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REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA CAPITALISTA E A SAÚDE MENTAL:Desemprego, pobreza e trabalho informal como terrenos férteis no surgimento dos Transtornos Mentais Comuns TMC O presente trabalho busca identificar mazelas provenientes da organização capitalista, em especial no contexto da reestruturação produtiva, como aumento da pobreza, do desemprego, do subemprego e do trabalho informal, e as conseqüências destas nas determinações de casos de Transtornos Mentais Comuns (TMC). Este tem como base das reflexões desenvolvidas na experiência de estágio curricular obrigatório pela UFF, no Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Bom Jesus do Itabapoana/RJ, no período de um ano, sendo segundo semestre de 2007 e primeiro semestre de 2008.
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
ROBERTO COELHO DO CARMO
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA CAPITALISTA E A SAÚDE MENTAL: Desemprego, pobreza e trabalho informal como terrenos férteis no surgimento dos
Transtornos Mentais Comuns TMC.
BOM JESUS DO ITABAPOANA 2009
ROBERTO COELHO DO CARMO
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA CAPITALISTA E A SAÚDE MENTAL: Desemprego, pobreza e trabalho informal como terrenos férteis no surgimento dos
Transtornos Mentais Comuns TMC. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Serviço Social de Campos em Bom Jesus do Itabapoana, da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª Ms. Isabel Cristina Chaves Lopes.
Bom Jesus do Itabapoana 2009
ROBERTO COELHO DO CARMO
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA CAPITALISTA E A SAÚDE MENTAL: Desemprego, pobreza e trabalho informal como terrenos férteis no surgimento dos
Transtornos Mentais Comuns TMC.
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Serviço Social de Campos em Bom Jesus do Itabapoana, da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.
Aprovado em Julho de 2009.
BANCA EXAMINADORA
Profª Ms. Isabel Cristina Chaves Lopes – Orientadora
Universidade Federal Fluminense – UFF
Prof. Ms.Ricardo Cesar Rocha da Costa Instituto Federal do Rio de Janeiro – IFRJ
Prof. Ms. Celso Acacio Galaxe de Almeida Instituto Federal Fluminense – IFF
Bom Jesus do Itabapoana 2009
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os trabalhadores e trabalhadoras,
que sofreram e sofrem por serem afastados da condição humana
por não lhe serem permitido reconhecimento de si em suas
atividades laborais. A meu irmão que, no exercício de seu
trabalho procura proporcionar à classe trabalhadora acesso à
riqueza que ela produziu coletivamente. À minha mãe, que com
toda a dificuldade que passou jamais permitiu que eu, uma
criança, sentisse o momento ruim; e manteve viva em mim a
inocente felicidade pueril. E uma homenagem póstuma a meu
pai que deixou em vida um legado de grande homem, de pai e
marido amoroso, que será eterno em minha memória.
AGRADECIMENTOS
A todos que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho, gostaria
de dizer muito obrigado, do fundo do meu coração.
Aos mestres que, no exercício de seu trabalho, contribuíram na formação do
profissional que me tornei hoje. Em especial ao Professor Nelson Crespo e à professora
Isabela Sarmet, que me ajudaram com carinho e atenção que só poderiam ser oferecidos por
quem tem uma relação íntima com o seu trabalho.
Aos meus pais, Wanderlei e Irinéa, que além do esforço que fizeram para que eu
chegasse a esse momento, me ensinaram a tratar com humanidade a toda pessoa humana.
Hoje não tenho palavras para descrever minha gratidão por tudo que fizeram, talvez quando
eu for pai as tenha. Vocês são eternos em minha memória.
A meu irmão e grande amigo, que permitiu que eu dividisse com ele todas as minhas
dificuldades na ausência de nosso pai. Gostaria de dizer-lhe que tenho muito orgulho ser seu
irmão, pelo grande homem que você se tornou.
A Polyana, trabalhadora que, ao meu lado, luta para edificar um lar. A esta grande
profissional que me ensinou a amar a profissão e me ofereceu grande ajuda na construção
deste trabalho. Grande companheira que permite que eu encontre alento em seus braços nos
momentos mais difíceis.
A Assistente Social Jussara Miranda, Assistente Social de Apoio durante meu período
de estagio. E que apoio! Muito obrigado.
Aos amigos, familiares e colegas de turma, por compartilharem os momentos de
alegria e de dificuldades.
Em especial agradecimento a minha orientadora Isabel Cristina Lopes, por ter
participado desta trajetória, incentivando-me, apoiando-me e, principalmente, orientando-me
com clareza para o enriquecendo do conteúdo deste trabalho.
Agradeço aos professores participantes da banca examinadora que dividiram comigo
este momento tão importante e esperado: Professor Ricardo Cesar Rocha da Costa e Professor
Celso Acacio Galaxe de Almeida.
Além disto, gostaria de registrar o meu mais profundo agradecimento aos
trabalhadores e trabalhadoras que proporcionaram esta conquista: aos motoristas, serventes,
funcionários da cantina, professores, secretários (as) – em especial a Margareth – assistentes
sociais, enfim, a todos os profissionais que de alguma maneira tem responsabilidade por este
momento estar acontecendo.
À Universidade Federal Fluminense, gostaria de dizer que me considero uma pessoa
extremamente privilegiada por ter sido aluno desta Universidade.
Aos meus queridos colegas de turma pela amizade, carinho, presença e ajuda neste
trabalho e em tantos outros. E por dividirem comigo conhecimentos, dúvidas, alegrias,
ansiedades e vitórias durante estes quatro anos e meio de curso.
João Nasceu, um menino iluminado,talvez no país errado,
com um futuro promissor de vendedor de balas em trem.
Cresceu, e antes das primeiras letras já madrugava nas feiras, única maneira além do crime de tentar sobreviver.
Venceu, e não aceitava fácil que o preço de seu cansaço não lhe garantisse pelo menos a sua dignidade pra viver.
E levava pelos becos palavras de luta, e desafiava, falava nas ruas
era a voz dos que tem voz, e há muito tempo se calaram sem coragem pra dizer
Chama João manda dispersar, que os homens da lei vêm aí (Atenção todas as viaturas elemento suspeito fortemente armado com palavras de alto calibre
que podem abalar seriamente as atuais estruturas sociais)
Morreu, mais uma injustiça pra se lamentar. Nada que não aconteça o tempo todo, todo dia por aqui
Uma bala perdida com endereço certo pode ser o fim de um homem que não aceita quieto:
dominação, exploração, impunidade, abuso de poder. E não ficava calado vendo injustiça nem pra deputado e nem vai ter polícia que apague as
idéias, porque as idéias são sementes que não param de crescer. (Marcello Mira)
RESUMO EM VERNÁCULO
O presente trabalho busca identificar mazelas provenientes da organização capitalista, em especial no contexto da reestruturação produtiva, como aumento da pobreza, do desemprego, do subemprego e do trabalho informal, e as conseqüências destas nas determinações de casos de Transtornos Mentais Comuns (TMC). Este tem como base das reflexões desenvolvidas na experiência de estágio curricular obrigatório pela UFF, no Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Bom Jesus do Itabapoana/RJ, no período de um ano, sendo segundo semestre de 2007 e primeiro semestre de 2008. Palavras-chave: Reestruturação produtiva capitalista. Pobreza. Trabalho informal. Desemprego. Saúde Mental.
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................................................ 08 LISTA DE ILUSTRAÇÕES ......................................................................................... 10 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11 1. A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O FENÔMENO
DE INTENSIFICAÇÃO DA POBREZA NO BRASIL E NO MUNDO ............ 13 2. TRABALHO INFORMAL E SAÚDE MENTAL ................................................ 34
2.1- BEM VINDO AO SETOR INFORMAL, UMA ABORDAGEM CONCEITUAL .................................................................................................... 34
2.2- ATIVIDADE LABORAL E O TRANSTORNO MENTAL .............................. 40 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 50 OBRAS CITADAS ........................................................................................................ 52 ANEXO ........................................................................................................................... 56
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 Distribuição acumulada da renda domiciliar per capita e linhas
de pobreza Brasil – 2003 ............................................................................... 28 Gráfico 2 Evolução do Salário Mínimo Real e do PIB per capita no Brasil
– 1940/2004 ................................................................................................. 31 Tabela 1 Salário mínimo real: Médias anuais selecionadas em R$ ............................. 32 Gráfico 3 Situação conjugal dos usuários do PSM em 2007 de Bom Jesus
do Itabapoana ................................................................................................. 43 Gráfico 4 Número de filhos dos usuários do PSM em 2007 de Bom Jesus
do Itabapoana ................................................................................................. 43 Gráfico 5 Escolaridade dos usuários do PSM em 2007 de Bom Jesus
do Itabapoana ................................................................................................. 44 Gráfico 6 Ocupação dos usuários do PSM em 2007 de Bom Jesus
do Itabapoana ................................................................................................. 45
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo analisar as condições de pobreza, originadas por
processos de precarização do trabalho e suas repercussões na saúde mental do trabalhador
inserido no setor informal. Nossa intenção com esta pesquisa, é também tentar gerar
contribuições para o trabalho dos profissionais que atuam na área da saúde, no sentido de
terem oportunidade de acessar mais algumas reflexões acerca da complexidade que envolva a
denominada saúde mental. Nosso intuito é que consigam compreender mais claramente as
relações entre trabalho precário e saúde mental, de maneira a estimularem-se a um maior
compromisso com a “classe que vive do trabalho”.
Buscamos uma reflexão acerca da economia política para o entendimento do papel da
informalidade no cenário atual buscando entender no contexto social as possíveis causas de
TMC e apresentar algumas reflexões sobre como a classe trabalhadora e profissionais que
sejam comprometidos com esta classe podem enfrentar essa realidade. Acreditamos que
leituras acerca das particularidades do universo do trabalho informal, do desemprego e do
subemprego tem poder de contribuir com o aprimoramento da política pública de saúde, no
sentido de melhor sensibilizar-se e equipar-se para atender o trabalhador nesta situação de
vulnerabilidade.
Com tal intento utilizamos mais destacadamente as categorias reestruturação produtiva
capitalista, pobreza, trabalho informal, desemprego e saúde mental. Para dar tratamento
teórico ao tema, buscamos referencias em autores como Maria Beatriz Costa Abramides
(2003), Ricardo Antunes (1997), Paulo Nogueira Batista Jr. (1998), Harry Braverman (1987),
Luis Filgueiras (1997), Lúcia Freire (2006), José Paulo Netto (2007), Ana Elisabeth Mota
(1995), Kjeld Jakobsen (2000) entre outros.
12
No que tange a observância da temática da saúde do trabalhador e saúde mental,
utilizamo-nos basicamente de Maria Liana Gesteira Fonseca (2008), Ana Bernarda Ludermir
(2005), Denise Martin (2007), Edith Seligmann Silva (1986), Lúcia Freire (2006).
A eleição do tema se deu a partir da experiência de estágio no Programa de Saúde
Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, cujas experiências
vividas por nós recebiam tratamento diferenciado a partir de observações realizadas em aula
na disciplina Processos de Trabalho do curso de Serviço Social da Universidade Federal
Fluminense.
A estrutura desse trabalho é dividida em dois momentos. No capitulo I fazemos uma
retomada dos processos de trabalho na sociedade capitalista, culminando na reestruturação
produtiva dos anos de 1980. A partir daí, realizamos a discussão acerca da pobreza, que vem
sendo acintosamente elevada em todo o mundo após o declínio do welfare state, constituído
nos marcos do capitalismo da era fordista. Neste capítulo, ainda fazemos a discussão acerca
da globalização e dos ajustes econômicos propostos pelas políticas neoliberais. Continuamos
o desenvolvimento das análises dirigidas para as temáticas do desemprego e da informalidade,
cuja ampliação é considerada como uma das conseqüências deste processo de reestruturação
produtiva.
