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QUEM QUER “FISGRAUS”? UM TRABALHO DE SIMULAÇÃO DE OPERAÇÕES
BANCÁRIAS NAS AULAS DE MATEMÁTICA COM ALUNOS DOS ANOS INICIAIS
Eliane Siviero da Silva, (IC), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] Fábio Alexandre Borges, (OR), Unespar – Câmpus de Campo Mourão,
RESUMO: A atividade apresentada no presente artigo compõe um projeto de iniciação científica, desenvolvido nos anos de 2013 e 2014, junto à Universidade Estadual do Paraná/Campus de Campo Mourão, que teve como objetivo abordar atividades envolvendo as quatro operações fundamentais discutidas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (adição, subtração, multiplicação e divisão), por meio de simulações de transações comerciais (compras e vendas, pagamentos de imposto, etc), a partir da criação de uma moeda fictícia. A atividade foi desenvolvida durante as aulas de Matemática no período vespertino, de uma turma de 5º ano de uma escola pública localizada no município de Moreira Sales, PR, contando com a participação de 21 alunos, na faixa etária de 9 e 10 anos. Foi criada uma moeda local, denominada pelos alunos de Fisgraus e adquirida inicialmente por meio de uma troca de garrafas pet. Sobre os resultados, os alunos não sentiram dificuldades na realização dos cálculos, apenas no preenchimento da tabela de controle das moedas. Será dada continuidade no trabalho, em que serão feitas simulações de transações comerciais e, em breve, publicaremos os resultados mais completos em eventos e/ou periódicos científicos. Palavras-chave: Simulação de operações bancárias. Anos Iniciais. Ensino de Matemática.
INTRODUÇÃO
A criança, ao ingressar na escola, traz consigo conhecimentos já adquiridos no seu dia-a-dia,
pelas brincadeiras, conversas e outras situações. Já na escola, esse conhecimento é sistematizado por
meio de algoritmos, contendo símbolos e nomes específicos que podem causar dificuldades de
compreensão, pois não é algo tão familiar à criança como os conhecimentos prévios já obtidos.
Autores como Nogueira, Bellini e Pavanello (2013), Muniz (2009) e Serrazina (2014) tratam essas
dificuldades enfrentadas pelos estudantes dos Anos Iniciais com relação às quatros operações
fundamentais (adição, subtração, divisão e multiplicação) e à importância do desenvolvimento de um
trabalho docente que busque superar essas dificuldades, ou amenizá-las por meio de estratégias e
encaminhamentos que auxiliem na prática em sala de aula.
Pensando nisso, o presente trabalho teve como objetivo abordar atividades que tratem as
quatro operações fundamentais discutidas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (adição,
subtração, multiplicação e divisão), por meio de uma simulação de transações comerciais (compras e
vendas, pagamentos de impostos etc.) com esses estudantes, a partir da criação de uma moeda fictícia,
conforme melhor explicitado nos procedimentos metodológicos. A atividade foi desenvolvida com
uma turma do 5º Ano de uma escola pública localizada no município de Moreira Sales, no período
vespertino, contando com a participação de 21 alunos na faixa etária de 9 a 10 anos. A turma em
questão foi sugerida pela professora regente para o desenvolvimento do trabalho, alegando ser uma
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turma com menos alunos, o que facilitaria nosso trabalho. A realização da atividade se deu durante as
aulas de Matemática, em duas horas/aula geminadas para cada encontro nosso. A professora regente
sempre esteve presente em sala durante o desenvolvimento da atividade, auxiliando sempre que
necessário. No presente relatório, apresentamos uma atividade que foi iniciada, mas, que ainda terá
continuidade, conforme relatamos a seguir.
CENÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO NOS ANOS INICIAIS: ALGUNS APONTAMENTOS
Para o desenvolvimento de qualquer atividade é necessário que se tenha um ambiente propício
à aprendizagem. Skovsmose (2008), em sua obra “Cenários para investigação”, propõe a abordagem
de investigação para o trabalho com a Matemática em sala de aula, que contrapõe o que ele denomina
paradigma do exercício, no qual o professor expõe o conteúdo, ensinando técnicas de resolução, e
seguidamente os alunos trabalham na resolução de exercícios já selecionados, os quais eles devem
repetir o processo ensinado pelo professor.
