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1/10 RECICLAGEM DE PAVIMENTOS RODOVIÁRIOS - SELECÇÃO DO PROCESSO CONSTRUTIVO - FERNANDO MARTINHO Engº civil, DIRECTOR DIVISÃO DE PROPOSTAS E CONCURSOS, PAVIA, SA LUÍS DE PICADO-SANTOS Engº civil, PROFESSOR AUXILIAR DO DEC-FCT, UNIVERSIDADE DE COIMBRA JORGE PAIS Engº civil, PROFESSOR AUXILIAR DO DEC, UNIVERSIDADE DO MINHO RESUMO Apresenta-se nesta comunicação um método de análise e selecção do processo construtivo que melhor se adapta à realidade de cada situação, para cada zona do país, quando se pretenda optar pela reciclagem dum pavimento numa qualquer infra-estrutura rodoviária. Este procedimento assenta na conjugação dos dados relevantes do problema, do leque de alternativas possíveis e da experiência já conseguida, com os objectivos pretendidos para cada obra. Assim, após identificação e qualificação das variáveis determinantes do problema faz-se uso duma metodologia de apoio à decisão na escolha do processo que deve ser adoptado na reciclagem, concatenando as técnicas e os recursos disponíveis com o potencial dos pavimentos existentes, de modo a cumprir os objectivos pretendidos e simultaneamente maximizar os benefícios [1]. 1. PREÂMBULO 1.1 - Antecedentes Nas últimas duas décadas as cargas por eixo presentes nos veículos pesados têm vindo a aumentar e como consequência os danos causados aos pavimentos são cada vez maiores. Esta é a realidade que se tem, a qual recomenda uma maior dedicação ao estudo do problema da degradação das estradas, especialmente das mais antigas que naturalmente não estão preparadas para tal impacte. É interessante verificar que, por exemplo, o dano provocado por um veículo pesado com uma carga por eixo de 10 ton, é equivalente ao dano provocado por 160.000 veículos ligeiros com uma carga por eixo de 0,5 ton, ou a 162 veículos com uma carga de 2,5 ton por eixo. A tarefa de reabilitar e reforçar os pavimentos existentes adaptando-

RECICLAGEM DE PAVIMENTOS R ODOVIÁRIOS - SELECÇÃO … · ... acrescentando-se apenas outros com funções correctivas, para ... valor possível e como tal discutível. 2. TIPOS

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RECICLAGEM DE PAVIMENTOS RODOVIÁRIOS - SELECÇÃO DO PROCESSO CONSTRUTIVO -

FERNANDO MARTINHO Engº civil, DIRECTOR DIVISÃO DE PROPOSTAS E CONCURSOS, PAVIA, SA LUÍS DE PICADO-SANTOS Engº civil, PROFESSOR AUXILIAR DO DEC-FCT, UNIVERSIDADE DE COIMBRA JORGE PAIS Engº civil, PROFESSOR AUXILIAR DO DEC, UNIVERSIDADE DO MINHO RESUMO Apresenta-se nesta comunicação um método de análise e selecção do processo construtivo que melhor se adapta à realidade de cada situação, para cada zona do país, quando se pretenda optar pela reciclagem dum pavimento numa qualquer infra-estrutura rodoviária. Este procedimento assenta na conjugação dos dados relevantes do problema, do leque de alternativas possíveis e da experiência já conseguida, com os objectivos pretendidos para cada obra. Assim, após identificação e qualificação das variáveis determinantes do problema faz-se uso duma metodologia de apoio à decisão na escolha do processo que deve ser adoptado na reciclagem, concatenando as técnicas e os recursos disponíveis com o potencial dos pavimentos existentes, de modo a cumprir os objectivos pretendidos e simultaneamente maximizar os benefícios [1]. 1. PREÂMBULO 1.1 - Antecedentes Nas últimas duas décadas as cargas por eixo presentes nos veículos pesados têm vindo a aumentar e como consequência os danos causados aos pavimentos são cada vez maiores. Esta é a realidade que se tem, a qual recomenda uma maior dedicação ao estudo do problema da degradação das estradas, especialmente das mais antigas que naturalmente não estão preparadas para tal impacte. É interessante verificar que, por exemplo, o dano provocado por um veículo pesado com uma carga por eixo de 10 ton, é equivalente ao dano provocado por 160.000 veículos ligeiros com uma carga por eixo de 0,5 ton, ou a 162 veículos com uma carga de 2,5 ton por eixo. A tarefa de reabilitar e reforçar os pavimentos existentes adaptando-