No capítulo II, damos tratamento específico à questão da informalidade e a apresentamos
como estratégia das empresas capitalistas de potencialização de seus lucros. Logo em seguida,
relacionamos as conseqüências da situação de informalidade e desemprego com a saúde
mental através do acometimento de Transtorno Mental Comum (TMC) a estes trabalhadores
1. A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O FENÔMENO DE INTENSIFICAÇÃO DA
POBREZA NO BRASIL E NO MUNDO
Com o estudo da dinâmica capitalista a partir de Marx pode-se observar com clareza o
caráter cíclico das crises econômicas e por conseqüência as estratégias encontradas pelo capital
para driblar estas crises e garantir o seu status quo. Dentre as estratégias do capital contra sua
queda tendêncial da taxa de lucro1 estão o aumento do capital constante2 (com a alteração do
padrão tecnológico), a depreciação do capital variável3
Toda crise no mercado mundial capitalista é a expressão de desequilíbrios na esfera da
produção/circulação de mercadorias e “ocasiona esforços por parte do capital a fim de superar
tais contradições, reestruturando tanto a produção quanto os mercados” (MANDEL
e o aumento da produção de mais-valia.
Nestas duas últimas existe uma grande perda por parte dos trabalhadores e também por eles
diferentes formas de reação.
4
1 Para Neto (2007), o modo de produção capitalista está submetido à uma lei geral (do valor) a qual o capitalista se submete. Assim “na medida em que cada capitalista procura maximizar seus lucros, a taxa de lucro tende a cair. A concorrência obriga o capitalista a tomar uma decisão [...] que lhe é individualmente vantajosa, mas que, ao cabo de algum tempo imitada pelos outros, tem como resultado uma queda da taxa de lucro para todos os capitalistas” (NETO, 2007, p. 153). 2 “[...] no curso do processo de produção, o valor dos meios de produção não se altera (o que perdem no desgaste reaparece na mercadoria produzida); por isso, a parte do capital que é investida neles constitui o capital constante” (NETTO, 2007, p. 99). 3 Segundo (NETTO, 2007) denomina-se como capital variável a força de trabalho porque esta “[...] no processo de produção, além de reproduzir o seu próprio valor, cria um valor excedente, que se altera conforme as condições do processo de trabalho” (NETO, 2007, p. 101). 4 MANDEL, E. A crise do capital – os fatos e sua interpretação marxista. São Paulo: Ensaio, 1990.
apud MOTA,
1995, p. 66). Para Abramides (2003), é através da administração e controle do trabalho que o
capital procura novas formas para reaver seus altos níveis de acumulação, ampliando a
exploração da força de trabalho.
14
No desenvolvimento constante dos processos de trabalho no capitalismo, algumas formas
de controle sobre o trabalho foram criadas pelo capital, como por exemplo, o modelo taylorista/
fordista de organização e administração do trabalho – a partir de 1913, sendo implementado pela
primeira vez na Ford Motor Co., em Highland Park, Detroit – e o modelo toyotista ou ohnista – a
partir do pós segunda guerra mundial, até os dias de hoje – caracterizado por um processo de
acumulação flexível5
5 Onde temos como referência a experiência Japonesa (Toyotismo). A acumulação flexível é um “Padrão produtivo do capitalismo caracterizado pela flexibilidade nos processos de trabalho, mercados, produtos e padrões de consumo” (ABRAMIDES, 2003, p. 9). “O conceito de acumulação flexível [...], refere-se à passagem do modo fordista de acumulação capitalista, [...] para um modo flexível, como forma de superar a crise do capital [...]” (FREIRE, 2006, p. 31). Esta autora chama atenção para o fato de que a globalização do sistema financeiro, denominada pelos autores de mundialização ou globalização da economia, é um fator novo dentro do capitalismo facilitado pela tecnologia informacional.
.
No que tange ao modelo taylorista, temos um modelo baseado na separação das funções
de concepção e planejamento, na fragmentação e especialização das tarefas com ênfase no
controle do tempo, na disciplinarização dos processos fabris em função de eliminar qualquer
tempo ocioso com a finalidade de aumentar a produtividade do trabalho. Assim, no final do
século XIX o engenheiro norte-americano F. W. Taylor, com seu estudo dos tempos e
movimentos aprofunda a divisão técnica do trabalho e o mundo capitalista conhece a primeira
forma científica de administrar a força de trabalho (CATTANI, 1997). Nas palavras de
Braverman (1987, p. 83) é a “explícita verbalização do modo capitalista de produção”.
Navarro (2007) afirma que o sistema taylorista não produz nenhuma alteração
considerável na gênese do processo de trabalho até então vigente. Sua contribuição foi com o
desenvolvimento dos métodos de organização do trabalho. “Ele aprofundou a divisão do trabalho
introduzida pelo sistema de fábrica, assegurando definitivamente o controle do tempo do
trabalhador pela gerência, o que significou uma separação extrema entre concepção e execução
do trabalho”. (Ibid., p. 17).
Seu “sistema” era tão-somente um meio para que a gerência efetuasse o controle do modo concreto de execução de toda a atividade no trabalho, desde a mais simples a mais complicada. Nesse sentido, ele foi pioneiro de uma revolução muito maior na divisão do trabalho que qualquer outra havida. (BRAVERMAN, 1987, p. 86).
15
Já o fordismo contribuiu no aperfeiçoamento do método taylorista. Para Filgueiras (1997)
o modelo fordista, apoiado na base técnica da II Revolução Industrial, do fim do século XIX e
assim nas inovações nos campos da eletricidade, da química e da manufatura de precisão, utilizou
os métodos de organização do trabalho tayloristas, como a padronização das tarefas, separação
entre planejamento e execução e grande especialização do trabalho, introduzindo a esteira rolante
automatizada na linha de produção. Assim produzia-se em larga escala produtos padronizados –
em série – o que implicou em um aumento extraordinário da produtividade do trabalho e na
redução dos custos unitários de produção.
Para a acumulação fordista foi necessário um consumo de massa – sob pena de se
inviabilizar pelo lado da demanda como no exemplo da crise de 1929 – que, nas palavras de
Abramides (2003), “subsumiu o tempo e o lazer do trabalhador” a um tipo de controle às
expectativas e a racionalidade da produção e forçou o capital a devolver aos trabalhadores, os
ganhos de produtividade alcançados, através do aumento real dos salários.
Ao voltarmos nosso olhar para um viés de base mais política e social, podemos observar
que essas novas circunstâncias, também foram envolvidas por, um pacto social entre capital e
trabalho6, que teve como resultado o welfare state7
Para Abramides (2003, p. 4), nos países de capitalismo central este modelo apresenta uma
gestão social com forte iniciativa do Estado no campo das políticas sociais. Essa intervenção era
regulacionista, pois não universalizava os direitos, voltando-se para a força de trabalho inserida
no sistema produtivo. Em países de capitalismo periférico como o Brasil e outros da América
ou o também conhecido Estado de Bem-Estar
Social. É importante lembrar que, como diz Vianna (1998), para a concepção do modelo social
democrata de welfare state foi necessária uma intensa mobilização da classe operária, em um
movimento de pressão versus ações defensivas do sistema público.
6 “Para a maioria dos analistas, ocorreu uma parceria bem-sucedida entre a política social e a política econômica, sustentada por um consenso acerca do estímulo econômico conjugado com segurança e justiça sociais” (DRAIBE, 1988, p. 3) Eu proponho extrair a nota de rodapé 05 e incorporá-la a seis, organizando bem o texto. “Este pacto, impulsionado, decisivamente, pelo crescimento do movimento operário e pela existência da ‘guerra fria’ e a ‘ameaça do comunismo’, implicou, pelo lado dos capitalistas, no reconhecimento dos sindicatos como legítimos representantes da classe trabalhadora e elemento essencial do processo de barganha salarial, inclusive com o direito à utilização da greve econômica. Pelo lado dos trabalhadores, o pacto exigiu um movimento sindical/trabalhista tendo por limite a ordem capitalista, através do reconhecimento e legitimidade dos capitalistas como detentores dos meios de produção e organização do processo produtivo” (FILGUEIRAS, 1997, p. 904). 7 “um Estado com forte iniciativa no campo de políticas sociais redistributivas e com pronunciada intervenção por serviços e equipamentos sociais, fiador de controles tributários sobre o capital e articulador institucional de parcerias entre capital e trabalho, sobre a base do jogo político democrático” (NETTO, 1994, p. 98 apud ABRAMIDES, 2003, p. 4).
16
Latina, o Estado de Bem-Estar Social ou welfare state não se consolida, pois suas economias
eram subordinadas à lógica do capitalismo monopolista. Ainda assim estes países tiveram um
Estado com algum sistema de proteção social. (Ibid.).
Filgueiras (1997, p. 904) sintetiza afirmando que o taylorismo-fordismo não se constituiu
somente como um modo de organização do processo de trabalho, mas também representou uma
das inúmeras maneiras possíveis da sociedade capitalista se organizar implicando na inclusão
social de grandes parcelas da população, até então marginalizadas do consumo e dos direitos de
cidadania. Neste processo tem grande contribuição o keynesianismo. Este porém,
[...] ao desenvolver políticas sociais e de emprego, incorpora um Estado de Regulação, de reivindicações dos trabalhadores que passam a ceder ao ideário do pacto social fordista-keynesiano. Esse acordo configura a derrota do movimento sindical operário, que consolidou o terreno político para a hegemonia do pacto especificado, e consubstanciou um sindicalismo nos marcos da institucionalidade, com garantia de um terreno seguro para o movimento do capital. (ABRAMIDES, 2003, p. 4).
É de vital importância ainda lembrar que incorreremos em erro se analisarmos o
taylorismo-fordismo somente nos limites da fábrica. Este deve ser visto em toda a sua magnitude
como um “novo modo de vida”, que construiu um “novo homem”, adaptado às exigências e à
disciplina do sistema fabril organizado na forma de grande indústria.
a propagação do fordismo exigiu uma nova forma de organização social do processo de produção que está intimamente ligada com o modo de viver e de ser do conjunto dos trabalhadores. Americanismo pode ser entendido como um conjunto de caracterizações próprias, originadas nos Estados Unidos que visam à construção de um Novo Homem para um novo tipo de trabalho. O modo de viver deve ser adaptado ao modo de produzir. O objetivo é criar um novo tipo de trabalhador. (GRAMSCI, 19898
Forçado a vender sua força de trabalho, por lhe faltarem meios materiais para produzir
mercadorias, o trabalhador atrela-se definitivamente ao capital, empregando todo o seu tempo
disponível a serviço da reprodução ampliada do mesmo e assim não dispõe de qualquer tempo
para o livre exercício das suas forças intelectuais, físicas e espirituais. “Suas forças intelectuais
apud NAVARRO 2007, p. 19).
8 GRAMSCI, Antônio. Americanismo e Fordismo. In: Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. 1989. p. 375-413.
17
ficam inibidas em função da parcialidade do seu trabalho; essas forças intelectuais concentram-se
no capital, e passam a confrontar-se com ele, como propriedade que lhe é estranha e como poder
que o domina”. (KUENZER, 1989, p. 43).
Nos anos 70, passado um período de mais de 25 anos de crescimento deste modelo, tem
início um período de profunda crise nos países capitalistas centrais. São os primeiros sinais de
falência do taylorismo-fordismo. Segundo Filgueiras (1997, p. 911-912), na década de 80,
impulsionada pela crise do taylorismo-fordismo e pelo início do processo de reestruturação
produtiva capitalista9
Quando trazemos a temática supracitada da internacionalização do capital, logo nos vem à
mente o termo globalização. Com relação à globalização, podemos entender um fenômeno com
duas vertentes principais, a cultural e a econômica. Atendo-nos na esfera econômica
, aprofunda-se a internacionalização das relações capitalistas de produção
(uma tendência natural de expansão do capitalismo). “Um processo econômico/social/político de
‘desmonte/diluição dos espaços nacionais’” (Ibid., p. 912) evidenciado com a constituição de três
grandes áreas de influência “com as respectivas hegemonias dos Estados Unidos (NAFTA),
Alemanha (CEE) e Japão (Sudeste Asiático), e de outras áreas de menor porte, como é o caso do
MERCOSUL” (Ibid.).
10
9 “Sob denominações diversas, o tema da reestruturação produtiva vem sendo amplamente discutido nas ciências sociais. Vale destacar que, em geral, o tema da reestruturação fica subsumido às polêmicas sobre a chamada produção flexível, considerada como um modelo que equaciona a rigidez dos métodos fordistas de produção, no âmbito do processo de trabalho” (MOTA, 1995). 10 Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América firmam-se como liderança política mundial e subsidiam a criação de entidades internacionais como o Banco Mundial, FMI (Fundo Monetário Internacional), Gatt (Acordo Geral para Tarifas do Comércio) entre outras. Ao mesmo tempo surge a noção de uma economia mundial, com a afirmação do dólar como principal moeda internacional e um fluxo internacional de produtos e fatores facilitado pela evolução na tecnologia de transporte (SCHERER, 1997, p. 115). Estes são alguns dos fatores que favorecem o crescimento do termo globalização no mundo capitalista.
resgatamos
o princípio do termo nos anos 80, nas escolas de Administração de Empresas norte-americanas.
