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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS RAFAEL BEZERRA GASPAR O TAIM E A CRIAÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA: Um estudo sobre as relações entre sociedade e ambiente SÃO LUÍS 2007

RAFAEL BEZERRA GASPAR - GEDMMA — Grupo de Estudos ... · nada deve parecer impossível de mudar. (Bertold Brecht) 5 ... Taim and documents analysis elaborated for ends of creation

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

RAFAEL BEZERRA GASPAR

O TAIM E A CRIAÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA: Um estudo sobre as relações entre sociedade e ambiente

SÃO LUÍS 2007

1

RAFAEL BEZERRA GASPAR

O TAIM E A CRIAÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA: Um estudo sobre as relações entre sociedade e ambiente

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do grau de Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior

SÃO LUÍS 2007

2

RAFAEL BEZERRA GASPAR

O TAIM E A CRIAÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA: Um estudo sobre as relações entre sociedade e ambiente

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do grau em Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais

Aprovado em ____/ ____/ 2007

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________ Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Maranhão

__________________________________________________ Prof. Ms. Elio de Jesus Pantoja Alves

Universidade Federal do Maranhão (1º examinador)

___________________________________________________ Prof. Bartolomeu Rodrigues Mendonça

Universidade Federal do Maranhão (2º examinador)

3

AGRADECIMENTOS

Em muitos momentos de produção deste trabalho senti-me solitário. Percebo que em

rituais como esses, a solidão é companheira do escritor. Mas, a muitos tenho que compartilhar

meus sinceros agradecimentos.

Em especial à minha mãe e minha irmã, pelo intenso carinho, companheirismo e

dedicação, respectivas, ao filho e irmão. Sem elas, eu não concluiria mais este ritual de vida.

As duas são minha família.

A meu orientador, amigo e companheiro de muitas conversas e jornadas acadêmicas,

professor Horácio Antunes, por quem guardo uma grande admiração pelo profissional

competente e sincero que é. Sem dúvida, sua presença foi e é fundamental para a minha

formação como cientista social.

Aos professores Ednalva e Biné que, durante minha graduação, mostraram-me o rigor

suave e a qualidade de serem excelentes profissionais e amigos de muitos debates.

A professora Maristela, que é uma grande mestra do ensino e da vida e em quem me

inspiro no percurso da carreira que escolhi.

A professora Arleth Borges, por me esclarecer todas as dúvidas sobre o trabalho

monográfico e pela profissional dedicada e íntegra que sempre demonstrou ser.

A querida Jana, grande amiga, que mesmo longe de corpo, mas não de alma, nos últimos

tempos, sempre compartilhou alegrias e desabafos. Valeu, Jana, pelos momentos de pesquisa

e aventuras nesses rápidos anos de graduação.

Às queridas Bebel e Mari Vilma, minhas grandes amigas de muitos encontros pela vida

afora. Sem elas, não sustentaria o peso de muitas atribuições e nem sorriria para espantar as

angústias de momentos da vida. Vocês são muito especiais.

Ao senhor Levi e a Elis que sempre foram muito educados e prestativos e, em muitos

momentos aturaram minha impaciência na sala do Centro Acadêmico de Ciências Sociais.

A Eliane Soares, pelas informações cedidas e por ser sempre educada quando visitava-a

no seu emprego para obter dados necessários à pesquisa.

A Gustavo, Carolzinha e Maiâna, pelas trocas e discussões de informações conseguidas

no IBAMA e em campo.

A Beto que, através de sua fala, mostrou-me riquíssimas histórias de vida, de luta e de

sonhos que me fizeram refletir.

Aos analistas ambientais do IBAMA, em especial, a Kátia, Alexandre, Rogério, Mary

Jane, Alice, Bruno e Karina, por esclarecerem todas as minhas dúvidas.

4

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de

hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem

sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,

de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural

nada deve parecer impossível de mudar.

(Bertold Brecht)

5

RESUMO

O presente trabalho trata da proposta de criação da Reserva Extrativista do Taim, com localização prevista na porção sudoeste da Ilha de São Luís, abrangendo os povoados de Cajueiro, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros e Taim, parte da Vila Maranhão e a Ilha de Tauá-Mirim. A partir de uma experiência de pesquisa no povoado do Taim e análise de documentos elaborados para fins de criação da referida Resex, desenvolvo um estudo que apresenta alguns aspectos do seu processo sócio-histórico de reivindicação, relacionando com três principais situações: a constituição sócio-histórica e normativa de criação das reservas extrativistas no Brasil; os grandes projetos industriais localizados no Distrito Industrial II da llha de São Luís; e a emergência da categoria populações tradicionais.

Palavras-chave: Reserva Extrativista. Populações Tradicionais. Socioambientalismo. Grandes Projetos. Maranhão.

6

ABSTRACT

The present work deals with the proposal of creation of the Extractive Reserve of the Taim, with localization foreseen in the southwestern portion of the Island of São Luís, enclosing the villages of Cajueiro, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros, Taim, part of the Vila Maranhão and the Island of Tauá-Mirim. From an experience of research in the village of the Taim and documents analysis elaborated for ends of creation of the related Resex, I develop a study that presents some aspects of its claim social-historical process, relating with three main situations: the social-historical and normative constitution of creation of the extractives reserves in Brazil; the great industrial projects located in Industrial District II of llha of São Luís; and the emergency of the category traditional populations.

Key-words: Extrative Reserves. Traditional Populations. Social-environmentalism. Great Projects. Maranhão.

7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 p.

Ruínas no povoado do Taim 36

Ilustração 2

Mapa atualizado da Reserva Extrativista do Taim 43

Ilustração 3

Beto falando com moradores da Ilha de Tauá-Mirim 59

Ilustração 4

Mapa dos limites entre o Distrito Industrial II da Ilha de São Luís e da área

prevista para a Resex do Taim 65

Ilustração 5

Instalações da Companhia Vale do Rio Doce vistas do povoado do Taim 66

8

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 p.

Etapas para a criação de uma Reserva Extrativista 56

9

LISTA DE SIGLAS

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico

CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações

Tradicionais

DESOC Departamento de Sociologia e Antropologia

GEDMMA Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis

PPGCS Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

RESEX Reserva Extrativista

RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

UC Unidades de Conservação

UICN União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos

Naturais

UFMA Universidade Federal do Maranhão

10

SUMÁRIO

p.

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11

2. PERCURSO METODOLÓGICO......................................................................... 17

3. NATUREZA – UMA INVENÇÃO HUMANA.................................................... 23

3.1 O surgimento das chamadas Unidades de Conservação no contexto da cultura

ocidental........................................................................................................................ 23

4. O POVOADO DO TAIM....................................................................................... 30

4.1 Localização............................................................................................................. 30

4.2 Histórico.................................................................................................................. 34

4.3 Relação com outros povoados................................................................................ 37

5. A RESERVA EXTRATIVISTA DO TAIM......................................................... 42

5.1 Aspectos geográficos.............................................................................................. 42

5.2 Situação sócio-econômica: Interpretação............................................................... 46

5.3 Gênese da Resex do Taim: A relação com processos sócio-históricos e normativos

de criação das reservas extrativistas no Brasil.............................................................. 50

5.4 A presença do IBAMA: Considerações sobre usos de categorias.......................... 57

5.5 No limite: Os impactos dos grandes projetos industriais na Ilha de São Luís........ 64

5.6 “Somos populações tradicionais”: História social, conceitos e apropriação política

de uma categoria.......................................................................................................... 74

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 86

7. BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 90

ANEXOS...................................................................................................................... 96

11

1. INTRODUÇÃO

(...) ‘complicar’ o tempo crônico da história confrontando-o

com outro tempo, que é o do próprio discurso,

e que se poderia chamar, por condensação,

o tempo-papel, em suma, a presença, na narrativa

histórica, dos signos explícitos de enunciação.

Visaria a ‘descronologizar’ o fio histórico e a reconstituir,

mesmo a título de mera reminiscência ou nostalgia,

um tempo complexo, paramétrico, de modo algum linear,

cujo espaço profundo lembraria o tempo mítico das antigas

cosmogonias,também ele ligado por essência

à palavra do poeta ou do adivinho.

(Roland Barthes)

Em fins do ano de 2005, comecei a participar do Grupo de Estudos

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)1 através da minha graduação

no curso de Ciências Sociais2. Quando iniciei neste grupo, a principal preocupação de seus

coordenadores e dos estudantes era investigar o processo e as conseqüências sociais e

ambientais da implantação de um complexo siderúrgico na porção sudoeste da Ilha de São

Luís, no município de São Luís – MA3, no ano citado acima.

Inserindo-me nessa investigação, meses depois, já no ano de 2006, mais

precisamente entre maio e junho, concorri a uma bolsa de iniciação cientifica através do

projeto de pesquisa Modernidade, Desenvolvimento e Conseqüências Sócio-Ambientais: A

implantação do Pólo Siderúrgico na Ilha de São Luís-MA. A iniciativa deste projeto era de

aprimorar ainda mais a discussão, principalmente, sobre as conseqüências que a implantação

de um complexo siderúrgico produziria para as condições ambientais e sociais na Ilha de São

Luís.

1 Grupo de estudos e pesquisa cadastrado na Plataforma Lattes do CNPq, é vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UFMA). Atualmente, tem como líder o Professor Doutor Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior. 2 Em 2003 ocorreu minha entrada no curso de Ciências Sociais na UFMA. 3 A Ilha de São Luís é composta por quatro municípios: Paço do Lumiar, São José de Ribamar, Raposa e São Luís.

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Antes mesmo da seleção da bolsa de iniciação cientifica, um outro evento

começou a chamar a atenção dos integrantes do grupo. Estou referindo-me à proposta de

criação de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável4 – a Reserva Extrativista5 do

Taim – em parte da área a que se destinava a implantação do citado complexo siderúrgico.

Envoltos nas discussões que circulavam no grupo de estudos, os coordenadores

junto com os estudantes decidiram, então, investigar, além da instalação do complexo

siderúrgico, a proposta de criação da Reserva Extrativista do Taim, buscando entender esses

dois processos de forma relacional e quais eram os problemas suscitados por esta relação. A

partir desse objetivo e decorrido o processo de seleção da bolsa de iniciação cientifica, em que

fui indicado, eu comecei a investigar quais relações se configuravam entre a implantação de

um complexo industrial e a proposta de uma unidade de conservação de uso sustentável

previstas para se localizarem em uma mesma região.

Com muitos dados que o grupo já havia conseguido sobre a implantação do pólo

siderúrgico, minha primeira iniciativa foi procurar o órgão responsável pela criação das

reservas extrativistas. Acabei entrando em contato com o IBAMA6. Lá, iniciei os primeiros

4 Conforme a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN) apud Brito (2003, p. 19), uma unidade de conservação ou uma área natural protegida é definida como “uma superfície de terra ou mar consagrada à proteção e manutenção da diversidade biológica, assim como dos recursos naturais e dos recursos culturais associados, e manejada através de meios jurídicos e outros eficazes”. Já o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, o SNUC, (lei nº 9.985/2000) institui dois tipos de unidades de conservação: a de proteção integral e a de uso sustentável. A Unidade de Conservação de Uso Sustentável tem como objetivo “compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais”. O SNUC registra sete categorias de Unidades de Conservação de Uso Sustentável: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Existem, também, as Unidades de Conservação de Proteção Integral composta pelas seguintes categorias: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre (BRASIL, 2004). 5 Maiores explicações sobre a categoria “Reserva Extrativista” virão em tópicos oportunos dos quais tratarei da proposta de criação desta modalidade de unidade de conservação na Ilha de São Luís. 6 O IBAMA foi criado em 1989 como resultado da consolidação das instituições de meio ambiente anteriormente existentes, como o IBDF (Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Florestal), criado em 1967 e que fazia parte do Ministério da Agricultura, a SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente) criada em 1973 e as superintendências SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca) e SUDHEVEA (Superintendência do Desenvolvimento da Borracha) que faziam parte do Ministério da Agricultura (BRITO, 2003). No ano de 2007, alguns Centros especializados do Ibama passaram para uma nova instituição, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, criado através da lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007. O Instituto Chico Mendes é uma autarquia federal, de autônima administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio

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contatos com os analistas ambientais que trabalham no Centro Nacional de Desenvolvimento

Sustentável das Populações Tradicionais (CNPT)7, um dos vários departamentos

administrativos do IBAMA e que trata especificamente da instalação das Unidades de

Conservação de Uso Sustentável e da gestão compartilhada com os moradores que vivem

dentro da área dessas Unidades.

Minha aproximação com os analistas ambientais do CNPT foi bem amistosa e os

mesmos foram atentos quanto às minhas indagações sobre a criação de uma reserva

extrativista na Ilha de São Luís. A partir daí, comecei a colher diversos documentos e passei a

contactar os possíveis informantes para realizar, posteriormente, o trabalho de campo.

Foi a partir de então que a minha pesquisa tomou um novo caminho,

diferenciando-se das preocupações iniciais contidas no projeto Modernidade,

Desenvolvimento e Conseqüências Sócio-Ambientais: A implantação do Pólo Siderúrgico na

Ilha de São Luís-MA.

Em meio à minha participação em reuniões dos analistas ambientais do CNPT na

sede do IBAMA, em encontros com os mesmos na universidade através de iniciativa do

GEDMMA para esclarecimentos sobre a criação de unidades de conservação, em reuniões em

dois povoados que estão inseridos na área da referida Resex e na consulta pública para a

criação da mesma, constatei que a proposta de criação da Resex do Taim despontava para

Ambiente. Este novo órgão significou uma divisão no Ibama, já que uma série de competências do Ibama foram transferidas para o Instituto Chico Mendes. 7 O Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações Tradicionais (CNPT) constitui-se de um órgão integrado no IBAMA, criado através da portaria nº 22 de 10/02/1992 e tem a finalidade de promover a elaboração, implantação e implementação de planos, programas, projetos e ações demandadas por grupos sociais classificados como populações tradicionais, através de suas entidades representativas, e/ou indiretamente, através dos órgãos governamentais constituídos para este fim, ou ainda, por meio de organizações não-governamentais. Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, através da lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, o CNPT está, atualmente, integrado a este novo órgão federal. O presente trabalho ainda leva em consideração o contexto de integração do CNPT no IBAMA, salvo em situações que estiver explicito minha referência ao Instituto Chico Mendes. Neste trabalho monográfico, optarei, por questões éticas e por tratar de funcionários públicos, em não citar os nomes dos analistas ambientais nos momentos em que utilizo as falas dos mesmos.

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além da relação com a implantação do complexo siderúrgico, pois estava atrelada as

problemas de natureza social e ambiental há pelo menos uma década de mobilizações.

Por mais que tenha sido em pouco tempo a minha investida a alguns contextos do

universo real da pesquisa, a mesma começou a colocar-me uma nova inquietação,

distanciando-me do estudo previamente proposto sobre as concretas relações entre a criação

da Resex do Taim e a implantação do Pólo Siderúrgico. Então, acabei decidindo junto com o

orientador do projeto citado, por mudar meu objeto de análise. Direcionei minha atenção para

estudar a proposta de criação da Reserva Extrativista do Taim.

Ciente dessa nova perspectiva criada, tive que superar meus obstáculos de tempo e

de construção de um novo objeto de estudo que viabilizasse a adequação dentro do projeto em

que eu estava inserido.

Acabei percebendo que o choque com o universo da realidade social que buscava

estudar colocou-me diante do desafio que envolve a relação entre pesquisador-objeto. Como

minha aproximação acabou sendo muito mais pertinente e de maior interesse sobre quais

questões podiam ser levantadas a partir da criação da Resex do Taim, acabei tendo que

reconstituir minha proposta investigativa.

Precisava assim, superar esta primeira dificuldade, que foi a mudança do foco

investigativo, para então repensar como o estudo da criação da primeira Reserva Extrativista

na Ilha de São Luís podia ser desdobrado dentro do projeto já citado do qual participava como

bolsista.

Diante desse novo painel investigativo, resolvi prosseguir nesta rota, que de forma

nenhuma exclui as bases de sustentação teórica e empírica do projeto em que me inseri, mas,

pelo contrário, coloca-me em confronto com ampla possibilidade de discutir referências

teóricas na interface entre sociedade e ambiente.

15

O presente trabalho monográfico é o fruto da minha tentativa de expor situações

que me foram visíveis durante minha experiência de pesquisa no estudo da proposta de

criação da Reserva Extrativista do Taim. Para tanto divido este trabalho em três partes que são

apresentadas a seguir:

A primeira parte denominada Natureza – Uma invenção humana diz respeito a

uma reflexão e o resgate de como o mundo natural foi percebido a partir do século XIX no

contexto da cultura ocidental. De forma diacrônica, apresento como as percepções do ser

humano, no caso da cultura ocidental européia, inventaram o mundo natural constituindo

saberes e promovendo ações concretas que vieram a construir espaços de “preservação” e

“conservação” do meio natural, naquilo que conhecemos hoje como Unidades de

Conservação.

Chamo a atenção para o fato de que configurações de mundo natural, como o

surgimento das Unidades de Conservação no contexto ocidental, sempre foram construções

humanas, ou seja, são símbolos de uma forma de pensar (BARRETO FILHO, 2002).

Na segunda parte, dirijo minha atenção para o contexto da minha experiência de

pesquisa sobre a proposta de criação da Resex do Taim. Por isso, nesse segundo momento

denominado O povoado do Taim apresento algumas informações sobre o povoado em que fiz

trabalho de campo, no caso, o Taim. Descrevo seus aspectos geográficos, sócio-econômicos, a

gênese do povoamento e suas relações com outras localidades, a partir do registro

memorialístico de suas lideranças, da observação in loco e de informações em documentos

conseguidos junto ao IBAMA-MA.

A terceira parte é a mais longa, pois trata da proposta de criação da Reserva

Extrativista do Taim. Nessa parte, construo o texto ressaltando aspectos que se tornaram

visíveis para pensar como se configurava a proposta dessa Resex. Primeiramente, apresento

os dados geográficos dessa Resex, para em seguida destacar e fazer a interpretação de

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informações que me chamaram atenção quanto ao aspecto sócio-econômico que vem

elaborado no Laudo Sócio-Econômico emitido pelo IBAMA-MA.

Após esses itens, destaco quais as situações que estão relacionadas à gênese da

proposta de criação da Resex do Taim, levando em consideração a influência do movimento

socioambientalista no Brasil para o impulso na constituição das primeiras reservas

extrativistas. Nesse item, também, realizo uma crítica à forma como são operados certos

instrumentos de gestão das Resex, caso do plano de uso e do plano de manejo, procurando

lançar luz sobre a análise do trabalho com as diferentes categorias que surgem em

documentos de gestão dessas unidades de conservação, a partir de situações encontradas em

campo e das normas contidas em documentos oficiais.

Por fim, realizo um exercício sobre dois aspectos que figuram como relevantes na

constituição do estudo sobre a criação da referida Resex. Primeiramente, apresento alguns

preocupações de lideranças do Taim com os impactos de longo tempo que os projetos

industriais próximos vêm causando aos ecossistemas locais, destacando que essa situação

fortalece as medidas de reivindicação da Resex do Taim.

E, em segundo lugar, destaco a categoria populações tradicionais como peça

importante na reivindicação de uma liderança do povoado do Taim para a criação da Resex.

Coloco em revista como esta categoria foi construída socialmente e interpreto seu significado

à luz das informações conseguidas com a liderança do Taim.

Espero, apesar das minhas limitações, que este trabalho contribua para chamar

atenção às diversas formas de relações travadas entre sociedade e natureza, e como podemos

pensá-las no caso da situação específica da proposta de criação da Reserva Extrativista do

Taim.

17

2. PERCURSO METODOLÓGICO

O cume da arte, em ciências sociais,

está sem dúvida em ser-se capaz de pôr em jogo

‘coisas teóricas’ muito importantes

a respeito de objectos ditos ‘empíricos’ muito precisos,

frequentemente menores na aparência,

e até mesmo um pouco irrisórios.

