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Recomendações · recomendo este livro a todos os que procuram viver sua fé de forma mais completa e obter um ... uma fonte de apoio pessoal para a vida ... oração, como a

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Recomendações

Nesta coleção de reflexões espirituais, monsenhor Francis Kelly fornece um recurso valioso por meio do qual podemos estabelecer ou desenvolver um sentido do sagrado em nossa vida. Em face do ritmo cada vez mais frenético do cotidia-no, precisamos de um estímulo para nos ajudar a fazer uma pausa e redescobrir a presença do Senhor. Reflexões para as festas litúrgicas fornece essa ajuda para todos nós mediante um guia atraente e acessível dos tempos litúrgicos e dos principais eventos solenes e festas dos dias santos. Somos abençoados por termos um recurso como este, tão útil e disponível. Eu recomendo este livro a todos os que procuram viver sua fé de forma mais completa e obter um maior conhecimento sobre a beleza da Igreja.

Cardeal Sean O’Malley Arcebisbo de Boston

Como cresci numa maravilhosa paróquia e escola católi-ca, muitas vezes me lembro das palavras do padre e das irmãs: “As festas litúrgicas da Igreja são os melhores mestres da fé que

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podemos ter”. O livro do Monsenhor Kelly é útil e gratificante e mostra essa sabedoria adquirida na infância.

Dom Timothy M. Dolan Arcebispo de Nova Iorque

Monsenhor Kelly é um escritor talentoso e um excelente catequista. Neste livro, ele demonstra sua habilidade de comu-nicar tanto a beleza como a sabedoria das maiores celebrações do Ano Litúrgico. É um prazer recomendar Reflexões para as festas litúrgicas na esperança de que todos os que o utilizarem possam nele encontrar um fortalecimento da fé e uma renova-ção do seu apreço pela beleza da liturgia.

Dom Donald W. Wuerl Arcebispo de Washington

Nascido da reflexão das preces sobre as leituras e orações

da liturgia da Igreja, este livro é uma joia pastoral. É uma síntese importante de informações históricas, de comentários bíblicos e sobre o uso com sabedoria de autores clássicos e contemporâneos para ajudar a descobrir a riqueza do “diretor espiritual” da Igreja – a liturgia. Este livro vai ser de um enorme benefício para quem procura uma apreciação mais profunda sobre as festas litúrgicas. Altamente recomendado para todos os que querem celebrar a liturgia com maior discernimento e conhecimento.

Monsenhor Kevin W. Irwin, Doutor em TeologiaDeão, Escola de Teologia e Estudos Religiosos

da Universidade Católica da América

Monsenhor Kelly, em seu livro Reflexões para as festas litúrgi-cas, fornece uma ferramenta útil para compreender a riqueza do Ano Litúrgico. Ele é um bom companheiro na jornada de fé que nos leva a habitar mais profundamente no coração da Igreja.

Donna OrsutoProfessora, diretora da Pontífice Universidade Gregoriana

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Neste seu novo livro, Monsenhor Kelly compartilha o fruto de uma longa contemplação sacerdotal. Ele coloca os mistérios de Cristo, de Nossa Senhora e dos santos dentro do alcance dos católicos que procuram descobrir na celebração anual dos dias festivos uma fonte de apoio pessoal para a vida cristã diária. Monsenhor Kelly tanto informa como edifica.

Romanus Cessario Saint John’s Seminary, Boston, Massachusetts

Editor Sênior do Magnificat

A intenção principal do Monsenhor Kelly neste útil volume é ajudar o leitor a viver o Ano Litúrgico da Igreja da melhor for-ma e que essa experiência seja espiritualmente produtiva. Neste livro, ideal para a oração, como a lectio divina (leitura orante), os sacerdotes irão encontrar várias sementes para homilias. Esta obra é como o vade mecum para quem tem interesse em espiritua-lidade litúrgica.

Joseph N. Tylenda Autor de Saints and Feasts of the Liturgical Year

Reflexões para as festas litúrgicas é um trabalho de pedagogia espiritual. Ao fazer um balaço da história, com reflexões e até comentários litúrgicos, Monsenhor Kelly oferece ao leitor um inspirador compêndio do Ano Litúrgico. Estas páginas são tão educativas quanto inspiradoras.

Padre Gregory J. Hoppough Professor de Estudos Litúrgicos

Blessed John XXIII National Seminary, Weston, Massachusetts

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Introdução

Um dos grandes presentes do Espírito Santo para a Igreja, Esposa de Cristo, é a liturgia sagrada, incluindo o Ano Li-túrgico com a sua festa semanal de domingo, suas estações, solenidades e festas. Esta é uma das principais maneiras pelas quais o Espírito Santo nos leva mais profundamente ao misté-rio de Cristo a fim de que possamos ser mais conformes à sua imagem e crescer em santidade e no amor e serviço aos nossos irmãos e irmãs. Houve muitos períodos da história da Igreja em que a celebração do Ano Litúrgico era o principal meio de transmissão da fé e de catequizar as pessoas sobre o mistério da salvação em Cristo. O adágio lex orandi, lex credendi (a lei da oração é a lei da fé) – como oramos mostra em que acredi-tamos – é bem relevante aqui.

O ritmo frenético da vida moderna, incluindo o bombardeio de nossos sentidos com a cacofonia da mídia, não se presta à lembrança ou a um gosto de “mistério” para além dos nossos sen-tidos. Precisamente por esta razão, uma redescoberta dos ritmos das orações da Igreja e preces de adoração pode ser uma poderosa ajuda no aprofundamento de nossa vida cristã. A observância

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dos domingos, solenidades, festas e dias de guarda nos ajuda a viver mais conscientemente na presença de Deus.

