitização da

identidade iraniana e para a manutenção da República Islâmica, que foi o discurso

empregado pelos atores envolvidos e de como o discurso do novo governo pós-

revolução afetou as relações entre Irã e EUA.

3.3. A importância do discurso para a relação EUA e Irã

Nos anos do Regime dos Xás Reza Khan e Reza Pahlevi, o projeto de

ocidentalização do país foi utilizado para manter e estabilizar o governo e para formar

novas alianças internacionalmente. Para os Xás conseguirem se manter no poder, foi

necessário a implantação de um regime com base no poderio militar e com o apoio

estadunidense.

Os Xás mantinham os seus interesses através da opressão da população,

proibindo qualquer tipo de manifestação contra seus governos e, para tentar atrair a

população a concordar com suas atitudes, implantou um sistema para modificar a

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cultura do país, como por exemplo afastando os líderes religiosos da política, pois não

cabia a eles participarem das decisões do país.

Em relação aos EUA, nesse período o Xá alinhou os seus discursos com os do

governo estadunidense, pois este tinha o objetivo de manter o Irã como aliado para

estabilizar o capitalismo na região e para que isso ocorresse era necessário que a

cultura do Irã entrasse nos padrões ocidentais. Tanto por parte do governo

estadunidense quanto do governo iraniano não foram medidos esforços para que esse

processo ocorresse, indo contra aos interesses da população, como por exemplo, o

treinamento dado pelo exército estadunidense para a polícia iraniana, a repressão

exercida pelo Regime do Xá e a retirada dos líderes religiosos das decisões políticas .

Já o Aiatolá Khomeini, desde o ano de 1963, quando foi exilado, havia se tornado

o representante da população, conseguindo convencê-los com sua indignação em

relação ao governo do Xá, por não respeitar os princípios do Islã e oprimir a população.

Também manifestava contra a quantidade de mão-de-obra estrangeira no país, pois

enquanto a população, que não tinha mão de obra especializada estava,

desempregada, o governo iraniano trazia pessoas qualificadas de outros países, em

especial dos EUA, para trabalharem no Irã, sendo que a cada dia aumentava o número

de estrangeiros residentes no país. Outro fator de protesto por parte de Khomeini foi a

ratificação de um acordo com os EUA, adotando a Convenção de Viena de 192821 para

todo cidadão estadunidense e seus bens, dando a eles o direitos de permanecer imunes

dentro do Irã.

Foi por meio do exílio de Khomeini que a população começou a se manifestar

contra o governo no próprio ano de 1963, querendo que o Aiatolá se tornasse rei do Irã

e foram reprimidos duramente. Já na década de 1970, Khomeini, mesmo exilado,

consegue ser um dos indutores dos levantes ocorrido no Irã, especialmente depois que

seu filho morre em um acidente de carro e a população acreditou que este acidente foi

encomendado pelo governo do Xá, Com isso, seu filho foi considerado com mais um

dos mártires iranianos, aumentando o prestígio do Aiatolá no país.

O Regime dos Xás tentou criar um discurso, já falho por si mesmo, em que

igualasse as duas culturas, enquanto o Aiatolá Khomeini criou um discurso baseado na

diferença entre as culturas do Irã e do ocidente, no medo de que o “diferente” o

“estrangeiro”, acabasse com todos os seus valores, princípios e até mesmo com a sua

história. Esse discurso construído com a identificação da religião e oposição ao goerno

21 A Convenção de Viena de 1928 teve como objetivo de definir quais são os direitos e deveres dos Estados no que se trata às relações diplomáticas. Foi nessa convenção que se definiu a imunidade e quais são os privilégios do corpo diplomático.

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obteve sucesso, pois a audiência se via ameaçada por estar sob o domínio de um

governo que não representava os seus valores, princípios e interesses.

Foi através dos discursos empregados pelo Aiatolá Khomeini que a população

acreditou que poderia continuar mantendo a sua identidade nacional intacta e longe de

qualquer ameaça, e para isso era necessário depor o Xá, e junto dele, a influência dos

EUA. Por isso, no período pós-revolução, o Irã se encarregou da missão de levar a

revolução islâmica para todos os países da região, para que se livrassem da opressão

de seus líderes, e também queriam ter uma política independente do capitalismo e do

socialismo, já que acreditavam que as mesmas iam contra aos valores islâmicos.

