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ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.15 n.28; p. 2018 595 HIPERADRENOCORTICISMO CANINO: REVISÃO DE LITERATURA Larissa Vieira de Paula 1 , Alana Flávia Romani 2 , Guilherme Pinheiro Santos 3 , Andreia Vitor do Couto Amaral 2 , Wanessa Ferreira Ataíde 2 1. Residente, Hospital Veterinário, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Brasil. ([email protected]) 2. Docente, Medicina Veterinária, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Brasil. 3. Residente, Hospital Veterinário, Escola de Veterinária e Zootecnia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil. Recebido em: 22/09/2018 – Aprovado em: 23/11/2018 – Publicado em: 03/12/2018 DOI: 10.18677/EnciBio_2018B52 RESUMO O Hiperadrenocorticismo (HAC), ou Síndrome de Cushing, consiste em doença endócrina que acomete principalmente cães de meia idade a idosos, de qualquer raça ou sexo. Etiologicamente pode ser classificado como iatrogênico, causado pelo uso indiscriminado de glicocorticóides, ou espontâneo, subdividido em adrenal- dependente e hipófise-dependente, causados por tumores nas respectivas glândulas. A sintomatologia não é patognomônica e inclui alterações dermatológicas, abdômen penduloso, atrofia muscular poliúria, polidipsia, polifagia e, em alguns casos, sinais neurológicos. Os achados laboratoriais usualmente são hiperglicemia, aumento da fosfatase alcalina e da alanina aminotransferase, proteinúria, hipercolesterolemia, hipostenúria, diminuição das concentrações séricas de ureia e creatinina e, ocasionalmente, glicosúria. O diagnóstico é feito com base na sintomatologia clínica e confirmado com testes endócrinos, como o teste de estimulação com o ACTH e o teste de supressão com dexametasona em doses baixas. A investigação etiológica é feita com base nos exames de imagem e em testes como a concentração plasmática de hormônio adrenocorticotrófico endógeno. Dentre as opções de tratamento destacam-se o trilostano e o mitotano. A abordagem cirúrgica por meio de adrenalectomia ou hipofisectomia consiste em alternativa dispendiosa e pouco utilizada na rotina. O prognóstico é baseado na etiologia do HAC, no tratamento escolhido e na adesão do tutor do animal ao tratamento. Por se tratar de endocrinopatia de ocorrência relevante na clínica médica veterinária, este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo trazer revisão bibliográfica sobre tal síndrome. PALAVRAS-CHAVE: glândula adrenal, glicocorticoides, hipófise. CANINE HYPERADRENOCORTICISM: REVIEW ABSTRACT Hyperadrenocorticism, or Cushing Syndrome is an endocrine disease seen mainly in average and old dogs, from any breed and sex. Etiologically can be classified as iatrogenic, caused by indiscriminate use of glycocorticoids, which is divided in adrenal dependent and hypophysis dependent caused by tumors in the

Recebido em: 22/09/2018 – Aprovado em: 23/11/2018 ... · exemplo de secreção interna a glicose secretada pelo fígado para o sangue e como secreção externa a bile, secretada

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HIPERADRENOCORTICISMO CANINO: REVISÃO DE LITERATURA

Larissa Vieira de Paula1, Alana Flávia Romani2, Guilherme Pinheiro Santos3, AndreiaVitor do Couto Amaral2, Wanessa Ferreira Ataíde2

1. Residente, Hospital Veterinário, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Brasil.([email protected])

2. Docente, Medicina Veterinária, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Brasil.3. Residente, Hospital Veterinário, Escola de Veterinária e Zootecnia, Universidade

Federal de Goiás, Goiânia, Brasil.

Recebido em: 22/09/2018 – Aprovado em: 23/11/2018 – Publicado em: 03/12/2018DOI: 10.18677/EnciBio_2018B52

RESUMOO Hiperadrenocorticismo (HAC), ou Síndrome de Cushing, consiste em doençaendócrina que acomete principalmente cães de meia idade a idosos, de qualquerraça ou sexo. Etiologicamente pode ser classificado como iatrogênico, causado pelouso indiscriminado de glicocorticóides, ou espontâneo, subdividido em adrenal-dependente e hipófise-dependente, causados por tumores nas respectivasglândulas. A sintomatologia não é patognomônica e inclui alterações dermatológicas,abdômen penduloso, atrofia muscular poliúria, polidipsia, polifagia e, em algunscasos, sinais neurológicos. Os achados laboratoriais usualmente são hiperglicemia,aumento da fosfatase alcalina e da alanina aminotransferase, proteinúria,hipercolesterolemia, hipostenúria, diminuição das concentrações séricas de ureia ecreatinina e, ocasionalmente, glicosúria. O diagnóstico é feito com base nasintomatologia clínica e confirmado com testes endócrinos, como o teste deestimulação com o ACTH e o teste de supressão com dexametasona em dosesbaixas. A investigação etiológica é feita com base nos exames de imagem e emtestes como a concentração plasmática de hormônio adrenocorticotrófico endógeno.Dentre as opções de tratamento destacam-se o trilostano e o mitotano. Aabordagem cirúrgica por meio de adrenalectomia ou hipofisectomia consiste emalternativa dispendiosa e pouco utilizada na rotina. O prognóstico é baseado naetiologia do HAC, no tratamento escolhido e na adesão do tutor do animal aotratamento. Por se tratar de endocrinopatia de ocorrência relevante na clínicamédica veterinária, este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo trazerrevisão bibliográfica sobre tal síndrome.PALAVRAS-CHAVE: glândula adrenal, glicocorticoides, hipófise.

CANINE HYPERADRENOCORTICISM: REVIEW

ABSTRACTHyperadrenocorticism, or Cushing Syndrome is an endocrine disease seen mainly inaverage and old dogs, from any breed and sex. Etiologically can be classified asiatrogenic, caused by indiscriminate use of glycocorticoids, which is divided inadrenal dependent and hypophysis dependent caused by tumors in the

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correspondent glands. The symptoms are not pathognomonic and includedermatologic alterations, pendulous abdomen, muscle atrophy, polyuria, polydipsia,polyphagia and neurological signs in some cases. Usually, the laboratorial findingsare hyperglycemia, increase in alkaline phosphatase and aminotransferase alanine,proteinuria, hypercholesterolemia, hyposthenuria, decrease in seric concentrations ofurea and creatinine, and occasionally glycosuria. The diagnosis is based on clinicalsymptomatology and confirmed with endocrine tests, as the stimulation with ACTHtest and suppression with dexamethasone in low doses test. The etiologicinvestigation is done based on imaging exams and tests with a plasmaticconcentration of endogen adrenocorticotrophic hormone. Among the treatmentoptions, detaches the trilostane and mitotane. The surgical approach based onadrenalectomy or hypophysectomy consists in a dispendious and not very usedalternative. The prognosis is based on the etiology of HAC and the chosen treatmentand owner adhesion to the treatment. In conclusion, because it brings the theme ofendocrinopathy with relevant occurance in the veterinary medical clinic, thisconclusion aims to bring the literature revision about the Cushing Syndrome.KEYWORDS: adrenal gland, glycocorticoids, hypophysis.

INTRODUÇÃOA integração do metabolismo nos mamíferos é realizada pelos sistemas

nervoso, que opera através de neurotransmissores como noradrenalina, acetilcolinaou serotonina, e endócrino que opera através de mensageiros químicosdenominados hormônios, os quais são transportados pelo sangue até seu local deação (órgão-alvo). De forma geral, os hormônios são moduladores das reaçõesenzimáticas do metabolismo, participando de funções específicas como ocrescimento celular, a regulação do metabolismo, lactação e sistema reprodutivo,por exemplo. Embora estes sistemas sejam estudados de forma separada, noestudo da regulação do metabolismo, eles atuam de forma integrada em um sistemaneuroendócrino (GONZALÉZ; SILVA, 2003).

Aristóteles foi o primeiro a descrever fatos relacionados com a funçãoendócrina, quando em 322 a.C. relatou os efeitos da castração nas aves e nohomem, embora sem compreender o mecanismo. O italiano Eustáquio, em 1564, foio primeiro a definir as glândulas adrenais, e em 1766, Von Haller propôs o conceitode órgão endócrino, sendo este cuja a secreção é vertida no sangue. Mais tarde, em1775, Teophile Bordeu propôs com base no conceito de Von Haller, que taissecreções eram necessárias para manter a integridade do organismo. Em 1786,John Hunter transplantou testículos de aves dentro da cavidade abdominal paraobservar possíveis alterações no desenvolvimento do animal. Claude Bernard usouo termo “secreção interna” para diferenciar de “secreção externa” tomando comoexemplo de secreção interna a glicose secretada pelo fígado para o sangue e comosecreção externa a bile, secretada pelo fígado para o trato gastrointestinal. Em 1856Brown-Séquard demonstrou experimentalmente a insuficiência adrenal pordestruição cortical que havia sido proposta por Thomas Addison um ano antes. Otermo hormônio foi primeiro aplicado por Bayliss e Starling em 1905 como sendouma substância produzida em um órgão endócrino e transportada no sangue paraexercer sua função em outro órgão, como referência à secretina, uma substânciagastrointestinal produzida pelo suco pancreático (GONZALÉZ; SILVA, 2003).

Em 1932, o Dr. Harvey Cushing descreveu 15 pacientes humanos com umadesordem caracterizada por ele como “o resultado de uma pituitária basofílica”. Anos

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depois, estudos minuciosos desses e de outros casos sugeriram múltiplas causaspara esta síndrome, com altas concentrações séricas de cortisol sendo o últimodenominador comum dessas doenças (FELDMAN et al., 2015; PÉREZ-ALENZA;MELIÁN, 2017).