Este livro é uma modesta tentativa de dar assistência àqueles que desejam explorar mais profundamente o valor da espiritualidade litúrgica e, assim, infundir suas vidas com a pre-sença e a graça de Cristo. A renovação da liturgia da Igreja, lançada pelo Concílio Vaticano II, ajudou a fazer com que a espiritualidade litúrgica se tornasse mais possível e acessível a muitos. O Conselho destacou a prioridade e a centralidade da sagrada liturgia:

Cada celebração litúrgica – ação de Cristo, do sacerdote e de seu Corpo, que é a Igreja – é uma ação sagrada por excelência. Não há nenhuma outra ação da Igreja com maior eficácia do que esta. (Sacrosanctum Concilium, 7)

O conselho lançou a reforma mais profunda na liturgia que a Igreja já conheceu. O objetivo desta reforma foi a “participação plena e ativa dos fiéis” na liturgia, resgatando-a de ser um ritual realizado apenas pelo padre, enquanto os participantes conti-nuavam com suas devoções pessoais. Espiritualidade litúrgica, portanto, atrai a todos nós para o trabalho sempre presente do Cristo Sacerdote: guiando o Povo de Deus em oração, adoração e dando Ação de Graças ao Senhor, Deus, o Pai, com os conse-quentes efeitos transformadores para nossa vida.

A espiritualidade litúrgica nos incentiva a fazer da Euca-ristia, que o conselho chama de “ápice e fonte da vida Cristã” (Sacrosanctum Concilium, 10), verdadeiramente o destaque da nossa vida pessoal, com a participação diária sempre que possí-vel. Também nos convida a participar da vida da Igreja, da oração diária pelo uso da Liturgia das Horas, especialmente consagran-do nosso dia pela oração da manhã e da tarde com a Igreja.

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Domingos

Todo domingo é um dia especial de graça focada na lembrança do Mistério Pascal da morte e ressurreição de Jesus. Esta observân-cia, portanto, tem grande relevância para a nossa vida e é uma fonte de esperança renovada a cada semana. Em sua carta apostólica Dies Domini (o Dia do Senhor), o então Papa João Paulo II escreveu:

Em comemoração ao dia da ressurreição de Cristo, não apenas uma vez por ano, mas sim em todos os do-mingos, a Igreja procura indicar a cada geração o eixo fundamental da história para onde o mistério da ori-gem do mundo e seu destino final levam.

É certo, portanto, afirmar, nas palavras de uma homilia do quarto século, que “o Dia do Senhor” é “o senhor dos dias”. Aqueles que receberam a graça da fé no Se-nhor Ressuscitado compreendem o significado deste dia da semana com a mesma profunda emoção que levou São Jerônimo a dizer: “Domingo é o dia da Res-surreição, este é o dia dos cristãos e é o nosso dia”. Para os cristãos, domingo é “o dia da festa fundamental”, estabelecido não só para marcar a sucessão de tempo, mas para revelar um significado mais profundo do tem-po e o que ele significa. (Dies Domini, 2)

No passado, os católicos observavam o domingo como um dia santo, mas, em nossa sociedade secularizada, ele tornou-se um dia de compras, esportes e outras atividades seculares. A re-cuperação do domingo como um dia de oração e adoração, de serenidade e harmonia na família e de celebração precisa ser uma prioridade pastoral. O cardeal John Henry Newman expressou isso com eloquência:

Um importante benefício decorrente da instituição do Dia do Senhor para os cristãos que estão ocupados

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com muitas coisas é o de lembrá-los da única coisa de fato necessária e que os impede de serem atraí-dos para o grande redemoinho de tempo e da falta de sentido. A maioria dos homens, cansada com a poeira deste mundo, entende que o sábado é uma misericórdia, dia em que não é obrigada a ir ao trabalho inces-sante... Os serviços semanais de oração e louvor vêm até nós como um alívio gracioso, uma pausa do mundo, uma visão do Terceiro Céu para que o mundo não nos roube nossa esperança e nos escra-vize ao mestre cruel que está tramando nossa eterna destruição. (Parochial and Plain Sermons, Livro III, Sermão 23)

Como um benefício prático espiritual, deve-se notar que a Igreja envolve a liturgia de domingo com uma leitura contínua dos evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos e Lucas. Essa é uma maneira maravilhosa para que os indivíduos e as famílias possam celebrar a mensagem do Senhor pela reflexão e discussão sobre o conteúdo junto dos evangelhos, habitualmente, com a ajuda de comentários adequados.

Festas litúrgicas

Além do domingo, o Ano Litúrgico é estruturado em tor-no das grandes estações eclesiásticas – o Advento, o Natal, a Quaresma, a Páscoa –, que nos apresentam de novo ao mistério de Cristo em toda a sua plenitude para que cada aspecto possa ser adorado e dar-nos a sua graça única. Nossas vidas mudam. Estamos sempre em um ponto diferente em nossa jornada de vida, com novos desafios e novas necessidades. Deus está sempre agindo em nossa vida, fazendo coisas maravilhosas! Nossa ob-servância dessas épocas especiais nos ajuda a nos relacionar em

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cada momento de nossa jornada de vida ao poder do mistério de Cristo, que perdura e é verdadeiramente acessível para nós.

