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QUEM É ESSA MULHER? ZUZU ANGEL (DES) CONSTRUÍDA
Ana Paula Moreira Pinto1
Ms. Antonio Luiz de Souza (Orientador)2
RESUMO
Zuzu Angel (1921-1976) tem sua imagem relacionada a ditadura militar (1964-1985), é
concebida como revolucionária, mãe guerreira e heroína, que apesar de todas as diversidades,
lutou e protestou para reaver o corpo de seu filho. Diante sua trajetória recebeu homenagens,
tornou-se objeto acadêmico e foram edificados Lugares de Memória. As fontes que possuímos
- revistas, jornais, filme e programas televisivos - utilizam-se de discursos semelhantes ao
citar Zuzu Angel; o regime de exceção justificaria os seus atos. Acreditamos que tais
narrativas correspondem aos interesses que a família almejava, assim, discutimos como
memória e história, oficializam-se, construindo a imagem da “mãe coragem”. Nosso trabalho
insere-se nas discussões teórico-metodológicas referentes a Nova História Política,
consistindo em verificar o processo de escrita de uma história por meio da biografia, do
cinema e das peças televisivas, isto é, a construção do fato histórico por meio da
decodificação das fontes -- o acontecimento torna-se um fato por meio de urdiduras.
PALAVRAS-CHAVE: Biografia; Memória; Trajetória; História Política; Zuzu Angel.
O respectivo artigo aborda como objeto de estudo Zuzu Angel (1921-1976), no que se
refere aos discursos acadêmicos elaborados na construção de sua imagem. O tema possui
interesses acadêmicos, com a pretensão de estabelecermos respostas referentes à sua trajetória
de vida, especificamente como Zuzu despertou relevância para o meio midiático, recebendo
homenagens e sendo apropriada em trabalhos diversos. Problematizamos como a produção
cinematográfica Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, lançada em 2011, determinada a construção
da imagem da designer, estabelecendo o efeito de real.
O nosso trabalho insere-se no campo de estudo da História Política. Tal linha de
pesquisa aborda que durante o século XX a história política tradicional sofreu um desgaste
visível na Europa, sendo revistada e criticada por historiadores franceses da escola dos
Annales. Para os annalistas esta história política não era pertinente para o estudo da
sociedade, pois priorizava o político, desprezando o econômico, o social, o cultural e o
religioso.
No entanto, a partir de 1980, juntamente com as propostas da História Cultural, a
história política ganha novos espaços que, segundo Marieta de Moraes Ferreira3, foi quando
1 Graduanda em História – Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 2 Mestre em História e Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 3 FERREIRA, Marieta de M. A nova “velha história”: o retorno da História Política. Revista Estudos
Históricos. Volume 5, n° 10, 1992.
ocorreu o seu “renascimento”. A compreensão de que “o político tinha consistência própria e
dispunha de uma certa autonomia em relação a outras instâncias da realidade social ganhava
credibilidade”4. A renovação decorrerá do intercâmbio com a ciência política, permitindo que
a participação na vida política ocupe espaço fundamental na história.
Englobam-se nessa perspectiva de inovação estudos que salientam as representações, o
imaginário social, a memória e a incorporação das ideologias. Com a nova abordagem sobre a
história política, houve a reflexão sobre os sujeitos históricos, referindo-se sobre suas
diversidades e confrontos em distintos espaços e práticas sóciais.
Diante todas as problematizações relacionadas ao estudo do político, apresentamos a
imagem construída de Zuzu Angel, através da análise da cinebiografia, intitulada com seu
nome, produzida em 2006.
Zuzu Angel tem sua imagem relacionada a ditadura militar (1964-1985), consagrando-
se como mãe guerreira e heroína, que apesar de todas as dificuldades, lutou e protestou para
reaver o corpo de sua filho5.Tal período torna-se conhecido para a sociedade brasileira por um
momento político em que o povo deixa de eleger seus governantes e o Brasil passa a ser então
governado por um regime de exceção. Os chefes militares tornam-se os escolhidos para
administrarem o país, foram cinco generais-presidente que sucederam no poder: Castelo
Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.
Maria Helena Moreira Alves6salienta que a partir da consolidação do Ato
Institucional N° 5 (AI-5) durante o governo de Costa e Silva, introduziu-se um novo ciclo de
repressão durante a Ditadura Militar, os grupos de oposição perceberam a necessidade de uma
luta armada, assumindo posição predominante.
Esse novo momento também se caracteriza pela adesão de membros, do que se
convencionou chamar de classe média aos movimentos de oposição, tendo desta forma a
repressão destinada a todos os setores da população até então não atingidos. Assim, “as
organizações envolvidas na luta armada tornaram-se mais audaciosas em 1969”7.
4 FERREIRA, 1992, p. 267. 5 Em 1971 Zuzu Angel promove o desfile International Deteline Colection III, no consulado brasileiro, em Nova
York. Zuzu o consagra como o primeiro desfile político do mundo, pois através das roupas evidenciou estampas
de crianças engaioladas, tanques de guerra, para expor sua dor e luto diante o desaparecimento de seu filho. O
termo “desfile político” surgiria para designar um produção vinculada a um ideário político. Segundo Rosangela
Patriota (1999) as manifestações artísticas se engajaram em projetos de manifestação social durante o regime de
exceção. Assim, cabe neste estudo problematizar questões referentes a concepção de “desfile político”. 6 ALVES, Maria Helena M. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Trad. Clóvis Marques. Petrópolis:
Vozes, 1964. 7 MOREIRA, 1984, p. 157.