(Pierre Bourdieu)

O percurso entre documentos oficiais, laudos e relatórios, na coleção de fotos, nas

idas e vindas a campo para realizar diálogos informais e entrevistas com as partes envolvidas

constituiu-se em um conjunto de esforços destinados à coleta de fragmentos discursivos,

visuais ou resgatados da memória. Esses fragmentos puderam me orientar na montagem de

um painel elucidativo destinados a debater temas visibilizados a partir do estudo da proposta

de criação da Reserva Extrativista do Taim.

Importa deixar bem esclarecido que a montagem dos fragmentos obtidos em fontes

diversas é elaborada a partir de um olhar que não é completo, mas parcial e carregado de

limitações teóricas e metodológicas. Em nenhum momento, almejei um trabalho completo,

perfeito ao extremo e que de forma nenhuma deixasse lacunas para possíveis outras

investigações sobre o objeto que pesquisei.

Confesso que meu olhar é um olhar bem específico, que vê a partir de alguns

ângulos o objeto estudado e que se esforça para tecer e debater aspectos considerados por

mim como fundamentais para o entendimento da realidade social sobre a qual me debrucei.

De acordo com Certeau (2002, p. 81), “tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de

transformar em “documentos” certos objetos distribuídos de outra maneira”.

Em outras palavras, o resgate histórico e as discussões dos aspectos que emergem

do conjunto de dados obtidos neste meu estudo são construídos através do percurso de separar

e transformar o que para mim é visto como importante para minha abordagem. Não que seja o

18

roteiro verdadeiro da história que irei construir. Mas esforço-me para arquitetar uma possível

construção em meio a muitas outras que podem ser feitas.

Certeau (2002) afirma, também, que por trás do percurso traçado pelo pesquisador

está implícito qual o lugar e qual a leitura de mundo o mesmo baseia-se para construir seu

texto. Esse autor alega que “uma leitura do passado, por mais controlada que seja pela análise

dos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente” (CERTEAU, 2002, p. 34).

Uma leitura do presente parte de um lugar, que segundo Certeau (2002), é um

lugar de saber, de uma posição intelectual e social legitimada do pesquisador. Isso,

simbolicamente, é válido para se pensar em quais condições sociais são produzidos os

diversos formatos de produções textuais. Em outras palavras, os aspectos que colocarei para

análise são frutos de um lugar de aprendizado, das trocas e vivências intelectuais que

comungam para alicerçar o texto a ser produzido.

A construção textual do pesquisador pode cair na armadilha de explicar de forma

total o que ele considera como importante para sua análise. Busco evitar, assim, essa

armadilha, esforçando-me para não provocar um olhar que “tudo vê”.

Lévi-Strauss (2002, p. 285) afirma que é fundamental que o pesquisador na análise

dos aspectos que escolhe para debater, supere o encantamento do “olhar que tudo vê”, pois ele

nunca conseguirá reunir tudo, sempre haverá lacunas a serem preenchidas, que mais cedo ou

mais tarde tenderão a serem visíveis. Em uma multidão de indivíduos, cada um constrói em

um momento do seu tempo uma inesgotável riqueza de incidentes, proporcionando uma

variedade de visões, como num caleidoscópio.

Dessa mesma forma, Stephen Bann afirma que (1994, p. 61) “(...) não existe um

único e privilegiado processo para exprimir a realidade do passado”. A criação do

pesquisador, no momento de tecer uma historicidade é ter a possibilidade de compor várias

19

teias textuais, seja numa narração ou numa descrição que, pelo menos, aproxime-se, da

possibilidade de apreensão de uma dada realidade social.

O estudo da criação da Reserva Extrativista do Taim reveste-se de um exercício

que merece uma reflexão além do mero limite de se caracterizar como um fenômeno que

expressa preocupações com o meio ambiente ou que denota configurar-se como um problema

aparentemente ambiental. Importa deixar claro que pensar a Reserva Extrativista neste

trabalho é esforçar-se para perceber quais os sentidos culturais e as formas de pensamento

estão em jogo e como a partir disso posso refleti-la como um problema sociológico.

Os procedimentos metodológicos desenvolvidos no percurso dessa pesquisa

seguiram os seguintes momentos:

Revisão bibliográfica e levantamento de material informativo e documental

(laudos, vistorias prévias, identificação de áreas, ofícios, legislação)8. No tocante ao

levantamento de dados direcionei minhas iniciativas na busca de documentação secundária,

através da aquisição do laudo biológico e sócio-econômico da área destinada à Resex9,

relatórios de reconhecimento territorial da região em que se pretende implementar a mesma,

legislação (leis e decretos) e cadastro de imóveis do povoado do Taim.

Trabalho de campo no povoado do Taim: realização de entrevistas, de conversas

informais, identificação de informantes-chave, observação do cotidiano, registro fotográfico,

identificação dos ecossistemas e dos recursos naturais, registro em caderno de campo.

Participei de quatro reuniões com o IBAMA/CNPT – MA, durante o período da

pesquisa, no intuito de um aprofundamento detalhado das ações desse órgão governamental,

8 Boa parte do material informativo e documental foi obtido através do IBAMA/CNPT-MA. 9 A maior parte das informações sobre as características da área prevista para a Resex estão elaboradas no Laudo Sócio-Econômico e Biológico feito pelos analistas ambientais do CNPT. Este laudo foi elaborado no ano de 2006, após as primeiras vistorias da área, com conseqüente delimitação dos marcos territoriais, com a ajuda de moradores. O laudo está estruturado em oito partes: apresentação do estudo; uma caracterização geral da área pleiteada para a Resex; metodologia; caracterização sócio-econômica; recursos naturais; recursos pesqueiros; conflitos ambientais, recomendações e considerações finais. Este laudo passou por modificações na sua redação, sendo finalizado no mês de setembro de 2007, com a inserção de mais informações oportunas para o conhecimento da área prevista para se localizar a Resex do Taim.

20

visando apreender como se processam suas ações na elaboração dos critérios para a criação de

Unidades de Conservação (UC).

Estive presente na consulta pública para a criação da Resex do Taim, que ocorreu

na sede da Associação do Conjunto Jatobá e Vila Maranhão (ACOJAVIMA), no dia 02 de

agosto do ano de 2006.

A escolha do povoado do Taim, ao invés dos outros povoados que constituem a

área da Resex proposta10, deveu-se principalmente, às condições práticas de elaboração deste

trabalho, já que não disponha de muitos recursos para idas e vindas a todos os outros

povoados constantemente e não tive maior tempo para me deter sobre as realidades dos

mesmos.

Além desta condição prática que envolveu meu trabalho, escolhi o povoado do

Taim levando em consideração dois outros aspectos: em primeiro lugar, chamou-me a atenção

o fato de que foi deste povoado, através da Associação de Moradores, que partiu o pedido

oficial para a criação de uma Reserva Extrativista ao IBAMA; em segundo lugar, é do

povoado do Taim que se destacam as principais lideranças de defesa de criação da Resex

junto aos movimentos sociais e aos órgãos públicos, como no caso do próprio IBAMA.

Fui quatro vezes ao povoado do Taim, sendo que a primeira teve um caráter mais

de conhecimento prévio do povoado, no mês de setembro de 2006. Em outras idas,

acontecidas entre março de 2006 a julho de 2007, tive a oportunidade de conhecer mais

informantes, fazer entrevistas semi-estruturadas e ter acesso a outras áreas, apesar de não

permanecer por períodos longos, ou seja, residindo no local. Permanecia no povoado durante

um dia inteiro e retornava em dias posteriores, no decorrer dos meses de pesquisa.

Na última ida ao povoado fui com alguns analistas ambientais do IBAMA/CNPT–

MA, indicando os possíveis informantes-chave para a realização de entrevistas. Ainda realizei

10 A área prevista, atualmente, para a criação da Reserva Extrativista do Taim abrange, além do Taim, os povoados Cajueiro, Limoeiro, Rio dos Cachorrros, Porto Grande, parte da Vila Maranhão e a Ilha de Tauá-Mirim que, por sua vez, contém cinco povoados.

21

duas visitas à Ilha de Tauá-Mirim. Na primeira visita, participei de uma reunião, no dia 03 de

dezembro do ano de 2006, junto com integrantes do IBAMA/CNPT – MA, no povoado de

Jacamim. Esta reunião teve como propósito a inclusão de cinco povoados que fazem parte

desta Ilha11.

No mês de agosto de 2007, participei da visita ao povoado de Tauá-Mirim,

realizando a aplicação de questionários. Esse último trabalho de campo é resultado de um

convite que recebi dos analistas ambientais do CNPT para colaborar na realização do

mapeamento territorial e do levantamento sócio-econômico dos cinco povoados que

compõem a Ilha de Tauá-Mirim.

Para fins de identificação do Taim recolhi dados contidos, principalmente, nos

seguintes documentos, disponibilizados através do IBAMA/CNPT – MA: o Plano de

Desenvolvimento do Assentamento (PDA) Taim (2002) realizado pelo Instituto de

Colonização e Terras do Maranhão (ITERMA); em um relatório avulso de

fiscalização/vistoria do IBAMA/CNPT – MA (2003)12; no levantamento fundiário de criação

da Resex do Taim elaborado pelo IBAMA/CNPT – MA (2007a)13; e no relatório Reunião de

Trabalho da regularização da Gleba Sul da Ilha de São Luís da Gerência de Estado de

Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Turismo (2003)14.

Realizei quatro entrevistas gravadas, além de duas outras em que não utilizei

gravadores. No âmbito do GEDMMA, consegui participar de uma palestra de uma das

lideranças do povoado do Taim, o senhor Alberto Cantanhede15 - conhecido como Beto –

11 Os povoados Jacamim, Amapá, Tauá-Mirim, Portinho e Embaubal.. 12 Relatório de fiscalização/vistoria de 16 de setembro de 2003. 13 Mimeo. 14 Relatório que diz respeito ao “Procedimento para retorno das áreas denominadas ‘Itaqui-Bacanga e Tibiri-Pedrinhas’ de propriedade do Governo do Estado do Maranhão”. Neste relatório estão contidos vários documentos para fins de explicação da regularização das áreas citadas. Mimeo. 15 Alberto Cantanhede é uma das lideranças do povoado do Taim e se auto define como pescador. Conhecido como Beto entre os moradores do povoado, por lideranças locais e por integrantes dos movimentos sociais é membro ativo do MONAPE (Movimento Nacional dos Pescadores), do GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), do Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista de Cururupu (MA) e é um dos assessores do Gabinete da atual Deputada Estadual Helena Barros Heluy (PT-MA). Além disso, Beto participa, desde a década de 80, de

22

realizada no Curso de Ciências Sociais da UFMA, através de atividades promovidas pelo

grupo ora citado. Beto tornou-se o meu principal interlocutor quanto à disponibilidade em

fornecer-me um panorama da realidade que me pus a investigar.

Transformar as informações obtidas através dos registros etnográficos colhidos em

pesquisa de campo, ou através de entrevistas e/ou análise de documentos numa estrutura

textual, não significa realizar uma tarefa menos árdua, mas compreendê-la como

o momento do escrever, marcado por uma interpretação de e no gabinete, [que] faz com que aqueles dados sofram uma nova “refração”, uma vez que todo processo de escrever... está contaminado pelo contexto do being here – a saber, pelas conversas de corredor (....), pelos debates realizados em congressos. (OLIVEIRA, 2000, p. 27. Grifo meu).

Será um movimento que deve levar em consideração as condições que mobilizam

nossa apreensão de análise da disciplina ou área de pesquisa que fazemos parte. Oliveira

(2000) contribui, em suas análises, para refletir sobre a questão da autonomia do

autor/pesquisador na tarefa de converter em algum produto – sejam artigos, ensaios ou teses –

as informações investigados no trabalho de campo.

organizações outras, no Maranhão e em outros estados brasileiros, como o Pará, no combate às iniciativas de depredação dos ecossistemas e recursos naturais.

23

3. NATUREZA – UMA INVENÇÂO HUMANA

Os rios que eu encontro vão seguindo comigo.

Rios são de água pouca, em que a água sempre está por um fio.

Cortados no verão que faz secar todos os rios.

Rios todos com nome e que abraço como a amigos.

Uns com nome de gente, outros com nome de bicho,

uns com nome de santo, muitos só com apelido.

Mas todos como a gente que por aqui tenho visto (...).

(João Cabral de Melo Neto)

3.1. O surgimento das chamadas Unidades de Conservação no contexto da cultura

ocidental

A partir das últimas décadas do século XIX e no decorrer do século XX, um

conjunto de concepções sobre a natureza passaram a ser operadas na prática. Nesse momento,

as representações sobre a natureza ganharam um significado que colocava em uso o sentido

ecológico do mundo natural (OLIVEIRA, 2004, p. 109).

O homem europeu ocidental concebe a natureza no sentido de que a mesma

não é mais apenas depositária de recursos econômicos ou destinada a consumo estético ou terapêutico sob a forma de paisagem, mas é detentora de um novo atributo: a “fragilidade”, a vulnerabilidade”. Torna-se um espaço culturalmente definido, cuja durabilidade é preciso garantir (OLIVEIRA, 2004, p. 110).

A natureza vai sendo normatizada, através de decretos e leis públicas nos Estados

Unidos e em alguns países europeus, como a Inglaterra, França e Holanda. Através de outros

termos, como, principalmente, meio ambiente, a natureza, no decorrer das primeiras décadas

do século XX, é pensada atrelada à idéia de uso, preservação e defesa dos recursos.

Conforme Morin (1997, p. 53-54), as representações e termos de concepção do

mundo natural constituíram-se num momento histórico do conhecimento que veio a ser

caracterizado pela formação de uma ciência da ecologia, em torno, principalmente, da noção

de ecossistema.

24

A ecologia ultrapassava a mera rigidez das disciplinas biológicas, compondo uma

série de competências, como a botânica, a geomorfologia, a zoologia, a climatologia, dentre

outras. Essas áreas do conhecimento colocavam para a ciência da ecologia uma possibilidade

de hibridismo, sujeita a interpretações múltiplas da natureza, ressignficada sob o termo meio

ambiente.

De acordo com Oliveira (2004, p. 110), a visão que se fazia do meio natural, no

século XIX, era da concepção de espaços que o homem deveria preservar e que estavam

sendo degradados. Essa nova relação com a natureza provinha de problemas oriundos das

conseqüências do acelerado processo de difusão da civilização industrial urbana,

principalmente, na Europa ocidental.

A Segunda Revolução Industrial, no século XIX, alargou sua esfera de ação da

Europa para outras áreas, caso dos Estados Unidos e deliberadamente promoveu

transformações na percepção de uso dos espaços. Com o aumento gradativo das cidades,

alargamento do sistema ferroviário, construção de grandes projetos, como hidrelétricas,

indústrias de uso e manipulação de aço e aumento da distribuição de energia elétrica,

principalmente, em países da Europa e nos Estados Unidos, cresceram problemas

relacionados à utilização e conservação do meio natural, tanto nas cidades, como nas áreas

rurais.

Paralelamente a essas situações, Morin (1997) indica que, no campo do saber, a

ciência da ecologia passou a adotar uma perspectiva de análise dos processos antropossociais,

pois as mudanças no meio natural não deixavam de estar relacionadas às ações dos homens.

A partir de então, o problema ecológico não se limitava a diferentes ecossistemas

separados, mas tinha implicações em toda biosfera e no conjunto da humanidade (MORIN,

1997, p. 57).

25

A ciência da ecologia possibilitou que se pensassem as relações humanas com a

natureza, considerando-as como um elemento vital para a reprodução social da sociedade.

Assim, pensar a natureza a partir de seus elementos ecológicos, com comprometimento de

preservá-los, tornou possível concebê-la como um espaço de intervenção para uso e

conservação. Segundo Oliveira (2004, p. 110), iniciava-se uma concepção de uso do meio

natural a partir de uma “gestão ambiental”.

O sentido da gestão ambiental estava alicerçado na consolidação de normatizações

que subsidiassem o controle do que vinha sendo formalizado como meio ambiente, com o

intuito da preservação dos recursos naturais e, conseqüentemente, a manutenção dos mesmos

para uso da sociedade. Novas relações, representações e formas de apropriação são

reinventadas sob um discurso de proteção ao chamado meio ambiente.

Dentro dessa nova perspectiva de concepção da natureza, entre as nações

ocidentais dominantes (Inglaterra e Estados Unidos, principalmente), começaram a ser

inventados lugares especiais e delimitados espaços que garantissem a conservação dos

recursos naturais e a preservação de espécies animais e vegetais. Surgiam, então, as chamadas

Unidades de Conservação16 e com elas novas maneiras de se conceber o meio natural e

inventá-lo a partir de formas de pensamento coexistentes e que conflitavam pela legitimidade

de afirmar qual modelo devia ser concretizado.

O marco histórico do estabelecimento de áreas destinadas à preservação dos

recursos naturais, de forma sistemática, com dimensões territoriais maiores e implicações das

normatizações políticas foi a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados

Unidos, em 1872 (BRITO, 2003, pp. 19-20). O conceito de parque nacional constituiu-se,

16 Brito (2003) ressalta que, anterior à criação das chamadas Unidades de Conservação, em fins do século XIX, já tinham existido, na história humana, locais destinados à preservação de espécies vegetais. Na Antiguidade, civilizações como da Mesopotâmia Babilônia e Egito, tinham áreas reservadas, como jardins e alamedas, destinadas a serem espaços de cultivo estético.

26

nesse momento, como uma área natural, selvagem e que era designada por wilderness – vida

natural/selvagem (DIEGUES, 1996).

O propósito da formação dos parques nacionais foi resultado de idéias

preservacionistas que se tornavam importantes nos Estados Unidos, naquele momento.

Segundo Diegues (1996), o movimento de criação dessas “áreas protegidas” tinha como

fundamentação as formulações teóricas de autores como Henry David Thoreau e John Muir.

Para esses autores, as áreas dos parques nacionais eram vistas como áreas

“virgens”, que não deviam ser habitadas por grupos humanos e que deviam permanecer

intocadas, tais como originalmente foram criadas pela ação divina (BRITO, 2003). Diegues

(1996) ressalta que as idéias desses teóricos preservacionistas vinham reafirmar o mito do

paraíso terrestre ou da natureza intocada, recriando um novo mito, o que este autor chama de

neomito – as áreas selvagens que não haviam sofrido a ação dos homens.

Contrário às idéias preservacionistas, Diegues ressalta a ocorrência dos chamados

conservacionistas que acreditavam que a conservação deveria ser construída a partir de três

princípios: “o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção de desperdícios;

e o uso dos recursos naturais para beneficio da maioria dos cidadãos (DIEGUES; 1996, p.

29). Dentre os teóricos do preservacionismo destacou-se Gifford Pinchot, que foi um dos

precursores do movimento contra o “desenvolvimento a qualquer custo”

Brito (2003; p. 22) enfatiza que mesmo perante às diferenças conceituais entre

preservacionistas e conservacionistas, estas concepções pensavam a relação ser

humano/natureza, ainda, reforçadas na idéia comum da conservação da biodiversidade e da

não interferência do homem no chamado meio ambiente.

A adoção da criação de unidades de conservação vai se difundir por outras nações,

paulatinamente, nos fins do século XIX e decorrer do século XX. Importada dos Estados

Unidos, a mesma ideologia de proteção de grandes áreas naturais de beleza cênica para

27

usufruto de visitantes de fora da área difundiu-se em vários países e criaram-se os primeiros

parques nacionais no Canadá (1885), Nova Zelândia (1894), África do Sul (1898) e Austrália

(1898).

A criação de parques nacionais e reservas florestais em diversos países acabou

revertendo na prática a ideologia do wilderness – área natural/selvagem. Em muitos casos, as

medidas de implementação dessas áreas em países da América Latina, como Brasil e México,

ou da África e Ásia não levaram em consideração as adaptações das normatizações dos

parques à realidade local.