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os às condições de tráfego actuais deve ser muito bem ponderada, pois em geral os materiais existentes que já perderam as suas características iniciais devido ao uso e ao envelhecimento, podem ser reutilizados quase na sua totalidade, acrescentando-se apenas outros com funções correctivas, para melhoria das características dos existentes e das ligações entre os agregados. 1.2 - Definição A reciclagem dos pavimentos existentes consiste na reconstrução dos mesmos com o objectivo de transformar as estruturas envelhecidas, degradadas e normalmente heterogéneas, em pavimentos mais homogéneos e regulares, mais resistentes e mais consentâneos com as exigências a que estão, ou irão estar, sujeitos. Ao longo dos tempos, têm sido desenvolvidos vários tipos de reciclagem dependendo: do local onde é executada, dos materiais existentes e dos usados para correcção, dos ligantes utilizados e das temperaturas a que se executam os processos. O consumo de recursos e de energia que se verifica na produção de misturas betuminosas novas poderá muito naturalmente ser reduzido equacionando qualquer um dos tipos de reciclagem. Contudo, como qualquer processo não comporta só vantagens e algumas vezes as desvantagens introduzem factores negativos e impactes prejudiciais noutros aspectos colaterais. Surge então uma dúvida muito importante: como se poderá fazer a escolha do tipo de reciclagem a utilizar em cada caso? Na resposta a esta questão deve ter-se presente que “todas as técnicas são boas e simultaneamente todas são más …” [2]. Esta aparente contradição traduz apenas a necessidade fundamental de adequar cada técnica a cada caso concreto. Sem este exercício pode estar-se a “forçar” a utilização de um processo que, por não ser adequado, poderá não produzir todos os efeitos pretendidos e desta forma contribui-se para a desacreditação de uma qualquer técnica. A procura de respostas para esta questão continuará indefinidamente, pelo menos enquanto subsistir a dúvida elementar: será possível conseguir adequações, fiáveis e inquestionáveis, entre a infinidade de problemas reais e as múltiplas soluções possíveis ou disponíveis? 1.3 - Objectivos Apesar da experiência nas técnicas de reciclagem ainda não ser muito consensual é, no entanto, geralmente aceite que todos os processos passíveis de execução cumprem os seguintes objectivos fundamentais: transformam um pavimento degradado e heterogéneo numa estrutura mais resistente e homogénea; aumentam a capacidade de suporte do pavimento; não alteram em geral o perfil geométrico da via, mas podem corrigi-lo, se necessário, aumentam a durabilidade e o pavimento resultante terá menor susceptibilidade à água e maior resistência à erosão; diminuem as quantidades de materiais novos a incorporar na obra e por consequência reduz-se o impacto nas estradas circundantes da mesma; diminuem ou eliminam por completo a necessidade de vazadouros; podem utilizar subprodutos ou resíduos doutros sectores contribuindo assim para a minimização dos