A alegre expectativa do Advento, a presença consoladora de Emmanuel no Natal, o desafio quaresmal à conversão e à transfor-mação, a experiência pascal do poder da graça de Cristo, a celebração Pentecostal da vinda do Espírito, tudo isso é entreleçado a cada ano no tecido da nossa jornada de vida pessoal, em qualquer fase em que nos encontramos, e nos ajuda a transformar e a santificar.

Também é notável como a temporada litúrgica maravi-lhosamente (pelo menos no Hemisfério Norte) harmoniza e complementa as estações da natureza! A escuridão do inverno é perfurada pelo nascimento de Cristo, “a luz do mundo.” O re-nascimento na primavera da natureza é espelhada na vida nova que vem para os cristãos por seus esforços quaresmais de autorre-novação, coroados pela graça do Cristo Ressuscitado. A ardente vinda do Espírito Santo no início do verão nos inspira ao vibran-te testemunho de Cristo, assim como inspirou os apóstolos a fazer o mesmo no dia de Pentecostes.

Por fim, as solenidades e festas do ano da Igreja proporcionam uma oportunidade especial para que você possa se concentrar e celebrar um mistério específico de Cristo, um privilégio de sua Mãe Maria, ou a testemunhar por algum santo. Eles são marcos de graça e de celebração ao longo do ano.

Ao longo do Ano LitúrgicoNeste livro, tentei estar ao seu serviço, leitor, fornecendo uma

breve nota histórica para muitas destas observâncias do Ano Litúr-gico e oferecer reflexões para meditação e oração. Algumas dessas reflexões podem ser catalisadoras úteis para homilias, mas este livro destina-se principalmente a ser usado como um recurso para a ora-ção pessoal e o crescimento espiritual.

As reflexões deste livro são fruto de uma vida de alegria e participação agradecida nos santos mistérios e tempos sagrados.

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Ao longo dos anos recebi insights e graças de santos, papas e teó-logos em suas tentativas de observar o ano da Igreja. Neste livro, tais insights estão agora ordenados e dispostos de modo que pos-sam ser úteis para os outros, como forma de cumprir a proposta de São Tomás de Aquino: contemplata aliis tradere (compartilhar com os outros os frutos da contemplação).

Não se pode observar seriamente o Ano Litúrgico sem se tornar consciente de que é realmente uma “história de amor” contínua, o incrível amor misericordioso do Deus Criador com suas criaturas. Em cada etapa do ano um aspecto diferente desse amor é manifesta-do. Nas meditações que se seguem, portanto, o autor espera levar o leitor à maravilha cada vez mais profunda do amor incrível de Deus e a uma resposta a esse amor em que “não há medo” (João 4,18).

Há uma literatura desse gênero que tem ajudado a mui-tos. Pense especialmente na obra do Abade Prosper Guéranger, L’Année Liturgique, e do padre Pio Parsch, Year of Grace. Este vo-lume que tem em mãos, enfim, é um esforço muito humilde a seguir nesse fluxo de devoção.

Fui singularmente abençoado, ao longo de minha vida, por ter sido capaz de participar da celebração do Ano Litúrgico com um grande número de comunidades monásticas. Este trabalho é agradecidamente dedicado a algumas delas, especialmente a St. Joseph’s Cistercian Abbey em Spencer, Massachusetts; St. Anselm’s Benedictine Abbey em Manchester, New Hampshi-re; Holy Cross Cistercian Abbey em Berryville, Virginia; St. Benedict’s Benedictine Abbey em Still River, Massachusetts; e à Cistercian Abbey of Ire Fontane, em Roma. A oração e o exem-plo dessas comunidades e de outras têm sido uma grande graça. Agradeço a hospitalidade e o apoio espiritual de todas elas.

Que Maria, modelo de oração contemplativa – que “guarda-va todas as coisas no seu coração” (Lucas 2,51) –, interceda para que este esforço possa ser uma fonte de graça e de ajuda a muitos.

Roma, 2008

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Advento

Panorama histórico

Quaresma-Páscoa-Pentecostes é o foco principal do Ano Litúrgico e historicamente o seu elemento mais antigo. Essa se-quência celebra o mistério pascal da nossa salvação pela morte e ressurreição de Jesus, Nosso Senhor.

O segundo foco importante do ano da Igreja é “a celebração e a expectativa da vinda de Cristo, um tema ampliado na prática litúrgica ocidental atual nas várias semanas que compõem o ciclo do Advento-Natal-Epifania”.1

O advento é focado nas várias vindas do Cristo Re-dentor. O primeiro domingo se concentra especialmente na parúsia final – a vinda gloriosa de Cristo no fim dos tempos. Os segundo e terceiro domingos destacam a proclamação de João Batista sobre a vinda terrena de Cristo. O quarto, e últi-mo domingo, se preocupa com o prelúdio histórico imediato ao nascimento de Jesus. Nas quatro semanas do Advento,

1. Thomas J. Talley, The Origins of the Liturgical Year (New York: Pueblo Publishing, 1986), 79.

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portanto, o significado da vinda do Messias desloca-se da expectativa da consumação da própria história para a prepa-ração do nascimento do Salvador.

