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Reações Adversas a Drogas – Introdução Willy Sarti L. Karla Arruda Capítulo 45 Neste Capítulo, descrevemos as reações adversas a drogas em seus aspectos clínicos e siopatológi- cos, dando ênfase particular às reações alérgicas. São estudadas aquelas drogas mais freqüentemente envolvidas com manifestações de idiossincrasia, pseudoalergia ou alergia propriamente dita. Ênfase especial é dada às drogas do grupo β-lactâmico, como as penicilinas, por sua grande importância no tratamento das doenças infecciosas, ressaltan- do o diagnóstico e a prevenção das manifestações alérgicas. Algumas situações especiais, como as reações aos soros heterólogos, contrastes iodados, anestésicos locais e antiinamatórios não-hormo- nais, são abordadas em decorrência do freqüente envolvimento dessas drogas em reações adversas ou devido à crescente demanda delas na terapêutica. Ao lado do estudo da siopatologia e diagnóstico, são apresentadas sugestões para soluções de problemas especícos, como a prevenção de reações a contras- tes iodados. Voltarelli45.indd 977 Voltarelli45.indd 977 30/9/2008 16:17:33 30/9/2008 16:17:33

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Reações Adversas a Drogas – Introdução

Willy Sarti L. Karla Arruda

Capítulo 45

Neste Capítulo, descrevemos as reações adversas a drogas em seus aspectos clínicos e fi siopatológi-cos, dando ênfase particular às reações alérgicas. São estudadas aquelas drogas mais freqüentemente envolvidas com manifestações de idiossincrasia, pseudoalergia ou alergia propriamente dita. Ênfase especial é dada às drogas do grupo β-lactâmico, como as penicilinas, por sua grande importância no tratamento das doenças infecciosas, ressaltan-do o diagnóstico e a prevenção das manifestações

alérgicas. Algumas situações especiais, como as reações aos soros heterólogos, contrastes iodados, anestésicos locais e antiinfl amatórios não-hormo-nais, são abordadas em decorrência do freqüente envolvimento dessas drogas em reações adversas ou devido à crescente demanda delas na terapêutica. Ao lado do estudo da fi siopatologia e diagnóstico, são apresentadas sugestões para soluções de problemas específi cos, como a prevenção de reações a contras-tes iodados.

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Willy Sarti

Reações Adversas a Drogas: Aspectos Gerais e Reações a Agentes Antimicrobianos

Capítulo 45.1

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os primeiros relatos de reações adversas datam do início do século XX, coincidindo com a intro-dução dos soros heterólogos para uso terapêutico. A doença do soro era a manifestação mais freqüente até a década de 1930, época em que novas drogas sintéticas começaram a aparecer, elevando conside-ravelmente o número de reações adversas; as sul-fonamidas e o fenobarbital são as principais drogas envolvidas.

Defi ne-se reação adversa a droga como sendo qualquer resposta não desejada que ocorre com a utilização de doses terapêuticas de uma determinada droga usada no ser humano com a fi nalidade de tra-tamento, diagnóstico ou prevenção de doenças.

As reações adversas a drogas são heterogêneas, com respeito às manifestações clínicas, mecanismos fi siopatológicos e características particulares dos indivíduos. As reações adversas são classifi cadas em dois grandes grupos: reações adversas previsíveis e não previsíveis.

Reações a Drogas Previsíveis Superdosagem ou toxicidade: estes efeitos são diretamente relacionados com a quantidade da droga no organismo e podem ser esperados sem-pre que um certo limite for ultrapassado. Efeito colateral: são efeitos indesejáveis do ponto de vista terapêutico devido a ações farmacoló-

gicas que ocorrem dentro dos limites das doses usual mente empregadas da medicação. Por exem-plo, as drogas anticolinérgicas podem produzir efeitos colaterais, como boca seca, retenção uri-nária, visão borrada etc. Outros efeitos colaterais de aparecimento tardio incluem teratogenicidade ou carcinogenicidade, como o metotrexato. Efeito secundário ou indireto: estes efeitos não são inevitáveis e não são devidos à ação farma-cológica da droga. Como exemplo, temos a colite membranosa causada pelo Clostridium difi cile, que fl orece no trato gastrintestinal como conse-qüência do tratamento com antibióticos. O C. difi cile produz uma toxina que provoca a colite membranosa. Interações medicamentosas: drogas administradas simultaneamente podem interagir para o aumento ou a diminuição de uma resposta esperada ou de-terminar uma resposta inesperada. Por exemplo, a fenitoína pode se elevar no soro se administrada concomitantemente a drogas como amiodarona, diazepan, dissulfuram, antagonistas H2, isoniazida, fenotiazidas, fl uoxetina e sulfonamidas.

Reações a Drogas Não Previsíveis Intolerância: trata-se de um limiar diminuído para a ação farmacológica de uma droga em indivíduos suscetíveis. O exemplo clássico é aquele em que a maioria dos indivíduos desenvolve tinido nos ouvidos ao ingerir doses elevadas de salicilatos. Porém aqueles que são intolerantes apresentam

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tinido com uma dose média ou mesmo muito mais baixa que o normal. Reações idiossincráticas: idiossincrasia é o termo usado para descrever uma resposta inesperada anormal a uma droga, diferente da sua ação far-macológica. Indivíduos suscetíveis apresentam defi ciência genética relacionada com o metabo-lismo da droga que somente se torna manifesta quando expostos ao medicamento. O exemplo é aquele dos pacientes que têm defi ciência da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase e que de-senvolvem anemia hemolítica quando expostos ao antimalárico primaquina e outros antioxidantes. Reações pseudo-alérgicas: são reações imediatas generalizadas envolvendo a liberação de mediado-res dos mastócitos por mecanismo independente de anticorpos. Embora a manifestação clínica seja semelhante à de uma reação alérgica, o desencade-amento da reação não envolve qualquer interação da droga ou seus metabólitos com anticorpo IgE. A urticária relacionada com a ingestão de aspirina é típicamente uma reação pseudo-alérgica. Reações alérgicas: as reações a drogas resultan-tes de uma resposta a um mecanismo imunoló-gico específi co constituem uma reação alérgica a droga, referida como alergia à droga ou hiper-sensibilidade à droga. Essas reações ocorrem em uma pequena população de pacientes usuá-rios de uma determinada droga e não guardam necessariamente relação com a quantidade da droga administrada. Por exemplo, a anafi laxia ocorrida imediatamente após uma injeção de penicilina constitui uma reação alérgica à droga mediada pela IgE. Do mesmo modo, a anemia hemolítica causada por acetoaminofen, hidantoi-natos, cefalosporinas, penicilina etc., mediadas por imunocomplexos IgM ou IgG, é também reconhecida como devida a alergia a drogas.

BASES IMUNOLÓGICAS DA HIPERSENSIBILIDADE A DROGAS

É provável que qualquer droga ou agente bioló-gico seja capaz de induzir uma resposta imunitária humoral ou celular. No entanto, o desenvolvimen-to de uma resposta imunitária contra uma droga nem sempre provoca uma reação de hipersensibi-lidade. Exemplo típico é a presença de anticorpos de natureza IgM ou IgG contra metabólitos da penicilina em pacientes tratados endovenosamente com o antibiótico, como pode ocorrer também em diabéticos tratados com insulina porcina ou bovina. Assim, a demonstração da presença de anticorpos ou de linfócitos T sensibilizados a uma determinada droga não indica necessariamente uma reação de hipersensibilidade àquela droga. Por outro lado, o aparecimento de uma reação alérgica a uma droga implica necessariamente o desenvolvimento de uma resposta humoral ou celular.

As reações a drogas podem-se manifestar media-das por qualquer um dos quatro tipos de reação de hipersensibilidade de Gell e Coombs. E em razão disso, as reações a drogas também são classifi cadas de acordo com os mecanismos de hipersensibilidade envolvidos (Tabela 45.1.1).

Proteínas estranhas, como imunoglobulinas he-terólogas, antitoxinas ou antilinfocitárias, ou ainda peptídeos hormonais xenogênicos, são macromolé-culas e, portanto, antígenos completos capazes de induzir a formação de anticorpos das classes IgM e IgG em todos os indivíduos imunologicamente normais. Se os títulos desses anticorpos forem sufi -cientemente elevados para produzir a formação de imunocomplexos a uma taxa superior à capacidade de remoção pelo sistema fagocitário, esses imuno-complexos vão se depositar no endotélio dos vasos, fi xar complemento e produzir reações de hipersensi-bilidade do tipo doença do soro. Em algumas situa-

Tabela 45.1.1. Imunopatologia das Reações a Drogas

Classificação de Imunorreagentes Apresentação ClínicaGell e Coombs

Tipo I (anafilática) Desgranulação de mastócitos Anafilaxia, Urticária (IgE dependente – reação anafilática) Angioedema, Asma, IgE independente reação pseudo-alérgica Rinite etc.

Tipo II (citotóxica ou Reações mediadas por anticorpos citotóxicos, Citopenias, Tireoiditecitolítica) IgM e IgG e complemento freqüentemente

Tipo III (Imunocomplexos) Reações mediadas por imunocomplexos Doença do Soro, Complemento sempre envolvido Vasculites

Tipo IV (reação celular) Mediação de linfócitos T e citocinas Dermatite de Contato

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ções particulares, a sensibilização pode se dar com a formação de anticorpos da classe IgE, e, nesse caso, com uma nova exposição poderá haver uma resposta do tipo anafi lática. A maioria das drogas tem baixo peso molecular (geralmente < 1.000 Daltons), e por causa disso não são imunogênicas. Entretanto, essas drogas ou os seus metabólitos são capazes de se liga-rem a proteínas plasmáticas, celulares ou teciduais, formando o chamado conjugado hapteno-trans-portador (droga-proteína). Esse conjugado passa, então, a ser imunogênico, capaz assim de estimular uma resposta imunitária, bem como uma reação de hipersensibilidade. A maioria das drogas haptênicas se conjuga com as proteínas por meio de ligações co-valentes. Assim, quanto maior for a facilidade com que uma droga forme múltiplas ligações covalentes, maior será o seu potencial imunogênico. Conjugados formados por hapteno-proteína com alta afi nidade e valência tendem a estimular a formação de anticor-pos da classe IgE, exemplo típico dos metabólitos da penicilina, peniciloato e peniloato.

A interação da droga com as proteínas pode in-duzir respostas imunitárias humorais ou celulares contra vários determinantes antigênicos. Assim, anticorpos ou receptores de células T podem ser específi cos contra conjugados formados com a droga nativa ou com a droga metabolizada, ou ainda com determinantes antigênicos formados pela interação da droga com a proteína transportadora. Há, ainda, a possibilidade de uma alteração induzida pela droga na estrutura conformacional da proteína, criando um novo determinante antigênico diferente da droga e da proteína.

FATORES ASSOCIADOS AO DESENVOLVIMENTO DE ALERGIA A DROGAS

Alguns fatores, quando presentes, aumentam a probabilidade da ocorrência de alergia a drogas.

Fatores Relacionados com as Características das Drogas

Alguns grupos de drogas estão mais freqüente-mente associados a alergias a drogas do que outros. Assim, antibióticos portadores do anel β-lactâmico, as sulfonamidas e os depressores do sistema nervoso central estão entre as drogas responsáveis por mais de 80% das reações alérgicas a drogas. As drogas e seus produtos de degradação, que têm a capacidade de ser altamente reativas com proteínas plasmáticas ou teciduais, também apresentam maior incidência

de sensibilização. Reações cruzadas podem ocorrer entre drogas com estruturas químicas semelhantes, como, por exemplo, entre procaína, benzocaína, ácido para-aminossalicílico, sulfonamidas, clorpro-mazina e outros, que apresentam em comum um aminoácido livre na posição para do anel benzênico. Cabe também salientar a possibilidade de reações cruzadas entre as cefalosporinas e penicilinas por possuirem em comum o anel β-lactâmico.

Grau de Exposição e Vias de Administração

A dose, a duração e a freqüência com que uma droga é administrada relaciona-se diretamente com a incidência de reações alérgicas, porém esta aumenta quando a administração é intermitente. Assim, o uso continuado e ininterrupto de uma droga está associado a uma menor incidência de sensibilização alérgica. O exemplo disso é a baixa incidência de sensibilização em pacientes que fazem uso de penicilina para profi laxia de febre reumática.

A via de administração da droga está vinculada à oportunidade de estabelecimento de hipersensibili-dade. Desse modo, a aplicação de drogas na super-fície cutânea está altamente associada a dermatites de contato, bem como a sensibilizações sistêmicas. No extremo oposto, está a administração oral, que se constitui na via preferencial, embora mesmo por essa via possam ocorrer reações graves e até fatais. Entre as vias parenterais de administração, a intramuscular é a mais sensibilizante.

Fatores Relacionados com o PacienteO sexo e a idade têm pouca importância na

incidência de reações de hipersensibilidade a dro-gas. Entretanto, a incidência de reações cutâneas alérgicas é 35% mais freqüente em mulheres. A presença de história pessoal ou familiar de atopia também não está associada ao aumento de reações alérgicas a drogas. Estudos têm indicado que genes do complexo maior histocompatibilidade, bem como genes implicados na taxa de síntese de enzimas estão associados à suscetibilidade a reações a drogas.

A associação de bloqueadores β-adrenérgicos a drogas mais freqüentemente relacionadas com rea-ções alérgicas ou pseudo-alérgicas, como penicilina, antiinfl amatórios não-hormonais ou contraste ioda-do, aumenta a morbidade e a gravidade dos eventos alérgicos.