Devido a isso, um dos maiores problemas que Diegues (1996) afirma que surgiu

foi a expulsão de grupos indígenas e pescadores de suas áreas de origens para a implantação

dos parques e reservas. A idéia de área natural/selvagem acabou justificando o contexto

histórico de expulsão de vários grupos nativos.

Diegues (1996, p. 27) afirma que ocorreram inúmeras expulsões de grupos

indígenas nos Estados Unidos. Este é o caso do primeiro parque nacional do mundo, o de

Yellowstone, com a retirada dos índios Crow, Blackfeet e Shoshone-Bannock.

A reprodução dessa situação em outras realidades, tanto nos Estados Unidos, como

em outras nações, acabou gerando fortes contestações por parte de movimentos sociais, nas

décadas de 1960 e 1970. As organizações chamavam atenção para um problema: como

promover a criação de parques e reservas florestais em áreas já habitadas por grupos

humanos, sem interferir nos seus modos de vida?

Um dos espaços para se discutir esta questão foi a realização de congressos e/ou

assembléias destinadas à avaliação, monitoramento e orientação das áreas criadas em muitos

países. Nesses encontros, paulatinamente, começaram a surgir deliberações que colocavam

em ênfase as implicações dos conflitos com grupos humanos na criação de parques e reservas

florestais.

28

A partir de levantamento feito por Brito (2003), recomponho, sinteticamente,

abaixo os principais encontros com as principais deliberações feitas em relação à presença de

grupos humanos em áreas destinadas à preservação permanente.

• I Conferência Mundial sobre Parques Nacionais – Seattle-Estados Unidos (1962): Pela

primeira vez algumas atividades podiam ser permitidas em pequenas áreas dos

parques, mas não de forma permanente. Essas atividades seriam: direito de habitação,

de agricultura, de pecuária, de prospecção e de caça;

• 11º Assembléia Geral da UICN – Bauff-Canadá (1972): Reconhecimento de que

comunidades humanas com características culturais específicas faziam parte dos

ecossistemas dos parques;

• 12ª Assembléia Geral do UICN – Zaire (1975): Reconhecimento dos direitos das

comunidades indígenas no estabelecimento de áreas naturais protegidas;

• III Congresso Mundial de Parques – Bali-Indonésia (1982): Foram reafirmados os

direitos das comunidades com características culturais específicas; estabelecimento de

recomendações para o exercício do manejo dessas áreas em conjunto com seus

habitantes;

• IV Congresso Mundial de Parques – Caracas-Venezuela (1992): Ratificação de que

sejam respeitados os direitos dos povos indígenas sobre suas terras, mesmo que os

governos as tenham designadas como parques nacionais.

Na América Latina, as primeiras unidades de conservação surgiram no México,

através de reservas florestais, em 1894. No Brasil, em 1937, criou-se o primeiro parque

nacional, o de Itatiaia, com incentivos para a pesquisa cientifica e lazer para moradores de

fora, principalmente, os que moravam nos centros urbanos.

Mesmo antes do estabelecimento do parque de Itatiaia, Diegues (1996, p. 113)

afirma que houve incentivos para a criação de parques nacionais no Brasil, caso das propostas

29

de André Rebouças, que em 1879, propôs, pela primeira vez, a criação de parques nacionais

no Brasil. E um dos problemas que surgiram com a criação de parques nacionais no Brasil, tal

como em outras nações, foi a presença de grupos humanos nas áreas pretendidas, que segundo

Diegues (1996) só vieram a ser solucionados paulatinamente entre as décadas de 1980 e 1990.

Assim, somente, no contexto de elaboração do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação (SNUC), a partir de 1992, é que foi dada a devida atenção à presença de

agrupamentos humanos em áreas destinadas a se tornarem parques ou reservas florestais.

Através do SNUC, as Unidades de Conservação de Uso Sustentável17 admitiam a presença

humana em casos excepcionais e sob várias restrições ao uso dos ecossistemas, caso das

Áreas de Proteção Ambiental e das Florestas Nacionais. Entretanto, Diegues (1996, p. 123)

ressalta que em situações como da Estação Ecológica da Juréia (uma Unidade de Conservação

de Uso Integral que na legislação não admite grupos humanos), localizada no estado de São

Paulo e com a presença de várias famílias, não houve a expulsão das mesmas de suas área de

ocupação.

Não obstante outras unidades de conservação admitir a presença humana, a grande

inovação da legislação ambiental no Brasil, no sentido de terem os grupos humanos como

participantes da criação de unidades de conservação, veio com a proposta das chamadas

reservas extrativistas, através das lutas dos seringueiros do Acre, em fins da década de 1980.

17 Sobre as Unidades de Conservação de Uso Sustentável vide nota 04.

30

4 – O POVOADO DO TAIM

Como aceitara ir no meu destino de mar, preferi essa estrada,

para lá chegar, que dizem da ribeira e à costa vai dar,

que deste mar de cinza vai a um mar de mar; preferi essa estrada

de muito dobrar, estrada bem segura que não tem errar

pois é a que toda a gente costuma tomar

(na gente que regressa sente-se cheiro de mar).

(João Cabral de Melo Neto)

4.1. Localização

Com o objetivo de investigar como surgiu a proposta de criação da Reserva

Extrativista do Taim, acabei optando por conhecer um dos povoados que irão fazer parte da

mesma. Por razões já explicitadas em “Percurso metodológico”, decidi escolher o povoado do

Taim. Como em um quebra-cabeça, fui colando as peças – as fontes colhidas – de forma que

as mesmas constituem os principais subsídios usados para ilustrar neste tópico uma relativa

noção de como é a vida dos moradores desse povoado, sua história de ocupação e como são

mantidas relações com outros povoados.

O povoado do Taim está localizado na porção sudoeste da Ilha de São Luís,

ficando a cerca de 32 km de distância do centro da cidade de São Luís. De acordo com a

Superintendência de Cadastro Municipal, órgão responsável pelo cadastramento dos imóveis

de bairros e localidades na Ilha de São Luís18, o povoado do Taim está situado na

nomenclatura: Distrito 37, Setor 16, Zona Rural.

Investigando se há imóveis referentes ao Taim, descobri, somente, um imóvel

desse povoado registrado nessa Superintendência, que diz respeito à União de Moradores do

Taim. É interessante que esta União de Moradores está regularizada como pertencente ao

bairro Porto Grande, sendo o Taim categorizado pela Superintendência como um

complemento desse bairro.

18 A Superintendência de Cadastro Municipal é vinculada à SEMTHURB (Secretaria Municipal de Terras, Habitação, Urbanismo e Fiscalização Urbana) do município de São Luís.

31

Para chegar ao Taim, podem-se adotar três vias de acesso: a BR-135 nos dois

sentidos (Porto do Itaqui-Vila Maranhão e Pedrinhas-Vila Maranhão) ou pela localidade

Maracanã19. A via mais utilizada durante a pesquisa foi a da BR-135 no sentido Porto do

Itaqui-Vila Maranhão.

Deslocando-se do centro de São Luís, no sentido Porto do Itaqui-Vila Maranhão,

através de carro, gasta-se aproximadamente 25 a 30 minutos. Existe uma linha de transporte

público denominada “Porto Grande”, a única que entra no povoado. Porém, há grande

dificuldade de utilização do mesmo, pois os horários do ônibus são de intervalos longos,

situação que presenciei algumas vezes.

Chegando à entrada do Porto do Itaqui, a trajetória para chegar ao povoado do

Taim é a seguinte: segue-se a rotatória no sentido contrário da entrada do porto em direção à

Vila Maranhão pela BR-135. Antes de chegar à Vila Maranhão, passa-se por instalações da

Ferrovia Carajás, da Companhia Vale do Rio Doce e pelos povoados São Benedito e Vila

Madureira que ficam à margem da BR-135. Chegando à Vila Maranhão, o deslocamento é

feito por uma estrada à direita ao lado de um posto de combustíveis chamado Posto Bacanga.

Seguindo essa estrada em direção retilínea, que é cortada, logo no início, pela

ferrovia Carajás, desloca-se por aproximadamente 10 minutos até deparar-se com o único

cajueiro no lado esquerdo da mesma, onde é encontrada uma placa escrita “TAIM”, indicando

a direção através de uma seta. A partir disso, desloca-se por uma estrada de terra, por cerca

de, aproximadamente, 400 metros, até chegar ao início do povoado20.

Os limites do Taim são os seguintes: ao norte com manguezais; ao sul com o

povoado Rio dos Cachorros; ao leste com o povoado Limoeiro e a oeste com manguezais. O

19 Existe logo na chegada à Vila Maranhão, no sentido Porto do Itaqui-Vila Maranhão, BR-135, uma rua que se birfuca em duas outras (uma de asfalto e outra de terra) ligando esta localidade ao Maracanã. 20 Sem essa informação da placa no cajueiro, eu só conseguiria chegar ao Taim com a presença de alguém que já conhecia o trajeto do mesmo. Como na primeira vez que fui ao Taim não fui com ninguém que o conhecia, tive que realizar o trajeto, somente, seguindo indicações outrora informadas por um dos moradores contactado.

32

povoado é circundado, em boa parte, por cursos d´água, como o igarapé21 Limoeiro, a leste, o

igarapé Piquizeiro, que fica a sudeste, os igarapés Pitiuaçu e Tanque, que ficam no sudoeste e

o Rio dos Cachorros, que atravessa o Taim e é visível através de seu pequeno porto (PDA

Taim, 2002).

O perímetro da área do Taim é de 4.163,15 metros (PDA Taim, 2002). Este

povoado possui uma área total de 86,73 hectares, informação que se iguala às informações de

três fontes: o PDA Taim (2002) com os dados contidos no levantamento fundiário

(IBAMA/CNPT – MA, 2007a) e aos relatos conseguidos através de Beto.

O PDA Taim (2002) registra que existem 72 famílias residentes, sem mencionar a

quantidade de casas. Em conversa informal com Beto, o mesmo declarou-me que existem,

aproximadamente, 500 pessoas, mas que falta um melhor mapeamento dessa realidade22.

Além disso, mais recentemente, entrei em contato com Dona Rosana23, moradora do povoado

e uma das lideranças, e a mesma informou-me que existem, atualmente, aproximadamente, 90

casas e 80 famílias presentes no Taim.

As formas de ocupação e de aquisição das terras do Taim apresentam versões bem

específicas quando se busca relacioná-las. Confrontando as informações de levantamento

fundiário do IBAMA/CNPT – MA (2007a) para fins de criação da Resex do Taim com o

relatório da Reunião de Trabalho da Gerência de Estado de Desenvolvimento da Indústria,

Comércio e Turismo (2003), constatei que aquele reflete, sinteticamente, as informações do

referido relatório sobre a forma de aquisição das terras do povoado.

As terras do Taim constituem áreas contidas no que o referido relatório designa

como “gleba Itaqui-Bacanga” (Gleba A)24. Esta gleba foi cedida pelo Patrimônio da União ao

Estado do Maranhão, com vistas à intenção de criação do Distrito Industrial de São Luís –

21 Igarapé, para os moradores do Taim, corresponde a uma entrada do mar pelo continente, em forma de rio, sendo, portanto de água salgada. 22 Entrevista realizada em 17/09/2006. 23 Entrevista realizada em 02/08/2007. 24 Existe ainda a Gleba B referente a “Tibiri-Pedrinhas”.

33

DISAL. Esta gleba é referida, sob regime de aforamento, conforme mencionado no artigo

compilado abaixo:

Art. 1º - Fica o serviço do Patrimônio da União autorizado a ceder sob regime de aforamento ao Estado do Maranhão, independentemente do pagamento do valor do domínio útil, os terrenos designados por “Gleba A”, com 243.967,898 m² (duzentos e quarenta e três milhões, novecentos e sessenta e sete mil, oitocentos e noventa e oito metros quadrados) (...) (Decreto Federal nº 66.227, de 18 de fevereiro de 1970 e nº 78.129, de 24 de julho de 1976)25.

Essa concessão da gleba “Itaqui-Bacanga”, na verdade, fazia parte das ações

empreendidas no âmbito do Projeto Grande Carajás (PGC)26. No ano de 1977, muitas famílias

dessa área citada, começaram a ser removidas e proibidas de reformarem e construírem novas

casas, sendo expropriadas para a construção do terminal ferroviário Carajás-Itaqui27 (PAULA

ANDRADE, 1981).

No ano de 2000, a concessão da gleba “Itaqui-Bacanga” feita pela União ao Estado

do Maranhão, sofreu um processo de reversão, retornando ao domínio do Governo Federal.

Isso motivou um novo processo, por parte do governo estadual, em requerer de volta o

domínio útil dessa gleba (RELATÓRIO, 2003). Assim, no ano de 2001, a Gerência de

Planejamento e Desenvolvimento Econômico, à época, solicitou à Secretaria do Patrimônio da

União, o seguinte:

Realização de nova cessão sob regime de aforamento gratuito para o Estado do Maranhão, denominada gleba Sul da Ilha de São Luís, com área aproximadamente igual a somatória das áreas das Glebas Itaqui-Bacanga e Tibiri-Pedrinhas (ATA REUNIÃO DE TRABALHO apud RELATÓRIO, 2003).

25 Segundo o levantamento fundiário feito pelo IBAMA/CNPT-MA, estes decretos estão matriculados no Registro de Imóveis do 2º Ofício sob o nº 1.184, R-01, no livro 2-C, fls. 227, datado de 21.07.77;- Constituição de Condomínio. 26 Para alguns detalhes sobre o Projeto Grande Carajás (PGC) ver neste trabalho subtítulo “No limite: Os impactos dos grandes projetos industriais na Ilha de São Luís”. 27 Este terminal é uma das instalações previstas pelo Programa Grande Carajás (PGC) e integra a Ferrovia citada que se estende desde a Serra dos Carajás, no estado do Pará até o Porto do Itaqui, em São Luís, no Maranhão (MENDONÇA, 2006).

34

Foi, assim, que, no intervalo entre a perda do domínio útil da gleba “Itaqui-

Bacanga” e de sua reversão ao Estado do Maranhão, o povoado do Taim foi regularizado

como assentamento, através de trabalho feito pelo ITERMA28. De acordo com Beto, o Taim

foi considerado pelo Governo do Estado como uma das

ocupações irregulares dos últimos quarenta anos, e ai ele [o Estado] dava um marco que era o período do decreto, o decreto é de 70, dos anos 70, 77, então ele dava isso o marco, ou seja, (...) depois que passou para o Estado. (Entrevista concedida em 24/03/2007).

A situação de ocupação irregular vem, segundo Beto, categorizar como o estado

do Maranhão reconhece e torna visível o povoado, contrariando a outra versão da ocupação

ancestral construída na memória dos atuais moradores.

4.2. Histórico

Segundo informações tanto de Beto quanto do senhor Zé Reinaldo29, a gênese da

ocupação do Taim remonta ao século XIX. Eles declaram que, atualmente, estão na 6ª e 5ª

geração, respectivamente, de moradores que nasceram no Taim.

Para essas lideranças, a ocupação do povoado foi muito antes da formalização dos

decretos de 1970 e 1976 referentes à dominação da gleba “Itaqui-Bacanga”, situação em que

não se reconhecem como ocupantes irregulares, mas como integrantes de um grupo secular

que ocupou aquela área.

Quando remetem aos avôs e bisavôs, recordam que os mesmo moravam na área e

que se, atualmente, estivessem vivos, estariam com mais de cem anos. Confirmam, assim, que

de todas as áreas ocupadas na região sudoeste da Ilha, o Taim é somente mais novo que a Vila

Maranhão, ocupação que data do século XVIII (OTONI, 2006). O senhor Zé Reinaldo vai

28 De acordo com o PDA Taim (2002), o Taim passou oficialmente à categoria de assentamento a partir de 27/09/1997, depois que o Governo do Estado classificou-o como Área de Assentamento, através da regularização feita pelo ITERMA. 29 O senhor José Reinaldo Moraes Ramos, mais conhecido como Zé Reinaldo, é um dos moradores mais antigos do povoado e é o atual vice-presidente da União dos Moradores do Taim. Entrevista concedida por ele em 02/08/2007.

35

além do Taim, quando afirma que este povoado tem “(...) 200 anos, que logo após a Vila

Maranhão é uma das comunidades mais antigas”.

Há dois momentos de ocupação do povoado manifestados através da memória

desses informantes. O primeiro é vinculado à existência de negros escravos africanos

reconhecidos como taino que habitaram e permaneceram temporariamente na região do atual

Taim. O período de permanência desses grupos é vinculado à existência de construções

antepassadas que, segundo Beto, são “(...) alicerces numa área que nunca se identificou o que

é que seria mesmo aquilo, [se] era uma construção para moradia, [ou] era um labirinto para

alguma coisa (...)30”.

Segundo o senhor Zé Reinaldo, as ruínas das construções que remontam ao

período ainda colonial estão localizadas próximo ao igarapé chamado Tanque, que deságua

no Rio dos Cachorros. Tais construções seriam utilizadas para a moradia de pessoas como,

possivelmente, antigos casarões ou locais onde os negros permaneciam alojados, ou também

são rememorados como uma espécie de cais para carga e descarga de mercadorias.31

As atuais ruínas são alicerces, conforme Beto, dispostos no formato retangular e,

atualmente, têm cerca de 50 centímetros acima do solo, cobertos por vegetação e estão

visualizados na imagem abaixo.

30 Entrevista concedida em 24/03/2007. 31 Nos relatos, nem Beto, nem o senhor Zé Reinaldo, souberam identificar se eram casarões ou locais destinados à permanência dos negros para o trabalho escravo no local. E não houve nas entrevistas nenhuma confirmação da precedência das mercadorias citadas por eles.

36

Ilustração 1: Ruínas no povoado do Taim

Estes alicerces concretizam o que vem a ser um símbolo de ocupação ancestral

desses moradores do Taim32, indo de encontro à categorização que o Estado afirma como de

ocupações irregulares de períodos mais recentes. Os chamados “tainos”, recorrentes na

memória de Beto e do seu Zé Reinaldo, teriam construído a base da mistura de pedra, argila e

óleo de mamona.

O segundo momento de ocupação é remetido para uma 2ª geração de descendentes

dos primeiros grupos de negros escravos. O Taim não era reconhecido como Taim, mas com a

denominação Laranjal, devido à existência de grandes quantidades de laranjeiras que

32 Não é minha intenção ampliar a discussão da presença desses alicerces como sociogênese de um possível local de negros escravizados ou fugidos ou que permaneceram no local citado depois de libertos. Além de que as informações coletadas não conseguiram ir além das que elaboro no texto.

37

existiram na região no século XIX, e repovoado, conforme o senhor Zé Reinaldo, a partir da

vinda de pescadores e pequenos agricultores do sul da região de Alcântara.

A partir desse momento, foi que o atual nome – Taim – ficou registrado na

memória dos moradores, por reconhecimento do primeiro povoamento, numa junção do nome

taino, designação recorrente ao grupo de negros que habitaram a área do povoado em épocas

da escravatura e da expressão ita, referente ao tipo de pedra que foi bastante utilizada para

erguer as construções referidas anteriormente.

4.3. Relação com outros povoados

Importa, também, resgatar que o Taim, historicamente, nunca esteve isolado e que

mantinha relações com grupos de povoados próximos ou mesmo com pontos localizados no

centro de São Luís e que estão a longas distâncias. Isso é denunciado nas formas de trocas

econômicas características dos segmentos camponeses (WOLF, 1976) ou em referência à

realização dos rituais festivos, que surgem da memória de seus moradores.

Então, vejamos: nos anos 1960 e 1970, a ligação com a cidade se dava através de

vias de passagens de pessoas formados cotidianamente a pé pelo Gapara, região próxima.

Desse local, conseguia-se uma canoa, e atravessando o rio Anil, chegava-se ao Cavaco, atual

Bairro de Fátima para a troca e venda de alimentos.

