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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=56905109 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Aldomar Rückert A. O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de internacionalização segmentada do espaço nacional Investigaciones Geográficas (Mx), núm. 51, agosto, 2003, pp. 125-143, Instituto de Geografía México Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Investigaciones Geográficas (Mx), ISSN (Versão impressa): 0188-4611 [email protected] Instituto de Geografía México www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=56905109

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Sistema de Información Científica

Aldomar Rückert A.

O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de internacionalização segmentada do espaço

nacional

Investigaciones Geográficas (Mx), núm. 51, agosto, 2003, pp. 125-143,

Instituto de Geografía

México

Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista

Investigaciones Geográficas (Mx),

ISSN (Versão impressa): 0188-4611

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México

www.redalyc.orgProjeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Investigaciones Geográficas, Boletln del Instituto de Geografia, UNAMNúm. 51, 2003, pp. 125-143

O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como umterritório de internacionalização segmentada doespaço nacional

Aldomar A. Rücker t * Recibido: 21 de enero de 2003Aceptado en versión final; 16 de junio de 2003

Resumo. O artigo analisa cenários contemporâneos das reestruturações territoriais e as novas funções dosterritórios como elos da sociedade global, limitado, especialmente, ao caso do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Areforma constitucional da ordem econômica brasileira a partir de 1995 aprofunda a internacionalização de unidadesda federação brasileira, principalmente no Sudeste e Sul do país -e, em particular o estado do Rio Grande do Sul,localizado em região fronteiriça, vizinho da Argentina e do Uruguai. Neste processo redefinem-se as funções dasfronteiras, de defensivas para articuladoras, concentra-se a infra-estrutura estratégica e os núcleos dinâmicos daeconomia industrial no núcleo geoeconômico do Mercosur e aprofundam-se as desigualdades interregionais noSudeste e Sul do país, bem como internamente aos estados da Federação.

Palavras-chave: Reformas do Estado, reestruturação territorial, função dos territórios, Mercosul.

Resumen. El articulo analiza escenarios contemporáneos de las reestructuraciones territoriales y las nuevasfunciones de los territorios como nexos de la sociedad global, limitado, en especial, al caso del estado de Rio Grandedo Sul, Brasil. La reforma constitucional del orden económico brasileno desde 1995 profundiza la internacionalizaciónde unidades de la federación brasileña, principalmente en el sureste y sur del país -y, en particular elestado de RioGrande do Sul, ubicado en región fronteriza, vecino a Argentina y Uruguay. En tal proceso se han redefinido Iasfunciones de las fronteras, de defensivas a articuladoras, concentrándose la infraestructura estratégica y los núcleosdinámicos de la economia industrial en el núcleo geoeconómico del Mercosur, y se han profundizado Iasdesigualdades interregionales en el sureste y sur del país, así como internamente a los estados de Ia Federación.

Palabras-clave: Reformas dei Estado, reestructuración territorial, funciones de los territorios, MERCOSUR.

The Rio Grande do Sul state, Brazil, as a segmentedinternationalization territory of the national spaceAbstract. This paper analyzes recent scenarios of the territorial restructuring and the new roles of territories as links ofthe global society, specially limited to the case of the Rio Grande do Sul, Brazil. The constitutional reform of the Bra-zilean economy southeast portion of the country - particularly in Rio Grande do Sul, a southern state that bordersArgentina and Uruguay. The above process has redefined the role of borders from defensive to articulating, focusingthe strategic infrastructure and the industrial economy's dynamic nuclei toward the geoeconomical core Mercosur.This has led to deepening of the interreglonal inequalities in southeastern and southern Brazil, as well as internallyamongthe Federation states.

Key words: Government reforms, territorial restructuring, role of territories, MERCOSUR.

INTRODUÇÃO integração competitiva sul-americana, espe-cialmente no âmbito do Mercosul (Figura 1).

Neste artigo desenvolvem-se elementosconstitutivos para a análise das funções que Quais tendências de reestruturação territorialterritórios das unidades da federação no estariam emergindo no estado do RioBrasil Meridional -como o estado do Rio Grande do Sul, ocorrendo estas simultanea-Grande do Sul- tem adquirido no âmbito da

*Departamento de Geografia e no Programa de Pós-Graduação de Geografia / Análise Territorial da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, Brasil, Av. Des. André da Rocha, 272 / 04, 90.050-160 Centro - Porto Alegre.Email: [email protected].

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mente à interseção da reforma do Estado,crise federativa e abertura externa? Aspolíticas liberalizantes de desenvolvimentoe seus impactos no Rio Grande do Sul-unidade da federação que conjuga, simul-taneamente, a abertura externa e interna-estão circunscritas à emergência do modeloeconômico baseado na competitividade e nainserção internacional concomitantemente àstransformações político-institucionais a partirda Constituição de 88 e à experiência daredemocratização.

Para a análise do tema considera-se a) asreestruturações territoriais nos cenárioscontemporâneos; b) reformas do Estado:descentralização, mercado e inserção inter-nacional; c) a agenda da política externabrasileira direcionada para o Mercosul nadécada de 90; d) o conceito do estado doRio Grande do Sul como território de inter-nacionalização segmentada do espaço na-cional; e) a redefinição das funções dasfronteiras e, por fim, f) o Rio Grande do Sule o núcleo geoeconômico do Mercosul.

REESTRUTURAÇÕES TERRITORIAIS:CENÁRIOS CONTEMPORÂNEOS

De forma concomitante à representação dasestratégias que valorizam os territórios nacompetição internacional, a análise dasreestruturações territoriais implica no examedas novas funções que os territórios de-sempenham a serviço das estratégiasprojetadas por diversos atores (Lefebvre,1976:25-31). As novas funções dos terri-tórios estão consubstanciadas à (re) estru-turação da totalidade, novas especificidades,ainda que de formas combinadas entre paresopostos, os projetos nacionais de um lado -que se incorporam a escala supranacional -e os projetos que representam segmen-tações e rupturas das novas totalidades. Taisfunções dos territórios encontram-se baliza-das -nas interfaces entre o interno e oexterno- pela macropolítica externa comer-cial por parte do Estado brasileiro.

O território vinha sendo tomado comoum elemento básico, intrínseco ao EstadoTerritorial, fundado como um Estado dasarmas peía geopolítica realista. Esta tem nosexemplos dos governos militares do Brasile Argentina dois casos paradigmáticos. Mas,há outros sentidos políticos e formas noterritório, advindos da reconceitualização doterritório como um elemento básico do local,da região e das nações no contexto dacompetitividade. O território não é um con-ceito ultrapassado como querem Rosecrance(1986; 1996) e Ohmae (1996); ele temadquirido novos sentidos e outras formas.

Compreender os territórios nos novos con-textos estratégicos da globalização/regionalização implica estabelecer que,como afirma lanni (1994:66) as ciênciassociais estão desafiadas a repensar seuobjeto. Este objeto -no caso específicoapontado por lanni como a sociedadenacional ou o Estado-nação- apontaria paraa nova questão das ciências sociais;entender as nações como territórios ou elosda sociedade global. Na medida em que sedesenvolve, a globalização confere novossignificados à sociedade nacional, como umtodo e em suas partes, bem como ao seuterritório.