O paradigma do exercício está baseado na educação tradicional, no qual o professor é o
principal responsável no processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, os conteúdos são
aprendidos pela memorização do uso das técnicas ensinadas pelo professor, e os alunos as reproduzem
em exercícios de fixação. Neste paradigma, a ideia central é de que existe somente uma resposta
correta (SKOVSMOSE, 2008).
Já a abordagem investigativa é possível tomar diferenciados encaminhamentos. Nela, os
alunos têm a oportunidade de desenvolverem suas próprias estratégias para a resolução de um
problema, sem a utilização de “roteiros” já estabelecidos para as resoluções (SKOVSMOSE, 2008).
Para Skovsmose (2008), uma abordagem investigativa está relacionada com a educação matemática
crítica, no desenvolvimento da capacidade de interpretar e agir numa situação social e política
estruturada pela Matemática.
O autor define ainda como cenário para investigação “um ambiente que pode dar suporte a um
trabalho investigativo” (SKOVSMOSE, 2008, p.17). Nele, os alunos são os principais responsáveis
pelo processo de investigação, e o professor perde o status de único detentor do conhecimento,
cabendo a ele o papel de mediador, de orientar os alunos por meio de questionamentos que façam os
alunos refletirem sobre suas descobertas, gerando discussões entre eles.
No processo investigativo, existem diferentes caminhos e estratégias a serem tomadas e
diferentes conclusões a se chegar, tudo é uma descoberta, os alunos ao investigarem não têm em mente
onde deverão chegar, o conhecimento é construído durante a investigação (SKVOSMOSE, 2008).
Skovsmose (2008) diferencia as práticas de sala de aula baseadas num cenário investigativo,
das práticas baseadas no paradigma do exercício, sendo que esta distinção relaciona-se às
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“referências” que visam levar os estudantes a produzir significados para atividades e conceitos
matemáticos. Em suas palavras:
Diferentes tipos de referências são possíveis. Primeiro, questões e atividades matemáticas podem se referir à matemática e somente a ela. Segundo, é possível se referir a uma semi-realidade – não se trata de uma realidade que “de fato” observamos, mas de uma realidade construída, por exemplo, por um autor de um livro didático de matemática. Finalmente, alunos e professores podem trabalhar tarefas com referências a situações da vida real (SKVSMOSE, 2008, p. 22).
A partir dessas referências, Skovsmose (2008) caracteriza e exemplifica seis tipos diferentes
de ambientes de aprendizagem, sendo relacionados ao paradigma do exercício e ao paradigma da
investigação, sendo que, segundo ele, o ensino de matemática deve se mover entre esses diferentes
ambientes.
A primeira referência é caracterizada pelos exercícios apresentados no contexto da matemática
pura. A segunda trata-se de um ambiente que envolve números e figuras geométricas. A terceira é
caracterizada por exercícios com referências à semi-realidade, na qual temos uma situação artificial,
que possui um contexto, porém, esse contexto não exige informações adicionais para a resolução do
exercício, sendo que o texto já traz todos os dados necessários. O quarto ambiente também contém
referências à semi-realidade, na qual os alunos são convidados a fazer explorações e explicações. O
quinto ambiente é caracterizado por exercícios contendo informações reais, e o sexto ambiente está
relacionado às investigações com referências à realidade (SKOVSMOSE, 2008).
O trabalho num ambiente investigativo pode representar para o professor a saída da sua “zona
de conforto” para uma “zona de risco”. Durante as explorações na investigação, certamente ocorrerá
situações as quais o professor não havia planejado, questões irão aparecer, dúvidas e questionamentos
que ele não pode prever. Nesse momento ele se encontra na sua “zona de risco”, o que pode causar
insegurança, fazendo com que ele opte por voltar e continuar na sua “zona de conforto”, que seria o
paradigma do exercício, no qual ele consegue manter o controle da situação diante das
imprevisibilidades, que já são esperadas pelo ao professor neste tipo de atividade (SKOVSMOSE,
2008, p.35-36).
Para Skovsmose (2008), “qualquer cenário para investigação coloca desafios para o professor.
A solução não é voltar para a zona de conforto do paradigma do exercício, mas ser hábil para atuar no
novo ambiente” (p. 37). Portanto, o professor deve enfrentar esse desafio da incerteza.