Para o contato com o Maracanã, podia-se ir através de canoas ou pelas estradas

que eram abertas manualmente, fazendo a comercialização de carvão, produzido tanto neste

local, quanto no Taim. Além disso, concentravam-se no Maracanã, estoques de carvão que,

posteriormente, podiam ser vendidos por moradores do Taim naquele local ou transportados

de um local para outro. Os momentos de maior dificuldade eram concretizados na relação de

mercado, por se dar a volta pela Baía de São Marcos até chegar à Praia Grande, com a venda

de frutas, como manga, jaca, banana, juçara.

38

Outro produto comercializado era o camarão. Este produto era comercializado na

cidade, passando pelos caminhos de trajeto dos moradores, ora pelo Gapara, ora pelo

Maracanã. A farinha, também não é esquecida. Usada, principalmente, para efeitos de troca

por algum produto que não se tinha no povoado ou mesmo por pescado.

Essa relação de troca é realizada ainda hoje, e é descrita como resultado de um

contato com outros povoados mais distantes, casos citados de Carnaúba, Pindotiua e

Paquatiua, e que se localizam no continente, no lado oposto à Ilha dos Caranguejos33. Em

outra situação, no caso do bairro Cajueiro, próximo ao Taim, Mendonça (2006) mostrou como

alguns moradores daquele bairro mantêm desde há, aproximadamente, cinqüenta anos,

relações de trocas e vendas de mercadorias com outros bairros de São Luís e outros

municípios do interior do Maranhão.

Em relação às festividades, é realizada a festa de São Benedito, há cerca de oitenta

anos, sempre no período da Semana Santa, geralmente no mês de abril de cada ano. Na sua

realização, buscam em Porto Grande e Madureira, povoados próximos, a ajuda de recursos na

preparação dos alimentos. As festas com as chamadas radiolas de reggae34 e as serestas35 são

realizadas após negociação com grupos de fora do povoado.

A festa de São Benedito é compartilhada por grande número de pessoas vindas de

povoados próximos, da Vila Maranhão, Vila Embratel, Anjo da Guarda e adjacências. Em

33 A Ilha dos Caranguejos é uma Área de Proteção Ambiental (APA), sob gestão do Estado do Maranhão, com uma extensão de 1.775,040 ha e fica localizada próximo ao Porto do Itaqui. Essa Ilha fica entre a Ilha de São Luís e a porção ocidental continental do Maranhão, no meio da Baia de São Marcos. Apresenta grande quantidade de manguezais e não há presença de pessoas residentes na Ilha, sendo utilizada periodicamente como local para pesca e extração de caranguejos. Dados extraídos do site www.socioambiental.org em 08/09/2007. 34 O reggae constitui-se em um gênero musical de origem jamaicana, que de acordo com o antropólogo Carlos Benedito da Silva foi “adotado como expressão cultural por amplo segmento da juventude negra, [no Maranhão] (1995, p. 12). Desde meados da década de 70, o reggae proliferou tanto pela capital do Maranhão, como por outros municípios, sendo um movimento característico das camadas mais pobres e localizado, em princípio, cultural e geograficamente, na periferia. As chamadas radiolas são grandes caixas amplificadoras que são montadas a fim de aumentar a potência do som. A grande atração das radiolas são os animadores, chamados DJs, que anunciam as musicas ou cantam um trecho durante a execução das faixas selecionadas. Ver maiores detalhes sobre as radiolas ou o próprio reggae em SILVA (1995). 35 Segundo o senhor Zé Reinaldo, a seresta pode ser organizada no momento de alguma festividade do povoado, como na Festa de São Benedito e corresponde ao um encontro de pessoas do povoado e outras vindas de povoados e bairros próximos. É um momento de sociabilidade com a presença de uma banda ou apenas caixas de som.

39

momentos de outros rituais, a ligação do Taim com outros povoados extrapola as suas

proximidades. Em caso das festividades do Bumba-meu-boi, é feito referência à ida dos

brincantes36 do Boi de Maracanã ao Taim, para a organização da chamada morte do boi e para

a realização do chamado café do boi, na passagem do segundo sábado para o domingo

subseqüente do mês de agosto.

A chamada morte do boi simboliza o encerramento do ciclo anual de festividades

do Bumba meu Boi. No caso do Boi de Maracanã, o mesmo desloca-se até o Taim na

passagem do segundo sábado para o domingo subseqüente do mês de agosto, para em seguida

dirigir-se ao Maracanã, fechando o ritual. Segundo Prado (2006), é através da morte do boi

que se afirma a união do grupo, congregando o final do ciclo. Já o café do boi acontece,

conforme o senhor Zé Reinaldo, há 20 anos, no Taim, e corresponde a uma ajuda mútua de

moradores do Taim, do Maracanã e de povoados próximos para realizar a alimentação dos

chamados brincantes do boi de Maracanã antes dos mesmos seguirem para a chamada morte

do Boi.

Na morte do Boi de Maracanã e no chamado café do boi constitui-se uma forma de

sociabilidade em que os seus integrantes dançam, os responsáveis pelos instrumentos realizam

suas execuções e há distribuição de alimentos como camarão, café, bolos e bebidas, que por

sua vez são conseguidos coletivamente. Em ocasião de outro ritual, como na realização de

alguma comemoração no povoado, como no caso do dia dos pais37, o senhor Zé Reinaldo

relatou-me sobre a presença do terecô38 de Igaraú, povoado que fica ao sul do Taim.

36 Brincante é uma categoria êmica referente aos participantes de festividades populares. No caso do Bumba-meu-Boi, o brincante, em boa parte das festividades, é um homem, geralmente, morador da localidade que nomeia o Boi, vivendo do trabalho da roça e que se situa mais baixo na hierarquia social do grupo. No Boi, um dos nomes que grupos de brincantes recebem é rapaziada, denotando a presença maior de homens e o caráter de masculinidade do grupo. Informações colhidas em PRADO (2006). 37 De acordo com o senhor Zé Reinaldo, os moradores do Taim, a cada ano, realizam comemorações em datas que consideram especiais, como dia das mães (maio) e dia dos pais (agosto). 38 Na entrevista com o senhor Zé Reinaldo, o mesmo informa que o terecô, que é uma vertente da religiosidade afro-brasileira característica, principalmente, de municípios do interior do Maranhão, como Codó, é realizado pelos moradores de Igaraú, misturando a batida da caixa do Divino, que são instrumentos vitais do culto ao Divino Espírito Santo (ritual do catolicismo popular maranhense), com ritmo do tambor de mina, que diz

40

Apesar de fragmentadas (ressalto isso, pois falta uma investigação mais apurada

dessas relações entre o Taim e outros povoados e locais da Ilha de São Luís), as informações

anteriores, demonstram formas bem específicas de vida dos moradores do Taim. As formas de

relações sociais denunciam a configuração de um estreito intercâmbio de recursos, de trocas

de solidariedades e ajuda na realização dos rituais.

O intercâmbio de recursos mostra, pelo menos, como os moradores do Taim

conhecem os caminhos próximos ao seu povoado, os ecossistemas e como usá-los,

confirmando uma lógica própria e específica de apropriação do ambiente.

Assim, temos o igarapé, as chamadas trilhas de mato39, os pequenos locais de

desembarque de canoas, chamados localmente de portos, que ilustram que tais grupos tem

uma percepção particular do uso do território em que vivem. Eles usam os ecossistemas e

reconhecem que os mesmos são entendidos como locais de controle de sua biodiversidade e

manejados de forma a manterem-se relativamente preservados e contribuindo para a

sobrevivência social do grupo.

Não obstante a essas passagens de circulação de pessoas, configura-se uma

circulação de produtos, que saem do povoado, movimentam-se por outros povoados, por

vezes são trocados por outros produtos que chegam para o Taim. Essa circulação e mesmo a

preparação dos rituais, caso da festa, revelam, mais detidamente, como as relações dos

moradores do Taim podem conformar uma possível rede de trocas de favores e ajuda na

manutenção de suas obrigações rituais.

Isso, no mínimo, permite afirmar que o Taim, tão bem como os outros povoados

próximos e que são previstos na constituição da referida Resex, comungam de uma

respeito à manifestação da religiosidade afro-brasileira que surgiu no Maranhão, provavelmente, com as casas das Minas Jeje e Casa de Nagô, fundadas por africanas, em meados do século XIX. Para maiores detalhes sobre o chamado terecô e o tambor de mina consultar os trabalhos de FERRETI, M. (2001) e FERRETI, Sergio Figueiredo (1996). 39 Correspondem, segundo moradores do Taim, a pequenos caminhos criados pelos eles dentro da mata entre um povoado e outro.

41

interdependência que possibilita a materialização do suprimento de suas necessidades

materiais e simbólicas. A circulação de recursos e as trocas de solidariedade contribuem para

afirmar que tais grupos ainda mantém, desde décadas passadas, certas práticas que permitem

configurá-los numa dinâmica própria de reconhecimento de seus territórios e de uso cotidiano,

e/ou em rituais de estratégias efetivas de reprodução social e simbólica. As informações

acabam desmistificando a idéia de que o povoado do Taim e as áreas próximas estão isoladas

e totalmente submetidas à lógica das áreas urbanas (MENDONÇA, 2006).

42

5 – A RESERVA EXTRATIVISTA DO TAIM

Sempre pensara em ir caminho do mar.

Para os bichos e rios nascer já é caminhar.

Eu não sei o que os rios têm de homem do mar;

sei que se sente o mesmo e exigente chamar. (João Cabral de Melo Neto)

5.1. Aspectos geográficos

A Reserva Extrativista do Taim ainda não está oficialmente criada. Ela está

prevista para se localizar na porção sudoeste da Ilha de São Luís, contando com uma área,

inicialmente, estabelecida em aproximadamente 16.663,55 hectares e perímetro de 71,21 km

(IBAMA/CNPT-MA, 2006a)40.

De acordo com informações obtidas a partir de reuniões com os analistas

ambientais do CNPT, essas dimensões da Resex já possuem a inclusão da Ilha de Tauá-Mirim

e dimensão territorial do espelho d´água41.

Além da inclusão recente da Ilha de Tauá-Mirim, esta Resex já previa a

abrangência dos povoados Cajueiro, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros, Taim e

parte territorial do bairro Vila Maranhão. A porção sudoeste da Ilha de São Luís é

caracterizada pela intensa biodiversidade e, geograficamente, está voltada para a Baía de São

Marcos, fazendo parte do Golfão Maranhense, principal acidente geográfico do litoral do

Estado do Maranhão.

40 Durante a elaboração deste trabalho monográfico, mantive contato com os analistas ambientais do IBAMA/CNPT-MA com vista a conseguir dados que mostrassem a quantidade de famílias ou indivíduos que estariam presentes na área prevista para a Resex do Taim. Porém esta informação, não pode ser colocada neste trabalho, já que os analistas não conseguiram informar-me com precisão o total de indivíduos da área da Resex. Segundo eles, falta uma pesquisa mais sistemática que vise à definição de quantos indivíduos e famílias residem na área. 41 Segundo os analistas do CNPT-MA, o espelho d’água corresponde aos limites da superfície contínua de águas. Conforme entrevista com Beto, o espelho d´água para a Resex do Taim estender-se-á até 5 km na linha d’água, partindo da área litorânea da porção sudoeste da Ilha de São Luís até quase o meio da Baía de São Marcos, bem próximo à Ilha dos Caranguejos. Ver Mapa atualizado da área da Resex do Taim.

43

Na ilustração abaixo, segue o mapa, elaborado pelos analistas do CNPT das

dimensões e limites territoriais previstos na configuração da Resex do Taim:

Ilustração 2: Mapa atualizado da Reserva Extrativista do Taim

O Golfão Maranhense forma um grande recorte litorâneo rebaixado e alagadiço

dos estuários afogados dos rios Pindaré, Mearim, Itapecuru e Munim. Possui superfície de

44

7.570 km² e é composto por oito municípios, quais sejam: Alcântara, Axixá, Bacabeira, Icatu,

Morros, Paço do Lumiar, Rosário, Raposa, São José de Ribamar e São Luís. (IBAMA/CNPT-

MA, 2006a).

A região do Golfão pertence ao grupo das 164 áreas prioritárias para a conservação

da biodiversidade nas Zonas Costeira e Marinha brasileiras, sendo considerada área de

conservação da biodiversidade de mamíferos, como o peixe-boi e espécies de peixes, como

cação-bicuda e o mero, ameaçados de extinção (IBAMA/CNPT-MA, 2006a), além da grande

presença de manguezais. Os manguezais, no estado do Maranhão, cobrem uma área de

aproximadamente 500.000 hectares, com florestas que chegam a 40 metros de altura

(IBAMA/CNPT-MA, 2004). Na Ilha de São Luís, os manguezais cobrem aproximadamente

19.000 hectares, abrigando uma quantidade expressiva de espécies animais e vegetais.

A ocorrência desse ecossistema na área prevista para a Resex é grande, com a

presença das espécies vegetais: mangue-vermelho, siriúba, mangue branco e mangue botão

(IBAMA/CNPT-MA, 2006a). Destaca-se, também, a significativa importância para quem

retira desse ecossistema recursos para a sobrevivência. E grande quantidade dos moradores

dos povoados previstos na composição dessa unidade de conservação adotam variadas formas

de uso do mangue. Utilizam-no, principalmente, para a pesca, para a extração de caranguejo,

siri e ostra (apesar de, no povoado do Taim, os casos relatados demonstrarem a diminuição da

prática da extração desses recursos) e para a coleta de seus caules com a finalidade de

construção e manutenção das casas42.

Importa destacar que na região prevista para esta resex ocorre uma grande

quantidade de cursos d’água. Conforme Beto, há um conjunto de pequenos e médios cursos

d´água que comungam para configurar um mosaico de caminhos percorridos por águas entre

os limites dos povoados e no interior deles.

42 Sobre a coleta de caules do mangue, o Laudo Sócio-Econômico e Biológico enfatiza que esta atividade é considerada ilegal, mas reconhece que os moradores dos povoados ora citados não desenvolvem tal prática de forma corriqueira (IBAMA/CNPT-MA, 2006a).

45

É ilustrativa a fala de Beto quando trata de articular como se comungam os vários

caminhos que formam igarapés, pequenos riachos e rios nessa região prevista para a

implantação da Resex:

foi contabilizado [pelo Instituto Hídrico do Estado do Maranhão] 120 nascentes nessas seis comunidades, contando do Taim, Rio dos Cachorros, até o sitio de São Benedito, (...) são pequenos riachos que confluem pro volume de água que saem por exemplo pelo rio do Arapapay que é um grande igarapé, uma mãe de rio, na verdade, pro Rio dos Cachorros que é outro grande rio na verdade pra o igarapé do Bomlusário que é o mais próximo do Itaqui, então essas 120 nascentes confluem para esses grandes igarapés, o Pitiuaçu que está totalmente aqui no Taim, faz divisa do Taim com o Porto Grande. Pitiuaçu é um grande igarapé, o igarapé do Limoeiro que está totalmente na comunidade do Limoeiro (Entrevista realizada em 24/03/2007).

Segundo a descrição de Beto, os caminhos entre os povoados são entrecortados

por meandros d´água e um conjunto de igarapés que nos levam a confirmar que esta área

configura-se como uma das regiões da Ilha de São Luís com potencial de recursos hídricos.

São lugares utilizados para pesca, de trânsito de pequenas embarcações, para as trocas de

alimentos, produtos, como vias de transporte de um povoado a outro ou de um povoado ao

continente (penetrando na Baía de São Marcos) confirmando, assim, a circulação de recursos

naturais e mercadorias.

Os cursos d´água são lugares importantes no cotidiano das pessoas que vivem

nesses locais, como os riachos e as pequenas fontes para abastecimento de água destinados ao

uso na alimentação e para consumo próprio. Esses espaços hídricos percorrem os povoados,

ao mesmo tempo que, também, cortam-nos, mantendo a existência de certas espécies vegetais

e animais que acabam sendo utilizados como recursos alimentares, tais como diversas frutas,

encontradas nos juçareiros43, buritizeiros, mangueiras, cajueiros e as chamadas caças44

encontradas nos mangues e brejos.

43 A juçara é um nome dado localmente ao açaí (Euterpe oleracea), espécie nativa de estados brasileiros, como o Amazonas, Amapá, Acre, Maranhão e Pará. 44 Categoria êmica para designar os animais que são utilizados como recursos alimentares por alguns moradores do povoado.

46

Outro ecossistema que me foi relatado e que está previsto para ser incluído na

Resex, é o que Beto designa por croa de Lanzudos, que corresponde a um banco de areia e

lama localizado no meio da Baía de São Marcos, próximo de povoados como o Taim e Porto

Grande. Neste local, muitos pescadores de povoados próximos e de bairros distantes como

Vila Nova extraem boa quantidade de sururu45 e pescam camarão.

Próxima da Ilha de São Luís, com distância de cerca de 25 km do Porto do Itaqui.

fica a Ilha dos Caranguejos46, que não é habitada por famílias, mas que se constitui num dos

locais de pesca e retirada de madeira. Beto afirma que não só os povoados próximos ao Taim

utilizam-na, mas os municípios do lado oposto, na porção continental, como Anajatuba e

povoados ao sul do Taim, no entorno do Estreito dos Mosquitos deslocam-se para realizarem

a pesca com freqüência nessa Ilha.

Outro local bastante utilizado pelos pescadores dos povoados próximos ao Taim é

a Ilha da Boa Razão que fica na extremidade norte da Ilha de Tauá-Mirim. Conforme Beto,

naquela Ilha, ocorre a presença constante dos chamados ranchos, que são pequenas casas de

palha e madeira construídas para passagens temporárias dos pescadores para realizarem,

principalmente, a pesca do camarão.

5.2. Situação sócio-econômica: Interpretação

Saindo do plano mais geográfico que configura a Resex do Taim e me

direcionando para as condições sócio-econômicas dos povoados que fazem parte dessa

unidade, salientarei como está disposta a caracterização sócio-econômica da área prevista para

a Resex contida em sua principal fonte, o Laudo Sócio-econômico, elaborado pelos analistas

ambientais do IBAMA/CNPT-MA.

45 Espécie de molusco em pequenas conchas que fica incrustado em camadas de areia e lama. 46 Informações sobre a Ilha dos Caranguejos vide nota 33.

47

O tópico sócio-econômico não é bastante explorado no laudo, ficando muito

aquém de um entendimento mais claro a respeito das condições sociais de vida dos moradores

dos locais destinados à composição da Resex. Em reuniões com os analistas ambientais do

CNPT, os mesmos reconheceram que falta um maior esclarecimento sobre as condições

sócio-históricas e culturais de construção das relações entre a reprodução social e cultural dos

grupos humanos e o uso e controle relativamente equilibrado dos recursos naturais.

O que foi destacado no Laudo Sócio-Econômico espelha muito mais amostragens

do que um panorama mais detalhado dos modos de vida das coletividades que vivem nos

povoados previstos na Resex 47.

O Laudo Sócio-Econômico (IBAMA/CNPT-MA, 2007b) está disposto com os

seguintes conteúdos:

• Modo de vida;

• Atividades extrativistas e Agricultura familiar;

• Extração mineral;

• Relação entre idade, escolaridade e nível de renda mensal;

• Segurança alimentar e Sistema de Produção;

• Infra-estrutura;

• Organização Social;

• Cultura

Dessa forma, a parte sócio-econômica presente no laudo vem tratando da

composição etária, de gênero, da escolaridade e de renda mensal (Modo de vida; Relação

entre idade, escolaridade e nível de renda mensal), das atividades desempenhadas

(Atividades extrativistas e agricultura familiar; Extração mineral; Segurança alimentar e

47 Sobre a revisão do Laudo Sócio-econômico no ano de 2007 vide nota 09.

48

Sistema de produção), das condições de moradia, de transporte, das habitações (Infra-

estrutura) e das práticas sociais e culturais (Organização social; Cultura) encontradas nos

povoados consultados para previsão de inclusão na Resex48. Como forma de simplesmente

não reproduzir os dados já elaborados no Laudo, e que estão passando por modificações em

sua redação, pincelarei comentários sobre os conteúdos dos itens que me chamaram atenção.