R E F O R M A S D O E S T A D O :DESCENTRALIZAÇÃO, MERCADO EINSERÇÃO INTERNACIONAL

A crise do Estado Desenvolvimentista nadécada de 80 no Brasil tem aberto frentes deconstrução de projetos de reforma do Esta-do, consubstanciados a partir da Consti-tuição de 1988. Entre o período constituintee o momento atual vários desenhos dereforma do Estado tem sido aspirados ealguns poucos implementados. A redemocra-tização e a recuperação do projeto federa-tivo -e sua crise imediata-; a abertura demercados e a reforma constitucional daordem econômica em meados dos anos 90tem colocado novos desafios e projetos de

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O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de internalização segmentada do espaço nacional

LOCALIZAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS)

NO BRASIL E NA AMÉRICA DO SUL

Oceano Pacifico

Oceano Atlântico

Figura 1. Localização do estado do Rio Grande do Sul (RS) no Brasil e na América do Sul.

desenvolvimento para as diversas escalasde poder.

Os estados federados passam a ter relevân-cia pelos seus papéis de unidades político-administrativas que passam a recuperar boaparte de suas autonomias frente ao EstadoNacional. Estas autonomias passam a dar-setanto pelas novas responsabilidades que lhesão atribuídas, quanto por aquelas em queseus governos assumem na retomada deprojetos de desenvolvimento direcionadospara os padrões de busca de inserçãointernacional conjugando-se as escalas esta-duais de poder às macropolíticas comerciaisna perspectiva da concepção de que o Brasilé hoje um global trader. Para Pacheco, nosúltimos quinze anos já estão em curso pro-

cessos que não mais se referem meramenteà constituição do mercado interno.

Na verdade, as transformações daeconomia internacional e as opçõesde política econômica interna, espe-cialmente a partir da abertura co-mercial dos anos 90, estão definindoum temário distinto para a problemá-tica regional brasileira: as implica-ções -fortemente diferencia-das porregiões- de uma dinâmica de acu-mulação de economia aberta ou semi-aberta, como se queira, diante de umquadro de intensa globalização. Aisto deve-se ainda acrescentaro progressi-vo avanço de um discursoideológico que proclama a necessida-

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de de so-luções relativamente autôno-mas para deter-minados recortes doespaço nacional, ancoradas em con-dições locais de competitividade(Pacheco, 1998:44).

A análise contemporânea das políticas na-cionais de construção de ambientes com-petitivos e suas incidências estratégicas noestado do Rio Grande do Sul, faz com quese adote as políticas do Estado Nacionalcomo uma escala de análise de poder. Estaescala está relacionada tanto às políticasdos Estados -mormente aqueles queconstituem o projeto Mercosul, ao menosnas suas formas principais até o período emque o projeto entra em crise a partir de1999- quanto à ação das empresas globais.Essas políticas são compreendidas, por-tanto, no bojo de um Estado de corteprogressivamente comercial e embrionaria-mente coordenador e regulador na transiçãodo modelo de substituição de importaçõespara a abertura de mercados e a integraçãoe inserção competitivas. Esta inserção é decaráter subordinado nos cenários globaisdos grandes fluxos de comércio e investi-mentos externos.

A mudança recente no plano das relaçõesinternacionais tem rebatimentos na gestãointerna do território. No processo recentede passagem de uma geopolíticade corte territorialista da ditadura brasileira -1964/1985- (o aprofundamento da implan-tação dos vetores estruturantes dosterritórios internos, principalmente no Centro-Oeste e na Amazônia e do mercado na-cional através dos macroeixos de articulaçãoe dos pólos de desenvolvimento; a ocupaçãopopulacional efetiva das regiões com baixasdensidades demográficas; a defesa intransi-gente do território através das fronteiras decontenção, como no Brasil meridional ea alegada tese geopolítica da expansãopacífica para o exterior) para uma políticacomercial por parte do Estado brasileiro, sãoimplementadas -ainda que de forma embrio-

nária- novas formas da malha territorial,que passam a compor o processo tenden-cial de reestruturação territorial.

A conceituação da inserção competitivainternacional subordinada dos territóriosnacionais sul-americanos relaciona-se aonúcleo das reformas econômicas, quaissejam, a desregulamentação dos mercadosfinanceiros e a abertura comercial e bancáriadas economias. Nesse sentido, a buscadeliberada da construção das políticas decompetitividade está circunstanciada aoque Fiori conceitua como a novíssimadependência (1995:225), "o caminho que seimpôs às periferias que procuram atrairinvestimentos produtivos ainda quando oargumento utilizado seja de natureza fiscal."

No processo da inserção internacional doBrasil -e do Rio Grande do Sul- a inte-gração regional (Mercosul) e sul-americanaé perpassada pela reestruturação econô-mica global. Juntamente com a estra-tégiados Estados Nacionais, as empresasprivadas -cada vez mais globais- temassumido a implantação e a gestão demacroprojetos, especialmente de infra-estrutura, no âmbito da reforma do Estadopela via do mercado. Assim, a questãode como está sendo reestruturado um novoambiente econômico passa pelo enten-dimento de que, na América do Sul, hánovos atores privados fazendo políticanesse ambiente de reestruturação. Nessesentido aponta Costa:

É curioso notar que, dentre os maisvistosos empreendimentos e, por-tanto, as mais atraentes oportuni-dades de investimentos para gran-des capitais internacionais, geradospelo processo de integração sul-americana em curso, encontra-seem destaque a sua própria inte-gração física. Diagnósticos e propos-tas nessa área têm sido apresen-tadas às dezenas pelos países da

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O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de intematização segmentada do espaço nacional

região, dentre eles os estudos téc-nicos realizados no Brasil peloGeipot/MT e aqueles conduzi-dospela então Secretaria de AssuntosEstratégicos da Presi-dência daRepública (Costa, 2000:7).

As políticas de construção de infra-estrutura(transportes e energia) que passam a con-formar a estrutura territorial vertida para fora(Pradilla, 1990) -especialmente no plano dasredes articuladoras- através das diretrizesde planejamento e ações concer-nentes aosEixos Nacionais de Integração e Desen-volvimento e do Eixo Sul, em espe-cífico,enquadram-se no projeto de inte-graçãocompetitiva no âmbito do Mercosul, natransformação da fronteira-separação emfronteira-cooperação (Valenciano, 1996;Courlet, 1996) no Brasil meridional. Comessas formas -as redes físicas, nós etessituras estratégicas- re-configura-se ouso político e a malha do território (Raffestin,1993), a infra-estrutura estratégica nasdistintas regiões {no âmbito dos principaismovimentos de suas economias), espe-cialmente no Sudeste e Sul do Brasil.