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impactes negativos dessas indústrias e em geral diminuem o consumo de energia e as emissões de gases para a atmosfera. Conforme se pode constatar, alguns dos objectivos atribuídos à reciclagem de pavimentos são cada vez mais os objectivos de todos os intervenientes em muitos sectores da sociedade moderna na medida em que a escassez de recursos e a grande necessidade de redução da poluição e do consumo de energia obrigam a procurar e a implementar as técnicas que mais satisfazem aqueles anseios. Também em Portugal se tem modificado a forma de tratar o tema da reciclagem e pode-se afirmar que já são aceites, sem a grande contestação de outrora, as muitas disposições tendentes à redução e reutilização dos desperdícios produzidos por várias indústrias, incluindo mais recentemente os produzidos pela indústria da construção civil. De facto, tal como o Secretário de Estado do Ambiente relembrou em Fevereiro de 2004: “… a pedra não deixa de ser pedra.” [3], assumindo assim ao mais alto nível que a gestão de resíduos na construção, RC&D, deverá ser melhorada e terá que constituir um objectivo de todos: entidades e pessoas, envolvidas ao longo de todos os processos (actualmente já está disponível a versão provisória do anteprojecto de legislação sobre RC&D). Neste contexto é importante verificar que as componentes da gestão ambiental conducentes ao desenvolvimento sustentável já estão definidas, desde 2001, no Plano Nacional de Prevenção de Resíduos Industriais - PNAPRI. No Plano Estratégico dos Resíduos Industriais - PESGRI, publicado também em 2001, constam igualmente algumas indicações claras relativas aos procedimentos ambientais a implementar no ciclo de gestão de várias indústrias, das quais se destacam, pela sua importância no ramo em que insere a reciclagem de pavimentos, a indústria extractiva e a indústria transformadora. No modelo desenvolvido no estudo que se apresenta estão contempladas todas as variáveis relevantes do problema local, pelo que se garante a adequação máxima actual, entre os processos de reciclagem estudados e as necessidades evidenciadas pelas estradas, para os processos com melhores classificações. Proporciona-se assim aos decisores em matéria de conservação e reabilitação de pavimentos uma ferramenta para escolha da técnica mais viável em cada caso, baseada na melhor experiência nacional e internacional. Resiste-se, no entanto, à tentação de fornecer certezas, porque acima de tudo, a realidade, a tecnologia, o conhecimento e a ambição continuarão em constante mutação. Por outro lado, o próprio processo de decisão, por ter inerente a subjectividade dos autores, traduz apenas um juízo de valor possível e como tal discutível. 2. TIPOS DE RECICLAGEM Os processos de reciclagem dos pavimentos betuminosos são muito variados e têm evoluído muito nos últimos anos. Desde logo, a multiplicidade de variáveis envolvidas no processo conduzem a um largo espectro de combinações possíveis. Também é certo que algumas das alternativas viáveis, devido a algumas condicionantes específicas, não têm as potencialidades

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apresentadas por outras nas mesmas condições, pelo que não têm tido até à data aplicações práticas relevantes. Antes de decidir qual o tipo de intervenção a propor para a beneficiação do pavimento duma determinada estrada existente deve-se começar sempre por uma análise do projecto de execução da obra inicial, se este existir. As informações que podem estar contidas no projecto que esteve na origem da construção da via são extremamente importantes, especialmente tratando-se das telas finais (que indicam o como construído), para o estudo da eventual reciclagem. A caracterização do estado do pavimento existente, na fase inicial do processo de dimensionamento, reveste-se também de especial importância na medida em que só a identificação completa e fiável das suas propriedades permitirá definir o processo de reciclagem e os respectivos parâmetros. Será fundamental analisar os seguintes aspectos: características dos materiais do leito do pavimento, camadas de pavimento e respectivas espessuras, propriedades dessas camadas, identificação das origens dos materiais utilizados na construção e intervenções posteriores à construção inicial. Geralmente é ainda efectuada a caracterização da capacidade resistente com recurso à medição da deflexão de modo a facilitar a organização da obra em trechos homogéneos. Pelas suas propriedades, pelo seu potencial e também pelas características das vias existentes no nosso país, seleccionaram-se os oito principais processos de reciclagem, identificados no quadro 1, que actualmente se consideram com maior viabilidade e por isso foram analisados neste trabalho.

Quadro 1 – Processos de reciclagem em estudo PROCESSOS LOCAIS DE RECICLAGEM TEMPERATURAS LIGANTES / ADITIVOS

R1 IN-SITU A FRIO CIMENTO

R2 IN-SITU A FRIO EMULSÃO BETUMINOSA

R3 IN-SITU A FRIO BETUME ESPUMA

R4 IN-SITU A QUENTE BETUME e/ou REJUVENESCEDOR

R5 EM CENTRAL A FRIO EMULSÃO BETUMINOSA

R6 EM CENTRAL A FRIO BETUME ESPUMA

R7 EM CENTRAL SEMI-QUENTE EMULSÃO BETUMINOSA

R8 EM CENTRAL A QUENTE BETUME 3. PRINCIPAIS OBRAS EXECUTADAS NO PAÍS No âmbito das competências da antiga JAE, actual IEP e das Câmaras Municipais, foram identificados os principais lanços de estradas e arruamentos nos quais foram implementadas algumas das técnicas de reciclagem, num total >1.400.000 m2. O acompanhamento técnico feito na maioria destas empreitadas pelas várias entidades envolvidas na sua execução: LNEC, IEP e empresas privadas, teve como objectivo a aquisição de dados relativos à aplicação das várias técnicas construtivas, de forma a possibilitar o estabelecimento de conclusões e propostas de melhoria sobre diversos aspectos, nomeadamente: métodos de formulação das misturas e respectivas técnicas de ensaio, evolução dos processos de cura dessas misturas, comportamento mecânico das misturas, normalização de especificações e métodos de ensaio [4]. No quadro 2 apresentam-se, de uma forma que se pretende concisa, os dados fundamentais recolhidos dos elementos caracterizadores de cada obra.