Doenças subjacentes como mononucleose in-fecciosa ou leucemia linfóide crônica aumentam

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em até 20 vezes o risco de erupções cutâneas macu-lopapulosas após a administração de ampicilina ou amoxicilina.

A incidência de reações alérgicas cutâneas ao sulfametoxazol-trimetoprim em pacientes prima-riamente imunodeprimidos ou secundariamente em pacientes com a síndrome de imunodefi ciência adquirida é até 25 vezes mais freqüente do que na população normal.

CONSIDERAÇÕES ÚTEIS PARA DIAGNÓSTICO DE ALERGIA A DROGAS

Alguns critérios têm sido úteis para distinguir as reações alérgicas a drogas de outras reações adversas. As reações alérgicas ocorrem em apenas uma pe-quena porcentagem dos pacientes em tratamento com drogas. As manifestações clínicas não guardam qual-quer relação com as ações farmacológicas das drogas. Na ausência de exposição prévia à droga, os sintomas e sinais clínicos de alergia à droga surgem somente após uma semana de tratamento contínuo. Após a sensibilização, mesmo que anos anteriormente, a reação alérgica se desenvolve rapidamente após a exposição à droga. Drogas usadas de modo contínuo, durante meses ou mais, raramente estão implicadas no desenvolvimento de reações alérgicas. Ter em conta essa relação temporal, freqüentemente se constitui em infor-mação extremamente útil para determinar qual droga, entre muitas que estão sendo administra-das, seria considerada a suspeita de provocar a reação de hipersensibilidade. Além das manifestações clássicas de hipersen-sibilidade como anafilaxia, urticária, asma e doença do soro-símile, uma variedade de outras manifestações é possível, como exantemas, febre, infi ltrados pulmonares com eosinofi lia, hepatite, nefrite aguda intersticial e síndrome lúpica. A reação alérgica pode ser reproduzida por pe-quenas doses da droga suspeita ou por outra que possua estrutura química semelhante. A eosinofi lia, quando presente, é um dado suges-tivo da presença de alergia. Anticorpos ou linfócitos T específi cos têm sido identifi cados como reatores com a droga suspeita ou seu metabólito. Entretanto, isso é raramente útil para o diagnóstico, com exceção para as dro-

gas de alto peso molecular, como as proteínas dos anti-soros. Como em qualquer reação adversa à droga, as reações alérgicas desaparecem em poucos dias após a suspensão do agente.

PREVENÇÃO DAS REAÇÕES ALÉRGICAS A DROGAS

Embora na maioria das vezes o resultado de uma reação alérgica seja favorável, nunca é demais fazer a prevenção. Considerações sobre a droga: prescrever somente quando indicado, evitar drogas sabidamente sen-sibilizadoras. Considerações sobre o paciente: procurar saber se há história de alergia à droga a ser prescrita ou a qualquer outra droga. História de atopia não aumenta o risco de hipersensibilidade à droga. Quando a condição requerer, o teste cutâneo deve ser efetuado, se possível. Essa questão será mais bem discutida quando estudarmos as drogas indi-vidualmente. A via de administração preferida será sempre a oral, por ser reconhecida como a menos sensibi-lizante.Após a reação, o paciente ou os seus responsáveis

devem ser inteiramente informados para prevenções futuras, bem como o evento deve ser devidamente registrado em seu prontuário de modo destacado.

TÉCNICA DE ABORDAGEM A PACIENTES SUSPEITOS DE ALERGIA A DROGAS

A condição mais temerosa é a reação alérgica sistêmica durante o processo de administração de uma droga suspeita. A prevenção pode ser feita, em alguns poucos casos, estabelecendo-se a certeza do diagnóstico de hipersensibilidade, efetuando-se testes cutâneos adequados ou testes de provocação. A dessensibilização é também possível, porém, de alto risco. Para isso, a metodologia é empregada de tal modo que os riscos são diminuídos ao mínimo possível quanto à gravidade, e a eventual reação deve ser revertida com tratamento apropriado.

O maior risco é o estabelecimento de anafi laxia generalizada, bem como manifestações cutâneas tardias, como, por exemplo, a síndrome de Stevens-Johnson. Em vista da potencial gravidade dessas reações, o reconhecimento e tratamento precoces são essenciais.

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ALERGIA A PENICILINA E OUTROS ANTIBIÓTICOS β-LACTÂMICOS

Introdução e Fatores PredisponentesDevido às reações de hipersensibilidade, a

prescrição de penicilina tem sido relutante nesses últimos anos. Durante esse período, vários estudos têm demonstrado que reações alérgicas tomadas de modo geral, isto é, em qualquer das suas manifes-tações, representam de 0,7% a 10% dos indivíduos usando a droga. As reações moderadas ocorrem com a freqüência de 0,5 a 1/1.000 tratamentos, e as reações fatais acontecem com a freqüência de 1 a 2/100.000. Por esse fato ou a despeito disto, o temor às reações anafi láticas tem sido a causa desta relutância, determinando que muitos pacien-tes sejam privados do tratamento com penicilina, além do que, freqüentemente, relatam história de alergia à penicilina muito distantes da verdade. Há um estudo prospectivo mostrando que apenas 25% do pacientes com história convincente de alergia a penicilina sofreram alguma reação após a admi-nistração da droga. Entretanto, quando as reações graves ocorrem, causam grande celeuma, tanto no meio médico como entre os pacientes, aumentando a relutância na prescrição da droga, bem como a adesão daqueles pacientes em tratamento. Por outro lado, se excluirmos as eventuais reações alérgicas, podemos aceitar que a penicilina é praticamente isenta de reações adversas, além ser de baixo custo e o antibiótico de primeira escolha para tratamento da sífi lis e das estreptococcias em geral.

A presença de história pessoal ou familiar de ato-pia deveria ser condição de predisposição à reação alérgica à penicilina, no entanto isso não se verifi ca, a julgar pelos resultados das investigações efetuadas nesse sentido. Em 1971, um estudo realizado pela Academia Americana de Alergia, em 3.000 pacien-tes, mostrou que não havia associação entre história pessoal ou familiar de atopia e reações positivas ao teste de sensibilidade à penicilina. Sarti, em 1985, avaliando quase 7.000 pacientes, encontrou resulta-do semelhante.

A via de administração tem sido considerada como variável de certa importância. Assim, a sensi-bilização pode ocorrer por qualquer via, no entanto o emprego tópico sob a forma de pomadas ou cremes foi abandonado devido à sua capacidade aumen tada de sensibilizar. Entre os tipos de manifestações clínicas, as reações anafi láticas têm sido freqüente-mente associadas à administração da droga pela via parenteral. Apesar disso, têm sido descritos casos

fatais de anafi laxia com antibióticos β-lactâmicos administrados pela via oral.

Há um pequeno grupo de pacientes que apresenta alergia a múltiplas drogas. Estes, por sua vez, apre-sentariam maior tendência de reações de hipersen-sibilidade à penicilina.

O sexo não predispõe à alergia aos β-lactâmicos, bem como a sensibilidade ao fungo do gênero Peni-cilium não torna as pessoas sensíveis à penicilina.

As reações anafiláticas à penicilina ocorrem mais comumente em adultos entre as idades de 20 e 49 anos. Entretanto, isso não quer dizer que os extremos etários estejam inteiramente livres, embo-ra em crianças abaixo de 12 anos a ocorrência seja extremamente rara.

O uso de betabloqueadores aumenta o risco de reações anafiláticas fatais à penicilina, porque o tratamento nessas condições se torna muito mais difícil, devido ao bloqueio da ação β-adrenérgica da epinefrina. Reações anafi láticas fatais com penicilina administrada por via oral têm ocorrido em pacientes com antagonistas β-adrenérgicos.

A positividade ou negatividade dos testes cutâ-neos de hipersensibilidade à penicilina não se cor-relaciona com a história prévia de ter sido tratado ou não com penicilina. Entretanto, um pré-requisito essencial para uma reação anafi lática à penicilina é o contato prévio com a droga. Esse pode se dar não só pelo tratamento, como também por exposições profi ssionais, como enfermeiras e farmacêuticos, bem como por ingestão inadvertida em alimentos, como leite, ou por meio de medicamentos que conte-nham penicilina. Potencialmente, o feto poderia ser exposto na vida intra-uterina, do mesmo modo que o lactente, sendo amamentado por mãe que esteja recebendo tratamento com penicilina.

Manifestações ClínicasAs manifestações clínicas da alergia à penicilina

podem ser mediadas por qualquer das quatro reações de hipersensibilidade descritas por Coombs e Gell. Assim, varia o tipo de manifestação clínica em fun-ção do tipo de reação de hipersensibilidade montada pelo paciente.

Clinicamente, as reações alérgicas à penicilina fo-ram classifi cadas por Levine, de acordo com o tempo decorrido entre a administração da droga e o momen-to do aparecimento da manifestação alérgica. Assim, as reações imediatas ocorrem dentro da primeira hora após a introdução da droga. As manifestações podem-se dar até nos primeiros minutos, ocorrendo

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aí mais freqüentemente os casos de anafi laxia. A urticária é a manifestação mais freqüente, sendo não raro acompanhada de angioedema. As então chamadas reações imediatas podem se apresentar por apenas prurido generalizado, passando por exantema, urticária e manifestações respiratórias como edema de glote e asma, chegando até ao choque anafi láti-co, que pode ser fatal. Reações aceleradas ocorrem após a primeira hora até 72 horas depois do uso da droga. As manifestações clínicas mais freqüentes são exantema e urticária, e são raros edema de glote e choque anafi lático. Reações tardias ocorrem após as 72 horas da administração da droga. Erupções cutâ-neas exantemáticas formam o quadro clínico mais comum, juntamente com a urticária. A síndrome de Stevens-Johnson, entidade mórbida pouco freqüente na hipersensibilidade à penicilina, ocorreria entre as reações tardias, que também incluem a doença do soro-símile, a síndrome de urticária recorrente e artralgia. Nesse grupo, também estão incluídos manifestações hematológicas, renais, infiltrados pulmonares com eosinofi lia e também febre.

Manifestações Hematológicas

A penicilina ou seus derivados podem se ligar às células sangüíneas sem que, na maioria das ve-zes, isso cause manifestações clínicas. As reações, entretanto, são freqüentemente dose-dependentes e relacionadas com o tempo de exposição à droga. Pa-cientes tratados com doses superiores a 20 milhões de unidades/dia desenvolvem reação de Coombs positiva em 3% dos casos. A anemia hemolítica, assim, pode ser provocada pela penicilina, embora muito raramente.

A leucopenia e a neutropenia também parecem ser tempo e dose-dependentes. Em pacientes trata-dos com altas doses de penicilina ou cefalosporina por mais de dez dias, podem ocorrer casos de neu-tropenia. A trombocitopenia é rara, porém disfun-ção plaquetária pode ocorrer, com altas doses de penicilina, ticarcilina e carbenicilina, provocando sangramento.

Essas reações são mediadas, via de regra, pela IgG, e pode haver participação da IgM ou IgA. A eosinofilia acompanha freqüentemente o uso de antibióticos do grupo β-lactâmico. Quando isolada, a eosinofi lia não constitui razão para a suspensão da droga.

Doença do Soro-símileDa mesma forma que na doença do soro clássica,

induzida pela injeção de soro heterólogo, quando

o antibiótico é administrado pela primeira vez, os sintomas podem aparecer de sete a dez dias após. São geralmente caracterizados por febre, linfadeno-patia, mialgias, artralgias, urticária e lesões cutâneas maculopapulares. A deposição de imunocomplexos nos glomérulos é responsável por hematúria e pro-teinúria. As reações causadas por imunocomplexos são autolimitadas, ocorrendo durante o período que a maior parte dos imunocomplexos possui um excesso de antígeno em relação ao anticorpo (imunocomple-xos solúveis). Com o prolongamento do tratamento, são formados imunocomplexos com excesso de anti-corpo, grandes demais para passar através da mem-brana basal, sendo, então, fagocitados pelo sistema fagocitário mononuclear. Os sintomas se resolvem em poucos dias após a suspensão do antibiótico.

Manifestações RenaisA nefrite intersticial tem sido associada à me-

ticilina, e, embora rara, deve ser lembrada. Fre-qüentemente, é acompanhada de febre, exantema e eosinofi lia. A suspensão do antibiótico reverte a disfunção renal imediatamente.

Manifestações CutâneasA urticária e o angioedema são as manifestações

clínicas mais freqüentes entre as reações alérgicas à penicilina. Podem ocorrer em qualquer tempo após a administração do antibiótico. É raro que a reação alérgica ocorra após a suspensão da terapêutica. Quando ocorre, é devida à presença de pequenas quantidades do antígeno, ainda ligado a proteínas, na presença de IgE recém-formada.

Em raras oportunidades, a urticária pode croni-fi car, à custa de pequenas quantidades de penicilina contidas em alimentos ou devido a condições muito peculiares, como no caso da mulher que apresenta-va urticária causada pela dicloxacilina contida no sêmen do marido.

Exantema por Ampicilina e Amoxicilina

O exantema maculopapular provocado por ampi-cilina/amoxicilina ocorre em 5% a 9% dos pacientes tratados, ao passo que para os outros antibióticos do grupo β-lactâmico a ocorrência é de apenas 2% a 3%. Se o paciente for portador de mononucleose infecciosa, a incidência desse tipo de manifestação chega até 100%, conforme algumas observações. Parece haver grande incidência de reações exante-

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máticas (60% a 70%) quando se administra ampici-lina/amoxilina a pacientes com hiperuricemia.

