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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 12 (2.508) Cidade do Vaticano quinta-feira 22 de março de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +:!z!%!#!?! Uma Igreja que não arrisca envelhece Francisco pediu aos jovens que não cedam ao desespero O Papa em Pietrelcina e em San Giovanni Rotondo admoestou contra a cultura do descarte Ao lado dos pequeninos Elogio de padre Pio GIOVANNI MARIA VIAN No início do sexto ano de pontifi- cado o Papa escolheu visitar os lu- gares de padre Pio, e o encontro com esta figura tão amada foi oca- sião para duas meditações que vão muito além da circunstância. Do frade capuchinho, que «maravi- lhou o mundo» simplesmente com a oração e com a escuta dos ou- tros no confessionário, Francisco teceu um elogio que brotou do seu coração e se cruzou com o motivo antiquíssimo da santidade da Igreja não obstante os pecados dos cristãos. «Amava a Igreja, amava a Igreja com todos os seus problemas, com todas as suas difi- culdades, com todos os nossos pe- cados. Porque todos nós somos pecadores, nos envergonhamos, mas o Espírito de Deus convocou- nos nesta Igreja que é santa. E ele amava a Igreja santa e os filhos pecadores, todos. Este era São Pio» disse o Pontífice improvisan- do em Pietrelcina. Aqui, onde nasceu um homem que atravessou singularmente a modernidade, Francisco recordou- o aos seus concidadãos «como um homem qualquer, como um cam- ponês». Acrescentando, sempre improvisando: «Esta era a sua no- breza. Nunca renegou a sua al- CONTINUA NA PÁGINA 8 Quem cuida dos pequeninos «está do lado de Deus» e proclama «uma profecia de vida contra os profetas de morte de todos os tempos». A nova admoestação do Papa contra «a cultura do descarte» ressoou em San Giovanni Rotondo no adro da igreja de São Pio de Pietrelcina, so- bre a qual se debruça aquele «tem- plo de oração e de ciência» que é a Casa alívio do sofrimento, desejada há sessenta anos pelo frade com es- tigmas. «Um santuário especial on- de está presente Deus — definiu-o Francisco durante a missa celebrada na manhã de sábado, 17 de março — porque ali se encontram muitos pe- queninos amados por ele» A viagem do Pontífice aos lugares de padre Pio teve início em Pietrel- cina, onde rezou na pequena capela que conserva o ulmeiro sob o qual o jovem capuchinho recebeu os estig- mas. O Santo Padre dirigiu um dis- curso à população repropondo a atualidade do testemunho do «hu- milde frade capuchinho» que «sur- preendeu o mundo». Em seguida, o Papa transferiu-se para San Giovanni Rotondo, onde- visitou a Casa alívio do sofrimento e se encontrou com as crianças doen- tes na Unidade de oncologia e he- matologia pediátrica. Depois, visitou o santuário de Santa Maria das Gra- ças para venerar o corpo do santo. Por fim, presidiu à celebração euca- rística diante da nova igreja, pro- nunciando uma homilia centrada na tríplice «herança» — oração, peque- nez, e sabedoria de vida — encerrada nos «três sinais visíveis» deixados por padre Pio: «os grupos de ora- ção, os doentes da Casa alívio do sofrimento, o confessionário». PÁGINAS 8 E 9 Sobre a «Placuit Deo» Como uma bússola ANTONIO PITTA NA PÁGINA 4 A primeira tarefa do bispo é rezar Ordenações episcopais na basílica de São Pedro PÁGINA 5 Uma Igreja que não é capaz de arriscar envelhe- ce, recordou o Papa aos mais de trezentos jovens do mundo inteiro, que a 19 de março se encontra- ram em Roma, no pontifício Colégio internacio- nal Maria Mater Ecclesiae, para dar início à reu- nião preparatória da décima quinta assembleia ge- ral ordinária do Sínodo dos bispos sobre o tema «Os jovens, a fé e o discernimento vocacional». Com eles, o Pontífice passou a manhã inteira, dialogando sobre questões cruciais da vida da so- ciedade e da Igreja. Aos presentes uniram-se, gra- ças à internet, mais de quinze mil jovens de todos os continentes, que até sábado darão vida a um confronto destinado a orientar os participantes na próxima assembleia sinodal, programada para ou- tubro. Com efeito, a semana culminará no Do- mingo de Ramos quando — no final da missa em que em São Pedro se celebrará também a XXXIII jornada mundial da juventude — será entregue ao Papa o documento elaborado durante a reunião pré-sinodal. No discurso que abriu os trabalhos, o Pontífice exortou os participantes a ter a coragem de se deixar interpelar pela realidade, de fazer perguntas e de se questionar com franqueza. Em vista do próximo Sínodo, o Papa dirigiu a toda a comunidade eclesial um apelo a fim de que «volte a descobrir um renovado dinamismo juvenil». Trata-se de «um convite a procurar no- vos caminhos e a percorrê-los com audácia e con- fiança, mantendo o olhar fixo em Jesus e abrin- do-se ao Espírito Santo, para rejuvenescer o rosto da própria Igreja». Uma missão a cumprir sem ceder ao medo, «embora isto acarrete riscos», pois, especificou, «o homem, a mulher que não arrisca não amadurece». PÁGINA 2

quinta-feira 22 de março de 2018 Uma Igreja que … para vir aqui. Alguns de vós ti-veram que fazer uma longa viagem. Outros, em vez de ir dormir — p or- que onde vivem é hora

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Page 1: quinta-feira 22 de março de 2018 Uma Igreja que … para vir aqui. Alguns de vós ti-veram que fazer uma longa viagem. Outros, em vez de ir dormir — p or- que onde vivem é hora

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 12 (2.508) Cidade do Vaticano quinta-feira 22 de março de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +:!z!%!#!?!

Uma Igreja que não arriscaenvelhece

Francisco pediu aos jovens que não cedam ao desespero

O Papa em Pietrelcina e em San Giovanni Rotondo admoestou contra a cultura do descarte

Ao lado dos pequeninosElogio

de padre PioGI O VA N N I MARIA VIAN

No início do sexto ano de pontifi-cado o Papa escolheu visitar os lu-gares de padre Pio, e o encontrocom esta figura tão amada foi oca-sião para duas meditações que vãomuito além da circunstância. Dofrade capuchinho, que «maravi-lhou o mundo» simplesmente coma oração e com a escuta dos ou-tros no confessionário, Franciscoteceu um elogio que brotou doseu coração e se cruzou com omotivo antiquíssimo da santidadeda Igreja não obstante os pecadosdos cristãos. «Amava a Igreja,amava a Igreja com todos os seusproblemas, com todas as suas difi-culdades, com todos os nossos pe-cados. Porque todos nós somospecadores, nos envergonhamos,mas o Espírito de Deus convocou-nos nesta Igreja que é santa. E eleamava a Igreja santa e os filhospecadores, todos. Este era SãoPio» disse o Pontífice improvisan-do em Pietrelcina.

Aqui, onde nasceu um homemque atravessou singularmente amodernidade, Francisco recordou-o aos seus concidadãos «como umhomem qualquer, como um cam-ponês». Acrescentando, sempreimprovisando: «Esta era a sua no-breza. Nunca renegou a sua al-

CO N T I N UA NA PÁGINA 8

Quem cuida dos pequeninos «estádo lado de Deus» e proclama «umaprofecia de vida contra os profetasde morte de todos os tempos». Anova admoestação do Papa contra«a cultura do descarte» ressoou emSan Giovanni Rotondo no adro daigreja de São Pio de Pietrelcina, so-bre a qual se debruça aquele «tem-plo de oração e de ciência» que é aCasa alívio do sofrimento, desejadahá sessenta anos pelo frade com es-tigmas. «Um santuário especial on-de está presente Deus — definiu-oFrancisco durante a missa celebrada

na manhã de sábado, 17 de março —porque ali se encontram muitos pe-queninos amados por ele»

A viagem do Pontífice aos lugaresde padre Pio teve início em Pietrel-cina, onde rezou na pequena capelaque conserva o ulmeiro sob o qual ojovem capuchinho recebeu os estig-mas. O Santo Padre dirigiu um dis-curso à população repropondo aatualidade do testemunho do «hu-milde frade capuchinho» que «sur-preendeu o mundo».

Em seguida, o Papa transferiu-separa San Giovanni Rotondo, onde-

visitou a Casa alívio do sofrimento ese encontrou com as crianças doen-tes na Unidade de oncologia e he-matologia pediátrica. Depois, visitouo santuário de Santa Maria das Gra-ças para venerar o corpo do santo.Por fim, presidiu à celebração euca-rística diante da nova igreja, pro-nunciando uma homilia centrada natríplice «herança» — oração, peque-nez, e sabedoria de vida — encerradanos «três sinais visíveis» deixadospor padre Pio: «os grupos de ora-ção, os doentes da Casa alívio dosofrimento, o confessionário».

PÁGINAS 8 E 9

Sobre a «Placuit Deo»

Como uma bússola

ANTONIO PI T TA NA PÁGINA 4

A primeira tarefa do bispo é rezar

Ordenações episcopaisna basílica de São Pedro

PÁGINA 5

Uma Igreja que não é capaz de arriscar envelhe-ce, recordou o Papa aos mais de trezentos jovensdo mundo inteiro, que a 19 de março se encontra-ram em Roma, no pontifício Colégio internacio-nal Maria Mater Ecclesiae, para dar início à reu-nião preparatória da décima quinta assembleia ge-

ral ordinária do Sínodo dos bispos sobre o tema«Os jovens, a fé e o discernimento vocacional».Com eles, o Pontífice passou a manhã inteira,dialogando sobre questões cruciais da vida da so-ciedade e da Igreja. Aos presentes uniram-se, gra-ças à internet, mais de quinze mil jovens de todos

os continentes, que até sábado darão vida a umconfronto destinado a orientar os participantes napróxima assembleia sinodal, programada para ou-tubro. Com efeito, a semana culminará no Do-mingo de Ramos quando — no final da missa emque em São Pedro se celebrará também a XXXIIIjornada mundial da juventude — será entregue aoPapa o documento elaborado durante a reuniãopré-sinodal. No discurso que abriu os trabalhos, oPontífice exortou os participantes a ter a coragemde se deixar interpelar pela realidade, de fazerperguntas e de se questionar com franqueza.

Em vista do próximo Sínodo, o Papa dirigiu atoda a comunidade eclesial um apelo a fim deque «volte a descobrir um renovado dinamismojuvenil». Trata-se de «um convite a procurar no-vos caminhos e a percorrê-los com audácia e con-fiança, mantendo o olhar fixo em Jesus e abrin-do-se ao Espírito Santo, para rejuvenescer o rostoda própria Igreja». Uma missão a cumprir semceder ao medo, «embora isto acarrete riscos»,pois, especificou, «o homem, a mulher que nãoarrisca não amadurece».

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de março de 2018, número 12

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

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Na abertura da reunião pré-sinodal dos jovens

Uma Igreja que não arriscaenvelhece

Publicamos a seguir o texto do discursopronunciado pelo Papa Francisco naabertura da reunião pré-sinodal dosjovens realizada na manhã desegunda-feira, 19 de março, noPontifício colégio internacional MariaMater Ecclesiae, em Roma.

Amados jovens, bom dia!Saúdo todos os 15340! Espero queamanhã sejam mais neste nosso diá-logo para fazer sair aquilo que cadaum de vós e de nós temos no cora-ção. Falar com coragem. Sem vergo-nha, não é. Aqui a vergonha deixa-se fora da porta. Fala-se com cora-gem: digo aquilo que sinto e se al-guém está ofendido, peço perdão evou por diante. Vós sabeis falar as-sim. Mas é preciso ouvir com humil-dade. Se alguém disser o que nãome agrada, tenho que o ouvir mais,pois cada qual tem o direito de serouvido, assim como todos têm o di-reito de falar.

Obrigado por terdes aceite o con-vite para vir aqui. Alguns de vós ti-veram que fazer uma longa viagem.Outros, em vez de ir dormir — p or-que onde vivem é hora de dormir —estão em ligação convosco. Passarãoa noite a ouvir. Provindes de tantaspartes do mundo e trazeis convoscouma grande variedade de povos, cul-turas e também de religiões: não soistodos católicos ou cristãos, nem se-quer todos crentes, mas certamenteestais todos animados pelo desejo dedar o melhor de vós. E eu não duvi-do disto. Saúdo também os que en-trarem em ligação, e os que já o fize-ram: obrigado pelo vosso contribu-to!

Quero agradecer de modo espe-cial à Secretaria do Sínodo, ao Car-deal Secretário, ao Arcebispo Secre-tário e a todos, a todos os que traba-lham na Secretaria do Sínodo. Tra-balharam tanto para isto e tiveramuma capacidade de inventar coisas euma grande criatividade. Muitoobrigado, Cardeal Baldisseri, e a to-dos os vossos colaboradores.

Sois enviados porque o vosso con-tributo é indispensável. Precisamosde vós para preparar o Sínodo quereunirá em outubro os Bispos sobreo tema Os jovens, a fé e o discerni-mento vocacional. Em muitos momen-tos da história da Igreja, assim comoem numerosos episódios bíblicos,Deus quis falar por meio dos maisjovens; penso, por exemplo, em Sa-muel, em David e em Daniel. Eugosto muito da história de Samuel,quando ouve a voz de Deus. A Bí-blia diz: “Naquele tempo não eracostume ouvir a voz de Deus. Eraum povo desorientado”. Foi um jo-vem que abriu aquela porta. Nosmomentos difíceis, o Senhor faz irem frente a história com os jovens.

Dizem a verdade, não se envergo-nham. Não digo que são “sem-ver-gonha” mas que não têm vergonha edizem a verdade. E David quandoera jovens começa com aquela cora-gem. Até com os seus pecados. Por-que é interessante, todos eles nãonasceram santos, não nasceram jus-tos, modelos dos outros. Todos sãohomens e mulheres pecadores e pe-cadoras, mas sentiram o desejo defazer algo bom, Deus estimulou-os eforam em frente. E isto é muitobom. Nós podemos pensar: “Estascoisas são para as pessoas justas, pa-ra os sacerdotes e as religiosas”.Não, são para todos. E mais paravós, jovens, porque tendes tanta for-ça para dizer as coisas, para sentir ascoisas, para rir, até para chorar. Nósadultos, muitas vezes, tantas, esque-cemos a capacidade de chorar, habi-tuámo-nos: “O mundo é assim... quese arranjem”. E vamos em frente.Por isso vos exorto, por favor: sedecorajosos nestes dias, dizei tudo oque sentis; e se errardes, outros voscorrigirão. Mas em frente, com cora-gem!

1. Falamos com frequência de jo-vens sem nos deixarmos interpelarpor eles. Quando alguém quer fazeruma campanha ou alguma coisa, ah,louvam os jovens!, não é assim?,mas não permitem que os jovens osinterpelem. Louvar é uma maneirade contentar as pessoas. Mas as pes-soas não são tontas nem estúpidas.Não, não o são. As pessoas compre-endem. Só os estultos não compre-endem. Em espanhol há um ditadolindíssimo que diz: “Louva o estúpi-do e vê-lo-ás trabalhar”. Dar-lhe apalmadinha nas costas e ele ficaráfeliz, porque é tonto, não se dá con-ta. Mas vós não sois tontos! Até asmelhores análises sobre o mundo ju-venil, mesmo sendo úteis — são úteis— não substituem a necessidade doencontro face a face. Falam da juventi-

de de hoje. Por curiosidade, vedeem quantos artigos, em quantas con-ferências se fala da juventude de ho-je. Gostaria de vos dizer uma coisa:a juventude não existe! Existem osjovens, histórias, rostos, olhares, ilu-sões. Existem jovens. Falar da juven-tude é fácil. Fazem-se abstrações,percentagens... Não. A tua face, oteu coração, o que diz? Dialogar,ouvir os jovens. Por vezes, evidente-mente, vós não sois, os jovens nãosão o prémio Nobel para a prudên-cia. Não. Por vezes falam “com ab ofetada”. A vida é assim, mas épreciso ouvi-los.