No item Modo de vida, as categorias apresentadas estão dispostas através de uma

classificação ocupacional dos moradores. Aparecem as seguintes: estudantes (26%), donas de

casa (15%), pescadores (11%), mineradores de areia e pedra (9%), lavradores (6%),

aposentados (4%), desempregados (4%), extratores de lenha (1%). É citada a categoria

outras ocupações, que foi relacionada às pessoas que fazem trabalhos diferentes dos citados,

que vendem produtos e alimentos, e que estão ligadas a trabalhos temporários no setor de

construção civil nas indústrias siderúrgicas próximas.

Interessa notar que as atividades designadas não explicitam outras que porventura

são realizadas em casos bem específicos. Situações como dos jovens estudantes que exercem,

ao mesmo tempo, tarefas de pesca e na roça, e que não são contabilizados como atividades,

pois os mesmos não se auto denominam pescadores, lavradores ou quaisquer outras

categorias nativas. O conteúdo que vem informar sobre a participação de jovens em mais de

uma atividade, somente, aparece no item Relação entre idade, escolaridade e nível de

renda mensal. Devido a isso, falta no Laudo um detalhamento de como e do porque certos

moradores exercem uma atividade num contexto, dificultando sua categorização num só

esquema classificatório.

48 No Laudo Sócio-Econômico, tanto na versão primeira (IBAMA/CNPT-MA, 2006a), quanto na versão final (IBAMA/CNPT-MA, 2007b), há poucas informações sobre a Ilha de Tauá-Mirim, já que foi feito um levantamento sócio-econômico bastante genérico sobre as condições de vida dos moradores que vivem nos povoados dessa Ilha.

49

Em relação ao item Atividades extrativistas e Agricultura familiar, o Laudo

enfatiza que as principais atividades são o extrativismo, caso da pesca e da juçara49 e a

atividade agrícola. É interessante notar que o Laudo faz menção à pesca como principal

atividade extrativista, não citando nenhuma outra atividade que possa ser considerada como

extrativa.

Nisso, o Laudo não deixa claro se são os próprios moradores quem definem qual

tipo de atividade é extrativista, ou seja, se partem do saber nativo para definir uma ou outra

atividade como extrativista. Nesse item, é mencionado, somente, que a produção da farinha

constitui-se como principal recurso alimentar dos moradores. Outras culturas agrícolas não

são mencionadas, mas aparecem citadas em um outro item, o da Segurança alimentar e

Sistema de Produção.

Devido a essas observações, reconheço que o Laudo, no aspecto sócio-econômico,

dar-me-á pouca substância para elucidar com mais rigor como se configura a constituição

social, econômica e cultural das coletividades em questão e como a partir dessa constituição

são mantidas as relações na apropriação e conservação dos recursos naturais.

Essa crítica não pretende menosprezar o esforço de quem se lançou a elaborar o

laudo citado. É evidente que há uma iniciativa, e ela é louvável dentro das condições de

trabalho que os analistas ambientais do CNPT-MA tem disponíveis50. Mas, coloca como

desafio o fato de que os modos de vida das coletividades que vivem na área prevista para a

Resex do Taim são constituídos de relações complexas e que, de forma nenhuma, serão

totalmente conhecidas em um só trabalho técnico, como no caso do Laudo Sócio-econômico

citado.

49 Vide nota 43. 50 Acompanhei, em alguns momentos, reuniões dos analistas ambientais, percebendo as dificuldades dos mesmos em elaborar os laudos e relatórios e em deslocarem-se para trabalhos de campo por conta das dificuldades, principalmente, de natureza logística e financeira.

50

É imprescindível que em casos como este, recorra-se a um trabalho mais extenso e

rigoroso, que esclareça com mais detalhes o entendimento do modus vivendi dessas

coletividades e que sejam acrescentados às informações técnicas. Importa reconhecer que se

está lidando com expectativas e reivindicações várias que serão concretizadas com a adoção

de uma política pública, no caso das unidades de conservação, e que merecem ser enxergadas

a partir da complexidade do universo real de grupos específicos.

5.3. Gênese da Resex do Taim: A relação com processos sócio-históricos e normativos de

criação das reservas extrativistas no Brasil

Depois da caracterização geográfica e de rever como algumas características das

coletividades da área prevista para a Resex do Taim estão dispostas no laudo sócio-

econômico, descreverei de que forma constituiu-se a iniciativa de se implantar esta unidade de

conservação na Ilha de São Luís. O pedido oficial para a criação da Resex do Taim partiu de

iniciativa da União dos Moradores51 do povoado do Taim, no dia 13 de agosto de 2003.

Foi, principalmente, pela crescente mobilização de lideranças deste povoado e pela

participação destas na criação de outras resex que a proposta da Resex veio expandir-se para

os outros povoados próximos, conforme relato abaixo:

No Taim, ela teve uma conotação maior, pelo seguinte: pela minha participação no movimento dos pescadores, que já era maior que do Estado, era o Movimento Nacional dos Pescadores, e com essa participação eu tive oportunidade de tá em vários espaços (...). Eu visitei, nós visitamos (...) a [Reserva] de Frechal, (...), a do Maracanã, no Pará, (...), a de Alter do Chão, também, no Pará, uma reserva coordenada pelo CNS, o Conselho Nacional dos Seringueiros. (...). Nós tivemos daqui do Taim, eu e mais quatro pessoas envolvidas alternadamente nessas visitas, agora das outras comunidades, também teve, do Porto Grande, do Rio dos Cachorros, do Cajueiro, teve pessoas envolvidas nessas visitas, então era coisa de intercâmbio, que eram visitas (...). (Entrevista concedida por Beto em 24/03/2007).

51 A Associação da União dos Moradores do Taim foi fundada, segundo o senhor Zé Reinaldo (entrevista dia 24/03/2007), em 1987, como uma medida jurídica que os moradores adotaram para enfrentar situações de conflitos de terras no povoado, circunstância concretizada em um episódio verídico de privatização de uma área do povoado por uma pessoa, designada pelos moradores do Taim como de fora, que significa quem não nasceu e nem tem familiares no povoado.

51

Conferindo a ata da reunião de 13 de agosto de 200352, notei que dentre os tópicos

que foram discutidos na pauta, constava o anúncio do pedido oficial de criação ao IBAMA da

Reserva Extrativista e a inclusão de povoados vizinhos na área dessa Resex, com a citação a

Rio dos Cachorros, Limoeiro e Porto Grande.

Menos de um mês depois, no dia 08 de agosto de 2003, a União dos Moradores

oficializava, através de documento oficial, o pedido ao IBAMA de criação da Resex53. Extrato

do texto do oficio remetido ao IBAMA declara o seguinte pedido:

Vimos em nome dos moradores (trabalhadores rurais, pescadores e tiradores de caranguejo) da comunidade do Taim situada na Vila Maranhão em São Luís, solicitar a esta Gerência que proceda abertura do processo visando criar a Reserva Extrativista do Taim (...) na região que compreende Taim e demais comunidades do entorno (Ofício nº 15/2003. União dos Moradores do Taim).

Apesar de o pedido oficial ter ocorrido no segundo semestre de 2003, a iniciativa

pela implementação de uma reserva extrativista na Ilha de São Luís, remonta à década de

1990. Foi, mais precisamente, a partir de 1996, que, algumas lideranças dos povoados à

época, em articulação com membros de movimentos sociais, de instituições ambientalistas e

rurais e de intelectuais, começaram a fomentar um debate sobre a proposta de criação de uma

unidade de conservação de uso sustentável na região que engloba os povoados próximos ou

no entorno do bairro da Vila Maranhão.

Essas instituições que colaboravam para pensar uma proposta de criação de reserva

extrativista na Ilha de São Luís foram, conforme Beto, “o pessoal da Sociedade dos Direitos

Humanos, (...) a própria FETAEMA, com técnicos, o Fórum Carajás, Tijupá, (...) [que] se

envolveram , inclusive, inclusive na divulgação, na divulgação” (Entrevista concedida em

24/03/2007).

Assim, a idéia de propor a criação de uma Reserva Extrativista

52 Ata de reunião extraordinário da União de Moradores do Taim. Mimeo. Material colhido no IBAMA/CNPT-MA. 53 Processo 02012.001265/2003-72, com registro de chegada no IBAMA no dia 22 de agosto de 2003.

52

[vinha] de 96, ai a gente foi discutindo muito mais assim, nos espaços maiores, é, por exemplo, quando se reunia a paróquia, né, a paróquia de São João do Bonfim (...). Então, a discussão a miúdo com a comunidade se dá a partir de 1998, que ai a gente começa a ir pra o Rio dos Cachorros, Porto Grande e dizer olha – isso é viável, a gente pode discutir isso (...). (Entrevista concedida por Beto em 24/03/2007).

A gênese da proposta de criar a reserva extrativista do Taim, no período relatado

por Beto, teve dois principais motivos: o primeiro motivo refletia o movimento de

consolidação da legislação normativa e do processo sócio-histórico de afirmação desse tipo de

unidade de conservação no Brasil; e o segundo motivo está relacionado aos impactos que

projetos industriais localizados contíguos á área pretendida para a Resex vem provocando nos

ecossistemas e nos modos de vida das coletividades.

No tocante ao primeiro motivo, importa resgatar que foi na década de 1990, mais

precisamente no seu início, que surgiram as primeiras reservas extrativistas no Brasil, como

uma das categorias de unidades de conservação.

De acordo com Sant’Ana Júnior (2004, p. 69), as Reservas Extrativistas surgiram

intimamente relacionadas ao movimento de seringueiros na Amazônia, particularmente no

Acre. Para este autor, as chamadas ações modernizadoras – incentivos à pecuária extensiva

pelos chamados “paulistas” (denominação referida pelos acreanos aos grandes proprietários

rurais vindos de fora do Acre) – implicaram em muitas ações de “limpeza de área” que

correspondiam á derrubada sucessiva das florestas e retirada daqueles que a habitam.

Os seringueiros eram os principais inimigos dos grandes latifundiários que se

instalavam no Acre. Como respostas ás derrubadas das florestas, aqueles adotaram medidas

próprias de lutas, os chamados empates, que eram uma forma de resistência em que homens e

mulheres reuniam-se e juntos buscavam desmobilizar os desmatamentos, através do

convencimento a quem fazia a derrubada ou mesmo colocando-se a frente das árvores em

caso de situações que chegavam às últimas conseqüências.

53

O movimento dos seringueiros defendia uma proposta de desenvolvimento

alternativo que garantisse a preservação da floresta amazônica (GRZYBOWSKI, 1989). Os

seringueiros procuravam ao mesmo tempo defender os interesses de quem necessitava dos

recursos naturais para a sobrevivência social própria, aliado ao equilibrado uso dos

ecossistemas.

Com a criação, principalmente, do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS),

proposta no I Encontro Nacional dos Seringueiros, ocorrido em Brasília, em 1985, sob

liderança do seringueiro e ativista Chico Mendes e diante das pressões internacionais

contrárias à exploração desordenada das florestas, configurou-se um cenário em que as

chamadas Reservas Extrativistas (Resex) surgiram como um dos resultados do processo de

luta do movimento dos seringueiros. Em relação às Resex, o Conselho Nacional de

Seringueiros pronunciava-se da seguinte maneira:

O conceito de Reserva Extrativista é totalmente diferente da forma concebida pelo governo de Projetos de Assentamentos Extrativistas que mesmo que criados sob influência do movimento, têm administração do INCRA, titulação da terra, pressupõem divisão em lotes etc... (CNS, 1992 (1): vi apud COSTA FILHO, 1995, p. 25-26).

No primeiro momento, as reservas extrativistas surgiram para solucionar a

demanda de reforma agrária dos seringueiros e as primeiras iniciativas legais dirigiam-se para

o Incra e não para o Ibama (Almeida e Carneiro, 2001). As primeiras exigências dos

seringueiros eram pela efetivação de uma reforma agrária diferente da proposta de

distribuição de terras feita pelo Incra, na época. Para os seringueiros, a proposta do Incra não

contemplava suas necessidades, já que a terra dividida em lotes sobreporia a lógica de uso dos

seringais.

Paulatinamente, as reservas extrativistas foram sendo interpretadas pelos

seringueiros como uma alternativa que ia além da efetivação de uma reforma agrária.

Começaram a ser pensadas como uma alternativa para a defesa da sua reprodução social e

54

física, assim como ao mesmo tempo, a defesa dos recursos naturais, na última fronteira – a

Amazônia.

As reservas extrativistas surgiram, assim, alicerçadas na seguinte condição: eram

resultados das lutas de mobilização de segmentos sociais, caso dos seringueiros, que se

reconheciam como extrativistas; e da presença das instituições ambientalistas (a maior parte

organizações não-governamentais) que objetivavam potencializar as disputas pela criação

dessas unidades de conservação aliadas a grupos de intelectuais, destacando-se

antropólogos54, que traduziam os discursos oficiais para os seringueiros, de forma a colocá-los

a par de como outras instâncias – o Estado, as empresas – pensavam a questão ambiental

(LOBÃO, 2006).

É ilustrativa a fala de uma das lideranças dos seringueiros do Acre quando mostra

como a luta pela terra associou-se às mobilizações do movimento ambientalista:

(...) quando esse movimento surgiu, a gente não sabia o que era essa história de ecologia, essa história de defender o meio ambiente. Ai nós descobrimos que os ambientalistas e os ecologistas estavam querendo uma coisa, porque eles explicavam pra gente que se a mata fosse derrubada ia aumentar a temperatura, o que eles chamam de efeito estufa. (...) A gente nem sabia o que diabo era isso, essas coisas. Eles vinham falando essas coisas e a gente mandava depois eles trocarem em miúdo, pra gente, o quê que era isso... Então esse pessoal veio e aí a gente passou a ir descobrindo que eles eram os aliados importantes. Porque a nossa briga aqui era pela reforma agrária. A gente queria o direito de ficar na terra (Entrevista em 05/08/1999 com Osmarino Amâncio apud SANT’ANA JÚNIOR, 2004, p. 218).

As reservas extrativistas são uma categoria de unidade de conservação ambiental

prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC – do Ministério do Meio

54 Dentre os antropólogos que firmaram alianças de assessoria ao movimento dos seringueiros no contexto de criação das primeiras reservas extrativistas no Brasil, destaco dois: Mary Allegretti que se dedicou a estudar o movimento dos seringueiros e assessorá-los, inclusive, agindo, estrategicamente na difusão desse movimento pelo mundo através da sua ligação com os movimentos ambientalistas exteriores, entre suas principais colaborações, agilizou toda a operação em Brasília para a realização do I Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, como medida para tornar visível a luta desses segmentos no país e no exterior (GRZYBOWSKI, 1989); e Mauro William Barbosa de Almeida, natural do Acre, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), tendo atuado como assessor do Conselho Nacional dos Seringueiros, é autor de tese de doutorado sobre os seringueiros do Alto Juruá, intitulada Rubber Tappers of the Upper Juruá River: The

making of a Forest Peasantry (SANT’ANA JÚNIOR, 2004).

55

Ambiente. As resex são classificadas como Unidades de Conservação de Uso Sustentável55,

que, conforme o próprio SNUC, diz respeito a um tipo de unidade que objetiva “(...)

compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos

naturais” (BRASIL, 2004).

A proposta de criação do SNUC remonta ao ano de 1992, quando foi encaminhado

ao Congresso Nacional brasileiro o projeto de lei nº 2.892 que dispunha sobre a criação de um

Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRITO, 2003, p. 68). Somente oito anos

mais tarde, o SNUC foi instituído através da lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, concebendo

dispositivos para a regulação das complexas relações entre o Estado, os cidadãos e o meio

ambiente, com o objetivo de propiciar uma satisfatória preservação de importantes biomas

brasileiros, considerando seus aspectos naturais e culturais (BRASIL, 2004, p. 07).

Depois de mais dois anos, esta lei chegou a ser regulamentada através do Decreto

nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. Esse longo processo entre o inicial pedido do PL nº 2.892,

citado acima, e sua regulamentação em 2002 através do referido Decreto marca a construção

do SNUC como um processo de amplo debate no cenário ambiental brasileiro e,

consequentemente, para a implementação das reserva extrativistas.

De acordo com o SNUC, as reservas extrativistas ficaram definidas como sendo:

(...) uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade (BRASIL, 2004, pp. 19-20).

As reservas extrativistas são espaços territoriais de domínio público que admitem a

presença de grupos humanos, estabelecendo como principal atividade, o extrativismo aliado à

55 Vide Nota 04.

56

pequena agricultura, criação de pequenos animais e a atividade pesqueira56. Abaixo, apresento

uma tabela com as principais medidas exigidas para a criação de uma resex:

Tabela 1: Etapas para criação de uma Reserva Extrativista 1 – Solicitação dos Moradores (abaixo assinado) 2 – Vistoria do IBAMA/CNPT 3 – Organização dos Moradores 4 – Estudos Sócio-Econômico e Biológico 5 – Levantamento Fundiário 6 – Realização de Audiências Públicas 7 – Elaboração de Base Cartográfica Digitalizada 8 – Consultas a FUNAI, INCRA, SPU, Marinha, Governo Federal 9 – Publicação do Decreto no DOU 10 – Cadastramento das Famílias 11 – Conselho Deliberativo (Gestão) 12 – Plano de Manejo da RESEX (elaboração e aprovação) 13 – Contrato de Concessão de Direito Real de Uso 14 – Formação dos Agentes Ambientais Voluntários

Fonte: Cartilha IBAMA/CNPT – MA, 2004.

As resex também são caracterizadas de acordo com o tipo principal de atividade

extrativista desenvolvida pelos grupos localizados em suas áreas. Por isso, depois das

primeiras reservas extrativistas serem instaladas em ecossistemas de floresta (principalmente

na Amazônia), surgiram demandas para a criação desse tipo de unidade de conservação em

áreas litorâneas ou de manguezais.

Os movimentos sociais e as coletividades que reivindicam as resex em áreas

litorâneas acabaram renomeando, nesse caso, a categoria Reservas Extrativistas sob a

denominação de Reservas Extrativistas Marinhas (CHAMY, 2004). Tais resex têm como base

do extrativismo, principalmente, os recursos pesqueiros tais como peixe, camarão, sururu e

caranguejo. Essa situação é que caracteriza e é reivindicada pelas coletividades no caso da

Resex do Taim e expressa na fala de um de seus lideres quando o mesmo afirma que é

“marinha, porque vai ter a ilha de Tauá-Mirim, vai ter os rios envolvidos”57.

56 Importa destacar que além das Reservas Extrativistas, o SNUC (BRASIL, 2004) define outra categoria de unidade de conservação que admite grupos humanos, que é a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). A principal diferença verificada entre essas duas categorias de unidades de conservação refere-se à expropriação para utilização da terra. Enquanto nas Resex desapropria-se quem não é identificado como extrativista, nas RDS não há expropriação. 57 Entrevista concedida em 24/03/2007.

57

Conforme o SNUC (BRASIL, 2004), os grupos humanos que vivem dentro de

uma reserva extrativista são os responsáveis, em conjunto com o IBAMA, pelas formas de

ocupação do território, pelas regras e práticas de acesso às áreas e aos recursos naturais a

serem explorados e pela comercialização ou não de produtos ou recursos alimentares próprios

em benefício de sua economia.

5.4. A presença do IBAMA: Considerações sobre usos de categorias

Dentre os muitos aspectos relevantes que se traduz na gestão de uma resex quero

destacar aquele que se refere à forma de concessão da área a ser outorgada a uma coletividade

e não à priorização de necessidades individuais (CHAMY, 2004). O contrato de concessão de

direito real de uso de uma resex, somente, legitima-se quando da aprovação do chamado

plano de manejo participativo58. O plano de manejo é ressaltado por Beto quando o mesmo

diz que

(...) o grande, o grande lance da Reserva Extrativista é que a comunidade pode decidir como usar, e ele [o plano de manejo] também pode ser mudado, as regras podem ser mudadas, você estabelece, ela não é estática, ela não é uma mordaça, como muita gente acha (...) (Entrevista concedida em 24/03/2007).