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Quadro 2 – Principais obras de reciclagem executadas em Portugal

MATER. ESP.(m) MATER. ESP.(m)

Emulsão bet. 5 Mist.Bet. ? Mist.Bet. 0,05Cimento 2 Mac. hidr. ? Recicl. 0,20

Emulsão bet. 5 Mist.Bet. ? Mist.Bet. 0,13Cimento 2 Bases gr. ? Recicl. 0,15Emulsão bet. 3,5 Mist.Bet. 0,08 Mist.Bet. 0,12Cimento 2 Bases gr. 0,10 Recicl. 0,15Betume ? Mist.Bet. ? Mist.Bet. 0,05

Bases gr. ? Recicl. 0,08Emulsão bet. 4,5 Mist.Bet. 0,10 Mist.Bet. 0,07Cimento 1,5 Bases gr. 0,30 Recicl. 0,10Emulsão bet. 5 Mist.Bet. Mist.Bet. 0,06 a 0,1

Cal 1 a 2 Bases gr. Recicl. 0,12Cimento 4 Rev. sup. 0,10 Mist.Bet. 0,03

Mac. hidr. 0,15 Recicl. 0,20Cimento 3,5 Mist.Bet. 0,16 Mist.Bet. 0,10

Bases gr. 0,30 Recicl. 0,30

Emulsão bet. 3,5 Mist.Bet. ? Mist.Bet. ?Bases gr. ? Recicl. ?

Emulsão bet. 3 Mist.Bet. 0,16 Mist.Bet. 0,10Bases gr. 0,30 Recicl. 0,15

Bet. espuma 3 Mist.Bet. 0,10 Mist.Bet. 0,06Cimento 2 Bases gr. 0,20 Recicl. 0,20Cimento 4 Mist.Bet. 0,16 Mist.Bet. 0,10

Bases gr. ? Recicl. 0,16Emulsão bet. 3 Mist.Bet. 0,06 Mist.Bet. 0,13

Cimento 1 Bases gr. 0,25 Recicl. 0,12Cimento 4,5 Mist.Bet. 0,04 Mist.Bet. 0,13

Bases gr. 0,30 Recicl. 0,15Betume 3,5 Mist.Bet. ? Mist.Bet. ?

Bases gr. ? Recicl. ?

ANO DISTRITO ESTRADA

0,15

LIGANTES

100 000 In situ a frio 0,20

250 000 In situ a frio

ÁREA APRÓX.

(m2)

TIPO DE RECI-

CLAGEM

ESPES- SURAS

(m)

1992 / 3 Porto EN 12

1997 / 8 Porto EN 108

IEP - Dir. Estradas de ViseuPó de pedra (0/5)

15

IEP - Dir. Estradas do Portonenhum -

TIPO%

(peso)

MATERIAIS CORRECTIVOS

% (peso)

TIPODONO DE OBRADEPOIS

ESTRUTURA DO PAVIMENTO

ANTES

nenhum - IEP - Dir. Estradas do Porto

1997 / 8 Porto EN´s 14 / 104 / 105

230 000 A quente em central

0,15 Agreg. britados

60 IEP - Dir. Estradas do Porto

1998 Évora EN 254 36 400 In situ a frio 0,10Agr. brit. gr.

extensa 43,5 IEP - Dir. Estradas de Évora

1998 / 9 Beja EN 260 (IP8) 126 000 Pó de pedra 10 IEP - Dir. Estradas de Beja

Beja EN 383

In situ a frio 0,12

116 600 In situ a frio 0,20 nenhum - IEP - Dir. Estradas de Beja

2001 Bragança IP 4 70 000 nenhum - IEP - Dir. Estradas de Bragança

Viseu Arruamentos urbanos

In situ a frio 0,30

? Semi-quente em central

0,04 a 0,12

nenhum - Câmara Municipal de Viseu

2002 Portalegre IP 2 100 000 In situ a frio 0,15 nenhum - IEP - Dir. Estradas de Portalegre

REFª

1

3

4

9

10

2 1995

5

6

7

8

2001

2001

Viseu EN 222 120 000 In situ a frio 0,15

11 2002 Porto Arruamentos urbanos

14 720 In situ a frio 0,20 Câmara Municipal do Porto ?Pó de pedra (0/5)