O médico precisa estar atento para uma impor-tante diferenciação: se o exantema for apenas macu-lopapular, embora com algum prurido, porém sem evidência de qualquer outro estigma alérgico, poderá ser considerado não-alérgico e, portanto, se necessá-rio, poderá administrar penicilina cuidadosamente. Caso o exantema apresente urticária associada, deve-se presumir a presença de alergia mediada por IgE, e, então, proceder de modo a evitar possíveis riscos de reação alérgica.

O Antígeno β-lactâmico e a Resposta Imunitária no Homem

O termo antibiótico do grupo β-lactâmico tem sido empregado para descrever penicilinas, cefalos-porinas, carbapenens e monobactans. Apresentam em comum em suas estruturas químicas, o anel β-lactâmico, indispensável para a função antibiótica (Fig. 45.1.1).

A metabolização da penicilina se dá no anel β-lactâmico, formando, então, vários produtos meta-bólicos. A maior parte dos produtos metabólicos da benzil-penicilina, é formada pelo benzil-peniciloil (BPO), que constitui assim o chamado grupo dos determinantes principais. Em inglês, a expressão major determinants tem induzido entre nós a tra-

dução equivocada, determinantes maiores. Esses produtos correspondem a 95% aproximadamente dos metabólitos da penicilina. Os restantes 5% são representados pelos chamados determinantes secundários, também conhecidos em nosso meio, equivocadamente pelo nome de “determinantes me-nores”. Esses são constituidos por metabólitos cujos representantes mais importantes são o benzil-penici-loato, benzil-peniloato e benzil-peniciloil-amina, de-nominados pela abreviação (MDM), do inglês minor determinant mixture. Os mesmos metabólitos podem derivar dos outros antibióticos do grupo β-lactâmico, permitindo, assim, reações cruzadas de hipersensi-bilidade entre essas drogas. Entretanto, é possível que as cadeias laterais dos anéis β-lactâmicos sejam efi cientemente reconhecidas pela IgE, determinando assim que um certo número de indivíduos hipersen-síveis às penicilinas semi-sintéticas o seja também em relação a essas cadeias (R) laterais.

Entre as cefalosporinas de última geração, temos que o grupo dos carbapenens, representado pelo imipenem, apresenta grande reatividade cruzada entre os seus metabólitos e aqueles da penicilina. Por outro lado, o aztreonan, protótipo do grupo dos monobactans, parece ser pouco imunogênico, com baixa reatividade cruzada. Por isso, tem sido bem to-lerado por indivíduos sensíveis a outros antibióticos do grupo β-lactâmico.

Fig. 45.1.1 – Estrutura química de penicilina, cefalosporina e derivados metabólicos.

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CAPÍTULO 45.1 REAÇÕES ADVERSAS A DROGAS: ASPECTOS GERAIS E REAÇÕES A AGENTES ANTIMICROBIANOS 985

As penicilinas, como tantas outras drogas, pos-suem baixo peso molecular e, portanto, não são antigênicas por si mesmas. São haptenos que, para induzir uma resposta imune, precisam combinar com macromoléculas dos tecidos ou do sangue, geral-mente proteínas. Assim, a droga se torna imunogê-nica quando o hapteno se combina com a proteína. A penicilina invariavelmente induz uma resposta imune em todas as pessoas que recebem a droga. Isso, entretanto, não quer dizer que sempre produza hipersensibilidade, pois, na maioria das vezes, a resposta se dá pela produção de IgM e IgG.

Os determinantes secundários, por serem pro-duzidos em pequenas quantidades e por possuírem estrutura química especial, estimulam primariamente a produção de IgE. Ao contrário, os determinantes principais, por se formarem em grande quantidade, estão mais aptos a induzirem a produção de IgM e IgG. Esses fatos talvez sirvam para explicar por que as reações anafi láticas são quase sempre intermedia-das pela IgE antideterminantes secundários. O BPO (determinante principal) induz a produção de ambas IgE e IgG, entretanto como a IgG é formada em grande quantidade, esta poderia atuar como anticor-po bloqueador, ligando-se ao metabólito, prevenindo assim o encontro da droga com a IgE na superfície dos mastócitos e basófilos. Entretanto, em raras ocasiões, a IgE anti-BPO tem sido responsabilizada por reações anafi láticas.

As reações de hipersensibilidade à penicilina po-dem-se dar por qualquer dos mecanismos descritos por Gell e Coombs (Tabela 45.1.2).

Diagnóstico da Alergia à PenicilinaHistória Clínica

A história pode ser absolutamente convincente de que tenha havido manifestação alérgica à peni-

cilina. Nesse caso, deve ser abandonada a idéia de prescrição da droga; é portanto, desnecessário buscar outros meios diagnósticos. Entretanto, o que ocorre na maioria dos casos é que a história não fornece segurança absoluta quanto à positividade ou negati-vidade das supostas reações alérgicas havidas.

Quanto mais experiente o médico, mais dúvidas são levantadas quando o paciente relata história de alergia à penicilina.

Não é raro que crianças tenham sido rotuladas como alérgicas à penicilina, ou a qualquer outro antibiótico que tenha sido administrado a paciente febril, prestes a desenvolver doença exantemática. Quando o exantema se manifesta após a introdução do antibiótico, freqüentemente confunde-se essa com reação alérgica.

Distúrbio neurovegetativo (DNV), também chamado reação “vaso-vagal”, pode acontecer quando paciente recebe tratamento com injeção intramuscular de penicilina benzatina (benzetacil). A ansiedade, o medo, mais a associação com a dor costumam ser as causas mais freqüentes da reação vaso-vagal. A injeção inadvertida de procaína intra-venosa também pode ser responsável pelo quadro de reação pseudo-anafilática. Nesses casos, ao contrário do choque anafi lático, não há hipotensão, os sintomas são de agitação ou muita ansiedade após o paciente recobrar a consciência. A volta à consciência se dá em poucos minutos sem nenhum tratamento específi co, a não ser a tomada da posição deitada. Esses pacientes geralmente apresentam ma-nifestações semelhantes frente a injeções de outros medicamentos ou outros procedimentos médicos, que para eles possam ser ameaçadores. Assim, histórias desse tipo podem rotular pacientes como alérgicos à penicilina, privando-os de eventuais tratamentos com a droga.

Tabela 45.1.2. Mecanismos de Hipersensibilidade e Manifestações Clínicas da Alergia à Penicilina

Tipo de Reação (Gell e Coombs) Hipersensibilidade Manifestações Clínicas

Tipo I Anafilática Exantema maculopapular Urticária – edema de glote Choque circulatório

Tipo II Citotóxica Anemia hemolítica Citopenias Disfunção plaquetária

Tipo III Imunocomplexos Doença do soro Glomerulonefrite Pneumonite

Tipo IV Imunidade celular Dermatite de contato

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Ainda que a história seja absolutamente verdadei-ra, somente 10% a 15% dos pacientes permanecem alérgicos à penicilina depois de alguns anos, a julgar pela presença dos testes cutâneos positivos. Uma boa parte dos pacientes perde as suas sensibilidades a partir do primeiro ano após a reação alérgica e cerca de 20% a 30% podem permanecer sensíveis até dez anos após.

Parece que a gravidade da reação alérgica cor-relaciona-se com a duração da hipersensibilidade à penicilina, determinada por testes cutâneos. Assim, 40% dos portadores de história de choque anafi lático permanecem com teste cutâneo po-sitivo, ao passo que somente 17% entre aqueles com história de urticária e apenas 7% entre os que manifestaram exantemas maculopapulares.

Embora a história seja de grande valia, não se pode depender apenas dela para avaliar a presença de alergia à penicilina. Até o momento, o melhor meio de se objetivar essa avaliação é através dos testes cutâneos, pois a dosagem sérica de IgE especí-fi ca, efetuada através do RAST (radioallergosorbent test), não é capaz de detectar todos os determinantes antigênicos da penicilina. Estudos comparativos mostram que o teste intradérmico apresenta maior sensibilidade que a dosagem de IgE específi ca.

Ter como conduta definida aplicar o teste de sensibilidade à penicilina, ou não aplicá-lo, depende de como o médico encara o risco para o paciente. Se o clínico tem em sua avaliação os resultados de estudos que mostram a morbidade em torno de 0,5 a 1/1.000 e a mortalidade de 1-2/100.000 trata-mentos, ele poderá considerar o risco quase nulo e, portanto, não se preocupar com resultados adversos. Entretanto, a maioria dos médicos se preocupa com a eventual manifestação de alergia, ainda que esta se apresente na sua forma mais benigna. Isso tem levado muitos a praticarem a célebre prescrição no verso da receita: “Fazer o teste.”.

Essa conduta tem sido a pior possível, pois a aplicação do teste por pessoa não treinada e com técnica e material inadequados é geralmente causa de erro.

Assim, a rotulação do paciente como alérgico à penicilina priva-o de utilização da droga e induz o médico à prescrição de outros antibióticos, nem sempre os mais indicados e freqüentemente mais caros e possivelmente plenos de efeitos colaterais. Em termos gerais, isso é mais danoso do que não fazer teste nenhum e simplesmente correr um risco que é sabidamente baixo. Outra distorção de conduta é simplesmente não utilizar nunca os β-lactâmicos.

Presentemente, duas correntes de opinião têm prevalecido. A mais antiga seleciona, através da história, três tipos de pacientes: pacientes sensíveis à penicilina; pacientes não-sensíveis à penicilina; pacientes com sensibilidade duvidosa.

Os dois primeiros tipos de pacientes ficam imediatamente afastados do teste, por suposta falta de necessidade de verifi cação. O terceiro tipo de paciente seria, então, testado. Como vimos ante-riormente, essa conduta seria válida se a história de sensibilidade à penicilina, positiva ou negativa, fosse inteiramente confi ável.

A segunda corrente preconiza o teste de hiper-sensibilidade a todos os pacientes que recebem uma prescrição de penicilina. Em crianças, a alergia à penicilina deve ser encarada de modo especial. A incidência de reações alérgicas graves tem se mostrado irrelevante em crianças abaixo dos 12 anos de idade, e o termo alergia à penicilina tem sido freqüentemente mal utilizado. Sarti mos-trou que, das 477 crianças que foram submetidas ao teste de sensibilidade com MDM e PG, apenas quatro foram positivas, uma com idade de 5 anos, uma com 6 anos e duas com 9 anos.

Em 1991, foi publicado um estudo internacional sobre reações em crianças em tratamento profi lático de longa duração, para febre reumática, com peni-cilina benzatina. Esse estudo revelou, entre outras coisas, que reações alérgicas graves pela penicilina são raras e que, quando elas ocorrem, fazem-no em crianças portadoras de comprometimento cardíaco grave, muitas vezes facilitadas pela utilização con-comitante de betabloqueadores. Entretanto, quando ocorre anafi laxia fatal, esta pode ter efeito danoso sobre a comunidade, promovendo temor e falta de aderência ao tratamento.

Assim, faz-se necessário um método seguro e con-fi avel para selecionar aquelas pessoas com risco de manifestação de alergia à penicilina. O teste cutâneo de sensibilidade com PPL e MDM ou PG preenchem esses requisitos.

Teste Cutâneo: Reagentes e TécnicasDesde os anos 1960, vêm sendo desenvolvidos

os reagentes, bem como a técnica de aplicação dos testes cutâneos de hipersensibilidade à penicilina.

Os reagentes são constituídos pelos metabólitos da penicilina, obtidos diretamente da sua hidrólise.

O determinante principal, o benzil-peniciloil (BPO), está disponível na forma de benzil-penici-

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loil-polilisina (PPL) com o nome comercial de Pre-Pen. É apresentado liofi lizado em ampolas para uso individual. Esse reagente, como vimos anteriormen-te, detecta a maior parte dos indivíduos IgE sensíveis à penicilina (cerca de 80%), porém é raro que sele-cione aqueles que reagiriam com hipersensibilidade imediata. O PPL é responsável, principalmente, pela identifi cação daqueles pacientes com risco de reação alérgica acelerada ou tardia.

Quando se utiliza no teste a mistura de determi-nantes secundários associada ao PPL, a capacidade de identifi cação dos indivíduos alérgicos aumenta para 99,5%.

O MDM, sigla inglesa para a mistura de deter-minantes secundários, não tem sido encontrado no comércio, por se tratar de material que se deteriora facilmente, em poucas horas. Enquanto não temos MDM na forma comercial, podemos prepará-lo a partir da penicilina G. O método consiste em “en-velhecimento” da penicilina, seguido da hidrólise e neutralização pelo hidróxido de sódio (vide adiante o detalhamento do método de preparação). Essa preparação produz principalmente o benzil-peni-ciloato de sódio, além de outros metabólitos em menor quantidade. A esse material é adicionado certa quantidade de penicilina G (PG) fresca, que por si mesma traz alguns outros metabólitos. O procedi-mento determina a concentração fi nal da mistura de determinantes secundários (MDM) de 1 x 10-2M de benzil-peniciloato de sódio e 10.000 unidades de PG por mililitro.

Embora o preparo desse material seja muito fácil para qualquer laboratório, pode ser difícil em um consultório.

Desse modo, vem sendo empregado como alter-nativa para o MDM a solução de PG na concentra-ção de 10.000 unidades/mL.

Na investigação por nós efetuada, em 6.764 pa-cientes, o MDM e a PG foram comparados quanto às suas sensibilidades em detectar indivíduos alér-gicos à penicilina. O resultado dessa comparação mostrou que, embora a solução de MDM seja mais sensível que a solução de PG, do ponto de vista da análise estatística elas são semelhantes em suas capacidades de identifi car indivíduos alérgicos.

O método de aplicação do teste (vide adiante) mostrou que é seguro, pois não foi registrada nenhu-ma reação relacionada com a sua aplicação. Mos-trou-se também ser confi ável, pois todos pacientes com teste negativo receberam a primeira injeção de penicilina, e nenhum teve qualquer manifestação nos primeiros 30 minutos que se seguiram.