A mudança que o informante citado acima se refere, quanto à decisão das

coletividades envolvidas em uma resex modificarem as regras no uso da sua área e no manejo

dos recursos naturais, corresponde, na verdade, à alternativa de alteração que pode ser

realizada em um plano de manejo. Conforme o SNUC, o plano de manejo é definido como

sendo

58 É pertinente destacar que antes da elaboração de um Plano de Manejo Participativo em uma reserva extrativista, há a realização do Plano de Uso ou Utilização da resex. Este plano acaba fazendo parte do Plano de Manejo, pois é uma de suas bases. De acordo com a Instrução Normativa nº 01 de 18 de setembro de 2007, o Plano de Utilização “consiste nas regras internas construídas, definidas e compactuadas pela população da Unidade quanto às suas atividades tradicionalmente praticadas, o manejo dos recursos naturais, o uso e ocupação da área e a conservação ambiental, considerando-se a legislação vigente. É o documento base para que seja firmado o Termo de Compromisso entre a população tradicional beneficiária da Unidade, que receberá a concessão do direito real de uso, e o Instituto Chico Mendes”. Publicada no Diário Oficial da União nº 182, Seção I, páginas 101 e 102.

58

Documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação de estruturas físicas necessárias à gestão da unidade (BRASIL, 2004).

Ele é formulado através de um roteiro metodológico, pelo órgão gestor, que fixa

diretrizes para diagnóstico da unidade, zoneamento, programas de manejo, prazos de

avaliação e de revisão e fases de implementação59. O plano é aprovado por um Conselho

Deliberativo que, por sua vez, é

constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade” (BRASIL, 2004, p. 20)60.

O plano de manejo é construído no âmbito do coletivo em uma resex, já que é

firmado entre o órgão gestor público em conjunto com as coletividades da unidade de

conservação. Este plano deve indicar quando será revisado não podendo exceder o prazo de

cinco anos.

O plano pode ser readaptado devido a alguma situação demandada pelas

coletividades, o que revela-nos o seu caráter de transitoriedade, e não de imobilidade perante

as necessidades de uso e apropriação das áreas e manejo dos recursos naturais em uma resex.

Essa especificidade de transitoriedade do plano é exemplificada na fala de Beto:

(...) faz assim (...), vocês vão ser proibidos de pescar tal coisa, não é assim, vocês podem estabelecer olha, nesses primeiros cinco anos, nós vamos tirar caranguejo só naquela parte ali do mangue, vamos deixar o restante descansar, nos próximos cinco anos, a gente tira desse outro lado e deixa

59 O Plano de Manejo Participativo está, atualmente, sob responsabilidade do recente órgão federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que por sua vez integrou o CNPT como um dos seus Centros. Para melhor esclarecer do que trata o Instituto Chico Mendes vide nota 06. 60 De acordo como o SNUC (BRASIL, 2004, p. 40), o Conselho Deliberativo terá “a representação dos órgãos públicos e da sociedade civil (...), sempre que possível, paritária, considerando as particularidades regionais”. Entretanto, com a Instrução Normativa nº 02, de 18 de setembro de 2007, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o Conselho Deliberativo de uma Reserva Extrativista passou a ter a maioria de sua composição formada por representantes das chamadas populações tradicionais, conforme disposto no inciso III do artigo 9º desta instrução normativa: “deve-se garantir na composição do Conselho, a maioria de representantes das populações tradicionais da Unidade”. Publicada no Diário Oficial da União nº 182, Seção I, páginas 102, 103 e 104.

59

aquele descansar, (...) mas se a gente perceber que vai ter uma demanda por caranguejo (...) a gente pode ampliar a área, mesmo catando seletivamente, mas pode ampliar a área, então não é uma coisa que fique preso (...) (Entrevista concedida em 24/03/2007).

Ilustração 3: Beto falando com moradores da Ilha de Tauá-Mirim

Em outra fala, agora de um analista ambiental do CNPT, observei como o mesmo

explicava como se elaborava um dos subsídios para o plano de manejo, que é o plano de uso

de uma resex61. Essa observação ocorreu em reunião na mais recente área inserida na Resex

do Taim, a Ilha de Tauá-Mirim, como participante dessa reunião realizada no povoado de

Jacamim62. Os analistas esclareciam como, a partir da criação da Resex do Taim, os

moradores elaborariam regras de uso e controle das áreas que utilizam para as atividades

61 Sobre Plano de Uso vide nota 58. 62 Reunião realizada em 03 de dezembro de 2006.

60

agrícolas, extrativas e, principalmente, pesqueiras, em uma tentativa de deixar clara, uma das

normatizações estabelecidas depois da criação de uma resex.

A fala de uma das analistas ambientais nessa reunião expressa a seguinte tentativa

de explicação do que será um plano de uso

(...) o ideal que a gente possa construir e isso passa na reserva extrativista, é o modelo onde a gente vai poder usar os recursos naturais que a gente continuava usando (...) e a gente vai poder decidir, também, como a gente quer continuar usando e essas decisões que a gente chama de plano de uso ela vale para quem mora aqui dentro e para quem mora de fora e ai a gente vai poder restringir como é, ou seja, dizer como é que a gente acha melhor quem vem de fora poder usar, (...) e essas coisas tem que ser decididas em assembléias comunitárias, em reuniões comunitárias e quando a gente chega a essas decisões todos tem que respeitar, o que vale pra quem mora aqui, vale pra quem mora fora, e o que vale pra quem é presidente da associação, vale pra quem não é presidente da associação (...) (Gravação feita em 03/12/2006).

Rever como o plano de manejo, tal como o plano de uso de uma resex são

definidos na legislação ou como são explicados a um público, abre brecha para pensarmos a

forma como são conduzidas certas categorias presentes em políticas públicas, como no caso

das reservas extrativistas. Chamou-me atenção, o fato de que nessa reunião, além da tentativa

de explicar o que era um plano de uso, ocorreu a divulgação de uma série de categorias que

são utilizadas pelos técnicos e analistas do IBAMA para tratar da apropriação dos recursos

naturais, e que, muitas das vezes, não difíceis de serem entendidas pelos moradores de uma

área de unidade de conservação.

Vejamos as categorias que recolhi dessa reunião: plano de manejo, populações

tradicionais, extrativismo, agricultura de subsistência, recursos naturais, biodiversidade,

recursos pesqueiros, populações extrativistas, ecossistema, degradação ambiental,

conservação dos recursos naturais, uso sustentável dos recursos, exploração sustentável63

.

Constatei, ainda na reunião, que houve tentativas dos analistas ambientais em

traduzir essas categorias em expressões que pudessem estar inteligíveis para os moradores,

63 Anotações em caderno de campo a partir de observação in loco.

61

caso observado com as categorias extrativismo e conservação dos recursos naturais.

Entretanto, o que predominou na fala dos analistas ambientais do IBAMA foi um domínio das

categorias que registrei, sem um explicação coerente do que as mesmas significam e como

podiam ser entendidas pelos moradores.

A situação do uso de certas categorias que não permeiam o vocabulário cotidiano

de certas coletividades, como no caso exposto acima, coloca a questão de atentar para

problemas que a falta de distinção entre categorias pode provocar ou problemas que o uso das

mesmas pode gerar quando colocadas a quem não as entende. Gostaria de explicitar três

implicações decorrentes disso.

Um primeiro problema, já apontado em outros estudos (PAULA ANDRADE,

2003), diz respeito em como distinguir e em como operacionalizar em público o que seriam

categorias analíticas, aquelas elaboradas como ferramentas teóricas para compreender

realidades, das categorias de imposição externa, que neste caso, são categorias jurídicas,

aquelas elaboradas por representantes de certas coletividades ou pelos órgãos públicos, das

categorias nativas, aquelas adotadas pelas próprias coletividades para se autodefinir ou definir

situações que vivem no dia a dia.

É preocupante notar que as categorias expostas na reunião acabam sendo

categorias de imposição externa mescladas com categorias analíticas, divulgadas sob a

perspectiva de que as mesmas devem, em algum momento, ser apropriadas, naturalmente,

pelas coletividades que nunca sequer ouviram falar delas. É fundamental que haja um

esclarecimento dessas categorias em situações como a citada. Isso acabaria implicando no fato

de que Lobão (2006) chama atenção quanto à elaboração de documentos como o Plano de

Uso ou o Plano de Manejo. Para tal autor, estes documentos apresentam um grau de

sofisticação e distanciamento da realidade das coletividades em áreas de unidades de

conservação de uso sustentável. Lobão (2006) considera problemática a tentativa de

62

pescadores ou pequenos agricultores conseguirem ter condições de entendê-las durante todo o

processo de constituição de quaisquer desses planos.

Um segundo problema corresponde à imposição que tais categorias acabam

provocando em situações específicas de vida de certas coletividades. É notório e preocupante

que nas falas dos analistas ambientais, observadas na reunião citada, e em documentos oficiais

investigados por mim quanto à implementação das unidades de conservação, predomina a

adoção de categorias que fogem às usadas por quem vai ser dirigida a política pública de

criação dessas unidades. É difícil serem citados nos documentos, categorias e termos próprios

da vida das coletividades no seu cotidiano ou que mesmo possam ser esclarecidas dentro do

contexto de vida dos mesmos.

Em discussão sobre categorias analíticas e nativas utilizadas quanto a coletividades

específicas, como no caso dos chamados remanescente de quilombo ou quilombola, Paula

Andrade (2003, p. 40) enfatiza que

se não atentarmos para a distinção entre categorias analíticas e categorias nativas, estaremos, simplesmente, substituindo o modelo do ator por aquele do observador, enquadrando todas as situações empíricas em tipologias pré-construídas (...).

Para esta autora, o domínio do enquadramento de certas categorias exógenas ao

cotidiano de certas coletividades levam ao que Bourdieu (apud PAULA ANDRADA, 2003)

chama de linguagem vencida64

. Ou seja, as coletividades acabam vendo-se obrigadas a

adotarem a linguagem externa, constituindo uma marca simbólica da relação dominador (os

órgãos gestores) e dominado (as próprias coletividades). Lobão (2006, p. 59) chega a afirmar

que as coletividades estão sob “mecanismos de inculcação e resistência típicos de relações em

uma situação colonial”. É urgente refletir a declaração desses autores mesmo quando uma

reserva extrativista ainda não está criada, caso da Resex do Taim.

64 BOURDIEU, P. Las finalitats de la sociologia reflexiva (el seminari de Chicago). In: Per a una sociologia

reflexiva. Barcelona. Herder. 1994. pp. 45-187.

63

Por trás disso, denota-se o que Bourdieu (2003) enfatiza como de uma violência

simbólica, não marcada pela agressão física, mas uma violência mais sofisticada, constituída

por meio do

poder de impor – e mesmo de inculcar – instrumentos de conhecimentos e de expressão (taxionomias) arbitrários – embora ignorados como tais na realidade social”. (...) [é] o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia. (BOURDIEU, 2003, pp.12-15).

E por último, um terceiro problema que levo em consideração é pautado nas

observações que Lobão (2006) faz sobre as definições de certas categorias, algumas

explicitadas através da reunião que citei anteriormente e que centralizam muito mais os

aspectos ambientais do que a ênfase no saber e formas consuetudinários de convívio das

coletividades em áreas de reservas extrativistas. Categorias jurídicas como manejo, uso

sustentável ou extrativismo, só para citar essas três, aparecem definidas em documentos

oficiais, caso do SNUC, dando ênfase maior aos aspectos naturais tal como transcrevo abaixo:

manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas; uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável; extrativismo: sistema de exploração baseado na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis. (BRASIL, 2004, p. 10, art. 2ª, incisos VIII, XI, XII, respectivamente).

Não que essas definições sejam irrelevantes, mas é fundamental levantar esta

questão que atravessa a operacionalização de certas categorias quando destinadas a serem

reproduzidas pelas coletividades quando estas reivindicam uma política pública de criação de

reservas extrativistas. É preocupante detectar que tais categorias vão sendo introduzidas,

paulatinamente, e acabam confirmando a ressalva de Lobão (2006, p. 52) sobre o fato de que

“sumiu o conceito de uso, ou utilização, de recursos naturais renováveis consagrado pelo

saber tradicional das [chamadas] populações tradicionais”.

64

Vemos através das definições contidas no SNUC (BRASIL, 2004) que elementos

referidos ao meio natural, à prática da conservação da natureza e à diversidade biológica

acabam sobressaindo-se como as definições centrais que devem envolver os processos de

gestão das áreas de unidade de conservação65.

Essas três implicações que destaquei reforçam muito mais uma posição de alerta

que procuro deixar transparente e de abordá-las à luz das dificuldades geradas pelo confronto

da normatização (a legislação) com as regras do cotidiano de uma coletividade66. Mesmo sem

ainda ter sido criada, a Resex do Taim possibilita pensar tais implicações que merecem ser

amadurecidas no seu processo de construção.

5.5. No limite: Os impactos dos grandes projetos industriais na Ilha de São Luís

Os impactos de projetos industriais localizados na área industrial da Ilha de São

Luís surgiram como um outro principal motivo para o pedido de criação da Reserva

Extrativista do Taim. A área proposta para localização dessa Resex situa-se, em parte, dentro

do chamado Distrito Industrial II (Itaqui-Bacanga) e, em parte, limitando com este Distrito,

conforme vemos no mapa abaixo:

65 Entre os analistas ambientais do CNPT/IBAMA – MA que mantive contato detectei que apenas um deles tem formação na área de humanidades. Os outros membros dividem-se entre formados em áreas biológicas e tecnológicas. 66 Deixo claro que não estou baseando minhas considerações na recente legislação, no caso, Instruções Normativas, que foram oficializadas com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Natureza. Baseio-me na análise do SNUC, aprovado no ano de 2000 (BRASIL, 2004).

65

Ilustração 4: Mapa dos limites entre o Distrito Industrial II da Ilha de São Luís e da área prevista para a Resex do Taim.

Legenda das delimitações: vermelha: área da Resex do Taim; azul: Distrito Industrial da Ilha de São Luís.

Segundo informações contidas no Relatório (2003, p. 14) elaborado pela Gerência

de Estado de Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Turismo, o Distrito Industrial de São

Luís67 foi elaborado, no início da década de 1970 com a expectativa de possuir

(...) excelentes instalações Portuárias, a implantação do Projeto Carajás, a implantação do Consorcio Alumar e outras circunstâncias diversas entre quais o corredor Centro/Norte que compreende um conjunto multi/moldal de transportes, interligando o Brasil Central ao Norte/Nordeste, através da hidrovia Araguaia-Tocantins, da ferrovia Norte/Sul e da Estrada de Ferro Carajás (...).

Sem intenção de discutir os processos de implantação desses projetos na Ilha de

São Luís68, é notório, que alguns deles acabaram sendo implantados. Atualmente, na área

67 Para efeitos de esclarecimento, o Distrito Industrial I refere-se a área de Tibiri-Pedrinhas, que por ora não está sendo referido neste trabalho.

66

pretendida para a criação da Resex do Taim temos a presença de empreendimentos como a

Ferrovia Carajás destinada à vinda de matéria bruta, principalmente, minério de ferro e

bauxita da serra de Carajás, no Pará. E próxima da área prevista para a Resex, temos grandes

indústrias minero-metalúrgicas como o consórcio ALCOA/ALUMAR e a Companhia Vale do

Rio Doce, além da existência do Porto do Itaqui, grande estabelecimento que agrega uma

ramificação de sucursais administrativas de indústrias. Do povoado do Taim, constatei a

proximidade de um desses empreendimentos, caso da Companhia Vale do Rio Doce,

conforme visto na ilustração:

Ilustração 5: Instalações da Companhia Vale do Rio Doce vistas do povoado do Taim

68 A respeito disso, ver Mendonça (2006) e Paula Andrade (1981). Um trabalho monográfico realizado no âmbito do curso de Ciências Sociais da UFMA sobre os projetos industriais na Ilha de São Luís foi o de FERREIRA (1997).

67

Essas grandes indústrias foram implantadas dentro do chamado Programa Grande

Carajás (PGC) que segundo Mendonça (2006, pp. 32-33)

(...) ambicionou transformar as áreas em torno dos quase 900 km percorridos pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), da Serra dos Carajás [no Pará] até São Luís, num grande complexo agroindustrial que atrairia investimentos para os mais diversos setores da economia como agroindústria, pecuária e indústrias das mais diversas, desde mineração até fabricação de laminados e peças automobilísticas, o que deveria ser capaz de garantir o desenvolvimento (...). (Grifo meu).

O PGC surgiu no contexto dos governos militares no Brasil com a perspectiva de

integrar a Amazônia à dinâmica econômica do país. Para os técnicos dos governos militares,

esta área era vista como um grande vazio demográfico, de grandes potenciais hídricos, de

recursos minerais e florestais, sendo considerada, assim, uma grande região estratégica para o

desenvolvimento do país.

Os planejadores governamentais passaram, dessa forma, a promover subsídios e

isenções fiscais com a finalidade da construção de grandes projetos, quais sejam, minero-

metalúrgicos e de agricultura de base empresarial. Para o suporte dos projetos firmava-se uma

infra-estrutura necessária com a construção de grandes estradas, hidrelétricas, ferrovias,

portos.

Por trás do conjunto de medidas de implantação do PGC, está a ideologia de

legitimação do desenvolvimento como o único caminho a ser seguido para o alcance do bem

estar e para a consolidação de uma ordem que privilegiava as ações de um Estado capitalista.

Segundo Escobar (1996), o conceito de desenvolvimento é um dos mais imbuídos de

ideologias e preconceitos que emergiram no século XX. Para este autor, os discursos de

defesa do desenvolvimento passaram a confundir duas concepções distintas: uma concepção

que relaciona o desenvolvimento a um processo histórico de transição a uma economia

moderna, industrial e capitalista; e outra que relaciona desenvolvimento à idéia de aumento da

qualidade de vida, erradicação da pobreza e melhores indicadores de bem estar material.

68

A ideologia do desenvolvimento teve como mito fundador o discurso de posse do

presidente estadunidense Harry Truman, em 20 de agosto de 1949, e tinha como pressupostos:

a fé na ciência, o crescente poder dos tecnocratas, a crença num inevitável domínio da cultura

ocidental e a caminhada messiânica do etnocentrismo. Esses pressupostos formularam a base

para a acelerada capitalização das normas e vidas cotidianas, para a exploração ilimitada dos

recursos naturais e para a subjugação de culturas que não se enquadravam nos modus vivendi

do que é considerado moderno ocidental.

A palavra desenvolvimento transformava-se, assim, de acordo com Escobar

(1996), num fetiche desejado por governos e corporações capitalistas, que se baseavam em

dois principais pilares: o economicismo – que identifica desenvolvimento como efeito do

crescimento econômico; e eurocentrismo – que media todos os povos do planeta através do

modelo ocidental de progresso. Ao mesmo tempo em que se criavam os desenvolvidos,

também, construía-se a concepção dos chamados subdesenvolvidos – meio milhão de pessoas

em todo o globo – a quem, de acordo com os ideólogos do desenvolvimento, eram

caracterizados por uma vida primitiva e miserável e que deveriam ser ajudados pelos

chamados desenvolvidos, no caso as nações ricas.

Entretanto, os efeitos do desenvolvimento não concretiza uma melhora na

qualidade de vida e nem promove o processo de igualdade e liberdade. Desde a década de

1970, aumenta o questionamento sobre as diversas formas e medidas desenvolvimentistas

adotadas através das grandes construções de estradas, ferrovias, barragens, manutenção de

produção agroexportadora e intensa industrialização e tecnologia. A intelectualidade ligada a

uma crítica pós-colonial (CASTRO-GÓMEZ, 2005) passaram a questionar os pressupostos

que sustentavam essas medidas, buscando com isso descolonizar o saber que estava imbuído

das interferências eurocêntricas de afirmação do desenvolvimento como único caminho para

toda a humanidade (LANDER, 2005).