Nacarato, Mengali e Passos (2009) acreditam que um “cenário para investigação”, descrito por
Skovsmose, seja um ambiente propicio para se ensinar e aprender matemática nos Anos Iniciais. Elas
concebem um ambiente de aprendizagem como “um espaço para a atividade intelectual em
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matemática mediada pelo diálogo e pela leitura e escrita, em que a comunicação e a produção de
significados são centrais” (p. 46).
Nesse ambiente se caracteriza a relação dialógica estabelecida entre professor e aluno, na qual
o professor deve dar voz e ouvir o que os alunos têm a dizer, estabelecendo um respeito recíproco
entre professor e alunos e compartilhando as ideias e os saberes (NACARATO; MENGALI; PASSOS,
2009, p. 42).
O aluno deve ser colocado no centro do processo de ensino, não sendo apenas o professor um
sujeito ativo, mas, ambos devem se envolver intelectualmente na atividade, de forma que todos
possam ensinar e aprender. “Os processos de pensamento e as estratégias dos alunos precisam ser
valorizados; o absolutismo do “certo ou errado” precisa dar lugar à discussão, ao diálogo. Analisar
aquilo que, a princípio, possa parecer um “erro” da parte deles” (NACARATO; MENGALI; PASSOS,
2009, p.43).
É apontada a importância dos registros escritos e da leitura, nesse processo de comunicação:
Quando o aluno fala, lê, escreve ou desenha, ele não só mostra quais habilidades e atitudes estão sendo desenvolvidas no processo de ensino, como também indica os conceitos que domina e as dificuldades que apresenta. Com isso, é possível verificar mais um aspecto importante na utilização de recursos de comunicação para interferir nas dificuldades e provocar cada vez mais o avanço dos alunos (NACARATO; MENGALI; PASSOS, 2009, p.45).
Voltando os olhares para os estudantes mais jovens, devemos destacar que, nesta fase da vida,
os alunos estão começando a construir as ideias que terão acerca da Matemática no decorrer dos seus
estudos. Carvalho e Pirola (2004) afirmam que a Matemática na Educação Infantil “é de extrema
importância para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades, tanto para a instrumentação para a
vida quanto para o desenvolvimento do raciocínio lógico e da criatividade” (p.2). Os autores ainda
destacam que “[...] é na Educação Infantil o momento mais adequado para estimular na criança o
desenvolvimento do pensamento lógico quer pela riqueza das atividades desenvolvidas, quer pela
abertura quanto à flexibilidade, curiosidade, criatividade e descoberta” (p.2).
Ao iniciarem sua carreira escolar, os alunos trazem consigo conhecimentos já adquiridos de
experiências vivenciadas anteriores à escola. Conforme salientam Nogueira, Bellini e Pavanello,
(2013) “as noções elementares das diversas operações estão presentes no cotidiano das crianças. As
noções de juntar e dividir, por exemplo, que estão associadas respectivamente às operações de adição
e divisão, são conhecidas pelas crianças antes mesmo de chegarem à escola (p. 95).”
Serrazina (2014) aponta alguns desses exemplos de situações fora de sala de aula com as quais
os alunos se deparam com situações quantitativas:
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Por exemplo, as cartas que cada um recebeu num determinado jogo, os andares do prédio que moram, os anos do irmão mais novo, os ingredientes necessários para fazer o bolo do seu aniversário, o bolo de anos que tem de ser dividido igualmente por todos os presentes de modo que cada um fique com a mesma quantidade, a altura da torre que construíram com material de encaixe, os puzzles que conseguem fazer, os jogos de rua que realizam, os trajetos que conseguem seguir, etc. (p. 11).
Segundo Nogueira, Bellini e Pavanello (2013), esses conhecimentos prévios devem ser
considerados para o aprendizado das operações, e o professor deverá aproveitar desses conhecimentos
e sistematizá-los de maneira a proporcionar a construção do pensamento matemático.