Há quem pense que seria mais fá-cil manter-vos “à distância de segu-rança”, para não se sentirem provo-cados por vós. Mas não é suficientetrocar alguma pequena mensagemou partilhar fotografias simpáticas.Os jovens devem ser levados a sério!Parece-me que estamos circundadospor uma cultura que, se por um la-do idolatra a juventude procurandonunca a fazer passar, por outro im-

pede que muitos jovens sejam prota-gonistas. É a filosofia da maquilha-gem. As pessoas crescem e procurampintar-se para parecerem mais jo-vens, mas não deixa crescer os jo-vens. Isto é muito comum. Porquê?Porque não se deixa que sejam inter-pelados. É importante. Muitas vezessois marginalizados da vida públicanormal e vedes-vos obrigados emendigar ocupações que não vos ga-rantem um futuro. Não sei se istoacontece em todos os vossos países,mas em muitos... Se não erro a taxade desemprego juvenil aqui na Itá-lia, dos 25 anos para cima, é de cer-ca de 35%. Noutro país da Europa,confinante com a Itália, de 47%.Noutro país da Europa próximo daItália, mais de 50%. O que faz umjovem que não encontra trabalho?Adoece — a depressão — cai no de-sespero, cai nas dependências, suici-da-se — devemos refletir: as estatísti-cas de suicídio juvenil estão todasalteradas, todas — faz o rebelde —mas é um modo de se suicidar — ouapanha o avião e vai para outra ci-dade que não quero mencionar ealista-se no Ei ou num destes movi-mentos guerreiros. Pelo menos a vi-da tem sentido e terá um ordenadomensal. E isto é um pecado social!A sociedade é responsável por isto.Mas eu gostaria que fôsseis vós a di-zer as causas, os porquês, e não di-gais: “Nem sequer eu sei bem por-quê”. Como viveis vós este drama?Ajudar-nos-ia muito. Demasiadas ve-zes sois deixados sozinhos. Mastambém é verdade que sois constru-tores de cultura, com o vosso estilo ecom a vossa originalidade. É umafastamento relativo, porque vós soiscapazes de construir uma culturaque talvez não se veja, mas que vaiem frente. Este é um espaço que nósqueremos para ouvir a vossa cultura,a que estais a construir.

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número 12, quinta-feira 22 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Na Igreja — disto estou convicto— não deve ser assim: fechar a porta,não ouvir. O Evangelho no-lo pede:a sua mensagem de proximidadeconvida a encontrar-nos e a confron-tar-nos, a acolher-nos e a amar-nos asério, a caminhar juntos e a partilharsem receio. E esta Reunião pré-sino-dal pretende ser sinal de algo gran-dioso: a vontade da Igreja de se co-locar em escuta de todos os jovens,sem excluir nenhum. E isto não parafazer política. Não para uma artifi-cial “jovem-filia”, não, mas porqueprecisamos de compreender melhoro que Deus e a história nos estão apedir. Se vós faltardes, falta-nos umaparte do acesso a Deus.

2. O próximo Sínodo propõe-seem particular desenvolver as condi-ções para que os jovens sejam acom-panhados com paixão e competênciano discernimento vocacional, ou seja,em «reconhecer e acolher a chamadaao amor e à vida em plenitude»(Documento preparatório, Introdução).Todos nós recebemos esta chamada.Vós, na fase inicial, sois jovens. Estaé a certeza fundamental: Deus amatodos e a cada um dirige pessoal-mente uma chamada. É um domque, quando o descobrimos, enchede alegria (cf. Mt 13, 44-46). Tende acerteza disto: Deus tem confiançaem vós, ama-vos e chama-vos. E porseu lado ele nunca faltará, porque éfiel e crê deveras em vós. Deus éfiel. Aos crentes digo: “Deus é fiel”.Dirige-vos a pergunta que certa vezfez aos primeiros discípulos: «O queprocurais?» (Jo 1, 38). Também eu,neste momento, vos dirijo a pergun-ta, a cada um de vós: “O que procu-ras? Tu, o que procuras na tua vi-da?”. Di-lo, far-nos-á bem ouvi-lo.Di-lo. Precisamos que o faças: ouviro vosso caminho na vida. O queprocuras? Convida-vos a partilhar abusca da vida com Ele, a caminharjuntos. E nós, desejamos fazer omesmo, porque não podemos deixarde partilhar com entusiasmo a buscada verdadeira alegria de cada um; enão podemos conservar só para nósAquele que mudou a nossa vida: Je-sus. Os vossos coetâneos e os vossosamigos, mesmo sem o saberem, es-peram também eles uma chamadade salvação.

3. O próximo Sínodo será tam-bém um apelo dirigido à Igreja, pa-ra que redescubra um renovado dina-

mismo juvenil. Pude ler alguns e-mails do questionário divulgado narede pela Secretaria do Sínodo e fez-me admirar o apelo lançado por di-versos jovens, que pedem aos adul-tos para estar ao seu lado e para osajudar nas escolhas importantes.Uma moça frisou que aos jovens fal-tam pontos de referência e que nin-guém os estimula a ativar os recur-sos que possuem. Depois, ao ladodos aspetos positivos do mundo ju-venil, ressaltou os perigos, entre osquais o álcool, a droga, uma sexuali-dade vivida de maneira consumista.São dependências, não é? E con-cluiu quase com um grito: «Ajudai onosso mundo juvenil que está cadavez mais arruinado». Não sei se omundo juvenil está cada vez mais ar-ruinado, não sei. Mas sinto que ogrito desta jovem é sincero e exigeatenção. Compete a vós responder aesta jovem, dialogar com esta moça.É uma de vós e tem que se ver esta“b ofetada” que nos dá, onde nos le-va. Também na Igreja devemosaprender novas modalidades de pre-sença e de proximidade. É muitoimportante. Vem-me à mente quan-do Moisés quis dizer ao Povo deDeus qual é o âmago do amor deDeus. E diz: “Pensai: qual foi o po-vo que teve um Deus tão próximo?”.O amor é proximidade. E eles, osjovens de hoje pedem proximidade àIgreja. Vós, cristãos, vós que credesna proximidade de Cristo, vós cató-licos, estai próximos, não distantes.E vós sabeis bem que há tantas,muitas modalidades de se afastar,tantas. Educai todos, de luvas bran-cas, mas manter-se à distância paranão sujar as mãos. Os jovens, hoje,pedem-nos proximidade: aos católi-cos, aos cristãos, aos crentes e aosnão crentes. A todos. E a este pro-pósito, um jovem contou com entu-siasmo a sua participação nalgunsencontros com estas palavras. Dizassim: «O mais importante foi a pre-sença de religiosos no nosso meiocomo amigos que nos ouvem, nosconhecem e nos aconselham». Ho-mens e mulheres consagrados queestão próximos. Ouvem, conhecem ea quem pede conselho, aconselham.Eu conheço alguns de vós que fa-zem isto.

Vem à minha mente a maravilhosaMensagem aos jovens do Concílio Va-ticano II. É também hoje um estímu-

lo a lutar contra qualquer egoísmo ea construir com coragem um mundomelhor. É um convite a procurar no-vos caminhos e a percorrê-los comaudácia e confiança, mantendo oolhar fixo em Jesus e abrindo-se aoEspírito Santo, para rejuvenescer opróprio rosto da Igreja. Pois é emJesus e no Espírito que a Igreja en-contra a força para se renovar sem-pre, realizando uma revisão de vidaacerca da sua maneira de ser, pedin-do perdão pelas suas fragilidades elacunas, não poupando as energiaspara se pôr ao serviço de todos, uni-camente com a intenção de ser fiel àmissão que o Senhor lhe confiou: vi-ver e anunciar o Evangelho.

4. Queridos jovens, o coração daIgreja é jovem precisamente porqueo Evangelho é como uma linfa vitalque a regenera continuamente. Com-pete a nós ser dóceis e cooperar paraesta fecundidade. E todos vós podeiscolaborar nesta fecundidade: quersejais cristãos católicos, quer de ou-tras religiões, ou não crentes. Pedi-mo-vos para colaborar na nossa fe-cundidade, para dar vida. Façamo-lotambém neste caminho sinodal, pen-sando na realidade dos jovens de to-do o mundo. Precisamos de nos rea-propriar do entusiasmo da fé e dogosto da busca. Temos necessidadede reencontrar no Senhor a força denos erguermos das falências, de irem frente, de fortalecer a confiançano futuro. E precisamos de ousar ve-redas novas. Não vos assusteis: ousarveredas novas, mesmo se isso com-porta riscos. Um homem, uma mu-lher que não arrisca, não amadurece.Uma instituição que faz escolhassem arriscar permanece criança, nãocresce. Arriscai, acompanhados pelaprudência, pelo conselho, mas ideem frente. Sem arriscar, sabeis o queacontece a um jovem? Envelhece!Vai para a reforma aos 20 anos! Umjovem envelhece e também a Igrejaenvelhece. Digo isto com sofrimen-to. Quantas vezes eu encontro co-munidades cristãs, até de jovens,mas velhas. Envelheceram porque ti-veram medo. Medo de quê? De sair,de ir rumo às periferias existenciaisda vida, de ir onde se joga o futuro.Uma coisa é a prudência, que é umavirtude, mas outra é o medo. Preci-samos de vós jovens, pedras vivas deuma Igreja com o rosto jovem, masnão maquilhado, como disse: não re-

juvenesido artificialmente, mas reavi-vado a partir de dentro. E vós nosprovocais a sair da lógica do “massempre se fez assim”. E aquela lógi-ca, por favor, é um veneno. É umveneno doce, porque te tranquiliza aalma e te deixa como que anestesia-do e te impede de caminhar. Sair dalógica do “sempre se fez assim”, pa-ra permanecer de maneira criativano sulco da autêntica tradição cristã,mas criativo. Eu, aos cristãos, reco-mendo que leiam o Livro dos Atosdos Apóstolos: a criatividade daque-les homens. Aqueles homens sabiamir em frente com uma criatividadeque se nós fizermos a tradução parao que significa hoje, assustamo-nos!Vós criais uma cultura nova, mas es-tai atentos: esta cultura não pode ser“desenraizada”. Um passo em frente,mas preservar as raízes! Não voltaràs raízes, porque se acaba por ficarenterrado: dá um passo em frente,mas sempre com as raízes. E as raí-zes — isto, perdoai-me, tenho-o nocoração — são os velhos, são os ido-sos bons. As raízes são os avós. Asraízes são aqueles que viveram a vi-da e que são descartados por estacultura do descarte, não servem,manda-os para fora. Os idosos têmeste carisma de conservar as raízes.Falai com os idosos. “Mas o que di-re i ? ”. Tenta! Recordo-me certa vezem Buenos Aires que, falando comos jovens, disse: “Porque não ides auma casa de repouso tocar viola pa-ra os idosos que lá estão?” — “Mas,p a d re . . . ” — “Ide, só uma hora”. [Fi-caram] mais de duas horas! Nãoqueriam sair, porque os idosos queestavam assim [um pouco adormeci-dos], ouviram tocar viola e acorda-ram todos e começaram [a falar], eos jovens ouviram coisas que os co-moveram. Receberam esta sabedoriae foram em frente. O profeta Joelexpressa isto muito bem, tão bem.No terceiro capítulo. Para mim estaé a profecia de hoje: “Os idosos so-nharão, e os jovens profetizarão.Nós precisamos de jovens profetas,mas estai atentos: nunca sereis profe-tas se não tiverdes em conta os so-nhos dos idosos. E mais: se não for-des fazer sonhar um idoso que estáali entediado, porque ninguém o ou-ve. Fazei sonhar os idosos e estes so-nhos vos ajudarão a ir em frente.Joel 3, 1. Lê isto, far-te-á bem. Dei-xai-vos interpelar por eles.

Para nos sintonizarmos no mesmocomprimento de onda das jovens ge-rações é de grande ajuda um diálogointenso. Portanto, convido-vos nestasemana, a expressar-vos com fran-queza e com toda a liberdade, já odisse e repito-o. Com “descaramen-to”. Sois os protagonistas e é impor-tante que faleis abertamente. “Massinto vergonha, o cardeal ouve-me...”. Que ouça, está habituado.Garanto-vos que o vosso contributoserá levado a sério. Já desde agoravos digo obrigado; e peço-vos, porfavor, que não vos esqueçais de rezarpor mim. E os que não puderem re-zar, porque não sabem rezar, pelomenos que pensem bem em mim.O brigado.

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de março de 2018, número 12

Como uma bússola«Placuit Deo» e a salvação integral

Quarta pregação de quaresma

A obediência é um dom

Soichi Watanabe«Não te farás ídolo» (2004)

ANTONIO PI T TA

O adágio caro cardo salutis foi o re-frão que martelou a memória ao lerPlacuit Deo, a carta dirigida pelaCongregação para a doutrina da féaos bispos da Igreja católica: «Acarne é eixo da salvação». Motivada,justamente, pelas duas tendênciascontemporâneas do neopelagianismoe do neognosticismo, a carta não ad-quire um impacto de natureza mera-mente apologética, mas evangélicano sentido mais propositivo da pala-vra. Entre o pólo da primeira ten-dência que considera a salvação co-mo que gerada por nós mesmos (oneopelagianismo) e o outro que ointerioriza até ao desprezo instru-mental do corpo (o neognosticismo),Placuit Deo é um guia que conduzao evangelho na sua essencialidade.Como uma espécie de bússola con-tra os desvios salvíficos do mundocontemporâneo, a carta orienta paraquatro pontos cardeais da visão dohomem e de Deus no mundo atual:o evangelho, a graça, o corpo e odesígnio.

Antes de tudo o evangelho, quesegundo a carta não se identificacom um livro, por mais fascinanteque seja, mas com Jesus salvador empessoa, é o primeiro ponto cardealde Placuit Deo digno de atenção. Fa-zendo eco à Redemptoris missio deJoão Paulo II e à Evangelii gaudiumdo Papa Francisco, a carta descobrea sua espinha dorsal em Jesus Cristosalvador. Meritório a este respeito éa inclusão da carta: inicia e terminacom a menção de Cristo, salvador(nn. 1 e 15). Nesta perspetiva, a pri-meira e última citação da Escritura

são tiradas das cartas de Paulo aosEfésios (cf. 1, 9, n. 1 com a citaçãoda Dei Verbum, 2) e aos Filipenses(cf. 3, 20-21, n. 15).

Considerando bem, grande partedas citações bíblicas é tirada das car-tas de Paulo: cerca de quarenta cita-ções, com especial atenção ao evan-gelho da salvação na carta aos Ro-manos. Se é verdade que os grandesmomentos da história são da cartaaos Romanos (Paul Althaus), PlacuitDeo não tem medo de partir nova-mente deste marco miliário do NovoTestamento. Acabamos de celebrar

os quinhentos anos da Reforma lute-rana, e é audaz além de ser ecuméni-co o horizonte da carta da congrega-ção. Com todas as diferenças, asacentuações antropológicas e linguís-ticas no diálogo ecuménico, o alcan-ce salvífico do evangelho que é Cris-to aproxima as diversas confissõesde fé contemporâneas.

O segundo vetor de Placuit Deoque merece relevo é a graça, porquesomos salvos pela graça de Deus emCristo e por meio do Espírito. Con-tra uma graça só exterior, como parao neopelagianismo, e intimista comopara o neognosticismo contemporâ-neo, Placuit Deo desvia decidida-mente a atenção sobre Jesus Cristoque, evocando a Quaestio de veritatede Tomás de Aquino, «tornou-se oprincípio de cada graça segundo ahumanidade. Ele é, ao mesmo tem-po, o salvador e a salvação» (n. 11).Enquanto o mundo contemporâneotende cada vez mais a privatizar e aautogerir as trajetórias da salvação, agraça oferecida em Cristo Jesus seencontra no centro do evangelho ese manifesta como benevolência, mi-sericórdia, compaixão e cura.

Sob o nosso ponto de vista, a ter-ceira orientação da carta está centra-da no corpo com os seus diversossignificados: do corpo de Jesus deNazaré ao eclesial, para chegar aoeucarístico, sem descontinuidade. Aencarnação do Verbo Deus liberta asalvação do homem contemporâneoda miragem neopelagiana de um hu-manismo autocentrado até à derivaprometeica e da ilusão neognósticado corpo: «Jesus é iluminador e re-velador, redentor e libertador, aqueleque diviniza o homem e o justifica»(n. 9), especifica de maneira lapidara carta da Congregação.

Sem alternativas deletérias nemseparações perigosas, o corpo da hu-manidade de Cristo insere-se no daIgreja, seu corpo: uma das catego-rias estruturais da teologia paulina.Com razão fundamentada, PlacuitDeo sublinha a relação íntima entreo corpo terreno de Jesus e o seu cor-po que é a Igreja. Assim se lê num

dos parágrafos mais inspirados:«Nela (a Igreja) tocamos a carne deJesus, de modo singular nos irmãosmais pobres e sofredores» (n. 12).

Contra a autorrealização do neo-pelagianismo e a fusão com o divinoneognóstico, o documento focaliza aatenção sobre a Igreja, corpo deCristo. E, em sintonia com o magis-tério do Papa Francisco, coloca ospobres e os sofredores no centro daIgreja, corpo vivo de Cristo. Muitasvezes se tende a desvalorizar o espa-ço dos débeis e dos pobres na Igre-ja, esquecendo que evangelizar ospobres é o programa da vida públicade Jesus e que Deus conferiu maisatenção às partes mais débeis docorp o.