É necessário fi car bem claro que a aplicação do teste cutâneo com MDM ou PG será efetiva para a indicação apenas daqueles indivíduos em risco de reações imediatas, entre elas a ocorrência de cho-que anafi lático. Como regra, não serão detectados aqueles indivíduos suscetíveis às reações aceleradas ou tardias. Apesar disso, o procedimento é sufi cien-temente útil, pois satisfaz a principal necessidade do clínico, que é selecionar quais os pacientes com risco de anafi laxia imediata. As reações aceleradas ou tardias que venham a ocorrer, ainda que incon-venientes, não colocam em risco a vida do paciente e podem ser tratadas facilmente.

É bom acentuar, entretanto, que os testes aplica-dos, com os determinantes principais e secundários, cujas reações são mediadas pela IgE, não são úteis para prever sensibilidades mediadas pelos anticorpos IgM e IgG, como, por exemplo, nas manifestações hematológicas e renais. Igualmente, as reações me-diadas pela imunidade celular, como na dermatite de contato, também não são detectadas.

Como corolário de tudo que foi dito anteriormen-te, podemos afi rmar que o teste de hipersensibilidade à penicilina é seguro, na medida em que não oferece risco ao paciente alérgico. É confi avel porque indica com segurança as pessoas alérgicas ou não-alérgi-cas à penicilina. E, acima de tudo, as investigações mostraram que a maioria das pessoas pode usar a penicilina para tratamento, e que para afastar o temor de reações graves de hipersensibilidade existe um teste seguro e confi ável.

ReagentesA preparação dos reagentes não requer equipa-

mentos complexos nem grande habilidade labora-torial.

Reagentes para EstoqueI. Solução estéril de hidróxido de sódio 0,1 N.II. Solução estéril de cloreto de sódio isotônico (soro fi siológico).

III. Solução-estoque de penicilina G. Tomar um frasco de penicilina G potássica com

5 milhões de unidades. Assepticamente, dissol-ver o conteúdo em 48 mL de solução II estéril. Assim, a solução-estoque irá conter 100.000 U/mL. Fazer nova solução a cada semana e conservar em geladeira.

IV. Solução-estoque de benzil-peniciloato. Tomar um frasco de penicilina G potássica com

5 milhões de unidades. Assepticamente, dissol-

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ver o conteúdo em 42,5 mL de solução I estéril e 7,5 mL de solução II estéril. Agitar a solução e deixar incubar em temperatura ambiente por 45 minutos e em geladeira por 48 horas. Esta solu-ção-estoque é estável por um mês na geladeira.

Reagentes para Testes CutâneosMDM (mistura de determinantes secundários).

Introduzir em um frasco com 8,2 mL de solução II estéril, 1 mL de solução estoque III e 0,8 mL de solução estoque IV. Agitar para misturar bem. Essa mistura contém 10.000 U/mL de penicilina G e 1,0 x 10-2M de benzil-peniciloato de sódio. Preparar essa solução todos os dias e manter refrigerada.

Penicilina G 10.000 U/mL. Diluir 1 mL da solu-ção III em 9 mL de solução II. Preparar solução nova diariamente e manter em refrigeração.

Solução controle – solução II estéril.Nota: a solução de hidróxido de sódio 0,1 N pode

ser esterilizada em autoclave ou passada através de fi ltro Millipore.

Técnica do Teste CutâneoO teste é aplicado na face anterior do antebraço.

Um ponto é usado para a aplicação da solução-con-trole, outro para MDM e outro para o PPL (Pre-Pen). Na impossibilidade de ser usado o MDM, pode ser usada uma solução de penicilina G na concentração de 10.000 U/mL. O teste deve ser sempre iniciado pela técnica do prick ou epicutâneo. Se a resposta for positiva, o teste é encerrado. Se o resultado for ne-gativo, deve-se passar à fase seguinte, que consiste em injetar de modo cuidadoso, intradermicamente, quantidade suficiente para formar uma pequena vesícula, nunca excedendo o volume de 0,02 mL do reagente. O máximo rigor deve ser observado na aplicação dos testes, principalmente do teste intra-dérmico para evitar ações traumáticas e produção de resultados falso-positivos. A agulha deve ser do tipo insulina, de bisel curto, e a seringa de 1 mL graduada em centésimos (tuberculina ou insulina).

Interpretação do TesteAs leituras tanto do teste prick como do teste

intradérmico devem ser feitas 15 minutos após a aplicação. As leituras são avaliadas como positivas ou negativas, isto é, em base qualitativa. Não há in-teresse em quantifi car a resposta no presente caso.

O teste prick é considerado positivo quando se forma no local da aplicação uma pápula de qualquer tamanho circundada por eritema. No local da aplica-

ção do controle não deve ocorrer reação. Entretanto, quando no controle surge pápula ou eritema, será considerada resposta positiva ao teste quando a pápula do reagente exceder em 2 mm pelo menos a do controle.

O teste intradérmico é considerado positivo quando a vesícula aumenta de tamanho e de consis-tência, tornando-se, assim, uma pápula e com erite-ma em torno. Do mesmo modo que no teste prick, se uma pápula aparecer no local do controle, o teste será positivo quando a pápula formada ultrapassar, em tamanho, aquela do controle em pelo menos 2 mm. A presença de prurido é um sinal adicional de positividade tanto no teste prick como no teste intradérmico.

Testes falso-positivos podem ter como causa o trauma excessivo na injeção intradérmica. O der-mografi smo é outra causa de resposta positiva, que ocorre também no controle, daí a necessidade da comparação e de somente valorizar o teste quando este excede em grandeza de resposta ao controle. A pele friável de pessoas muito idosas ou sob efeito prolongado de corticoterapia pode apresentar uma pápula de grande tamanho por conta de hemorragia intradérmica, devido ao trauma da injeção. Entre-tanto, não é acompanhada de eritema ou prurido. Crianças pequenas ou pessoas defi cientes mentais não costumam colaborar, podem fazer movimentos bruscos e provocar trauma.

Os testes podem ser falso-negativos quando o paciente está sob o efeito de anti-histamínicos ou benzodiazepínicos. Os β2-adrenérgicos bloqueiam também a resposta positiva em grau menor que os anteriormente citados. Os corticosteróides não afe-tam os testes cutâneos de reação imediata, como no presente caso.

Os testes de hipersensibilidade imediata à pe-nicilina devem ser feitos apenas imediatamente antes da primeira dose do antibiótico prescrito. O teste revela apenas os pacientes sensibilizados para penicilina naquele momento. Assim, seria possível que o indivíduo negativo se tornasse positivo por meio de recebimento inadvertido da droga durante o tempo decorrido entre o teste negativo e o eventual tratamento. Outra possibilidade é que o material do teste pudesse sensibilizar o indivíduo negativo. En-tretanto, essa questão é apenas especulativa e não há certeza de que o teste cutâneo com penicilina ou seus metabólitos tenha real possibilidade de sensibilizar as pessoas.

Quando o resultado do teste é duvidoso e o pa-ciente necessita realmente de penicilina benzatina,

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CAPÍTULO 45.1 REAÇÕES ADVERSAS A DROGAS: ASPECTOS GERAIS E REAÇÕES A AGENTES ANTIMICROBIANOS 989

como no caso de profi laxia da febre reumática, em crianças grandes ou adultos, podemos fazer teste de provocação por via oral com penicilina V (Pen V oral). Nesse caso, o paciente recebe um comprimi-do via oral de 250 mg ou 500 mg de penicilina V, e aguarda por pelo menos 2 horas em recinto que possa ser atendido em caso de urgência. Se não ocorrer qualquer reação, será prescrita a droga via oral a cada 8 horas ou a cada 6 horas por cinco dias. O paciente deve ser instruído para suspender o tratamento e co-meçar a tomar anti-histamínico se houver qualquer manifestação de alergia, e imediatamente retornar ao serviço médico. Caso não ocorra nenhuma manifesta-ção, fi ca estabelecida a negatividade do teste e, assim, pode ser iniciada a injeção de penicilina benzatina.

DessensibilizaçãoO paciente pode ser dessensibilizado quando

apresentar teste cutâneo positivo para penicilina, e necessitar de tratamento com antibiótico β-lactâ-mico. Esse procedimento apresenta risco e deve ser efetuado em ambiente com possibilidade de moni-toração e tratamento de eventual choque anafi lático. É necessário que se ateste de forma categórica a ne-cessidade de penicilina, e que se informe claramente o paciente, além de ser obtido o seu consentimento, ou de seu responsável, por escrito.

O método consiste, em geral, em administrar a droga, aumentando a dose sucessivamente. A via mais comumente empregada tem sido a subcutânea. Entretanto, há aqueles que preferem a via oral ou endovenosa. A via oral tem preferência daqueles que crêem que essa forma de dessensibilização oferece menor risco.

A via endovenosa tem como argumento o maior controle sobre a dose e a taxa de administração da droga.

Para dessensibilização endovenosa, a dose reco-mendada para paciente com teste cutâneo positivo é de 0,5 unidade ou 0,0005 mg para qualquer anti-biótico do grupo β-lactâmico. Essa quantidade deve ser diluída em 50 mL de solução de glicose isotônica e administrada lentamente no início e depois mais rapidamente se não houver indícios de reação, como prurido ou fl ushing. O tempo de infusão de cada dose deve ser de 30 minutos, e, assim, a cada meia hora, a dose deve ser aumentada dez vezes, como na Tabela 45.1.3.

Se ocorrerem sintomas durante o período de aplicação endovenosa, a velocidade de infusão deve ser diminuída e deve-se considerar a oportunidade de injeção de anti-histamínicos e corticosteróides.

Tabela 45.1.3. Protocolo para Dessensibilização Endovenosa com Antibióticos do Grupo β-lactâmico

No Dose* Dose* Dose Volume Unidades mg mL

1 0,5 0,0005 50

2 5,0 0,005 50

3 50 0,05 50

4 500 0,5 50

5 5.000 5 50

6 50.000 50 50

7 500.000 500 50

* Intervalo entre as doses de 30 minutos.

Tabela 45.1.4. Protocolo para Dessensibilização Oral com Antibióticos do Grupo β-lactâmico

No Dose* Dose Cumulativa mg mg

1 0,05 0,05

2 0,10 0,15

3 0,20 0,35

4 0,40 0,75

5 0,80 1,55

6 1,60 3,15

7 3,20 6,35

8 6,00 12,35

9 12,00 24,35

10 24,00 48,35

11 50,00 98,35

12 100,00 198,35

13 200,00 398,35

14 400,00 798,35

* Intervalo entre as doses de 15 minutos.

Assim que os sintomas desaparecerem, a infusão deve ser restabelecida. Desde que o paciente tenha tolerado as 500.000 unidades ou 500 mg endoveno-samente, a dose total de tratamento deve ser aplicada e mantida sem interrupção. Para dessensibilização oral, o protocolo a ser seguido está apresentado na Tabela 45.1.4.

Nesse caso, a dose deve ser duplicada a cada 15 minutos. Se ocorrerem sintomas graves durante

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a dessensibilização, a dose seguinte deve ser dimi-nuída a 1/3 da dose provocadora e manter assim até o paciente se estabilizar.

Após a dessensibilização, o paciente deve ser observado cuidadosamente durante as primeiras 48 a 72 horas. Certos pacientes podem apresentar alguma reação transitória do tipo erupções pruriginosas, que, na maioria das vezes, são autolimitadas. Indepen-dentemente do tipo de dessensibilização adotada, se o tratamento for suspenso por mais de 48 horas, a dessensibilização deve ser considerada perdida, e, portanto, em caso de necessidade de novo tratamento, o procedimento anterior deve ser reconsiderado.

Em algumas situações especiais, quando a manu-tenção da dessensibilização for desejável, como nos pacientes que necessitam de tratamentos repetidos de penicilina, devem receber penicilina oral em duas doses por dia.

O mecanismo pelo qual a dessensibilização de-termina a tolerância clínica às penicilinas não está claramente estabelecido.

ALERGIA A CEFALOSPORINAS

A reatividade cruzada entre as penicilinas e os cefalosporinas é conhecida, porém, do ponto de vista clínico, essa reatividade cruzada não tem sido considerada muito relevante. As cefalospori-nas de primeira geração têm-se apresentado, com mais freqüência, relacionadas com a história de alergia à penicilina.

As cefalosporinas de últimas gerações têm baixa reatividade cruzada com a penicilina, entretanto, os novos antibióticos do grupo β-lactâmico, como o imipenem e o meropenem, têm demonstrado extensa reatividade cruzada com a penicilina.

Os testes cutâneos efetuados com as cefalos-porinas, em geral, não apresentam confi abilidade sufi ciente. Assim, pacientes com história de alergia a esses antibióticos devem ser avaliados individu-almente, dependendo da circunstância clínica, e eventualmente considerar o teste de provocação se for extremamente necessário.

ALERGIA A SULFONAMIDAS

Geralmente, o eritema maculopapular é a reação alérgica mais freqüente, mas reações cutâneas esfolia-tivas graves, como na síndrome de Stevens-Johnson, podem ocorrer, determinando fatalidade. As sulfona-midas são antimicrobianos muito usados entre nós e freqüentemente prescritos para pacientes imunodepri-

midos, como os portadores da Aids, particularmente a associação trimetoprim-sulfametoxazol.

ALERGIA A TRIMETOPRIM-SULFAMETOXAZOL

Em caso de necessidade da administração da droga na presença de hipersensibilidade, têm sido utilizados esquemas de dessensibilização.