As quatro operações fundamentais, adição, subtração, multiplicação e divisão, apresentam-se
como as maiores dificuldades de ensino nos Anos Iniciais. Apesar de os alunos já terem noções dessas
operações, como descrito anteriormente, esses conhecimentos foram adquiridos sem formalizações
comuns ao ensino de Matemática, e a grande dificuldade está na compreensão dos algoritmos e como
utilizá-los (MUNIZ, 2009). Essa não compreensão pode gerar um “falso aprendizado”, conforme
Nogueira, Bellini e Pavanello (2013):
Quando nos deparamos com um algoritmo em nosso cotidiano, é comum, nas primeiras tentativas de utilizá-lo, precisarmos de ajuda. Mais ainda, se não compreendermos o seu funcionamento, sua utilização será mecânica, limitando-se a seguir instruções, sem nenhuma autonomia, como no preenchimento do formulário do Imposto de renda. De forma similar, quem não dispõe de boas estratégias de cálculo passa por dificuldades em inúmeras situações do dia a dia, que exigem autonomia de decisões sobre “que cálculo fazer” e não apenas em “como fazê-lo” (p. 96).
É comum diante de um problema apresentado aos alunos eles questionarem qual conta deve
ser feita. Várias são as razões pelas quais os alunos não conseguem identificar as operações
matemáticas nos problemas propostos, tais como as expostas por Muniz (2009):
• Dificuldade de interpretação do texto que constitui o enunciado; • Operações ensinadas de forma estanque, uma a uma, sem uma articulação
interna entre elas; • Falta de significado da situação para o aluno, levando-o a não identificar os
conceitos que a mesma implica; • Ausência de autonomia intelectual e moral do aluno que foi levado a buscar,
no adulto, o suporte para validação de suas ações cognitivas; • Baixa autoestima e insuficiente autoconfiança, uma vez que o aluno é
submetido a um ambiente educativo em que o erro é fonte geradora de punições. A possibilidade de punição leva o aluno a não ação, fazendo com que fique aguardando uma pista do professor para mostrar o caminho certo a ser percorrido;
• Enunciado não evidencia apenas dois números a serem diretamente operados. Afinal, desde cedo, o aluno aprende que resolver um problema é pegar/utilizar os dois números presentes no enunciado e operá-los: resolver o problema é somente descobrir qual a operação a ser realizada entre os dois
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números. Há maior dificuldade quando o aluno precisa selecionar os dados necessários entre os diversos dados pelo enunciado ou mesmo quando um deles se apresenta de forma escrita na língua materna e não indu-arábico;
• Hábito de encontrar, no texto, palavras que conduzem de forma absoluta determinada operação aritmética, tais como: “juntos” é para somar, “retirou” é para subtrair, “repartir” é para dividir, e assim por diante (MUNIZ, 2009, p. 101-102).
Muniz (2009) destaca o último fator de dificuldade na resolução de problemas: “a escola
trabalha em cada operação aritmética um, e tão somente um, conceito entre as muitas ações que cada
operação suscita”, com isso acaba por produzir um fenômeno denominado “reducionismo conceitual”
(p.102). Costuma-se associar cada operação a uma única dimensão conceitual como se fosse uma
palavra-chave que indicasse a operação que se está pedindo no exercício. Como um exemplo de tal
ideia, “toda vez que numa situação fala-se “juntos” a resolução deve ser por meio da adição e,
reciprocamente, ao tratarmos da operação de adição, esta se aplica necessariamente ao contexto de
juntar” (MUNIZ, 2009, p.102).
A ocorrência desse fato acaba por despreparar o aluno para situações diferentes das
apresentadas em sala de aula, e, ao se defrontar com essas situações, o aluno não conseguirá identificar
qual o procedimento operatório a ser utilizado (MUNIZ, 2009). Muniz (2009) complementa dizendo
que “cada operação pode implicar mais de um conceito, e que cada ação operatória mobilizada
depende necessariamente da situação, do contexto” (p.103).
Segundo Nogueira, Bellini e Pavanello (2013), o ensino dos algoritmos só deve ser feito após
os alunos terem compreendido o Sistema de Numeração Decimal. Elas ainda destacam que “os
algoritmos das operações, por se tratarem de procedimentos, como toda técnica, necessitam de tempo
e de muitas experiências para adquirirem caráter instrumental” (p. 97).