Para essas escolas a produção acerca da globalização soaria como uma mensagem aos grandes
grupos multinacionais acerca da oportunidade pela liberalização e desregulamentação das
economias, amplificada por novas tecnologias de comunicação. Seria necessário para isso a
“reformulação de suas estratégias internacionais a partir de uma reorganização produtiva”,
(SCHERER, 1997, p. 115) idéia que se popularizou através das obras posteriores na área de
marketing internacional e da imprensa econômica e financeira especializada. De outra maneira
Gómez (2000) afirma que o termo globalização vincula-se às grandes corporações multinacionais
originárias de três grandes centros do capitalismo mundial (Estados Unidos, Europa Ocidental e
18
Japão). Para o autor, é nestes três centros que se afirma a constituição de uma economia mundial
sem fronteiras, capaz de uma comunicação e controle em tempo real – proporcionada pela
tecnologia informacional – que tornou possível a abertura das grandes firmas internacionalizadas
e posterior obtenção de altas taxas de lucro através da globalização dos mercados e, da
“integração global [...] da cadeia de criação de valor (pesquisa e desenvolvimento, produção,
serviços, financiamento dos investimentos, recrutamento de pessoal, etc.) na condição de que as
mesmas procedam a uma drástica reformulação das formas de gestão e da atuação estratégica em
escala planetária” (Ibid., p. 19).
Com uma visão mais extrema a respeito da globalização, poderíamos dizer, segundo
Gómez (2000, p. 20) que, em função da extrema mobilidade dos capitais – sempre buscando
melhores vantagens competitivas – e do caráter estático e obsoleto da força de trabalho, “os
Estados nacionais deveria ceder lugar a autoridades regionais ou locais do sistema global,
verdadeiros pontos de apoio das redes tecidas pelas corporações”.
Freire (2006) fala-nos acerca da globalização do capital, e que esta
[...] não prescinde do trabalho, mantendo-se a centralidade das relações sociais de produção para o entendimento da vida social, em escala ampliada e diversificada, visível nas seguintes expressões do modo capitalista globalizado de produção: criação e reprodução da desigualdade e classes antagônicas; ampliação e diversificação da subclasse, da miséria e das tensões sociais em escala planetária; novas formas de resistência e luta, associadas à nova dimensão de defesa do planeta e da humanidade (Ibid., p. 38).
De outra maneira, a globalização pode ser vista como um fenômeno ideológico que serve
a vários propósitos. Segundo Batista Jr (2009, p. 125) a globalização pode ajudar a vender jornais,
revistas e livros superficiais, num plano editorial. Já nos planos econômico e político, pode
contribuir para apanhar países ingênuos e despreparados na malha dos interesses internacionais
dominantes. Assim,
[...] problemas como o desemprego e o subemprego, a desnacionalização da economia e a dependência de capitais externos, longe de constituírem a conseqüência irrecorrível de um processo global, resultam essencialmente de políticas adotadas no âmbito nacional, convenientemente dissimuladas pelo apelo à retórica da “globalização”. (Ibid., p. 129).
19
Temos então uma ideologia da “globalização” capitalista que é enganosa, sobretudo
quando agregada à idéia de que está em curso na economia mundial uma decadência do Estado e
das suas possibilidades de intervenção nos domínios econômico e social. Essa associação é muito
comum, mas não por acaso, pois “na origem, a ideologia da ‘globalização’ é um desdobramento
do ‘neoliberalismo’ e está impregnada de Estadofobia. A celebração das virtudes ecumênicas da
competição e do mercado livre constitui um dos seus aspectos centrais” (Ibid., 2009, p. 154).
A crise do paradigma taylorista-fordista 11
Segundo Mota (1995) existe, pelo capital, uma necessidade de alimentar uma cultura
política da crise para que as condições de implementar as mudanças sejam garantidas e assim o
processo de reestruturação do capitalismo situe-se em dois tipos de ajuste estrutural diferentes,
, o declínio nos níveis de investimento, da
atividade produtiva e do emprego, a crise fiscal do Estado e a aceleração da inflação abriram
espaço para profundas transformações no capitalismo, com o advento do neoliberalismo, da
globalização capitalista e de um processo de reestruturação produtiva. Estes fenômenos estão
intimamente ligados e acabaram por gerar outras formas de organização da produção, de
consumo e mercado de trabalho muito mais flexíveis, transformando a realidade de modo a
termos uma desregulamentação do mercado de trabalho. A jornada de trabalho, a remuneração
dos trabalhadores e a contratação e dispensa da mão-de-obra ficam flexíveis, ou seja, mais
voltada ao atendimento das necessidades do capital.
Para Freire (2006, p. 34), mantém-se e amplia-se a contradição básica do capitalismo,
dissociando o trabalho, através do processo produtivo que é socializado, da apropriação dos
resultados do seu produto que é privada. Para a autora essas contradições ampliadas revelam-se
na reestruturação produtiva capitalista, inserida em uma reestruturação política, social e
econômica deste novo estágio de acumulação do capital.
11 “No âmbito acadêmico [...] discute-se se o que está ocorrendo representaria uma ruptura em relação ao modelo fordista (pós-fordimo), ou, ao contrário, uma continuidade, apenas em novas roupagens (neofordismo)” (LARANGEIRA, 1997, p. 91). Mas, a crise evidente do taylorismo-fordismo que tratamos aqui não se resume apenas à crise de um padrão de acumulação de capital, mas sim a crise de um determinado “modo de vida” e seus efeitos, o rompimento do pacto social que se caracterizou pela busca do “pleno emprego”, por uma pseudo-estabilidade no trabalho e por garantias sociais. Com o enfraquecimento deste “modo seguro de se viver” o sentimento de instabilidade e insegurança se fortalece no final do século XX. Essa crise, além de levar à queda dos governos e partidos sociais-democratas e da ideologia que os sustentava, marcou-se por um lento crescimento ou queda, da produtividade do trabalho. A crise da produtividade do trabalho para Filgueiras (1995) é oriunda do enfraquecimento do paradigma tecnológico dominante e de uma ascendente insatisfação por parte dos trabalhadores com o padrão de gestão taylorista-fordista, empiricamente apontada na elevação do grau de absenteísmo ao trabalho, na alta rotatividade da mão-de-obra nos empregos, no desinteresse generalizado pelo processo de trabalho, no crescimento do número de greves e na difusão de muitas outras formas silenciosas de protesto.
20
mas intrínseco ao movimento do capital. O primeiro, como já vimos, está presente na esfera da
produção, materializado em profundas mudanças no processo de trabalho “[...] seja em função
das mudanças requeridas pela divisão sóciotécnica do trabalho, [...] seja por força de
necessidades inerentes ao processo técnico de trabalho” (Ibid.).
Para Abramides (2003), na base desta reestruturação produtiva capitalista estão o aumento
da produtividade, eficiência12, qualidade13, novas formas de tecnologia e de gestão da força de
trabalho que se efetivam e que alteram consideravelmente a composição orgânica do capital. É
basicamente desse processo de trabalho que se desenvolvem a ampliação da precarização e a
desestruturação das relações clássicas de produção 14
A intensidade das mudanças não foi diferente no mercado de trabalho. Flexibilizado, o
mercado de trabalho passa por flutuações constantes, aumento da competição, redução do poder
aquisitivo do trabalhador e enfraquecimento do poder sindical. O setor sindical passa agora a
atuar na defensiva, em função do grande número de desempregados ou subempregados, ou ainda
de trabalhadores precarizados ligados ao setor informal, desarticulando os interesses da classe
trabalhadora (ABRAMIDES, 2003, p. 05). Este novo processo de trabalho atinge a subjetividade
da classe operária, “sua consciência de classe, sua organização e valores” (Ibid.). Assim
“verifica-se a passagem de um sindicalismo conflitivo, de contestação – como foi nos anos 80 –
para um sindicalismo de caráter mais ‘propositivo e afirmativo’, de negociação, ‘institucional’ e
. Como conseqüência disso temos o
favorecimento do processo de flexibilização do trabalho conduzindo à desregulamentação dos
direitos sociais e trabalhistas que gerou uma redução do quantitativo do operariado fabril,
terceirização, subproletarização, trabalho precário e parcial e a ampliação do desemprego
estrutural, além de diversas formas de exploração do trabalho humano dentre tantos outros
prejuízos ao trabalhador.
12 Políticas como o Just in Time aplicam-se como forma de garantia de eficiência. Com o Just in Time tudo tem um tempo certo para acontecer no processo produtivo. 13 Nos “[...] novos padrões de gestão da força de trabalho, dos quais os Círculos de Controle da Qualidade (CCQ), a ‘gestão participativa’, a busca da ‘qualidade total’, são expressões visíveis [...], mas em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro Mundo industrializado”. (ANTUNES, 1997, p. 16). 14 “A divisão técnica do trabalho, iniciada na fase de manufatura capitalista, aprofunda, na produção, a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual, também referidos como trabalho de execução e trabalho de concepção, passando a ser atribuição do empresário ou de seus agentes a concepção do produto e a organização do processo de trabalho, cabendo aos produtores diretos efetuar os procedimentos de trabalho, tais como prescritos pelos seus programadores. Essa dimensão da divisão do trabalho comporta, também, a fragmentação do conjunto de operações e processos necessários para a produção de um produto em organizações parciais, especializadas e simplificadas, cada uma delas executada por um trabalhador. Este tende, pela repetição, ao desenvolvimento máximo da habilidade parcial requerida para aquela execução”. (HOLZMANN, 1997).
21
‘contratualista’” (SOARES, 199815
Na América Latina a ofensiva neoliberal inicia seu acirramento em 1989, em
cumprimento ao Consenso de Washington
apud BORGES, 2006, p. 4).
O segundo – em consonância com o primeiro – refere-se aos “[...] mecanismos
sóciopolíticos e institucionais, necessários à manutenção do processo de reprodução social,
incidindo diretamente na luta de classes e na relação da ordem econômica e projeto político”
(MOTA, 1995). Este conjunto de ações na esfera estatal é o que Soares (2002) vai chamar de
ajuste neoliberal.
O postulado fundamental do arcabouço teórico e ideológico do neoliberalismo é de que o
mercado é a lei social soberana no regimento da sociedade capitalista (OTRANTO, 1999) e que,
apesar do prefixo, “constitui uma tentativa de restaurar o ideário econômico do século XIX”
(BATISTA JR, 1998, p. 181).
Para Soares, (2002, p. 12) a idéia de um ajuste neoliberal como tentativa de resolução da
crise de um modelo social de acumulação inclui por definição o aumento na informalidade no
trabalho, no desemprego, no subemprego, a desproteção trabalhista e o aumento da pobreza.
16 – aprimorado recentemente no Dissenso de
Washingto17, 2000 (ABRAMIDES, 2003, p. 06). Em particular no Brasil os movimentos sociais
e trabalhistas adiaram a agenda neoliberal 18
15 SOARES, J. L. Sindicalismo no ABC Paulista: reestruturação produtiva e parceria. Brasília: Centro de Educação, 1998. 16 Documento originário de reunião acontecida em Washington dos Estados Unidos entre funcionários do governo americano, organismos internacionais – como o FMI e o Banco Mundial – e economistas latino-americanos. O objetivo era discutir medidas com o objetivo de superar a crise econômica que assolava a América Latina e as conclusões desse encontro apontaram no sentido de medidas denominadas neoliberais. 17 “O Dissenso de Washington Onze anos depois de aprovado o ‘Consenso de Washington’, surge em seu lugar o ‘Dissenso de Washington’, um trabalho recém-concluído por uma comissão de três especialistas de duas das principais instituições de pesquisa dos Estados Unidos, o CEIP (iniciais em inglês para Fundo Carnegie para a Paz Mundial) e o IAD (Diálogo Interamericano) e quem tem como principal responsável Nancy Birdsall, que foi vice-presidente-executiva do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e agora é diretora do Projeto Carnegie de Reforma Econômica. O trabalho recupera a explicação de John Williamson, o codificador do ‘Consenso’: Deliberadamente exclui da lista (de propostas)’ tudo aquilo que fosse prioritariamente redistributivo, (...) porque senti que, na Washington dos anos 80, havia certo desdém pelos temas de equidade”. (TAVARES, 1995) 18 A agenda neoliberal constituiu-se de iniciativas como liberalização dos preços, do mercado e dos fluxos de capital, maior competitividade cambial, privatizações, e menor interferência dos Estados sobre preços e mercados. “O projeto neoliberal oriundo da estratégia internacional do capital estabelece uma política econômica monetarista com ampla privatização de empresas estatais, em que o ‘Estado mínimo’ e o ‘máximo de mercado’ são elementos constitutivos do grande capital dos oligopólios” (ABRAMIDES, 2003, p. 06).
que, segundo Soares (2002) só começou a ser
efetivada no governo do Presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) e retomada com força
total no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2003).