Entretanto, apesar dessa adesão, o governo civil-militar combatia um tipo de ação
oposicionista e consentiu, pelo Ato Institucional número 2, de 1965, a legitimação de tais
práticas. Desta forma, a fim de evitar protestos na sociedade, cassou o direito de voto do
cidadão, tentou controlar as oposições através de censura ou pela violência dos órgãos de
repressão policial.
O aparelho repressor utiliza-se da prática da tortura para desintegrar as organizações
clandestinas e obter informações que pudessem levar a prisão de outros militantes e a
fragmentação de grupos de apoio à guerrilha. A tortura se institucionaliza como método de
interrogatório e controle politico. Zuzu Angel vivencia o período conhecido como de maior
repressão, o governo Médici.
Assim, quando tudo parecia que ocorria bem para a carreira e vida social de Zuzu
Angel, seu filho Stuart Edgar Angel Jones, militante político, que desenvolvia atividades de
resistência contra o regime ditatorial, foi preso no Grajaú (Rio de Janeiro), em 14 de julho de
1971 e, consequentemente, o torturaram e o assassinaram. Sua mãe, durante cinco anos
procurou reaver o corpo de Stuart, sendo que sua morte e prisão foram negadas pelos órgãos
da Segurança Nacional, assim a partir da vontade de reaver o corpo de seu filho, Zuzu assume
uma postura considerada revolucionária.
Zuzu Angel nasceu em Curvelo (MG), em 1921, no entanto, viveu a maior parte de
sua vida em Belo Horizonte. Pertencente a família de classe média, casou-se com um
estadunidense, com quem teve três filhos. Tornou-se costureira após sua participação em um
grupo social, onde foram fabricados uniformes. Costurava para celebridades e senhoras
notáveis.
Após o desaparecimento de seu filho e a comprovação de que Stuart foi torturado e
assassinado8, aproveitando-se do reconhecimento internacional através do seu trabalho, Zuzu
Angel, procurou meios de denunciar a ditadura militar, adquirindo em seu comportamento, no
país em que vivia, um caráter revolucionário. Entretanto, na noite de 13 de maio de 1976 a
designer sofre um acidente automobilístico, abrindo-se discussões dando conta que os
militares seriam os mentores.
A trajetória de Zuzu recebeu homenagens, tornou-se objeto acadêmico e foram
edificados Lugares de Memória. Como objeto acadêmico a encontramos em diversas áreas,
são elas, a história, Comunicação Social e campo do designer ou da moda. Tivemos acesso a
8 A comprovação de que Stuart teria sido assassinato pela ditadura militar, segundo Zuzu Angel, em sua
autobiografia, ocorreria quando Alex Polari escreve uma carta (1974), apontando os detalhes a prisão e tortura de
Stuart.
uma dissertação de mestrado, duas monografias e diversos artigos. Assim, o objetivo deste
texto é problematizar como Zuzu Angel foi apresentada nos diversos trabalhos, apresentando
as temáticas, as pesquisas e respectivas conclusões.
Observamos que as pesquisas acadêmicas em relação a Zuzu Angel surgiram a partir
de 2006, no entanto, antes deste período a trajetória da designer foi ressaltada em
homenagens que consolidaram sua memória. Assim, teremos em 1986 a publicação do livro
“Eu, Zuzu Angel, Procuro meu Filho”, organizado por Virginia Valli, compondo-se de textos
de parentes e indivíduos que participaram do momento vivenciado por Zuzu durante a
ditadura militar. Chico Buarque e Miltinho, após a morte da designer, compuseram a música
Angélica. Já em 1993 houve-se a criação do Instituto Zuzu Angel no Rio de Janeiro. O
estilista Ronaldo Fraga em sua coleção 2001/2002, no São Paulo Fashion Week apresentou o
tema “Quem matou Zuzu Angel?”, realizou um trabalho destacando a trajetória da designer.
Em 2003 o programa da Rede Globo Linha Direta - Justiça, exibiu o Caso Zuzu Angel. Já em
2006 lança a peça fílmica Zuzu Angel de Sérgio Rezende. Em 2014 temos a exposição no Itaú
Cultural, em São Paulo, intitulada Ocupação Zuzu Angel. Os trabalhos acadêmicos
desenvolveram suas pesquisas, em sua maioria, utilizando-se destas homenagens.
A dissertação de Mestrado de Priscila Andrade Silva9, do Departamento de Artes e
Design, intitula-se “A moda de Zuzu Angel e o campo do design”. Tal trabalho terá sua
contribuição por ser o primeiro10. Será utilizado em outras pesquisas como mediador das
afirmações acerca da trajetória e moda de Zuzu. Silva divide sua pesquisa em três momentos,
isto é, apresenta primeiramente as teorias sobre o mito, como a designer consolida-se como
uma figura mítica; posteriormente a aborda além da narrativa mitológica; e por último
problematiza o simbolismo nas roupas produzidas por Zuzu.
A tese da dissertação terá como objetivo principal reconstituir a trajetória de vida Zuzu
Angel, seja em caráter político, econômico, social e cultural, subdivido em três etapas, década
de 50, 60 e 70, com a intenção de entendermos concretamente a importância de sua produção.