Serrazina (2014) salienta que, no estudo das operações fundamentais, devemos levar em
consideração como elas estão relacionadas com as situações reais, desde a sua introdução,
preocupando-se em trabalhar com problemas contextualizados de modo que os alunos as
compreendam, e que “é através da resolução de problemas em contextos diversos que [os alunos] vão
construindo os diferentes sentidos para as operações, mas também a forma como as diferentes
operações afetam os números” (p.13).
Para Nogueira, Bellini e Pavanello (2013):
É importante que antes da solução de cada algoritmo, as crianças apresentem estimativas para seus resultados. Além disso, devem ser solicitadas a explicitarem seu raciocínio e a justificarem sua solução. Ao adotar estas atitudes o professor as habitua a agirem criticamente em relação aos cálculos e, mais do que isto, contribui para o desenvolvimento da autonomia da criança [...] (p. 97).
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Para o trabalho com os alunos, o professor tem a opção de utilizar os diferentes instrumentos e
materiais para alcançar seu objetivo. Nos Anos Iniciais, há várias possibilidades de trabalho com o uso
de materiais manipuláveis, como, por exemplo, material dourado, o ábaco, o uso de jogos envolvendo
as quatro operações, entre outros, os quais compete ao professor querer utilizá-los ou não nas suas
aulas.
Para Rodrigues e Gazine (2012):
Os materiais didáticos manipuláveis (MD) constituem um importante recurso didático a serviço do professor em sala de aula. Estes materiais podem tornar as aulas de matemática mais dinâmicas e compreensíveis, uma vez que permitem a aproximação da teoria matemática da constatação na prática, por meio da ação manipulável (p. 188).
Entretanto, “o professor nem sempre tem clareza das razões fundamentais pelas quais os
materiais ou jogos são importantes para o ensino e a aprendizagem da Matemática e, normalmente,
não questiona se estes realmente são necessários, e em que momentos devem ser usados”
(FIORENTINI; MIORIM, 1990, p.1).
Para Fiorentini e Miorim (1990), é necessário que haja uma reflexão antes da utilização de um
material, sobre “a nossa proposta político-pedagógica, sobre o papel histórico da escola, sobre o tipo
de sociedade que queremos, sobre o tipo de aluno que queremos formar, sobre qual matemática
acreditamos ser importante para esse aluno”. Para eles o importante é que o aluno aprenda de modo
significativo, desenvolvendo atividades nas quais ele raciocine, compreenda, elabore e reelabore seu
conhecimento, sendo que o uso de materiais pode contribuir para que isso ocorra.
Refletindo acerca da formação de alunos que estão inseridos na sociedade, devemos pensar no
papel que a Matemática pode desempenhar nesse processo. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997) – PCN - ressaltam a importância da Matemática como componente na
construção da cidadania:
A compreensão e a tomada de decisões diante de questões políticas e sociais também dependem da leitura e interpretação de informações complexas, muitas vezes contraditórias, que incluem dados estatísticos e índices divulgados pelos meios de comunicação. Ou seja, para exercer a cidadania, é necessário saber calcular, medir, raciocinar, argumentar, tratar informações estatisticamente, etc. (BRASIL, 1997, p.25).
Enfim, devemos aproximar os estudantes de questões que eles poderão vivenciar em seu
cotidiano desde os Anos Iniciais.
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A atividade apresentada no presente artigo compõe um projeto de iniciação científica,
desenvolvido nos anos de 2013 e 2014, junto à Universidade Estadual do Paraná/Campus de Campo
Mourão, intitulado: Quem quer “Fisgraus”? Um trabalho de simulação de operações bancárias nas
aulas de Matemática com alunos dos Anos Iniciais.
A turma escolhida para a realização da atividade, neste caso nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, foi um 5º Ano de uma escola pública localizada no município de Moreira Sales, PR. As
atividades ocorreram no período vespertino, contando com a participação de 21 alunos na faixa etária
de 9 a 10 anos. A turma em questão foi sugerida pela professora regente para o desenvolvimento do
trabalho, alegando ser uma turma com menos alunos, o que facilitaria nosso trabalho. A atividade foi
realizada durante as aulas de Matemática, em duas horas/aula geminadas para cada encontro nosso. A
professora regente sempre esteve presente em sala durante o desenvolvimento da atividade, auxiliando
sempre que necessário, chamando a atenção da turma.