O desenvolvimento do Advento no Ano Litúrgico da Igreja foi gradual e parece ter tido o seu início no século IV:

Embora possamos ter certeza de que o tempo do Ad-vento desenvolveu-se primeiro fora de Roma, dizer mais do que isso não é tão fácil como se poderia dese-jar... Um cânone do Conselho de Saragosa (Espanha) em 380 insta a presença constante dos fiéis na igreja durante um período de 21 dias contínuos, a partir de 17 de dezembro e alcançando a Epifania.2

Isso pode ajudar a explicar nossa prática atual de uma prepa-ração mais intensa para o Natal desde o dia 17 de dezembro, com a oração das antífonas. É significativo também que essas datas de 17-23 dezembro também correspondiam com as datas de uma festa popular pagã, a Saturnália, que os pastores da antiga Igreja podem ter sido tentados a contrariar. Curiosamente, nos séculos posteriores o Advento era mais extenso do que a temporada de quatro semanas atual: os Missais dos séculos VII e VIII previam seis domingos.

Acima de tudo, no Advento a Igreja deseja concentrar os fiéis no Cristo-Evento, na aparição em nosso meio do Filho de Deus encarnado, primeiro humildemente em Belém e depois no fim dos tempos em glória para completar sua obra de sal-vação para a família humana. Advento é, então, uma estação eclesiástica alegre, cheia de expectativa das várias vindas de nosso Redentor e pela qual Ele manifesta seu imenso amor por suas criaturas.

2. Ibid.,150.

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Reflexões

1. “Eu farei nascer de Davi um rebento justo.” (Jeremias 33,15)

O tema dominante desta linda estação pode ser capturado em três palavras: promessa, esperança e expectativa. Lemos em liturgias dessa estação as antigas promessas e profecias de sal-vação no Antigo Testamento, especialmente do profeta Isaías. Fazemos isso a fim de reacender a nossa esperança na fidelidade de Deus, que realizou muitas dessas promessas na primeira vinda de Cristo e vai trazê-las para sua gloriosa realização na segunda vin-da de Cristo em glória, no fim dos tempos.

Promessa era a tônica da fé israelita. Não importa quantas vezes o povo de Deus fosse infiel, Deus sempre manteve a espe-rança de salvação. Promessa e esperança foram especialmente focadas em um descendente do rei Davi:

“E nesses dias e nesses tempos farei nascer de Davi um rebento justo que exercerá o direito e a equida-de na terra. Naqueles dias e naqueles tempos viverá Jerusalém em segurança e será chamada Javé-Nossa--Justiça”. (Jeremias 33,15-16)

Mesmo quando Jerusalém foi sitiada ou destruída e as pes-soas foram trazidas para a escravidão e vivendo em cativeiro, sua confiança na fidelidade de Deus e em sua promessa de um Mes-sias sobreviveu:

“Mas tu, Belém de Éfrata,tão pequena entre os clãs de Judá,é de ti que sairá para mimaquele que é chamado a governar Israel.Suas origens remontam aos tempos antigos,aos dias do longínquo passado.Por isso, Deus os deixará, até o tempo

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em que der à luz aquela que há de dar à luz.Então, o resto de seus irmãos voltarápara junto dos filhos de Israel.Ele se levantará para os apascentar,com o poder do Senhor, com a majestade do nome do Senhor, seu Deus. Os seus viverão em segurança, porque ele será exaltadoaté os confins da terra.E assim será a paz.” (Miqueias 5,1-4)

Os devotos judeus preservaram essas esperanças e expec-tativas, e sua fé alimenta a nossa quando relemos muitas dessas promessas nesta época especial ao nos preparar novamente para celebrar o nascimento de Cristo.

2. “Nós, porém, somos cidadãos dos céus. É de lá que ansiosamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.” (Filipenses 3,20)

Cristo foi o cumprimento das promessas de Deus para Israel. O anjo Gabriel disse a Maria que seu filho “reinará sobre a casa de Jacó para sempre, e o seu reino não terá fim” (Lucas 1,33). Ele era o rei messiânico verdadeiro. Como sempre acontece no caso de Deus lidar conosco, a realização superou a expectativa. O Messias não era apenas um descendente real de Davi, mas o próprio Filho de Deus que veio como Salvador Universal.

A humilde existência de Jesus e seu ministério foram uma realização inicial de todas essas promessas, mas ele prometeu uma satisfação ainda maior quando, no final do tempo, voltasse em poder e glória para trazer o plano do Pai à sua concretização final. Ele previu: “Então verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade”. (Lucas 21,27)

Os primeiros cristãos viviam em função dessas promessas e dessa expectativa. Como Paulo escreveu em um dos primeiros livros do Novo Testamento:

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“De fato, conta-se (...) como abandonastes os ídolos e vos convertestes a Deus, para servides ao Deus vivo e verdadeiro, e aguardardes dos céus seu Filho que Deus ressuscitou dos mortos, Jesus, que nos livra da ira emi-nente”. (1Tessalonicenses 1,9-10)

Uma oração frequente dos primeiros cristãos era “Vem, Se-nhor Jesus”. O Novo Testamento ainda a preserva no idioma aramaico em que eles oraram: Marana tha (1Coríntios 16,22). Eles honestamente esperavam pelo retorno de Jesus:

“Nós, porém, somos cidadãos dos céus. É de lá que an-siosamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará nosso mísero corpo, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de sujeitar a si toda a criatura”. (Filipenses 3,20-21)

3. “Velai sobre vós mesmos para que os vossos corações não se tornem pesados.” (Lucas 21,34)

Infelizmente, com o passar do tempo, o espírito de expec-tativa dos primeiros cristãos diminuiu. São Lucas viu isso já nas igrejas que ele ministrava, alertando-os nas palavras do Senhor:

“Velai sobre vós mesmos para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso de comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso. Como um laço cairá sobre aqueles que habitam a face de toda a terra. Vigiai, pois, em todo o tempo e orai, a fim de que vos torneis dignos de escapar de todos esses males que hão de acontecer e de vos apresentar de pé diante do Filho do Homem”. (Lucas 21,34-36)

O tempo do Advento é um chamado para nós a fim de que possamos renovar esse sentimento de expectativa esperançosa. É

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talvez a faísca que a evangelização moderna precisa para reacender um senso de confiança e entusiasmo às boas novas de Jesus Cristo.