DessensibilizaçãoComo todo procedimento de dessensibilização,

tem riscos e, portanto, é raramente indicado. En-tretanto, tem sido usado com sucesso em pacientes aidéticos com pneumonia por P. carinii, com hiper-sensibilidade ao TMP-SMX. A dessensibilização se faz por via oral com 12 doses a cada 30 minutos, co-meçando com 0,0002 mg e dobrando sucessivamente, perfazendo 6 horas. A seguir, inicia-se o tratamento com 80/400 mg TMP-SMX diariamente, e o pacien-te, bem como o médico são instruídos para manter o tratamento mesmo que haja aparecimento de lesões cutâneas, desde que não sejam lesões bolhosas.

ALERGIA À SULFADIAZINA

A sulfadiazina tem sido usada largamente no tratamento da toxoplasmose em pacientes aidé-ticos portadores de encefalite. As reações alérgicas ocorrem a uma taxa de 10% a 40% dos tratamentos.

DessensibilizaçãoAqui, também há riscos no processo de dessen-

sibilização. O protocolo preconizado é como segue. Durante seis dias, são administradas por via oral duas doses diárias, com intervalo entre elas de 6 horas nas seguintes doses: (5 e 10 mg); (20 e 40 mg), (80 e 160 mg), (250 e 500 mg), (750 e 750 mg) e (1 e 1 g). Durante os dias 7, 8, 9 e 10, as doses diárias e os intervalos são (1 g/8 horas), (1 g/6 horas), (1,5 g/6 horas) e (2 g/6 horas). A seguir, procede-se o tratamento conforme cada caso.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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Willy SartiRosa Maria Mazzuco

Reações Adversas a Drogas: Situações Especiais

Capítulo 45.2

REAÇÕES A ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS (AINEs) INCLUINDO A ASPIRINA

O efeito antiinfl amatório e analgésico comum entre aspirina e os AINEs se dá por meio da inibição das enzimas ciclooxigenases (COX-1 e COX-2), via esta também responsável por grande parte das rea-ções adversas, também comuns entre essas drogas. Assim, as reações adversas à aspirina e AINEs po-dem ser pseudo-alérgicas ou alérgicas, resultando em manifestações variadas, que foram classifi ca-das em oito tipos, descritos a seguir.

Tipo 1: Asma e Rinite Induzidas por Aspirina e Outros AINEs em Pacientes Asmáticos

Em alguns pacientes com alta freqüência de po-lipose nasal e sinusite, a ingestão de aspirina ou AI-NEs pode produzir combinações de intensa rinorréia, congestão nasal, hiperemia de conjuntivas e edema periorbital, espasmo de laringe e broncoespasmo. Alguns pacientes apresentam apenas reações do trato respiratório baixo, e outros reagem apenas no nariz, nos seios paranasais e olhos, mas a maioria apresenta reações de ambos os tratos respiratórios, baixo e alto. Uns poucos pacientes experimentam reações fora do aparelho respiratório, como nos aparelhos gastrintestinal, cutâneo e vascular.

A dose de aspirina/AINEs é o mais importante fator relacionado com a gravidade da manifestação respiratória. Doses pequenas dos antiinfl amatórios

podem não produzir reações ou provocar reações mínimas e limitadas ao aparelho respiratório. Entre-tanto, doses terapêuticas de aspirina/AINEs podem induzir a gravidade tal que a hospitalização se torne necessária, com entubação e respiração assistida para manter a função respiratória. Mortes são decorrência da ingestão de dose total de antiinfl amatórios por pacientes asmáticos sensíveis à aspirina/AINEs.

Tipo 2: Urticária/Angioedema Induzidos por Aspirina e Outros AINEs em Pacientes com Urticária Crônica

Pacientes suscetíveis, portadores de urticária crô-nica em atividade, desenvolvem pápulas e algumas vezes angioedema, 2 a 4 horas após a ingestão de antiinfl amatórios que inibem a COX-1. As reações são dose-dependentes e o grau de atividade da urti-cária crônica subjacente é também muito importante. Quanto mais ativa a urticária, maior é a possibiidade de o antiinfl amatório induzir mais eritema e pápulas. Anti-histamínicos anti-H1 e anti-H2 e antagonistas de receptor de leucotrienos previnem ou modifi cam essas reações. Usualmente, apenas uma droga blo-queadora é insufi ciente e, às vezes, as três drogas são necessárias para previnir as reações.

Tipo 3: Urticária Induzida por Aspirina e Outros AINEs em Indivíduos Normais

Alguns pacientes aparentemente normais sem urticária crônica subjacente desenvolvem urticá-

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992 CAPÍTULO 45.2 REAÇÕES ADVERSAS A DROGAS: SITUAÇÕES ESPECIAIS

ria/angioedema após tratamento com mais de um dos antiinfl amatórios que inibem a COX-1. Alguns desses pacientes desenvolvem urticária crônica idiopática tardiamente, alguns têm episódios de urticária inexplicáveis quando não estão expostos aos antiinfl amatórios, outros nunca têm urticária, exceto quando ingerem antiinfl amatórios. Esse pa-drão de reação cruzada em indivíduos sem urticária crônica é raro.

Tipo 4: Reações Mistas em Indivíduos Normais

Algumas reações a antiinfl amatórios não podem ser classifi cadas em qualquer padrão reconhecível. Reações a um ou mais antiinfl amatórios podem ter quadros de urticária/angioedema, rinite e bronco-espasmo.

Para não situar inadequadamente tais reações em uma classifi cação errônea, parece ser melhor colocá-las em sua própria categoria, isto é, urticária, rinite etc. Essas manifestações sugerem que vários mecanismos de reação estejam operando indepen-dentemente, ou que vários órgãos de choque estejam respondendo simultaneamente.

Tipo 5: Urticária/Angioedema em Indivíduos Normais por Droga Única, Aspirina ou Outros AINEs

Após sensibilização prévia à aspirina ou a um AINE específi co, indivíduos antes saudáveis podem desenvolver urticária/angioedema quando da reexposição à mesma droga. Nesse tipo de reação, a reação cruzada entre aspirina e AINEs não ocorre. Em um estudo de 1974 com adultos normais, somente dois pacientes relataram urticá-ria após ingestão de aspirina (incidência de 0,1%). Entre 618 crianças normais, os pais relataram que apenas duas crianças (0,32%) desenvolve-ram urticária aguda após ingestão de aspirina. Em alguns estudos, a atopia parece ser um fator de risco para reações urticarianas induzidas por um único antiinfl amatório. Em outro estudo, a atopia parece ser um fator de risco para reações urticarianas induzidas por nimesulide, mas não para reações induzidas por acetaminofen. Em um estudo com 128.344 sujeitos usuários de AINEs nos Estados Unidos, foi encontrado que o risco relativo médio de urticária/angioedema para um AINE foi de 1,1% para aqueles que usavam o AINE cronicamente, e de 3,6% para aqueles que usavam o AINE intermitentemente para alívio eventual de dor.

Tipo 6: Reações Anafiláticas e Anafilactóides por Droga Única, Aspirina e Outros AINEs

Anafi laxia, uma reação grave, mediada por imu-noglobuna E (IgE), caracteriza-se por respostas si-multâneas de vários órgãos aos mediadores liberados pelos mastócitos e basófi los. Nos Estados Unidos, em um estudo retrospectivo com 266 indivíduos levados ao serviço de emergência devido à anafi -laxia, 52 (20%) foram suspeitos de reagirem a uma única droga; entre esses 52 pacientes, 27 reagiram à aspirina e sete a outros antiinfl amatórios, ibuprofen, indometacina e naproxen. Entretanto, mais da meta-de das anafi laxias induzidas por drogas tem sido atri-buída à aspirina e/ou a AINEs. Reações anafi láticas especifi camente atribuídas a certos AINEs têm sido descritas, onde se incluem, fenoprofen, piroxican, sulindac, meclofenamato, indometacina, zomepirac, naproxeno, diclofenaco, tolmetin e paracetamol, en-tre outros. Pacientes com reações específi cas a essas drogas podem ser provocados com outros AINEs com estruturas químicas diferentes, sem efeitos adversos.

As reções anafi lactóides são clinicamente indis-tinguíveis das reações anafi láticas, porém o meca-nismo pelo qual os mediadores são liberados dos mastócitos e basófi los não é imunológico, isto é, não há envolvimento da IgE. É possível, embora raro, que aspirina e AINEs participem de reações anafi -lactóides, provavelmente por meio da inibição da COX-1. Há várias situações clínicas em que reações cruzadas anafi lactóides ocorrem. Primeiro, durante a provocação oral com aspirina, um pequeno número de pacientes com asma e polipose nasal apresenta tí-pica reação respiratória, porém acompanhada de rea-ções sistêmicas como urticária, eritema generalizado, hipotensão, cólicas abdominais com ou sem diarréia. Segundo, há relatos na literatura de indivíduos nor-mais que apresentam reações anafi lactóides a AINEs estruturalmente diversos, em diferentes ocasiões. Terceiro, sulindac, tometin e zomepirac têm um radical ácido acético em suas estruturas que fornece uma base antigênica comum para reatividade cruzada imunológica. Felizmente, as reações anafi lactóides devidas a reações cruzadas a múltiplos AINEs são extremamente raras, sendo as mais graves reações aquelas causadas por uma única droga.

Tipo 7: Meningite Asséptica Causada por um AINE Específico

Um pequeno número de indivíduos desenvolve meningite asséptica após a ingestão de um específi co AINE, mas isso é apenas um diagnóstico de exclu-são, pois que devem ser afastadas infecção e doença

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CAPÍTULO 45.2 REAÇÕES ADVERSAS A DROGAS: SITUAÇÕES ESPECIAIS 993

auto-imune. A ocorrência de crises de meningite 12 a 24 horas após a ingestão do mesmo AINE, com rigidez de nuca, cefaléia, febre, náuseas, dor abdominal, artralgia e rash cutâneo, e o desapareci-mento dos sintomas com a retirada do AINE levam ao diagnóstico. Os quatro AINEs relatados como tendo provocado meningite asséptica são ibupro-fen, sulindac, tolmetin e naproxen. Não há relatos de reação cruzada entre os AINEs, bem como não há relato de meningite asséptica por aspirina.

Tipo 8: Pneumonite por Hipersensibilidade Causada por um AINE Específico

Desde meados dos anos 1970, têm sido relatados casos de infi ltrados pulmonares coincidentes com o uso de um AINE específi co, usualmente em múl-tiplas ocasiões. Um grande número de AINEs tem sido envolvido na pneumonite por hipersensibilida-de, porém não há relatos de pneumonite induzida por aspirina, nem tampouco reatividade cruzada entre os AINEs nesse aspecto. O desaparecimento dos infi ltrados pulmonares algumas semanas após o afastamento da droga, ou mais rapidamente se forem administrados corticosteróides, caracteriza o quadro clínico. Não há registro de lesão residual pulmonar.

Patogenia

As manifestações clínicas das reações à aspirina e aos AINEs são compatíveis tanto com reações alérgicas como com as reações pseudo-alérgicas. As reações de hipersensibilidade imediata, como urticária, angioedema e anafi laxia, a um AINE es-pecífi co, são com toda probabilidade mediadas por IgE. As reações que ocorrem ao primeiro contato com AINE ou após administração de AINEs quí-micamente diferentes têm sido reconhecidas como pseudo-alérgicas.

As reações pseudo-alérgicas associadas à ad-ministração de aspirina ou AINEs têm sido con-sideradas como devidas ao aumento da geração de leucotrienos derivados da ação enzimática da 5-lipooxigenase sobre o ácido araquidônico, quan-do ocorre o bloqueio da atividade enzimática das ciclooxigenases 1 e 2 (COX-1 e COX-2) pelos antiinfl amatórios.

Teste para Reconhecimento da Sensibilidade Anafilática à Aspirina e a Outros AINEs

O diagnóstico de sensibilidade anafi lática usual-mente pode ser estabelecido pela história clínica,

e não necessita de teste confi rmatório. Porém, há circunstâncias em que o diagnóstico não fi ca claro ou uma identifi cação específi ca seja necessária. Não há testes in vivo ou in vitro disponíveis, os testes cutâneos não têm valor no diagnóstico da sensibilidade à aspirina e aos AINEs. Testes de provocação oral têm sido feitos para identifi cação de sensibilidade anafi lática à aspirina e aos AINEs, entretanto, as indicações para esses testes são limitadas pelo alto risco de reações graves e até fatais. Assim, quando houver necessidade abso-luta de administração de um AINE a um paciente com história anterior de anafi laxia a determinado AINE, a estratégia é fazer a provocação oral com um AINE estruturalmente diferente (Tabela 45.2.1). Caso haja necessidade de utilização de as-pirina para terapêutica anticoagulante em paciente suspeito de sensibilidade à aspirina, a provocação oral deve ser considerada, tendo sempre em vista o risco e o benefício.

O teste de provocação oral com aspirina deve iniciar com dose muito baixa, 3 a 10 mg, que deve dobrar a cada 30 minutos até atingir a dose terapêutica. Em caso de reação, esta ocorre entre 15 e 30 minutos após dose provocadora e usual-mente se dá entre as doses de 10 a 60 mg. Para os AINEs, a dose deve ser calculada de acordo com a equivalência a aspirina.

Esse procedimento deve ser efetuado após insta-lação de equipamento de injeção venosa contínua, ter ao alcance oxigênio e nebulizadores e proximida-de razoável a uma unidade de tratamento intensivo. Obter sempre do paciente o consentimento informa-do por escrito.

Na maioria das ocasiões, o teste de provocação com aspirina resulta negativo, devido à interpre-tação equivocada da história ou à diminuição da sensibilidade com o tempo.