9

12 2003 / 4 Évora EN 114 120 000 nenhum - IEP - Dir. Estradas de Évora

Câmara Municipal de Silves

In situ a frio 0,16

IEP - Dir. Estradas do Porto

14 2004 Faro EM 529 -30 000 In situ a frio

-In situ a frio

0,15 nenhum

0,12 nenhum13 2004 Porto EN 222 86 000

15 2004Leiria /

CoimbraAE 1 ?

A quente em central

? BRISAAgreg.

britados 70

4. A SELECÇÃO DO PROCESSO CONSTRUTIVO 4.1. Introdução Os objectivos de reabilitação que se estabelecem em cada obra originam, numa primeira fase do projecto, um problema clássico de decisão de escolha do processo de reciclagem que melhor se adequa a cada tipo de pavimento numa determinada situação, pois em geral existe uma infinidade de possibilidades e variantes. A escolha duma qualquer alternativa que melhor satisfaça determinados objectivos revela-se geralmente como uma tarefa complexa, essencialmente porque existe uma limitação cognitiva do ser humano quando é solicitado para avaliar simultaneamente várias alternativas segundo uma multiplicidade de critérios mais ou menos subjectivos. Para tentar dar resposta a este tipo de limitações começaram a ser desenvolvidas, com maior intensidade na década de 70, as chamadas metodologias multicritério. Convém no entanto salientar a ideia associada a qualquer método de apoio à decisão: não têm como objectivo decidir a escolha, mas sim, ajudar os potenciais decisores na formulação dos juízos de valor subjacentes à ponderação dos aspectos relevantes de cada opção ou alternativa, com vista à confirmação da melhor forma de atingir os fins pretendidos. 4.2. Os métodos multicritério de apoio à decisão Recuando no tempo, verifica-se que os primeiros estudos que objectivamente produziram algum avanço na problemática da tomada de decisão remontam ao período pós-Revolução Francesa e relacionavam-se com a aplicação de penas a réus em processos nos tribunais.

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Nessa época, autores como Borda e Condorcet, provavelmente sem terem a consciência disso, acabariam por contribuir para o aparecimento de um ramo da investigação operacional que apesar de tudo só na segunda metade do século XX tem a sua consagração com o desenvolvimento de métodos científicos consolidados. Estes métodos, conhecidos como Métodos Multicritério de Apoio à Decisão - MMAD (na terminologia inglesa: MCDA - Multi-Criteria Decision Analysis), que tiveram grandes desenvolvimentos no final da década de 60 e no início dos anos 70, levam em conta os dados relevantes do problema, estabelecem alguns pressupostos e seguem um procedimento próprio de avaliação, mais ou menos complexo, com vista à obtenção da solução ideal. Esta solução estará associada aos juízos de valor que os decisores terão que introduzir, na quantificação e ponderação dos vários critérios, correspondendo assim a avaliações inevitavelmente subjectivas. Também é certo que qualquer método de apoio à decisão apenas aponta tendências de escolha transparentes baseadas num conhecimento mais profundo dos problemas. Para ordenar as alternativas de reciclagem face aos vários critérios de diferenciação, verificou-se que já existe software que pode cumprir o papel de ferramenta facilitadora neste processo e o que pareceu mais adequado foi o Hiview3 [5], comercializado pela empresa inglesa Catalyze Ltd., o qual apresenta ainda a vantagem de incorporar algumas das funcionalidades do método MACBETH (Measuring Attractiveness by a Categorical Based Evaluation Technique). Refira-se, contudo, que tão ou mais importante que o processo de calculo usado, é o muito cuidado que se deve ter na formulação do problema, de modo a evitar o denominado erro estatístico do tipo III : “To solve precisely the wrong problem”, i. e., se a estruturação do caso for mal equacionada todos os resultados, ainda que bem calculados, estarão afectados por esse mesmo erro. Resumidamente, o procedimento seguido neste programa tem início na criação da árvore de valor onde são estabelecidos os critérios de decisão. Em seguida são valoradas todas as opções face aos vários critérios definidos apurando assim os respectivos “pesos”. Como output final o programa fornece uma ordenação das alternativas, a qual logicamente depende dos juízos de valor introduzidos à partida pelo decisor. De modo a aferir e afinar o modelo escolhido, este software permite finalmente fazer uma verificação de resultados e uma análise de sensibilidade. 4.3. As alternativas consideradas As alternativas estudadas no caso português, por se considerar que têm maior viabilidade de utilização, no presente, ou num futuro a curto ou a médio prazo, são as que a seguir se descrevem no quadro 3. No entanto, é muito importante fazer notar que a evolução do conhecimento à escala universal sobre os processos enumerados e outros também possíveis, poderá determinar alterações significativas nas tendências de escolha actuais num futuro a médio ou a longo prazo.