22
Contemporaneamente vê-se muitas discussões acerca das reformas administrativa 19 , e
previdenciária 20 e a intenção feroz de desregulamentar o mercado de trabalho com a
“flexibilização das leis trabalhistas21
19 Em síntese acerca da reforma administrativa, divulgada no sítio do Planalto e acessada no endereço eletrônico http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PROADM1.HTM no dia 23 de maio de 2009 podemos ler que: “A reforma administrativa passa pela aprovação das emendas constitucionais, que possibilitarão a flexibilização da estabilidade dos servidores públicos. As emendas também estabelecem que os aumentos salariais dos servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário só possam ocorrer através de projetos de lei. Mas a reforma abrange também inúmeros outros importantes projetos, alguns já em implantação, como, por exemplo, a flexibilização de gestão das fundações e autarquias, avaliação de desempenho dos órgãos e dos servidores públicos, novos métodos de gestão, valorização do servidor e a abertura de concurso para a renovação dos quadros da administração federal.” Além deste pequeno trecho, outros itens do referido documento corroboram todo o discurso que aqui travamos. 20 Sob o discurso de que o direito à aposentadoria estaria comprometido por um sistema desequilibrado. A reforma da Previdência está posta com os seguintes objetivos principais: “i) recompor o equilíbrio da previdência pública, garantindo-se sua solvência no longo prazo, isto é, a existência dos recursos necessários ao pagamento dos benefícios pactuados; ii) reduzir as distorções nas transferências de renda realizadas pelo Estado que, como será visto adiante, agravam nossa elevada desigualdade de renda; e iii) reduzir a pressão sobre os recursos públicos crescentemente alocados à Previdência, permitindo recompor a capacidade de gasto público em áreas essenciais à retomada do crescimento econômico e em programas sociais” (Ministério da Fazenda, 2003 http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2003/r030410.doc acessado em 23 de maio de 2009). Cabe aqui uma retomada histórica dos sistemas previdenciários em contraponto ao discurso governamental. 21 Aqui usamos as aspas para chamar a atenção para o termo que é comumente usado para descrever uma possível solução ao desemprego mas, é a partir desta flexibilização e sobre a instabilidade de emprego e salário que ela gera que este trabalho se torna pertinente. Nas palavras de Antunes (1997, p. 28) Flexibilizam-se os direitos de modo ao capital “dispor dessa força de trabalho em função direta das necessidades do mercado consumidor”.
”.
Na década de 1980 – período de um grande salto tecnológico – tivemos a invasão da
automação, da robótica e da microeletrônica no processo de produção de mercadorias, desta feita,
inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho e de produção do capital. Este
fenômeno provocou uma alteração brusca na composição orgânica do capital, como já
demonstrado, gerando “[...] formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também
agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são
flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para adequar-se a nova fase”
(ANTUNES, 1997). Em outras palavras, essas políticas de inspiração neoliberal segundo Freire
(2006, p. 32), buscam flexibilizar as estratégias de produção e racionalização, viabilizadas por
novas tecnologias. Neste cenário, Silva (1986) afirma que o incremento de novas tecnologias
significou para muitos trabalhadores a desqualificação, com a obsolescência de conhecimentos e
habilidades conquistados em anos de prática. Com isso temos conseqüências psicológicas como:
sentimento de perda e desvalorização pessoal, queda de prestígio profissional e o sentimento de
insegurança para o trabalhador, por este perceber que pode facilmente ser substituído.
O discurso da qualificação é cada vez mais comum, mas
23
Ao contrário dos que afirmam que a ausência de qualificação é a causadora do desemprego no Brasil, pode-se comprovar que a dita ‘reestruturação’ da economia brasileira redundou na demissão do trabalhador qualificado, adulto, homem, relativamente mais bem remunerado ainda que com menor escolaridade resultando na contratação de jovens e mulheres, em ocupações de baixa qualificação. Os salários pagos nos ‘empregos’ são inferiores aos que remuneravam os postos de trabalho perdidos, apesar da maior escolaridade dos que assumiram os novos postos vis-à-vis àquela dos que ocupavam os postos perdidos. (SOARES, 2003, p. 52).
Com a finalidade de acatar as exigências individuais do mercado, no tempo mais reduzido
possível e com um excelente padrão de qualidade é preciso que a produção se sustente num
processo flexível, que permita ao mesmo funcionário de uma fábrica operar mais de uma
máquina e permita a existência de equipes de trabalho. A acumulação flexível se sustenta na
flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de
consumo. Neste universo a luta por mercado consumidor aliada a luta pelo controle da força de
trabalho criaram toda uma rede de subcontratação e deslocamento, flexibilizando a produção
frente à competição e aos riscos (ANTUNES, 1997, p. 21). Para Antunes (1997, p. 21) “[...] tem-
se uma horizontalização, reduzindo-se o âmbito de produção da montadora e estabelecendo-se as
subcontratadas, as terceiras, a produção de elementos básicos, [...]” o que favoreceu a propagação
de elementos como a subcontratação e a terceirização, reduzindo os custos com mão de obra ao
mínimo possível.
De outra forma, Antunes (2006) afirma que foram várias as mudanças no processo
produtivo, através da constituição das formas de acumulação flexível, de gestão organizacional,
do avanço tecnológico, modelos alternativos ao taylorismo/fordismo. O autor afirma que essas
transformações são, por um lado, decorrentes da própria concorrência intercapitalista, por outro
lado são fruto da necessidade de controlar as lutas sociais fecundas no trabalho. Para o autor, em
oposição ao contra-poder emergente das lutas sociais, o capital inicia seu processo de
reorganização das formas de dominação societal, recompondo-se, além do processo produtivo,
para recuperação de sua hegemonia em todas as esferas da sociedade.
Essas mudanças iniciaram-se nos anos 70 e estariam ainda hoje em curso, têm gerado
discordância interpretativa e
24
Segundo alguns autores, elas seriam responsáveis pela instauração de uma nova forma de organização industrial e de relacionamento entre o capital e o trabalho, mais favorável quando comparada ao taylorismo/fordismo, uma vez que possibilita o advento de um trabalhor mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente, dotado de uma ‘maior realização no espaço do trabalho’. (Ibid., p. 24).
Antunes (2006) afirma ainda que outros autores não estariam de acordo com a idéia de um
novo modelo, mas sim na intensificação de tendências existentes. Outros ainda acreditam em uma
reconfiguração do “poder no local de trabalho, muito mais em favor dos empregadores do que
dos trabalhadores” (TOMANEY, 199622 apud ANTUNES, 2006, p. 25). Próximo a este enfoque,
outros autores buscam acentuar os elementos tanto de continuidade do padrão produtivo anterior
quanto os de descontinuidade, “mas retendo o caráter essencialmente capitalista do modo de
produção vigente e de seus pilares fundamentais” (ANTUNES 2006, p. 25). Assim, busca-se
direcionar para o que é específico dessas mudanças e as conseqüências que essas exercem no
interior do sistema de produção capitalista, onde, segundo Antunes (2006), estaria emergindo um
regime de acumulação flexível (desde 1973), caracterizado pela nova “divisão de mercados,
desemprego, divisão global do trabalho, capital volátil, fechamento de plantas industriais,
reorganização financeira e tecnológica” (HARVEY, 1992 23
22 TOMANEY, John. A new paradigm of work organization and tecnology? In: AMIN, Ash, 1996 23 HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Ed. Loyola. 1992.
apud ANTUNES, 2006, p. 25)
através de uma eliminação, transferência, terceirização e enxugamento de unidades produtivas.
Para Antunes (2006) todas essas mudanças são expressão do processo de reestruturação produtiva.
É no sentido de retomar seu alto nível de acumulação e seu projeto global de dominação que o
processo de acumulação flexível, baseado nos exemplos da Califórnia do Norte, da Itália, da
Suécia e o distinto modelo Japonês ou toyotista, deve ser refletido criticamente.
O sistema industrial japonês, a partir dos anos 70, teve grande impacto no mundo ocidental, quando se mostrou para os países avançados como uma opção possível para a superação capitalista da crise. Naturalmente, a ‘transferibilidade’ do toyotismo carecia, para sua implantação do Ocidente, das inevitáveis adaptações às singularidades e particularidades de cada país. Seu desenho organizacional, seu avanço tecnológico, sua capacidade de extração intensificada do trabalho, bem como a combinação de trabalho em equipe, os mecanismos de envolvimento, o controle sindical, eram vistos pelas capitais do Ocidente como uma via possível de superação de sua crise de acumulação. (Ibid., p. 30).
25
Essas formas de fragmentação do trabalho e descentralização produtiva somadas ao
avanço tecnológico podem levar o capital a um controle da força de trabalho muito maior e
também a uma mais intensa exploração. A acumulação flexível na base do atual processo de
reestruturação produtiva capitalista é um modelo voltado para o crescimento do capital e por isso
se baseia na exploração do trabalho vivo.
Segundo Antunes (2006), para este modelo é fundamental um processo produtivo flexível
que possibilite ao mesmo operário operar mais de uma máquina (na Toyota, em média, até cinco
máquinas). As novas tecnologias, além de ocasionarem altos níveis de desemprego estrutural,
potencializam a geração de excedentes de força de trabalho e estratégias absolutas de extração de
mais-valia. Neste modelo flexibilizado, sistemas de trabalho alternativos, podem conviver
possibilitando ao capitalista dispor da força de trabalho conforme sua necessidade e decidir de
que forma esta força de trabalho lhe servirá melhor.
Mattos (1998) afirma que o crescimento do desemprego não é mais uma característica
exclusiva das fases de crise do capitalismo, representa hoje uma forma de recuperação econômica.
Assim o que temos é desemprego estrutural. Desta forma ao se abrir um novo posto de trabalho, a
tendência é que aconteça sob formas contratuais com menor (ou nenhuma) garantia da legislação,
como em contratos temporários, de tempo parcial ou trabalho informal.
Para Filgueiras (1995) o fenômeno da reestruturação produtiva capitalista refere-se a
mutações na estrutura da produção e do trabalho, desta forma podemos vislumbrá-lo sob dois
aspectos. Na reestruturação da indústria, caracterizado por um amplo investimento em
tecnologia24 que favorece ao capital ampliar a exploração da força de trabalho pela mais valia
relativa (ABRAMIDES, 2003). Na reestruturação do processo de trabalho, com novos modelos
de gestão/organização que individualizam as relações entre capital/trabalho e na mesma medida
enfraquece os sindicatos. Na ótica do capital, a força de trabalho deve ser flexível e qualificada a
realizar qualquer tipo de tarefa, eliminando todo o tempo morto25
24 Investir em tecnologia não é o problema que queremos apresentar, visto que este investimento pode trazer conforto ao trabalhador e reduzir o desgaste humano. O que se questiona aqui são os objetivos do investimento em tecnologia e as formas de aplicação dessa tecnologia.
na fábrica, favorecendo ao
25 “Apesar de consumir a maior parte do tempo diário, a maioria esmagadora dos que laboram não sente o tempo de trabalho como tempo de vida próprio, mas como tempo morto e vazio, arrebatado à vida como num pesadelo. Do ponto de vista do espaço e do tempo capitalista, inversamente, o tempo livre dos trabalhadores é tempo vazio e de
26
capitalista ampliar a exploração da força de trabalho através da mais valia absoluta (Ibid.).