AINEs Inibidores Fracos da COX-1O paracetamol (acetoaminofen) reage cruzada-

mente com aspirina e com outros AINEs em pacientes com asma por aspirina, somente quando administrado em doses elevadas, isto é, acima de 1.000 mg.

Inibidores Seletivos da COX-2Aparentemente, os inibidores seletivos da COX-

2, como rofecoxib e celocoxib, não reagem cruza-damente com a aspirina nos pacientes com asma por aspirina. Isso se deve, provavelmente, ao fato de que essas drogas são incapazes de penetrar no

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Tabela 45.2.1. AINEs Fortes Inibidores da COX-1: Classificação de acordo com a Estrutura Química

Derivados dos Ácidos Carboxílicos

Derivados do ácido salicílico AAS (Aspirina)* Diflusinal (Dorbid)

Derivados do ácido acético Derivados do ácido fenil acético Diclofenaco (Voltaren – Cataflan) Alcofenaco (Zumaril) Aceclofenaco (Proflan)

Derivados dos ácidos carboxílicos Indometacina (Indocid) Hetrocíclicos Sulindac (Clinoril) Tolmetin (Tolectin) Zomepirac (Zomax)

Derivados do ácido propiônico Cetoprofen (Profenid) Ibuprofen (Motrin) Naproxen (Naprosin) Fenoprofen (Trandor) Flurbiprofen (Targus e Ocufen – pomadas)

Derivados do ácido fenâmico Ácido mefenâmico (Ponstan) Ácido tolfenâmico (Fenâmic)

Derivados dos Ácidos Enólicos

Derivados das pirazolonas Oxifenbutazona (Butazolidina) Fenilbutazona (Tanderil) Dipirona (vários)

Derivados dos oxicans Piroxican (Piroxican – vários) Tenoxican (Tilatil – vários) Meloxican (Movatec – vários)

Compostos Não-ácidos

Nabumetona (Reliflex)

Derivados Pirrólicos

Cetoloraco de trometamina (Toragésic)

Fonte: adaptado de Stevenson e cols. * Nome comercial.

estreito canal enzimático da COX-1. Com a admi-nistração de rofecoxib ou celocoxib, em casos de urticária causada por inibidores da COX-1, apenas um pequeno percentual desses pacientes reage cruzadamente. A razão disso não está esclarecida, porém certamente não seria por inibição da COX-1, conforme exposto anteriormente.

Pacientes que recebem meloxican (Movatec) ou nimesulida (Scafl an), antiinfl amatórios menos seletivos da COX-2, não reagem quando doses baixas dessas drogas são administradas. Entretanto, manifestações tanto respiratórias como cutâneas podem ocorrer se esses AINEs forem dados em doses elevadas. Esse padrão de reação é consistente com o predomínio da inibição da COX-2 em doses baixas e aumento da inibição da COX-1 com o aumento da dose.

ALERGIA À INSULINA

A incidência de alergia à insulina vem declinan-do nos últimos anos devido ao aumento do uso da insulina recombinante humana. Entretanto, apesar disso, alguns indivíduos suscetíveis podem estar sujeitos a reações alérgicas graves, mesmo com o uso de insulina recombinante humana. As reações alérgicas sistêmicas são mediadas por IgE e as manifestações podem ser de urticária, angioedema, broncoespasmo e hipotensão. A maioria desses pacientes tem história de um hiato na terapia com a insulina, bem como de grande reação no local da injeção quando o tratamento foi reinstituído. As reações locais costumam aparecer entre a primeira e a quarta semana após ser instituído o tratamento. Como regra, quando as reações são apenas locais,

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não há necessidade de suspender o tratamento, ad-ministrando-se sintomaticamente anti-histamínicos até que elas desapareçam.

Outro tipo mais raro de reação à insulina é a resistência imunológica à insulina. Nesse caso, é mediada por anticorpos IgG, que inativam a insulina exógena.

O teste de sensibilidade à insulina é de baixo valor diagnóstico, pois cerca de 50% dos indivíduos que recebem insulina apresentam testes positivos sem manifestações clínicas. Entretanto, serve para indicar a insulina menos alergênica para o tratamen-to de dessensibilização.

A dessensibilização à insulina será feita quando houver necessidade absoluta da droga e, nesse caso, o tratamento com insulina não deve ser suspenso se a última dose de insulina foi dada dentro das últimas 24 horas. A dose que causou a reação sistêmica deve ser reduzida de 1/3 até 1/10. Então, a dose deve ser aumentada de duas a cinco unidades lentamente até atingir-se a dose terapêutica.

Para aqueles pacientes com história de alergia sistêmica à insulina, e para os quais o tratamento com insulina tenha sido suspenso, a dessensibiliza-ção poderá ser tentada de modo muito cuidadoso, conforme esquema apresentado na Tabela 45.2.2. Nesse procedimento, o médico deve estar prepa-rado para tratar reações de anafi laxia, bem como de hipoglicemia. Em casos de cetoacidose, uma

dessensibilização mais rápida pode ser necessária, quando, então, a insulina será administrada a cada 15 ou 20 minutos.

REAÇÕES A ANTI-SOROS HETERÓLOGOS

Nos dias atuais, em contraste com o que ocorreu antigamente, as referências a reações aos soros he-terólogos têm sido pouco freqüentes devido à menor utilização desse recurso terapêutico. A hipersensibi-lidade ao anti-soro heterólogo pode se manifestar de duas maneiras, anafi laxia e doença do soro.

A anafi laxia ocorre em pacientes que tenham de-senvolvido anticorpos do tipo IgE e, portanto, devem ter tido contato prévio com o soro. Há uma corrente de investigadores que acreditam que a sensibilidade a elementos epidérmicos do animal doador do anti-soro possa atuar cruzadamente com as proteínas sé-ricas e assim ocorrerem reações anafi láticas quando da administração do soro heterólogo. Entretanto, isso não é aceito pela maioria daqueles que estão familiarizados com esse tipo de terapêutica.

A doença do soro devida a anticorpos do tipo IgG que formam imunocomplexos solúveis é mais freqüente e está relacionada com a administração de altas doses de proteínas heterólogas. Exemplos de anti-soros heterólogos são globulina antitimócito, anticorpo murino monoclonal contra antígenos

Tabela 45.2.2. Esquema para Dessensibilização à Insulina

Dia Hora Unidades de Insulina Via(*)

1o 7:30 0,00001(+) Intradérmica 12:00 0,0001 Intradérmica 16:30 0,001 Intradérmica

2o 7:30 0,01 Intradérmica 12:00 0,1 Intradérmica 16:30 1,0 Intradérmica

3o 7:30 2,0 Subcutânea 12:00 4,0 Subcutânea 16:30 8,0 Subcutânea

4o 7:30 12,0 Subcutânea 12:00 16,0 Subcutânea 16:30 20,0 Subcutânea

5o 7:30 20,0(#) Subcutânea

6o 7:30 25,0(#) Subcutânea

Aumentar cinco unidades por dia até alcançar o nível terapêutico.(*) Alguns médicos preferem dar todas as doses subcutaneamente.(+) Insulina regular, do primeiro ao quarto dia.(#) Insulina NPH ou lenta nos quinto e sexto dias.

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tumorais, soro antivenenos como de cobras e aracní-deos e o soro anti-rábico, aqui no Brasil e nos países em desenvolvimento.

A reação temida é a anafi lática, pela sua imprevi-sibilidade e pelas conseqüências graves que podem advir. Assim, preconiza-se o teste cutâneo de reação imediata para detectar a eventual hipersensibilidade. Desse modo, antes da administração do soro aplica-se o teste cutâneo com intervalo de 20 minutos para observação e leitura (Tabela 45.2.3)

Em caso de reação prévia ou história sugestiva de alergia a elementos epiteliais do animal corres-pondente, o teste intradérmico deve começar com a diluição de 1:1.000.

a eventual dessensibilização, pois a precocidade da infusão do soro é fator decisivo para o tratamento do ofi dismo.

A experiência adquirida com esse método de prevenção da anafi laxia para soro antiofídico foi passada para outros tratamentos com soro heteró-logo e, assim, também para o tratamento com soro heterólogo anti-rábico. O mesmo procedimento tem sido aplicado com sucesso.

REAÇÕES A CONTRASTES IODADOS

Os contrastes iodados são geralmente bem tole-rados, porém reações não-fatais imediatas genera-lizadas podem ocorrer em 2% a 3% dos pacientes que recebem radiocontraste convencional de alta osmolaridade durante as infusões intravasculares e ocorrem em menos de 0,5% dos pacientes que recebem infusões de contrastes de baixa osmola-ridade. Reações graves ocorrem em 0,22% quando são administrados contrastes de alta osmolaridade, e em apenas 0,04% daqueles pacientes injetados com contraste de baixa osmolaridade. As reações fatais ocorrem em 0,9 caso por 100.000 infusões, independentemente da natureza do radiocontraste utilizado, e o volume injetado pode ser < 10 mL.

As reações do tipo anafi lactóide começam du-rante a infusão ou dentro de 20 minutos, e podem-se dar mesmo quando a administração não seja por via vascular, p. ex., pielografi a, histerossalpingografi a, mielografi a e artrografi a.

O mecanismo de reação dos contrastes iodados não está bem esclarecido, porém se sabe que não é mediado por IgE, mas que está envolvida a desgra-nulação de mastócitos com liberação de histamina e outros mediadores.

Tabela 45.2.3. Teste para Reação Imediata a Soros Heterólogos

Via Diluição Volume

Epicutânea (prick) 1:10 1 gota

Intradérmica* 1:100 0,02 mL

Endovenosa 1:10 0,5 mL

DessensibilizaçãoQuando não houver alternativa para o uso do

soro heterólogo, a dessensibilização poderá ser feita apesar dos testes cutâneos positivos. É um proce-dimento perigoso e potencialmente fatal e deverá ser efetuado em ambiente com recursos para trata-mento de choque anafi lático e ressuscitação, além do que o paciente deve ser devidamente informado. Um esquema de dessensibilização freqüentemente acompanha a bula da droga, entretanto há um proce-dimento que tem sido utilizado desde há muito para essas circunstâncias (Tabela 45.2.4).

A doença do soro não pode ser prevista, mas a sua ocorrência, embora inconveniente, não traz risco de vida nem tampouco seqüelas. É autolimitada e, em caso de maior desconforto, o tratamento com doses médias de prednisona é sufi ciente para debelar a sintomatologia.

Na Unidade de Emergência do Hospital das Clí-nicas de Ribeirão Preto, os pacientes tratados por acidentes ofídicos recebem, 15 minutos antes do tratamento com soro antiofídico, uma ampola intra-muscular de polaramine ou fenergan, e uma ampola de cimetidina, e endovenosamente 500 mg hidrocor-tisona. Isso dispensa o teste de hipersensibilidade e

Tabela 45.2.4. Dessensibilização a Soros Heterólogos

Via Diluição Volume

Subcutânea 1:1.000 0,1, 0,2, 0,5, 1,0 mL

Subcutânea 1:100 0,1, 0,2, 0,5, 1,0 mL

Subcutânea 1:10 0,1, 0,2, 0,5, 1,0 mL

Subcutânea Soro total 0,1, 0,2, 0,5, 1,0 mL

O intervalo entre as aplicações é de 15 a 20 minutos.Quando for alcançada a aplicação final, então o soro deve ser administrado por infusão venosa lentamente.Em caso de ocorrência de reação durante a dessensibilização, esta deve ser devidamente tratada e recomeçada com a dose anterior.

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CAPÍTULO 45.2 REAÇÕES ADVERSAS A DROGAS: SITUAÇÕES ESPECIAIS 997

A prevalência de reações a contrastes não-ioda-dos e contrastes à base de gadolínio para exames de ressonância magnética é de, aproximadamente, 1% a 2%. Reações anfi lactóides graves a esse tipo de contraste são raríssimas, da ordem de 1:350.000 infusões.

DiagnósticoNão há testes in vivo ou in vitro que possam

prever a possibilidade de reações adversas aos contrastes iodados. A história de reação prévia está associada a, aproximadamente, 33% de chance de repetição para os contrastes de alta omolaridade e de 4,1% a 5,5% para os contrastes de baixa osmolaridade.

ManejoO pré-tratamento tem reduzido a incidência e a

gravidade das reações de 5% a 10% para os con-trastes convencionais e de 0,5% para os de baixa osmolaridade (Tabela 45.2.5).

Deve ser enfatizado que o protocolo de pré-trata-mento é útil apenas para prevenir reações anafi lac-tóides, mas não para outros tipos de reações graves como síndrome do desconforto respiratório agudo ou edema pulmonar não-cardiogênico.

Pacientes com história anterior de reação anafi -lactóide a radiocontraste devem receber contraste de baixa osmolaridade, a despeito da efetivação do pré-tratamento.

Tem sido preconizado que o pré-tratamento deve ser aplicado àqueles pacientes de risco, defi nindo-se paciente de risco como aquele que experimentou reação anafi lactóide anteriormente. Nesse caso, esse paciente já era de risco e não pôde ser identifi cado? Assim, podemos admitir que todos que vão receber radiocontraste sejam considerados de risco, e, por-tanto, devem receber o pré-tratamento.

Pré-tratamento para Administração de Radiocontraste em Situações Emergenciais

Quando a antecipação de 13 horas para iniciar o pré-tratamento não for possível, um protocolo de emergência pode ser usado. Hidrocortisona 200 mg, por via endovenosa (EV) imediatamente e a cada 4 horas até o procedimen-to ser concluído. Cloridrato de prometazina 50 mg, intramuscular (IM) ou EV 1 hora antes do procedimento. Administrar o contraste de baixa osmolaridade.