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Quadro 3 – Alternativas de reciclagem consideradas. ALTERNAT. NOME DESCRIÇÃO

R1 (SFC) Reciclagem in-situ, a frio, com cimento.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, in-situ, a frio, com adição de cimento e sem correcção granulométrica.

R2 (SFE) Reciclagem in-situ, a frio, com emulsão betuminosa.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, in-situ, a frio, com adição de emulsão betuminosa.

R3 (SFBE) Reciclagem in-situ, a frio, com betume espuma.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, in-situ, a frio, com adição de betume espuma.

R4 (SQB) Reciclagem in-situ, a quente, com betume e/ou rejuvenescedor.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, in-situ, a quente, com adição de betume e/ou rejuvenescedor.

R5 (CFE) Reciclagem em central, a frio, com emulsão betuminosa.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, em central, a frio, com adição de emulsão betuminosa.

R6 (CFBE) Reciclagem em central, a frio, com betume espuma.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, em central, a frio, com adição de betume espuma.

R7 (CSQE) Reciclagem em central, semi-quente, com emulsão betuminosa.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, em central, semi-quente, com adição de emulsão betuminosa.

R8 (CQB) Reciclagem em central, a quente, com betume e agregados novos.

Processo de reciclagem de pavimentos existentes em camadas granulares e/ou camadas de misturas betuminosas, em central, a quente, com adição de betume e agregados novos.

4.4. Critérios de decisão A árvore de decisão ramifica-se nos vários grupos de critérios (a que se chamam nós), que no caso concreto são formados pelo grupo de critérios de custo (cujo objectivo é a minimização dos seus impactes) e pelo grupo de critérios de benefício (cujo objectivo é a maximização dos seus efeitos), grupos estes também chamados áreas de interesse. Dentro de cada um destes grupos enumeram-se os respectivos critérios específicos ou pontos de vista fundamentais, tendo em atenção que os mesmos não devem ser redundantes, nem complementares. Isto significa que devem ser abrangentes e completos, de forma a poderem contribuir para uma correcta e robusta seriação das opções em estudo. Na identificação dos vários critérios possíveis e posteriormente na selecção dos que se pensa representarem melhor os factores diferenciadores das alternativas, foram também tidos em conta alguns dos indicadores de referência que hoje em dia são usados para medir o grau de cumprimento de algumas das metas definidas nas políticas de gestão ambiental na Europa, tais como: contribuição para as alterações climáticas globais; qualidade do ar ambiente; poluição sonora; utilização sustentável dos solos e produtos que promovam a sustentabilidade. Assim, neste estudo foram definidos como merecedores de importância na diferenciação das alternativas dentro de cada uma das várias zonas em que se dividiu o país, os critérios e respectivas nomenclaturas apresentados no quadro 4.

Quadro 4 – Critérios. CRITÉRIOS DE CUSTO NOME DESCRIÇÃO CRITÉRIOS DE BENEFÍCIO NOME DESCRIÇÃO

C1 (Custo dos Mater.) Materiais novosCusto dos materiais a

incorporar B1 (Dispon. de Equip.) EquipamentosDisponibilidades de

equipamentos

C2 (Custo da Exec.) Execução Custo da execução B2 (Dispon. de Mater.) Materiais correctivos

Disponibilidades de materiais a incorporar

C3 (Impact. Ambientais) ImpactesImpactes ambientais do

processo construtivo B3 (Adeq. do Proc.) Adequação do processo

Adequação do processo construtivo

C4 (Pertub. Dur. Exec.) Perturbações Perturbações no tráfego durante a execução B4 (Infl. na Cap. Resist.) Resistência Influência na

capacidade resistente

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4.5. O zonamento do país A organização das zonas homogéneas com vista ao enquadramento das alternativas fez-se com base nas constituições litológicas das rochas existentes no país [6] e tendo também em conta os valores médios limites das temperaturas e da precipitação, observados pelos Institutos Portugueses ao longo dos tempos, obteve-se o zonamento exposto no quadro 5.