O hiperadrenocorticismo (HAC) ou Síndrome de Cushing é uma dasendocrinopatias mais comumente diagnosticadas em cães de meia idade e idosos,sem predisposição sexual ou racial e está associada com a produção excessiva deglicocorticóides causada por tumor de origem hipofisária ou neoplasia adrenocorticalou ainda de forma iatrogênica em virtude de administração excessivaglicocorticóides exógenos (NELSON, 2015; PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017).

A presente revisão bibliográfica pretende trazer informações essenciaissobre o hiperadrenocorticismo canino para profissionais e acadêmicos de MedicinaVeterinária, uma vez que sua ocorrência na rotina clínica é significativa, suasintomatologia inespecífica e seu diagnóstico complexo.

DESENVOLVIMENTO

ANATOMOHISTOFISIOLOGIA DA GLÂNDULA ADRENAL

No cão, as glândulas adrenais são um par de órgãos endócrinos, localizadasno tecido retroperitoneal ao longo dos polos craniais medianos dos rins.Anatomicamente são divididas em região cortical, que é externa, com origemmesodérmica, e região medular, interna, de origem ectodérmica, (GONZALÉZ;SILVA, 2003; BEHREND, 2015).

Histologicamente, o córtex é constituído por três zonas distintas. A zonaglomerulosa é a mais externa, compreende cerca de 15% do córtex e é a única quepossui as enzimas necessárias para a desidrogenação de 18-desoxicorticosterona.É responsável pela produção de mineralocorticoides que desempenham um papelimportante no controle do equilíbrio hidroeletrolítico e, consequentemente, nocontrole da pressão arterial. A principal representante do grupo é a aldosterona, cujasíntese é controlada principalmente pelo sistema renina-angiotensina e pelasconcentrações séricas de potássio. Nesta zona não ocorre a síntese de cortisol oude hormônios sexuais devido à deficiência da enzima 17-alfa-hidroxilase(HERRTAGE; RAMSEY, 2015; ROMÃO et al., 2011; BEHREND, 2015; DE MARCO,2015).

A zona fasciculada que é a intermediária, ocupa 80% do córtex e produzglicocorticoides, principalmente o cortisol. Por fim há a zona reticular, quecompreende os outros 5% e é a mais interna, sendo responsável pela síntese deandrógenos e em menor grau, glicocorticóides, estrógenos e progesterona (DEMARCO, 2015). Essas zonas possuem a enzima 17α-hidroxilase, permitindosintetizar 17α-hidroxipregnenolona e 17α-hidroxiprogesterona, que são oscomponentes precursores do cortisol e androgéneos (GONZALÉZ; SILVA, 2003). Aregião medular encontra-se adjacente à zona reticular e compreende de 10 a 20 %do volume total da glândula. Nesta região ocorre a secreção de catecolaminas,como adrenalina e noradrenalina em resposta ao estímulo simpático. Osandrógenos, dentre outras funções são responsáveis pelo início do desenvolvimentoe maturação dos órgãos sexuais. (ROMÃO et al., 2011).

Os glicocorticóides, especificamente o cortisol, possuem efeitos sobre váriossistemas. No metabolismo de carboidratos, o cortisol estimula a gliconeogênese no

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fígado, aumentando o armazenamento de glicogênio hepático e diminuindo a taxade utilização da glicose pelas células, o que leva a um aumento nos níveisglicêmicos do organismo. No metabolismo de proteínas, ele promove o catabolismoe diminuição da síntese proteica, além de deprimir o transporte de aminoácidos (aa)que associado ao catabolismo, leva ao aumento das concentrações sanguíneas deaa. O cortisol estimula a lipólise no tecido adiposo, o que resulta na liberação deácidos graxos livres e glicerol. A insulina reage a esse efeito inibindo a lipólise eestimulando a lipogênese. A cetogênese ocorre se os efeitos da insulina foremsuperados. O tecido adiposo tende a ser redistribuído no abdômen e na parteposterior do pescoço em cães com excesso de concentração de glicocorticóides(KLEIN, 2014; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

No sistema imune, o cortisol promove supressão por meio da diminuição dapermeabilidade capilar, reduzindo a migração de leucócitos e sua capacidade dedigestão do material fagocitado, além de diminuir a produção de linfócitos T,eosinófilos e anticorpos. Nos casos de hipersensibilidade, inibe a degranulaçãomastocitária, a descarboxilação de histidina e impede a produção deprostaglandinas. Outros efeitos esperados são a redução da febre e o retardo doprocesso de cicatrização de feridas (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

O colesterol é o precursor na biossíntese dos esteroides adrenais. Ele étransportado por lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e em sua maioria éesterificado e armazenado em gotas lipídicas citoplasmáticas (KLEIN, 2014). Asenzimas envolvidas pertencem à família das citocromo P-450 oxigenases,encontrando-se em todas as reações enzimáticas até a produção do cortisol(GONZALÉZ; SILVA, 2003).

A primeira fase consiste na clivagem enzimática do colesterol empregnenolona, um esteroide de 21 átomos de carbono, precursor comum a todos osesteroides, via citocromo P45017α (17-hidroxilase/liase). Através da enzima 3β-esteroide desidrogenase a pregnenolona pode dar origem a progesterona. A partirda pregnenolona ou da progesterona, várias vias são possíveis para sintetizar osdemais hormônios esteroides com as enzimas 17-hidroxilase/liase, 3β-esteroidedesidrogenase, 11β-hidroxilase e 21-hidroxilase. As hidroxilases deste sistemarequerem oxigênio molecular e NADPH. A progesterona é hidroxilada na posição 21pela ação da 21-hidroxilase para formar 11-deoxicorticosterona (DOC), compostoque tem ação mineralocorticóide. Mais uma hidroxilação no DOC sobre o C-11 pelaação da 11β-hidroxilase, produz corticosterona, que tem maior ação glicocorticóide.A síntese de cortisol requer 3 hidroxilações sequenciais no C-17, C-21 e C11. Se aposição 21 for hidroxilada antes, via progesterona, a posição 17 não é maishidroxilada e são sintetizados mineralocorticóides. Portanto, a rota mais frequentepara síntese do cortisol é a 17 α-hidroxilação da pregnenolona (GONZALÉZ; SILVA,2003; ROMÃO et al., 2011; PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017).

A biossíntese de mineralocorticoides ocorre através da enzima 18 α-hidroxilase, pois no retículo endoplasmático não há a enzima 17 α-hidroxilase. Elaatua sobre a corticosterona e produz 18-hidroxicorticosterona, a qual se trasnformaem aldosterona por ação de uma desidrogenase que converte a hidroxila do C-18em aldeído. Esse grupo reage com o -OH do C-11 para estabilizar-se comohemiacetal (GONZALÉZ; SILVA, 2003; PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017).

A síntese dos glicocorticoides é estimulada pelo hormônioadrenocorticotrófico (ACTH) da hipófise através de estimulação pelo hormônioliberador da corticotropina (CRH), originado no hipotálamo (BEHREND, 2015). O

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ACTH atua sobre receptores de membrana das células do córtex adrenalestimulando a adenilciclase que promove a elevação dos níveis de cAMP, ativando aenzima proteína-quinase, que por sua vez ativa a colesterol esterase que hidrolisaésteres de colesterol para disponibilizar colesterol livre, que por sua vez deve entrarna mitocôndria para o processo de síntese dos glicocorticoides e no retículoendoplasmático para síntese dos mineralocorticoides (GONZALÉZ; SILVA, 2003).

Assim como a síntese, a liberação dos glicocorticóides é controlada peloACTH, que é liberado pela hipófise anterior e que é regulado pelo CRH. Este ésecretado por neurônios na porção anterior do núcleo paraventricular do hipotálamoe transportado via circulação portal até a hipófise. O ACTH exerce um sistema deretroalimentação negativo (feedbacknegativo) de alça curta sobre o CRH. O ACTHliberado na corrente sanguínea estimula a liberação de cortisol pelo córtex daadrenal, aumentando as concentrações séricas deste, que tem efeitos diretos nofeedback negativo sobre o hipotálamo para redução do CRH e sobre a hipófise pararedução da síntese de ACTH. A secreção destes hormônios é episódica e pulsátil,variando assim as concentrações de cortisol durante o dia. Alguns autores alegamque no cão essas concentrações costumam ser maiores nas primeiras horas damanhã, no entanto, o ritmo circadiano do cortisol é difícil de ser confirmado em cãese gatos. Em picos de estresse o feedback negativo não ocorre, mantendo asconcentrações de ACTH e cortisol elevadas, desafiando assim o sistemaimunológico a liberar interleucina-1 para estimular a liberação do CRH (DE MARCO,2015; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