Para Silva os discursos em torno de Zuzu Angel seguem sempre uma mesma lógica e
sequência; “enfatizam os mesmos aspectos sobre sua personalidade e realizações pessoais e
ainda apresentam uma grande semelhança na própria construção formal. Parecia que todas as
narrativas eram combinadas”11. A pesquisadora aponta que Zuzu consagra-se como um mito,
9 ANDRADE, Priscila. A moda de Zuzu e o campo do design. Dissertação (Programa de Mestrado em Design)
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. 10 O primeiro em datação, no qual tivemos acesso nesta pesquisa. 11 SILVA, 2006, p. 11.
torna-se uma heroína romântica, sendo assim, necessária a compreensão da constituição de
tais discursos.
Esse mito se estabelece, segundo Silva, a partir de diversos aspectos. O primeiro,
apontado pela pesquisadora, refere-se a busca pelas origens para explicar o talento de Zuzu,
enquadrando-se em uma biografia que além de expor a origem, também enfatiza as
qualidades. Outra característica será o papel desempenhado pela designer na edificação da
narrativa mitológica. A Zuzu Angel, “que desenvolve uma espécie de personagem dramática
para melhor expressar sua dor”12. A morte da protagonista também permitirá a exaltação do
seu mito, de acordo com a pesquisadora, quando uma trajetória exemplar chega ao fim,
rapidamente alcança maior notoriedade, atraindo interesse para mídia. Para Silva;
Progressivamente as narrativas produzidas sobre Zuzu conferiram forma à sua
imagem e paralelamente ela com suas atitudes e criações foi correspondendo e
alimentando novas narrativas. Enquanto isso a narrativa mitológica sobre ela foi
ganhando maior força. Além disso, segundo James N. Gree: [...] a imagem de Zuzu
como mulher sofrida e combativa ganhou tanta força porque ela representava uma
série de símbolos de que o imaginário da oposição poderia se apropriar.13
Desta forma, após apresentação das narrativas que permitem a constituição de um mito
sobre Zuzu Angel, a proposta de Silva será analisa-lá de maneira que a desprenda desses
discursos. Salienta-se, assim, a trajetória da designer não somente durante a ditadura militar,
mas, também, as décadas de 50 e 60, transmitindo que Zuzu possuía caráter criativo, político e
ousado antes do regime de exceção. Cronologicamente a pesquisadora evidência a trajetória e
exibe os momentos de maior importância da vida de Zuzu relacionado com a sua produção.
No último momento, com uma teoria sociológica, Silva aponta o simbolismo nas
roupas, no que refere-se as que são consideradas “genuinamente brasileira”; “prática e
feminina”; e “política”. Este último capítulo faz um diálogo com o segundo, isto é, as roupas
produzidas vão ao encontro com os momentos vivenciados pela designer.
Priscila Andrade Silva discute o que seria o mito, apresenta características das
narrativas que permitem a construção do discurso mitológico, no entanto, não o desconstrói.
Para a pesquisadora ir contra tais narrativas seria abordar Zuzu desde a década de 50, expondo
suas qualidades enquanto produção e demonstrando seu engajamento político em diversas
épocas. A dissertação engloba-se nos discursos enaltecedores para concepção do mito, ou
seja, não consagra Zuzu somente como uma “grande mãe”, mas como uma “grande mulher”
que “suas preocupações consideravam a imagem da mulher, a valorização do trabalho
12 SILVA, 2006, p. 11. 13 SILVA, 2006, p. 33.
artesanal feminino e a representação da identidade brasileira”14. A pesquisa, apesar de suas
inúmeras contribuições em relação aos documentos, amplia a narrativa mitológica.
Em 2011 teremos duas monografias tendo como objeto de estudo Zuzu Angel, ambas
na área do curso de design. São intituladas “Moda como forma de protesto em desfile de Zuzu
Angel: Nova York, setembro de 1971”, de Carla Cristina Delgado Lacerda15 e; “Zuzu Angel e
Ronaldo Fraga: Uma relação entre a moda, política, protestos e atualidade”, de Paola Flores
Della Pasqua Zanette16. Os dois trabalhos apresentam metodologias semelhantes, abordando
questões que determinam problematizações homogêneas.
As monografias têm como objetivo salientar a produção de Zuzu Angel durante a
ditadura militar, desta forma, ambas demonstram a importância de “contextualizar” o período
vivido pela designer para compreender sua moda política. Teremos, assim, textos que falam
do regime de exceção, evidenciando principalmente a tortura e a resistência. Zanette, em seu
trabalho, recorrerá a autores para evidenciar tal período. Lacerda utilizará inúmeros adjetivos
para explicar o período da ditadura militar, não se preocupando com a citação de autores e
fontes no momento da elaboração do texto. A construção de um discurso sobre os anos de
1964 à 1985 surge com o propósito de justificar as atitudes de Zuzu Angel, para
compreendermos porque sua moda legitima-se como política.
Após a exposição sobre o regime de exceção, as pesquisas preocupam-se com a
exposição da trajetória da designer. Ambas utilizarão no momento da produção da biografia
de Priscila Andrade Silva, apontando cronologicamente e linearmente a vida de Zuzu.
Lacerda opta por explicar porque o desfile de 1971, Internacional Dateline Collection
III – Holiday and Resort, consagra-se como o primeiro desfile político do mundo. Desta
forma, utiliza-se da análise das roupas, das reportagens e da postura de Zuzu Angel para
identificar o motivo de tal afirmação. O texto proporciona uma imagem positiva da designer,
“que apesar de todas as adversidades não se silenciou”; como expressa Lacerda;
[...] Zuzu Angel consegue se impor enquanto profissional de destaque da
moda nacional. Ela fez e deixou História! Deu importantes colaborações à moda
brasileira ao tentar, ao seu modo, realçar aspectos tidos como características
brasileiras. Trabalhou com afinco e produziu, criou moda até que, da designação de
costureira transformou-se em uma designer, ou seja, uma criadora de moda e estilo.