Como já foi dito, após a queda do Xá e a instauração da República Islâmica do

Irã, os EUA tentaram restabelecer as relações com o Irã, que até aquele período era o

seu principal aliado na região, mandando seus agentes para negociar com a parte

moderada do governo iraniano. Mas depois das tentativas falharem, já que o governo

estadunidense não reconhecia o novo governo iraniano e não negociava diretamente

com o mesmo, com a crise da embaixada americana e com o início da guerra entre

Iraque e Irã, o governo estadunidense passa a apoiar o Iraque, fornecendo armamentos

e apoio político.

Com a invasão do Líbano por Israel em 1982, o Irã apóia o Líbano e envia seus

agentes para participarem de treinamentos e atentados contra o exército de Israel no

território libanês. A partir desse momento, os EUA declaram que o Irã é um dos seus

inimigos e o incluem na lista dos países terroristas.

É possível afirmar que os problemas entre o governo do Xá e os EUA com a

população iraniana se deram pela falta de habilidade do governo em prover a

“modernização” do país, já que a mesma não trouxe benefícios para a população, ao

contrário, trouxe graves problemas econômicos, aumentando a desigualdade social no

país.

Além desse fator, o processo de modernização sustentava a política opressora

do Xá, cujo qual a população já estava insatisfeita, pois não garantia os direitos e

ameaçava a cultura religiosa do Estado. Na tentativa de manter viva tal cultura religiosa,

a população adotou o discurso securitizador do Aiatolá Khomeini, com o intuito de

securitizar a religião, já que esta, na percepção da população iraniana, e do Aiatolá

Khomeini, era o principal símbolo de sua identidade nacional.

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Considerações finais

O tema proposto teve como objetivo analisar como se deu a deterioração do

relacionamento entre Irã e EUA, depois de quatro décadas de aliança política e

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econômica, e avaliar quais foram os fatores que teriam influenciado esse fenômeno, se

foi a mudança governamental no Irã influenciou na criação de uma nova identidade ou

fez com que a identidade iraniana aparecesse de uma forma mais forte ao ponto de

romper suas relações com os EUA, e como ocorreu a modificação da visão

estadunidense sobre o Irã com sua nova forma de governo. Para tanto, no primeiro

capítulo foi apresentado como ocorreu a construção do relacionamento entre os dois

países, analisando todos os fatores externos e internos que incentivaram a aliança entre

eles.

Em seguida, o capitulo trata da situação interna do Irã no período da aliança com

os EUA, mostrando como este influenciou e direcionou o governo iraniano tanto

internamento, com o apoio ao seu regime, treinamento militar, acordos econômicos e

mão-de-obra especializada, quanto externamente na tentativa de tornar o Irã em uma

potência regional para defender os interesses capitalistas no Golfo Pérsico.

Foi visto também no primeiro capítulo, o processo da Revolução Branca e suas

conseqüências além de todas as crises políticas ocorridas no Irã, em especial a sexta

crise, conhecida como a revolução iraniana e suas conseqüências para a política e

relações exteriores do país.

No segundo capítulo, foi abordada a temática da identidade, sobre o que seria a

identidade da nação, como ela é formada, como o Estado usa a mesma como forma de

política exterior e como ela é utilizada através do discurso do medo nas políticas

adotadas pelos governos.

Outro ponto tratado no segundo capítulo foi sobre o que é uma questão de

segurança e como ela pode ser identificada. Foi abordado também o que é um processo

de politização e securitização de um problema, quais são os atores envolvidos nesses

processos, como ele ocorre e como o discurso é importante para a securitização de uma

questão.

No terceiro capítulo foi analisado se no período dos governos dos Xás Reza Khan

e Reza Pahlevi houve um compartilhamento de valores com os EUA e com a sociedade

iraniana. Também foi analisado de que forma a identidade iraniana poderia ter levado ao

rompimento das relações entre os dois países.

Ao final do capítulo foi analisado se ocorreu a construção de uma identidade em

comum entre os Regimes dos Xás e a audiência iraniana, e entre o Aiatolá Khomeini e a

audiência iraniana, e como o discurso entre as partes influenciou para o rompimento das

relações entre Irã e EUA e para o processo de securitização da religião no país.

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Pode-se então concluir que o fator que influenciou para a deterioração das

relações entre Irã e EUA foi o reaparecimento da questão da identidade iraniana em

específico da religião e seu processo de securitização na tentativa de sobrevivência dos

valores e da cultura iraniana, gerando a Revolução Islâmica do Irã, pois a audiência

iraniana se viu ameaçada com a tentativa de ocidentalização do país, já que os Regimes

dos Xás e os EUA não se identificavam com os valores da população do Irã e forçaram

a modificação do mesmo na tentativa de substituir a cultura iraniana por uma cultura

ocidental.

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