Uma das estratégias para a implementação deste modelo é, segundo Filgueiras (1995)
gerar total identificação dos objetivos e interesses dos trabalhadores com os da empresa, criando
uma fantasia de que existe uma “parceria” entre eles. Também se evidencia o alto índice de
desemprego como instrumento da empresa capitalista na cooptação dos trabalhadores.
está se criando uma grande massa de indivíduos dispensáveis, não exploráveis pelo capital; indivíduos cuja força-de-trabalho não possui valor-de-troca no mercado, e cujo trabalho, de forma autônoma, não consegue nem mesmo se materializar em mercadorias vendáveis. (Ibid., p. 916).
Com estes movimentos o que teremos é uma precarização do trabalho até mesmo para os
que conseguem alguma ocupação. Essa precarização fica expressa na intensificação da jornada de
trabalho, aumento de horas-extras e no crescimento do estresse e em uma menor remuneração. A
subcontratação e terceirização ferem a identidade e representação dos trabalhadores na medida
que segmenta os coletivos de trabalho, mostrando novamente como o capital se utiliza do
desemprego como forma de adestrar o trabalhador no que se refere às condições de trabalho no
interior das empresas.
Filgueiras (1995) afirma que o resultado de todo este processo é, ao nível da sociedade
como um todo, o crescimento da pobreza, com todas as suas mazelas (doenças físicas e mentais,
alcoolismo, violência, criminalidade, etc.). Esta é uma realidade gritante mesmo na sociedade
americana, cuja economia ainda é a mais poderosa do globo. O ataque aos benefícios sociais
acirrou a incerteza e desconfiança dos indivíduos frente ao futuro. Generaliza-se “um certo mal-
estar, inclusive entre parcelas privilegiadas das sociedades, de se estar destruindo um ‘modo de
vida’ sem, contudo, se ter a clareza do que se está colocando em seu lugar” (Ibid).
Quando falamos em crescimento da pobreza, precisamos ter claro de que pobreza estamos
falando. Segundo Rocha (2003) a pobreza é um assunto complexo, podendo ser definido
genericamente, como a situação pela qual os seres sociais não têm atendidas de forma adequada
suas necessidades básicas. Para tanto precisaremos atentar para quais são essas necessidades e
qual seria este nível adequado de atendimento de suas necessidades. Assim, esta definição
nenhuma serventia” (KURZ, Robert. A expropriação do tempo. Folha de São Paulo. São Paulo, 3 de janeiro de 1999, p. 3. Caderno Mais). Aqui, usamos o termo tempo morto para definir o tempo morto para o capitalista.
27
depende do padrão de vida e da forma como as necessidades são atendidas no contexto sócio-
econômico em questão. “Ser pobre significa não dispor dos meios para operar adequadamente no
grupo social em que se vive” (Ibid). Em outras palavras, podemos dizer que refere-se a uma
situação de carência onde os indivíduos não conseguem manter um mínimo padrão de vida
condizente com todo o referencial socialmente estabelecido em cada contexto histórico.
Desta feita, para Rocha (2003), qualificaremos melhor a pobreza ao levarmos em conta
carências de saneamento, habitação, assistência médica e educação. A renda de forma isolada é
então fator insuficiente para mensurar a pobreza em toda a sua heterogeneidade. Este tipo de
avaliação apresenta uma visão reducionista da complexa questão social que envolve uma série de
outros fatores.
A definição de uma “linha da pobreza26
Estudos feitos no Brasil
”, que separa os pobres dos não pobres é um
assunto controverso, podendo ter um limite diferente em cada região se levarmos em conta o
meio social. Além de ter variações quanto à metodologia aplicada, esta divisão estanque também
gera uma visão muito reduzida. Acreditar, por exemplo, que com um salário mínimo o pobre terá
atendida todas as “suas necessidades básicas no âmbito do ‘consumo privado’ é de total frieza
estatística e de um absoluto distanciamento da realidade” (SOARES, 2003) 27, em regiões metropolitanas, não chegam a definir a linha da
pobreza a pelo menos 100% do salário mínimo e isto para Soares (2003) é o que a CEPAL chama
de linha da indigência28
De outra maneira, olhando para a realidade da pobreza do ponto de vista da distribuição e
concentração dos bens materiais produzidos socialmente, podemos ter melhor sistematizado o
que os olhos vêem todos os dias ao caminharmos pela periferia das cidades. De acordo com o
relatório Nota Técnica Produzido pelo DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos – em outubro de 2005, que é baseado em levantamento do Banco
pois, estes valores, avaliados de maneira bastante otimista, favorecem
apenas a aquisição da cesta básica de alimentos.
26 Uma linha de pobreza pretende ser o parâmetro que permite a uma sociedade específica considerar como pobres todos aqueles indivíduos que se encontrem abaixo do seu valor. 27 Cf. SOARES, Laura Tavares. “Desigualdade Social e Pobreza no Brasil no Contexto Latino-Americano: Transição ou Retrocesso?”. IN: Revista Praia Vermelha, Rio de Janeiro, UFRJ/PPGESS, nº8, 1º semestre de 2003. 28 A linha da indigência está abaixo da linha da pobreza e inclui, “além da cesta básica, o valor estimado para o atendimento de outras necessidades essenciais como vestuário, habitação, transporte, educação, medicamentos, entre outros” (SOARES, 2003)
28
Mundial para o ano de 2003 o Brasil apresenta um dos mais altos Índices de Gini29 entre os
países selecionados, 0,591 contra os 0,247 da Dinamarca. O Brasil possui ainda uma das maiores
concentrações de renda, quando comparada a renda apropriada pelos 40% mais pobres (que ficam
com 7,7% da riqueza produzida no país) e pelos 10% mais ricos (que ficam com 46,7% da
riqueza produzida no país). Essa concentração de renda brasileira é bem maior, inclusive, do que
a de países mais pobres do que o Brasil.
O Gráfico 1, abaixo, traz o demonstrativo da distribuição acumulada dos rendimentos
familiares per capita para o ano de 2003 no Brasil, com base na PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios) do mesmo ano, acessado em sistematização divulgada pelo DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em outubro de 2005.
[Gráfico 1]
Distribuição acumulada da renda domiciliar per capita e linhas de pobreza Brasil – 2003
Observa-se que a linha dos rendimentos segue uma trajetória bastante horizontal até o
29 O Índice de Gini varia de zero (maior igualdade) a 1 (maior desigualdade) e é um dos indicadores mais utilizados nas análises sobre distribuição de renda.
29
sétimo decil dos indivíduos (ordenados segundo sua renda domiciliar per capita), acentuando sua
trajetória ascendente a partir daí, especialmente no último décimo, deixando evidenciada a má
distribuição de renda no país. “Um exercício elaborado pela CEPAL (2004) demonstra que se
fossem excluídos da análise os 10% mais ricos, o Brasil, com 160 milhões de habitantes, seria o
país com maior eqüidade na América Latina em 2002” (DIEESE, 2005, p. 3).
Quanto aos determinantes da pobreza no capitalismo, já vimos que estes têm sua origem
histórica atrelada à própria história do capital, e que esta forma de organizar a
produção/reprodução do ser social sempre gerou e continua a gerar formas cada vez mais severas
de pobreza. No entanto, vamos nos concentrar no período denominado por Soares (2003) IIIª
reestruturação produtiva capitalista e de implementação da proposta neoliberal, quando o capital
reinventa suas formas de exploração para a garantia de sua margem de lucro no fenômeno que é
qualificado por Soares (2003) de “retrocesso” para muitos no que tange a situação social e
econômica.
Este retrocesso, em termos de América Latina30
Soares (2003, p. 49), baseada na Pesquisa Mensal de Emprego realizada em dezembro de
1999, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítstica PME/IBGE, apresenta-nos os efeitos
desse retrocesso no final dos anos de 1990, quando tem-se o aumento da capacidade de consumo
das camadas mais abastadas da sociedade, enquanto os menos abastados têm este poder reduzido.
Vemos assim, neste período, o aumento da população em extrema pobreza – população cuja
, apresenta-se, segundo Soares (2003), em
dois sentidos. O primeiro é o de que alguns avanços conquistados neste continente correm o risco
de desaparecer e/ou passar por perdas consideráveis no que diz respeito à proteção social que
proporcionavam. O segundo refere-se ao surgimento de um quadro demográfico, que não só não
deixa para trás antigas doenças como apresenta registros cada vez mais graves. Além disso, a
população mais pobre que antes sofria com as chamadas doenças do “atraso”, ou seja, as doenças
infecto-contagiosas, agora também sofre com os chamados agravos “modernos”: câncer, AIDS,
doenças cardiovasculares, além da violência, acidentes e também, como pudemos observar
durante período de estágio (2º semestre de 2007 e 1º semestre de 2008) no Programa se Saúde
Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, transtornos mentais,
como insônia e depressão.
30 Aqui, assumimos como matriz de pensamento aquela que considera nossos países como periféricos aos países de capitalismo monopolista ou capitalistas tardios (SOARES, 2003, p. 32).
30
renda familiar não dá para adquirir ao menos a cesta básica de alimentos – e a deterioração da
qualidade de vida dos estratos médios urbanos colocando-os em situação de pobreza.
Somam-se a isso, taxas de desemprego provocadas pelas políticas de ajuste neoliberal
para a América Latina. Em paralelo ao desemprego, o subemprego, ou seja, “o trabalho com uma
remuneração inferior ao valor mínimo estabelecido em cada país” (SOARES, 2003) apresenta-se
como um dos mais graves problemas para a América Latina.
Neste período de ajustes neoliberais, as políticas econômicas e sociais não se mostraram
capazes de reverter o quadro de pobreza. O que elas conseguiram foi agravar e deteriorar as
condições de emprego e trabalho, aumentando a informalidade e o desemprego em grande escala
(POCHMANN, 2000).
Estas informações são corroboradas por pesquisas divulgadas pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) – e pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos). Segundo o último relatório Tendências Mundiais do Emprego,
divulgado pela OIT em janeiro de 2009, a crise econômica mundial poderá produzir um aumento
considerável no número de trabalhadores desempregados, trabalhadores pobres e trabalhadores
com empregos vulneráveis, ou seja, trabalhadores que contribuem para o sustento familiar ou
trabalhadores por conta própria com menor acesso às redes de seguridade que protegem contra a
perda de renda por desemprego. Este número no pior dos cenários poderia alcançar até 53% da
população com emprego. Em valores reais o desemprego no mundo poderia aumentar em 2009
com relação a 2007, entre 18 e 30 milhões de trabalhadores e até além de 50 milhões, caso a
situação continue se deteriorando. A OIT acredita que no caso de afirmação deste último cenário,
cerca de 200 milhões de trabalhadores, em especial nas economias em desenvolvimento, – como
no caso do Brasil – poderiam passar a integrar os índices da pobreza extrema.
O Gráfico 2, extraído do caderno Nota Técnica do DIEESE (2005) mostra a disparidade
do PIB – Produto Interno Bruto – com o salário mínimo. Fica claro ao olharmos a imagem que o
Brasil não se trata de um país pobre, mas um país de pobres onde a má distribuição é fator
determinante nesta afirmativa.
31
[Gráfico 2]
Evolução do Salário Mínimo Real e do PIB per capita – 1940/2004
O salário mínimo (SM) passou por diferentes políticas ao longo de sua história, de
maneira que podemos observar, a partir desta, diferentes visões sobre seu papel na sociedade
brasileira e diferentes correlações de forças sociais em cada conjuntura. Instituído em julho de
1940, o SM atingiu seus maiores valores na segunda metade dos anos 50. A partir de então, foi
sendo persistentemente rebaixado, até atingir seus menores valores nos primeiros anos da década
de 90. De meados dos anos 90 até hoje, vem sendo objeto de tímida e irregular recuperação.
Ainda assim, o valor atual (Janeiro de 2009) situa-se perto da metade do valor de julho de 1940
(DIEESE, 2005). A partir da tabela 1 poderemos visualizar estas informações em valores reais.
32
[Tabela 1]
Salário mínimo real: Médias anuais selecionadas em R$ Ano Valor 1940 1944 1952 1957 1964 1991 1994 1998 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
30/01/2009
889,03 754,50 895,85
1.112,44 838,85 275,55 224,84 240,76 274,61 278,48 288,87 300,00 350,00 380,00 415,00 465,00
Fonte: DIEESE (até jul/2005) e MTE (2006 à 2009) (http://www.mte.gov.br/sal_min/EVOLEISM.pdf)
Tomando como referência a estrutura do emprego não agrícola na América Latina, vemos
o trabalho informal31
Em tese de mestrado defendida na data de 15/04/2009, na Universidade de Brasília, o
afirmado como principal fonte geradora de emprego, atingindo 84% no
período 1990-1995, com a redução do emprego formal tanto no setor público, quanto no setor
privado (SOARES, 2003, p. 38-39). Vale lembrar que é característica deste setor informal uma
origem heterogênea, que inclui desde pessoal de grandes potências multinacionais até
trabalhadores dos setores mais pobres, concentrados em atividades de sobrevivência, acentuando
a desigualdade social e sanitária (Ibid).