ETIOLOGIAO HAC pode ser espontâneo ou iatrogênico. Uma das formas espontâneas é

o hiperadrenocorticismo hipófise-dependente ou pituitária dependente (HPD), queacomete de 80% a 85% dos cães com HAC espontâneo (PÉREZ-ALENZA; MELIÁN,2017). Cerca de 90% dos cães com HPD apresentam tumor hipofisário, o queestimula uma secreção exacerbada de ACTH, resultando em hiperplasia bilateraldas adrenocorticais e excesso de secreção de cortisol. Esses tumores sãogeralmente adenomas das células corticotrópicas da pars distalis (70% dos casos deHPD), nos quais o ACTH tem liberação controlada pelo CRH; adenomas da parsintermedia (30% dos casos de HPD), nos quais o ACTH está sobre controle neuraldireto, principalmente pela inibição dopaminérgica e, raramente, carcinomasfuncionais da hipófise (PETERSON, 2007; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Nos outros 10% dos casos de HPD ocorre uma falha no feedback negativodo cortisol sobre o ACTH ainda não bem esclarecida. Suspeita-se que possa estarassociada à excessiva estimulação das células corticotrópicas da hipófise por contade um distúrbio hipotalâmico ou ainda uma superprodução de CRH pelo hipotálamo,que poderia causar uma hiperplasia difusa das células corticotrópicas da hipófiseanterior. Nos casos de falha no feedback, no entanto, a secreção episódica deACTH resulta em concentrações flutuantes de cortisol, que às vezes podem estardentro da normalidade (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Os 15 a 20% restantes dos casos de HAC espontâneos são causados portumores adrenais uni ou bilaterais (HAC adrenal dependente – HAD), como osadenomas e carcinomas adrenocorticais (HERRTAGE; RAMSEY, 2015; NELSON,2015). Segundo Herrtage e Ramsey (2015), estes ocorrem com frequência igual,entretanto, um estudo retrospectivo dos casos de adrenalectomia realizado porPacini et al., (2015), revelaram através da histopatologia que 84,61% dos casos se

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tratavam de adenoma cortical e 15,39% de adenocarcinoma.Os carcinomas tendem a ser calcificados, ter mais de 2cm de diâmetro,

podendo invadir estruturas locais como os rins, fígado e veia cava, causar fibrosetecidual na sua periferia, hemorragia e necrose, além de metástase no fígado,pulmão e rim (PETERSON, 2007). Os adenomas geralmente são pequenos e bemcircunscritos, não possuem tendência metastática e não são localmente invasivos(DE MARCO, 2015). Tais tumores estão frequentemente associados àhematopoese, trombos de fibrina e vacúolos citoplasmáticos. Há relatos de umaneoplasia adrenocortical em uma glândula e um feocromocitomas na glândulacontralateral (HERRTAGE; RAMSEY, 2015; PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017).

O HAC iatrogênico é resultante da administração excessiva deglicocorticóides exógenos para tratamentos de distúrbios alérgicos ouimunomediados, o que leva a supressão das concentrações plasmáticas tanto doCRH hipotalâmico quanto do ACTH hipofisário, causando atrofia adrenal bilateral(DE MARCO, 2015).

Um tipo de HAC para-neoplásico é raramente descrito. Ele está associado ahipercortisolemia secundária à secreção tumoral ectópica de ACTH. O diagnóstico édifícil e se dá por meio de tomografia computorizada e de testes funcionais. Tambémestão descritos casos raros de HPD com tumor adrenal concomitante e casos detumores adrenais bilaterais (KOOISTRA; GALAC, 2010; PÉREZ-ALENZA; MELIÁN,2017).

EPIDEMIOLOGIAO HAC é uma das doenças endócrinas mais comumente diagnosticadas no

cão e é uma condição rara em gatos. Aparentemente não há predisposição sexual,porém, cadelas são mais suscetíveis ao desenvolvimento tumores adrenais que osmachos (HERRTAGE; RAMSEY, 2015). Cães de quaisquer raças podem seracometidos, porém, as mais acometidas são Poodles, Terriers, Beagles,Dachshunds e Pastores Alemães (ETTINGER; FELDMAN, 2004; PETERSON;KINTZER, 2008; DE MARCO, 2015).

Pöppl et al., (2016) realizaram um estudo epidemiológico com 1400 cães egatos, acerca das principais endocrinopatias diagnosticadas entre os anos de 2004 e2014 no Sul do Brasil. Os autores constataram que a principal endocrinopatia queacomete os cães é o HAC, sendo esta responsável por 37% da casuística, seguidapela diabetes mellitus que é responsável por 22%. A média de idade variou de 9,11± 3,43 anos, e 69% dos pacientes com HAC eram fêmeas. Com relação aos felinos,o HAC foi responsável por apenas 3% da casuística de endocrinopatias.

O HAC de ocorrência natural pode ser decorrente de tumor hipofisário emcerca de 85% dos casos, sendo a alteração mais comum observada em cães comHAC com menos de 20 kg e na faixa etária de dois a 16 anos, com média de sete anove anos. Na maioria das vezes o tumor hipofisário é considerado ummicroadenoma, com tamanhos menores que 10 mm, frequentemente menores que 3mm. Contudo uma proporção de 10 a 50% dos casos pode apresentarmacroadenomas, tumores de hipófise com mais de 10 mm (PÖPPL, 2009;HERRTAGE; RAMSEY, 2015; DE MARCO, 2015).

Outra possibilidade, presente em cerca de 15% dos casos de HAC deocorrência natural, é o HAD, mais comumente diagnosticado em animais com maisde 20 kg, na faixa etária média de 11 a 12 anos. A ocorrência simultânea de HPD eHAD, apesar de um achado raro, também é possível (PÖPPL, 2009).

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SINAIS CLÍNICOSO HAC tem início insidioso com progressão lenta e muitas vezes os

proprietários consideram os sinais clínicos como parte do processo deenvelhecimento normal do cão. Em alguns casos os sinais clínicos podem serintermitentes com períodos de remissão e recidiva (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Atualmente os cães são avaliados em estágios muito iniciais dedesenvolvimento da doença e, consequentemente, as manifestações clínicas elaboratoriais são mais sutis (BEHREND et al., 2013).

Clinicamente, os animais com HAC desenvolvem uma série de sinaisclínicos característicos como a polidipsia (ingestão de água >100mL/kg de pesocorporal/dia) e poliúria (produção de urina >50mL/kg de peso corporal/dia). Apolidipsia é secundária à poliúria e está por sua vez não está muito bem esclarecida,mas tem sido atribuída ao aumento da taxa de filtração glomerular, inibição daliberação de hormônio antidiurético (ADH), inibição da ação do ADH sobre ostúbulos renais ou possivelmente a inativação do ADH. Ainda pode haver noctúria eincontinência urinária (PÖPPL, 2009; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Outro sinal clínico comum é a distensão abdominal, caracterizada peloabaulamento abdominal que assume a aparência de “tonel”. Tal aspecto se deve àredistribuição da gordura no abdômen, à hepatomegalia e à fraqueza/atrofia dosmúsculos abdominais. Também são relatadas letargia e intolerância ao exercício emdecorrência da atrofia muscular causada pelo catabolismo proteico, que culmina emdiminuição da massa muscular em torno dos membros, no dorso e na regiãotemporal (PETERSON; KINTZER, 2008). Em alguns casos de fraqueza muscularmais grave, o animal pode desenvolver lesões por decúbito prolongado. O HACpode ainda, mascarar os sinais de doenças articulares crônicas degenerativas emvirtude da inibição da inflamação, atrasando o tratamento e assim agravando oproblema articular (FELDMAN et al., 2015).

Também são descritos polifagia, taquipneia pelo aumento de deposição degordura sobre o tórax e pela atrofia e fraqueza muscular, ofego, exoftalmia, úlceragástrica devido ao aumento da secreção de ácido clorídrico, pancreatite gerada peloaumento da produção de enzimas gástricas e insulina, miotonia com andar rígido emarcha forçada mais pronunciada em membros pélvicos, anestro persistente eatrofia testicular em razão do efeito feedback negativo das altas concentrações decortisol sobre a hipófise e supressão da secreção de hormônios gonadotróficos(PÖPPL, 2009; DE MARCO; 2015; NELSON, 2015).

Embora incomuns, sinais neurológicos como demência, depressão,desorientação, perda dos comandos já aprendidos, anorexia, andar compulsivo edesorientado, pressionar a cabeça contra objetos, andar em círculos, ataxia,cegueira, anisocoria e convulsões podem estar presentes no HPD, geralmente noinício do tratamento com trilostano ou mitotano devido a remoção do feedbacknegativo sobre a hipófise e o hipotálamo, permitindo que os tumores hipofisáriosalarguem rapidamente, causando edema e aumento da pressão intracraniana (PIC)(BEHREND; MELIAN, 2013; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Hipertensão arterial sistêmica é relatada em alguns casos, com mecanismospouco esclarecidos. Tal alteração pode induzir à cegueira devido a hemorragiasintraoculares e deslocamento da retina. Comprometimentos cardíacos tambémforam descritos, como a hipertrofia ventricular esquerda e a insuficiência cardíacacongestiva. Sugere-se que tais complicações sejam causadas pela secreção

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excessiva de renina, pela ativação do sistema renina-angiotensina, pela redução dasensibilidade vascular às catecolaminas e redução das prostaglandinasvasodilatadoras (PETERSON; KINTZER, 2008; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Alterações dermatológicas usualmente estão presentes, como pele fina eelástica, especialmente ao longo do abdômen ventral devido à inibição das mitosescelulares do tecido epidérmico, da multiplicação e migração dos fibroblastos e daatrofia do colágeno. A pele fina juntamente com a distensão abdominal permite avisualização da vasculatura subcutânea, sendo denominada de telangiectasia (DEMARCO, 2016). Pode haver aparecimento de equimoses e estriações devido àatrofia do colágeno em decorrência do catabolismo proteico e também pela maiorfragilidade dos vasos sanguíneos causada pelos glicocorticóides (HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

Relata-se calcinose cutânea principalmente no pescoço, axilas, abdômeventral e área inguinal, que está relacionada com o rearranjo da estrutura molecularde proteínas, como o colágeno e a elastina, e na formação de uma matriz orgânicaque atrai e liga o cálcio (MILLER et al., 2013; FELDMAN et al., 2015; HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

A seborreia é observada em cerca de 33% dos animais e ocorresecundariamente à atrofia das glândulas sebáceas (ETTINGER; FELDMAN, 2004).Portanto pode ser observada descamação excessiva; comedões causados por“plugs” foliculares (BEHREND; MELIAN, 2013; MILLER et al., 2013). Ocorre ainda oadelgaçamento do pelo levando à alopecia bilateral simétrica não pruriginosa, queinicialmente manifesta-se nos flancos, abdômen, tórax ventral, períneo, pescoçopreservando, geralmente a região da cabeça e as extremidades em virtude dalocalização dos receptores de glicocorticoides (DE MARCO, 2016). Essa alteraçãoocorre devido ao efeito inibitório do cortisol na fase anágena de crescimento do pelo.Os pelos remanescentes são secos e opacos pois estão na fase telógena ou derepouso do ciclo (ETTINGER; FELDMAN, 2004; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

O prurido é incomum devido aos altos níveis de cortisol circulantes e suaspropriedades antipruriginosas, no entanto, ele pode ocorrer em casos de infecçõessecundárias como piodermite, dermatofitose e demodiciose, causadas pelaimunossupressão (ETTINGER; FELDMAN, 2004; PÖPPL, 2009; DE MARCO, 2015;DE MARCO, 2016).