Observação: os pacientes que necessitam desse protocolo geralmente estão em mau estado geral e reações do tipo imediato podem causar hipotensão, que seria mal tolerada.

Devido ao fato de os corticosteróides requererem 2 a 3 horas para que suas ações farmacológicas pro-duzam efeitos, é melhor que se retarde ao máximo o início da infusão de contraste, para dar tempo a que se instale sua ação. Deve-se evitar, sempre que possível, o procedimento emergencial. Terapia de emergência deve estar à mão.

ALERGIA AOS ANESTÉSICOS LOCAIS

A prática da anestesia local, iniciada por Carl Koller no fi nal do século XIX, tem evoluído com progressiva segurança e efetividade. A síntese de novos e melhores anestésicos e o apuro técnico dos procedimentos tornaram incomuns as reações indesejáveis provocadas pelo uso dessas drogas. Ocorrências adversas resultam, principalmente, de intoxicações devidas a erros ou a acidentes na execução dos procedimentos e de reações fóbi-cas ou vasovagais dos pacientes. Interpretações equivocadas dessas reações tóxicas e vasovagais, seguidamente, levam a improcedentes suposições de alergia.

Reações alérgicas aos anestésicos locais (AL) são raras e predominantemente de tipo tardio: os sintomas iniciam horas após o contato com os anestésicos e não são graves. Anafi laxia ou reações alérgicas de tipo imediato, com risco potencial à vida, são raríssimas. Freqüentemente, entretanto, variados eventos adversos concomitantes ao uso dos AL são atribuídos à alergia de tipo imediato. Esse paradoxo é produzido pela tendência usual do público e de profi ssionais da saúde em rotular como “alergia” ocorrências que pareçam inexplicáveis e, nessas circunstâncias, as reações imediatas são as mais temidas e as mais lembradas.

Tabela 45.2.5. Pré-tratamento para Administração de Radiocontraste em Exames Agendados

Tempo antes do Droga DoseProcedimento

13 horas Prednisona 1 mg/kg até 50 mg VO

7 horas Prednisona 1 mg/kg até 50 mg VO

1 hora Prednisona 1 mg/kg até 50 mg VO

Cloridrato de prometazina 1 mg/kg até 50 mg, intramuscular (IM).Efedrina: 25 mg, via oral (VO) – para pacientes adultos sem complicações cardiovasculares.

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998 CAPÍTULO 45.2 REAÇÕES ADVERSAS A DROGAS: SITUAÇÕES ESPECIAIS

Os AL são classifi cados em dois grupos: és-teres e amidas. Nos dois grupos, embora com potência e toxicidade diferentes, o efeito anes-tésico se faz por interrupção do fl uxo iônico nos canais de sódio. Os ésteres são pouco usados na atualidade, sensibilizam principalmente pela via celular e apresentam reatividade alérgica cruza-da com freqüência. Os AL de tipo amida são os preferencialmente utilizados há várias décadas e têm menor potencial alergizante. A Tabela 45.2.6 mostra características de drogas representativas dos dois grupos.

A adição de vasoconstritor (vc) reduz a absorção dos anestésicos, prolonga seu efeito local e diminui o sangramento dos procedimentos. Nas apresenta-ções que contêm vc, os sulfi tos são utilizados como antioxidantes e, nos frascos de doses múltiplas, com ou sem vc, os parabenos são adicionados como conservantes. Os aditivos – vasoconstritor, sulfi tos e parabenos – são também potenciais desencadeadores de reações adversas.

As principais complicações do uso dos AL e seus aditivos podem ser sintetizados da seguinte maneira: reações tóxicas: por excesso da droga anestésica; reações vasovagais: por resposta paradoxal dos pacientes à dor ou ao medo. reações alérgicas: raras e predominantemente de tipo tardio. reações pelos aditivos: reações alérgicas, tóxicas e por mecanismos não esclarecidos.

Reações TóxicasA maior parte dos óbitos e reações graves por

uso dos AL decorre de reações tóxicas. Níveis tóxi-cos sistêmicos resultam de aplicação intravascular inadvertida, dose excessiva, rapidez na absorção ou alterações na metabolização das drogas. Raramente, o uso intencional de doses tóxicas tem sido também descrito como causa de homicídios.

Quando a ação dos AL se faz em outras mem-branas excitáveis, além daquelas nas quais o efeito anestésico é desejado, surgem os efeitos tóxicos. Os alvos preferenciais dessas ações são o sistema cardiovascular (SCV) e o sistema nervoso central (SNC).

A intensidade de uma intoxicação depende da dose total aplicada, da potência, da capacidade de captação e do tamponamento plasmáticos do anes-tésico e, também, da via de aplicação e da vascula-rização do tecido utilizado. A assimilação sistêmica dos anestésicos se faz, em ordem decrescente, por injeção intravascular > aplicação tópica mucosa > infi ltração intersticial. Intoxicações graves por absor-ção mucosa ocorrem em adultos, mas são especial-mente preocupantes em crianças pequenas.

Presentes na circulação, os AL atravessam ra-pidamente a barreira hematoencefálica e, no SNC, bloqueiam, em primeiro lugar, as sinapses inibitó-rias. As primeiras manifestações de uma intoxicação, com baixos níveis tóxicos, serão de excitação neu-rológica: alterações visuais, auditivas e sensoriais; verbosidade; agitação; tremores e convulsões. Altas doses tóxicas produzem depressão neurológica, que pode evoluir de síncope a coma e óbito.

Tabela 45.2.6. Características Diferenciais dos Anestésicos Locais Procaína (Éster) e Lidocaína (Amida). Ao Núcleo Benzênico de Todos os Ésteres Está Ligada uma Amina na Posição “para” Altamente Sensibilizante aos Linfócitos T

Procaína X Lidocaína

Nome (grupo) Resíduos Características

Lipofílico Intermediário Hidrofílico

Procaína (éster) NH2 C2H3 Ésteres: sensibilizantes freqüentes pela via celular, muito usados (radical para-amino) COOCH2NH2 atualmente em tópicos C2H3

CH3 C2H3 Amida: menos efeitos colaterais,LIDOCAÍNA NHCOCH2 uso preferencial na clínica há(amida)

CH3

C2H3 décadas

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No sistema cardiovascular, todos os AL têm efeitos depressores, de forma dose-dependente. As intoxicações nesse sistema levam à hipotensão, à bradicardia, ao retardo de condução AV, à assisto-lia e, eventualmente, a colapso cardiorrespiratório irreversível.

Os efeitos tóxicos são proporcionais à potência de cada anestésico ou de seus enantiômeros (este-reoisômeros). Com exceção da lidocaína, os AL são comumente comercializados em equivalência molar de enantiômeros dextrógiros (chamados “R”, de rectus) e levógiros (chamados ”S”, de sinister), que diferem na afi nidade pelo canal de sódio. A cardio-toxicidade da bupivacaína, p. ex., droga conhecida por desencadear arritmias graves, é correlacionada seletivamente com a atuação de seu enantiômero dextrógiro. A explicação provável para essa seleti-vidade é que os aminoácidos dos canais de sódio do miocárdio são levógiros, condição que difi culta o desligamento das moléculas dextrógiras e facilita o desligamento das moléculas levógiras do recep-tor. Todos os aminoácidos das células eucariontes, com exceção da glicina, são levógiros. Sabe-se que, quanto maior o tempo de ligação com o receptor, maior a potência e o risco tóxico de um anestésico. As novas preparações, com presença exclusiva de enantiômeros S, como a levobupivacaína e a ropi-vacaína, são apontadas, por essa razão, como menos cardiotóxicas que os racematos, embora fatores como peso molecular e lipofi lia também interfi ram no potencial tóxico de um anestésico. A própria ropivacaína, p. ex., é menos potente e menos tóxica que o isômero S da bupivacaína por ter um único carbono a menos em suas moléculas.

As reações tóxicas são facilitadas por alterações na metabolização das drogas. O risco de intoxica-ção com os AL de tipo amida, metabolizados pelas enzimas microssomais hepáticas, aumenta com o uso concomitante de drogas como a cimetidina e o cetoconazol, p. ex., ou por decréscimos do fl u-xo circulatório do fígado. Os AL de tipo éster são metabolizados pelas pseudocolinesterases, enzimas passíveis de inibição por antidepressivos como a sertralina, a amitriptilina e a fl uoxetina. Intoxica-ções por uso concomitante desses antidepressivos e dos ésteres, embora possíveis, nos dias atuais são improváveis, dado o raro uso sistêmico desses anestésicos.

O diagnóstico de uma reação tóxica é clínico, po-dendo ser confi rmado pela dosagem sérica da droga anestésica. Devem ser diferenciados dos sintomas de intoxicação pelos AL, os efeitos de estimulação adrenérgica súbita, por aplicação intravascular de

adrenalina, como, por exemplo, agitação repentina, vasoconstrição cutânea com áreas alternadas de eritema e palidez, ansiedade, náuseas, tremores e taquicardia.

Reações VasovagaisReações vasovagais (RVV) ocorrem em indiví-

duos suscetíveis por estímulos estressantes como dor, medo, desconforto, visão de sangue, entre outros. Não têm relação com o uso dos anestésicos, embora, com freqüência, sejam indevidamente atribuídas à ação dessas drogas. Seus sintomas resultam da ativação de refl exo autonômico para-doxal, denominado por alguns autores de refl exo de Bezold-Jarish, que abruptamente diminui a atuação do sistema nervoso simpático e favorece a ativi-dade do sistema nervoso parassimpático. Não está defi nido nos textos que tratam do assunto se, nas RVV, a predominância da atuação parassimpática resulta da estimulação desse sistema ou da retirada das ações compensatórias do simpático.

Embora esse refl exo possa ser desencadeado por vários fatores, até aqui, apenas os mecanismos en-volvidos no papel indutor do ortostatismo são bem conhecidos.

Fisiologicamente, a adoção da posição ortostática causa seqüestro venoso nos membros inferiores e hi-povolemia. A resposta normal a esta variação de vo-lume é a estimulação do sistema nervoso simpático que, aumentando a pressão diastólica e a freqüência e contratilidade cardíacas, prontamente adaptará o SCV à nova posição.

De outra forma, os indivíduos suscetíveis às RVV, em situações de alarme ou dor, reagem à hipovolemia ortostática de forma paradoxal: os ventrículos parcialmente esvaziados se contraem, em resposta à estimulação simpática, de forma tão vigorosa que distendem os mecanorreceptores de suas paredes. A distensão é interpretada como sinal de considerável aumento de trabalho cardíaco e gera-se um “freio” à ação exacerbada do miocárdio: a desativação refl exa do tônus vasomotor simpático e o favorecimento da atuação do sistema parassim-pático, através do refl exo de Bezold-Jarish. O resul-tado é hipotensão abrupta, bradicardia, diminuição da perfusão cerebral e, eventualmente, síncope.

As síncopes vasovagais (SVV), apesar das complexas inter-relações neuroendócrinas de sua fisiopatologia, são episódios de curta duração e rápida recuperação da consciência e normalidade circulatória. Sintomas premonitórios freqüentes

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dessas reações são sensações de cabeça “leve” ou “vazia”, náuseas, sudorese e distúrbios visuais. Efei-tos residuais comuns são palidez, fadiga e sonolência prolongadas, além de diminuição do volume urinário nas horas posteriores.

Imputações indevidas dos anestésicos locais como causa de RVV são mais freqüentes nas ocorrências devidas a atendimentos odontológicos. É importante assinalar que a posição dos pacientes na cadeira do dentista pode favorecer o seqüestro venoso nas extremidades inferiores e levar à hipo-volemia. Nessa situação, a hipotensão ocorrerá com mais freqüência e intensidade após convalescenças prolongadas, na vigência de tratamento anti-hiper-tensivo, quando há uso excessivo de medicação pré-anestésica e em indivíduos suscetíveis a reações vasovagais.

Hipersensibilidade à estimulação adrenérgica, hipertonia vagal constitucional (que segundo alguns autores ocorre em 7% da população), distúrbios da vasomotricidade periférica, tendência a excessivo seqüestro vascular pela ortostase, entre outros, são fatores apontados como razão para a suscetibilidade às RVV.

Alterações da consciência que ocorram por convulsões, isquemia cerebral, transtornos psicogê-nicos, hipoglicemia ou hipoxia devem ser conside-rados no diagnóstico diferencial das RVV que, até meados da década de 1980, era feito por exclusão. Com a introdução do teste de inclinação (tilt test) no uso clínico, o diagnóstico já pode ser feito com especifi cidade média de 90% e sensibilidade de, pelo menos, 70%.

Reações de HipersensibilidadeReações de hipersensibilidade podem ser defi ni-

das como respostas imunológicas específi cas geradas pela atuação dos mecanismos de hipersensibilidade descritos por Gell e Coombs. As reações possíveis são classifi cadas, segundo esses mecanismos, em quatro tipos, como já destacado anteriormente: tipo I ou imediatas: mediadas por IgE; tipo II ou citotóxicas: anticorpos contra estruturas celulares ou ligadas às células; tipo III ou por imunocomplexos: deposição de complexos antígeno-anticorpo. tipo IV ou tardias: atuação de linfócitos T.

As descrições da literatura, nos últimos 50 anos, indicam que menos de 1% de todas as reações ad-versas pelo uso dos AL são alérgicas. Considera-se que as reações alérgicas de tipo tardio correspondam

a 80% do total dessas ocorrências, ao passo que são incomuns as reações por mecanismo imediato, e quase inexistentes as descrições de reações de hi-persensibilidade de tipos II e III.