O Eixo do Sul contempla os empreendi-mentos da Rodovia do Mercosui, sobretudonos modais rodoviário e ferroviário, asmelhorias e modernização do porto de RioGrande no âmbito da proposta doscorredores bioceânicos e o Centro Unificadode Fronteira São Borja-São Tome. A inte-gração energética compreende as EstaçõesConversoras de Uruguaiana, Garabi(município de Garruchos), Santana doLivramento - Rivera; os gasodutos Bolívia-Rio Grande e os projetados Argentina-Brasile o Cruz del Sur, bem como a Usina Termo-elétrica de Uruguaiana, Esses investimentos,coordenados pelo poder público federal, comrecursos principalmente privados na óticadas teses da construção de ambientescompetitivos do governo federal, "(...)alinham-se estrategicamente com a melhoriadas condições sistêmicas ou seja, à redução

de custos de transporte e a introdução dogás natural com vistas à qualidade eprodutividade da produção industrial" (Brasil,maio-jun.1999).

A AGENDA DA POLÍTICA EXTERNABRASILEIRA DIRECIONADA PARA OMERCOSUL NA DÉCADA DE 90

A agenda da política externa brasileiradirecionada para o Mercosul caracteriza-sepela mudança da postura de conflitos entreBrasil e Argentina, com a adoção das tesesliberais da cooperação entre os doisEstados; a ampliação da fronteira vivameridional através da transformação dafronteira-separação em fronteira-cooperação e a emergência ou construçãode novos espaços geoeconômicos e demodernização tecnológica.

Da postura de conflitos à cooperaçãointernacional, baseada esta última na linhakantiana da identidade de regimes noprocesso de integração, as rivalidadesbrasileiro-argentinas atenuam-se e prati-camente desaparecem quando, no final dosanos 80, os países atingem a democraciae se propõem à criação de mecanismos deintegração econômica. No entanto, assinalaVizentini (2001 a: 10) que o acercamentoentre Brasil e Argentina "não é resultado dademocratização, mas fruto de um processoanterior e bem mais complexo e profundo,do qual a redemocratização constitui umdos aspectos." Nesse sentido,

o Mercosul tornou-se um dospilares centrais da Política Externabrasileira e uma conquista irre-versível dos quatro países que oconstruíram. O impulso integra-cionista que mobilizou a Argentina,o Uruguai, o Paraguai e o Brasilé fruto de um longo processo deaproximação entre os quatromembros, no qual, num primeiromomento, decisões políticas

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pesaram mais do que imperativospropriamente econômicos. Se osresultados que hoje colhemos noMercosul são essencialmenteeconômico-comercia is, suagênese, vale reafirmar, é fruto deuma consciente e intrincada arqui-tetura política (Barbosa y César,1994:286).

Com a proposta da Iniciativa para as Améri-cas do governo Bush (1990) e a implantaçãodo Tratado de Livre Comércio da América doNorte (NAFTA), a reação brasileira a partir dogoverno Collor é a de acelerar e ampliar aintegração Brasil-Argentina, lançamento daproposta da Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA) em 1993, estabelecendocom os países sul-americanos e africanos aZona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul(Zopacas), numa estratégia de círculosconcêntricos a partir do Mercosul. Para tantoconcorrem o estabelecimento do MercadoComum entre os quatro países, com aliberalização completa do comércio intra-regional e a adoção da Tarifa ExternaComum. Para Vizentini uma integração deperfil desenvolvimentista foi transformadanum instrumento de política econômicaneoliberal (Vizentini, 2001a:13, 2001b:128),

No âmbito dessas mudanças programáticaspara o Mercosul, as macropolíticas passama incorporar a literatura econômica de baseporteriana na década de 90, notadamente aconcepção de vantagens competitivasatravés das teses da construção de ambien-tes competitivos. A noção de competitivi-dade sistêmica, a qual pode expressar queo desempenho da economia depende e étambém resultado de fatores situados forado âmbito das empresas e da estruturaindustrial da qual fazem parte, como aordenação macroeconômica, as infra-estruturas, o sistema político-institucional eas características socioeconômicas dosmercados nacionais (Coutinho y Ferraz,1995). Os programas federais que tem

visado a implantação e a ampliação dasinfra-estruturas econômicas ou sistêmicasno âmbito da economia voltada para oexterno acabam por produzir determinadosimpactos territoriais criando novos elos deintegração territorial.

O CONCEITO DO ESTADO DO RIOGRANDE DO SUL COMO TERRITÓRIODE INTERNACIONAUZAÇÃO SEGMENTADADO ESPAÇO NACIONAL

Considera-se o estado do Rio Grande do Sulcomo um território de internacionalizaçãosegmentada do espaço nacional, na tran-sição do desenvolvimentismo à competi-tividade internacional subordinada. Nesteterritório, as políticas do Estado Nacional(governo federal) direcionadas para a inte-gração competitiva -especialmente nonúcleo geoconômico do Mercosul-, imple-mentam formas reestruturantes no território,com maior incidência nas Regiões Metro-politana de Porto Alegre/Serra, como naszonas de fronteira (zonas ou faixas defronteira conforme a legislação brasileira}.Essa implementação vem se dando recen-temente, mais especificamente no âmbito dainfra-estrutura estratégica das redes detransportes e de energia, sob o projetode Reforma do Estado pela via do mercadoe das teses / macropolíticas da construçãode ambientes competitivos no Mercosul pelogoverno federal a partir, principalmente, doprograma Brasil em Ação (1996).

O conceito do estado do Rio Grande do Sulcomo território de internacionalização seg-mentada do espaço nacional está asso-ciado à concepção de que a integraçãocompetitiva acentua as desigualdades inter-regionais no espaço brasileiro (Fiori,1994:309; Hanashiro, 1996:A-3). Essa acen-tuação, por sua vez, associa-se à crise doEstado federal brasileiro e do pacto fe-derativo, como uma crise tendencial defragmentação da federação (Affonso,1994:321-322). Para Pacheco, a inserção

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O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de internalização segmentada do espaço nacional

do Brasil neste novo contexto torna-secrítica, por alimentar ainda mais as desi-gualdades regionais. Nos seus termos:

Não, talvez, da forma tradicionalcomo estas desigualdades se ma-terializaram no decorrer das últi-mas décadas, mas provavelmentecom aumento maior dos diferen-ciais intra-regionais, salientando aprofunda assimetria deste novoestilo de crescimento da economiamundial e alimentando, igual-mente, bolsões novos de pobrezaem áreas anteriormente próspe-ras. É a isto que me refiro comotendência de fragmentação daeconomia nacional, pela quebrados laços de solidariedade econô-mica que existiam entre as regiõesbrasileiras e que manifestavam umenorme potencial de crescimentonas fases de aceleração cíclica(Pacheco, 1998:263. Grifo doautor).

A crise econômico-financeira da entrada dosanos 80 transforma a antiga capacidadepactante do Estado Desenvolvimentista. Asdificuldades das negociações atinentes acada interesse particular e sua incompa-tibilização com os chamados interesses maisgerais definem a crise federativa, ou crise doEstado federal, agigantando-se os parti-cularismos e a fragmentação da sociedadebrasileira (Natal,1994:68-69). Afora os parti-cularismos, "evidencia-se que o antigoEstado Estruturante, essencial à organizaçãofederal de Estado, perde crescentementesua capacidade coordenadora e pactante,apontando por conseqüência para a agudi-zação do histórico problema federati-vo" (Ibid.:65-66).