Os cães afetados por HAC durante o primeiro ano de vida apresentam,geralmente, crescimento diminuído, além dos sinais mais frequentementeassociados à doença (BEHREND, 2015).

São descritas complicações pulmonares, como mineralização pulmonarintersticial, doença pulmonar intersticial e, raramente, tromboembolismo, no qual hápresença de hiperpneia que progride para dispneia. Este último pode estarrelacionado à perda glomerular de proteínas, o que resulta na diminuição dasconcentrações de antitrombina III. Há relatos de doença renal crônica devido à lesãoglomerular por hipercortisolemia crônica e também o comprometimento do glomérulodevido a hipertensão arterial sistêmica (ETTINGER; FELDMAN, 2004; HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

DIAGNÓSTICOA suspeita de hiperadrenocorticismo canino fundamenta-se, inicialmente, em

anamnese detalhada e exame físico completo, com reconhecimento de sintomasclínicos e das alterações físicas sugestivas de hipercortisolismo. Os sinais sãoinespecíficos, contudo destacam-se poliúria, polidipsia, polifagia e alterações

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dermatológicas (PETERSON; KINTZER, 2008; DE MARCO, 2015).A investigação laboratorial inicial para o diagnóstico do HAC deve

compreender hemograma, urinálise, glicemia, dosagem sérica de colesterol,triglicerídios, alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA). Soma-se àinvestigação a ultrassonografia abdominal para a pesquisa de adrenomegalia uni oubilateral. Os testes hormonais são empregados na sequência para dar suporte aodiagnóstico presuntivo de HAC preestabelecido (DE MARCO, 2015).

Achados Laboratoriais

No hemograma do cão comumente é encontrado o leucograma de estresse,que corresponde à neutrofilia e monocitose devido ao aumento da liberação destascélulas da medula óssea para os vasos sanguíneos e à diminuição da sua migraçãopara os tecidos (diapedese); linfopenia relativa e absoluta (<1,5x109L) por lise doslinfócitos (linfocitólise) devido a ação tóxica nas membranas ou da sua redistribuiçãopelos compartimentos linfóides não vasculares (linfonodos, baço) e a eosinopenia(<0,2x109L), pelo sequestro de eosinófilos pela medula óssea. Devido ao efeitoestimulador dos glicocorticóides sobre a medula óssea, pode ocorrer uma levepolicitemia apesar de geralmente a contagem dos glóbulos vermelhos ser normal.Isso ocorre principalmente devido à presença de hipóxia que é secundária a umadiminuição da ventilação. Também pode ser observada trombocitose (FELDMAN etal., 2015; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Na bioquímica sérica a principal alteração é o aumento das concentraçõesde FA (>254 UI/L), que podem chegar de cinco a 40 vezes o valor superior denormalidade. Isso ocorre porque os glicocorticóides causam necrose hepatocelular,acúmulo de glicogênio e interferência no fluxo sanguíneo hepático. Um valor normalde FA não exclui HAC e o esse valor aumentado pode ocorrer também em umavariedade de outras condições. O acúmulo de glicogênio nos hepatócitos podetambém levar ao aumento discreto da ALT (KOOISTRA; GALAC, 2010).

Outra alteração comum é a hiperglicemia, que ocorre devido ao antagonismoà ação da insulina e à gliconeogênese promovida pelo excesso de glicocorticóides.Cerca de 10% dos cães com HAC desenvolvem diabetes mellitus, isso porqueinicialmente as concentrações de insulina aumentam para manter a normoglicemia,mas depois as ilhotas pancreáticas se esgotam e as células beta são destruídas.Cerca de 90% dos pacientes têm aumento da concentração plasmática de colesterol(>8mmol/L) em razão do estímulo da lipólise pelos glicocorticóides (HERRTAGE;RAMSEY, 2015). Os triglicérides também podem estar aumentados, embora sejaum achado menos comum que o aumento do colesterol. A determinação deste éimportante pois a lipemia pode interferir na avaliação precisa de vários parâmetroslaboratoriais. Contudo, esses parâmetros são inespecíficos, podendo ocorrer emoutras doenças que são diagnósticos diferenciais. Geralmente, os valores de ureia ecreatinina estarão reduzidos em decorrência da diurese e da redução dapermeabilidade tubular. (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Na urinálise, a densidade urinária geralmente é <1015, e com frequênciaobserva-se hipostenúria (<1,008), desde que não haja privação de água.Comumente encontra-se glicosúria, principalmente nos casos onde há diabetesmellitus concomitante. Também pode haver proteinúria (relação proteína: creatinina>1) devido a glomerulopatias, hipertensão sistêmica ou infecção do trato urinárioinferior (ITUI). Cerca de 50% dos casos de HAC apresentam ITUI como complicação

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em decorrência da retenção de urina por longo período devido à fraqueza muscular.A presença de células inflamatórias e sedimento pode ser mascarada pelo efeitoanti-inflamatório dos glicocorticóides. Pode haver ainda, ascensão da urina para osrins, ocasionando uma pielonefrite. Recomenda-se, portanto, a realização deurocultura e antibiograma a partir da urina obtida por cistocentese,independentemente das alterações observadas na urinálise (HERRTAGE; RAMSEY,2015; NELSON, 2015).

Exames de Imagem

O diagnóstico por imagem tem auxiliado os clínicos a identificarem a causade HAC espontâneo e a extensão da patologia subjacente. No entanto, a localizaçãode uma massa hipofisária ou suprarrenal não indica necessariamente a presença deum tumor funcional. Logo a imagem deve ser interpretada em conjunto com os sinaisclínicos e achados laboratoriais (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Na radiografia abdominal, os achados mais frequentes são o aumento docontraste abdominal, hepatomegalia discreta à grave, com os lobos ventraisvariando de arredondados à acentuadamente achatados e aumento da bexiga, quepode estar distendida mesmo após a micção. Também pode haver presença decálculos císticos, geralmente associados com ITUI. A radiografia abdominal pode,ainda, revelar a presença de mineralização na região das glândulas adrenais,sugerindo uma neoplasia adrenal, uma vez que em condições normais essasglândulas não são visíveis em radiografias, porém, tumores <20mm de diâmetro nãopodem ser observados (BEHREND; KEMPPAINEN, 2001; HERRTAGE; RAMSEY,2015). Cerca de 50% dos carcinomas da glândula adrenal são calcificados, mas acalcificação não permite fazer a diferenciação entre este e os adenomas(HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Ocasionalmente, verifica-se mineralização da pele, de vasos sanguíneosabdominais, da pelve renal, do fígado, da mucosa gástrica e da aorta abdominal;osteoporose das vértebras; sinais de tromboembolismo pulmonar e efusão pleural.Porém, esses sinais são inespecíficos, podendo ocorrer também na diabetesmellitus e no hipotireoidismo (ETTINGER; FELDMAN, 2004; NELSON, 2015).

No tórax, pode haver mineralização da traqueia e da parede brônquica,achado comum também em cães idosos. A radiografia torácica pode ainda revelarimportantes complicações que podem alterar o prognóstico, como a presença demetástase no pulmão de um carcinoma adrenocortical, ICC e tromboembolismopulmonar (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

A ultrassonografia abdominal ou ecografia é utilizada para avaliar otamanho, a forma e a eco-estrutura das glândulas adrenais, objetivando determinara origem do HAC (NELSON, 2015). Fatores como adrenais de pequeno tamanho,conformação torácica profunda, obesidade, órgãos com grandes quantidades degás, falta de cooperação do animal e animal de grande porte pode dificultar avisualização destas estruturas (NYLAND et al., 2005).

Os rins são utilizados como ponto de referência, sendo que o rim direito émais difícil de encontrar devido à proximidade com o lobo caudal do fígado,especialmente em animais emaciados nos quais não existe contraste com a gorduraabdominal (NELSON, 2015). A glândula adrenal direita está localizada craniomedialao rim direito, entre o polo caudal do rim e a veia cava caudal, e por estar maisprofunda e cranial sob as costelas, é mais difícil de ser localizada. Já a glândula

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adrenal esquerda encontra-se craniomedial ao polo cranial do rim esquerdo,ventrolateral à artéria aorta, entre a origem das artérias mesentérica cranial e renalesquerda, adjacente à primeira ou segunda vértebra lombar (NYLAND et al., 2005;HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Segundo Herrtage e Ramsey (2015), a glândula adrenal tem normalmenteformato achatado, é bilobada e hipoecóica em relação aos tecidos circundantes. Olobo cranial tem formato de espátula e é maior, enquanto o esquerdo espreita-sedistalmente. A região medular é mais hiperecóica quando comparada à cortical. Asdimensões máximas são de 10 a 52mm x 2 a 12mm, variando de acordo com otamanho e idade dos animais.