É triste que muitos cristãos se confinem em uma atitude cí-nica, sombria, deprimida, longe do espírito da Igreja primitiva. Sua atitude talvez seja melhor expressa na frase: “Bem-aventu-rados os que não esperam nada – estes não vão se decepcionar”. Os verdadeiros cristãos vivem em constante expectativa e sabem que a realização das promessas de Deus sempre vai superar todas as expectativas.

Uma voz profética moderna expressa eloquentemente a ne-cessidade de um avivamento do nosso anseio e de esperança pelo Advento:

A expectativa nunca deixou de guiar o progresso da nossa fé, como se fosse uma tocha. Os israelitas viviam constantemente esperançosos, e os primeiros cristãos também. O Natal, que talvez se pensasse que desviaria o nosso olhar para o passado, só o fixou ainda mais no fu-turo. O Messias, que apareceu por um instante no meio de nós, só se permitiu ser visto e tocado por um momen-to antes de desaparecer mais uma vez, mais luminoso e inefável do que nunca, nas profundezas do futuro. Ele veio. No entanto, agora temos de esperar por ele – não mais um pequeno grupo escolhido entre nós, mas todos os homens – mais uma vez, e mais do que nun-ca. O Senhor Jesus só virá em breve se ardentemente ansiarmos por ele. É um acúmulo de desejo que deve fazer com que o Pleroma venha a se derramar sobre nós. Sucessores de Israel, nós, os cristãos, fomos en-carregados de manter a chama do desejo sempre vivo no mundo. Apenas vinte séculos se passaram desde a Ascensão. O que temos feito de nossa esperança?

Um certo pessimismo, talvez encorajado por uma con-cepção exagerada da queda original, levou-nos a olhar

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o mundo como algo incorrigivelmente ímpio. E por isso permitimos que a chama começasse a morrer em nossos corações adormecidos. Insistimos em dizer que mantemos a vigília na expectativa da vinda do Mes-tre, mas, na realidade, deveríamos admitir, se fôssemos sinceros, que já não esperamos mais nada. A chama deve ser revivida a qualquer custo. E com empenho devemos renovar em nós o desejo e a esperança da grande Vinda.3

3. Pierre Teilhard de Chardin, The Divine Milieu (New York: Harper and Row, 1960), 151-152.

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Imaculada Conceição de Maria8 de dezembro

Panorama histórico

A antiga Igreja, tal como refletido nas liturgias da Igreja Oriental, homenageava instintivamente Maria como “totalmente santa”, “toda pura”, “imaculada”. Esse reconhecimento exprime a verdade já proclamada no Novo Testamento, quando o anjo Gabriel saudou Maria como “cheia de graça” (Lucas 1,28).

Depois que a doutrina do pecado original estava mais total-mente desenvolvida no século IV, tornou-se comum vincular a plenitude da graça de Maria com o momento da concepção; o pecado original nunca manchara sua alma. Na promulgação do dogma da Imaculada Conceição pelo Beato Pio IX, em 1854, a Igreja manifestou definitivamente sua confiança na plenitude de graça concedida a Maria para torná-la digna de ser o tabernáculo do Filho Eterno. Como endosso celestial ao dogma, quando Nos-sa Senhora apareceu a Santa Bernadete, em Lourdes, em 1858, ela se identificou a Bernadete com estas palavras: “Eu sou a Ima-culada Conceição”.

A festa da Conceição de Maria está documentada no Leste no século VII e passou para o Ocidente em 1100. Ela foi aprovada

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para toda a Igreja por Inocêncio XII, em 16951. Em 1846, os bispos dos Estados Unidos escolheram Maria, sob o título de Imaculada Conceição, como padroeira dos Estados Unidos. Por essa razão, a grande Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição foi construída em Washington, DC, e é a sétima maior igreja do mundo.

Reflexões

1. “Você é toda bela, ó Maria, e não há nenhuma mancha do pecado original em você.” (Ofício Divino)

Esse refrão do Ofício Divino expressa a devoção amorosa da Igreja à Mãe de Deus, a qual queremos repetir com a Igreja em todo o mundo. O poeta inglês Wordsworth expressou essa doutrina corretamente quando se referiu a Maria como “o orgu-lho solitário de nossa natureza humana machada”. Ela é, de fato, mediante a grande misericórdia de Deus, um mistério da vida sem pecado. Tudo isso foi possível, é claro, apenas pelos méritos previstos de Jesus Cristo, o único Salvador. Esse favor da Imacu-lada Conceição, o de Jesus sendo concebido em uma plenitude de graça, foi concedido a Maria com vistas para ela em seu papel de Mãe do Divino Filho. Apropriadamente, então, no tempo do Advento, a Igreja lança seu foco em sua fé, que sustenta o Divino Salvador para a raça humana. Ela é a “casa de ouro”, a “arca do Altíssimo”, a “Mãe bem-aventurada.” Sobre esse mistério, Santo Ambrósio de Milão (340-97 dC) escreve:

Não é de admirar que o Senhor, tendo começado a redimir o mundo, tenha começado seu trabalho com Maria: se a salvação para todos os homens estava sen-do preparada por ela, ela deveria ser a primeira a obter o fruto da salvação do seu Filho. (Comentário sobre o Evangelho de Lucas)

1. Christopher O’ Donnell, At Worship with Mary (Wilmington, DE: Michael Glazier Co, 1998), 213.

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Na mesma linha de raciocínio, Santo Agostinho (354-430) escreve:

Quando se fala de pecado, ela não deve mesmo ser mencionada por consideração ao Senhor. Como pode-ríamos conhecer o imenso dom da graça que permeava a ela para protegê-la de todos os vestígios do pecado, ela, que foi digna de conceber e dar à luz a ele que não tinha absolutamente nenhum pecado? (Tratado sobre a natureza e a graça, cap. 36, 42)

Esta graça especial, longe de afastar Maria de nós, a une a nós. Ela também é membro da Igreja, da comunidade dos redi-midos por Cristo. O Concílio Vaticano II exprime esta verdade paradoxal na sua Constituição Dogmática sobre a Igreja:

E, por este insígne dom da graça, leva vantagem a todas as demais criaturas do céu e da terra. Está, porém, as-sociada, na descendência de Adão, a todos os homens necessitados de salvação; melhor, “é verdadeiramente Mãe dos membros (de Cristo)[...] porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, mem-bros daquela cabeça”. É, por esta razão, saudada como membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade; e a Igre-ja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe como a mãe amantíssima, filial afeto de piedade. (Lumen gentium, 53; a citação interna é de Santo Agostinho)

2. “Cantai ao Senhor um cântico novo, porque ele operou maravilhas.” (Salmos 97(98),1)

Hoje é a “festa da graça”, não só por causa da plenitude da gra-ça de Nossa Senhora, mas também porque esse dia destaca o amplo mistério da bondade transbordante e do amor de Deus a todas as

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suas criaturas humanas, de quem Maria é o maior exemplo. “Deus é amor” (1João 4,16) e ele derrama esse amor sobre nós. Desta for-ma, na segunda leitura da Missa de hoje, Paulo observa que foi “em amor” que o Pai nos destinou para adoção a si mesmo por meio de Jesus Cristo, para “fazer resplandecer a sua maravilhosa graça, que nos foi concedida por ele no Bem-Amado [Jesus]”. (Efésios 1,6)

A antropologia cristã, no entanto, nos diz que enquanto Deus criou tudo de bom e criou a humanidade em amizade, os primeiros seres humanos, Adão e Eva, usaram de seu livre-arbítrio para se rebelar e desobedecer. Toda a triste história é narrada na primeira leitura de hoje da Missa, no capítulo 3 do Gênesis. Mas o amor de Deus é tão grande que Ele não permitiria que seu sonho para os seres humanos pudesse ser prejudicado. O pecado humano não al-tera o plano e a vontade de Deus, que “nos escolheu Nele [Cristo], antes da criação do mundo, para sermos sagrados e irrepreensíveis diante de seus olhos” (Efésios 1:4). Deus encontrou uma solução enviando seu Filho para reverter o orgulho de Adão, sua desobe-diência e seu pecado e para desbloquear as comportas da graça divina. Isso tudo foi puro presente divino!

“Mas, com o dom gratuito, não se dá o mesmo que com a falta. Pois se a falta de um só causou a mor-te de todos os outros, com muito mais razão o dom de Deus e o benefício da graça obtida por um só ho-mem, Jesus Cristo, foram concedidos copiosamente a todos. Nem aconteceu com o dom o mesmo que com as consequências do pecado de um só: a falta de um só teve por consequência um veredito de condenação, ao passo que, depois de muitas ofensas, o dom da graça atrai um juízo de justificação. Se pelo pecado de um só homem reinou a morte (por esse único homem), muito mais aqueles que receberam a abundância da graça e o dom da justiça reinarão na vida por um só, que é Jesus Cristo!” (Romanos 5,15-17)

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Deus é Bondade Infinita; seu plano e vontade são para nossa salvação e deificação. Seu amor não tem limites e é tudo puro dom, pura graça. Neste dia nós nos alegramos e confiamos-nos a este mistério da graça. Apropriadamente, o Salmo responsorial de hoje diz:

“Cantai ao Senhor um cântico novo, porque ele operou maravilhas...Sua mão e seu santo braço lhe deram a vitória....Lembrou-se de sua bondade e de sua fidelidade em fa-vor da casa de Israel. Os confins da terra puderam ver a salvação de nosso Deus. Aclamai o Senhor, povos todos da terra; regozijai-vos, alegrai-vos e cantai”. (Salmos 97(98),1.3.4)

Esse “dom da graça” tem um valor ótimo, como o então Papa João Paulo II, na sua homilia de 1990, notou:

Sabemos o preço pago por Jesus, o Filho de Maria, nos-so Salvador. Sabemos que “fostes comprados por um grande preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo” (1Coríntios 6,20). A Cruz de Cristo está no centro da história da salvação, no centro da história humana como o sinal de vitória, de graça. Maria vai ficar sob a cruz.