Todavia, contra formas perigosasde pauperismo é oportuno especifi-car que o evangelho é para os últi-mos, porque escolhendo estes se al-cançam os primeiros e os ricos, aopasso que quase sempre não aconte-ce o contrário. A vida sacramentária,concretizada no batismo e na euca-ristia, conduz rumo à última focali-zação sobre o corpo em Placuit Deo.Com o batismo que engloba o corpode Cristo se relaciona o corpo euca-rístico naquela que é denominada«economia corporal dos sacramen-tos» (n. 14).

Por último, mas não menos decisi-vo, a carta insiste sobre o desígniode Deus ou sobre o mistério da suavontade, que inspira o título geraldo documento. A dos cultos mistéri-cos é uma tendência sempre à es-preita no coração humano que, nãopor acaso, une as diversas formas deneognosticismo e neopelagianismo.Entre as caraterísticas mais peculia-res dos cultos mistéricos antigos emodernos há a apropriação do divi-no no humano, a transformação so-mente exterior do ser e a ciclicidadede uma salvação que percorre umpermanente círculo vicioso. Se Pla-cuit Deo se abre com o desígnio doqual Deus gostou e se encerra com atensão rumo ao eschaton é devido aofacto de que não apenas tencionacontrastar estas derivas da religiosi-dade mistérica antiga e contemporâ-nea, mas porque orienta em positivorumo aos mistérios divinos dos quaisos apóstolos são administradores (cf.1 Cor 4, 1). Evangelizar a religiosida-de mistérica do nosso tempo com odesígnio originário de Deus emCristo, que tende à transfiguraçãodefinitiva do nosso corpo, é um dosdesafios mais árduos e atuais.

Quem estrutura os quatro vetoresque evidenciámos é o Espírito deCristo: não um espírito mudo ou dedivinização (cf. 1 Cor 12, 2), mas oEspírito de Cristo (cf. 1 Pd 1, 11) queDeus irradia no coração dos crentes.De facto, mediante o Espírito oevangelho torna-se poder de Deus, agraça adquire a primazia na vida mi-nisterial da Igreja, o corpo de Cristoé transformado, e o desígnio deDeus tende para o seu cumprimen-to. O auspício mais vivo é que umacarta tão incisiva seja confiada aosbispos da Igreja católica para alcan-çar todos os crentes em Jesus Cristo,nosso Senhor.

«Se não pago os impostos, se de-turpo o meio ambiente, se atraiçooas regras do trânsito, prejudico emostro que desprezo o próximo».Por isso «cumprir o próprio deverem relação à sociedade não é ape-nas um dever civil, mas tambémmoral e religioso». Com efeito, tu-do se insere no «preceito do amorao próximo». Este é um dos aspe-tos mais relacionados com o dia adia, que sobressaiu da quarta pre-gação de quaresma feita pelo padreRaniero Cantalamessa na manhãde sexta-feira, 16 de março, na ca-pela Redemptoris Mater na presen-ça do Papa.

No ciclo de meditações dedica-das este ano à santidade cristã se-gundo o ensinamento de São Pau-lo, o pregador da Casa pontifíciaanalisou a virtude da obediência. Eassim abordou um aspeto em rela-ção ao qual a vontade de cada um,mas também a fragilidade, são con-tinuamente solicitadas: «Cada umde nós — observou o capuchinho —vive numa densa rede de depen-dências: das autoridades civis, daseclesiásticas e, nestas últimas, dosuperior local, do bispo, da con-gregação do clero ou dos religio-

sos, do Papa». Mas, acrescentou,nunca podemos esquecer que tudofaz referência a uma «obediênciaessencial, da qual brotam todas asobediências particulares, incluída adas autoridades civis», isto é, a«obediência a Deus».

O padre Cantalamessa escavouna «natureza da obediência cristã»que reside não numa «ideia» masnuma «ação». Com efeito, o fun-damento é que «Cristo “se fez obe-diente até à morte”». O pregadorfez emergir o facto de que SãoPaulo apresenta Cristo «como pre-cursor dos obedientes, em oposiçãoa Adão que foi o precursor dos de-sobedientes». E os cristãos são in-seridos nesta história pelo batismo.Com efeito, nele, «nós aceitamosum Senhor, um Kyrios, mas umSenhor “ob ediente”, que se tornouSenhor precisamente devido à suaobediência». Por isso «a obediên-cia não é tanto submissão quantosemelhança».

Eis a conclusão do capuchinho:«A obediência antes de ser virtudeé dom, antes de ser lei é graça. Adiferença entre as duas coisas é quea lei diz para fazer, enquanto que agraça concede que se faça».

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número 12, quinta-feira 22 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

A oração é a primeira tarefa do bispoOrdenações episcopais na basílica de São Pedro

Na tarde de 19 de março, solenidadede São José, o Papa Francisco ordenouna basílica vaticana três novos pastoresda Igreja, que representarão o Sucessorde Pedro e a Santa Sé no mundo:trata-se dos arcebispos WaldemarStanisław Sommertag, do clero dadiocese de Pelplin, na Polónia,nomeado núncio apostólico naNicarágua; Alfred Xuereb, do clero dadiocese de Gozo, em Malta, nomeadonúncio apostólico na Coreia eMongólia; e José Avelino Bettencourt,do clero da arquidiocese de Ottawa, noCanadá, nomeado núncio apostólico naGeórgia e na Arménia. A seguir, ahomilia do Papa pronunciada nessac i rc u n s t â n c i a .

Caríssimos irmãos e filhos!Far-nos-á bem refletir atentamentesobre a alta responsabilidade eclesialà qual são promovidos estes nossosirmãos. Nosso Senhor Jesus Cristo,enviado pelo Pai para redimir os ho-mens, enviou por sua vez ao mundoos doze Apóstolos a fim de que, re-pletos do poder do Espírito Santo,anunciassem o Evangelho a todos ospovos e, reunindo-os sob um únicoPastor, os santificassem e os guias-sem rumo à salvação.

Com a finalidade de perpetuar es-te ministério apostólico de geraçãoem geração, os Doze associaram a sicolaboradores, transmitindo-lhes me-diante a imposição das mãos o domdo Espírito recebido de Cristo, queconferia a plenitude do sacramentoda Ordem. Assim, este ministérioprimário conservou-se através da su-cessão ininterrupta dos Bispos natradição viva da Igreja, e a obra doSalvador continua e desenvolve-seaté aos nossos tempos. No Bispo,circundado pelos seus presbíteros,está presente no meio de vós o pró-prio Senhor Jesus Cristo, sumo eeterno Sacerdote.

Com efeito, é Cristo que, no mi-nistério do Bispo, continua a pregaro Evangelho de salvação e a santifi-car os crentes, mediante os sacra-mentos da fé. É Cristo que, na pa-ternidade do Bispo, acrescenta no-vos membros ao seu Corpo, que é aIgreja. É Cristo que, na sabedoria eprudência do Bispo, guia o povo de

Deus na peregrinação terrena, até àfelicidade eterna.

Portanto, recebei com alegria egratidão estes nossos irmãos, quenós Bispos, mediante a imposiçãodas mãos, hoje associamos ao Colé-gio episcopal. Prestai-lhes a honraque se deve aos ministros de Cristoe aos dispensadores dos mistérios deDeus, aos quais são confiados o tes-temunho do Evangelho e o ministé-rio do Espírito para a santificação.Recordai-vos das palavras de Jesusaos Apóstolos: «Quem vos escuta,escuta a mim; quem vos despreza,despreza a mim; e quem me despre-za, despreza Aquele que me en-viou».

Quanto a vós, caríssimos irmãos,eleitos pelo Senhor, meditai que fos-tes escolhidos dentre os homens epara os homens, fostes constituídosnas realidades que dizem respeito aDeus. Não para outras coisas. Nãopara os negócios, nem para a mun-danidade, nem sequer para a políti-ca. Com efeito, «episcopado» é onome de um serviço, não de umahonra. Pois ao Bispo compete maiso servir que o dominar, segundo omandamento do Mestre: «Aqueleque é o maior entre vós, torne-se co-mo o último; e quem governa sejacomo aquele que serve». Evitai a

tentação de de vos tornardes prínci-p es.

Anunciai a Palavra em todas asocasiões: oportuna e inoportuna-mente. Admoestai, repreendei, exor-tai com toda a magnanimidade edoutrina. E mediante a oração e a

oferta do sacrifício pelo vosso povo,hauri da plenitude da santidade deCristo a multiforme riqueza deDeus. A oração do Bispo: é a pri-meira tarefa do Bispo. Quando asviúvas dos helénicos foram queixar-se aos Apóstolos, porque não sepreocupavam muito com elas, elesreuniram-se e, com a força do Espí-rito Santo, inventaram o diaconado.E quando explica isto, o que diz Pe-dro? “Vós fazei isto, isso e aquilo; anós competem a oração e o anúncioda Palavra” (cf. At 6, 1-7). A primei-ra tarefa do Bispo é a oração. O Bis-po que não reza não desempenha oseu dever, não cumpre a sua voca-ção.

Na Igreja a vós confiada sede fiéisguardiões e dispensadores dos misté-rios de Cristo, postos pelo Pai àfrente da sua família; segui sempre oexemplo do Bom Pastor, que conhe-ce as suas ovelhas, por elas é conhe-cido e por elas não hesitou em ofe-recer a vida.

Amai com amor de pai e de irmãotodos aqueles que Deus vos confiar.Antes de tudo, os presbíteros e osdiáconos, vossos colaboradores noministério. Por favor, proximidadeaos presbíteros: que eles possam en-contrar-se com o Bispo no mesmodia em que o procuram, ou ao máxi-mo no dia seguinte. Proximidadeaos sacerdotes. Mas também proxi-midade aos pobres, aos indefesos e aquantos têm necessidade de acolhi-mento e de ajuda. Exortai os fiéis acooperar no compromisso apostólicoe escutai-os de bom grado.

Prestai profunda atenção a quan-tos não pertencem à única grei deCristo, porque também eles vos fo-ram confiados no Senhor. Recordai-vos que na Igreja católica, congrega-da no vínculo da caridade, estaisunidos ao Colégio dos Bispos e de-veis ter em vós a solicitude por to-das as Igrejas, socorrendo generosa-mente aquelas que têm maior neces-sidade de ajuda.

E vigiai, vigiai com amor sobre to-do o rebanho no qual o EspíritoSanto vos coloca para governar aIgreja de Deus. E fazei isto em no-me do Pai, cuja imagem tornais pre-sente; em nome de Jesus Cristo, seuFilho, por quem fostes constituídosmestres, sacerdotes e pastores; e emnome do Espírito Santo, que dá vidaà Igreja e, com o seu poder, amparaa nossa debilidade.

Discernimento e formaçãoEncontro com os seminaristas e sacerdotes

Discipulado missionário, discernimento, formação inte-gral, espiritualidade diocesana, formação permanente:eis as cinco questões fundamentais que mais de doismil seminaristas e sacerdotes, que estudam em Roma,apresentaram diretamente ao Papa Francisco no encon-tro realizado na manhã de sexta-feira, 16 de março, na

Sala Paulo VI. Apresentados pelo cardeal BeniaminoStella, prefeito da Congregação para o clero, um semi-narista francês, um diácono norte-americano e três sa-cerdotes — um sudanês, um mexicano e um filipino —dirigiram ao Pontífice as cinco perguntas, todas centra-das sobre os conteúdos da Ratio fundamentalis institu-tionis sacerdotalis «O dom da vocação presbiteral», pu-blicada pelo dicastério a 8 de dezembro de 2016. O Pa-pa Francisco, que se sentou à escrivaninha, respondeu-lhes improvisando. No final todos juntos recitaram aoração do Angelus.

Para os seminaristas e os sacerdotes das cento e cin-quenta instituições presentes em Roma foi um momen-to de escuta, fraternidade e comunhão. Com efeito, an-tes de encontrar o Pontífice, os diversos colégios e se-minários animaram momentos de oração, também atra-vés de alguns cânticos vocacionais. O último a ser en-toado, pouco antes da chegada do Papa, foi executadopelos representantes do Colégio sacerdotal argentino ededicado ao beato Brochero.

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de março de 2018, número 12

Estreia do filme «Maria Madalena» do cineasta Garth Davis

Primeira testemunhae primeira apóstola

EMILIO RA N Z AT O

Incompreendida pelos própriosfamiliares por causa de um espí-rito livre que contesta os dita-

mes da sociedade patriarcal daquelaépoca, Maria Madalena (RooneyMara) vê no recém-criado movimen-to religioso instituído por Jesus deNazaré (Joaquin Phoenix) um modopara encontrar um lugar no mundo,antes ainda da paz espiritual. Por-tanto, une-se aos apóstolos na difu-são do novo verbo, até chegar a as-sistir Jesus durante a crucificação eserá a primeira testemunha da suare s s u r re i ç ã o .

Debateu-se bastante sobre quantoo filme Maria Madalena, dirigidopor Garth Davis, difira dos evange-lhos canónicos e quanto, ao contrá-rio, se aproxime de fontes apócrifascomo o Evangelho de Maria Madale-na, que exalta a figura da discípulade Cristo. Porém, desta forma foiatribuído demasiado relevo ao cine-ma americano m a i n s t re a m , que quasenunca procura a aprovação da cultu-ra, mas a do gosto do grande públi-co, daquele sentir comum que toda-via não é um dado a ser subestima-do, sobretudo quando se fala de reli-gião e de espiritualidade. Certamen-te, o filme apoia a intenção — ex-pressa com firmeza também pelaIgreja em tempos recentes — de rea-bilitar definitivamente uma figura fe-minina que, devido a uma série deequívocos ou de cientes exageros,por séculos foi confundida comaquilo que não era, ou seja, umaprostituta ou uma mulher de costu-mes fáceis, ao passo que não seria aocontrário escandaloso considerá-laaté como um décimo terceiro após-tolo de Jesus.

Mas o plano ideológico, que paraum produto hollywoodiano perma-nece contudo muito minoritário,acaba aqui. O que mais conta, paraos produtores e autores, é o planodramatúrgico e artístico. Portanto,faz pouco sentido, por exemplo, res-saltar que Maria Madalena náo erana realidade a única mulher queacompanhava o Messias. Ou que apele do verdadeiro Pedro certamentenão era escura como a do ator que ointerpreta, pormenor que foi lidopor alguns como prova de que todaa abordagem ideológica que está nabase do filme — a partir precisamen-te da importância que se dá a umamulher — se inspire simplesmentenos mais inflacionados parâmetrosdo politically correct.

Na realidade, se há ênfase sobre afigura de Maria Madalena certamen-te não é devido apenas a uma inten-ção de compensação em relação aela, mas também e sobretudo por-que, simplesmente, o cinema hol-lywoodiano precisa de heróis, até emcontextos como este. E, pelo menosparcialmente, insere-se na mesma

exigência também a escolha de atornar a primeira depositária damensagem de Cristo ressuscitado.Em síntese, não se tem a sensaçãode que o filme se queira substituirao parecer de historiadores e teólo-gos sobre questões como esta.

Ao contrário, com a intenção defazer com que Pedro fosse interpre-tado por Chiwetel Ejiofor, protago-nista de 12 Anos Escravo (2013), po-de ter incidido um excesso de politi-camente correto, mas é mais prová-vel que a escolha seja ditada poraquele uso velado e não ostentatórioda simbologia que, a seu modo, tor-na grande também o cinema ameri-

cano mais popular. Portanto, Pedrotem a pele escura porque na peque-na comunidade que acompanhavaJesus se querem representar aqui, innuce, as sociedades multiculturais de

dois protagonistas, e também a rela-ção entre eles é expresso mais atra-vés da recitação e da encenação doque mediante a escritura. A imagemde Maria Madalena que se liberta deuma família opressora incapaz de acompreender, é sem dúvida eficazsob o plano narrativo, também por-que a aproxima da protagonista deum romance, mas, faltando umgrande desenvolvimento do persona-gem, podia correr o risco de conferirao seu percurso caraterísticas umpouco adolescenciais.