A federação, a partir da década de 90, com ofim da Guerra Fria, passa a enfrentar ofenômeno da globalização, o qual vematingindo e afetando de maneira muito direta

as relações historicamente constituídas -namodernidade do capitalismo e dos Estadosterritoriais- entre o poder político, osterritórios, as economias e as identidadescoletivas (Fiori, 1995; Natal, 1994). ParaFiori, "não há dúvida de que o fenômeno daglobalização, de uma forma ou outra, aca-bará afetando, inevitavelmente, o funciona-mento dos Estados Nacionais e a viabilidadedos sistemas federativos" (Fiori, 1995:27-30).1

As redefinições territoriais, como a inte-gração econômica e política entre regiõeslimítrofes de estados vizinhos e, mais recen-temente, a integração econômica e políticaentre regiões de países do Mercosul, sãoexemplos de transformações que se inseremno quadro maior de fragmentaçõesregionais. Para Rodriguez (1995:436-437),os fenômenos recentes da política externabrasileira expõem o Centro-Sul rapidamenteà competição internacional e a mudanças nosentido da reconcentração econômica nestaregião. Nesse sentido, dever-se-ia, segundoRodriguez, adicionar ao paradoxo integraçãonacional/fragmentação regional/crise fede-rativa a integração supranacional, como maisum elemento fundamental da questão re-gional, ao menos no Centro-Sul do Brasil.

A tendência à desagregação política dafederação soma-se, portanto, a inserçãointernacional, com a mudança de significadodas fronteiras econômicas nacionais e aemergência de regiões de um país (oupaíses) que se articulam em diferentesescalas (principalmente o econômico) comoque á margem dos Estados Nacionais. Coma prolongada crise da economia brasileira,há evidências de que o impacto da dinâmicaeconômica das décadas de 80 e 90 temaumentado a importância relativa dos mer-cados externos em todas as regiões. Comisso, acentuam-se as desigualdades intra-regionais, as quais são reproduzidas entreas regiões e no interior de cada região. Apersistência da crise, aliada ao colapso do

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Aldomar A. Rückert

planejamento econômico nacional (em todosos níveis), tende a fortalecer as opções deintegração regional com o exterior, emdetrimento das articulações em nível nacio-nal (Affonso,1994:322).

O paradoxo integração nacional/fragmen-tação regional/crise federativa/integraçãosupranacional apresenta tanto o mercadonacional mais integrado, com uma nova geo-grafia econômica de um Brasil mais com-plexo, com um avanço democrático descen-tralizante/recentralizante, que tem conduzidoas unidades subnacionais a uma relativaautonomização política. O estado do RioGrande do Sul, por sua localização comoespaço fronteiriço ou espaço que tende àespacialidade do futuro é um caso para-digmático nesse cenário paradoxal. Nestaespacialidade elementos que, longe deserem considerados como externos, passama ser parte dela, sobretudo para a suagestão (Arroyo, 1995:507).

A partir das mudanças econômi-cas e políticas que favorecem atendência à globalização, comuma multiplicidade de fluxosestendidos de forma sustentadaalém das fronteiras nacionais,pode-se inferir uma ampliação doespaço diretamente afeto à pro-dução e à circulação, que modificaa escala da espacialidade dessesprocessos. São eles a expressãode uma nova configuração que, aoultrapassar os limites nacionais,exige reconsiderar a dinâmica dosagentes neles envolvidos, Estado,empresa e instituições que intera-gem a partir de lógicas diferen-ciadas, redefinindo as potenciali-dades e limitações das regiõessubnacionais (Ibid.: 506-507).

Assim, deve-se inserir o estado do RioGrande do Sul como uma unidade deanálise cujo território passa a adquirir

funções de território-elo do processo detransnacionalização dos espaços dosEstados Nacionais, numa nova escala deanálise, qual seja, a escala da transna-cionalização do território. Nessa nova es-cala de reflexão, cabe a análise das van-tagens comparativas e competitivas noBrasil e no mercado comum, em seus enla-ces meridionais e da função do territórionas estratégias adotadas pelo EstadoNacional e pelas empresas privadas naconstrução de um espaço geoeconômicotransnacional, o processo de transnacionali-zação do território.

A REDEFINIÇÃO DA FUNÇÃO DASFRONTEIRAS

A redefinição da função das zonas fron-teiriças remete, no plano conceituai aVallaux, para quem os limites mais inte-ressantes de todos são as fronteiras deacumulação, nas quais se acumulam ese intensificam todas as relações vitais deinterpenetração, de contato e de oposiçãoentre os elementos das sociedades políticas(no sentido de Estado).

Não é como linhas, mas comozonas, como convém considerar asfronteiras; o estudo desses limitesde oposição e de contato nosmostra suas relações estreitas comas zonas de diferenciação acen-tuada naquelas que temos re-conhecido o elemento capital dageografia política. As fronteiras nãosão outra coisa que transcriçãoconcreta sobre o mapa, dasoposições que se agrupam sobreas grandes zonas de contrastes ede diversidades, assim como doscontatos e das interpenetraçõesque produzem os movimentospolíticos acelerados (Vallaux,1914:406).

No processo das reestruturações territoriais

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O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de intemalização segmentada do espaço nacional

em curso, as fronteiras de acumulação nãose diferenciam, em sua essência de concep-ções como as de Valenciano (1996:185)para quem o modelo econômico de substi-tuição de importações privilegia apenas umponto focai exportador e importador geral, oporto, ao passo que as concepções geo-políticas clássicas têm grande influênciasobre o papel das fronteiras -defensivas ouprotetoras, discriminantes ou expansionis-tas- no período da estratégia protecionistadas economias e do crescimento paradentro. As redefinições do papel da fronteiracomo resultado da adoção de uma estratégiacomercial acentuam a sua importância e afunção facilitadora do transporte e do comér-cio. A fronteira passa a ter função permeávele articulante.

Retomando-se Raffestin (1993:153), falarde território "é fazer uma referênciaimplícita à noção de limite que, mesmo nãosendo traçado, como em geral ocorre,exprime a relação que um grupo mantémcom uma porção do espaço". Enquanto azona ou área de fronteira é "uma extensãogeográfica limitada e próxima ao limiteinternacional, (...) uma franja cuja superfícienão excede algumas dezenas dequilômetros a ambos os lados da fronteira",a região fronteiriça "abarca uma extensãomaior em relação às anteriores onde oprograma ou as ações conjuntas sedefinem geralmente para ser aplicadas ajurisdições políticas internas de cada país,como são os estados, as provínciasetc." (Valenciano, 1996:194). As políticasde desenvolvimento regional por parte doEstado podem ser voltadas tanto para aszonas ou áreas de fronteira, como paraas regiões fronteiriças num espaço maisamplo. Ambos são conceitos diferenciados.O estado do Rio Grande do Sul pode serconceituado, portanto, nos termos deValenciano, no seu todo, como estadode região fronteiriça,

Para Courlet (1996:11-22), o fenômeno da

globalização permite apreender o processode recomposição dos espaços em suasmúltiplas dimensões, espaços esses queparticipam da emergência de novas mo-dalidades de ação política, nas quais afronteira cumpre um papel importante.Conforme o autor, em Raffestin (Elémentspour une théorie de la frontiere, 1986), afronteira age à maneira de um comutador,que se acende ou se apaga, permite ouproíbe. A globalização, ao comportar umadimensão política, redefine o jogo daconcorrência entre os Estados. Essa redefi-nição produz novas integrações espaciaisque contornam as fronteiras nacionais. Aglobalização funciona como um pulverizadorde territórios antigos, assim como umacelerador de territórios novos. A fronteiratem um importante papel a cumprir nessejogo de recomposições.