14 SILVA, 2009, p. 117. 15 LACERDA, Carla Cristina D. Moda como forma de protesto em desfile de Zuzu Angel: Nova York, setembro de 1971. 2011. Monografia (Especialização) Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes e Design. Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011. 16 ZANETTE, Paola Flores. Zuzu Angel e Ronaldo Fraga: Uma relação entre a moda, política, protestos e atualidade. Monografia. Departamento de Design de Moda e Tecnologia, Universidade Feevale, Novo Hamburgo, 2011.
[...] e até os últimos dias de sua vida, embrenhou-se em luta aguerrida contra forças
opostas do regime militar e em nome de seu filho Stuart Angel, que, como ela, tinha
o anjo também no próprio nome.17
Zarrete também aborda o desfile político, no entanto, dialoga com o também desfile
político de Ronaldo Fraga, nomeado Quem matou Zuzu?. Para a pesquisadora os dois
designers viveram em épocas diferentes, mas interligam-se, seja pela moda política, pela
valorização dos materiais brasileiros e a paixão pelas roupas. Através da análise dos desfiles
teríamos, assim, a compreensão de como é a moda política atualmente mediada por
referências passadas. Zarrete explicita que o interesse da monografia são a moda e as
respectivas influências de Zuzu e Ronaldo.
Observamos que os três trabalhos mencionados referem-se a área do design e o papel
de Zuzu Angel na moda brasileira. Durante a narrativa, encontram-se pontos semelhantes,
como, por exemplo, da biografia e dos significados que foram apropriados acerca das roupas
produzidas de Zuzu. Os discursos elaborados contribuem para compreendermos a trajetória da
designer, no entanto, seguem o mesmo padrão, utilizam-se das mesmas metodologias.
Também serão escritos artigos sobre a moda brasileira, em que é citada Zuzu Angel.
Bernadete Lenita Susin Venzon e Adriana Job Ferreira Conte18, ambas especialistas em moda,
escrevem o trabalho “Narrativas Poéticas de uma Moda Brasileira”, com o objetivo de
apresentar trajetórias distintas, protagonistas que “estão escrevendo a história da moda
nacional”19. No artigo, Zuzu é ressaltada como uma designer que soube utilizar a ecologia e a
brasilidade durante os anos de 1960. Para as autoras, Zuzu “apresentou uma moda autêntica
brasileira, em busca de uma identidade cultural na moda”20.
No artigo “A moda brasileira – uma avaliação sobre a busca pela essência nas
criações internacionais”, de Jaqueline Morbach Neumann e Tais Rissi21, a citação de Zuzu
Angel remete ao trabalho anterior, ou seja, apresenta as criações da designer como originais e
diferenciadas, em que são destacados características da cultura brasileira. Também é
salientado pelas autoras o desfile político de Zuzu, entretanto, seu reconhecimento foi
interrompido em 1976, sem se tornar “um nome de expressão fora do Brasil”22.
17 LACERDA, 2001, p. 48-49. 18 CONTE, Adriana. VENZON, Bernadete Lenita S. Narrativas poéticas de uma moda brasileira. In: 3° Colóquio de Moda, Minas Gerais, 2007. 19 CONTE. VENZON. 2007, p. 8. 20 CONTE. VEZON. 2007, p. 4. 21 NEUMANN, Jaqueline. RISSI, Tais. A moda brasileira: uma avaliação sobre a busca pela essência nas criações
internacionais. 4° Colóquio de Moda, Rio Grande do Sul, 2008. 22 NEUMANN. RISSI. 2008, p. 6.
Os artigos mencionados apropriam-se de Zuzu Angel para comprovar que
existiu/existe uma moda brasileira. Assim, a designer consagra-se como uma personagem que
buscou nas suas raízes a inspiração para sua moda, e quando sua vida sofre uma perda devido
ao regime de exceção, novamente Zuzu consegue inovar, utilizar de seu talento para
manifestar sua indignação.
Em 2003 o programa televisivo Linha Direta - Justiça da Rede Globo transmitiu o
Caso Zuzu Angel, abordando a luta da mãe sofredora, que através de ousadia e criatividade
lutou para reaver o corpo de seu filho. Desta forma, Mônica Almeida Kornis23 escreve o
artigo, As ‘revelações’ do melodrama, a Rede Globo e a construção de uma memória do
regime militar, em que seu objetivo não será o de expor uma verdade histórica, mas analisar
os parâmetros definidos pela reconstrução histórica através da emissora de TV.
Kornis argumenta que a Rede Globo modela uma história, sendo necessária a
investigação das estratégias da construção de memórias de uma história nacional. Assim, a
pesquisadora problematiza três minisséries, Anos Dourados (1986), Anos rebeldes (1992) e
Hilda Furacão (1998); e o programa Linha Direta – Justiça, principalmente os casos de Zuzu
Angel, Vladimir Herzog e frei Tito.