A atividade, de maneira geral, consistia em simular transações comerciais, a partir da criação
de uma moeda. Iniciando o trabalho, a professora regente da turma e a Diretora da escola me
conduziram até a sala e me apresentaram aos alunos, falando sobre o trabalho a ser desenvolvido com
eles e pedindo a colaboração de todos. Em nosso primeiro contato, apresentei-me, falando meu nome,
e que estava no quarto ano do curso de Licenciatura em Matemática. Antes de começar a falar sobre
como seria o trabalho realizado em sala, solicitei que todos se apresentassem, dizendo o nome e a
idade. Feita a apresentação, falei para os alunos que iriamos trabalhar com uma moeda fictícia com a
qual simularíamos transações comerciais. Como primeira tarefa, eles deveriam se reunir em grupos e
escolher o nome para a moeda. Os próprios alunos escolheram os grupos a serem formados, sendo
estabelecidos dois grupos maiores com 6 alunos, um grupo com 3 alunos, outro grupo com apenas dois
alunos e quatro alunos optaram por trabalharem sozinhos. Cada grupo pensou em alguns nomes e
escreveram no quadro para que pudéssemos fazer uma votação. Os nomes escolhidos pelos grupos
foram: Liondy, Sulty, Tippiky, Mindyom, Fox, Dórreu, Afrix, Myttis, Rio, Mina, Fisgraus, Ioco, Ouro
Branco, Brasileiro, Belgica, Diamante, Ouro, Pérola Negra, Palha de Palmeira, Diamante Rocha e
Surinana. Destes nomes, os seguintes foram votados pelos próprios alunos: liondy, Fisgrau, ioco, mina
e ouro branco. A escolha final do nome da moeda foi feita pela professora regente. O nome escolhido
para a moeda foi “Fisgrau”.
Feito esse primeiro momento, questionei os alunos sobre o destino das embalagens do tipo pet
em suas casas. Uma aluna respondeu que as colocava separadas em um canto, sendo que questionei
novamente: e depois que esse canto já está cheio de embalagens, o que você faz? A aluna respondeu
que as garrafas pet ela dava para a avó colocar sabão e as demais embalagens deixava-as separadas do
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restante do lixo para o caminhão de lixo recolher. Nesse momento, um aluno disse que separava o lixo
que é reciclável do lixo orgânico, sendo que, com isso, os alunos começaram a falar que também
separavam em suas casas o lixo reciclável do lixo orgânico. Aproveitando as falas dos alunos, falei
sobre a importância da reciclagem, e o impacto que isso gera no meio ambiente. Questionei-os
novamente, dessa vez sobre se eles saberiam dizer o tempo de decomposição dessas embalagens.
Vários foram os chutes, 3 anos, 10 anos, 100 anos.
Foi passado um vídeo “O brincar e o planeta” 1 sobre o meio ambiente, o qual fornecia as
seguintes informações: o plástico demora mais de 100 anos para se decompor, reciclando 1000 kg de
plástico, deixamos de extrair milhares de litros de petróleo; o papel e alumínio, equivalente às
caixinhas de leite, demora em média 100 anos para se decompor; o papel demora 3 meses para se
decompor e, reciclando 1000 kg de papel, preservamos o corte de 20 árvores; o vidro demora em
média 1 milhão de anos para se decompor e, reciclando 1000 kg de vidro, deixamos de extrair 1300 kg
de areia; o alumínio demora 1000 anos para se decompor e, reciclando 1000 kg de alumínio, deixamos
de extrair 5000 kg de minério; e o aço demora em média 10 anos para se decompor.
Feita essa apresentação para os alunos sobre a importância da reciclagem para o meio
ambiente, foi explicado a eles que iriam adquirir a moeda por meio de uma troca por garrafas pet, as
quais eles deveriam trazer nos próximos encontros. As garrafas que fossem trazidas pelos alunos
seriam doadas para uma turma dos Anos finais do Ensino Fundamental que estavam desenvolvendo
um trabalho com a reciclagem de garrafas pet.
Nos três encontros seguintes, foram feitos os cálculos para saber a quantidade de Fisgraus que
cada aluno receberia para isso. No primeiro dia dos cálculos, foi entregue uma folha com o seguinte
problema:
Figura 1 – Problema da troca das garrafas pet pela moeda Fisgrau.