A partir das mudanças das noções de fron-teira, como as fronteiras de contenção efronteiras-separação da geopolítica realistabrasileira e argentina as suas característicasatuais apontam para elas como áreas detransição, interface e/ou de comutadorasentre os países. Perdem-se os antigos sig-nificados nacionalistas e militaristas defronteira, verificando-se um tipo de atualiza-ção das velhas idéias ratzelianas defronteiras móveis ou flutuantes, ainda quenum marco no qual as áreas de fronteirasdeixam de ser zonas de tensão para seconverterem em zonas de contato earticulação.

As fronteiras -ou as regiões fronteiriças-passam, assim, a ser territórios de mudançamais imediata dos processos de integração eda reestruturação econômica, tanto pelapresença como pela ausência de atividadese projetos relacionados com os mesmosprocessos (Laurelli, 1997:178). Com isso,Ciccolella (1997:63) e Laurelli (1997:180)conceituam as áreas fronteiriças como decooperação, contato e articulação produtivae fronteira ativa.

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Com as novas condições na disputa dosterritórios pela inserção no cenário mundial(/b/d.: 182), os projetos de intervenção emobras públicas de infra-estrutura e a reloca-lização de atividades produtivas, tanto naszonas/áreas fronteiriças como nas regiõesmetropolitanas, por responderem ao novomodelo de acumulação, tendem a modificara conformação dos territórios em seu uso,ocupação e apropriação, de caráter mais oumenos imediato.

Um dos aspectos mais significativos nocenário geopolítico e geoeconômico emer-gente na década de 90 é a propostade Lafer (1994:26) de transformação dafronte ira-separação em fronteira-cooperação como diretriz da ação diplo-mática latino-americana. Essa concepçãode fronteira traz em si a redefinição do seupapel, anteriormente comentada com baseem Valenciano (1996:18), a função per-meável, articulante e facilitadora da fronteiraou a função comutadora (Raffestin apudCourlet, 1996:11-22).

As transformações da fronteira-separaçãoem fronteira-cooperação têm implicado emrecentes transformações no que tange àimplementação de infra-estrutura estratégicae indústrias na faixa de fronteira oeste Brasil-Argentina, principalmente, no estado do RioGrande do Sul. A legislação federal2 quedispõe sobre a faixa de fronteira veda -naforma como se encontra em vigor, no termosde 1979- salvo com o assentimento préviodo Conselho de Defesa Nacional, dentreoutros, a implementação de infra-estruturaestratégica -abertura de vias de transporte,construção de estradas internacionais, bemcomo estabelecimento ou exploração deindústrias que interessem á SegurançaNacional, bem como exige que pelo menos51% do capital das indústrias pertença abrasileiros.

No entanto, a partir do Protocolo n. 23Regional Fronteiriço (1988b),3 as articula-

ções de comutação na fronteira-cooperaçãopassam a dar-se sobretudo pela integraçãorodoviária, como a Rodovia do Mercosul e oCentro Unificado de Fronteira da PonteInternacional São Borja-Santo Tome; aintegração energética através dos gasodutosBolívia-Brasil e dos projetados Argentina-Brasil e o Cruz dei Sur (Uruguai-Brasil), aUnidade Termelétrica de Uruguaiana,que opera com gás argentino, e as EstaçõesConversoras de energia elétrica de Uru-guaiana, Garabi (no município de Garruchos)e Santana do Livramento-Rivera, além daintegração hidroviária Tietê-Paraná. A hi-drovia, embora localizada ao norte e no-roeste do Rio Grande do Sul, poderácontribuir como um novo eixo de transportesde mercadorias do estado para a Argentina.Na maioria dos empreendimentos, há in-vestimentos de capitais privados estran-geiros e as empresas são, em sua maiorparte, predominantemente empresas globais.A ampliação da fronteira viva, notadamentenas áreas meridionais, é um estímulo, porsua vez, à participação cres-cente dasautoridades estaduais e municipais nodiálogo com vizinhos reais (Reis, 1994:27).4

O Conselho de Segurança Nacional, a quealude a legislação de faixa de fronteiras de1979, é substituído pelo Conselho de DefesaNacional na Constituição de 1988, porém aLei de Faixa de Fronteiras continua em vigor.Conforme o diplomata Joel Sampaio (Divisãoda América Meridional I do Ministério dasRelações Exteriores) apesar da lei continuarem vigor, o espírito de sua interpretaçãomuda através de outros dispositivos, o que,de certa forma, torna letra morta alguns deseus termos.

O artigo 3o da Emenda Constitucional n. 6de 1995 revoga o artigo 171 daConstituição, que define, até então, oconceito de empresa brasileira de capitalnacional. Logo, pondera Sampaio, a própriaconstitucionalidade do artigo 2o da lei6.634/1979 passa a ser questionável. Pon-

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dera, ademais, o diplomata que os casos deinfra-estrutura estratégica supracitadosimplementados na fronteira oeste são objetode acordos internacionais específicos (comoo próprio Tratado de Integração, Coope-ração e Desenvolvimento, de 23 de agostode 1989) e seus protocolos adicionais, e osacordos para a construção da PonteInternacional São Borja-Santo Tome. Noentendimento de Sampaio:

Embora a legislação brasileira nãodefina o status hierárquico de tra-tados em relação às leis internas, oSupremo Tribunal Federal temmanifestado o entendimento deque acordos internacionais aprova-dos pelo Congresso Nacionalpossuem status de leis ordinárias.Neste caso, aplicam-se as regrasgerais de interpretação: lei pos-terior derroga a anterior e lei espe-cial derroga a lei geral (Sampaio,15 set. 2000, entrevista).

Evidencia-se, portanto que a redefinição dafunção das fronteiras no Brasil Meridionalimplica, primeiramente em considerar oestado do Rio do Grande do Sul comolocalizado em região de fronteira, o quecoloca em evidencia seu território no quetange à sua função de território-elo. Tradi-cional território de disputas entre as cortesportuguesa e espanhola, o território sulinocompõe hoje o núcleo geoeconômico doMercosul, uma região diferenciada no con-junto dos países membros.

O RIO GRANDE DO SUL E O NÚCLEOGEOECONÔMICO DO MERCOSUL

O projeto de construção do Mercosul comonovo espaço geoeconômico com base namodernização tecnológica e como dimensãoinovadora da parceria operacional (Lafer,1994:43), passa a compor, portanto, o novocenário geoeconômico e geopolítico naAmérica do Sul. "O projeto integracionista do

Mercosul muda não só a geografia eco-nômica da América Latina, como a própriageopolítica da região" (Almeida, 1993:93).