Abordando especificamente o episódio destinado a Zuzu Angel, Mônica Almeida
Kornis inicia sua discussão citando os objetivos do programa Linha Direta – Justiça, que
pretendia reconstituir os “crimes de assassinato, estupro e sequestro de desconhecidos, que,
com apelo sensacionalista, mesclava jornalismo e dramaturgia”24. Continha uma narração
densa, tom realista, permanente sonoridade de mistério e suspense. Construía-se através de
todo esse aparato a memória de indivíduos em ordem biográfica, indivíduos que são
atribuídos como figuras heróicas. Para Kornis;
Os casos de Zuzu Angel, Vladimir Herzog e frei Tito, exibidos pelo programa em
2003, 2004 e 2006 respectivamente [...], possuem características singulares, de
acordo com suas histórias pessoais, transformadas em histórias heróicas na narrativa
dos fatos. Há em todos eles uma valorização da virtude desses personagens,
preferencialmente destacada pelos familiares e amigos próximos; narrativas cujo
desfecho apela para essa dimensão pessoal, com viés evidentemente emocional, pela
perda de uma pessoa de boas intenções.25
Zuzu Angel, de acordo com Kornis, será a “mãe coragem”, que lutava cegamente para
encontrar seu filho, no entanto, acabada sendo assassinada pelos mesmos que o mataram. A
23 KORNIS, Mônica A. As “revelações” do melodrama, a Rede Globo e a construção de uma memória do regime militar. Significação: Revista de Cultura Audiovisual. Volume 28, n° 36, 2011. 24 KORNIS, 2011, p. 188. 25 KORNIS, 2011, p. 190.
Rede Globo, desta forma, estabelece uma história nacional a respeito da ditadura militar,
apresentando personagens contrários ao regime, singularidades que são destacadas por suas
lutas.
Com a produção do filme Zuzu Angel (2006), de Sérgio Rezende, serão elaborados
artigos com o propósito de analisá-lo. Teremos trabalhos que defendem a realidade fílmica e
outros que não possuem como proposta defender/justificar o efeito de realidade, mas a
linguagem histórica transmitida. Selecionamos três artigos para expor as apropriações
estabelecidas em relação ao filme.
Em 2012, a graduanda em Comunicação Social, Lauren Steffen26, escreve o artigo
“Zuzu Angel, o Filme”, onde é proposto o entendimento dos mecanismos da produção
cinematográfica Zuzu Angel, como processo de representação de um período histórico do
Brasil, ou seja, o efeito de realidade construído. Como nos outros trabalhos mencionados,
Steffen inicia seu texto com a biografia da designer a relacionando com a ditadura militar.
Steffen salienta que a realidade presente no filme construiu-se a partir de diversos
aspectos. O figurino, juntamente com o cenário dos anos 60 e 70 transmitiriam ao espectador
o juízo de existência, como a crença de que a história narrada realmente aconteceu. Os
flashbacks, que são intensos durante o longa, também remeteriam a uma realidade. A ditadura
militar, como momento político e social, proporciona uma função metafórica, ao representar a
relação entre Zuzu e Stuart.
O artigo também contém a proposta de apresentar o filme como biografia,
especificamente como cinebiografia. Steffen cita o escritor inglês Walter Scott (1968:62), em
que seria impossível reproduzir o passado como realmente aconteceu, então, caberia ao
biógrafo, através de um trabalho de pesquisa, elucidar um determinado período. Assim, o
diretor de um filme ao escolher um personagem real, selecionará os fatos históricos passíveis
de serem dramatizados.
O diretor Sérgio Rezende, de acordo com Steffen, apresenta a sua visão de Zuzu Angel
durante a ditadura militar, propiciando um filme didático, e idealizando a memória e
identidade nacional. A peça fílmica ao mesmo tempo em que expressa o efeito de realidade,
também estabelece o constructo de uma mentalidade histórica.
Claúdia Schemes (Doutora em História), Denise Castilhos de Araujo (Doutora em
Comunicação Social), e Paula Regina Puhl (Doutora em Comunicação Social)27, escreveram
26 STEFFEN, Lauren. Zuzu Angel, o filme. Revista Anagrama. Ano 5, Edição 4, Junho-Agosto, 2012. 27 ARAUJO, Denise. PUHL, Paula. SCHEMES, Claúdia. As manifestações femininas na tela: Zuzu Angel e a moda-protesto. Revista Labore. Volume 11, n° 2, abril-junho, 2012.
o artigo “As manifestações femininas na tela: Zuzu Angel e a moda-protesto”, em que são
analisadas as representações e manifestações da personagem Zuzu Angel, no filme de Sérgio
Rezende. Utilizando-se da metodologia da Hermenêutica da Profundidade, de John B.
Thompson, as autoras concluem que obteve-se a realidade fílmica, onde a vida de Zuzu Angel
se entrelaça com a produção fictícia.
A metodologia John B. Thompson consiste em uma tríplice análise, a sócio-histórica,
formal/discursiva e interpretação/re-interpretação. A primeira análise consiste em definir o
momento histórico definido pelo filme, ou seja, a ditadura militar. A segunda análise
preocupa-se com o caráter simbólico da organização do longa, assim, as autoras apresentam
duas cenas que concretizam a ideia central do filme. São citadas as sequências do discurso de
Zuzu Angel em frente ao tribunal do julgamento de seu filho e o desfile realizado em Nova
York, que caracteriza neste trabalho, a afirmação da designer ter o direito de enterrar seu
filho. Desta forma, as cenas escolhidas expressam o amor de mãe, a coragem, o sofrimento e
o desejo de justiça e quando as mesclamos encontramos a representação dos sentimentos Zuzu
Angel. Na última análise, as autoras salientam as dificuldades de se estabelecer uma biografia,
como, por exemplo, as busca pela coerência na vida do sujeito biografado, presente no filme.