Depois de entregue o problema, foi realizada a leitura juntamente com a turma. Foi
questionado a eles quantos ml havia em 1 litro. Os alunos responderam 1000 ml. Em seguida, foi
ilustrada uma situação para servir de exemplo sobre como eles deveriam proceder os cálculos da
1 O brincar e o planeta – Professor Sassá. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=OR_J8KUkXMI.
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quantidade de moedas que conseguiriam com o total de garrafas levadas no dia. Supondo que eu tenha
3 garrafas pet, uma de 2 litros, uma de 1 litro, e uma de 600 ml, quantos Fisgraus eu conseguiria com
essa quantidade?
Como 2 litros correspondem a 2000 ml, e 1 litro a 1000 ml, fazendo a soma de todos os
valores tivemos: 2000 ml + 1000 ml + 600 ml = 3600 ml. Questionando eles novamente, se para cada
1 litro ou 1000 ml eu ganhar 1 Fisgrau, quantos Fisgraus conseguirei com 3600 ml? Eles responderam
3 Fisgraus, e sobrará 600 ml. Como com 600 ml não era possível conseguir nenhum Fisgrau, então os
600 ml restantes ficariam acumulados para a próxima troca.
Na sequência, os alunos calcularam a quantidade de Fisgraus que conseguiriam com as
garrafas pet que eles haviam levado no dia. Alguns alunos escreveram a quantidade de garrafas, a
quantidade de litros de cada garrafa e a quantidade correspondente de mls para realizarem os cálculos,
conforme mostram as figuras:
Figura 2 – Cálculo do problema da troca das garrafas pet pela moeda Fisgrau
Figura 3– Cálculo do problema da troca das garrafas pet pela moeda Fisgrau
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Alguns alunos desenvolveram os cálculos pelo algoritmo da adição, conforme a figura abaixo:
Figura 4 - Cálculo do problema da troca das garrafas pet pela moeda Fisgrau
Apenas um aluno tentou utilizar o algoritmo da divisão, porém não obteve sucesso em seu
cálculo, ele não soube efetuar a divisão:
Figura 5 - Cálculo do problema da troca das garrafas pet pela moeda Fisgrau
De forma geral os alunos não apresentaram muitas dificuldades na realização dos cálculos,
sendo que somente o aluno que tentou utilizar o algoritmo da divisão não conseguiu fazer os cálculos
corretamente.
Depois, foi entregue a eles uma tabela de controle das moedas Fisgraus, contendo nome, data,
a quantidade de Fisgraus recebidas no dia, os ml restantes para as próximas trocas, depósitos, retiradas
e o saldo atual. Como as moedas ainda estavam sendo confeccionadas, os alunos não preencheram as
colunas dos depósitos e retiradas, que eles iriam fazer quando estivessem com as moedas em mãos,
deixando-as com a professora regente da turma, que seria responsável por guardá-las, conforme
mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Controle das moedas.
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Controle das moedas F$
Nome
Data Quantidade de F$ recebida no
dia
Ml restantes para a
próxima troca
Depósitos Retiradas Saldo Atual
(F$)
Inicialmente houve bastantes dúvidas de como preencher a tabela, os alunos estavam
colocando os mls que eles não haviam conseguido fazer a troca no campo “Quantidade de F$ recebida
no dia” e o mesmo valor no campo “Saldo Atual”, como por exemplo, um aluno que conseguiu F$ 3
com a troca e havia sobrado 500mls, ele deveria colocar no campo “Quantidade de F$ recebida no dia”
igual a 3, no campo “ML restantes para a próxima troca” deveria colocar os 500 mls e no campo
“Saldo Atual” também deveria colocar 3, porém ele havia coloca 3500 na quantidade de F$ recebida
no dia e no saldo atual. Depois de explicar novamente como eles deveriam preencher a tabela os
alunos conseguiram colocar os valores certos. Segue abaixo duas tabelas preenchidas pelos alunos.