3. “Faça-se em mim segundo a tua palavra.” (Lucas 1,38)

O que significa “viver na graça de Deus”? Um modelo de uma vida vivida “na graça” nos é oferecido por Maria, e vemos um evento importante na sua vida cheia de graça na leitura do evangelho de hoje (Lucas 1,26-38). Ela tem uma vida enraizada no amor de Deus e com total confiança na sua bondade e graça. É uma vida que está totalmente convencida de que “a Deus ne-nhuma coisa é impossível” (Lucas 1,37). No evangelho de hoje,

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Maria pode parecer estar no centro, mas, se lermos com mais cuidado, vemos que Deus está no centro. Deus está revelando seu amor e sua vontade a Maria. Ela é o modelo da pessoa de fé: ela escuta, aceita e entrega a sua vontade nas mãos de Deus. Ela diz seu fiat, seu “sim” sem reservas: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. (Lucas 1,38)

Maria é o modelo da Igreja em seu nível mais profundo. Enquanto gabinetes e estruturas da Igreja (às vezes chamados de “carisma petrino”) são essenciais e importantes, eles estão a serviço de outro carisma, o carisma mariano. Ou seja, a Igreja e nós, que vivemos o mistério da Igreja, devemos ser como Maria, à escuta da Palavra, dócil, humilde, obediente à vontade de Deus, entregando-nos ao seu plano, fazendo a nossa parte para trazer a salvação de Cristo ao mundo. Vamos nos voltar para ela neste dia que celebra sua santidade e aprender com ela como é verda-deiramente “viver em estado de graça”.

Maria Mãe de Jesus e nossa mãe, ajude-nos a nos tornarmos abertos para a mesma onipotência e o mesmo poder de amor que a fez tão fecunda e tão agradável a Deus. Prepare-nos não só para ouvir, mas para consentir ao Senhor, para aceitar de bom grado o convite único, que se dirige a cada um de nós. Ajude-nos a sermos santificados e irrepreensíveis, cheios de amor enquanto servimos a Jesus em nossos irmãos e irmãs todos os dias da nossa vida. Ajude-nos a preparar um mundo para o seu Filho.2

2. Joseph Gerry, Ever Present Lord (Petersham, MA: St Bede’s Publications, 1989), 27.

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Virgem de Guadalupe12 de dezembro

Panorama histórico

Neste dia, em 1521, Juan Diego, um leigo ameríndio, foi favorecido com uma aparição de Nossa Senhora na colina de Te-peyac, perto da Cidade do México. Ele foi instruído a coletar rosas e trazê-las para o bispo com um pedido para que uma igreja fosse construída. Quando ele abriu a sua tilma para apresentar as rosas ao bispo, uma imagem de Nossa Senhora foi vista na capa. Na ima-gem, Nossa Senhora aparece como uma jovem com características e roupas nativas, de pé, com as mãos postas em oração.

A tilma de Juan Diego foi venerada desde então em uma grande basílica perto do local da sua aparição. A tilma foi sub-metida a análises científicas por várias organizações, incluindo a Kodak Company, e tem desafiado explicações naturais, tanto na forma como foi pintada quanto na forma como se mantém pre-servada até hoje. Para os olhos da fé, é um belo presente de Nossa Senhora aos seus filhos do Novo Mundo1.

1. Luis Medina Ascensio, The Apparitions of Guadalupe (Washington DC: A CARA Publica-tion, 1980).

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Reflexões

1. “Como uma criança que a mãe consola, sereis consolados em Jerusalém.” (Isaías 66,13)

“Eu não sou sua Mãe?” Essas palavras ternas e reconfor-tantes de Nossa Senhora a Juan Diego capturam o espírito da devoção à Nossa Senhora de Guadalupe. Ela fez-se conhecida para os pobres e oprimidos no país e disse que queria uma igreja onde seu “amor, compaixão e proteção” poderiam ser invocados. O povo mexicano tem sentido esse especial cuidado maternal de Maria ao longo dos séculos, e milhões costumam visitar o San-tuário de Guadalupe todos os anos.

O amor maternal de Maria, no entanto, é um presente para todas as pessoas. Ela é verdadeiramente a “Mãe de Misericórdia”, a quem todos podem procurar em suas necessidades e problemas. Maria “cheia de graça”, que nós acabamos de celebrar em 8 de dezembro, é expressa em uma “plenitude do amor” para todos os filhos de Deus. Enraizada em Deus, ela compartilha seu amor compassivo para todos nós. Suas palavras citadas acima nos fa-lam de uma mensagem de ternura e de bondade, de segurança e proteção. Elas nos fazem nos lembrar das palvaras de Deus nas Sagradas Escrituras: “Como uma criança que a mãe consola, se-reis consolados em Jerusalém”. (Isaías 66,13)

A maternidade espiritual de Maria, mãe de todos, foi pre-cisamente o aspecto que São João Paulo II destacou em seu discurso em 1982, na ocasião do 450º aniversário das aparições. Ele disse:

Outro aspecto fundamental na mensagem guadalu-pana é a maternidade espiritual de Maria sobre todos os homens, tão intimamente unida à maternidade di-vina. Com efeito, na devoção guadalupana, aparece desde o princípio esse traço característico, que os pa-dres inculcaram sempre e os fiéis viveram com firme