Finalizam afirmando que apesar do filme constituir-se por uma sequência linear e coerente, a
vida de Zuzu Angel é repleta de imprevisibilidade. Para Araujo, Puhl e Schemes;
Mesmo que o filme tende a passar uma ideia de linearidade e coerência, é justamente
na imprevisibilidade de sua trajetória que podemos compreender a dimensão da
importância de Zuzu Angel, pois ela conseguiu unir os papéis de mãe, mulher,
ativista política e estilista, criando uma personagem plural, paradoxal e, por vezes,
contraditória, que não diminuiu em nada sua relevância para a história brasileira.28
Ao proporem discutir a realidade fílmica, as autoras indicam as cenas e objetos
utilizados para alcançar tal afirmação. Entretanto, no final fazem uma crítica, dizendo que
Zuzu Angel deve ser analisada além da linearidade e coerência proposta pela peça fílmica.
Edificam a designer como uma “grande mulher”, importante para a compreensão da ditadura
militar.
No artigo de Maria Ignês Carlos Magno29, intitulado Sérgio Rezende. Zuzu Angel.
Chico Buarque de Hollanda. Lamarca. Charles Dickens. Saberes interligados na narrativa
cinematográfica, propõe-se a possibilidade de problematizar as inter-relações existentes nos
28 ARAUJO. PUHL. SCHEMES. 2012, p.127. 29 MAGNO, Maria Ignês Carlos. Sérgio Rezende. Zuzu Angel. Chico Buarque de Hollanda. Lamarca. Charles Dickens. Saberes interligados na narrativa cinematográfica. Revista Eca. Volume 12, n° 2, 2007.
filmes de Sérgio Rezende, Lamarca (1994) e Zuzu Angel (2006), sejam entre as informações,
memória, documentos, pesquisa histórica, linguagens, pontos de vistas, ficções.
Magno aponta que ao adaptarmos os discursos históricos para o cinema, utiliza-se de
uma montagem na linguagem cinematográfica, especificamente uma linguagem literária, e
produz por meio de imagens e textos um movimento, uma ficção e uma narrativa. Assim,
Sérgio Rezende, usará os documentos e a memória acerca de Zuzu Angel para representar sua
vida, alcançando uma não linearidade, tempos descontínuos e simultâneos;
[...] introduziu a memória como recurso de linguagem e montagem. Recurso que,
longe de empobrecer, comprova que o movimento de imagens e a descontinuidade
temporal permitidos pela literatura e ficção enriquecem a narrativa e promovem ao
historiador e professor um exercício com tempos simultâneos, descontínuos e não-
lineares.30
Através da literatura, neste caso o cinema, ocorrerá o acesso a linguagens diferentes,
“as vozes da história” poderão ser apreendidas de diversas formas. A proposta de Magno é
analisar através da poesia, da narrativa literária e do cinema as cinebiografias, isto é, como
indivíduos em suas singularidades expressam importância para a construção do discurso
histórico.
Em 2012 Vanderlei Machado (Doutor em História)31, escreve o artigo, “Lembranças
do pai: por uma história da paternidade nas memórias dos que lutaram contra a ditadura
civil militar brasileira”, tem como objetivo discutir a presença paterna nas memórias (livros,
diários) de indivíduos que viveram ao lado de pessoas integrantes da resistência durante a
ditadura militar (1964-1985).
Machado aponta que até o período de sua pesquisa não existia nenhum livro escrito
por pai, relatando o desaparecimento de seu filho ou filha. Desta forma, ocorre um
silenciamento em relação a paternidade durante o regime de exceção. Sua proposta seria
problematizar através da História Oral e análise dos livros de memórias, o papel do pai e suas
influências.
São citados três livros de memória, o de Zuzu Angel e de Dona Elizita, ambos escritos
por familiares e amigos, o livro de Maria Rosa Leite Monteiro é o único, segundo Machado,
que foi escrito pela própria mãe. Evidenciaremos, especificamente, o trecho que define o
30 MAGNO, 2007, p. 126. 31 MACHADO, Vanderlei. Lembranças do pai: por uma história da paternidade nas memórias dos que lutaram contra a ditadura civil militar brasileira. XI Encontro de História Oral: memória, democracia e justiça. Rio de Janeiro, 2012.
papel exercido por Normam Angel Jones (pai de Stuart e ex-esposo de Zuzu) diante o
desaparecimento e busca pelo paradeiro de seu filho.
Para Machado ao lermos as memórias de Zuzu Angel e os textos de amigos e
familiares que compõem o livro, não encontramos comentários sobre as relações de Normam
com seus filhos/as. No entanto, quando Zuzu escreve cartas e as envia juntamente com
documentos que denunciavam o desaparecimento de Stuart para os EUA, não deixava de
mencioná-lo como filho de cidadão estadunidense, com o objetivo de obter a atenção das
autoridades para sua luta. Segundo Machado, apesar da designer referir-se a Normam
enquanto pai de Stuart fica evidente que não houve sua participação nas buscas e denúncias da
ausência de seu filho. De acordo com o historiador;
Ao longo do livro [Eu, Zuzu Angel, Procuro meu Filho] fica claro que o pai
de Stuart não participou nas buscas ou denúncias do desaparecimento e morte de seu
filho pelos órgãos de repressão da ditadura civil militar brasileira. Nenhum
documento assinado por Normam Angel Jones foi anexado ao livro, nem mesmo um
depoimento seu sobre o filho foi publicado.32
A ausência de Normam será justificada pela própria Zuzu Angel. A designer menciona
que o pai de Stuart como pacifista, escolhe para sua vida a não participação de movimentos
relacionados à violência e luta armada. Seu desprendimento na busca pelo filho, segundo
Machado, não se estabelece devido a um constrangimento social ou ato de perseguição
política, mas por sua decisão pessoal.