Figura 6 – Tabela “Controle das moedas Fisgraus”
Figura 7 -Tabela “Controle das moedas Fisgraus”
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Finalizada essa parte dos cálculos da quantidade de moedas que cada um receberia, focamos
no término da confecção da moeda. Juntamente com o orientador, decidimos fazer três valores de
moedas, 5 Fisgraus, 2 Fisgraus e 1 Fisgrau, o formato das moedas seriam fracionários em relação a
moeda de maior valor e teriam em cada moeda um desenho de um material reciclável. Segue abaixo o
modelo de cada moeda2:
Figura 8 – Moedas de 5 Fisgraus, 2 Fisgraus e 1 Fisgrau.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização do trabalho com a utilização de materiais manipuláveis e a simulação de uma
situação cotidiana, são fatores que contribuíram para instigar os alunos, gerando, dessa forma, o
interesse dos mesmos no desenvolvimento da atividade.
Como o trabalho foi apenas iniciado, poucas são as conclusões que podemos tirar. De maneira
geral, não foram identificadas grandes dificuldades dos alunos com relação aos cálculos. Podemos
obeservar que os alunos se utilizaram mais do algoritmo da adição, sendo que o algoritmo da
multiplicação e o algoritmo da subtração não foram utilizados, e o algoritmo da divisão foi utilizado
por um único aluno que não conseguiu realizar a operação.
Já o preenchimento da tabela gerou dúvidas sobre o que colocar em cada campo. Os ml que
eles não conseguiram fazer a troca pela moeda deveriam ser colocados na coluna “ml restantes” para a
próxima troca, porém, os alunos estavam colocando na coluna quantidade de F$ recebida no dia.
Como exemplo, um aluno que conseguiu F$ 3 e ficou com 600 ml restante para a próxima troca
deveria colocar na coluna quantidade de F$ recebida no dia 3 e, na coluna ml restantes para a próxima
troca, deveria colocar 600. Porém, alguns alunos estavam colocando na coluna de quantidade de F$
recebida no dia 3 e 600, não diferenciando a quantidade de F$ dos ml restantes. Os alunos não estavam
2 As moedas foram confeccionadas pelo aluno Bruno Moreno Francisco do 4º ano de Matemática da Unespar- Campus de Campo Mourão.
IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014
ISSN 1981-6480
considerando os ml restantes para a próxima troca, eles estavam colocando os ml restante junto com a
quantidade de Fisgraus recebida no dia.
Será dada continuidade no desenvolvimento da atividade, sendo que serão simuladas
transações comerciais com o uso das moedas que ja se encontram prontas.
A intenção é de que possamos também disseminar os resultados de nossas investigações em
eventos científicos e/ou periódicos.
REFERÊNCIAS
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CARVALHO, A. M. L. B.; PIROLA, N. A. O ensino da Matemática na Educação Infantil e as concepções norteadoras da prática docente. In: Anais do VIII ENEM, 2004. FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no ensino da Matemática. Boletim da SBEM – SP, n. 7, 1990. MUNIZ, C. A. Diversidade dos conceitos das operações e suas implicações nas resoluções de classes de situações. GUIMARÃES, G.; BORBA, R. Reflexões sobre o ensino de matemática nos anos iniciais de escolarização. Recife: SBEM, 2009. NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L. S.; PASSOS, C. L. B. A matemática nos anos iniciais do ensino fundamental: tecendo fios do ensinar e do aprender. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. NOGUEIRA, C. M. I.; BELLINI, M.; PAVANELLO, R. M. O Ensino de Matemática e das Ciências Naturais nos Anos Iniciais na Perspectiva da Epistemologia Genética. 1. Ed. Curitiba, PR: CRV, 2013. RODRIGUES, F. C.; GAZIRE, E. S. Reflexões sobre o uso de material didático manipulável no ensino de matemática: da ação experimental à reflexão. REVEMAT – Revista Eletrônica de Educação Matemática. Florianópolis, v. 07, n. 2, p. 187-196, 2012. SERRAZINA, N. L. Maria De Lurdes Serrazina e a formação de professores para o ensino de Matemática nos Anos Iniciais de escolarização. RPEM – Revista Paranaense de Educação Matemática. Campo Mourão, PR, v.3, n.4, 2014. Entrevista concedida a: NOGUEIRA, C. M. I.; PAVANELLO, R. M.; BORBA, R. E. S. R. SKOVSMOSE, O. Desafios da reflexão em educação matemática crítica. Campinas, SP: Papirus, 2008.