A simetria é considerada fator crucial para a distinção etiológica do HAC. NoHAD há formação adrenal unilateral e atrofia da adrenal contralateral, esta últimadevido à supressão crônica da secreção de ACTH hipofisário. Tumores adrenaisbilaterais são raros. Já no HPD, as glândulas adrenais são simetricamenteaumentadas, com bordos lisos e regulares. Há relatos de HPD concomitante àtumores adrenais e alguns animais com HAC apresentam medições das glândulasadrenais dentro dos parâmetros normais (PETERSON, 2007; BEHREND, 2015). Osaumentos de espessura não são específicos o suficiente para diagnosticar o HAC,pois há considerável sobreposição entre as mensurações da adrenal normal e dahiperplásica. No entanto cães com teste positivo para HAC e com as glândulassimétricas na ultrassonografia são positivos para HPD (HERRTAGE; RAMSEY,2015).

Os tumores variam de aparência, podendo ser hipoecogênicos,isoecogênicos ou hiperecogênicos quando comparados com o córtex renal, ou aindaheterogêneos, apresentando mineralização ou zonas de necrose (BEHREND;KEMPPAINEN, 2001). São exemplos os adenomas, os feocromocitomas, queraramente apresentam mineralização, tumores que formaram metástases naglândula adrenal e os carcinomas, que podem invadir tecidos, vasos sanguíneos ecomprimir órgãos adjacentes, fazendo necessário assim, o uso do doppler paraverificar se houve compressão da veia cava caudal (BEHREND; KEMPPAINEN,2001; NYLAND et al., 2005; NELSON, 2015). Não é possível avaliar o tipo deneoplasia apenas avaliando as glândulas adrenais na ultrassonografia, deve-seprocurar sinais de metastização especialmente no fígado, baço e rins (HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

Apesar de a ultrassonografia ser a modalidade de imagem preferida paraavaliar as glândulas adrenais em Medicina Veterinária, nem sempre ela éesclarecedora, como nos casos de hiperplasia assimétrica além de não permitir aavaliação do tipo de neoplasia. Assim, ressalta-se a importância dos sinais clínicos ea realização de testes endócrinos para uma completa interpretação dos resultadosdos exames de imagem (SOULSBY et al., 2015).

Outros exames de imagem incluem a tomografia computorizada (TC) e aressonância magnética (RM), que servem para avaliar o tamanho e simetria dasglândulas adrenais bem como determinar a presença de um macroadenoma oumacroadenocarcinoma de hipófise (NELSON, 2015).

A TC com contraste (iodado ou gadolínio) é mais sensível que aultrassonografia quando se pretende avaliar a estrutura das glândulas adrenais. Nahipófise o líquido de contraste passa livremente da circulação sanguínea para ointerstício, permitindo determinar com exatidão as dimensões de um tumor,identificar se há edema peritumoral, identificar as estruturas neurais adjacentes,

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como por exemplo, se há invasão da veia cava caudal pelo tumor e aderências entrea glândula adrenal e a veia cava caudal e ainda diferenciar hiperplasia bilateral deunilateral. Porém, nem sempre é possível detectar aumento de tamanho dasglândulas adrenais, diferenciar hiperplasia nodular unilateral de um tumor adrenal oudiferenciar neoplasias malignas de benignas. Alguns tumores pequenos podempassar despercebidos e, como tal, a ausência de uma massa visível não implica queo animal não tenha HPD (BEHREND, 2015; HERRTAGE; RAMSEY, 2015; NELSON,2015).

A RM é mais sensível que a TC na detecção de microadenomas hipofisários(até 3mm) e na localização de alterações como edema, necrose, cistos ouhemorragias devido à melhor imagem obtida das glândulas adrenais, pois esta não éafetada pela barreira óssea, (DE MARCO, 2015; NELSON, 2015). Estudosrevelaram que cerca de 50% dos cães com HPD apresentam massa detectável nahipófise quando realizada a RM (BERTOY et al., 1996, citado por HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

Nos casos com sintomas neurológicos, a RM ou a TC cerebral sãoessenciais para o planejamento cirúrgico de uma possível adrenalectomia. Porém,esses exames são dispendiosos, têm baixa disponibilidade, requerem anestesia quepode durar até 2 horas e técnicos com experiência na interpretação dos resultadosobtidos e por isso nem sempre são técnicas acessíveis (BEHREND, 2015).

Testes de Função Endócrina

O diagnóstico definitivo de HAC é efetuado em duas etapas: a confirmaçãoda hipótese e a detecção da sua causa. Em ambas as fases, os testes funcionaisdesempenham um papel relevante, permitindo diferenciar HAC hipófise-dependentede tumores adrenais, planejar o tratamento mais adequado e determinar umprognóstico mais preciso. Entretanto, nenhum teste diagnóstico é infalível, podendoapresentar resultado falso-positivo em cães com doenças não-endócrinas, ou falso-negativo. Animais com insuficiência renal ou hepática crônica, diabetes mellitus nãocontrolado, podem apresentar valores alterados nos testes funcionais endócrinos(BEHREND, 2015; DE MARCO, 2015; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

A preferência de Herrtage e Ramsey (2015), é pelo emprego o teste deestimulação com ACTH (TeACTH) como primeiro teste de triagem, e do teste desupressão com dexametasona em doses baixas (TSDDB) se o TeACTH fornecer umresultado no intervalo de referência em um cão com sinais clínicos suspeitos dehiperadrenocorticismo.

Caso se obtenha um resultado negativo em mais de um teste, deve-seconsiderar a ausência de HAC ou a presença de uma forma leve da doença. Nesteúltimo caso, o animal deve ser testado novamente após três a seis meses se houvera progressão da doença (BEHREND et al., 2013).

É importante ressaltar que a dosagem de cortisol basal não é um testerecomendado, pois não traz informações confiáveis sobre a função adrenocortical,uma vez que, o valor de cortisol varia ao longo do dia. Animais saudáveis podemapresentar concentrações elevadas de cortisol, assim como pacientes com HPD ouHAD podem apresentar valores basais (0,5 a 6 mg/dL) durante a maior parte do dia(PÖPPL, 2009; HERRTAGE; RAMSEY, 2015; NELSON, 2015).

Teste de Estimulação com ACTH

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É o teste de eleição numa abordagem inicial do HAC por ser simples, rápidoe confiável se for realizado antes do início do tratamento, com sensibilidade deaproximadamente 80% e especificidade de 85% a 90%. É a melhor opção paradistinguir o HAC iatrogênico do espontâneo, onde ele identifica >50% dos cães comHAD e cerca de 85% dos cães com HPD. No entanto, tem como inconveniente aincapacidade para estabelecer um diagnóstico etiológico, ou seja, não distingueHAD de HPD. Em casos de diabetes mellitus e de piometra, por exemplo, o animalsob estresse crônico pode desenvolver algum grau de hiperplasia adrenal, levando àobtenção de um falso-positivo. Resultados falsos-negativos podem ocorrer emestágios iniciais da doença, quando a hiperplasia adrenal é mínima, ou quando otumor adrenal não tem receptores da corticotropina (NELSON, 2015; PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017).

O TeACTH baseia-se na capacidade de resposta das adrenais, a qual estárelacionada com o tamanho e atividade das mesmas. O ACTH em dose forteestimulará a secreção de cortisol endógeno pelas adrenais. Assim, nos casos dehipertrofia destas glândulas, a resposta ao teste é superior a fisiológica(PETERSON, 2007; DE MARCO, 2015).

O procedimento consiste em coletar uma amostra de sangue paramensuração do cortisol basal; injetar 250 μg de ACTH sintético (tetracosactida,cosintropina) por via intravenosa ou intramuscular em cães com >5 kg, 125 μg emcães com <5 kg, ou alternativamente 5 mg/kg e coletar uma segunda amostra 60minutos depois para mensurar o cortisol novamente. Se após esses 60 minutos aconcentração de cortisol for maior que 22 mg/dL em um paciente não estressado esem doenças graves concomitantes, o resultado é positivo para HAC espontâneo.Uma resposta fraca na mensuração do cortisol (<6 mg/dL) se este mantiver o valorbasal (inferior a 5 μg/dl) conclui-se que se trata de HAC iatrogênico ouhipoadrenocorticismo. Essa diferenciação é feita com base no histórico de uso decorticóides e a presença de sinais clínicos de HAC, que condizem com HACiatrogênico (PÖPPL, 2009; HERRTAGE; RAMSEY, 2015; PÉREZ-ALENZA;MELIÁN, 2017).

Um estudo realizado por Martins e Jericó (2017) demonstrou a eficácia darealização do TeACTH com a dose de 1μg/kg, uma vez que esta dosagempromoveu o mesmo tipo de variação nos valores de cortisol que a dosagem de5μg/kg, tradicionalmente utilizada na rotina. Desta forma, os custos com a realizaçãodo TeACTH, tanto para diagnóstico inicial do HAC quanto para monitoramento daterapia, podem ser reduzidos, proporcionando maior aplicabilidade do teste.