O trabalho desenvolvido por Machado apresenta os afetos e atitudes tomadas pelos
pais diante a militância política, da prisão e morte e do desaparecimento de seus filhos.
Problematiza como a figura paterna foi importante para a luta desempenhada por Zuzu Angel
e o seu silenciamento.
No início de 2014 a historiadora Ivana Guilherme Simili33 publica o artigo “Memórias
da dor e do luto: as indumentárias político-religiosas de Zuzu Angel”, evidenciando o desfile
político realizado pela designer em 1971, assim estabelecendo uma discussão fundamental
para a compreensão da produção e simbolização das roupas de Zuzu Angel. Para Simili, a
moda de Zuzu Angel, também direciona-se a um caráter religioso, em que as roupas “são
orações e pedidos endereçados aos céus”34.
32 MACHADO, 2012, p. 12. 33 SIMILI, Ivana Guilherme. Memórias da dor e do luto: as indumentárias político-religiosas de Zuzu Angel. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano VI, volume 06, n° 18, Janeiro de 2014. 34 SIMILI, 2014, p. 179.
Assim, após a exposição dos trabalhos acadêmicos observamos que Zuzu Angel torna-
se objeto de diversas apropriações, sendo que, na maioria os discursos, são semelhantes as
narrativas. Os pesquisadores que a escolhem como objeto de estudo, em sua maioria,
apresentam sua biografia de forma linear e coerente, abordando seu nome de nascimento, o
nome de seu ex-esposo e filhos, a inserindo no contexto social, cultural e político,
especificamente a ditadura militar. Justificam o motivo por terem a escolhido como tema,
mencionando sua importância para obter a compreensão de um período da história do Brasil.
Diante da exposição do estado da arte em relação a Zuzu Angel, analisamos como o
cinema, especificamente a cinebiografia, é portador e construtor de uma imagem, ou seja,
produz o efeito do real. Ao estudarmos o cinema como forma de produção historiográfica, um
novo tipo de linguagem é proporcionado, diferenciando-se da forma tradicional de se
“escrever história”, com isto problematiza-se através do visual uma recente maneira de
interpretar os fatos históricos.
Assim, problematizamos o cinema como linguagem que escreve uma história,
abordando os principais pontos do filme Zuzu Angel e sua relação para a construção da
imagem da designer.
No artigo intitulado Deleuze, Bergsonismo e o cinema como mundo, de Kleber Lopes,
Jameson Thiago Faria Silva e Tatiane de Andrade35, os autores propõem uma discussão
acerca da imagem-movimento a partir de uma produção cinematográfica. Para tais autores, o
indivíduo autor do cinema não produz conceitos, mas imagens, que compõem-se como
imagem-movimento.
De acordo com Lopes, Silva e Andrade, o cinema propicia um movimento falso.
Utilizando-se de Bergson, o cinema ao produzir um movimento, apenas reproduz o modo de
funcionamento de nossa percepção natural, pois sempre que intencionamos pensar, exprimir
ou somente perceber o movimento, fazemos cinema.
Assim, a produção fílmica, apresenta-nos fotogramas, que não são uma foto acabada,
mas uma imagem que está a todo o momento, se desconstituindo e se constituindo, ou mais
especificamente, seria uma imagem-média a qual acrescentaria movimento. “Não um
movimento abstrato resultante da sucessão de cortes imóveis, mas um corte móvel dado
imediato da consciência: imagem movimento”36.
35 LOPES, Kleber. SILVA, Thiago F. ANDRADE, Tatiane. Deleuze, Bergsonismo e o cinema como mundo. Estudos Contemporâneos de Subjetividade – ECOS. Volume 1, n° 1, 2011. 36 ANDRADE. LOPES. SILVA, 2011, p. 21.
No entanto, como o professor Antonio Luiz de Souza salienta37, o filme está além de
imagens movimentos:
A arte está em fazer parecer todo o processo exatamente natural. O cinema é uma
grande ilusão, a ilusão naturalista. Cinema, portanto, não é só a tirânica verdade da
imagem em movimento, como quis Bazin. É uma complexidade de opções inclusive
de natureza técnica de que o diretor dispõe para ser o artífice-artista de um novo bem
simbólico, o filme.38
Souza, a partir de Jean-Claude Bernardet, aborda que toda “interpretação do cinema
como reprodução ou interpretação do real é ingênua”39. Para o professor, o filme trabalha
como se “o referente desfilasse diante da plateia”, o filme encobre os significados elaborados,
transformando-se na própria realidade. Assim, o objetivo da produção cinematográfica, seria
apresentar o real. O filme mostraria como realmente “os fatos acontecerão”. Mas o que
podemos compreender como real?
O real, de acordo com Souza, será compreendido/percebido como um universo
existente e tangível, que através dos valores culturais e pela linguagem torna-se apreendido.
Essa apreensão também se conceberá através da produção de representações, “que se colocam
no lugar do real, substituindo-o ou com ele se confundindo”40. A representação será entendida
como constituinte da ficção, sendo a última entendida como o “processo de produzir, fabricar,
arranjar, estruturar simbolicamente, textual, imageticamente, mentalmente o mundo real”41.