O que faz intuir qual papel podeter tido deveras uma espécie deapóstolo acrecentado são, ao contrá-rio, como já foi afirmado, acertadasescolhas de encenação e de direçãodos atores. O Jesus de Phoenix éum dos mais sofredores daqueles vis-tos no ecrã. Além disso, a contraçãonarrativa escolhida faz com quem oencontremos, in medias res, já exaus-to e desejoso de trégua. Não é poracaso que ele se deite ao lado do fa-lecido Lázaro, antes de o fazer res-suscitar, num sinal de equiparação.O Jesus que o filme nos propõe vê,portanto, em Maria Madalena umrecurso encontrado in extremis. Osdois acabam assim por ser, num cer-to sentido, um a salvação do outro.Um conceito que o filme tenta ex-pressar inteiramente a nível emotivo,através de intensas interpretações deMara e Phoenix, mas também me-diante escolhas um pouco mais fá-ceis, como por exemplo um acompa-nhamento musical ininterrupto euma montagem que — como estámuito na moda recentemente —, sen-do subtilmente anti-narrativo, imitaaquele do cinema de Malick. Aliás,ambos estes últimos elementos sãoguiados com inspiração e não afec-tam a sinceridade das intenções.

O resultado é um filme que querser genericamente fiável e que semdúvida contribui para infundir noimaginário coletivo uma Maria Ma-dalena com caraterísticas mais positi-vas e, globalmente, mais fidedignasem relação ao passado.

Mas sobretudo, embora sem che-gar a abalar cordas profundas, pro-põe-se como um dos filmes mais co-movedores de assunto bíblico ouevangélico, mesmo só devido ao no-vo ponto de vista que o distingue,capaz de surpreender o espetadorem muitos momentos.

Bergoglio segundo WendersNo quinto aniversário de pontificado do Papa Francisco, em antestreiamundial no site Vatican News é possível ver o trailer do filme de WimWenders, Papa Francisco. Um homem de palavra. Escrito e dirigidopelo realizador alemão, mais do que um documentário sobre a vida deBergoglio, trata-se de uma viagem pessoal com o Pontífice.Ponto de partida do projeto foi a vontade expressa por monsenhorDario Edoardo Viganò, prefeito da Secretaria para a comunicação daSanta Sé, de fazer um filme “com” o Papa Francisco, e não “s o b re ” oPapa Francisco. As ideias e a mensagem do Papa estão no centro dofilme documentário que descreve o trabalho de reforma realizado peloPontífice e as suas respostas aos desafios globais do mundo de hoje: ajustiça social, a imigração, a ecologia, o materialismo, o papel dafamília. A técnica de filmagem do documentário (nos social#ThePopeMovie) põe o espectador de caras com o Papa. O filmeestreará nas salas no dia 18 de maio próximo.

O filme pretende reabilitardefinitivamente uma figurafeminina que, devido a umasérie de equívocos ou de cientesexageros, foi confundida porséculos com aquilo que não era

hoje e, por conseguinte,sublinhar a universalidadegeográfica, mas tambémtemporal, do verbo cristão.

Os limites do filme,eventualmente, são outros.Com efeito, mesmo corri-gindo estes aspectos maiscontroversos, o guião nãoé excepcional. Não tornacarismática nenhuma dasfiguras que circundam os

Duas cenas do filme

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número 12, quinta-feira 22 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Olhar para dentro do crucifixoDurante o Angelus o Pontífice comentou a parábola do grão de trigo

«Quem quiser conhecer Jesus deveolhar dentro da cruz, onde se revela asua glória»: recomendou o Papa noAngelus recitado com os fiéis presentesna praça de São Pedro ao meio-dia de18 de março, comentando a parábolado grão de trigo contida no evangelhodo quinto domingo de Quaresma.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!O Evangelho de hoje (cf. Jo 12, 20-33) narra um episódio ocorrido nosúltimos dias da vida de Jesus. A ce-na desenrola-se em Jerusalém, ondeEle se encontra para a festa da Pás-coa judaica. Para esta celebração ri-tual vieram também alguns gregos;trata-se de homens animados porsentimentos religiosos, atraídos pelafé do povo hebreu e que, tendo ou-vido falar deste grande profeta,aproximam-se de Filipe, um dos do-ze apóstolos, e dizem-lhe: «Senhor,quiséramos ver Jesus» (v. 21). Joãorealça esta frase, centrada no verbov e r, que no vocabulário do evange-lista significa ir além das aparênciaspara colher o mistério de uma pessoa.O verbo que João utiliza, “ver”, échegar ao coração, chegar com a vis-ta, com a compreensão até ao íntimoda pessoa, dentro da pessoa.

A reação de Jesus é surpreenden-te. Ele não responde com um “sim”nem com um “não”, mas diz: «Che-gou a hora para o Filho do Homemser glorificado» (v. 23). Estas pala-vras, que à primeira vista parecemignorar a pergunta daqueles gregos,na realidade dão a verdadeira res-

posta, porque quem quiser conhecerJesus deve olhar dentro da cruz, ondese revela a sua glória. Olhar d e n t roda cruz. O Evangelho de hoje convi-da-nos a dirigir o nosso olhar para ocrucifixo, que não é um objeto orna-mental nem um acessório de vestuá-rio — por vezes abusado! — mas éum sinal religioso a ser contempladoe compreendido. No imaginário deJesus crucificado desvela-se o misté-rio da morte do Filho como gestosupremo de amor, fonte de vida e desalvação para a humanidade de to-dos os tempos. Fomos curados nassuas chagas.

Posso pensar: “Como olho eu pa-ra o crucifixo? Como uma obra de

arte, para ver se é bonito ou não?Ou olho para dentro, entro nas cha-gas de Jesus até ao seu coração?Olho o mistério de Deus aniquiladoaté à morte, como um escravo, comoum criminoso?”. Não vos esqueçaisdisto: olhar para o crucifixo, masolhar dentro dele. Há esta bela de-voção de recitar um Pai-Nosso porcada uma das cinco chagas: quandorezamos aquele Pai-Nosso, tentemosentrar através das chagas de Jesusdentro, dentro, precisamente do seucoração. E ali aprendemos a grandesabedoria do mistério de Cristo, agrande sabedoria da cruz.

E para explicar o significado dasua morte e ressurreição, Jesus fazuso de uma imagem e diz: «Se ogrão de trigo, caído na terra, nãomorrer, fica só; se morrer, produzmuito fruto» (v. 24). Quer fazercompreender que a sua vicissitudeextrema — ou seja, a cruz, morte eressurreição — é um ato de fecundida-de — as suas chagas sararam-nos —uma fecundidade que dará fruto pa-ra muitos. Deste modo, compara-sea si mesmo com o grão de trigo que,apodrecendo na terra, gera uma no-va vida. Com a Encarnação Jesusveio sobre a terra; mas isto não é su-

ficiente: Ele deve também morrer,para resgatar os homens da escravi-dão do pecado e lhes doar uma no-va vida reconciliada no amor. Eudisse “para resgatar os homens”:mas, a fim de resgatar a mim, a ti, atodos nós, cada um de nós, Ele pa-gou aquele preço. Este é o mistériode Cristo. Vai rumo às suas chagas,entra, contempla; vê Jesus, mas apartir de dentro.

E este dinamismo do grão de tri-go, que se realizou em Jesus, deverealizar-se também em nós seus dis-cípulos: somos chamados a fazernossa esta lei pascal do perder a vidapara a receber nova e também eter-na. E que significa perder a vida? Is-to é, que significa ser o grão de tri-go? Significa pensar menos em simesmo, nos interesses pessoais, e sa-ber “ver” e ir ao encontro das neces-sidades do nosso próximo, especial-mente dos últimos. Cumprir comalegria obras de caridade a favor dequantos sofrem no corpo e no espíri-to é o modo mais autêntico de vivero Evangelho, é o fundamento neces-sário para que as nossas comunida-des possam crescer na fraternidade eno acolhimento recíproco. Quero verJesus, mas vê-lo dentro. Entra nassuas chagas e contempla aqueleamor do seu coração por ti, por ti,por ti, por mim, por todos.

A Virgem Maria, que sempremanteve o olhar do coração fixo noseu Filho, da manjedoura de Belématé à cruz no Calvário, nos ajude aencontrá-lo e a conhecê-lo assim co-mo Ele deseja, para que possamosviver iluminados por Ele, e levar pe-lo mundo frutos de justiça e de paz.

No final da prece mariana o Papasaudou os vários grupos presentes erecordou a visita realizada no diaprecedente a Pietrelcina e a SanGiovanni Rotondo, nos lugares depadre Pio.

Caros irmãos e irmãs!Dirijo uma cordial saudação a todosvós aqui presentes, fiéis de Roma ede muitas parte do mundo.

Saúdo os peregrinos da Eslová-quia e de Madrid; os grupos paro-quiais provenientes de Sant’Agnello,Pescara, Chieti e Cheremule; os jo-vens da Diocese de Brescia — estessão barulhentos, eh? — e do decana-to “R o m a n a - Vi t t o r i a ” de Milão.

Saúdo a União Folclórica Italiana,o grupo de famílias de Rubiera e oscrismandos de Novi de Modena.

Ontem visitei Pietrelcina e SanGiovanni Rotondo. Saúdo com afe-to e agradeço às comunidades dasdioceses de Benevento e de Manfre-donia, aos bispos — D. Accrocca eD. Castoro — aos consagrados, aosfiéis e às autoridades; agradeço-lheso acolhimento caloroso e trago nocoração todos, mas especialmente osdoentes da Casa Sollievo della soffe-renza, os idosos e os jovens. Agrade-ço a quantos prepararam esta visitaque deveras não esquecerei. PadrePio abençoe todos.

A todos desejo um bom domingo.Por favor, não vos esqueçais de rezarpor mim. Bom almoço e até à vista.

Caravaggio, «A incredulidade de São Tomé» (detalhe)

De 22 a 25 de setembro

O Papa na Lituânia, Letónia e EstóniaAceitando o convite dos respetivos chefes de Estado e bispos, o Papa Fran-cisco irá visitar os países bálticos de 22 a 25 de setembro. O anúncio foifeito pelo diretor da Sala de imprensa da Santa Sé, Greg Burke, especifi-cando que o Pontífice irá às cidades de Vilnius e Kaunas na Lituânia, Rigae Aglona na Letónia e Tallinn na Estónia.

Das três visitas foram dados a conhecer também os logótipos. O da Li-tuânia representa uma cruz por detrás da qual sobressai a silhueta do Espíri-

to Santo que recorda a forma de umapomba e de uma chama. O tema davisita é «Cristo Jesus nossa esperan-ça». Para a Letónia foi escolhida aimagem de Nossa Senhora de Aglona,representada ao lado do perfil do país,com o mote «Monstra te esse Matrem»tirado da antiga prece mariana Av eMaris Stella. Por fim, para a Estónia,sobre a silhueta do país sobressai orosto sorridente do Pontífice, com afrase «Desperta, meu coração!» tiradade uma canção folclórica espiritual docompositor estoniano Cyrillus Kreek.

Na Quinta-Feira SantaFrancisco irá ao Regina Caeli

Na próxima quinta-feira santa o Pontífice lavará os pés aos presos no cár-cere romano de Regina Caeli. Na tarde de 29 de março Francisco irá aoedifício penitenciário situado em Trastevere para celebrar na chamada“Rotonda” a missa in cena Domini, com o rito tradicional do lava-pés.Durante a visita estão previstos também um encontro na enfermaria comos detidos doentes e outro com os da oitava seção.

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número 12, quinta-feira 22 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

Elogio de padre Pio

Francisco em San Giovanni Rotondo

Três heranças preciosasOração, pequenez, sabedoria de vida

No adro da nova igreja dedicada a SãoPio de Pietrelcina, em San GiovanniRotondo, o Papa Francisco celebrou asanta missa, na manhã de sábado 17 demarço. Publicamos a seguir o texto dahomilia proferida pelo Pontífice.

Das Leituras bíblicas que ouvimos, gos-taria de frisar três palavras: oração, pe-quenez, sabedoria.

O ra ç ã o . O Evangelho de hoje apre-senta-nos Jesus que reza. Do seu Cora-ção brotam estas palavras: «Bendigo-te,Pai, Senhor do céu e da terra...» (Mt11, 25). Em Jesus, a oração surgia es-pontaneamente, mas não era um optio-nal: Ele costumava retirar-se em lugaresdesertos para rezar (cf. Mc 1, 35); o diá-logo com o Pai estava em primeiro lugar.E assim os discípulos descobriram comnaturalidade como a oração era impor-tante, até que certo dia lhe pergunta-ram: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc11, 1). Se quisermos imitar Jesus, inicie-mos também nós por onde Ele come-çou, ou seja, pela oração.

Podemos questionar-nos: nós, cris-tãos, oramos o suficiente? Muitas vezes,no momento de rezar, vêm à mentetantas desculpas, muitas coisas urgentespara fazer... Depois, por vezes, pomosde lado a oração porque estamos atare-fados num ativismo que se torna incon-cludente quando esquecemos «a me-lhor parte» (Lc 10, 42), quando esque-cemos que sem Ele nada podemos fa-zer (cf. Jo 15, 5) — e assim abandona-mos a oração. Cinquenta anos após asua partida para o Céu, São Pio ajuda-

nos porque, como herança, nos quisdeixar a oração. Ele recomendava:«Orai muito, meus filhos, rezai sempre,sem nunca vos cansardes» (P a l a v ra spronunciadas no 2° Congresso internacio-nal dos grupos de oração, 5 de maio de1966).

No Evangelho, Jesus mostra-nostambém como se reza. Antes de tudo,diz: «Bendigo-te, Pai»; não começa, di-zendo: “Preciso disto e daquilo”, mas

dizendo: «Bendigo-te». Não conhece-mos o Pai sem nos abrirmos ao louvor,sem dedicar tempo unicamente a Ele,sem adorar. Como esquecemos a precede adoração, a oração de louvor! Deve-mos retomá-la. Cada um pode interro-gar-se: como adoro, quando adoro,quando louvo a Deus? Retomar a precede adoração e de louvor. O segredo pa-ra entrar cada vez mais em comunhãocom Ele é o contato pessoal, cara a ca-ra, o estar em silêncio diante do Se-nhor. A oração pode nascer como pedi-do, até de intervenção imediata, masamadurece no louvor e na adoração.Oração madura. Então, torna-se verda-deiramente pessoal, como para Jesus,que depois dialoga de modo livre como Pai: «Sim, Pai, bendigo-te porque as-sim decidiste na tua benevolência» (Mt11, 26). E então, no diálogo livre e con-fiante, a oração assume a vida inteira eleva-a diante de Deus.

E então questionemo-nos: as nossaspreces parecem-se com as de Jesus, oureduzem-se a esporádicas chamadas deemergência? “Preciso disto”, e então re-zo imediatamente. E quando não tensnecessidade, o que fazes? Ou então, in-terpretamo-las como calmantes para to-mar em doses regulares, para ter umpouco de alívio do stress? Não, a ora-ção é um gesto de amor, é estar comDeus e levar-lhe a vida do mundo: éuma indispensável obra de misericórdiaespiritual. E se nós não confiarmos osirmãos, as situações ao Senhor, quem ofará? Quem intercederá, quem se preo-cupará em bater ao Coração de Deuspara abrir a porta da misericórdia à hu-manidade necessitada? Foi por isto quepadre Pio nos deixou os grupos de ora-ção. Disse-lhes: «É a oração, esta forçaunida de todas as almas boas, que mo-ve o mundo, que renova as consciências[...] que cura os doentes, que santificao trabalho, que eleva a assistência àsaúde, que dá força moral [...], que di-

lata o sorriso e a bênção de Deus sobretodos as prostrações e debilidades»(ibid.). Conservemos estas palavras evoltemos a interrogar-nos: eu rezo? Equando rezo, sei louvar, sei adorar, seilevar a minha vida e a de todas as pes-soas a Deus?

Segunda palavra: pequenez. No Evan-gelho, Jesus louva o Pai porque revelouos mistérios do seu Reino aos pequeni-nos. Quem são estes pequeninos, quesabem acolher os segredos de Deus?Os pequeninos são aqueles que têm ne-cessidade dos grandes, que não são au-tossuficientes, que não pensam que sebastam a si mesmos. Pequeninos são osque têm o coração humilde e aberto,pobre e carenciado, que sentem a ne-cessidade de rezar, de se confiar e de sedeixar acompanhar. O coração destespequeninos é como uma antena: captao sinal de Deus imediatamente, aperce-be-se imediatamente. Porque Deus pro-cura ter contato com todos, mas quemse faz grande cria uma interferênciaenorme, e assim o desejo de Deus nãochega: quando estamos cheios de nósmesmos, não há lugar para Deus. Porisso, Ele prefere os pequeninos, revela-se a eles e o caminho para o encontraré o do abaixar-se, do tornar-se pequenodentro, do reconhecer-se necessitado. Omistério de Jesus Cristo é mistério depequenez: Ele abaixou-se, aniquilou-se.O mistério de Jesus, como vemos naHóstia em cada Missa, é mistério depequenez, de amor humilde, e só ocaptamos se nos tornarmos e frequen-tarmos os pequeninos.