Mesmo os que conseguem trabalho com carteira assinada hoje, sofrem com as chamadas
políticas de flexibilização por parte das empresas. Essas políticas são facilitadas pelas reformas
trabalhistas em curso na maioria dos países latino-americanos, afetando a estabilidade do
emprego, a extensão da jornada de trabalho, o regime de férias, e, sobretudo, as remunerações.
31 Jakobsen (2000) entende o trabalho informal como o conjunto de atividades que geram renda e são desregulamentadas por parte do Estado, em ambientes sociais em que outras atividades similares são regulamentadas. No segundo capítulo deste trabalho será dado tratamento mais aprofundado a este termo e também ao setor que abarca o trabalho informal.
33
sociólogo Roberto Gonzalez32
Recente notícia divulgada no portal G1, na Internet, revelou que mais de 76% dos
espanhóis consideram o desemprego como sua maior preocupação. Os dados são de uma enquete
elaborada pelo Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS sigla em espanhol). Na enquete, onde os
problemas econômicos aparecem em segundo lugar, citados por 52%, e o terrorismo em terceiro,
com 19,4%, os espanhóis mantêm seu pessimismo sobre a situação econômica, já que 75% a
qualificam de "ruim" ou "muito ruim". (www.globo.com - Abril de 2009
.
[...] calculou que 50% dos empregos duram menos de 24 meses. Vinte e cinco por cento duram menos de oito meses. Apenas 25% têm duração maior que cinco anos. Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), 40% das pessoas que trabalham com carteira assinada perdem o emprego todos os anos, uma taxa altíssima de rotatividade. Estudos clássicos apontam que a mudança constante de fucnionários nas empresas tende a impedir o aumento da produtividade. Como consequência, o preço da mão de obra é menor (http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=1551).
33)
Nesta realidade de trabalhos precários, os trabalhadores se vêem obrigados a aceitar
situações muito desfavoráveis como mostra estudo realizado pelo DIEESE acerca do mercado de
trabalho da rede supermercadista no Brasil, onde temos, para os trezentos maiores supermercados
do país, um índice de redução dos postos de trabalho altíssimo, com a eliminação de cerca de 70
mil postos de trabalho em dez anos (1987/1996), período em que o faturamento e a produtividade
por funcionário aumentaram entre 15% a 46%, respectivamente. (Sítio DIEESE:
http://www.dieese.org.br/esp/es1dez97.xml acessado dia 01/05/2009)
A incapacidade de as instituições como os sindicatos, partidos e Estado em dar suporte
adequado aos que se encontram marginalizados socialmente, ou seja, em condição de
subemprego, desemprego ou informalidade, não estaria revelando uma simples falha do
funcionamento de mercado, nem das próprias instituições sociais (POCHMANN
32 Tese intitulada “Flexibilidade e Permanência – A Duração dos Empregos no Brasil”. 33 Disponível no sítio: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1101162-5602,00-PREOCUPACAO+DE+ESPANHOIS+COM+DESEMPREGO+ATINGE+NUMERO+RECORDE.html
, 2000, p. 22),
mas um problema estrutural da dinâmica própria do sistema. Está é a crítica fundamental. No
entanto, ela não invalida reflexões e ações voltadas, se não para a solução do problema, para sua
atenuação, preferencialmente numa ótica menos adaptativa possível.
2. TRABALHO INFORMAL E SAÚDE MENTAL
2.1. BEM VINDO AO SETOR INFORMAL, UMA ABORDAGEM CONCEITUAL
Na primeira parte deste trabalho apresentamos um balanço político/econômico/social
da sociedade capitalista pós-reestruturação produtiva e apontamos a todo o momento para o
trabalho informal como uma “estratégia de acumulação de capital das empresas formais
modernas” (JAKOBSEN, 2000, p. 15). Agora ater-nos-emos ao trabalho informal em suas
dimensões históricas, políticas, econômicas e, em outro momento, relacionada à saúde mental,
apresentando assim os danos gerados à qualidade de vida dos trabalhadores por este tipo de
atividade.
Freire (2006) entende que o poder de destruição da reestruturação produtiva capitalista
manifesta-se em uma série de perdas para os trabalhadores e evidencia-se primeiramente na
expulsão em massa do emprego formal. No entanto, aliado a esta exclusão do trabalho formal
em massa, a autora destaca ainda como muito destrutivo a legitimação e naturalização da
desigualdade no interior da classe trabalhadora.
É importante lembrar que o trabalho informal – como quer que seja conhecido:
subemprego ou desemprego oculto1
1 Segundo o DIEESE, nos conceitos usados pela PEA – População Economicamente Ativa, podemos qualificar o desemprego oculto de duas maneiras: Desemprego oculto pelo trabalho precário ou desemprego oculto pelo desalento. O desemprego oculto pelo trabalho precário qualifica as “pessoas que realizam trabalhos precários - algum trabalho remunerado de auto-ocupação – ou pessoas que realizam trabalho não-remunerado em ajuda a negócios de parentes e que procuraram mudar de trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista ou que, não tendo procurado neste período, o fizeram sem êxito até 12 meses atrás”. E o desemprego oculto pelo desalento diz respeito aos trabalhadores “que não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos 30 dias anteriores ao da entrevista, por desestímulos do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos últimos 12 meses” (http://www.dieese.org.br/ped/pedmet.xml).
– é tão antigo quanto a própria história do capitalismo,
datando dos primórdios da Revolução Industrial. Na quarta seção do capítulo 23 do livro O
Capital (vol. 1) Marx denominou de “Diversas formas de existência da população
35
relativamente excedente”. O autor apresenta-nos como a população relativamente excedente
aquela que excede momentaneamente as necessidades do capital de busca por mão-de-obra e
não a defini por esta ser desnecessária a economia capitalista. Segundo Singer (2000) esta
população de reserva está dividida em três partes: População excedente líquida2, latente3
2 Para o capital “[...] poder pagar salários compatíveis com a valorização do capital, precisa dispor de uma massa de trabalhadores que esteja sendo demitida por algumas empresas e admitida por outras. É uma reserva móvel de trabalho, sempre disponível às empresas quando estas querem expandir rapidamente o número de empregados. Marx chamou esta parte da população excedente de ‘líquida’” (SINGER 2000, p. 11). 3 “Uma segunda parte da população excedente, segundo Marx, é a ‘latente’, formada pelos moradores do campo que estão em vias de ser expulsos da agricultura e só esperam uma conjuntura favorável para se dirigir às cidades em busca do trabalho” (SINGER 2000, p. 11).
e a
que mais nos interessa ao momento, estagnada. Esta parte da população relativamente
excedente faz parte do exército ativo do trabalho, mas com ocupação inteiramente irregular.
O termo “setor informal” teve sua primeira utilização feita pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) nos relatórios do Programa Mundial de Emprego de 1972,
em particular nos relatórios sobre as condições de trabalho em Gana e no Quênia, países do
continente africano. Identificou-se como o principal problema social lá, não o desemprego,
mas o grande número de “trabalhadores pobres” ocupados em produzir bens e serviços sem
que suas atividades estivessem reconhecidas ou regulamentadas pelo poder público
(JAKOBSEN, 2000, p 13). Existem ainda, segundo Jakobsen (2000), diferentes visões do que
seria este setor informal e desta forma diferentes explicações para sua origem. De acordo com
o Programa de Emprego para a América Latina e Caribe (PREALC) da OIT e citado pelo
autor, podemos dizer que o setor informal é aquele que se compõe de pequenas atividades
urbanas geradoras de renda e que se desenvolvem em mercados desregulamentados e muito
competitivos onde, como dito anteriormente, é difícil distinguir a diferença entre capital e
trabalho. Essas seriam atividades que necessitam de pouquíssimo investimento de capital,
técnicas rudimentares e mão de obra com pouca qualificação. Aqui o emprego é instável, a
produtividade é baixa e a renda precária.
Desta feita podemos dizer, a partir desta referência, que o setor informal é aquele setor
de trabalho, que se encontra à margem de regulamentação ou qualquer tipo de controle por
parte do poder público (JAKOBSEN, 2000, p. 5). Em outras palavras, é uma condição que
conduz as famílias privadas de rendimento fruto do desemprego a verem-se obrigadas a fazer
uso de outros recursos de sobrevivência. Assim, afirma Malaguti (2000), em países cujas
seguridades sociais são uma mera ficção jurídica, os trabalhadores são forçados a, expulsos do
sistema formal, embrenharem-se na informalidade das transações ilícitas, da pequena
marginalidade e mesmo do crime.
36
Malaguti (2000) afirma, no que tange a realidade nacional brasileira, que a
informalidade
[...] é o ‘arrimo’ da maior parte da população trabalhadora brasileira. Por tanto, constitui a regra nacional de pertencimento ao mundo do trabalho. O problema é, pois, o de encontrar-se novos instrumentos teóricos que permitam detectar e compreender esta nova padronização do mercado e da legislação do trabalho, em toda sua complexidade, desvendando sua lógica, suas formas de reprodução, as redes de sociabilidade que engendra, suas ligações com a pequena marginalidade e com o crime. (ibid., p. 81).
Com a finalidade de medir o nível de trabalho informal, a OIT, segundo Jakobsen,
(2000) utiliza-se da unidade econômica – entendida como unidade de produção – e não do
trabalhador individual ou da ocupação por ele exercida – como ponto de partida. Essa unidade
econômica caracteriza-se por uma produção em pequena escala, pelo baixo nível de
organização e principalmente pela quase inexistente separação entre capital e trabalho.
No que diz respeito à América Latina, a origem do trabalho informal estaria ligada à
migração de trabalhadores do campo para a cidade após a Segunda Guerra Mundial, devido
aos avanços tecnológicos nos meios de produção agrícola que proporcionaram o desemprego
estrutural e levaram à dispensa de uma massa de mão-de-obra neste setor, no entanto a cidade
não pôde comportar e oferecer empregos a todos. (ibid., p. 14).
A visão da economia liberal que, segundo Lopes (2006), se refere às teses defendidas
por De Soto4
A chamada perspectiva estruturalista representada, por “Pérez-Sainz
(1986) com ênfase sobre a extra-legalidade das atividades informais, assim, o
setor informal define-se com bastante precisão, sendo este o setor que inclui todas as
atividades econômicas extralegais, a produção e comércio orientados pelo mercado ou com a
finalidade da subsistência direta. Desta forma sua origem estaria ligada ao excesso de
regulamentação da economia pelo Estado. Nesta ótica, podemos entender que o trabalho
informal, seria a resposta da população frente às restrições legais do Estado, com a finalidade
de derrubar esta barreira e implantar a desregulamentação de maneira que as forças do
mercado invadam a economia estagnada pela regulamentação. (JAKOBSEN, 2000, p. 14). 5 (1996), Druck &
Filgueiras6 (2002), Baltar&Dedecca7 (1997), Broad8 (2000), Sassen9 (2000), Tabak10
4 DE SOTO. Hernando. El outro Sendero. Lima, Peru. El Barranco, 1986. 5 PÉREZ-SAINZ, Juan P.Neoinformalidad en Centroamérica. San José, Costa Rica: Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), 1996. 6 FILGUEIRAS, L. A . M.; DRUCK, G.; AMARAL, M. F. “O conceito de informalidade: problema ou solução – um exercício de aplicação empírica dos conceitos”. In: Dossiê: Trabalho, Flexibilidade e Precarização (coord. DRUCK, G.).Bahia-Salvador, UFBA, Caderno CRH, n. 37, jul-dez, p. 163-181, 2002.