69

O desenvolvimento como uma ideologia de domínio de uma forma de pensamento

(européia ocidental) e de ações intervencionistas (produção capitalista industrial) passou a ser

criticado, dentre outros motivos, pelas ações e impactos provocados nas diferentes

coletividades dos chamados países subdesenvolvidos. Criticam-se, assim, ao mesmo tempo, as

bases que erguem o desenvolvimento como ideologia centrada na razão única, universal,

cientifica e que se considera “neutra”.

A ocupação da Amazônia esteve e ainda está atrelada às investidas de

capitalização, com a exploração de recursos destinados, principalmente, ao comércio externo

e constituída de uma elite que prega o discurso “modernizante” das práticas e costumes

europeus, pretendendo legitimar ações de caráter desenvolvimentista (CLEARY, 1994;

SANT’ANA JÚNIOR, 2004). Grandes grupos capitalistas e conglomerados industriais

conduziram e ainda conduzem atividades na região amazônica produzindo grande

interferência na lógica sócio-cultural das coletividades que a habitam.

No Maranhão, o processo de instalação de grandes projetos baseados nessa

ideologia do desenvolvimento coincide com a chamada Lei de Terras nº 2.979, de 1969,

criada pelo então Governador do Estado, José Sarney. Esta Lei determinava que as terras

devolutas, existentes em grande porção do território estadual e ocupadas por pequenos

produtores rurais e extrativistas passariam a ser vendidas, constituindo-se em um mercado

formal de terras, favorecendo a grandes e médios empreendimentos baseados em uma

agricultura de base empresarial (SANT’ANA JÚNIOR e ALVES, 2006).

O Distrito Industrial II da Ilha de São Luís faz parte da estratégia de implantação

dos grandes projetos no Maranhão, baseada na ideologia do desenvolvimento. Na década de

1970, este Distrito foi pensado para a instalação das indústrias, dos escritórios

administrativos, das áreas de trânsito e deslocamento de matéria bruta, caso da implantação de

70

ferrovia, além de estar rodeado pela Baía de São Marcos que favorece a vinda de navios com

até 200 metros de envergadura.

Esse Distrito provocou grande processo de retiradas de famílias para a construção,

na década de 1970, de duas principais indústrias na Ilha: o Consórcio ALCOA/ALUMAR e a

Companhia Vale do Rio Doce69. Segundo Mendonça (2006), esta última destinada à

estocagem do minério de ferro vindo do Estado do Pará através da Ferrovia Carajás,

garantindo o transporte na rota internacional do minério e, a primeira destinada a receber a

bauxita oriunda da Serra de Carajás, no Pará, para transformá-la em alumina e/ou alumínio

com destino à exportação através do Porto do Itaqui.

Com a implantação, principalmente, dessas duas indústrias na porção sudoeste da

Ilha de São Luís, esta área começa a sofrer alterações oriundas das atividades vindas desses

empreendimentos. Isso foi sendo notado na fala de Beto, liderança do Taim, quando tratava de

ressaltar a diminuição de recursos naturais usados como alimentos e a poluição dos rios e

igarapés. Quando fala sobre a poluição dos rios, afirma que

(...) quando a ALCOA fez seu primeiro lago, era do lado de cá da BR, (...) então, ta na cabeceira de dois igarapés, grandes, que é o igarapé do Andiroba, e o igarapé da Ribeira, que nasce depois de Pedrinhas, mas tem, né afluentes, braços dele que tocam dentro da planta [da Alcoa]. (...) Então, esses dois igarapés sofreram um impacto enorme nos anos 87, já pra o início dos anos 90, vez por outra, a gente percebia a coloração da água do rio mudar e a gente não conseguia atribuir isso a nada (Entrevista concedida em 24/03/2007).

A degradação desses ecossistemas por sua vez aumentava a dificuldade dos

moradores em manterem sua subsistência através dos recursos naturais encontrados nos

mangues, no decorrer dos anos, após a implantação das indústrias no Distrito citado. A pesca

iniciava um período de diminuição em áreas como do Taim, devido ao que Beto chama de

fuga dos peixes como relatado a seguir:

69 Vulgarmente conhecida no Estado do Maranhão como apenas “Vale”.

71

(...) a gente percebia a fuga dos peixes, você não tinha mais tainha, você não tinha mais, a sardinha vinha, tem um período da sardinha que ela fica de maio até outubro mais ou menos, novembro quando começa a chover, ai ela foge, mas ela fica esse período todinho, e ela engorda, ela cresce ela reproduz, e desse período pra cá [inicio anos 90], ela deixou de fazer esse ciclo, quando ela vem, ela passa no máximo dois meses e ela não consegue ganhar tamanho, né, não consegue crescer, acho que nem reproduz, mais dentro do rio (...) (Entrevista concedida em 24/03/2007).

Não somente os peixes diminuíram como outros recursos não muito usados na

dieta alimentar dos moradores do Taim, passaram a ter seu ciclo reprodutivo modificado,

como no caso dos caranguejos e ostras, crustáceos e moluscos, respectivamente, presentes nos

mangues que rodeiam essa área, mas que não são mais encontrados com tanta facilidade como

bem ressaltado no seguinte trecho:

(...) ai o recurso que a gente não utilizava muito no dia a dia é o caranguejo, a gente não consegue, a gente não tem o hábito de consumir o caranguejo no dia a dia, mas ai percebeu que o tamanho dele começou a estabilizar muito, né. É, a ostra que é, que a gente ia buscar muito mais por esporte, ah, vamo buscar a ostra para tira gosto então ia lá e tira um pouco de ostra. Ostra tinha muito, né, e hoje você não vê, são raros os igarapés (...) (Entrevista concedida por Beto em 24/03/2007).

Esses recursos escasseiam, principalmente, em cursos d´água afetados pelo

derramamento de resíduos químicos, seja sólidos ou líquidos, e pelo escoamento de material

industrial vindo das descargas de esgoto de indústrias próximas ou distantes. Em casos

extremos, chega-se a cogitar o desaparecimento de alguns igarapés, conforme nos foi

relatado:

(...) a gente percebe quais são os igarapés que vem da Coca Cola, quais são os igarapés que vem da Cervejaria Equatorial, quase são os igarapés que saem da ALCOA, esses igarapés não têm ostras. (...) O igarapé da Andiroba, ele era uma, ele era uma referência pra pescaria, quando não dava em lugar nenhum no rio, tava ruim, você ainda ia no igarapé do Andiroba, tinha um poço, inclusive, ele subiu o nível do fundo dele e não tem mais, ele ficou raso mesmo, até o poço desapareceu, então são coisas que tão na prática (...) (Entrevista concedida por Beto em 24/03/2007).

A diminuição gradativa de importantes recursos utilizados na dieta alimentar das

famílias de povoados como o Taim e próximos, além da perda gradativa dos ecossistemas

72

que, historicamente, davam viabilidade para que essas famílias pudessem apropriar-se dos

peixes, ostras, caranguejos e outros mariscos, mantendo-os como recursos alimentares, ou

usados para a venda ou para a troca desencadeou preocupações por parte das famílias que

moram na área prevista para a criação da Resex do Taim.

As primeiras medidas adotadas pelas famílias foram articuladas no diálogo

participativo destas em encontros, tal como o Seminário Internacional “Carajás –

Desenvolvimento e Destruição”. Este evento foi promovido em São Luís e reuniu, em maio

de 1995, trabalhadores rurais e urbanos, além de representantes de comunidades indígenas da

região afetada pelos projetos do Programa Grande Carajás, como também representantes da

Igreja, empresas, órgãos oficiais do Brasil e da Alemanha e entidades de apoio e assessoria

desses dois países.

Lideranças do Taim, como o senhor Zé Reinaldo e Alberto Cantanhede,

confirmaram-me que, a partir de encontros como esse, buscavam-se soluções para o crescente

desastre que assolava os ecossistemas e as relações dos moradores com estes, na apropriação

de alguns recursos básicos usados na alimentação e em outras atividades econômicas. Dentre

as primeiras alternativas elaboradas almejava-se a criação de um Centro de Referência de

Acidentes de Trabalho, para que as famílias próximas às fabricas, às áreas de extração de

pedras e dos lagos de contenção de produtos químicos, da ferrovia e das máquinas de base de

transformação tivessem uma maior participação no controle das atividades.

A proposta desse Centro destinava-se a acompanhar “os incidentes, a progressão

de doenças, fazer exame do acúmulo de cabelo, do acúmulo de alumínio , (...) do acúmulo

acima permitido de alumínio no sangue a partir do cabelo” (Entrevista concedida em

17/09/2006).

Entretanto, a proposta de criação de um Centro de Referência de acidentes de

trabalho acabou não se concretizando, devido à dificuldade que as famílias locais acabaram

73

tendo diante da decisão de participarem como membros de fiscalização. Segundo Beto, o

próprio Governo Estadual não apoiou a idéia, já que a idéia dos moradores locais era de que

fosse estabelecido

(...) um Centro de Referência, mas que [teria] uma outra postura, onde o Poder Público, a empresa mais a comunidade [tivesse] acesso às informações e inclusive na indicação dos técnicos que irão pra lá. (...) quando chegou nessa parte, (...) morreu a discussão (...) (Entrevista concedida em 17/09/2006).

Uma outra proposta ocorreu com a tentativa de uma articulação entre os

representantes dos povoados que eram impactados pelos projetos industriais com o Conselho

Estadual de Meio Ambiente, nos idos entre 1995 e 1996, com o intuito de criar condições de

potencializá-lo através da instalação de instrumentos de monitoramento das emissões de gases

através de filtros instalados nas indústrias nos povoados em locais estratégicos. Essas medidas

visavam saber qual a capacidade de emissão de gases das chaminés das indústrias espalhadas

próximas a povoados como Taim, Cajueiro e Porto Grande e seriam fiscalizados em conjunto

pelos moradores locais, pelos técnicos das fabricas e indústrias próximas e por integrantes do

órgão governamental.

A proposta de instalação de instrumentos de monitoramento da quantidade de

gases emitidos pelas indústrias foi inspirada em outras indústrias que já promoviam essa

medida, de outras localidades do país, e até de outros países, como no caso da Alemanha. Isso

foi sendo discutido a partir da participação que representantes dos povoados realizaram junto

aos debates promovidos no âmbito do já mencionado Seminário Internacional Carajás.

Entretanto, essa possibilidade de articular ações conjuntas com o Conselho

Estadual de Meio Ambiente não se concretizou, devido às dificuldades dos representantes dos

povoados em obterem recursos para a compra de equipamentos e pela falta de incentivos tanto

das próprias indústrias que não desejavam, segundo Beto, o monitoramento, e nem do

Governo estadual que, por sua vez, não teria a influência total na deliberação de mudanças ou

74

não das atividades de emissão, já que dividiria essa responsabilidade com as interferências

dos representantes dos povoados, de associações de bairros e de entidades de assessoria e

apoio às iniciativas das famílias locais.

Tanto com o Centro de Referência de Acidentes de Trabalho quanto com as

medidas para potencializar o Conselho Estadual de Meio Ambiente, no sentido de uma

participação maior das famílias das localidades próximas às indústrias, o que estava em jogo

era a perspectiva de buscar alternativas para o combate à poluição gradativa dos ecossistemas,

aos problemas de saúde dos moradores e para iniciar estratégias de luta pelos direitos

trabalhistas de quem sofria pelas péssimas condições de trabalho.

5.6. “Somos populações tradicionais”: História social, conceitos e apropriação política de

uma categoria

A categoria populações tradicionais despontou com maior ênfase nos discursos

oficiais, na luta dos movimentos sociais e entre os debates intelectuais, paralelamente, à

constituição das reservas extrativistas no Brasil, no início da década de 1990. Apesar disso,

alguns autores (DIEGUES, 1996; LOBÃO, 2006) apontam que, na década de 1980, já tinham

surgido categorias sinônimas de populações tradicionais, caso do termo indigenous presentes

em documentos oficiais do Banco Mundial que significava povos nativos. Ou em documentos,

como Nosso Futuro Comum, da Comissão da Organização das Nações Unidas (ONU), que se

referia a povos tradicionais definindo-os como “minorias culturalmente distintas da maioria

da população que estão quase que inteiramente fora da economia de mercado” (apud

DIEGUES, 1996, p. 104).

A categoria populações tradicionais deve ser vista como uma construção sócio-

histórica surgida de múltiplos embates, apropriações e ressignificações e que vem sendo

utilizada em diversos discursos. Pensar este elemento sugere um resgate de sua história social

75

e dos seus conceitos normativos e sócio-antropológicos, bem como as implicações

decorrentes dos mesmos.

Conforme Diegues (1996, p. 125), no caso do Brasil, “a preocupação com as

chamadas ‘populações tradicionais’ que vivem em unidades de conservação é relativamente

recente”. Essas populações, até a primeira metade do século XX, eram consideradas “casos de

polícia” e deveriam ser expulsas para a preservação dos parques e reservas florestais.

Até a década de 1980, a união efetiva entre as preocupações com o social e com o

ambiental ainda não havia se concretizado no Brasil. O que existia era um movimento

ambientalista caracterizado pelos momentos de denúncia e ajustamento das primeiras

organizações que tentavam mapear as principais questões que envolviam uma problemática

ambiental no Brasil (VIOLA, 1992).

A relação com o “social” não tinha tanto preocupação para os interesses do

movimento ambientalista, que defendia plenamente a fauna e a flora contra as ações

predatórias às mesmas. Contudo, em fins dos anos 1980 e princípios dos anos 1990, em meio

à efervescência redemocrática do país e com a realização da Conferência das Nações Unidas

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO 92 – realizada no Rio de Janeiro, o

movimento ambientalista começou a ganhar um novo corpo.

Essa nova fase do ambientalismo brasileiro firmava a adoção gradativa, por parte

das suas principais organizações, de um sentido relacional entre a defesa do meio ambiente e

das condições sociais em usufruí-lo (VIOLA, 1992). As preocupações do ambientalismo,

neste momento, também visavam à colaboração com os movimentos sociais que

apresentassem políticas estratégicas de defesa do uso equilibrado do meio ambiente.

Com isso, segundo Viola (1992), o ambientalismo passou a apoiar e efetivamente

traçar ações conjuntas com alguns movimentos sociais como o movimento dos atingidos pelas

barragens (MAB), o movimento dos seringueiros, os movimentos indígenas e alguns setores

76

do movimento dos trabalhadores rurais. Para a atual ministra do Meio Ambiente, Marina

Silva (2001), as mudanças em curso na cultura política do Brasil, nos anos 1990, transformou

a “questão ambiental”, até então preocupada com fauna e flora, em “questão socioambiental”.

Articulando os interesses dos ambientalistas que defendiam a paralisação das

derrubadas das florestas, principalmente, na Amazônia com o apoio às lutas de vários

segmentos sociais que viviam e necessitavam dos recursos das florestas – caso dos

seringueiros e indígenas – firmou-se uma nova proposta societária de movimento social. Era o

socioambientalismo. E que, no Brasil, construía uma imagem de singularidade em relação aos

movimentos de cunho ambiental de outros países.

Santilli (2004) reconhece que o socioambientalismo ainda é um movimento

recente e de pouca exploração analítica por parte de quem o investiga. Ele surgiu como

resultado da articulação das idéias de inclusão de políticas públicas ao meio ambiente e que

envolvessem os grupos locais das florestas e campos e que são considerados pelos adeptos do

socioambientalismo como detentores de práticas de baixo impacto aos ecossistemas.

O socioambientalismo foi se constituindo de novas práticas e instrumentos de

legitimação de um novo processo dentro dos movimentos sociais, aliado às reivindicações de

segmentos sociais amazônicos, caso, principalmente, dos seringueiros do Acre. Ao mesmo

tempo em que conceitos, elaborações teóricas e dispositivos legais eram produzidos para

materializar os efeitos de tal movimento societário, as lutas sociais que refletiam este novo

movimento eram desencadeadas na realidade.

Com a mobilização pela criação das primeiras reservas extrativistas no Brasil70, a

categoria populações tradicionais começou a ganhar visibilidade, e foi inventada,

principalmente, a partir da criação do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das

70 Conforme Costa Filho (1995, p.26), em 1990, foram criadas as primeiras quatro Reservas Extrativistas do Brasil: a Reserva do Alto Juruá (Acre), a Reserva Chico Mendes (Acre), a Reserva do Rio Ouro Preto (Rondônia) e Reserva do Rio Cajari (Amapá).

77

Populações Tradicionais (CNPT)71, em 1992, no âmbito do Ibama. Segundo Lobão (2006), os

seringueiros passaram a extrativistas quando ainda dominavam a interpretação do processo de

implementação das primeiras reservas extrativistas, mas depois, com o CNPT, passam a ser

definidos como populações tradicionais.

No site do IBAMA, na Internet, figura um histórico do CNPT que apresenta dentre

suas atribuições: “criar, implantar, consolidar, gerenciar e desenvolver as Reservas

Extrativistas em conjunto com as populações tradicionais que as ocupam”72. As chamadas

populações tradicionais passaram a existir, sendo apropriadas para outros contextos,

dependendo da situação em que eram evocadas.

O antropólogo Paul Little (2002) argumenta que se constituiu um vocabulário

semântico com a combinação de palavras que se firmaram em vários discursos definindo

coletividades, tal como a categoria que utilizo aqui – populações tradicionais. Assim,

juntaram-se categorias como populações, comunidades, povos, sociedades e culturas com

adjetivos tais como tradicionais, autóctones, rurais, locais, residentes, criando um léxico que

significa a identificação de grupos humanos com específicos modos de vida espalhados no

país.

No âmbito normativo, um momento histórico de definição do que seria populações

tradicionais ocorreu na elaboração da lei nº 9.985/2000 que institui o SNUC. Conforme

Sant’Anna (2003), durante os debates para a elaboração do SNUC, surgiram problemas de

duas ordem quanto á inclusão da categoria populações tradicionais no referido documento.

Inicialmente, população tradicional seria definida como uma “população

culturalmente diferenciada”73. Porém, essa expressão foi contestada, principalmente, por

71 Maiores detalhes sobre o CNPT vide nota 07. 72 Acessado em 10/10/2007. www.ibama.gov.br/resex/cnpt.htm 73 Conforme Sant’Anna (2003), as primeiras definições de populações tradicionais vieram através de substitutivos do projeto de lei do SNUC. Mas, devido a sérias críticas às definições de população tradicional, a mesma acabou não permanecendo no texto final da lei.

78

antropólogos, dentre eles Henyo Barreto Filho74, que chamava atenção para a possibilidade de

ter “uma posição que [afirmasse]: ‘não, culturalmente diferenciadas são as populações

indígenas’” (apud Sant’Anna, 2003, p. 121). Dessa forma, surgiam implicações que podiam

questionar quais populações mereciam estar inseridas nas unidades de conservação de uso

sustentável e qual o sentido deveria ser reconhecido para o termo tradicional.

Esta autora afirma que a categoria acabou não sendo colocada no texto final do

SNUC, devido à dificuldade de definição do que seria uma população tradicional e que

ambientalistas, antropólogos, parlamentares e representantes de movimentos sociais

negociaram pelo veto presidencial à mesma. Nesse aspecto, Sant’Anna (2003, p. 123) salienta

que

Para muitos que se envolveram na elaboração do SNUC, o veto representou a melhor solução possível naquele momento, pois não restringia ou generalizava, mas abria espaço para que cada grupo social interessado em participar do sistema de unidades de conservação fosse avaliado segundo seu caso específico.