E agora podemos perguntar-nos: sa-bemos procurar Deus onde Ele está?Aqui existe um santuário especial ondeEle está presente, pois aqui vivem mui-tos pequeninos, seus prediletos. SãoPio denominou-o «templo de oração ede ciência», onde todos são chamadosa ser «reservas de amor» para os outros(Discurso por ocasião do 1° aniversárioda inauguração, 5 de maio de 1957): é aCasa Alívio do Sofrimento. No doenteencontra-se Jesus, e na cura amorosa dequantos se inclinam sobre as feridas dopróximo está o caminho para encontrarJesus. Quem cuida dos pequeninos estádo lado de Deus e vence a cultura dodescarte que, ao contrário, prefere ospoderosos e considera os pobres inú-teis. Quem prefere os pequeninos pro-clama uma profecia de vida contra osprofetas de morte de todos os tempos,até de hoje, que descartam as pessoas,as crianças e os idosos, porque não ser-vem. Quando eu era criança, na escolaensinavam-nos a história dos esparta-nos. Impressionava-me sempre o quedizia a professora, que quando nasciaum menino ou uma menina com mal-formações, levavam-no ao cimo domonte e atiravam-no para baixo, paraque estes pequeninos não existissem.Nós, crianças, dizíamos: “Mas quantac ru e l d a d e ! ”. Irmãos e irmãs, nós faze-mos o mesmo, com maior crueldade,com maior ciência. Aquele que não ser-ve, aquele que não produz, é descarta-do. Esta é a cultura do descarte, hoje

os pequeninos não são desejados. Epor isso Jesus é deixado de lado.

Enfim, a terceira palavra. Na primei-ra Leitura, Deus diz: «Não se envaide-ça o sábio do seu saber, nem o forte dasua força» (Jr 9, 22). A verdadeira sa-bedoria não reside no facto de ter gran-des dotes, e a verdadeira força não con-siste no poder. Não é sábio quem semostra forte, e não é forte quem res-ponde ao mal com o mal. A única ar-ma sábia e invencível é a caridade ani-mada pela fé, porque tem o poder dedesarmar as forças do mal. São Pio lu-tou contra o mal durante a vida inteira,e combateu-o sabiamente, como o Se-nhor: com humildade, com a obediên-cia e com a cruz, oferecendo a dor poramor. E todos ficam admirados com is-to, mas poucos agem do mesmo modo.Muitos falam bem, mas quantos imi-tam? Muitos estão dispostos a postarum “eu gosto” na página dos grandessantos, mas quantos agem como eles?Porque a vida cristã não é um “eu gos-to”, é um “eu ofereço-me”. A vida per-fuma quando é oferecida como dom; etorna-se insípida quando é conservadapara si mesmo.

E na primeira Leitura Deus explicatambém de onde haurir a sabedoria devida: «Aquele, porém, que se quiservangloriar, glorie-se [...] de me conhe-

cer» (cf. Jr 9, 23). Conhecê-lo, ou seja,encontrá-lo, como o Deus que salva eperdoa: este é o caminho da sabedoria.No Evangelho, Jesus reitera: «Vinde amim, vós todos que estais cansados eaflitos» (Mt 11, 28). Quem de nós podesentir-se excluído do convite? Quempode dizer: “Não tenho necessidadedisto?”. São Pio ofereceu a vida e inú-meros sofrimentos para fazer com queos irmãos encontrassem o Senhor. E omeio decisivo para o encontrar era aConfissão, o sacramento da Reconcilia-ção. É ali que começa e recomeça umavida sábia, amada e perdoada; é ali quetem início a purificação do coração. Pa-dre Pio foi um apóstolo do confessionário.Também hoje nos convida a ir ali; ediz-nos: “Onde vais? Ao encontro deJesus ou das tuas tristezas? Para ondete diriges? Para Aquele que te salva, oupara os teus padecimentos, as tuas la-mentações, os teus pecados? Vem, vem,o Senhor espera por ti. Ânimo, não hámotivo algum tão grave que te excluada sua misericórdia”.

Os grupos de oração, os doentes daCasa Alívio, o confessionário; três sinaisvisíveis, que nos recordam três herançaspreciosas: a oração, a pequenez e a sa-bedoria de vida. Peçamos a graça de ascultivar todos os dias.

deia, nunca renegou as suas origens,nunca renegou a sua família». Àosvinte e quatro anos o capuchinho vol-tara temporariamente à sua terra natalpor motivos de saúde, «atormentadono íntimo» e «sentindo-se assaltadopelo demónio». E do misterioso ini-migo o Papa falou mais uma vez comsóbrio realismo, afirmando que «nãodá paz», agita-se, «vai a todas as par-tes, entra em nós» e «engana-nos».Mas os fantasmas — escrevia o frade —dissolvem-se quando «me abandononos braços de Jesus»; e «aqui encerra-se toda a teologia», comentou o Pon-tífice.

Francisco inspirou-se nalgumas pa-lavras de padre Pio sobre a oração pa-ra realçar a sua centralidade. «Até queponto esquecemos a oração de adora-ção, a oração de louvor! Devemos re-tomá-la. Cada um de nós pode ques-tionar-se: como adoro eu? Quandoadoro eu? Quando louvo a Deus?»disse em San Giovanni Rotondo, re-comendando que «retomemos a ora-ção de adoração e de louvor». Aquelaoração que desde sempre é querida a

Bergoglio, como compreenderam oscardeais ouvindo as palavras com asquais o arcebispo de Buenos Aires de-lineava, nos dias imediatamente ante-riores ao conclave, o perfil do novoPapa, «um homem que, através dacontemplação de Jesus Cristo e daadoração de Jesus Cristo, ajude aIgreja a sair de si mesma rumo às pe-riferias existenciais».

A memória de um dos santos maispopulares levou, por fim, o Pontíficea denunciar, nos lugares de padre Pio,a marginalização dos idosos e a pre-gação da morte que marcam as socie-dades contemporâneas. «Eu gostariaque, um dia, se conferisse o prémioNobel aos idosos que dão memória àhumanidade» exclamou em Pietrelci-na o Papa. Enquanto em San Giovan-ni Rotondo descreveu a mentalidadeque exclui quem é considerado inútil,recordando a impiedade dos antigosespartanos: «Nós fazemos o mesmo,com mais crueldade, com mais ciên-cia. O que não serve, o que não pro-duz deve ser descartado. Esta é a cul-tura do descarte, os pequenos hojenão são desejados. E por esta razãoJesus é deixado de lado».

Em Pietrelcina onde nasceu Francesco Forgione

Frade humilde que surpreendeu o mundoO dia do Papa Francisco começou emPietrelcina, onde chegou de helicópteropouco antes das 8h00 de sábado, 17 demarço. Na praça diante da igreja dePiana Romana, o Pontífice encontrou-secom os fiéis, aos quais dirigiu o seguinted i s c u rs o .

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Estou feliz por me encontrar nesta al-deia, onde Francesco Forgione nasceu ecomeçou a sua longa e fecunda vicissi-tude humana e espiritual. Nesta comu-nidade ele temperou a própria humani-

dade, aprendeu a rezar e a reconhecernos pobres a carne do Senhor, até cres-cer no seguimento de Cristo e pedirpara ser admitido entre os Frades Me-nores Capuchinhos, tornando-se destemodo frei Pio de Pietrelcina. Aqui elecomeçou a experimentar a maternidadeda Igreja, da qual foi sempre filho de-voto. Amava a Igreja, amava a Igrejacom todos os seus problemas, com to-das as suas dificuldades, com todos osnossos pecados. Porque todos nós so-mos pecadores, envergonhamo-nos,mas o Espírito de Deus convocou-nosnesta Igreja, que é santa. E ele amava aIgreja santa e os filhos pecadores, to-dos. Assim era São Pio. Aqui meditoucom intensidade o mistério de Deusque nos amou a ponto de se entregar asi mesmo por nós (cf. Gl 2, 20). Recor-dando com estima e afeto este santodiscípulo de São Francisco, saúdo cor-dialmente todos vós, seus conterrâneos,o vosso Pároco e o Presidente da câma-ra municipal, juntamente com o Pastorda diocese, D. Felice Accrocca, a comu-nidade dos Capuchinhos e todos vósque quisestes estar presentes.

Hoje estamos na mesma terra naqual padre Pio morou em setembro de1911 para “respirar um pouco de ar maissaudável”. Naquela época não haviaantibióticos, e as doenças curavam-se

voltando para a aldeia natal, para juntoda mãe, a fim de comer alimentos quefazem bem, respirar ar puro e rezar. Foiassim que ele fez, como um homemqualquer, como um camponês. Esta eraa sua nobreza. Nunca renegou o seupovoado, nunca renegou as suas ori-gens, nunca renegou a sua família.Com efeito, naquele tempo ele residiana sua aldeia natal, por motivos desaúde. Para ele não foi um período fá-cil: vivia fortemente atormentado no ín-timo e tinha medo de cair no pecado,sentindo-se atacado pelo demónio. Eele não dá paz, porque se move [estásempre atarefado]. Mas vós acreditaisque o diabo existe?... Não estais tãoconvencidos? Direi ao Bispo que façacatequeses... O demónio existe ou não?[respondem: “sim!”]. E ele vai, vai a to-da a parte, entra em nós, move-se, ator-menta-nos, engana-nos. E ele [padrePio], tinha medo que o demónio o ata-casse, impelindo-o ao pecado. Compoucos podia falar sobre isto, quer porcorrespondência, quer na aldeia: so-mente ao arcipreste, padre SalvatorePannullo, manifestou «quase toda» asua «intenção, para receber esclareci-mentos» (Carta 57, in Epistolário I, p.250), porque não entendia, queria des-

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de março de 2018, número 12

Demasiadas pessoasacreditam nas falsas notícias

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

Frade humilde que surpreendeu o mundo

velar o que acontecia na sua alma.Era um bom jovem!

Naqueles momentos terríveis, pa-dre Pio tirou linfa vital da oraçãocontínua e da confiança que soubedepositar no Senhor: «Todos os hor-ríveis fantasmas — assim dizia — queo demónio me vai introduzindo namente desaparecem quando, con-fiante, me abandono nos braços deJesus». Aqui está toda a teologia!Tens um problema, estás triste,doente: abandona-te nos braços deJesus. Foi isto que ele fez. AmavaJesus e tinha confiança nele. Assimescrevia ao Ministro provincial, afir-mando que o próprio coração sesentia «atraído por uma força supe-rior, antes de se unir a Ele de manhãno sacramento». «E esta fome e se-de, em vez de ser saciadas», depoisde o ter recebido, «aumenta[va] ca-da vez mais» (Carta 31, in Epistolá-rio I, p. 217). Portanto, padre Pioimergiu-se na oração para aderirsempre melhor aos desígnios divi-nos. Através da celebração da SantaMissa, que constituía o coração detodos os seus dias e a plenitude dasua espiritualidade, alcançou um ele-vado nível de união com o Senhor.Neste período, recebeu do alto donsmísticos especiais, que precederam omanifestar-se na sua carne dos sinaisda paixão de Cristo.

Caros irmãos e irmãs de Pietrelci-na e da diocese de Benevento, vósincluís São Pio entre as figuras maisbonitas e luminosas do vosso povo.Esta humilde frade capuchinho sur-preendeu o mundo com a sua vida,inteiramente dedicada à oração e àescuta paciente dos irmãos, sobrecujos sofrimentos derramava comobálsamo a caridade de Cristo. Imi-

tando o seu exemplo heroico e assuas virtudes, possais tornar-vos,também vós, instrumentos do amorde Deus, do amor de Jesus pelosmais frágeis. Ao mesmo tempo, con-siderando a sua fidelidade incondi-cional à Igreja, dareis testemunho decomunhão , porque só a comunhão

ço, e continua a chorar. Quando amãe a põe no chão, para que comecea gatinhar, chora, chora... e volta pa-ra o berço. Pergunto-vos: aquelacriança será capaz de caminhar?Não, porque está sempre no berço!Se um povoado discute, discute, dis-cute, conseguirá crescer? Não, por-

blema. Rezai a Nossa Senhora paraque vos conceda a graça de que osjovens encontrem trabalho aqui, en-tre vós, perto da família, e não sejamobrigados a partir à procura de umtrabalho e a aldeia decresce, decres-ce. A população envelhece, mas éum tesouro, os idosos são um tesou-ro! Por favor, não marginalizeis osidosos. Não se pode marginalizar osvelhos, não. Os idosos são a sabedo-ria. E que os idosos aprendam a fa-lar com os jovens, e os jovens comos velhos. Os idosos têm em si a sa-bedoria de uma aldeia. Quando che-guei, tive o grande prazer de saudarum homem de 99 anos, e uma “me-nina” de 97. É muito bonito! Elessão a vossa sabedoria! Falai comeles. Que sejam protagonistas docrescimento desta aldeia. A interces-são do vosso santo concidadão sus-tente os propósitos de unir as forças,de modo a oferecer sobretudo às jo-vens gerações perspetivas concretaspara um futuro de esperança. Nãofalte uma atenção solícita e cheia deternura — como eu disse — aos ido-sos, que são um património incom-parável das nossas comunidades.Gostaria que um dia se atribuísse oprémio Nobel aos idosos, que são amemória da humanidade.

Encorajo esta terra a preservar co-mo um tesouro precioso o testemu-nho cristão e sacerdotal de São Piode Pietrelcina: ela seja para cada umde vós, estímulo a viver plenamentea vossa existência, segundo o estilodas Bem-Aventuranças e com asobras de misericórdia. A VirgemMaria, que vós venerais com o títulode Madonna della Libera, vos ajude acaminhar com alegria pela vereda dasantidade. E por favor, rezai pormim, porque preciso.

O brigado!

— ou seja, o estar sempre unidos, empaz entre nós, a comunhão entre nós— edifica e constrói. Uma aldeia quediscute todos os dias não cresce, nãose constrói; assusta as pessoas. Éuma aldeia doentia e triste. Ao con-trário, uma aldeia onde se procura apaz, onde todos se amam — mais oumenos, mas amam-se — onde não sedeseja o mal uns aos outros, esta al-deia, embora seja pequena, cresce,cresce, cresce, alarga-se e torna-seforte. Por favor, não gasteis tempo eforças para discutir entre vós. Istonão dá resultado algum. Não vos fazcrescer! Não vos faz caminhar. Pen-semos numa criança que chora, cho-ra, chora e não quer sair do seu ber-

que todo o tempo, todas as forçassão usadas para discutir! Por favor:paz entre vós, comunhão entre vós!E se algum de vós quiser falar malde outrem, morda a própria língua.Far-vos-á bem, bem para a alma,porque a língua inchará mas far-vos-á bem; e fará bem também à aldeia.Dai este testemunho de comunhão.Desejo que este território possa hau-rir nova linfa dos ensinamentos devida de padre Pio num momentonão fácil como o presente, enquantoa população diminui progressiva-mente e envelhece, porque muitosjovens são obrigados a ir para outroslugares em busca de trabalho. A mi-gração interna dos jovens é um pro-

CARLO MARIA PO LVA N I

O Papa dedicou a sua última mensagem para odia mundial das comunicações sociais aos perigosinerentes à difusão sistemática das falsas notícias(fake news) e das chamadas realidades alternativas(alternative facts) nos mass media digitais. Comofoi demonstrado por um artigo publicado no«New York Times» de 7 de março (For Two Mon-ths, I Got My News From Print Newspapers. Here’sWath I Learned, “Durante dois meses obtive asminhas notícias dos diários impressos. Eis o quea p re n d i ”), os novos meios de comunicação têmem si uma tal capacidade de distorção das notí-cias a ponto que muitos temem uma falência in-formativa catastrófica, o infopocalypse sobre o qualescreveu o «Washington Post» de 22 de fevereiro(What’s Worse than Fake News? The Distortion ofReality Itself, “O que é pior do que as falsas notí-cias? A deformação da própria realidade”). Indi-cando que o «melhor antídoto contra as falsida-des não são as estratégias, mas as pessoas», oPontífice esclareceu um ponto essencial: as causasmais profundas deste fenómeno assustador de na-tureza tecnológica são de matriz filosófico-antro-p ológica.