(2000)
37
e outros” (LOPES, 2006, p. 88). Lopes (2006, p. 100) focaliza-se em particular na “estrutura
das relações entre atividades reguladas e não reguladas pelo Estado” e que “Estas atividades
não reguladas [...] perseguem a redução dos custos pela via da exclusão dos direitos e
benefícios e sua lógica de funcionamento é a descentralização”. Segundo Jakobsen (2000),
por esta lógica (estruturalista) o trabalho informal define-se como o conjunto de atividades
que geram renda e são desregulamentadas por parte do Estado, em ambientes sociais em que
outras atividades similares seriam regulamentadas. Assim poderíamos dizer que parte do
trabalho informal origina-se pelas alternativas encontradas pelas grandes empresas formais
como “o trabalho em tempo parcial ou casual, os contratos de prestação de serviços e a
subcontratação para pequenas e desregulamentadas empresas terceiras de produção de bens e
serviços”. (ibid., p. 14).
No entanto, em nosso trabalho, lidaremos com a interpretação de trabalho informal,
não como na ótica liberal, como uma resposta da população à participação político/econômica
do Estado, mas como resultado das estratégias de acumulação de capital por parte das
empresas formais modernas (ibid., p. 15).
Segundo Malaguti (2000), o discurso do Serviço de Apoio as Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE) é de que 70% dos empregos existentes no Brasil estão em pequenas e
microempresas, mas é sabido que estas empresas são responsáveis por apenas 13% do
trabalho formal11, evidenciando que estas pequenas unidades produtivas seriam as principais
responsáveis pelo emprego informal12
Dejours (2005, p. 76), em outros termos tratará a temática como parte do mal. O mal,
segundo o autor, é visto como uma tolerância à mentira e à sua não denúncia, além da
cooperação em sua produção e difusão. Também é reconhecido como mal a tolerância, a não-
denúncia e a participação em atividades de injustiça e de sofrimento infligidos a outrem. Para
.
7 BALTAR, Paulo Eduardo Andrade; DEDECCA, Cláudio Salvador. Mercado de trabalho e informalidade nos anos 90. In: Estudos Econômicos, IPE-USP, São Paulo, v. 27, n. especial, p. 65-84, 1997. 8 BROAD, Dave. “The periodic casualization of work: the informal economy: the informal economy, casual labor, and the longue durée”. In: TABAK, Faruk; CRICHLOW, Michaeline. Informalization. Process and structure. Baltimore/London: The Johns Hopkins University Press, 2000. 9 SASSEN, Saskia. “The demise of Pax Americana and the emergence of informalization as a systemic trend”. In: TABAK, Faruk; CRICHLOW, Michaeline. Informalization. Process and structure. Baltimore/London: The Johns Hopkins University Press, 2000. 10 TABAK, Faruk; CRICHLOW, Michaeline. Informalization. Process and structure. Baltimore/London: The Johns Hopkins University Press, 2000. 11 IBGE, Censo Cadastro 1995. Complemento da PNAD-1996. 12 Uma maneira interessante de mensurar a situação brasileira no que se refere ao trabalho informal e subemprego seria comparar os números de contribuintes da Previdência Social com os dados da PEA – População Economicamente Ativa (DIEESE). Isso não foi possível devido à grande diferença no universo de amostra das duas pesquisas. Enquanto a PEA
38
o autor tratam-se de “infrações cada vez mais freqüentes e cínicas das leis trabalhistas” (ibid.,
p. 76) como por exemplo oferecer emprego e empregar pessoas sem a carteira assinada, para
assim não ter que pagar as contribuições da Previdência Social – além de poder demiti-las
sem penas em caso de acidente de trabalho; empregar pessoas sem pagar o que lhes é devido
como os casos de estabelecimentos semi-clandestinos de confecções; exigir um trabalho cuja
duração ultrapassa as autorizações legais, os exemplos mais comuns são os motoristas
rodoviários que chegam a dirigir mais de 24h seguidas.
O autor continua a descrever o mal como uma ameaça deliberada, chantagem e
insinuações que desestabilizam psicologicamente os trabalhadores. O mal é ainda manipular a ameaça de precarização para submeter o outro, para infligir-lhe servícias – sexuais, por exemplo – ou para obrigá-lo a fazer coisas que ele reprova moralmente, e, de modo geral, para amedrontá-lo. (ibid., p. 77).
Para Silva (1986), a introdução de novas tecnologias no processo produtivo, oriundas
de um processo de reestruturação produtiva capitalista, a conseqüente diminuição do emprego
e exigência de capacitação, traz conseqüências para a estrutura psíquica do trabalhador. O
deslocamento do emprego de um setor para outro exige mudanças no perfil de produção, de
demanda e de renda e, para a autora esse processo leva no mínimo uma geração para ser
assimilado. Assim, a geração dos anos 80 e 90 que sofreram com o desemprego estrutural,
ainda estão assimilando o ingresso no setor informal.
Não podemos perder de vista que, quando os pequenos negócios empregam a mão-de-
obra desprezada pelas grandes empresas, estão fazendo as vezes da Seguridade Social do
primeiro mundo. Mas isso tem um custo. Segundo Malaguti (2000), se por um lado as
pequenas unidades produtivas, grandes responsáveis pela informalidade, oferecem uma forma
de “ganhar a vida” para um contingente de desempregados, por outro temos níveis de
exploração semelhantes aos do tempo da acumulação primitiva no capitalismo, visto que
as pequenas empresas, sujeitas a uma concorrência desleal, utilizam-se de “todas as formas
conhecidas de superexploração dos recursos humanos: seu único trunfo é a utilização anormal
dos recursos do trabalho” (ibid., p. 93).
Do mais, Malaguti (2000, p. 90-91) afirma que o “sonho” do trabalho por conta
própria e do empresariado não exprime um desejo real dos trabalhadores que, impedidos de
realizarem-se como assalariados, tornam-se pequenos patrões ou trabalham por conta própria.
Para o autor a informalidade “não é um celeiro de empreendedores, de pessoas ativas e
39
enérgicas, mas sim o refúgio dos sem-opção”. Assim, “[...] montar um pequeno negócio é
muito mais uma forma de amenizar frustrações do que de acalentar sonhos e ilusões13
13 Grifo do autor e nosso.
”
(ibid., p. 91).
Esse tipo de atividade (informal) tem conseqüências que merecem ser tratadas de
maneira específica, tendo como referência o papel da informalidade na sociedade capitalista.
Com relação à saúde do trabalhador, Freire (2006) entende esta como
expressão socioeconômica e política concreta, privilegiada, das relações de trabalho, cujas evidências gritantes facilitam o desvendamento da realidade oculta por trás do discurso dominante, predominantemente mistificador, possibilitando ao mesmo tempo a construção de sujeitos políticos (ibid., p. 38).
Para esta autora, a saúde do trabalhador possui amplitude e penetração em todas as
esferas das necessidades humanas: material, biopsíquica, psicossocial, sociopolítica,
educacional e cultural. Assim, Freire (2006) afirma que suas políticas passam a ser objetos
transdisciplinares.
Para Freire (2006) a saúde do trabalhador é um conceito concebido como um processo
dialético saúde-doença mediado pelos aspectos organizacionais dos processos laborais e
relações sociais no trabalho. Processo entendido como a maneira de trabalhar, desgastar-se, de
exploração e resistência dos trabalhadores. Aqui o desgaste é concebido como a perda da
capacidade potencial corporal e psíquica, ou seja, um conjunto de processos biopsíquicos.
Segundo a autora, este desgaste tem origem na interação das cargas negativas como posição
incômoda, alternância de turnos, ruído, pressão por alto ritmo e tensão nervosa. Por conta
desta origem, a autora afirma que a carga de trabalho não deve conotar a dificuldade ou peso
do trabalho, mas as demandas do processo de trabalho. Esta carga inclui aspectos físico,
químico, biológico e mecânico e também aspectos do tipo fisiológico, psíquico, com destaque
da autora para o aspecto social. Esta carga social seria na sua dimensão particular do local de
trabalho, coexistindo com a dimensão da universalidade societária.
Visto isto a saúde do trabalhador pode ser concebida como um conceito que “expressa
as relações sociais de produção e de reprodução da força de trabalho de uma determinada
sociedade, resultando das múltiplas determinações e mediações dessa totalidade” (ibid., p.
42).
40
No Brasil, a condição de cidadania não é universal e está associada ao modo de
inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. A perda do vínculo empregatício formal
representa perda de direitos e benefícios sociais (JAKOBSEN, 2000, p. 5) (POCHMANN,
2000, p. 21)
a desarticulação da prática social, decorrente do desemprego, deixa um vazio que gera desequilíbrio no espaço interno das relações privadas, superdimensionando e sobrecarregando este espaço, bem como nas relações
. Para Jakobsen (2000, p. 5), a população, ao entrar no mercado informal, torna-se
“cidadão de segunda classe” e perde alguns direitos, inclusive garantidos pela Constituição
Brasileira. Para Malaguti (2000, p. 62-63) o fenômeno da informalidade propaga-se por todos
os poros da economia e essa propagação é favorecida por um cenário de aversão aos direitos,
em função do salário mínimo, com o valor monetário que apresenta ser inconstitucional; a
falta de moradia para todos ser uma questão inconstitucional; a inexistência efetiva de um
sistema público de saúde ser inconstitucional, degradando o poder aquisitivo e a qualidade de
vida, ao mesmo tempo em que dissolve as organizações dos trabalhadores. Como podemos
observar com a negação (visto o caso dos sem teto, sem terra e outros movimentos sociais)
cotidiana do artigo terceiro da Lei 8.080, que transcreve a respeito da saúde no Brasil. Artigo 3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; [...] Parágrafo Único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. (BRASIL, 1990)
2.2 –ATIVIDADE LABORAL E O TRANSTORNO MENTAL
Entendendo que a construção de uma identidade social passa pela identidade
profissional, e pela condição de trabalhador, o trabalho assume importante papel na
construção e resgate da imagem de si mesmo. (MORRONE, 2008) Com isso, o processo de
deterioração do emprego pode trazer conseqüências também para a saúde mental do
trabalhador.
Sendo o trabalho uma instância fundamental da relação entre o indivíduo e a sociedade
e também o suporte da própria identidade, formando a expressão de capacidades e fonte de
subsistência material, constata-se que
41
concretas e reais de reflexão e participação social e política (LIRA e WEINSTEIN, 198014
Por esta ótica, Silva (1986) demonstra como o stress pode ser ocasionado não só no
processo laboral, mas nas tensões geradas por baixos salários e pela instabilidade no emprego.
A autora, portanto, atribui ainda às transformações nos processos laborais e à ameaça
constante de perda do emprego, um aumento na busca por tratamentos de saúde devido a
causas psicológicas, psicossomáticas
apud SILVA, 1986, p. 105).
Como podemos perceber, o processo de reestruturação produtiva capitalista mediante
a crise trouxe grandes transformações na organização da sociedade e, segundo Silva (1986),
toda crise econômica vêm correlata a uma crise social e ambas determinam profundas
repercussões sobre a saúde do trabalhador, nem sempre de forma clara e, às vezes, mascaradas
por um transtorno mental. Para a autora, o sofrimento físico, o sofrimento mental e o
sofrimento social são indissociáveis, não sendo totalmente esclarecedor a observância de
apenas um desses aspectos separados. Deste modo as mudanças econômicas afetam a saúde
humana, principalmente no que diz respeito à tensão, alimentação, hábitos de vida e
condições de trabalho.
15
Ao afirmarmos que a história da doença de uma população é social e gesta-se nos
processos sociais, antes de ter sua expressão sensível podemos dizer, com relação à crise, que
, acidentes e doenças.
Para Ludermir (2005) a informalidade apresenta características que podem fazer mal à
saúde psicológica dos trabalhadores como os baixos níveis de poder de decisão e de controle
pessoal sobre os vencimentos e sobre sua jornada de trabalho, sempre determinados pela
demanda do mercado. Essa incerteza sobre a situação de trabalho associada a baixos salários,
à ausência de benefícios sociais e de proteção da legislação trabalhista são provavelmente
responsáveis pelo desenvolvimento de sintomas que favorecem o aparecimento dos casos de
Transtorno Mental Comum – TMC – como ansiedade e depressão. A autora destaca que a
prevalência de TMC entre os trabalhadores informais é semelhante à encontrada entre os
desempregados e que, desta maneira, a redução dos direitos trabalhistas como uma estratégia
para a diminuição do desemprego, deve “estimular uma reflexão crítica sobre as
conseqüências da precarização das relações de trabalho para a saúde mental” (ibid., p. 203).