Quadro 5 – Zonamento baseado na litologia, temperaturas e precipitações

TEMPERATURA PRECIPITAÇÃO

TIPO DE FORMAÇÃO ROCHA (ºC) (mm / ano)

1 Eruptivas plutónicas e metamórficas

Granito Xistentas Anfibolitos < 10 > 1 200

2 Sedimentares Calcário Basálticas Sienitos, gabros 10 - 15 500 - 1 200

3 Metamórficas e sedimentares

Xisto GrauvaquicasCalcários, arenitos,

diabases, corneanas, granitos, quartzitos

> 15 < 500

VALORES MÉDIOS LIMÍTES

ZONAS

CARACTERIZAÇÃO LITOLÓGICAS DAS ROCHAS

PREDOMINANTES MANCHAS SECUNDÁRIAS

OUTROS COMPLEXOS 1

23

4.6. Cálculo dos valores Para calcular a classificação das alternativas em cada critério, utilizou-se no programa Hiview3 o método MACBETH que torna o processo de tomada de decisão bastante mais fácil, pois o decisor apenas tem que introduzir como dados de partida juízos de valor qualitativos. Estes juízos de valor qualitativos são a expressão da opinião do decisor sobre as diferenças de atractividade (julgamentos absolutos de diferença de valor) entre cada par de alternativas. Caso estas opiniões sejam consideradas consistentes (são validadas pelo próprio programa), obtêm-se, com o recurso à optimização linear, os respectivos valores para cada uma das alternativas. Para determinar os valores globais de cada uma das alternativas o Hiview3 faz uso do modelo aditivo (compensatório) contando que os critérios definidos são independentes entre si (condição obrigatória para que o modelo possa ser utilizado). Este modelo é representado pela expressão (1).

∑=

=n

iiii AvkAV

1

)(.)( com: 11

=∑=

n

iik e: 0>ik (1)

em que: )(AV - é o valor global da alternativa A ;

)( ii Av - é o valor do impacte da alternativa A no critério i ;

ik - é o coeficiente de ponderação ou “peso” do critério i ;

n - é o número de critérios.

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4.7. Análise de sensibilidade A análise de sensibilidade foi usada para validar os resultados verificando se a escolha de uma determinada alternativa se mantém quando se modificam os valores utilizados na análise. Ao fazer esta análise determinam-se as implicações nos resultados globais produzidos pela variação individual dos coeficientes de ponderação dos critérios. Consegue-se assim avaliar se o valor deste coeficiente que determina a mudança de alternativa (“peso” da mudança) está ou não muito afastado do valor que se obteve. Quando os critérios são considerados sensíveis, as pontuações das alternativas e os pesos dos critérios são revistos de modo a aumentar a insensibilidade desses mesmos critérios e assim despistar possíveis erros na ordenação final das alternativas. Uma forma de confirmar a boa qualidade de uma solução consiste também em verificar que se chega a um mesmo resultado partindo de vários e diferentes julgamentos (ou juízos de valor) emitidos por diferentes decisores. 5. CONCLUSÕES No quadro 6 apresenta-se o resultado do trabalho realizado, enfatizando mais uma vez o carácter subjectivo das decisões apresentadas as quais, para além de veicularem a opinião dos intervenientes no mesmo, apenas reflectem a evolução do conhecimento técnico disponível até aos dias de hoje [7 a 10]. Reafirma-se a necessidade de se proceder à actualização ou aferição sistemática destas conclusões, sempre e quando as tendências técnico-económicas vigentes configurem algum desajustamento relativamente à situação actual. Em vias com TMDp > 2000 (T0) deverá ser feito um estudo específico, prévio à tomada de decisão.