Reações alérgicas de tipo tardio se traduzem, clinicamente, por dermatite de contato ou infi ltrado local persistente e intensamente pruriginoso. Seus sintomas se iniciam horas ou dias após o contato com o desencadeante e são circunscritos à região do procedimento. Os sensibilizantes são facilmente detectáveis em testes cutâneos de contato e os clones linfocitários específi cos são passíveis de isolamento em laboratório.

Os ésteres são os anestésicos locais que mais sensibilizam de forma tardia. Esses compostos e seu produto de hidrólise, o ácido para-amino-ben-zóico (PABA), apresentam uma amina na posição para do anel benzênico (Tabela 45.2.6), estrutura altamente sensibilizante aos linfócitos T. A presença desse radical para-amino confere alta capacidade de sensibilização e de reatividade cruzada às drogas que, como os ésteres, o PABA, as sulfonamidas e as anilinas, compõem o conhecido grupo “PARA” de hipersensibilidade tardia.

A partir da comercialização da lidocaína, nos anos 1950, houve uma progressiva diminuição das ocorrências alérgicas tardias na prática clínica. Os AL de tipo amida sensibilizam muito menos freqüentemente por essa via. Quando sensibilizam, podem também reagir de forma cruzada com outros anestésicos do mesmo grupo, embora não pareçam reagir cruzadamente com os ésteres.

As reações alérgicas de tipo imediato são desen-cadeadas por anticorpos específi cos da classe IgE. Suas manifestações clínicas são prurido ocular, nasal ou cutâneo, urticária, angioedema, broncoconstrição e hipotensão vascular periférica que pode chegar ao choque. Os sintomas ocorrem rapidamente após o contato com os alérgenos e, não necessariamente, estão sempre presentes em todas as reações.

Drogas que liberem mediadores de forma ines-pecífi ca podem mimetizar os sintomas das reações alérgicas de tipo imediato. Os AL não parecem agir dessa forma, embora exista na literatura citação de reação anafi lactóide pelo uso dessas drogas em pa-ciente com defi ciência de IgE.

Relatos de reações imediatas, em que a partici-pação dos anestésicos locais pareça inquestionável, embora existam, são incomuns. Raríssimas publica-ções descrevem reações em que a presença de IgE específica aos anestésicos seja considerada con-fi rmada por testes imediatos e/ou de transferência

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passiva. Alguns relatos mostram reações prováveis e não confi rmadas, e outros descrevem reações cujos desencadeantes mais prováveis não são os anestési-cos imputados, e sim o látex.

Em laboratório, já foi demonstrado que a lidocaí-na diminui a liberação de histamina de mastócitos de roedores e basófi los humanos em cultura. Em testes cutâneos, entretanto, os AL parecem interferir apenas nas dimensões do eritema e não das pápulas das res-postas positivas. Esse efeito inibitório da lidocaína e de outros AL de tipo amida poderia explica a baixa freqüência de detecção de anticorpos específi cos nos testes de puntura ou intradérmicos. Mas não justifi ca, entretanto, a rara positividade das pro-vocações e a ausência de detecção de anticorpos específi cos em laboratório que, até aqui, nunca foi noticiada. O mais provável é que a alergia de tipo imediato aos AL seja muito menos freqüente do que propõem o público e os profi ssionais da saúde.

A Tabela 45.2.7 lista as principais características diferenciais das reações tóxicas e alérgicas desenca-deadas pelo uso dos AL. A Tabela 45.2.8 mostra os sintomas das reações vasovagais.

Não confundir as RVV, cujos sintomas estão sumarizados na Tabela 45.2.8, com reações tóxicas e de hipersensibilidade.

Reações pelos AditivosOs parabenos são ésteres do ácido para-hidro-

xibenzóico (ácido salicílico), utilizados há décadas como preservativos de alimentos, cosméticos e medicamentos. Os frascos de doses múltiplas dos AL apresentam o metilparabeno como conservante,

o que não ocorre nas apresentações de dose única usadas em odontologia.

Relatos de reações de tipo imediato a esses adi-tivos são muito raros. Os parabenos sensibilizam predominantemente pela via celular e podem causar reações tardias que, equivocadamente, sejam atri-buídas aos anestésicos.

O difundido conceito de reatividade cruzada entre os parabenos e os AL de tipo éster parece ques-tionável. Os parabenos apresentam uma hidroxila (e não uma amina) na posição para do anel benzênico, o que não os caracteriza como reatores cruzados com as substâncias do grupo para. Fisher refere que na sua experiência nunca encontrou reatividade cruzada entre parabenos e os compostos do grupo para e considera que, se essa reatividade realmente existir, é excepcionalmente rara.

Os sulfi tos estão presentes nos frascos de AL que contêm vasoconstritor, em concentrações que variam de 0,15 a 2 mg. Além da asma, variados sintomas têm sido relacionados com o uso desses conservantes. Alguns relatos mostram reações de tipo tardio, outros sugerem mediação por IgE espe-cífi ca, e, em outros, a via de efetivação das reações

não é determinada. A relação dos sulfi tos com a asma, embora por

mecanismos não completamente esclarecidos, está bem estabelecida: muitos asmáticos são suscetíveis à broncoconstrição por inalação do SO2 liberado na metabolização dos sulfi tos, ao passo que os não-asmáticos não o são. Também está determinado que quanto maior a reatividade brônquica, maior a possibilidade de broncoconstrição pelo uso oral, inalatório ou parenteral dos sulfi tos. Alguns autores

Tabela 45.2.7. Características Clínicas das Principais Reações Causadas pelo Uso dos Anestésicos Locais: Reações Tóxicas, Reações alérgicas de Tipo I e Tipo IV de Gell e Coombs

Características Diferenciais das Reações Decorrentes do Uso de Anestésicos Locais

Reações Mecanismos Sinais e Sintomas Início Investigação

Tóxicas • Níveis sistêmicos tóxicos Agitação, palpitações, Primeiros minutos Dosagem sérica – Aplicação IV alterações sensoriais, após a aplicação – ↑ dose tremores, verbosidade, do anestésico – ↑ absorção convulsões, bradicardia, – ↓ metabolismo hipotensão, síncope e assistolia

Tipo I • IgE-dependente Prurido cutâneo, urticária, Imediata ou Testes punctura/ID • IgE-independente (?) angioedema, BC, ↓ PA, durante a 1a hora Provocação SC taquicardia, choque do procedimento Triptase

Tipo IV Linfócitos T sensibilizados aos Infiltrado local persistente Em algumas horas ou Teste de Contato AL ou parabenos Dermatite de contato 1o/2o dias posteriores

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consideram que o uso desses conservantes deva ser contra-indicado em asmáticos graves, dependentes de corticóide, e que as concentrações encontradas nos anestésicos locais de uso odontológico podem induzir broncoconstrição. O uso simultâneo da adrenalina não tem impedido a ocorrência dos sintomas em alguns indivíduos. Em situações de risco à vida, como na anafi laxia, mesmo com o potencial de indução ou agravamento de crise de asma, indica-se por falta de medicação efetiva para substituição o uso de adrenalina, que contenha sulfi tos, se não houver apresentação livre desse conservante disponível.

A comprovação da sensibilidade aos sulfitos é feita por testes de provocação oral monitorados pela medida do VEF1. Testes cutâneos geralmente são negativos e, quando positivos, nem sempre se confi rmam por teste de provocação.

INVESTIGAÇÃO

Na prática, como na literatura, são encaminha-dos para avaliação do alergista casos com pouca evidência objetiva de alergia aos AL, nos quais o desencadeante mais provável não é o anestésico e, mais raramente, casos em que esta etiologia é uma possibilidade.

Na história de um caso suspeito, é importante considerar as características clínicas da reação, a via de administração da droga, o tempo entre a aplicação e o surgimento dos sintomas e a exposição prévia àquele ou a outros anestésicos. Sintomas sugestivos de alergia ao látex e a concomitância do uso de ou-tras drogas, principalmente analgésicos, antiinfl ama-tórios ou antibióticos, são também importantes.

Os testes de contato são facilmente executáveis e têm validade incontestável na pesquisa de sen-sibilidade tardia aos AL e aos parabenos. Reações tardias podem ainda ser observadas em pontos intradérmicos de aplicação das drogas, como visto na Fig. 45.2.1.

A avaliação de reações suspeitas de alergia de tipo imediato por testes cutâneos de puntura é bas-tante controversa. Testes intradérmicos são mais recomendados e resultados desses procedimentos são mais valorizados quando mostram reatividade cruzada entre anestésicos do mesmo grupo e/ou positividade crescente em diluições decrescentes (1/1.000, 1/100 e 1/10).

A metodologia mais aceita na investigação das reações em que há suspeita de alergia de tipo ime-diato é a combinação dos testes intradérmicos de leitura imediata com provocações subcutâneas com as drogas suspeitas.

Se for possível dosar a triptase, amostras de sangue devem ser colhidas nas primeiras 4 horas, no dia posterior e algumas semanas após a reação para determinação da curva de liberação e dos níveis basais do mediador em cada paciente. A dosagem de triptase indica se, na reação investigada, houve ou não degranulação mastocitária e se é possível que essa desgranulação tenha ocorrido via IgE.

Tabela 45.2.8. Características Clínicas das Reações Vasovagais (RVV)

Mecanismo Sinais e Sintomas Início Investigação

RVV Reflexo paradoxal Ansiedade, náuseas, sudorese, Antes, durante Avaliação clínica ↓ atividade simpática bradicardia, hipotensão e ou após o Se necessário: ↑ parassimpática síncope atendimento teste de inclinação (tilt teste) Após: ↓ volume urinário fadiga, palidez sonolência

Fig. 45.2.1 – Resposta em 24 horas a teste de aplicação intradérmica: reação fortemente positiva para a lidocaína (lidocaína e lido); fracamente positiva para a bupivacaína (bupi) e negativa para a ropivacaína (ropi).

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O grupo de trabalho do NARTAD (Núcleo de Avaliação de Reações de Tipo Alérgico a Drogas) do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina adota o protocolo de investigação, des-crito na Tabela 45.2.9, adaptado do trabalho de Fisher e Bowey4, que se tem mostrado efetivo e seguro.

Desde a adoção desse protocolo, foram atendidos 250 pacientes pelo NARTAD. Destes, 35 foram sub-metidos aos procedimentos descritos. Os resultados foram negativos em 33 e positivos em dois pacientes. Nos dois casos positivos o anestésico implicado foi a lidocaína. Num dos pacientes a reação foi do tipo imediato e, noutro, foi de tipo tardio (Fig. 45.2.1).

O uso subseqüente de anestesia local, orientado pelos resultados das avaliações, foi realizado sem qualquer intercorrência em todos os indivíduos.

CONCLUSÕES

A investigação de um caso suspeito é trabalhosa, geralmente demonstra que a suposição de alergia era infundada e, muitas vezes, não esclarece a causa da reação adversa do passado. Mas provê o paciente com a informação sobre qual ou quais anestésicos são de utilização segura no futuro.

Suspeitas de alergia aos AL inviabilizam a utilização de anestesia local e de lidocaína como antiarrítmico. Os prejuízos advindos das posterga-ções desses procedimentos ou do uso substitutivo de anestesia geral podem ser grandes. Entretanto, os danos causados pelo temor de anafi laxia na vida dos pacientes são incalculáveis. Extrações dentárias realizadas com instrumentos domésticos, sem assis-tência profi ssional, e sutura de laceração perineal pós-parto, sem anestesia, são exemplos de fatos ocorridos na história de dois pacientes, em que havia suspeita de alergia aos AL, atendidos no NARTAD. Nos dois casos, a investigação mostrou que as sus-peitas eram improcedentes.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1. Adkinson NF. Drug Allergy. In: Middleton’s Allergy – Prin-ciples and Practice. 6a ed. Mosby, 2003.

2. Editorial, Ann Allergy Asthma and Immunol, 87:1-4, 2001. 3. Fisher A. Local Anesthetics. In: Contact Dermatitis. 3rd ed.

Philadelphia: Lea & Febiger, 220-227, 1986.4. Fisher MM, Bowey CJ. Alleged allergy to local anaesthetics.

Anaesth Intens Care, 25:611-14, 19975. Grammer LC, Greenberger PA. In: Drug Allergy and Protocols

for Management of Drug Allergies. 3a ed. Ocean Side Publica-tions, Inc, 2003.

6. Stevenson DD, Simon RA, Zuraw BL. Sensivity to Aspirin and Nonsteroidal Antiinfl amatory Drugs. In: Middleton’s Allergy – Principles and Practice. Mosby, 2003.

Tabela 45.2.9. Protocolo do NARTAD de Investigação de Alergia de Tipo Imediato aos Anestésicos Locais

Protocolo de Investigação do Nartad

Punctura Solução salina, histamina, látex, drogas suspeitas e alternativas (sem diluição)

Se negativo ou Teste intradérmico: 0,02 mL de soluçãoinconclusivo salina, drogas suspeitas e alternativas puras ou diluídas (em geral até 1/100), conforme os resultados anteriores

Se negativo ou Provocações subcutâneas: 2 mL de soluçãoinconclusivo salina e de cada droga (pura) a cada 15 minutos. • O procedimento é realizado após assinatura de consentimento informado pelo paciente ou seu representante legal, em ambiente com material de reanimação e desfribilador • O paciente é monitorizado com cardioscópio, oxímetro de pulso e pressão automática não-invasiva. É realizada punção venosa em membro superior e instituída infusão de soro fisiológico a 0,9% • Após o término do teste, o paciente permanece 1 hora em sala de recuperação pós-anestésica e é liberado com acompanhante

Leitura em 24 horas e se necessário, também, em 48 horas.

Fonte: adaptado de Fisher.

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