A fronteira de cooperação, porsua vez, solidifica seus alicercesna região platina, onde os vínculosbrasileiros não só se beneficiamtradicionalmente da infra-estruturaestabelecida em termos de rodo-vias, pontes e hidrelétricas, mastambém adquirem dimensão ino-vadora com os programas deintegração econômica. OMercosulé, nesse sentido, o maior exemploda fronteira-cooperação, fronteiraque perde gradativamente o seusignificado primordial como ele-mento divisório de soberaniaspara incorporar as vantagens eco-nômicas e sociais do mercadoampliada (Lafer, 1994:26).

As vantagens locacionais do estado, porsua localização estratégica frente aodesenvolvimento dos mercados regionaissupranacionais, já compõem o entendi-mento do Executivo rio-grandense em 1989como sendo um dos fatores para amodernização da economia do estado e desua inserção no processo de integração(Rio Grande do Sul,1989:19). Unidadepolítico-administrativa da federação outerritório conceituado na escala intra-nacional, conforme referenciado, o RioGrande do Sul, território de internaciona-lização segmentada do espaço nacional,é tomado como um elo componenteda Merco Região Pan-Hispânica ou doGeomercado, ou, ainda, como partedo núcleo geoeconômico do Mercosul.5

Regiões e metrópoles equipadas com infra-estrutura e produção competitiva passam acompor esse novo cenário supranacional.Além disso, emergem as inter-relaçõesentre regiões que se estruturaram duranteo período de integração do mercado na-cional e, agora, passam a se estruturar em

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função do mercado externo.

De Cerdan (27 out./2 nov.1997) apontapara o desenho de uma nova estruturaterritorial no contexto da integração compe-titiva de mercados no núcleo geoeconômicodo Mercosul:

Sobre esse cenário (distribuiçãoregional desequilibrada da acumu-lação econômica e da concen-tração populacional nos países doMercosul), as novas correntes deglobalização e de integração estãodesenhando uma nova estruturaterritorial diferente, apoiada nasregiões e metrópoles melhor pre-paradas para assimilar mudanças ecompetir em nível internacional.Essa situação desencadeia umaforte competitividade inter-regional,que por sua vez gera novos tiposde desequilíbrios: deixa excluídasas regiões mais fracas e vulne-ráveis, aumentando sensivelmenteo processo de concentração e apolarização sobre os espaçosmelhor posicionados com relaçãoà dinâmica do novo modelo e bemdotados de equipamento e infra-estrutura para a produção (grifonosso).

Para a autora, o processo de reestruturaçãoterritorial dá origem a três tipos de regiõesconsideradas beneficiadas pela integração:a) regiões emergentes ou áreas ligadas aosnovos corredores bioceânicos ou eixos dearticulação comercial; b) regiões de frontei-ra,6 pouco industrializadas, mas orientadas àexportação, e c) regiões urbanas, com ummaior desenvolvimento relativo quanto àconcentração produtiva e ao capital demo-gráfico (áreas metropolitanas).

As relações inter-regionais passam a ocorrerem múltiplas escalas, compondo-se de fortearticulação entre regiões de diferentes

países. Nesse quadro (Lahorgue, 1997:44-54), há regiões que só poderão aspirar apapéis nacionais ou, mesmo, locais. Mais de80% das exportações brasileiras têm origemna região Centro-Sul. Os efeitos tenderão aser prejudiciais sobre as economiasagrícolas (grãos, frutas e leite e seus deri-vados de Minas Gerais, Paraná, SantaCatarina e Rio Grande do Sul). Tenden-cialmente, passa a ocorrer um reforço dasáreas dominantes, os pólos industriais doCentro-Sul.

Em que que pese os aspectos críticos doreforço à concentração de investimentosprodutivos e em infra-estrutura nas regiões jámais desenvolvidas do país e da crise doMercosul a partir de 1999 -fuga de capitaisque atingiu o Brasil, desvalorização cambiale desequilíbrio acentuado das transaçõescorrentes- e a mais grave recessão dahistória da Argentina coloca indagaçõessobre os cenários futuros das reestru-turações em curso. No entanto, as basespolíticas e das relações de cooperação naconstrução do projeto Mercosul -em tese-apesar dos abalos sofridos, permaneceriaminalteradas em suas grandes unhas.

No sentido da aposta política no futuro doMercosul, aponta Costa que tudo indica quea essência da estratégia comum Brasil-Argentina e de seus parceiros do Mercosulsegue inalterada, isto é, procurar fortaleceresse enlace meridional e construir a suaplataforma própria como condição parafuturas articulações em outra escala (Costa,2000:17, grifo nosso). O exemplo da Cúpulade Brasília (31 de agosto de 2000) explicitaas propostas que buscam salvar o Mercosul,ampliando-o para o conjunto do espaço sul-americano (Vizentini, 2001b:139). Deve-seadicionar a isto a conjuntura eleitoral bra-sileira. As teses da reconstrução doMercosul, do apoio à Argentina e da amplia-ção das relações estratégicas na América doSul -como o recente Acordo de Comple-mentação Econômica entre o Brasil e o

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Pacto Andino- passam a ter espaço signi-ficativo na agenda do novo governo bra-sileiro a partir de janeiro de 2003.

Quanto à Argentina, o processo de inte-gração com o Brasil/Mercosul vinha sendo oprincipal veículo de reestruturação produtiva,social e territorial, ainda que tendo comocontexto e condições prévias a estabilidademonetária -o que fica agora comprometidocom o colapso do seu modelo econômico- odesmantelamento do aparato produtivo e deserviços do Estado (desestatizações) e odirecionamento geral da economia para fora.O processo de transformação acelerada(globalização-modernização via integração)não é homogêneo, mas

estaria produzindo uma nova frag-mentação sócio-territorial, ondeaparecem regiões, setores sociaise setores produtivos que se moder-nizam, que se incorporam aosistema mundializado de relaçõeseconômicas e culturais, que emtermos reais se integram comeconomias vizinhas; e regiões,setores sociais e produtivos queficam excluídos deste processo(Ciccolella, 1997:60).

Nesse cenário de integração competitiva ede fragmentações regionais, a tendênciaé de que se processe uma reconcentraçãoterritorial da riqueza nas regiões maisdesenvolvidas, no triângulo Belo Horizonte/Rio de Janeiro, São Paulo/Porto Alegre,fenômeno investigado por Diniz. Além disso,as mudanças ideológicas e políticas quantoao papel do Estado, à abertura externa daeconomia -em especial o Mercosul- e aoprocesso de democratização reforçam apossibilidade de reaglomeração na regiãoCentro-Sul do país (Diniz, 1994:237-265;1995:417-429).