Esta intuição teve a sua confirmação no últimonúmero (setembro-dezembro) do periódico «Co-municações Sociais», dedicado à «reconstrução daverdade na era digital» (The Remaking of Truth in

the Digital Age, Vita e Pensiero). As contribuiçõescientíficas recolhidas no volume esclarecem asmotivações que levam tantos usuários das redessociais a ceder à tentação de perpetuar as farsasmais extravagantes. As razões deste comporta-mento teriam a sua origem numa das característi-cas mais típicas da pós-modernidade, definida pe-lo filósofo Jean-François Lyotard (1924-1998) e se-gundo a qual, na esteira do princípio nietzschia-no, «não existem factos, mas unicamente interpre-tações», fornecendo multíplices mecanismos nãosó de perpetuação da mentira, mas também deautoconvicção da vericidade de acontecimentos ede conceitos objetivamente infundados, porém fa-cilmente colocáveis no âmbito de específicos acer-vos ideológicos.

Uma prova ulterior do vínculo entre pensamen-to pós-moderno e cultura das pós-verdades (post-truth) é oferecida pelo best seller, que resulta naclassificação do «New York Times», Every-bodyLies. Big Data, New Data and What the InternetCan Tell us about Who We Really Are (“To dosmentem. Big data, new data e o que a Internetnos pode ensinar acerca de quem somos deve-ras”). No livro, um perito analista de dados, quetrabalhou em Google, averiguou de modo inova-dor os triliões de bytes produzidos pelos usuáriosde internet, utilizados como instrumento de análi-se social. A enorme quantidade de dados (big da-ta) recolhidos e examinados foi usada para fazer

análises preditivas (os estudos estatísticos capazesde antecipar eventos e comportamentos futuros apartir dos do passado) em âmbitos económicos,sociais, religiosos e políticos.

As conclusões de Seth Stephens-Davidowitzsão pungentes e recordam as de Blaise Pascal:L’homme n’est donc qu’un mensonge et hypocrisie (...)et en soi-même et à l’égard des autres (“Portanto, ohomem é apenas mentira e hipocrisia [...] em simesmo e em relação aos outros”, Pensées, 785). Ohomem pós-moderno mente acerca de tudo emente a todos, até a si mesmo. Aprisionado pelosdetalhes do politicamente correto, é vítima de ten-dências obscuras — engano, ódio, opressões — queemergem vistosamente do big data, que revela oque deveras quer e o que realmente faz, não oque disfarçadamente afirma querer ou habilmenteproclama fazer.

Explicando a essência da p a r ré s i a — a franquezasobre a qual o Papa insiste com frequência — oinfluente sociólogo Michel Foucault (1926-1984)esclarecia que se tratava de uma atividade comu-nicativa na qual um indivíduo escolhe «a verdadee não a mentira ou o silêncio; o risco da morte nolugar da vida e da segurança; da crítica e não dalisonja; do dever moral e não do interesse próprioe da apatia». Tristemente, fake news e big data sãoíndices interligados da incapacidade do homempós-moderno de estabelecer uma relação límpidae libertadora com a verdade.

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número 12, quinta-feira 22 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

O Papa exortou os políticos cristãos a favorecer uma cultura do encontro

Não se resignar à desigualdade

Mensagem vídeo à Família Grande del Hogar de Cristo

Semeadores de esperançaIr em frente pelo caminho empreendido, continuando a ajudar os jovenspara que tenham um futuro: foi o que pediu o Papa Francisco à “Fa m í l i aGrande del Hogar de Cristo”, que recentemente celebrou o décimo ani-versário de fundação no santuário mariano de Luján, na Argentina. Atra-vés de uma mensagem vídeo em língua espanhola, o Pontífice elogiou a“mística” de quantos desempenham a própria obra de solidariedade nes-tes centros de acolhimento para jovens que vivem em condições de vulne-rabilidade social ou de dependência. Com efeito, sublinhou o Santo Pa-dre, «onde havia um problema, abre-se um caminho que leva à sua solu-ção; onde talvez houvesse uma semente de destruição, semeia-se parac o n s t ru i r » .

Por conseguinte, acrescentou o Papa, «vós sois semeadores, porque nin-guém pode estar no Hogar de Cristo sem olhar para o futuro, sem espe-rança». E dado que «vós tendes o coração aberto à esperança, à constru-ção, aos adolescentes e aos jovens», então «os jovens que estão convoscopodem dar testemunho desta esperança que os fez crescer como pessoas,como homens e como mulheres, olhando para o porvir». Eis então a exor-tação conclusiva de Francisco: «Não tenhais medo, não desanimeis. Nãovos canseis e não vos deixeis vencer, às vezes, nem pelos profetas da des-graça, nem pelo cansaço».

A nova embaixadorada Nicarágua

Na manhã de 1 de março, o Papa Francisco recebeu em audiência Sua Excelência

a senhora Esther Margarita Carballo Madrigal, nova embaixadora da Nicarágua,

por ocasião da apresentação das cartas com as quais é acreditada junto da Santa Sé

Não se resignar à «disparidade social», mastrabalhar para favorecer uma «cultura do encontro»e «uma conversão ecológica integral». Eis a tarefaque o Papa Francisco confiou a um grupo deparlamentares e políticos da província de Marselha— acompanhados pelo arcebispo Georges Pontier, quelhe dirigiu uma saudação, e por outros preladosfranceses — durante a audiência que teve lugar namanhã de 12 de março, na sala Clementina.

Senhoras e Senhores!Acompanhados por D. Georges Pontier e pelosBispos da Província de Marselha, realizais umaviagem ao coração da Igreja católica, à descobertado trabalho que se leva a cabo aqui em Roma.Enquanto vos agradeço por terdes aceite viver es-te percurso, estou feliz de vos saudar cordialmen-te e de poder dirigir-me a vós.

A proposta que vos foi feita pelos Bispos teste-munha a estima da Igreja católica pelo compro-misso político, quando ele é impelido pela vonta-de de criar as condições favoráveis para um viverjuntos no respeito pelas diferenças, atento às situa-ções de precariedade, às pessoas mais frágeis. Nosvossos territórios, assim como em muitos outroslugares, enfrentais problemas que constituem paravós, no exercício da vossa missão, outros desafios.Com efeito, «a grandeza política mostra-se quan-do, em momentos difíceis, se trabalha com base

em grandes princípios e pensando no bem co-mum a longo prazo» (Enc. Laudato si’, 178). Ahistória das vossas regiões, fortemente marcadaspela dimensão mediterrânea, atesta a riqueza dasdiversidades, que são potencialidades reais nosplanos humano, económico, social, cultural e tam-bém religioso. É particularmente importante, combase nos princípios de subsidiariedade e de soli-dariedade, e com um grande esforço de diálogopolítico e de criação de consensos, empenhar-sepela busca do desenvolvimento integral de todos(cf. Exort. Apost. Evangelii gaudium, 240). Nestaperspetiva, os valores de liberdade, de igualdade,e de fraternidade constituem baluartes e horizon-tes para o exercício das vossas responsabilidades.Perante os problemas da sociedade, é também ne-cessário tornar-se promotores de um verdadeirodebate sobre valores e orientações reconhecidoscomo comuns a todos. Neste debate os cristãossão chamados a participar com os crentes de to-das as religiões e todos os homens de boa vonta-de, com a finalidade de favorecer o desenvolvi-mento de uma cultura do encontro.

Neste sentido, possa o vosso desejo de servir obem comum levar-vos a fazer todo o possível pa-ra construir pontes entre as pessoas que se encon-tram em diferentes condições sociais, económicas,culturais e religiosas, assim como entre as diversasgerações. Encorajo-vos a ser também criadores de

vínculos, no meio dos espaços urbanos e rurais,no mundo dos estudos e das profissões, a fim deque o dinamismo dos vossos territórios seja enri-quecido sempre pelas várias especificidades. Porfim, sois chamados a procurar tornar-vos semprepróximos dos outros, de maneira especial das pes-soas em situações de precariedade; a nunca vosresignardes à disparidade social, raiz dos males dasociedade, mas a promover uma conversão ecológicai n t e g ra l , ao serviço da salvaguarda da nossa casacomum. Penso também nos migrantes e nos refu-giados que abandonaram os seus países por causada guerra, da miséria e da violência, e naquiloque já foi feito para ir em sua ajuda. Trata-se deperseverar na busca de meios compatíveis com obem de todos, para os acolher, proteger e promovero seu desenvolvimento humano integral, e para os in-serir na sociedade (cf. Mensagem para o Dia Mun-dial da Paz, 1º de janeiro de 2018). Assim, pode-se contribuir para a construção de uma sociedademais justa, mais humana e mais fraterna.

Confio o vosso caminho a Cristo, fonte da nos-sa esperança e do nosso compromisso ao serviçodo bem comum, e invoco a Bênção do Senhor so-bre vós, as vossas famílias, o vosso país e tambémsobre os Bispos que vos acompanham.

O brigado!

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de março de 2018, número 12

A mulher indígena latino-americana e as versões bíblicas

Transmitir significa traduzir

Os bispos brasileiros sobre os imigrantes da Venezuela

Respostas urgentesa uma realidade dramática

Assassinada Marielle Francovoz das favelas do Rio de Janeiro

Nos últimos dias milhares de pes-soas saíram às ruas do país para semanifestar a favor da conselheiramunicipal Marielle Franco, símbo-lo da defesa das populações das fa-velas, assassinada no Rio de Janei-ro. O homicídio provocou uma on-da de indignação no país inteiro.Uma multidão participou nas exé-quias, que tiveram lugar na prefei-tura. Além disso, milhares de pes-soas manifestaram nas ruas de SãoPaulo, e protestos foram programa-dos em mais dez cidades do país,como Salvador da Bahia, Recife,Belo Horizonte e Belém. Na noiteentre 14 e 15 de março, enquantoestava no seu carro, Marielle Fran-co, 38 anos, foi assassinada comquatro tiros de revólver na cabeçapor um grupo de atiradores, que

mataram também o seu motorista eferiram levemente uma sua assis-tente, que estava ao seu lado nobanco de trás do carro. No lugardo homicídio a polícia encontrounove cartuchos.

Conselheira municipal no Rio deJaneiro, membro do Partido socia-lismo e liberdade (Psol), Francoera muito ativa na luta contra asdesigualdades e a violência nas fa-velas. Pouco antes do atentadoFranco tinha participado numevento a favor das jovens negrasdas favelas. Vigorosa opositora dosbandos de traficantes, criticaratambém fortemente a ação da polí-cia militar, definindo o corpo espe-cial encarregado destas operações«batalhão da morte, que mata osnossos jovens».

«Uma realidade cruel e desumanaque exige respostas rápidas, eficazese articuladas das Igrejas, do Estadoe da sociedade em geral»: assim osbispos brasileiros descrevem as con-dições dos milhares de imigrantesvenezuelanos — nos últimos doismeses chegaram cerca de vinte milpessoas, ao ritmo de trezentos-qua-trocentos por dia — que partem ru-mo ao Brasil, para fugir da gravecrise financeira e social do seu país.Esta denúncia está contida na cartaque a Comissão episcopal pastoralespecial para enfrentar o tráfico hu-mano escreveu na conclusão da«Missão Fronteira Venezuela», a vi-sita realizada recentemente às cida-des de Boa Vista e Pacaraima, noEstado de Roraima, norte do Brasil.

O documento, assinado pelo pre-sidente da Comissão e bispo deBalsas, D. Enemésio Ângelo Lazza-ris, denuncia situações preocupan-tes, como «longas filas de imigran-tes e refugiados em busca de docu-mentação, transportes, comida e tra-balho; crianças subalimentadas,doentes, sem escola; jovens desem-pregados sem perspetivas futuras,expostos a todos os tipos de vulne-rabilidade; mulheres vítimas de vio-lência, de exploração sexual e detrabalho; pessoas sem escrúpulosque se aproveitam da miséria dos ir-mãos imigrantes e refugiados para otrabalho, chegando a alterar o preçodos alimentos».

O Episcopado frisa também «afalta de políticas públicas básicas»,relativas à «alimentação, saúde, hi-giene, segurança, educação», e ex-primem profunda indignação dianteda «ausência de esforços por partedos poderes constituídos para darrespostas» ao problema.

No entanto, até nesta grave situa-ção, D. Lazzaris constata «muitas

iniciativas fraternas e solidárias depessoas, famílias, grupos, igrejas einstituições da sociedade civil», as-sim como a ajuda de instituições in-ternacionais e da Igreja local, quese dedicam ao serviço dos imigran-tes e dos refugiados venezuelanos.De modo especial as comunidadeseclesiais, nas suas múltiplas expres-sões (institutos religiosos, paró-quias, agregações laicais), promo-vem atividades de acolhimento eapoio em prol dos venezuelanos.Mas tudo isto não é suficiente e,alertam os prelados, é necessáriauma ação firme do Governo paratomar as medidas apropriadas nagestão de um fenómeno migratóriode dimensões tão vastas. Portanto,nesta perspetiva a Comissão episco-

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MARCELO FIGUEROA

Desde há alguns decénios, emquase todo o mundo, mas es-pecialmente na América Lati-

na, a ciência da tradução bíblica en-veredou por caminhos inclusivos, cul-turais, linguísticos e interpretativos,tanto importantes quanto irreversí-veis. A necessidade de as traduçõesrefletirem visões exegéticas ecuméni-cas é uma contribuição que enriquecea diversidade cristã existente nestaimensa parte do mundo. A ênfaseposta no facto de que os principaistradutores nas línguas indígenas se-jam os mesmos aborígenes é a formamais autêntica para fazer com que asversões incluam as contribuições dasua visão do mundo. As disciplinassociolinguísticas oferecem às tradu-ções bíblicas nas línguas das múlti-plas etnias americanas as comp onen-tes culturais imprescindíveis para quea versão seja realmente fruto de cadapovo e encarnada no seu coração.

Todavia, o aspeto fundamentalpara a análise, o desenvolvimento, ainculturação e o futuro de uma tra-dição bíblica autóctone é o papelativo das mulheres indígenas. Nestasculturas a sua participação ativa éimprescindível, dado que na maiorparte dos casos são as mulheres asverdadeiras guardiães da língua. Di-ferentemente dos homens, têm me-nos contatos e, portanto, maior resis-tência em relação ao avanço das cul-turas e das línguas dominantes, co-mo o espanhol e o português. Sãoelas que cuidam das crianças e lhestransmitem a cultura, os costumes, afé e a língua. São as mulheres queapoiam a vitalidade, a riqueza e apureza da língua indígena. Por con-seguinte, não é possível pensar nu-ma equipe de tradutores nas línguasoriginais que não inclua mulheres, eem algumas regiões há até casos emque os membros da comissão de tra-dução da Bíblia eram todas mulhe-res aborígenes.

O caso paradigmático é o da mu-lher guarani. Depois das guerras doChaco entre a Bolívia e o Paraguai,que dizimaram a população mascu-lina, a língua correu seriamente orisco de desaparecer. Foram as mu-lheres paraguaias que tomaram con-ta dela, de a transmitir, de a prote-ger com a própria vida, a pontoque hoje o Paraguai tem uma lín-gua indígena oficial, tal como o es-panhol.

Outro exemplo pode ser tomadoda língua quechua. No Evangelhode Lucas o texto diz que «assimque Isabel ouviu a saudação deMaria, a criança estremeceu no seuseio» (1, 41). Algumas mulheres da-quela etnia começaram a rir ao ou-vir as propostas de tradução realiza-das pelos homens. Sugeriram umapalavra onomatopeica para comuni-car a sensação do movimento re-pentino experimentado por Isabel.Esta riqueza na transmissão linguís-tica sensorial só podia ser pensada

por uma mulher que tinha carrega-do um filho no ventre. Deste modo,a tradução quechua adquiriu parasempre uma experiência única domistério do encontro entre as mãesde João Batista e de Jesus, aspetosensorial que provavelmente perde-mos nas traduções utilizadas nasprincipais línguas.

O ecumenismo é um âmbito am-plo e não deve incluir somente o as-peto confessional mas também, e so-bretudo, o cultural de cada denomi-nação religiosa. E neste ecumenismocultural integral, que reflete a antro-pologia da fé latino-americana, o lu-gar das mulheres nativas não é sóimportante mas até fundamental.Dado que a Igreja é mulher e ostextos dos evangelhos devem encar-nar-se nas diversas línguas, sem aparticipação ativa destas mulheresnativas as traduções utilizadas hojepelas Igrejas indígenas na AméricaLatina perderiam as suas maiores ri-quezas distintivas.

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número 12, quinta-feira 22 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Missas matutinas em Santa MartaSegunda-feira, 12 de março

Jesus repreendeaqueles que param

Saber «arriscar», não se contentarcom as «entradas», mas superar astibiezas a fim de «compreender ossinais e ir além» no próprio percursode fé para não permanecer «para-do», «estacionado» na «mediocrida-de»: eis o perfil do cristão traçadopelo Papa.