Em casos onde o animal está passando por terapia com glicocorticóidescomo a hidrocortisona, a prednisona e a prednisolona, é necessário que estes sejamsuspendidos 24 horas antes da realização do teste para que não haja reaçãocruzada. A dexametasona não apresenta reação cruzada, mas ocasionará asupressão do cortisol em doentes com funcionamento normal do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Quando o cão apresentar diabetes mellitus, o teste deverá serrealizado apenas após o início da insulinoterapia (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Teste de Supressão com Dexametasona em Doses Baixas

O TSDDB é considerado o teste de escolha para o diagnóstico definitivo deHAC espontâneo, pois sua sensibilidade varia de 85 a 100% (DE MARCO, 2015;

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PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017). A especificidade, no entanto, varia de 40 a 50% eé afetada pela presença de doenças não-adrenais concomitantes, uso deanticonvulsivantes, glicocorticóides exógenos, e pelo estresse (PÉREZ-ALENZA;MELIÁN, 2017). Dentre as desvantagens deste teste estão a demora de 8 horaspara ser concluído, a não diferenciação da etiologia da doença, a baixa acuráciapara o HAC iatrogênico e o não fornecimento de informação que possa ser usadapara a monitoração do tratamento (HERRTAGE; RAMSEY, 2015; PÉREZ-ALENZA;MELIÁN, 2017).

O teste baseia-se na administração de um glicocorticóide, a dexametasona,por esta não apresentar reação cruzada com o cortisol endógeno do paciente noradioimunoensaio, e consequente avaliação da sensibilidade do eixo hipotálamo-hipofisário ao efeito supressor desta, que é 30 vezes superior ao do cortisol (DEMARCO, NELSON, 2015).

Para a realização do teste, o paciente deve estar livre de cortisona exógenapor pelo menos 60 dias. Após a dosagem de cortisol sérico é administrado aopaciente o fosfato de dexametasona ou dexametasona em polietilenoglicol na dosede 0,01 e 0,015 mg/kg respetivamente, por via intravenosa ou intramuscular. Aconcentração plasmática de cortisol deve ser avaliada novamente 4 e 8 horas apósa administração de dexametasona (BEHREND, 2015; NELSON, 2015).

Em um cão saudável, após duas a três horas da administração dedexametasona haverá inibição da secreção de ACTH pela hipófise, provocando umadiminuição da concentração de cortisol circulante por mais de 24 horas. Assimquando este for mensurado geralmente estará inferior a 40 nmol/L. Após oito horas,se a quantidade de dexametasona não for suficiente para suprimir as concentraçõesde cortisol circulante para menos de 40 nmol/L, o diagnóstico de HAC estáconfirmado. Deve-se em seguida avaliar o valor de cortisol plasmático mensuradoapós quatro horas, pois, doses baixas de dexametasona suprimem a secreção daACTH durante duas a seis horas após a administração em 60% dos cães com HPD,o que não acontece nos animais com HAD. Assim, quando existe supressão àsquatro horas, mas não às oito horas, o diagnóstico de HPD pode ser feito(BEHREND, 2015; NELSON, 2015).

No HPD, a hipófise é resistente ao feedbacknegativo da dexametasona econtinua a secretar ACTH após oito horas e, consequentemente, há produção decortisol pelas glândulas adrenais. Nos cães com tumores adrenais, a secreção decortisol não depende das concentrações de ACTH, portanto, a dexametasona nãoafeta a concentração plasmática de cortisol. Valores entre 30 e 40 nmol/L nãoexcluem nem confirmam o diagnóstico. Quando o valor anterior à administração dedexametasona é inferior a 30 nmol/L não é possível tirar conclusões (BEHREND;KEMPPAINEN, 2001; NELSON, 2015). A incapacidade para suprimir o cortisolplasmático em quatro e oito horas não é útil para determinar a etiologia do HAC(HERRTAGE; RAMSEY, 2015).Relação Cortisol: Creatinina Urinária

Trata-se de um teste prático de triagem, com sensibilidade de 85 a 95%,onde a obtenção de um valor normal exclui definitivamente o diagnóstico de HAC,entretanto, o resultado positivo deve ser confirmado com o TeACTH ou o TSDDB. Asdesvantagens incluem a especificidade baixa (20 a 30%), ter pouco valor noacompanhamento da resposta ao tratamento com mitotano e a interferência devariáveis na acurácia do teste, como estresse, hipertermia e doenças crônicas tais

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como a insuficiência renal e hepática (PETERSON, 2007; PETERSON; KINTZER,2008; NELSON, 2015).

A coleta da urina para realização do teste deve ser feita durante a manhã,uma vez que esta reflete a excreção urinária de toda a noite, conferindo uma corretaaproximação da dosagem de cortisol em 24 horas (PETERSON; KINTZER, 2008).Recomenda-se também que a coleta seja feita pelo proprietário em casa para que oanimal não se estresse, evitando alterações nas concentrações de cortisol na urina.Assim, a urina deve ser colhida por cinco dias consecutivos e na mesma hora. Asamostras devem colocadas num tubo seco com antisséptico e refrigeradas a 4°C ouenviadas imediatamente para o laboratório (DE MARCO, 2015; NELSON, 2015).

A excreção urinária de cortisol varia de acordo com a sua concentraçãosanguínea e a quantidade de urina filtrada. Para diminuir esse fator de diluição, foiproposta a medição concomitante da creatinina urinária, pois esta tem excreçãorelativamente constante quando a função renal é estável, conseguindo-se assim,interpretar a concentração de cortisol independentemente do volume de urinaproduzida (BEHREND; KEMPPAINEN, 2001). Portanto, RCCU = Cortisol Urinário(qmol/L) / Creatinina Urinária (qmol/L) x 10-6. Um resultado <10 x 10-6 exclui o HAC;um resultado entre >10 x 10-6 e <60 x 10-6 levanta uma hipótese de HAC porémainda é duvidoso e um resultado > 60 x 10-6 confirma o HAC. O RCCU nãodiferencia HAC hipofisário do adrenal, a não ser que ultrapasse 100 x 10-6, quandoaumenta a probabilidade de ser HPD (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Concentração Plasmática de ACTH Endógeno

Este teste é um método preciso na identificação etiológica do HAC egeralmente é utilizado quando os resultados da ultrassonografia abdominal sãoinconsistentes e inconclusivos (HERRTAGE; RAMSEY, 2015). Entretanto, naexperiência de Nelson (2015), este exame é pouco realizado, uma vez que, oultrassom abdominal e o TSDDB são bastante eficazes na diferenciação de HPD eHAD.

A amostra de sangue deve ser coletada pela manhã, armazenada em umtubo com ácido etileno diaminotetracetico (EDTA) e centrifugada rapidamente, pois oACTH é uma molécula muito instável, de degradação fácil, com uma meia-vida deapenas alguns minutos e que pode ser adsorvida pelas paredes de vidro do tubo.Após a centrifugação o plasma deve ser congelado imediatamente e enviado paraanálise laboratorial envolto por gelo. Com o objetivo de inibir a degradação deACTH, é comum adicionar a aprotinina, que é um inibidor das proteases sanguíneas.A dosagem deve ser realizada por quimioluminescência (DE MARCO, 2015).

Em cães saudáveis as concentrações de ACTH endógeno variam de 2,91 a11 pmol/L. Nos casos de HPD é esperado um valor border line ou aumentado (˃6pmol/L) secundário a hiperplasia ou tumor hipofisário. Já valores séricos baixos(˂1.1 pmol/L) são esperados em cães com HAD pois o cortisol é produzido pelotecido tumoral de forma autônoma à estimulação do ACTH e as células hipofisáriassão sensíveis ao feedback negativo induzido pelo cortisol em excesso (HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

Diagnósticos Diferenciais

O diagnóstico diferencial é essencial para se confirmar o HAC e fundamental

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para um tratamento adequado e consequentemente com melhor prognóstico(PETERSON; KINTZER, 2008; NELSON, 2015). Sinais clínicos como a proteinúria,podem ocorrer também no hipotireoidismo, na diabetes mellitus, na doença hepáticacolestática e na nefropatia. A hiperglicemia é um achado típico da diabetes mellitus,assim como a poliúria e polidipsia, que por sua vez, podem ocorrer também nadoença renal, na hipercalcemia, na acromegalia e em uma possível terapiaanticonvulsivante por exemplo (FELDMAN et al., 2015; HERRTAGE; RAMSEY,2015).

Os diagnósticos diferenciais mais importantes, portanto, são a diabetesmellitus, a acromegalia, a diabetes insipidus, insuficiência renal e hepática,pielonefrite, hipotireoidismo, hipertireoidismo, sertolioma e hipercalcemia (FELDMANet al., 2015; PETERSON; KINTZER, 2008).

Apesar de muitas vezes os sinais clínicos serem inespecíficos na maioriados cães com HAC, quando combinados e associados com os achadoslaboratoriais, o diagnóstico presuntivo pode ser levantado. A realização do testeTeACTH como triagem reforça esta hipótese e descarta as demais doençasdiferenciais (FELDMAN et al., 2015; HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

TRATAMENTOAtualmente existem várias opções terapêuticas para o HAC. Para selecionar

o tratamento adequado para cada paciente deve-se considerar o estado geral doanimal, as características da opção terapêutica, o tipo de HAC e a colaboração edisponibilidade financeira do proprietário. Independentemente do método detratamento selecionado, todos possuem efeitos colaterais, a maior parte édispendiosa, requerem uma monitoração periódica e adesão dos proprietários paraobter uma resposta satisfatória (DE MARCO, 2015; NELSON, 2015).