Diniz (Ibid.:261-262) vê obstáculos para quea desconcentração industrial continue se

processando no país, citando razões comoas mudanças tecnológicas e estruturais emcurso, que parecem frear o processo dedesconcen t ração mac roespac ia l ,reconcentrando as atividades modernas nasáreas mais desenvolvidas do país. A criaçãodo Mercosul, na visão do autor, reforçará aeconomia do Centro-Sul do Brasil, que é amais desenvolvida e está fisicamente maispróxima aos países integrantes dessemercado, dentre outras razões. Com relaçãoa esse motivo, Diniz entende que,

partindo do pressuposto de que osquatro países formadores doMercosul ampliarão seus laçoscomerciais e de investimento econsiderando a posição geográficados três parceiros do Brasil, aintegração trará maiores benefíciospara os estados do Centro-Sul.Além dos efeitos do comércio pro-priamente dito, a integração temaberto oportunidades de investi-mentos cruzados e associaçõesentre os países e seus investi-dores. Em geral, as novas em-presas, no território brasileiro,localizam-se nos estados de SãoPaulo, Paraná, Santa Catarina eRio Grande do Sul, reforçando ocrescimento industrial e a inte-gração produtiva internacional(Diniz, 1995:424-425).

Nesse núcleo reconcentrador da riquezanacional -o núcleo geoeconômico doMercosul-, o sul do Brasil tem sido, dentreas grandes regiões, conforme Bandeira(1995:225-251).

a que apresenta maior abertura para omercado internacional. O autor, analisandoas desigualdades econômicas intra-regionaise a distribuição espacial do crescimentoindustrial da região Sul do Brasil, bem comoa abertura para o exterior no Rio Grande doSul, verifica, ao longo das últimas décadas,

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uma desconcentração concentrada docrescimento industrial, análoga à verificadano conjunto do país. A região nordeste doRio Grande do Sul, que inclui Porto Alegre eseu entorno, aumenta sua participação nototal estadual de 55,06% em 1959 para maisde 72% do PIB em 1988. O crescimento doparque manufatureiro concentra-se, portanto,em locais próximos da capital, especialmenteem municípios situados na própria RegiãoMetropolitana ou ao longo do eixo PortoAlegre-Caxias do Sul.

A essa redefinição reconcentradora dadinâmica macrorregional brasileira nocenário da integração competitiva, Araújo(1997:1070-1099) ressalta que a aberturacomercial pode promover desconcentraçãoespacial, porém favorecendo focos expor-tadores. A autora critica a concentração deinvestimentos, tanto privados como públicos,nas áreas já mais dinâmicas e competitivasdo país, como é o caso do Sudeste e do Sul,em detrimento do Norte e Nordeste.

Bacelar de Araújo, ao examinar as novastendências de comportamento da economiabrasileira e seu rebatimento na dinâmicaespacial das atividades econômicas, tam-bém trabalha com a hipótese da frag-mentação espacial do país em tempos deinserção competitiva (e passiva) nosmercados em globalização.

Nesse novo contexto, forças novasatuam no sentido de induzir àdesconcentração espacial:abertura comercial podendo favo-recer "focos exportadores", mu-danças tecnológicas que reduzemcustos de investimento, crescentepapel da logística nas decisões delocalização dos estabelecimentos,importância da proximidade docliente final para diversas ativi-dades, ação de Governos locaisoferecendo incentivos, entreoutros. Enquanto isso, outras

forças atuam no sentido da con-centração de investimentos nasáreas já mais dinâmicas e compe-titivas do país. Atuam neste sen-tido, em especial, os novos requi-sitos locacionais da acumulaçãoflexível, como: melhor oferta derecursos humanos qualificados,maior proximidade com centros deprodução de conhecimento e tec-nologia, maior e mais eficientedotação de infra-estrutura econô-mica, proximidade com os merca-dos consumidores de mais altarenda (Ibid.:1072, grifos nossos).

Ao se considerar o estado do Rio Grande doSul, portanto, como um território de interna-cionalização segmentada do espaço na-cional, evidencia-se que a literatura aponta,basicamente, que se está diante de umcenário no qual a localização do estado nãose referencia mais unicamente em relação àfederação brasileira e ao mercado nacional,mas a um novo processo de transna-cionalização do território. A unidade político-administrativa brasileira no conjunto doSudeste e Sul do país localiza-se na inter-seção dos fluxos políticos e econômicosinternos e externos, fluxos esses querebatem em sua gestão territorial.

À localização do estado em região fron-teiriça, pode-se adicionar o sentido advindodo processo de globalização do território,que contém uma zona de fronteira comu-tadora, bem como o de compor um processode aceleração de territórios novos, ao passoque se pulverizam territórios antigos. Nessesentido, o estado do Rio Grande do Sul podeser conceituado como território de regiãofronteiriça que se transforma em territóho-eiode articulação internacional.

A localização do Rio Grande do Sul nonúcleo geoeconômico do Mercosul lheatribui, no âmbito das vantagens com-parativas e competitivas, uma função na

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O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de internalizaçâo segmentada do espaço nacional

construção da nova estrutura territorial a quese refere De Cerdán (1997). Como território-elo componente dessa nova estruturaterritorial em processo de construção, suaeconomia tanto pode sofrer efeitos pre-judiciais -como sua economia agrícola-como pode reforçar seu papel de vértice dopolígono de reconcentração industrial, comoapontado por Diniz (1994).

No sentido apontado pelo autor acima co-mentado no estado do Rio Grande do Sul(componente do núcleo (re)concentrador dariqueza nacional) coincidem a) os processosde desconcentração espacial e o possívelfavorecimento de regiões economicamentedeprimidas, como a fronteira noroeste coma Argentina -o noroeste minifundiáriosojicultor—, b) as forças de concentraçãoque atuam no sentido de reconcentração deinvestimentos no eixo Porto Alegre-Caxiasdo Sul.

No período recente, tem sido favorecida arealização de grandes obras de infra-estrutura, em especial a construção de estra-das, de pontes internacionais, a inter-conexão de sistemas elétricos e de co-municações, bem como o aproveitamento derecursos naturais compartilhados (Oliveiray Barcellos, 1998:235). As autoras, co-mentando Schweitzer (1996), ressaltam queesses projetos, notadamente os de trans-porte, mas também os de energia, searticulam em estratégias ou megaprojetosmais globais, que freqüentemente fazemparte de um movimento em nível mundial emdireção à globalização e ao aumento dacompetição entre os três blocos hege-mônicos, visando ao controle de mercados eterritórios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura aponta que o reforço do pro-cesso de reestruturação territorial, promovidopela integração competitiva em curso numaescala supranacional, favorece os focos

exportadores, como as regiões emergentesno entorno de corredores bioceânicos, defronteira e as áreas metropolitanas. Comuma emergente articulação entre regiões dediferentes países, está-se produzindo, assim,novas fragmentações territoriais, com re-giões que se beneficiam e outras que sãoexcluídas pela integração competitiva. Nessesentido, são unânimes as posições dosautores examinados quanto à concepção deque estamos frente a um processo tantode internacionalização segmentada doterritório, como de reconcentração dasatividades industriais nas regiões já maiscompetitivas e de fragmentação espacial dopaís frente aos projetos conduzidos pelaintegração competitiva.