Quadro 6 – Selecção das melhores alternativas de reciclagem em cada zona

R8 R7

R1 R7

ZONA 2 ZONA 31ª

R8

ZONA 1

R4 R7

R4

1ª3ª

R2

R5

R5

R7

R1

R1

d < 500 µ m

Pav. muito deformável

defl. elevada

Pav. pouco deformável

2ª 3ª 1ª

R7T1, T2 e T3

T4, T5 T6 e T7

T1, T2 e T3

500 < TMDAp < 2000

0 < TMDAp < 500

Pav. pouco deformável

defl. média baixa

500 < TMDAp < 2000

Solo de fundação

Solo de fundação

Pav. muito deformável

T1, T2 e T3

500 < TMDAp < 2000

Pav. pouco deformável

Pav. muito deformável

Bases granulares

Mist. e revest. superfic.

d > 500 µ m

defl. média baixa

d < 500 µ m

defl. elevada d > 500 µ m

d > 500 µ m

d < 500 µ mBases granulares

PAVIMENTO EXISTENTE, i TRÁFEGO, j DEFLEXÃO, k

> 15 cm

d < 500 µ m

Pav. muito deformável

Pav. pouco deformável

Misturas betum. quente

< 30 cm

defl. média baixa

< 15 cm

> 30 cm Bases granulares

Solo de fundaçãodefl.

elevadaPav. muito deformável

Misturas betum. quente

defl. média baixaT4, T5

T6 e T7 0 < TMDAp < 500

Pav. pouco deformável

d > 500 µ m

R5

R5

R6

T4, T5 T6 e T7

0 < TMDAp < 500

defl. média baixa

d < 500 µ m

defl. elevada

Pav. muito deformável

R1

R8

R1 R6 R8 R5 R6

R4 R8

defl. elevada

R1

R5 R1 R2

R2

R2

R2

R2 R7

d > 500 µ m

Pav. pouco deformável

defl. média baixa

d < 500 µ m

< 10 cm

< 20 cm

R5

R8

R2 R1

R8 R7

R1 R2

R2

R7

R4 R2 R7 R8

R5

defl. elevada d > 500 µ m

R8

R1 R8 R2 R1 R8 R1 R8

R7 R1 R5 R1 R1 R7 R5R5

R3R1 R2 R3 R1 R6

R1 R3 R2

R1 R5 R3

R3

R1

MELHORES ALTERNATIVAS DE RECICLAGEM

R5 R1 R2 R3

R2 R1 R2

R5

R1 R2 R2R1 R2 R1

R1 R2 R1 R2

R3

R1 R2R3 R2 R1 R3R1 R2

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Martinho, F. - “Reciclagem de pavimentos - Estado da Arte, Situação Portuguesa e

Selecção do Processo Construtivo”. Tese de mestrado (em preparação). Universidade de Coimbra. Coimbra, 2004.

[2] FEUP – Faculdade de Engenharia do Porto - “II Jornadas Técnicas de Pavimentos Rodoviários - Reciclagem de Pavimentos”. Porto, 2003. (ISBN: 972-752-062-6).

[3] Julião, P. - “Resíduos da Construção Podem Substituir a Areia”. Diário de Notícias. Lisboa, 15 de Fevereiro de 2004. Página 38.

[4] Baptista, F. et al – “Reabilitação do Pavimento do IP2, Entre a Barragem do Fratel e a EN 118, Utilizando Reciclagem a Frio com Emulsão Betuminosa” – CRP, 2º Congresso Rodoviário Nacional. Lisboa, 2002.

[5] Hiview3 - Starter Guide. Catalyze. London (Reino Unido), 2003.

[6] Silva, A. - “Carta Litológica”. Comissão Nacional do Ambiente. Lisboa, 1983.

[7] Martinho, F. e Clérigo, V. - “Reciclagem in-situ a Frio”, 10º Congreso Ibero-Latinoamericano del Asfalto. AEC - Asociación Española de la Carretera. Sevilha (Espanha), 1998. Pág. 1109-1119. (ISBN: 84-89875-10-3).

[8] Ministério de Fomento - “Reciclado de Firmes – Orden Circular 8/2001”. Madrid (Espanha), 2002. (ISBN: 84-498-2000-6).

[9] ARRA - Asphalt Recycling and Reclaiming Association (& FHWA - Federal Highway Administration) - “Basic Asphalt Recycling Manual”. Maryland (Estados Unidos da América), 2001. (Pub.: NHI=1-022).

[10] AIPCR & PIARC - “Pavement Recycling - Guidelines for: In-Place Recycling With Cement; In-Place Recycling With Emulsion or Foamed Bitumen; Hot Mix Recycling in Plant”. França, 2003. (ISBN: 2-84060-154-0).