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confiança. Traço aprendido ao contemplarem Maria, no seu papel singular dentro do magistério da Igreja, derivado da sua missão de Mãe do Salvador. Preci-samente porque Ela aceita colaborar livremente no plano salvífico de Deus, participa de maneira ativa, unida ao seu Filho, na obra de salvação dos homens. Sobre essa função se expressa de modo luminoso o Concílio Vaticano II: Maria, “concebendo Cristo, gerando-O, alimentando-O, apresentando-O ao Pai no templo e padecendo com o seu Filho quando este morria na cruz, cooperou, de forma inteiramente sem igual, na obra do Salvador com a obediência, a fé, a esperança e a ardente caridade, com o fim de restau-rar a vida sobrenatural das almas. Por isso é nossa mãe na ordem da graça” (Lumen Gentium, 61). É um ensinamento que, ao assinalar a cooperação da Vir-gem Santíssima para restaurar a vida sobrenatural das almas, fala da sua missão como Mãe espiritual dos ho-mens. Por isso lhe tributa a Igreja a sua homenagem de amor ardente “quando considera a Maternidade espiritual de Maria para com todos os membros do Corpo Místico” (Marialis Cultus, 22). Nessa mesma linha de ensinamento, o Papa Paulo VI declarará coerentemente Maria como “Mãe da Igreja”.2

Essas não são apenas verdades teológicas abstratas; mas, sim, na nossa própria vida espiritual deve haver uma forte confiança filial no cuidado maternal de Nossa Senhora, que nos traz sere-nidade, paz e confiança. Esse é o testemunho de muitos santos ao longo dos séculos. Que esta festa especial do Advento possa ser uma ocasião para renovar essa graça para nós mesmos e nos colocar mais conscientemente sob o cuidado materno de Maria.

2. L’Osservatore Romano, 25 de janeiro, 1982.

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2. “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.” (Lucas 1,38)

É significativo que, no ícone de Guadalupe, Maria é apre-sentada como uma “mulher de oração”. Ela aparece com as mãos cruzadas em devoção, olhos baixos, em um ambiente de recolhimento, paz e entrega, ecoando sua oração básica: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. (Lucas 1,38)

Será que, com tal imagem deixada na tilma de Juan Diego, ela quis nos deixar uma mensagem, um convite para o aprofun-damento de nossa vida de oração? É algo que está certamente em harmonia com as outras bem conhecidas aparições, por exemplo, Lourdes e Fátima, onde a própria Maria aparece em oração e encoraja os que viram a aparição a levar a oração mais a sério.

No Novo Testamento, Maria é apresentada do começo ao fim como “mulher de oração”. Acabamos de fazer alusão à cena da anunciação em Lucas, capítulo 1, na qual sua oração é de quem ouviu a Palavra de Deus enquanto ele a cumprimenta por meio do anjo como sendo “cheia de graça” e garante a ela “O Se-nhor está com você”. Que alegria em êxtase essa palavra deve ter trazido a Maria! No entanto, ela ouve sem presunção – mesmo com uma humildade conturbada –, o que leva o anjo a tranqui-lizá-la: “O anjo disse-lhe: ‘Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus’”. (Lucas 1,30)

A nossa oração também deve ser acima de tudo um ato de “escuta” da Palavra de Deus para nós, uma palavra que, muitas vezes, leva-nos a uma lembrança do amor pessoal e do cuidado de Deus a nós. A nossa oração vai querer também repercutir a rendição de Maria à vontade inescrutável de Deus: “Eis aqui o teu servo, ó Deus. Que sua vontade seja feita”.

Apropriadamente, o último vislumbre que temos de Nossa Senhora do Novo Testamento é dela novamente em oração:

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“Tendo entrado no cenáculo, subiram ao quarto de cima, onde costumavam permanecer. Eram eles: Pedro e João, Tiago, André, Felipe, Tomé, Bartolomeu, Ma-teus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelador, e Judas, irmão de Tiago. Todos eles perseveravam unanime-mente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele”. (Atos dos Apóstolos 1,13-14)

3. “Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas.” (Apocalipse 12,1)

Essa é uma festa do Advento. Suas duas leituras especiais de-vem enfatizar a dignidade de Maria como Mãe de Deus. Nesses dias nós contemplamos sua postura tendo dentro de si o Filho de Deus.

A leitura do Evangelho de Lucas ecoa a homenagem de Isabel a Nossa Senhora: “E exclamou em alta voz: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre’” (Lucas 1,42). A Leitura do Livro do Apocalipse de forma semelhante cita a maternidade de Maria:

“Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça, uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz. Depois apareceu outro sinal no céu: um grande Dra-gão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas. Varria com sua cauda uma terça parte das estrelas do céu e as atirou à terra. Esse Dra-gão deteve-se diante da Mulher que estava para dar à luz a fim de que, quando ela desse à luz, lhe devorasse o filho. Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro”. (Apocalipse 12,1-5)

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O símbolo da aparição foram as rosas, que caíram do manto de Juan Diego aos pés do bispo da Cidade do México. Isso ecoa para nós a profecia do Advento de Isaías de que Deus iria intervir para trazer a salvação por meio de um filho nascido da linhagem de Davi: “um renovo sairá do tronco de Jessé e um rebento brotará de suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e entendimento”. (Isaías 11,1-2)

Cristo, claro, é um rebento de Jessé, e Maria é a haste. Ob-serva um comentarista:

O tema do Advento é sólido: rosas de uma colina no meio do inverno significa a pura graça inesperada da vinda de Cristo para a qual não podemos de fato nos preparar e para a qual a graça em si deve nos deixar prontos.3

A maternidade divina de Maria é pura graça. A salvação que nos trouxe é pura graça. Nesta festa, que as rosas sejam um alegre lembrete da graça suprema que vira a nós no Natal por meio do Filho de Maria.

3. Augustine Di Noia, 0.P, “Our Lady of Guadalupe”, Magnificat, 2007, 166.