O exame do processo de reestruturaçãoterritorial do estado do Rio Grande do Sul,tomado na perspectiva contemporânea deterritório de região fronteiriça, elo com-ponente de articulação e internacionalizaçãosegmentada do território, implica na análisedas interfaces relativas aos cenários daglobalização. Nesse contexto, no qual partesda sociedade nacional e seus territórios -nocaso o estado do Rio Grande do Sul- são,por um lado, inseridos no processo global/regional por forças exógenas à nação,movem-se atores públicos e privados, vin-culados à proposta de construção deparcerias operacionais público-privado, para,segundo suas teses, implementar projetosconsentâneos às demandas desse cenáriocontemporâneo.

A política externa brasileira baseada naconcepção liberal da cooperação comercial,ao projetar as relações internacionais noprojeto da construção do futuro mercadocomum, tem em uma de suas contrafacesdiretrizes e ações do Executivo federalnos governos Fernando Henrique Cardoso(1995-2002), como, por exemplo, o Progra-ma Nacional de Desestatização, a LeiFederal de Concessões, como alguns dospilares de reforma do Estado pela via do

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mercado. A construção das relações interna-cionais relacionada à territorialização deinvestimentos no Brasil meridional estáancorada tanto em fundos fiscais, na reto-mada de empréstimos internacionais com aestabilização monetária, como, e principal-mente, em investimentos externos diretos(IEDs) em serviços públicos de infra-estrutura, pós-1995. A via de reforma doEstado em sua relação com o mercado é umdos eixos fundantes para a implementaçãoda infra-estrutura estratégica no núcleogeoeconômico do Mercosul -e, por conse-qüência, no Rio Grande do Sul. A era dosnovos governos no Brasil e na Argentina apartir de 2003 colocará novas questões àobservação, à medida em que a construçãode parcerias sul-americanas deverá prosse-guir como uma linha estratégica de açõesconjuntas. Às novas macropolíticas de in-tegração deverão seguir-se esperadas im-plantações de infra-estruturas territoriais-ainda que num cenário global de incertezasglobais e sul-americanas- o que deverá,tendenciaimente, aprofundar, a função deterritório elo do estado do Rio Grande do Sul.

NOTAS:

1 Mendes (1997:197) examina a questão dasimplicações regionais no Brasil com relação aoMercosul. Para o autor, os ganhos advindos doprocesso de integração não se transmitem comfluidez no espaço territorial dos países envolvidos.Os dados do montante das exportações em 1994apontam a concentração de 75,80 % do valor noCentro-Sul do Brasil (São Paulo e estados doSul); incluindo-se Minas Gerais e Rio de Janeiro,os dados de 1994 apontam 90,8%. Enquanto noNordeste, os núcleos exportadores estão con-centrados em pontos e projetos específicos (comoo Complexo Petroquímico de Camaçari; ocomplexo mínero-metalúrgico do projeto Alumar,o projeto Carajás e alguns poucos pólos agro-pecuários), no Centro-Sul a produção de setoresde metal mecânica concentra-se em regiõesdensamente articuladas entre si, como a regiãocentral de Minas Gerais e a do Triângulo Mineiro;a Região Metropolitana de São Paulo alargada aolongo do eixo Campinas - Ribeirão Preto; os

eixos Região Metropolitana de Porto Alegre aCaxias do Sul; Blumenau - Joinville e a RegiãoMetropolitana de Curitiba. Dados publicados peloGeipot (1998b:13) apontam que, em 1995, o fluxode exportações/importações concentra-se em89,5% e 87,90%, respectivamente, no sudeste esul do país. O restante dos fluxos dividem-se,pelas regiões norte, nordeste e centro-oeste.

2 A lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979, que dispõesobre a faixa de fronteira, considera áreaindispensável à Segurança Nacional a faixainterna de 150 km de largura, paralela à linhadivisória terrestre do território nacional. Salvo como assentimento prévio do Conselho de SegurançaNacional (atual Conselho de Defesa Nacional), oartigo segundo veda, na faixa de fronteira,a prática de atos referentes, dentre outros, aconstrução de pontes, estradas internacionais ecampos de pouso . O artigo terceiro afirma que,na faixa de fronteira, as empresas que sededicarem às indústrias ou atividades demineração deverão, obrigatoriamente, satisfazeràs seguintes condições: I - pelo menos 51% docapital pertencer a brasileiros; II - pelo menos 2/3de trabalhadores serem brasileiros; e III - caber aadministração ou gerência a maioria de bra-sileiros, assegurados a estes os poderes pre-dominantes.

3 Neste sentido, o Protocolo 23 Regional Fron-teiriço firmado em 29 de novembro de 1988 temcomo objetivo "que os vínculos permanentesde amizade e cooperação evoluam a uma in-tegração que consolide a vontade de crescerjuntos." (Brasil / Argentina, Protocolo n. 23Regional Fronteiriço).

4 Nesse sentido, Koch (dez 1996:308-309) apontaque as condições e vantagens competitivas,tendentes a favorecer a localização de atividadesvinculadas aos novos circuitos produtivos -nomarco do novo papel que parecem destinadas acumprir as regiões sul-americanas na divisãointernacional do trabalho—, deverão gerar maioresdesigualdades territoriais, aumentanto também ascompetências e a importância estratégica dospoderes locais. Todavia essa instância, conformea autora, encontra limites na ação de outrosagentes, como as empresas transnacionais,outros atores extralocais, os estados provinciais eos próprios Estados nacionais, que deverão agirno território a partir de ações mais ou menos

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O estado do Rio Grande do Sul-Brasil como um território de intemalizaçâo segmentada do espaço nacional

centralizadas. "Por todas essas questões, tornam-se necessárias ações planejadas, principalmenteno âmbito da gestão local, para que eventuaisefeitos negativos não atinjam as populações epara que os resultados positivos que daí advierempossam se estender a outras áreas vizinhas."

5 O núcleo geoeconõmico do Mercosul é a RegiãoPlatina. A Bacia do Prata - vertebrada pelos riosParaná, Paraguai e Uruguai - abrange o Centro-Sul do Brasil, o Pampa Argentino, o Uruguai ea porção oriental do Paraguai. Nessa áreaencontram-se as principais metrópoles (BeloHorizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba ePorto Alegre no Brasil, Montevidéu, no Uruguai;Rosário, Buenos Aires, Córdoba, Neuquén eMendoza na Argentina; Santiago, Valparaísoe Viria del Mar, no Chile) e zonas industriais dospaíses-membros, além das grandes con-centrações demográficas. O núcleo geoec-onõmico, denominado por De Cerdán como oEldorado, é uma área de atividade muitodinâmica, com 90% da produção, 75% doconsumo do Mercosul, mais de 60% da po-pulação total do bloco, com um PIB per capitasuperior à média de cada país (Magnoli y Araújo,1995:35; De Cerdán, 27 out/2 nov. 1997).

6 O conceito de região de fronteira adotado porDe Cerdán (1997) confunde-se com o conceito dezona ou área de fronteira de Valenciano (1996),acima explicitado. No entanto, pela caracterizaçãoatribuída por De Cerdán à região de fronteira,evidencia-se que a autora está se referindo àszonas ou áreas de fronteiras conceituadas porValenciano.

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