«Os galileus acolheram Jesus por-que tinham ouvido falar sobre osnumerosos milagres que ele tinhafeito em outros lugares e pensaram:

vou criar uma Jerusalém destinada àalegria, e o seu povo ao júbilo».Portanto, prosseguiu o Papa, «o Se-nhor estimula em nós este desejo dealegria, esta alegria de estarmos comele». E «Jesus repreende aqueles queparam — “sim, acredito” — e não vãoem frente».

Assim «quando o Senhor passa nanossa vida e faz um milagre em cadaum de nós, todos sabemos o que oSenhor fez na nossa vida, mas não étudo: este é o convite a ir em frente,a continuar a caminhar, a “pro curaro rosto de Deus” diz o salmo, a pro-curar esta alegria». O sinal é «o iní-cio e compreende-se que Jesus é umpouco impaciente — não quero dizerque se chateia, mas é impaciente —quando vê que as pessoas param aoprimeiro passo».

«A mim — confidenciou Francisco— acontece refletir sobre o que pensaJesus, o que sente Jesus em relaçãoaos cristãos que não caminham, quenão vão além, que param ao primei-ro passo, à primeira graça recebida».Em síntese, o que pensa Jesus diantede um cristão que diz: «Sim, estoubem sucedido, levo em frente umaboa vida cristã, vou a missa aos do-mingos, confesso-me todos os meses,faço algumas obras de caridade, tu-do bem e paro ali?». Porque, insistiuo Papa, «há muitos cristãos paradosque não caminham, cristãos estagna-dos nas coisas do dia a dia — b ons,bons! — mas não crescem, permane-cem pequeninos». São «cristãos es-tacionados», que «se estacionam,cristãos engaiolados que não sabemvoar sonhando a beleza para a qualo Senhor nos chama».

Eis que, sugeriu o Pontífice, «ca-da um de nós pode questionar-se:Como é o meu desejo? Sinto-me sa-tisfeito no desejo com a vida que le-vo em diante ou procuro levar pordiante, mesmo com dificuldade, comalgumas provações, cada vez mais,mais, mais, porque o Senhor é estemais, mais, mais?».

E «é esta alegria, este gozar juntose espera-nos com isto». Portanto,prosseguiu o Papa, é bom pergun-tar-se: «Procuro o Senhor deste mo-do ou tenho medo ou sou medío-cre?». Há a tentação de responder:«estou satisfeito com isto...», preci-samente «como aquele homem quevai ao banquete, que se sacia com asentradas e depois volta para casa: es-tulto, tu não sabes que o melhorvem depois!». E não faz sentido di-zer que «para mim as entradas sãosuficientes».

«Preservar o próprio desejo, des-pertá-lo: este é o título de uma boni-ta carta que há algumas semanas umbispo italiano escreveu aos seus sa-cerdotes». Este «preservar o própriodesejo», significa «não se instalardemasiado, ir um pouco em frente,arriscar».

Pois «o verdadeiro cristão arrisca,sai da segurança» recordou o Pontí-fice repetindo as palavras bíblicas:«Pois eu vou criar novos céus, euma nova terra; (…) serão experi-mentadas a alegria e a felicidadeeterna daquilo que vou criar. Poisvou criar uma Jerusalém destinada àalegria, e o seu povo ao júbilo». Ese «é isto o que nos espera», entãoserá oportuno perguntar se «cami-nho rumo a isto ou permaneço as-sim, tíbio, sem força». E ainda,

Quinta-feira, 15 de março

Face a facecom Deus

Quantas vezes acontece que a umcristão seja perguntado: “Rezas pormim”? E quantas vezes nos empe-nhamos a fazê-lo, conscientes doque isto realmente significa? Comefeito, para se pôr diante de Deus,«face a face» com Ele, para «bater àporta do seu coração», são necessá-rias grande «coragem» e igual «pa-ciência». E uma «liberdade» interiorque não se pode dar por certa, fri-sou o Papa, inspirando-se na primei-ra leitura do dia (Êx 32, 7-14).

O Pontífice repercorreu com gran-de atenção, ponto por ponto, o tre-cho bíblico no qual é apresentadoum «diálogo entre Deus e Moisés»que discutem sobre «um problemaque Moisés devia resolver»: ou seja,que o povo de Israel tinha construí-do para si um bezerro de ouro parao adorar. O Papa realçou: «O Se-nhor estava um pouco impaciente:

«quer resolver este problema daapostasia do povo».

Antes de tudo, Francisco observouque Moisés fica surpreendido comas «duas propostas» de Deus: «Des-truirei o povo: mas tu fica tranquilo.De ti, ao contrário, farei uma grandenação». Uma situação absolutamen-te particular para ele. A este propó-sito, a fim de facilitar a compreen-são, o Papa sugeriu um exemplo ti-rado da «vida quotidiana». Comefeito, pode acontecer que «a um di-rigente, a uma pessoa que tem res-ponsabilidade numa empresa, numgoverno, numa firma, face a uma si-tuação negativa, se perspetive a pu-nição para muitos, e que este diri-gente imaginário aceite em troca dealgo para si mesmo («Está bem:quanto me dás?»). É, explicou o Pa-pa, a «lógica do suborno», deixarfazer algo, contanto que se obtenhauma vantagem.

No diálogo com Moisés, o Senhorpropõe-lhe uma alternativa: «Deixe-mos fazer isso, e a ti pago com isto:far-te-ei chefe de um grande povo!».Utilizando uma hipérbole, Franciscodisse: «...quase um suborno!», parasublinhar a tomada de posição des-norteante para Moisés que, no en-tanto, tem uma reação iluminadora.Com efeito, este último «amava oSenhor: diz a Bíblia que falava caraa cara, como um homem com o seuamigo». E evidenciou como é «bomouvir isto!», porque faz compreen-der que ele «tinha liberdade peranteo Senhor». Uma liberdade que lhe

«qual é a medida do meu desejo: asentradas ou o banquete inteiro?».

Na conclusão, Francisco convidoua meditar sobre esta verdade. «E pe-çamos ao Senhor — exortou — a gra-ça da magnanimidade, de arriscar,de ir em frente: que o Senhor nos dêesta graça».

«ele vai fazer de igual modo connos-co, far-nos-á bem: que venha, far-nos-á bem a todos”» afirmou Fran-cisco referindo-se ao trecho doEvangelho de João (4, 43-54) pro-posto pela liturgia. Assim, observouo Papa, quando aquele funcionáriodo rei na Galileia «se aproximou pe-dindo ajuda para o filho doente, pa-rece que Jesus perde a paciência», aponto de lhe dizer: «Se não virdesmilagres e prodígios, não credes».Em síntese, «ele repreende» o factode que «o principal sinal é o prodí-gio» e que «com isto» todos estão«contentes» e só desta forma acredi-tam. Contudo, diz o Senhor, «nãoides a outras partes, não caminheispara outros sítios: onde está a vossafé?». Porque, explicou Francisco,«ver um milagre, um prodígio e di-zer “tu tens o poder, tu és Deus” ésem dúvida um ato de fé, mas muitopequenino». Aliás, explicou o Papa,observando Jesus «é evidente queeste homem tem um grande poder,mas ali começa a fé e depois deve irem frente: onde está o teu desejo deDeus?». Porque «a fé é isto: ter odesejo de encontrar Deus, de o en-contrar, de estar com ele, de ser felizcom ele».

A primeira leitura, afirmou o Pon-tífice referindo-se ao trecho do pro-feta Isaías (65, 17-21), «ajuda-nos aentender o que faz o Senhor, qual éo grande milagre do Senhor». Narealidade «o que Jesus fez é um iní-cio, é um sinal; mas qual é o mila-gre? Em que devemos acreditar, semver sinais?». É o Senhor que o expli-ca: «Pois eu vou criar novos céus, euma nova terra; (…) serão experi-mentadas a alegria e a felicidadeeterna daquilo que vou criar. Pois

Giorgio Gosti, «Gente a caminho»

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irou-se contra o seu povo e no fimdisse: “Fica tranquilo, eu resolvo es-ta questão, porque o teu povo seperverteu. E este povo tem a cervizdura”, diz o Senhor. “Pois bem, dei-xa que a minha ira se acenda contraeles e que os devore. De ti, ao con-trário, farei uma grande nação”».Portanto, encontramo-nos diante deuma posição dura do Senhor que

permite «reagir»: com efeito, ele«suplicou» a Deus, ou seja, fez«uma prece de intercessão».

Precisamente sobre este tipo deoração meditou o Papa, conscientede que «não é fácil rezar pelos ou-tros. E explicou que a quem pede:«Por favor, reza por mim, que tenho

Marc Chagall, «Moisés vê as misérias do seu povo» (detalhe)

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de março de 2018, número 12

Faleceu o cardealKeith Michael Patrick O’Brien

Filho mais velho de Alice e MarkO’Brien, aos dez anos Keith MichaelPatrick transferiu-se para a Escóciajuntamente com os pais e com o ir-mão Terry. Durante alguns anos vi-veu em Glasgow, frequentando a es-cola básica Saint Stephen de Dal-muir e a secundária Saint Patrick deDumabrton. A família participava namissa na igreja de Saint Paul emWhiteinch.

Sucessivamente, tendo o seu pai,empregado público, aceitado traba-lhar em Edimburgo, o jovem trans-feriu-se para a capital escocesa comtoda a família. Ali completou a for-mação na Holy Cross Academy. Ten-do apresentado pedido para se tor-nar presbítero, seguiu o conselho docardeal Gordon Joseph Gray (1910-1993) e inscreveu-se primeiro na uni-versidade. Dado que lhe tinha sidodiagnosticado um sopro cardíaco, opurpurado dissera-lhe: «Se consegui-res sobreviver à universidade, existeuma possibilidade que possas sobre-viver ao seminário».

Em 1959 obteve o bacharelado emciências no ateneu de Edimburgoem química e matemática. No mes-

mo ano entrou no Saint Andrew col-lege de Drygrange em Roxburghshi-re, iniciando a vida de seminarista.A 3 de abril de 1965 recebeu a orde-nação sacerdotal.

Em 1966, depois de mais um anode estudos na universidade de Edim-burgo e do magistério na “MorayHouse”, obteve o diploma em ciên-cias da educação. No mesm0 perío-do foi assistente na paróquia HolyCross. Prosseguiu o caminho espiri-tual como capelão na escola secun-dária Saint Columba em Cowden-beath e, quando o instituto foi trans-ferido, em Dumfermline. Na mesmainstituição ensinou matemática. Du-rante o decénio seguinte desempe-nhou o ministério nas paróquias deSaint Bride em Cowdenbeath (1966-1971), de Saint Patrick em Kilsyth(1972-1975) e de Saint Mary em Ba-thgate (1975-1978).

Em 1978 foi nomeado diretor espi-ritual do Saint Andrew’s college deDrygrange. Dois anos mais tardetornou-se reitor do Saint Mary’s col-lege de Blairs. Em 1975 chegou a no-meação para arcebispo de Saint An-drews and Edinburgh e a sucessiva

ordenação episcopal que lhe foi con-ferida pelo cardeal Gray. «Servir oSenhor com alegria» foi o lema es-colhido. Entre 1996 e 1999 desempe-nhou funções de administradorapostólico da diocese de Argyll andThe Isles. Depois da morte repenti-na do cardeal Thomas Joseph Win-ning, em junho de 2001, tornou-sepresidente ad interim da Conferênciaepiscopal da Escócia. Depois, emmarço de 2002, foi oficialmente elei-to presidente.

Em 2003 recebeu a púrpura e emabril de 2005 participou no conclaveque elegeu o Papa Bento XVI. Masnão participou no de março de2013: com efeito, após uma série deacusações relativas a comportamen-tos sexuais inapropriados, poucos

dias antes, a 25 de fevereiro, apre-sentou a renúncia ao cargo de arce-bispo de Saint Andrews and Edin-burgh. A 3 de março difundiu umcomunicado de imprensa no qualanunciava que se retirava da vidapública. De acordo com o PapaFrancisco, no mês de maio do mes-mo ano deixou a Escócia para umperíodo de renovação espiritual, deoração e penitência no norte da In-glaterra. Em seguida, após uma visi-ta apostólica na Escócia guiada peloarcebispo maltês Charles Sciclunaem março de 2015, no final de umlongo itinerário de oração, renun-ciou aos direitos e às prerrogativasdo cardinalato, expressas nos câno-nes 249, 353 e 356 do código de di-reito canónico.

O cardeal Keith Michael Patrick O’Brien, arcebispo emérito de Saint Andrewsand Edinburgh, na Escócia, faleceu na madrugada de segunda-feira 19 de março,no hospital Royal Victoria de Newcastle-upon-Tyne. Tinha completado oitentaanos. De facto nascera no dia da festa de São Patrício, a 17 de março de 1938,em Ballycastle, no condado de Antrim, diocese de Down and Connor, na Irlandado Norte. Ordenado sacerdote a 3 de abril de 1965 para a arquidiocese de SaintAndrews and Edinburgh, fora eleito seu arcebispo a 30 de maio de 1985 e recebe-ra a ordenação epicopal no dia 5 de agosto seguinte. No consistório de 21 de ou-tubro de 2003 fora criado cardeal do título dos Santos Joaquim e Ana no Tusco-lano e a 25 de fevereiro de 2013 renunciara ao governo pastoral da arquidiocese.

Pesar do PapaNo dia seguinte ao falecimento do purpurado, o Papa Francisco enviou aoarcebispo de Saint Andrews and Edinburgh, D. Leo W. Cushley, o telegramade condolências que apresentamos a seguir.

Entristecido ao tomar conhecimento da morte de Sua Eminência o Car-deal Keith Michael Patrick O’Brien, apresento as minhas sentidas condo-lências a Vossa Excelência, aos familiares e a quantos choram a sua mor-te. Confiemos a sua alma ao amor misericordioso de Deus nosso Pai, ecom a certeza das minhas preces pela Arquidiocese de Saint Andrews andEdinburgh, concedo de coração a minha Bênção Apostólica em penhorde paz e de consolação em nosso Senhor Jesus Cristo.

FRANCISCO

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Missas em Santa Marta

isto...», não se pode prometer ora-ção e resolver tudo com «um Pai-Nosso e uma Ave-Maria» e depoisesquecer-se. «Não: tu dizes que vairezar pelo outro, a prece de interces-são empenha-te, como Moisés estácomprometido com o seu povo».Moisés até com coragem — mas, dis-se Francisco, «é preciso ter coragem,não é? Mas a prece de intercessãoexige coragem! Devemos dizer ascoisas a Deus na cara...» — « re f re s c aa memória a Deus» e objeta: «Se-nhor, ouve um pouco: a tua iraacender-se-á contra o teu povo... Tu,que o fizeste sair da terra do Egitocom grande força e com mão pode-rosa»; e diz-lhe: «Tu fizeste tudo istoe agora destruirás tudo? Senhor, istonão é correto!».

Antes de tudo, é preciso observarque Moisés apresenta «argumenta-ções». Francisco resumiu o discursodirigido ao Senhor deste modo:«Pensa na má figura que farás, por-que os egípcios dirão: “Fizeste-ossair com malícia, para os deixarmorrer no meio das montanhas, le-vando-os a desaparecer da terra?”»,e ainda: «Tu és o Deus da bondadee farás uma má figura diante dosegípcios... Não, Senhor, assim nãopode ser!». E procura convencê-lo.Depois, insiste: «Desiste, Senhor, doardor da tua ira; abandona este pro-pósito de praticar o mal contra o teu

povo». Ou seja: «Não faças esta máfigura: recorda-te que Tu libertaste opovo». E, como se tivesse «medo deque as argumentações não fossemsuficientes», acrescenta: «Senhor, re-corda-te também: recorda-te deAbraão, Isaac, Israel, teus servos,aos quais juraste por ti mesmo, di-zendo: “Tornarei a vossa posteridadetão numerosa como as estrelas docéu e toda a terra da qual falei, dá-la-ei aos vossos descendentes, que apossuirão para sempre”. Recorda-tedisto!».

Moisés, explicou o Pontífice,«apela-se à memória de Deus» e, éimportante observar isto, «envolve-se». A ponto que — narra-se noutrotrecho do Êxodo (32, 32) — diz: «Eno final, Senhor, se quiseres eliminareste povo da terra, elimina tambéma mim».