Passado o veto da definição final de populações tradicionais no SNUC, em 07 de

fevereiro de 2007 foi publicado o Decreto nº 6.04075, em que consta a mais recente definição

normativa dessa categoria e que reproduz a mesma definição presente na Instrução Normativa

nº 0176 do recém criado Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade77,

transcrita abaixo:

população tradicional: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais; que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (...).

74 Antropólogo, atualmente, pesquisador e professor de Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB). 75 Decreto Federal que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6040.htm. Extraído em 20/06/2007. 76 Instrução Normativa nº 01 de 18 de setembro de 2007. Publicada no Diário Oficial da União nº 182, Seção I, páginas 101 e 102. 77 Sobre o Instituto Chico Mendes vide nota 06.

79

É pertinente apontar que nesta mais recente definição a expressão – “grupos

culturalmente diferenciados” – continua semelhante à que constava na definição vetada do

SNUC. Apesar de acrescentada da expressão – “e que se reconhecem como tais” –, questiono

se não surgirá alguma implicação para o fato de que ainda nessa recente definição – “grupos

culturalmente diferenciados” podem surgir decisões que levem em consideração, somente, os

grupos indígenas, permanecendo o impasse na definição de qual coletividade é ou não

população tradicional. Em quais critérios estarão baseados quem afirmar que tal grupo é

culturalmente diferenciado e que se reconhece como tal? Não proponho respostas, porém

importa refletir no momento.

No âmbito da definição sócio-antropológica, Lobão (2006) enfatiza que o conceito

de populações tradicionais, no Brasil, inicialmente, tinha um sentido ligado à história dos

povos amazônicos, já que foi da Amazônia, que surgiu o movimento de construção de

visibilidade dessa categoria ao público em geral, decorrente da luta dos seringueiros. De

acordo com este autor, até a década de 1980, os povos amazônicos eram classificados em três

grupos: índios, caboclos ou ribeirinhos e colonos.

Entretanto, para os antropólogos Almeida e Carneiro (2001, p. 184) os povos

indígenas não estariam incluídos na categoria populações tradicionais, tal como construída

dentro da legislação do SNUC. Os povos indígenas foram construídos como coletividades

distintas há algumas décadas antes de 1980 na legislação brasileira. Na definição

constitucional, os povos indígenas tiveram seus territórios – as chamadas terras indígenas –

como uma categoria jurídica estabelecida pelo Estado brasileiro e que foram demarcadas no

decorrer da segunda metade do século XX (LITTLE, 2002).

Assim, diferente do conceito de populações tradicionais, que foi construído

relacionado à idéia de equilíbrio dos recursos naturais, o que se consolidou na legislação

80

brasileira foi que os direitos indígenas não eram qualificados em termos de “conservação”,

mesmo que suas terras fossem consideradas relevantes locais de conservação ambiental78.

Almeida e Carneiro (2001, p. 184) argumentam que, em fins da década de 1990, a

inclusão de mais coletividades enquadradas como populações tradicionais dever-se-ia ao fato

de que o significado da categoria foi ser ampliado “de maneira ‘extensional’, isto é,

enumerando seus ‘membros’ atuais ou candidatos a ‘membros’”.

No texto da 2ª Reunião Ordinária da Comissão Nacional da Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT)79, foi relatado,

de acordo com informações do antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, que ¼ do

território nacional brasileiro é ocupado por povos ou populações tradicionais, compondo uma

estimativa de quase 5 milhões de pessoas, e que, segundo o antropólogo Paul Little, existem

26 grupos específicos classificados como populações tradicionais. Porém, essas informações

são muito mais referências do que dados precisos, pois ainda é precária a disponibilização de

dados (MMA, 2006).

Esse texto destaca uma informação importante ocorrida durante o I Encontro

Nacional de Populações Tradicionais realizado na cidade de Luziânia, em Goiás, no período

de 17 a 19 de agosto de 2005 (MMA, 2006). Nesse encontro, firmaram-se 15 categorias de

auto-identificação que, conforme enfatizado por Almeida e Cunha (2001), incluíram novas

categorias, confirmando o que esses autores ressaltam por vertente “extensional” de

enumeração de membros como integrantes de populações tradicionais. São as seguintes:

sertanejos, seringueiros, comunidades de fundo de pasto, quilombolas, agroextrativistas da

78 Importa destacar que Almeida e Carneiro (2001, p. 187) enfatizam que as chamadas populações tradicionais

não são necessariamente conservacionistas, crença que resultou, durante algum tempo, entre ideólogos do movimento ambiental e até de intelectuais, na essencialização do chamado “bom selvagem ecológico”. Esses autores argumentam que, em primeiro lugar, algumas coletividades podem seguir “regras culturais para o uso dos recursos naturais que dada a densidade populacional e o território em que se aplicam são sustentáveis”. E, em segundo lugar, eles consideram que, embora algumas “culturas tradicionais” já tenham articulado suas necessidades com a economia de mercado e encontrado mudanças no modo de vida, os mesmos não necessariamente provocarão uma superexploração dos recursos naturais já que “a situação equilibrada anterior ao contato, manteria um papel importante na conservação” (2001, p. 188). 79 Disponível para download através da página www.mma.gov.br.

81

Amazônia, faxinais, pescadores artesanais, comunidades de terreiros, cigana, pomeranos,

indígena, pantaneiros, quebradeiras de côco babaçu, caiçaras e gerazeiros. Outras categorias

podem existir ou serem construídas além destas, mas é interessante que ainda falta uma

investigação mais detalhada desta situação complexa (MMA, 2006).

Alguns autores recentes, principalmente aqueles que se utilizam de uma explicação

sócio-antropológica da categoria populações tradicionais, enfatizam que a visibilidade dessas

coletividades está consolidando-se a partir das várias disputas e eclosão de conflitos

decorrentes da diversidade territorial que existe no país. Nesse sentido, um elemento

importante que subsidia as reivindicações e conflitos dessas coletividades diz respeito à noção

de território.

Definições várias tentam dar sentido para a noção de território. Assim, para Castro

(1997, p. 223), território é conceituado como “o espaço sobre o qual um certo grupo garante

aos seus membros direitos estáveis de acesso, de uso e de controle sobre os recursos e sua

disponibilidade no tempo”. Já para Raffestin (1993, p. 144), que envolve a noção de território

com as lutas pelo poder, território é “um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e

informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder”.

Diegues (1996) ressalta que o território é marcadamente constituído por relações

sociais e que as mesmas definem as formas de ocupação e de apropriação dos recursos

naturais. Este autor destaca que o território de coletividades tradicionais não é contínuo, pois

é construído através das formas de ocupação, tais como o uso do mar, das terras agricultáveis

e das áreas para coleta e extração de produtos da floresta. O território, para Diegues, é

formado, assim, por um sentido coletivo, pois é usado e defendido para o grupo todo ou para a

maioria de seus integrantes.

Através dessas definições, nota-se que o território apresenta um caráter coletivo,

necessário para a apropriação dos recursos naturais e, conseqüentemente, para garantir a

82

reprodução física, social, cultural e econômica e de manter um certo nível de poder. Existem

diversificados territórios sociais no país, ocupados por coletividades específicas, que ainda

não estão reconhecidos oficialmente e que, em muitos casos, enfrentam a posição da

hegemonia territorial imposta pelo Estado-Nação (LITTLE, 2006).

Historicamente, no Brasil, a ocupação e afirmação territorial passou pelo que Little

(2006) e outros autores (ALMEIDA, 2006) enfatizam como territorialidade, que de acordo

com aquele autor (2006, p. 03) é “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar,

controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico (...)”. Esse

esforço coletivo de ocupação e afirmação territorial também está, historicamente, no Brasil,

associada à emergência das populações tradicionais, através de três momentos de eclosão de

disputas e conflitos (LOBÃO, 2006; LITTLE, 2006).

Esses três momentos, segundo Little (2006), estão constituídos no contexto

ambientalista, de criação das primeiras Unidades de Conservação de proteção integral, quando

ocorreu o discurso de ataque à presença de grupos humanos; em um segundo contexto, com a

presença do Estado-Nação estimulando grandes projetos, como indústrias, portos, ferrovias,

hidrovias e hidrelétricas, que vieram sobrepor territórios sociais de específicas coletividades;

e um terceiro momento, ocorrendo, conforme já explicitado, a emergência do movimento

socioambiental, que, inicialmente, reivindicado por grupos extrativistas, como os

seringueiros, defendia a reprodução social dos grupos atrelados ao uso equilibrado das

florestas, situação que concretizar-se-ia com a criação de reservas extrativistas.

O relato de Beto, quando questionado sobre como ele e outras lideranças

argumentariam pela defesa imediata da criação da Resex do Taim, surgiu a seguinte

informação:

Nós não nos enquadramos enquanto assentamento, nós nos enquadramos enquanto população tradicional, então não é assentamento, é uma comunidade histórica, com mais de cem anos, quase duzentos, então, nós não nos enquadramos nesse aspecto com um assentamento, nem muito menos como ocupação (...). (Entrevista concedida em 24/03/2007).

83

Por trás desse comentário, o interlocutor está criticando o fato de que os órgãos

oficiais estaduais classificam as coletividades que reivindicam a criação da Resex do Taim

como assentados ou ocupantes irregulares80. Essa situação é vista por Beto como uma

desconsideração às condições históricas de vida das coletividades a serem inseridos na Resex

e não contribui para afirmar o sentido de população ou grupo tradicional que, para ele, traduz

essas condições e legitima a luta pela implementação dessa unidade de conservação.

Apesar de estar registrada duas categorias de auto-identificação – lavradores e

pescadores – na ata em que a Associação dos Moradores do Taim81 afirma o pedido de

criação da Resex e sua necessidade de envio ao IBAMA, o que está por trás da situação acima

relatada por Beto é a apropriação de uma categoria que se constituiu, em diversos casos, como

decisiva na luta de diversas coletividades pela reivindicação de direitos, pela emergência de

conflitos e por demandar políticas públicas, tal como no caso de uma reserva extrativista.

Dessa forma, a afirmação de Beto não merece ser vista como algo essencial.

Reivindicando a criação da Reserva Extrativista do Taim, esse interlocutor não se

vê e nem percebe as coletividades em jogo na área definida para esta Resex sem estar

relacionadas à idéia de população tradicional. Essa medida, corresponde ao meu ver, em um

instrumento de eficácia simbólica que este interlocutar reafirma a partir do momento em que

percebe que tal categoria é mobilizadora e vem ganhando “membros”, conforme enfatizam

Almeida e Carneiro (2001).

Beto busca legitimar tanto a condição de população tradicional quanto a criação

da Resex do Taim tecendo elementos que refletem a construção desse tipo de unidade de

conservação no Brasil. E nisso ele vai afirmando junto com outras lideranças dos povoados

que

80 Ver o título “O povoado do Taim” que detalha mais informações sobre a classificação assentados e ocupação

irregular. 81 Vide nota 51.

84

(...) pra chegar na Reserva Extrativista mesmo, (...) começamos a aprofundá-la em 98, mas quando começamos a aprofundá-la em 98, nós já tínhamos por exemplo, o Centro Nacional de Populações Tradicionais, o CNPT, que subsidiava muito essa discussão, a partir das reservas do Acre que nós nunca conseguimos ir lá, mas eles traziam essas informações nas discussões de Unidades de Conservação. Toda assembléia do GTA [Grupo de Trabalho Amazônico], (...), todas as assembléias do CNS [Conselho Nacional dos Seringueiros], todas as assembléias da COIAB [Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira], que são os povos indígenas, todos esses grupos, todas as assembléias desses grupos incluía na pauta as Unidades de Conservação, então a gente tava nesses debates (...). (Entrevista concedida em 24/03/2007).

Além de aspectos que possam vir a definir as coletividades presentes na área

prevista para a Resex do Taim como tradicionais, tal como explicitado no caso do povoado

do Taim, existe uma apropriação, a partir da fala acima, do sentido de luta que veio

subsidiando a categoria populações tradicionais no decorrer dos fins da década de 1990. Uma

luta que faz referência à ocupação e reafirmação do território social.

Como ressaltada por alguns autores (DIEGUES, 1996; LITTLE, 2002), a

afirmação do território está intimamente baseado na constituição de relações com os recursos

naturais e na definição coletiva de seu uso. Retornando com as palavras de Beto, o mesmo

enfatiza que

(...) a gente tem a posse da terra, é eu posso ter o meu documento da minha terra, eu tenho hectare, o outro pode ter um pouquinho mais (...). Na unidade de conservação, ele [o hectare] é uma propriedade nivelada de todo mundo, você estabelece as áreas de uso, estabelece as formas de uso e você tem o controle sobre esse uso porque é o que ta estabelecido. E porque exemplo, ninguém pode ter o título dentro da Reserva, o título pessoal, você tem uma área demarcada pro uso pessoal da sua família, o resto são áreas comuns (Entrevista concedida em 24/03/2007).

Essa atitude merece ser interpretada a partir da argumentação de Little (2002)

sobre os usos políticos que a luta pela afirmação de ser população tradicional traduz,

articulada à defesa de territórios sociais. Apropriando-se dessa categoria e reafirmando que o

uso do território caracteriza-se pelo caráter coletivo, as afirmações de Beto resultam no que

Little (2002, p. 23) aponta como a dimensão política da categoria populações tradicionais, ou

85

seja, utilizá-la no plano de reivindicações territoriais de grupos sociais específicos que lutam

pelo “reconhecimento da legitimidade [de] seus regimes de propriedade comum”.

Assim, não é por acaso, por coincidência ou por puro essencialismo que Beto vem

afirmar que as coletividades da área prevista para a Resex do Taim são populações

tradicionais. Na verdade, constituiu-se de um plano político construído por lutas que vem

ganhando solidificação no terreno histórico de grupos, como no caso do Taim, que defrontam-

se com adversidades para manterem sua reprodução social, física e cultural presente nos dias

de hoje.

86

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro

é uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral

particular, construída num tempo particular por certos membros

de uma sociedade particular. Para compreender o que isso significa,

para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais do que

as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do que é comum a todas

as catedrais. Você precisa compreender também – e, em minha opinião,

da forma mais critica – os conceitos específicos das relações entre Deus, o homem

e a arquitetura que ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram

a sua criação. Não é diferente com os homens: eles também, até o último deles,

são artefatos culturais

(Clifford Geertz)

O estudo da proposta de criação da Reserva Extrativista do Taim na Ilha de São

Luís apontou-me alguns aspectos que merecem considerações. É relevante destacar que esta

proposta colocou-me diante de uma complexa problemática de cunho sócio-ambiental no

interior da Ilha de São Luís, o que me faz desvelar que seu estudo necessita de muito mais

investigação, e que o exercício por ora apresentado dá um impulso para pensar outras

questões.

Primeiramente, importa destacar que a proposta da Resex do Taim não surgiu por

acaso, mas levada por situações que, desde a década de 1990, mostram os avanços da

reivindicação de coletividades, tais como pequenos produtores rurais, extrativistas e

pescadores pela adoção de instrumentos de defesa de suas terras e dos ecossistemas que os

mesmos se apropriam. Isso é decorrente de lutas travadas pela defesa da posse de terras, na

elaboração de normas (caso do SNUC), de conceitos (como de populações tradicionais) e de

alternativas que possam superar os efeitos antagônicos de intervenção do capital sobre áreas

de grande biodiversidade e recursos naturais.

É pertinente pensar que a Resex do Taim vem se configurando como uma

construção, uma invenção decorrente de interesses que são apropriados pelos seus principais

defensores, no caso, as lideranças dos povoados que a reivindicam. Temos, assim, o uso

87

constante de categorias, caso da afirmação de populações tradicionais na área prevista para a

Resex, como uma das formas de legitimar a criação de tal unidade. Observo, também, como a

criação das reservas extrativistas no Brasil ainda permanece muito mais atrelada aos discursos

das lideranças do que ao conhecimento de todos os moradores que serão atingidos por esta

política pública. Isso acabou sendo percebido no caso da Ilha de Tauá-Mirim, onde grande

parte dos moradores desconhecem tal instrumento e, mesmo ainda, nem entenderam os

objetivos de sua implementação, já que se defrontam com categorias fora de seus contextos de

vida.

Em segundo lugar, no caso especifico da reivindicação pela Reserva Extrativista

do Taim, as lutas decorrem em torno das disputas pela utilização dos recursos naturais e pelo

controle de um território82. Destaco que na área prevista para a criação da Reserva Extrativista

do Taim uma série de problemas sociais, ambientais e outros, como fundiários e de trabalho,

estão sendo desencadeados desde há trinta anos. Essa área – a porção sudoeste da Ilha – ainda

apresenta uma grande diversidade florestal, faunística e hídrica, o que chama atenção para a

relação entre a apropriação desta diversidade com as necessidades de sobrevivência das

coletividades que residem neste local.

São recursos naturais vindos dos igarapés, dos mangues, das matas, das roças, das

inúmeras árvores nativas que são extraídos para consumo próprio e para a comercialização em

localidades próximas ou mesmo distantes ou que fazem parte da preparação dos rituais, de

festividades, mas que estão ameaçados devido ao avanço da poluição dos rios, dos pequenos

cursos d´água, do cercamento de áreas utilizadas para a agricultura de pequenos produtos, do

aumento de resíduos químicos no ar e nos igarapés. Isso em decorrência dos grandes projetos

que buscam cada vez mais espaços para expandirem suas atividades ou para manterem o

controle de áreas próximas às suas atuais instalações.

82 Penso a idéia de território a partir das contribuições de Little (2006) e Raffestin (1993) como sendo o resultado da construção de relações sociais em determinado espaço, com vistas à disputa e legitimação de poder através do uso e controle do ambiente biofísico.

88

Em terceiro lugar, essa problemática sócio-ambiental a que me refiro tem por trás

de si o confronto de lógicas desiguais de apropriação do ambiente. De um lado, os grandes

projetos industriais exploram de forma intensa os recursos florestais e hídricos a partir de uma

tecnologia que por vezes degrada o ambiente e, no caso, do Maranhão, vêem desde o período

militar, mais precisamente, nos anos 1970, ocupando territórios que de forma nenhuma

estavam “vazios” ou que eram descritos como de ocupação irregular.

A concepção de território que prevalece a partir dos grandes projetos industriais é

de uma orientação unilinear e homogênea em que a natureza aparece com um novo

significado, preso a um fluxo contínuo de uma rede de exploração destinada à realização da

produtividade econômica capitalista. Nesse sentido, a lógica de apropriação dos recursos

naturais e do território está atrelada à sustentação de formas de exploração existentes com as

atividades industriais do Distrito Industrial II da Ilha de São Luis.

Por outro lado, a apropriação do território pelas coletividades dos povoados que

lutam pela Resex revela-se sob diferentes concepções, como, por exemplo, no uso das áreas

naturais para diversas necessidades (trabalho agrícola, pesca, extração e outras), que

viabilizam manter a reprodução material e social dos grupos, bom como a manutenção

equilibrada das relações com os ecossistemas.

Nesse sentido, considero que a partir da emergência de criação de uma Reserva

Extrativista na área estudada, possibilita-se pensar em um cenário de conflito sócio-ambiental

(ACSELRAD, 2004).

As coletividades que buscam a criação de uma Resex e os projetos industriais que

buscam expandir suas formas de uso dos recursos naturais e ocupação dos territórios colocam

em confronto desiguais poderes que mostram, na verdade, lutas pela afirmação de sentidos

culturais. Esse confronto é visto, segundo Acserald (2004), como uma construção variável no

tempo e no espaço que viabilizam as ações e/ou construções discursivas, sejam dos grupos

89

que defendem a Resex, através de sua identificação como populações tradicionais, sejam dos

grandes projetos legitimando sua autoridade através de um discurso de desenvolvimento e

progresso para o Estado.

90

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ANEXOS

I - Oficio da União dos Moradores do Taim com pedido ao IBAMA para criação da Reserva Extrativista do Taim

97

II - Convite para reunião no povoado do Jacamim, na Ilha de Tauá-Mirim

98

III - Ata da Assembléia realizada na União de Moradores do Taim

99

100