TRATAMENTO MEDICAMENTOSOTrilostano

O trilostano é um análogo esteroide sintético sem atividade hormonal, queatua como inibidor competitivo da enzima 3-β hidroxiesteroide desidrogenase,impedindo a conversão da pregnenolona em progesterona e, consequentemente,bloqueando a síntese de glicocorticoides, mineralocorticoides e hormônios sexuais.Sua ação tem duração média de 12 horas e a atividade máxima ocorre quatro a seishoras após a sua administração (PETERSON; KINTZER, 2008; NELSON, 2015).

Este composto é utilizado como a modalidade terapêutica primária para oHPD em cães, pois é eficiente no controle dos sinais clínicos em 80% dos casos.Também é uma alternativa em cães em que mitotano é ineficaz ou não pode serusado devido a problemas de sensibilidade e como forma de reverter as alteraçõesmetabólicas do HAC antes da adrenalectomia. A manipulação não é recomendadadevido a estudos que indicaram variação no teor do trilostano em algumas cápsulas(NELSON, 2015).

O medicamento disponível no mercado é o Vetoryl®, que existe sob afórmula de cápsulas de 10, 30, 60 e 120 mg. A dose inicial recomendada pelofabricante é de 3 a 6 mg/kg, administrado por via oral junto com o alimento, uma vezao dia (HERRTAGE; RAMSEY, 2015). Entretanto, Nelson (2015), rotineiramente usaa dose de 1 mg/kg duas vezes ao dia.

Sabe-se que o efeito de supressão do cortisol exercido pelo mitotano dura

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menos de 24 horas, logo, pode haver persistência dos sinais clínicos e subsequenteadministração de grandes doses de trilostano, o que leva a maior ocorrência deefeitos adversos. Esta intercorrência pode ser evitada quando o medicamento éadministrado duas vezes ao dia. (HERRTAGE; RAMSEY, 2015; NELSON, 2015).

A monitoração do animal é de extrema importância. O hemograma, abioquímica sérica, a mensuração sérica de eletrólitos e o TeACTH devem serrealizados 10 dias após o início do tratamento, com um e três meses e depois acada três a seis meses. (HERRTAGE; RAMSEY, 2015). Um bom controle éalcançado quando a concentração de cortisol após a administração de ACTH variade 60 a 145 nmol/L, no entanto, a obtenção da supressão máxima da funçãoadrenocortical pode levar várias semanas (NELSON, 2015).

A dose deve ser ajustada com base na resposta do TeACTH realizado dequatro a seis horas após a administração do trilostano, entretanto, ajustesfrequentes na dose devem ser evitados, principalmente quando as concentrações decortisol após a administração de ACTH estão entre 145 e 225 nmol/L, o proprietáriorelatar melhora dos sinais clínicos e o cão parecer estar bem. Da mesma maneira,cães que chegam à concentração de cortisol pós-ACTH entre 60 a 145 logo após oinício do tratamento devem ser monitorados quanto ao desenvolvimento de sinaisclínicos de hipoadrenocorticismo (HERRTAGE; RAMSEY, 2015; NELSON, 2015).

Os efeitos adversos são menos frequentes, quando comparados aos domitotano, ocorrendo em 10 a 15% dos animais e estão relacionados com ohipoadrenocorticismo: letargia, vômito, diarreia, depressão e anorexia, porém, namaioria das vezes são leves e autolimitantes, podendo ser corrigidos com asuspensão (3 a 4% dos casos) ou ajuste da dose. Também foram relatados:aumento das concentrações séricas de sódio e potássio e redução da relação entreeles (PETERSON; KINTZER, 2008).

Dentre as complicações estão descritos dois casos de morte súbita aindanão bem esclarecidos, onde há suspeita de relação com insuficiência da válvulamitral e doença crônica valvular, necrose bilateral das adrenais 25 dias após o iníciodo tratamento com dose de 7,1 mg/kg, sintomatologia neurológica em decorrênciado rápido crescimento do tumor hipofisário e dois casos de hipoadrenocorticismoagudo (PETERSON; KINTZER, 2008). O desenvolvimento de necrose adrenal,principalmente na zona fasciculada, pode ser decorrente da hipersecreção de ACTHque, juntamente com o aumento de tamanho das glândulas adrenais, pode, também,causar, paradoxalmente, necrose e hemorragia das glândulas adrenais(HERRTAGE; RAMSEY, 2015; PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017).

O trilostano não é recomendado para animais com menos de 5 kg. Dentre ascontraindicações estão cães com doença hepática e renal, pois este pode interagircom inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e com aespironolactona (antagonista da aldosterona) interferindo na síntese de aldosterona,sendo fatores de risco para o desenvolvimento de hipercalcemia. Além disso, écontraindicado para fêmeas gestantes, em lactação ou qualquer animal destinado àreprodução por interferir na síntese de hormônios sexuais. O alto custo domedicamento também é uma limitação para seu uso (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Mitotano

O mitotano, ou op’- DDD é um fármaco que possui ação citotóxica atravésdo isômero o’p, provocando necrose seletiva das zonas fasciculada e reticular,

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enquanto tende a preservar a zona glomerulosa do córtex da adrenal. Ele pode serutilizado nos casos de HPD e também é uma alternativa no HAD quando aadrenalectomia não for possível de ser realizada ou quando houver doença residualapós a realização deste procedimento (DE MARCO, 2015; NELSON, 2015).

Antes de se iniciar o tratamento deve-se medir o consumo de água por aomenos dois períodos de 24 horas consecutivos. Caso o apetite e a ingestão de águanão estejam aumentados, deve-se efetuar a dosagem do cortisol antes e após oTeACTH, possibilitando assim, a monitoração dos efeitos do tratamento(HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

A terapia com mitotano é dividida nas fases de indução, com duração média10 dias e fase de manutenção. Na fase de indução deve ser administrado por viaoral na dose de 50 mg/kg/dia dividindo-se a dose em duas administrações. Suaabsorção é otimizada quando a dose é triturada, misturada com uma pequenaquantidade de óleo vegetal e administrada com o alimento. Essa fase inicial segueaté que se verifique a redução significativa da ingestão de água e do apetite ou ocão apresente êmese, diarreia e apatia. Então o tratamento de indução éinterrompido, realiza-se um TeACTH onde espera-se concentrações de cortisol entre20 nmol/L a 120 nmol/L, para ser considerada a eficácia do tratamento e iniciar-se afase de manutenção. Em cães com polidipsia ou diabetes mellitus associada aoHAC, a dose deve ser reduzida para 25 a 35 mg/kg/dia (HERRTAGE; RAMSEY,2015; NELSON, 2015).

Caso esses sinais clínicos não apareçam, deve-se realizar um TeACTHapós 10 dias do início da terapia, e se as concentrações de cortisol estiverem dentroda faixa esperada, deve-se suspender o tratamento. Cães que não apresentarempoliúria e polifagia devem ser submetidos ao TeACTH a cada cinco dias. Se aconcentração sérica de cortisol for indetectável, deve-se esperar o alcance da faixade normalidade para iniciar a fase de manutenção. Durante esta fase de induçãoalguns efeitos adversos são descritos, como anorexia, êmese e diarreia, porémraramente são graves. Podem ocorrer ainda alterações neurológicas, que podemestar relacionadas ao crescimento de um macroadenoma, geralmente responsivo àterapia com glicocorticóides (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Na fase de manutenção a dose é de 50 mg/kg/semana junto com o alimento.Recomenda-se que a administração seja a noite, pois o mitotano pode causarsonolência. Depressão profunda e fraqueza podem exigir um novo TeACTH e umaredução da dose, assim como o não controle da polidipsia pode demandar oaumento da dose. Esta fase é importante pois caso não seja realizadaadequadamente, o mitotano provocará uma hiperplasia das zonas fasciculada ereticular e os sinais clínicos reaparecerão. Em 5 a 17% dos casos pode ocorrerhipoadrenocorticismo primário com insuficiência de glicocorticóides emineralocorticóides durante esta fase, devendo-se então interromper a terapia esuplementar essas deficiências (HERRTAGE; RAMSEY, 2015).

Para monitorar a eficiência do tratamento deve-se efetuar o TeACTH bemcomo o perfil bioquímico a cada um a três meses do início da fase de manutenção eposteriormente duas vezes por ano (DE MARCO, 2015). Nesta fase espera-se quehaja redução do consumo de água, do apetite e do débito urinário (HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

Alguns autores recomendam associar o uso de glicocorticóides durante afase de indução para minimizar ou evitar as reações adversas causadas peloshipocortisolismo induzido pelo mitotano, porém, outros autores se opõem ao uso

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pois alegam que sinais clínicos como polidipsia, polifagia e poliúria, que são usadospara identificar o controle da doença, podem persistir (NELSON, 2015).

É relatado também outro método de controle do HAC com o mitotano,chamado de adrenalectomia medicamentosa. O objetivo deste tratamento é destruiras zonas fasciculada e reticular, com altas doses de mitotano, de modo a cessar aprodução excessiva de cortisol e restringir sua síntese a níveis basais, convertendoassim, o HAC em hipoadrenocorticismo. A dose utilizada é 50 a 75 mg/kg/diadurante 25 dias dividida em três ou quatro doses diárias. No terceiro dia dotratamento inicia-se a administração de fludrocortisona (0,01 mg/kg, uma vez ao dia)e cortisona (1 mg/kg, duas vezes ao dia). Uma semana após o fim do tratamento, adose de cortisona é diminuída para a metade. Caso haja vômitos, anorexia, diarreia,fraqueza e sintomatologia neurológica o tratamento deve ser interrompido por curtosperíodos de tempo (NELSON, 2015). Este protocolo pode ser útil em cães com HACe diabetes mellitus associada, pois permite uma melhor regulação e monitoraçãodesta última (REINE, 2007).