Precisamente esta é a caraterísticada «prece de intercessão: uma ora-ção que argumenta», que tem a co-ragem de dizer as coisas «na cara doSenhor»; uma prece «paciente».Com efeito, acrescentou o Papa, «épreciso ter paciência: não podemosprometer a alguém que rezaremospor ele e depois limitar-nos a umPai-Nosso e a uma Ave-Maria, e irembora. Não! Se dizes que rezaráspelo outro, deves ir por este cami-nho. É preciso ter paciência». Trata-se da «mesma paciência da cana-neia»: com efeito, a mulher pode até

«sentir-se insultada por Jesus», mas«vai em frente, quer alcançar aquiloe prossegue». E é a mesma paciênciainsistente da mulher «que ia ter como juiz iníquo, e um dia o juiz can-sou-se e disse: “Não dou importân-cia alguma a Deus, nem aos ho-mens, mas para me livrar dela, fareio que me pede”, e a viúva venceu».É preciso, concluiu Francisco acres-centando outro exemplo, ter «cons-tância, paciência de ir em frente. Apaciência daquele cego à saída deJericó: gritava tanto que o queriamsilenciar... Mas clamava! E no fim, oSenhor ouviu-o e pediu que o trou-xessem a Ele».

Portanto, resumindo, «para a pre-ce de intercessão são necessáriasduas coisas: coragem, ou seja, parré-sia, coragem e paciência. Se eu qui-ser que o Senhor me ouça, devo in-sistir, bater à porta do coração deDeus», e fazê-lo «porque o meu co-ração está arrebatado por isto! Masse o meu coração não se deixar in-terpelar por aquela necessidade, poraquela pessoa pela qual devo rezar,nem sequer será capaz de ter cora-gem e paciência».

Naturalmente, prosseguiu, é ne-cessário ter uma «grande liberdade»,como aquela que Moisés se permite.A ponto que se poderia pensar:«Mas Moisés foi mal-educado» aorejeitar a proposta de Deus. Ao con-trário, embora respeite a Deus, Moi-

sés não falta ao «seu amor pelo po-vo. E isto agrada a Deus». Então,acontece que «quando Deus vê umaalma, uma pessoa que reza insisten-temente por algo, Ele comove-se» e«concede a graça».

De tudo isto surge o conselho pa-ra cada cristão que se encontra nu-ma situação semelhante. Seria bominterrogar-se: «Quando me pedempara ajudar com a oração a resolverum problema, uma situação difícil,uma dor na família, deixo-me envol-ver por isto?». Pois se não formoscapazes disto, é melhor dizer «a ver-dade» e confessar: «Não posso re-zar, direi apenas um Pai-Nosso». Se,ao contrário, nos comprometermos edissermos: «Rezarei», sugeriu oPontífice, o «caminho da prece deintercessão» é bem claro: «empenha-te, luta, vai em frente, jejua, pensaem David, quando o menino adoe-ceu: jejum, oração para alcançar agraça da cura da criança. Lutou comDeus. Não conseguiu vencer, mas oseu coração estava tranquilo: arris-cou a própria vida pelo filho».

Por isso, concluiu o Papa, é preci-so pedir ao Senhor «a graça de rezardiante de Deus com liberdade, comofilhos; de orar com insistência, de re-zar com paciência. Mas sobretudo,rezar consciente de que falo com omeu Pai, e que o meu Pai me ouvi-rá».

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número 12, quinta-feira 22 de março de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕES

Na manhã de quinta-feira, 15 de março, o Papa recebeu os preladosda Conferência episcopal do Paquistão, em visita «ad limina»

Visita «ad limina»dos prelados do Paquistão

Renúncia do prefeito da SPCNo dia 21 de março, o Santo Padre Francisco aceitou a renúncia doR e v. mo Mons. Dario Edoardo Viganò, ao cargo de Prefeito da Secretariapara a Comunicação (SPC).

Até à nomeação do novo Prefeito, a SPC será presidida pelo Secretáriodo mesmo Dicastério, Rev.mo Mons. Lucio Adrián Ruiz.

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 15 de marçoD. Paul Tighe, Bispo Titular de Dri-vastum, Secretário Adjunto do Pon-tifício Conselho para a Cultura; D.Joseph Marino, Arcebispo Titular deNatchitoches, Núncio Apostólico naMalásia e em Timor Leste, DelegadoApostólico em Brunei Darussalam; eos seguintes Prelados do Paquistão,em visita «ad limina Apostolorum»:D. Joseph Coutts, Arcebispo de Ka-rachi; D. Samson Shukardin, Bispo

de Hyderabad; D. Sebastian FrancisShaw, Arcebispo de Lahore; D. Jose-ph Arshad, Bispo de Faisalabad, Ad-ministrador Apostólico «sede vacan-te et ad nutum Sanctae Sedis» deIslamabad-Rawalpindi; e D. BennyMario Travas, Bispo de Multan.

No dia 16 de marçoO Senhor Cardeal Fernando Filoni,Prefeito da Congregação para aEvangelização dos Povos.O Sr. Youssef A. Al Othaimeen, Se-cretário-Geral da Organização deCooperação Islâmica (O CI), com oSéquito; o Rabino René-Samuel Si-rat; e o Sr. Pierre Krähenbühl, Co-

missário-Geral da Agência para osRefugiados da Palestina (U N R WA ).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 17 de marçoDe D. Antonio P. Palang, S.V.D., aogoverno pastoral do Vicariato Apos-tólico de São José em Mindoro, nasFilipinas.

A 19 de marçoDe D. Bernard Blasius Moras, aogoverno pastoral da Arquidiocese deBangalore (Índia).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 15 de marçoBispo da Diocese do Porto (Portu-gal), D. Manuel da Silva RodriguesLinda, até esta data Ordinário Mili-tar para Portugal.

No dia 17 de março

Núncio Apostólico na Argentina, D.Léon Kalenga Badikebele, ArcebispoTitular de Magnetum, até à presentedata Núncio Apostólico em El Sal-vador e no Belize.

No dia 19 de março

Núncio Apostólico junto da Associa-ção das Nações do Sudeste Asiático(A.S.E.A.N.), D. Piero Pioppo, Arce-bispo Titular de Torcello, atualmen-te Núncio Apostólico na Indonésia.

Arcebispo da Sede Metropolitana deBangalore (Índia), D. Peter Macha-do, até agora Bispo de Belgaum.

No dia 21 de março

Administrador Apostólico “sede ple-na et ad nutum Sanctae Sedis” daDiocese de Formosa (Brasil), D.Paulo Mendes Peixoto, atualmenteArcebispo Metropolitano de Ube-raba.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 12

Os bispos brasileirossobre os imigrantes da Venezuela

pal lançou um apelo ao acolhimen-to, à solidariedade e à intervençãopolítica, de modo particular nos pla-nos local, estatal e nacional, convi-dando à sensibilização e à participa-ção, também através do serviço devoluntariado: «Comprometamo-nosfirmemente nesta missão, para rece-ber, proteger, promover e integrar osnossos irmãos e irmãs imigrantes».

Para D. Mário Antônio da Silva,bispo de Roraima, «é dramático veros venezuelanos chegarem ao nossoEstado necessitados de alimentação,ajuda, hospitalidade e integração nomercado de trabalho. Deixam a Ve-nezuela por causa de uma necessida-de humanitária, e temos o dever de

lhes estender a mão para os aco-lher». Neste sentido — explicou oprelado à agência Fides — a visita daComissão episcopal representa «umponto de apoio e de reflexão impor-tante para atuar projetos e contri-buir, juntamente com os governan-tes, para satisfazer as necessidadesdesta população».

Durante esta missão realizaram-seencontros com representantes esta-tais e das Nações Unidas, e tambémcom organizações locais e fronteiri-ças, além de visitas a vários lugaresde acolhimento e a paróquias, comoa do Sagrado Coração de Jesus, on-de são servidas aproximadamentenovecentas refeições por dia, para irao encontro das necessidades dosimigrantes venezuelanos.

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de março de 2018, número 12

Na audiência geral o Papa falou sobre a comunhão sacramental

Prolongar aquele momento de silêncioE anunciou que em agosto irá a Dublim para o encontro mundial das famílias

«Quando recebes a Eucaristia, tornas-te corpo de Cristo», recordou o PapaFrancisco aos fiéis que participaram naaudiência geral de quarta-feira, 21 demarço, na praça de São Pedro. Dandocontinuidade ao ciclo de catequesesdedicadas à missa, o Pontífice falousobre a Comunhão sacramental.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje é o primeiro dia de primavera:boa primavera! Mas o que acontecena primavera? Florescem as plantas,florescem as árvores. Far-vos-ei algu-mas perguntas. Uma árvore ou umaplanta doentes, florescem bem, se es-tão doentes? Não! Uma árvore, umaplanta que não for regada pela chuvaou artificialmente, pode florescerbem? Não! E uma árvore ou umaplanta das quais foram tiradas as raí-zes, ou que não as têm, podem flo-rescer? Não! Mas pode-se florescersem raízes? Não! E esta é uma men-sagem: a vida cristã deve ser uma vi-da que precisa de florescer em obrasde caridade, em gestos de bem. Masse tu não tens raízes, não poderásflorescer; e quem é a raiz? Jesus! Seali, nas raízes, não estiveres com Je-sus, não florescerás! Se não regares atua vida com a oração e os sacramen-tos, terás flores cristãs? Não! Porquea oração e os sacramentos irrigam asraízes e a nossa vida floresce. Faço-vos votos a fim de que esta primaveraseja para vós uma primavera florida,como será a Páscoa florescida. Flori-da de boas obras, de virtudes, de ges-tos de bem para os outros. Recordaiisto, é um pequeno verso muito boni-to da minha Pátria: “O que a árvoretem de florescido vem daquilo quetem de enterrado”. Nunca cortemosas raízes com Jesus.

E agora continuemos com a cate-quese sobre a Santa Missa. A cele-bração da Missa, da qual percorre-mos os vários momentos, visa a Co-munhão, ou seja, a nossa união comJesus. A comunhão sacramental: nãoa comunhão espiritual, que podesfazer em casa, dizendo: “Jesus, gos-taria de te receber espiritualmente”.Não, a comunhão sacramental, como corpo e o sangue de Cristo. Cele-bramos a Eucaristia para nos alimen-tarmos de Cristo, que se oferece anós quer na Palavra quer no Sacra-mento do altar, para nos conformar-nos com Ele. É o próprio Senhorquem o diz: «Quem come a minhacarne e bebe o meu sangue perma-nece em mim, e Eu nele» (Jo 6, 56).Com efeito, o gesto de Jesus que deuaos discípulos o seu Corpo e Sanguena última Ceia, continua ainda hojeatravés do ministério do sacerdote edo diácono, ministros ordinários dadistribuição do Pão da vida e doCálice da salvação aos irmãos.

Na Missa, depois de ter partido oPão consagrado, ou seja, o corpo deJesus, o sacerdote mostra-o aos fiéis,convidando-os a participar no ban-quete eucarístico. Conhecemos aspalavras que ressoam do santo altar:«Felizes os convidados para a Ceiado Senhor: eis o Cordeiro de Deus,que tira os pecados do mundo».Inspirado num trecho do Apocalipse

— «Felizes os convidados para a ceiadas núpcias do Cordeiro» (Ap 19, 9):diz “núp cias” porque Jesus é o Es-poso da Igreja — este convite chama-nos a experimentar a íntima uniãocom Cristo, fonte de alegria e desantidade. É um convite que rejubilae, ao mesmo tempo, impele a umexame de consciência, iluminado pe-la fé. Com efeito, se por um lado ve-mos a distância que nos separa dasantidade de Cristo, por outro acre-ditamos que o seu Sangue é «derra-mado para a remissão dos pecados».Todos nós fomos perdoados no ba-tismo, e todos nós somos perdoadosou seremos perdoados cada vez quenos aproximarmos do sacramento dapenitência. E não nos esqueçamos:Jesus perdoa sempre. Jesus não secansa de perdoar. Somos nós que

VII, 10, 16: PL 32, 742). Cada vez querecebemos a Comunhão, assemelha-mo-nos mais a Jesus, transformamo-nos mais em Jesus. Do mesmo modoque o pão e o vinho são transforma-dos no Corpo e Sangue do Senhor,assim quantos os recebem com fé sãotransformados em Eucaristia viva. Aosacerdote que, distribuindo a Eucaris-tia, te diz: «O Corpo de Cristo», turespondes: «Amém», ou seja, reco-nheces a graça e o compromisso quecomporta tornar-se Corpo de Cristo.Pois quando recebes a Eucaristia, tor-nas-te corpo de Cristo. Isto é bonito,é muito bonito. Enquanto nos une aCristo, arrancando-nos dos nossosegoísmos, a Comunhão abre-nos eune-nos a todos aqueles que são umsó nele. Eis o prodígio da Comu-

A Liturgia eucarística é concluídapela oração depois da Comunhão.Nela, em nome de todos, o sacerdo-te dirige-se a Deus para lhe dar gra-ças por nos ter tornado seus comen-sais e pede que aquilo que recebe-mos transforme a nossa vida. A Eu-caristia revigora-nos a fim de dar-mos frutos de boas obras para vivercomo cristãos. É significativa a ora-ção de hoje, na qual pedimos aoSenhor que «a participação nos seusacramento seja para nós remédiode salvação, nos cure do mal e nosconfirme na sua amizade» (MissalRomano, Quarta-Feira da 5ª Semanade Quaresma). Aproximemo-nos daEucaristia: receber Jesus que nostransforma nele torna-nos mais for-tes. O Senhor é tão bom e tãogrande!

nos cansamos de pedir perdão. Pre-cisamente pensando no valor salvífi-co deste Sangue, Santo Ambrósioexclama: «Eu, que peco sempre, de-vo ter sempre à disposição o remé-dio» (De sacramentis, 4, 28: PL 16,446A). Nesta fé, também nós dirija-mos o olhar para o Cordeiro deDeus que tira os pecados do mundo,e invoquemo-lo: «Ó Senhor, nãosou digno de participar na vossa me-sa: mas dizei uma só palavra e eu se-rei salvo». Dizemos isto em cadaMissa.

Somos nós que nos movemos emprocissão para receber a Comunhão,caminhamos rumo ao altar em procis-são para receber a Comunhão, masna realidade é Cristo que vem aonosso encontro para nos assimilar asi. Há um encontro com Jesus! Nu-trir-se da Eucaristia significa deixar-se transformar naquilo que recebe-mos. Santo Agostinho ajuda-nos acompreender isto, quando narra acer-ca da luz recebida ao ouvir Cristo di-zer: «Eu sou o alimento dos grandes.Cresce, e comer-me-ás. E não serás tuque me transformarás em ti, como oalimento da tua carne, mas tu serástransformado em mim» (Confissões,

nhão: tornamo-nos aquilo que rece-b emos!

A Igreja deseja profundamenteque também os fiéis recebam o Cor-po do Senhor com hóstias consagra-das na própria Missa; e o sinal dobanquete eucarístico exprime-se commaior plenitude se a sagrada Comu-nhão for feita sob as duas espécies,não obstante saibamos que a doutri-na católica ensina que sob uma sóespécie recebemos Cristo inteiro (cf.Ordenamento Geral do Missal Roma-no, 85; 281-282). Segundo a praxeeclesial, o fiel aproxima-se normal-mente da Eucaristia em forma pro-cessional, como dissemos, e comun-ga de pé, com devoção, ou então dejoelhos, como estabelece a Conferên-cia episcopal, recebendo o sacramen-to na boca ou, onde for permitido,nas mãos, como preferir (cf. OGMR,160-161). Após a Comunhão, o silên-cio, a oração silenciosa, ajuda-nos aconservar no coração o dom recebi-do. Prolongar um pouco aquele mo-mento de silêncio, falando com Je-sus no coração, ajuda-nos muito, as-sim como cantar um salmo ou umhino de louvor (cf. OGMR, 88), quenos ajude a estar com o Senhor.

Sieger Köder, «A última Ceia»

O Papa estará em Dublim de 25 a 26de agosto para participar nos diasconclusivos do novo encontro mundialdas famílias, disse o próprio Franciscono final da audiência geral, depois deter saudado uma peregrinaçãoproveniente da Irlanda. Eis algumasdas suas saudações.

Queridos amigos de língua portu-guesa, que hoje tomais parte nesteEncontro, obrigado pela vossa pre-sença e sobretudo pelas vossas ora-ções! A todos vos saúdo, especial-mente aos alunos, professores e fami-liares dos Colégios Pedro Arrupe eSenhora da Boa Nova, desejando-vosque a peregrinação ao túmulo dosSantos Apóstolos Pedro e Paulo for-taleça, nos vossos corações, o sentir eo viver em Igreja, sob o terno olharda Virgem Mãe. Sobre vós e vossasfamílias, desça a Bênção do Senhor!

Por ocasião do próximo encontromundial das famílias, tenho a inten-ção de ir a Dublim, nos dias 25 e 26de agosto deste ano. Agradeço desdejá às autoridades civis, aos Prelados,ao Bispo de Dublim e a todos aque-les que colaboram para preparar estaviagem. Obrigado!