O cinema possuirá um discurso portador de significados, em que “reinventa o passado,
reconstrói imagens e remodela o imaginário na sociedade de massas”42. Tanto o historiador
como o cineasta utilizará a linguagem para comunicar sentidos.
Assim, o filme Zuzu Angel apropria-se do real para exprimir ficcionalmente a
trajetória de uma mulher, que desejava/lutava para reaver o corpo de seu filho. Manifestando,
desta maneira, a resistência durante a ditadura militar. Só que além deste primeiro objetivo, a
produção cinematográfica estabelece um discurso em torno de Zuzu que a enaltece,
propiciando a construção da imagem da designer.
Sergio Rezende opta por não enfatizar a trajetória de Zuzu Angel desde a sua infância,
mas no momento em que sua carreira está no auge e seu filho encontra-se envolvido com a
oposição da Ditadura Militar. O filme inicia-se com imagens do regime de exceção e 37 SOUZA, ANTONIO L. Rascunhos dos Tempos: A Conquista da Honra e Carta de Iwo Jima Reescrevem a História e a Memória. 2009. 104 f. Dissertação (Programa de Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2009. 38 Idem, ibidem, p. 79. 39 Idem, ibidem, p. 79. 40 Idem, ibidem, p. 82 41 Idem, ibidem, p. 82. 42 Idem, ibidem, p. 83.
posteriormente um helicóptero jogando ao mar um corpo enrolado ao pano preto. Depois, em
outra cena Zuzu, em seu carro, começa a ser seguida por um homem em uma moto, que fica
ao lado da designer e joga um pacote, com vários documentos. Zuzu instala-se em um hotel e
através de um gravador começa a relatar sua trajetória.
O enredo do filme será construído a partir de falas contidas no livro inacabado de
Zuzu43, transparecendo sua dor e sofrimento. Em algumas cenas será frisado o amor que a
designer tinha por seu filho, o quanto se esforçou para educá-lo e propiciar-lhe uma boa
educação. Essas cenas serão caracterizadas por encontros que Zuzu teve com seu filho,
quando ele estava na clandestinidade ou quando era criança, transmitindo o amor materno.
O filme constrói Zuzu como uma mulher de grandes influências políticas, em que em
um primeiro momento não compreende o envolvimento de seu filho com a ditadura militar.
Mas, quando recebe o telefonema dizendo que Stuart estava preso, busca encontrar seu filho
em todas as unidades militares do Rio Janeiro. No entanto, só se torna obstinada em encontrá-
lo, quando recebe a carta de Alex Polari de Alverga, que descreve as torturas e o assassinato
de Stuart.
Zuzu, então, busca todos os meios para denunciar a ditadura. Utiliza-se de sua
influência e dos contatos que possuía nos Estados Unidos da América para expor o
desaparecimento de seu filho. Devido o pai de Stuart possuir cidadania estadunidense, pede
aos EUA que cobrem satisfações do paradeiro de seu filho aos militares brasileiros.
Também é retratado na produção cinematográfica, a utilização da moda como
instrumento de resistência a ditadura militar. Seu desfile em Nova York, em 1971, será
considerado como o primeiro político da história. O desfile estava carregado de sentidos
atribuídos, suas roupas diziam mais do que aquilo que mostravam ou enunciavam, portou
sentidos ocultos, em que caracteriza seu momento vivenciado. Zuzu, que antes usava
estampas alegres nas roupas que produzia, substituirá por anjinhos de preto, canhões, dentre
outros motivos decorativos que denunciavam o clima de violência da época. A personagem
aparece na cena do desfile com um manto, vestida de preto, sem maquiagem, para representar
toda a sua dor e luto.
Desta maneira, o filme conduzirá a uma realidade: a luta de Zuzu. No entanto, sua
busca e resistência se encerrarão com o acidente automobilístico. A produção cinematográfica
finaliza com a música Angélica, autoria de Chico Buarque e Miltinho, produzindo no receptor
43 Minha maneira de morrer. Parte do livro: VALLI, VIRGINIA. Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho. Nele Zuzu escreve suas memórias diante o período da ditadura militar.
o quanto a designer batalhou para descobrir e mostrar a verdade, mas é silenciada por aqueles
que também silenciaram seu filho.
O cinema é verossímil ao produzir a imagem de uma mãe, a imagem de Zuzu. Uma
mulher guerreira, que apesar do abandono de seu esposo e as adversidades para cuidar e
educar os filhos, consagrou-se como uma grande designer e lutou pelo direito de enterrar seu
filho. Assim, a trajetória de vida de Zuzu Angel abordada no filme, seguirá as narrativas já
construídas acerca da designer, a caracterizando como uma heroína romântica e concebendo
sua biografia.
Quando analisamos o cinema, de acordo com o professor Antonio Luiz de Souza,
poderemos fazer inúmeras perguntas, distintas até dele mesmo, investigaremos, “por exemplo,
as práticas culturais ou as relações de poder em uma dada sociedade, investigando suas
relações com a literatura ou com outras formas culturais”44, ou seja, trabalharemos não
somente com uma única coisa, mas com algo repleto de pluralidades.
Assim, ao estudarmos o filme Zuzu Angel, compreendemos como o cinema produz
filmes carregados de significados. Problematizá-lo possibilita ao historiador maneiras
diferentes de compreender discursos, analisando tanto o discurso transmitido pelo cinema,
como da própria história. Além, de atribuirmos novas perspectivas nas análises referentes as
mídias, principalmente na problematização de uma vida. Como na construção da memória de
um indivíduo.
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