Fármacos Alternativos

Existem vários outros fármacos para tratamento médico do HAC, como abromocriptina, a cabergolina, a ciproheptadina, o ácido retinóico, o cloridrato deselegilina (L-deprenil), a metiropona e a aminoglutetimida, que demonstram baixaeficácia ou ainda não foram pesquisados adequadamente e não são consideradoscomo opções terapêuticas importantes (PETERSON; KINTZER, 2008; BEHREND,2015; DE MARCO, 2015).

O cetoconazol, um antifúngico derivado imidazólico de amplo espectro, temsido utilizado com sucesso em torno de 50 a 75% dos casos. Seu mecanismo deação é por meio da interação com o sistema enzimático esteroidogênico, interferindona biossíntese de esteroides e suprimindo a secreção de cortisol. Entretanto, estefármaco induz mais efeitos colaterais que o trilostano e por isso só deve ser utilizadoem casos refratários ou intolerância ao mitotano e o trilostano. A dose inicial é de 5mg/kg, por via oral, a cada 12 horas, durante sete dias. Caso não ocorra reaçãoadversa, a dose é aumentada para até 10 mg/kg, a cada 12 horas, durante 14 dias,podendo chegar a 20 mg/kg a cada 12 horas. A eficácia do tratamento édeterminada pelo teste de resposta ao ACTH após 15 dias, onde espera-se obterníveis de cortisol pós-ACTH inferiores a 5 μg/dℓ (DE MARCO, 2015; HERRTAGE;RAMSEY, 2015).

TRATAMENTO CIRÚRGICOAdrenalectomia

Para o tratamento de HAD a primeira opção de escolha é a adrenalectomia(DE MARCO, 2015; NELSON, 2015), sendo principalmente indicada nos casos detumor unilateral, uma vez que em tumores bilaterais a técnica culminará em HACiatrogênico e o animal necessitará de suplementação hormonal por toda vida. O cãodeve ser estabilizado antes da cirurgia, pois um bom estado geral é fundamentalpara o sucesso da adrenalectomia. Caso esta estabilização não seja possível, orisco cirúrgico e anestésico aumenta, impossibilitando o procedimento e fazendonecessário, assim, o uso da terapia medicamentosa. Outros casos que inviabilizam aadrenalectomia são a presença de metástase e a compressão de estruturasadjacentes pelo tumor (BEHREND, 2015; NELSON, 2015).

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A técnica é minuciosa e exige experiência do cirurgião (FOSSUM; CAPLAN,2014). O acesso deve ser realizado por meio de laparotomia na linha média ventral,entretanto, alguns autores defendem a abordagem paracostal, que propiciaexposição inapropriada. Uma inspeção dos demais órgaos da cavidade abdominaldevem ser inspecionados quanto à presença de metástase (HERRTAGE; RAMSEY,2015). É realizada, então, a dissecção da periferia da glândula, individualização daveia frênico-abdominal e artéria renal, e exérese da adrenal, idealmente numa sópeça, a fim de evitar que pequenos fragmentos de tecido tumoral permaneçam nacavidade abdominal. Devem ser utilizados fios de sutura de reabsorção lenta noencerramento dos planos musculares devido a cicatrização retardada dos animaiscom HAC (FOSSUM; CAPLAN, 2014).

No transoperatório, devido à súbita condição de hipoadrenocorticismo, podehaver hipoglicemia, hiponatremia, hipercalemia e hipotensão, devendo-se entãosuplementar com glicocorticóides e mineralocorticóides ainda nesse período(FOSSUM; CAPLAN, 2014). Herrtage e Ramsey (2015), sugerem a administraçãointravenosa de hidrocortisona (5 a 10 mg/kg, a cada 6 h, ou na forma de infusãocontínua na taxa de 0,5 mg/kg/h), dexametasona (0,1 a 2,0 mg/kg, por viaintravenosa, a cada 6 h) ou prenisolona oral com fludrocortisona, conformenecessário. Entretanto, há controvérsia entre diferentes autores e a suplementaçãoé considerada inútil ou facultativa quando a adrenalectomia é unilateral. No pós-operatório desta, a suplementação deverá ser progressivamente diminuída até que aadrenal remanescente volte a sua produção normal (FOSSUM; CAPLAN, 2014).

A complicação pós-operatória mais comum e responsável por altas taxas demortalidade (20 a 30%) é o tromboembolismo, tornando necessária a terapia comanticoagulantes (heparina) e trombolíticos (estreptoquinase) e a disponibilidade deinstalações de cuidados intensivos (HERRTAGE; RAMSEY, 2015; NELSON, 2015).

Hipofisectomia

No Brasil, para o tratamento de HAC causado por tumores hipofisários,existem apenas as opções medicamentosas, sendo as principais o trilostano e omitotano, entretanto na Europa e Estados Unidos, a hipofisectomia é realizada(BEHREND, 2015; DE MARCO, 2015).

A técnica utiliza uma abordagem transesfenoidal e consiste na retiradaparcial ou total da hipófise e por ser uma técnica minuciosa, necessita de equipetreinada. Dentre as complicações relatadas, as mais comuns são as hemorragias,visualização e remoção incompleta das lesões maiores e diabetes insípido transitória(50% dos pacientes), exigindo tratamento e reposição dos hormônios tireoidianos eglicocorticóides por toda vida, hiposomatotropismo, hipotireoidismo e ohipoadrenocorticismo (HERRTAGE; RAMSEY, 2015). Também são relatadasredução transitória ou cessação da produção de lágrimas, hipernatremia e reincidivameses após a cirurgia, sendo que esta última está relacionada, dentre outrosfatores, a alta relação cortisol/creatinina urinária e aumento das concentrações dealfa-MSH antes da cirurgia (PÉREZ-ALENZA; MELIÁN, 2017).

Outras opções terapêuticas

A radioterapia ou radiação com feixe externo, é uma opção indicada noscasos de HPD onde há um macroadenoma causando sintomatologia neurológica.

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Nesta técnica emprega-se uma megavoltagem de um acelerador linear ou de feixesde cobalto 60 para penetrar profundamente a hipófise permitindo a redução do tumore limitação do edema peritumoral. Geralmente administra-se doses de 4 Gy por trêsa cinco dias por semana durante três a quatro semanas, totalizando 48 Gy. É umaopção dispendiosa e pouco acessível, mas confere um bom prognóstico, aumentadoa expectativa de vida do cão. A resolução dos sinais clínicos ocorre paralelamente àredução do tamanho do tumor, que pode continuar diminuindo até um ano após ofim do tratamento; a redução da secreção de ACTH pode demorar de seis a 12meses (HERRTAGE; RAMSEY, 2015; NELSON, 2015).

PROGNÓSTICOO prognóstico depende da abordagem terapêutica, da idade do animal, do

estado geral e da monitoração que este animal recebe (REINE, 2007). SegundoPeterson e Kintzer (2008) o prognóstico do HAC é sempre reservado, pois há váriascomplicações associadas à doença que aparecem nos primeiros três a seis mesesapós o diagnóstico, e os cães que sobrevivem a esse período tipicamente morremem razão de outros distúrbios geriátricos.

Segundo Nelson (2015), cães que apresentam o HAC e são tratadosapresentam o prognóstico bom tendo uma sobrevida média de 30 a 36 meses.Reine (2007) relatou que a expectativa média de vida no tratamento com mitotano éde 708 dias, enquanto com trilostano é de 662 dias após o início da terapia. Já DeMarco (2015), relata que a expectativa de vida é a mesma para animais tratadoscom ambos fármacos, podendo varia de 2 a 4 anos e ser maior em animais jovens,devido aos menores riscos de apresentarem doenças geriátricas concomitantes.

No caso de tumor adrenal, cães com adenoma adrenocortical ou carcinomaadrenocortical não metastatizado (incomum) têm bom prognóstico, enquanto oscães com carcinoma adrenocortical metastático ou carcinoma com invasão venosa(comum) têm prognóstico pior e geralmente morrem em um a dois anos depois dodiagnóstico.

No HPD a sobrevida média é de 30 meses se não houver complicaçõessecundárias, porém, se a causa do HPD for um macroadenoma hipofisário, oprognóstico é reservado, pois este geralmente é extenso e comprime estruturasadjacentes (NELSON, 2015),

CONSIDERAÇÕES FINAISO hiperadrenocorticismo possui sintomatologia inespecífica que muitas

vezes pode passar despercebida por acometer animais mais velhos e serconfundida com as complicações da senilidade. Em grande parte dos casos oproprietário procura o médico veterinário em decorrência das alteraçõesdermatológicas.

O diagnóstico é complexo pois requer que sejam seguidas várias etapas,como diagnóstico presuntivo, exclusão de outras enfermidades, diagnósticoconfirmatório e investigação etiológica. Apesar da disponibilidade de muitasferramentas, o consenso é que seja feito o TeACTH como método de triagem e oTSDDB como confirmatório.

No Brasil o tratamento mais utilizado é o clínico. O trilostano tem sido adroga de escolha e pode ser manipulado ou adquirido como Vetoryl®, que já seencontra disponível no mercado nacional. O sucesso do tratamento está diretamenterelacionado à adesão do proprietário, uma vez que a administração do fármaco é

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diária e o tratamento é dispendioso. Apesar de existirem as opções cirúrgicas, ahipofisectomia só é realizada nos Estados Unidos e na Europa e a adrenalectomia éraramente realizada no Brasil.

O prognóstico está intimamente relacionado com a etiologia do HAC emquestão e com a monitoração adequada do animal.

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