14 LIRA, E. e WEINSTEIN, E. Desempleo y Dano Psicológico. Santiago: Mimeo, 1980. 22p. 15 Podemos entender doença somática como “apenas uma ‘via a mais’ para externar a turbulência afetiva, tendo sido essa via inconscientemente buscada pelo sujeito, incapaz de harmonizar os seus conflitos interiores” (SEGRE e FERRAZ 2009, p. 540).
42
“as classes trabalhadoras a trarão em seus corpos por um longo período, independentemente
do futuro próximo” (SILVA, 1986, p. 58).
Além disto, Silva (1986, p. 58) nos diz que nos momentos de crise pode-se observar
um aumento no número de internações psiquiátricas, enquanto as internações por psicose não
têm aumento especial. Este aumento é associado pela autora como uma seqüência bastante
imediata ao aumento do desemprego e ao declínio da estabilidade econômica.
O desemprego prolongado gera uma série de condições e eventos que mudam
gradativamente o modo de vida do grupo familiar. Acumulam-se as carências, da feita que
para comer é necessário vender e empenhar objetos, reduzindo as coisas que compõe o lar,
deixando para trás objetos que vão marcando o sentido da pobreza: a roupa de pobre, a casa
de pobre, a comida de pobre. Isso vai estruturando uma identidade de pobre, de pessoas
desvalorizadas. (ibid., p. 107)
Com relação à reação frente ao desemprego Silva (1986) afirma que o indivíduo
procura reagir buscando alternativas, mas é rapidamente tomado pela sensação de insegurança
e passa a apresentar intensa irritabilidade, insônia, oscilações de humor e angustia. Os eventos
cotidianos passam a ser vistos como ameaças. Em uma outra fase, segundo a autora, de
transição, ficam evidentes os sentimentos de culpa, desânimo e tristeza, atenua-se a insônia,
além disso, o indivíduo começa a se isolar e a depressão se evidencia. Na fase de adaptação o
isolamento torna-se acentuado e a pessoa se culpa pela injustiça que a envolve, obscurece-se a
consciência da sociedade. É aqui que passam a fazer parte das estratégias de evasão a
mendicância, o alcoolismo e a drogadição. Para a autora é nesta fase que surge a hipocondria
e outras doenças psicossomáticas. Na fase de ajustamento acontece uma perda da
sensibilidade afetiva, resultando de um processo de acentuação do desalento e deterioração da
auto-imagem e a acentuação de um profundo fatalismo.
Sem poder escapar ao espírito competitivo próprio das sociedades capitalistas, o
indivíduo termina convencido que, mais do que vítima de uma situação política e econômica,
ele é produto de um fracasso individual e esta vivência, segundo Silva (1986), é fonte de
sentimentos de culpa e desvalorização sendo fator determinante para o adoecimento.
Silva (1986) aponta que a angústia na situação de desemprego é maior quando em sua
família alguém apresenta-se com alguma doença que o trabalhador desempregado não tem
mais condição de atender, seja na compra de remédios ou pela perda de direito a convênios ou
da Previdência Social.
43
Dados de sondagem realizada com 17 usuários – através de relatório de triagem16
[Gráfico 3] Situação conjugal dos
usuários do PSM em 2007
– no
primeiro semestre de 2007 no Programa de Saúde Mental (PSM) da Secretaria Municipal de
Saúde do município de Bom Jesus do Itabapoana no Estado do Rio de Janeiro ajudam a
comprovar esta afirmação de Silva (1986).
[Gráfico 4] Número de filhos dos
usuários do PSM em 2007
0 10 20
1
Solteiro
Amazeado
Casado
Divorciado
Viuvo
0
1
2
3
4
5
6
7
SemFilhos
1 filho 2filhos
3filhos
4filhos
5filhos
6filhos
7filhosou +
A família é, para Ferrari e Kaloustian (2004) o espaço indispensável para a garantia da
sobrevivência e do desenvolvimento da proteção integral dos filhos e outros membros,
qualquer que seja o arranjo familiar ou a forma como vêm se estruturando. É a família que
propicia os aportes afetivos e materiais necessários para o desenvolvimento e bem-estar de
seus componentes. É consenso que a situação de vulnerabilidade das famílias relaciona-se
diretamente à sua situação de pobreza e ao perfil de distribuição de renda no país.
Segundo Ludermir e Melo Filho (2002) podemos denominar de transtornos mentais
comuns (TMC) os sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de
concentração e queixas somáticas, comuns na situação de desemprego, como citado acima.
Para estes autores pode-se verificar a associação dos TMC a alterações relacionadas às
condições de vida e à estrutura ocupacional dos indivíduos. Em um primeiro momento, com a
escolaridade, com a posse de bens duráveis como casa e carro e com as condições de moradia.
No segundo, com a renda, com a ocupação e, o que chamamos atenção neste trabalho, com a
exclusão do mercado formal de trabalho.
16 Em anexo.
44
Ainda aproveitando dados da sondagem realizada no PSM (apresentando cerca de
47% dos usuários entre 40 e 60 anos), vemos que estes dados confirmam algumas dessas
afirmativas, como a da escolaridade sendo fator potencializador dos casos de TMC, vide
exemplo demonstrado no gráfico 5 a seguir.
[Gráfico 5] Escolaridade dos usuários do PSM em 2007
Pr. Incompleto
41%
Pr. Completo
6%
2º Grau Incomp.
18%
2º Grau Comp.29%
Superior Completo
6%
Como podemos observar, 41% dos usuários com casos de TMC entrevistados,
apresentaram à época sequer o primeiro grau completo. Observamos ainda a grande
incidência de usuários com faixa etária entre 40 e 60 anos, como já citado. Entendemos ser
este elemento de grande importância para os estudos desta temática. No entanto, como não
tivemos tempo de organizar material para seu tratamento analítico, deixamos a questão aberta
para posteriores apreciações.
Em estudo realizado por Ludermir e Melo Filho (2002) com 621 adultos no período de
março de 1993 a novembro de 1993 na área II de Olinda-PE, através da aplicação, em
ambiente domiciliar, de um questionário sobre condições de vida e estrutura ocupacional. Verificou-se que a magnitude da associação entre escolaridade, condições de moradia, inserção no processo produtivo e renda aos TMC foi considerável. Os indivíduos com até quatro anos de estudo, os que tinham precárias condições de moradia, os trabalhadores manuais informalmente inseridos no processo produtivo e aqueles que viviam com renda familiar per capita de até um quarto de salário-mínimo apresentaram [...] mais TMC do que aqueles com 11 ou mais anos de estudo, vivendo em melhores condições de moradia, formalmente inseridos no processo produtivo, que não
45
desempenhavam atividades manuais e com renda familiar per capita maior que um salário-mínimo (ibid., p. 219). .
Diante do exposto, poder-se-ia admitir que escolaridade, condições de moradia,
inserção no processo produtivo e renda determinam os TMC (ibid.). Para Ludermir e Melo
Filho (2002) o indivíduo incapaz de influenciar o meio, por conta do desemprego e da
informalidade, pode sofrer prejuízos à sua saúde mental. A instabilidade do vínculo de
trabalho e dos rendimentos junto à ausência de benefícios sociais e da proteção da
legislação trabalhista também são prováveis causas da ansiedade e da depressão entre
trabalhadores informais. A desvalorização social frente a situação de desemprego também
pode comprometer o bem-estar psicológico individual.
Fazendo referência ainda à pesquisa realizada em Olinda-PE, Ludermir e Melo Filho
(2002, p. 220) afirmam que “os trabalhadores manuais, informalmente inseridos no processo
produtivo ou desempregados, foram os que apresentaram as maiores prevalências de TMC”. E
mais uma vez vimos corroborar o autor com dados da sondagem realizada no PSM no
município de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, onde podemos perceber uma grande parcela de
trabalhadores manuais acometidos pelo TMC.
[Gráfico 6] Ocupação dos usuários do PSM em 2007
0
1
2
3
Nao in
formou
Estuda
nte
Normal
Superi
o
Lava
deira
Operar
io
Profes
sora
Faxine
ira
Costur
eira
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Aux. E
nfermag
em
Aux. d
e coz
inha
Aux. S
erv. G
erais
Campe
iro
Quando perguntada a profissão de cada um, independente se esta era exercida ou não
obtivemos a resposta apresentada no Gráfico 6. Tendo em vista a definição de setor informal
apresentada neste trabalho podemos observar, a partir do Gráfico 6, que a maioria das funções
46
ocupacionais dos usuários envolvem atividades preponderantemente manuais, como as de
lavadeira, de doméstica e de faxineira17
Considerando o grupo social caracterizado por baixa renda
.
Visto que uma melhor renda pode proporcionar melhor condição de vida, a falta de
dinheiro pode, segundo Ludermir e Melo Filho (2002, p. 220) levar ao estresse e à
insegurança, mecanismos psicológicos causadores dos TMC, principalmente numa cultura
como a capitalista, onde o ter cada vez mais se sobrepõe ao ser.
Quando se contrai o setor que melhor remunera (economia formal) e tem-se expandido
o setor informal, com todas as mazelas que orbitam este processo, as remunerações
inconstantes, por exemplo, fazem com que dívidas pessoais sejam dificilmente quitáveis.
Neste sentido Martin (2007) alerta para conseqüências como o stress, insônia e a depressão,
os chamados TMC.
Para Martin (2007) especificamente a depressão é problema grave e de saúde pública.
Esse transtorno compromete o cotidiano das pessoas no relacionamento social, seja na
família, no trabalho ou na comunidade. O autor ainda afirma que os sintomas da depressão e
da ansiedade são mais comuns entre mulheres, pessoas com baixa escolaridade e pobres.
Portanto, um entendimento mais amplo da ocorrência de depressão nos indivíduos,
deve levar em conta mais que simplesmente os sintomas expressos pelo usuário ao médico
(psiquiatra), ou algum outro profissional autorizado a prestar atendimento a este público. Ou
seja, deve-se levar em conta o máximo de informações acerca do contexto social destes
indivíduos e as forças culturais que permeiam e dão significado às relações interpessoais e
eventos na vida dos mesmos. Para compreendermos o transtorno mental, de maneira mais
totalizante, devemos alcançar também elementos do contexto sociocultural das macro e micro
realidades. 18, baixa escolaridade, fraca
inserção no mercado produtivo é mais vulnerável a complexa rede causal do TMC, Fonseca
(2009) defende que seja feita um abordagem voltada para a saúde mental nos atendimentos
qualificados como atenção básica à saúde19
17 Vale colocar aqui que todas as usuárias afirmaram que recebem por serviço prestado e que o município possui um tanque público para a lavagem de roupa. 18 Definidos a partir de critérios estabelecidos no capitulo 1 deste trabalho. 19 “Os princípios fundamentais da atenção básica no Brasil são: integralidade, qualidade, eqüidade e participação social. Mediante a adstrição de clientela, as equipes Saúde da Família estabelecem vínculo com a população, possibilitando o compromisso e a co-responsabilidade destes profissionais com os usuários e a comunidade. Seu desafio é o de ampliar suas fronteiras de atuação visando uma maior resolubilidade da atenção, onde a Saúde da Família é compreendida como a estratégia principal para mudança deste modelo, que deverá sempre se integrar a todo o contexto de reorganização do sistema de saúde”. (Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/dab/atencaobasica.php Acessado em 05/07/2009)
, de forma a poder também cuidar dos casos
47
considerados de “menor gravidade” pelas políticas de saúde mental. O autor ressalta ainda ser
“necessário que as metodologias de acolhimento, palavra e escuta sejam permeáveis aos
códigos culturais dos diferentes grupos que demandam por atenção”. (ibid., p. 292).
Utilizando-nos ainda de dados da sondagem realizada no PSM em Bom Jesus do
Itabapoana, observamos um universo de 88% de usuárias20
20 Esta informação sugere um recorte de gênero na análise do problema TMC. Para nós é visível a grande necessidade de um recorte de gênero para todo este trabalho – em função das leituras realizadas e também da experiência como estagiário no Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Bom Jesus do Itabapoana-RJ – mas, este não será feito ao momento por não termos o tempo hábil para o bom tratamento do tema e porque não é objeto de nosso estudo no momento.
no Programa. Segundo Martin
(2007) um estudo realizado no município de Embu, na Grande São Paulo, entre agosto de
2002 e janeiro de 2003 – onde foram realizadas observações etnográficas e entrevistas em
profundidade com 16 mulheres (entre 20 e 57 anos) diagnosticadas com depressão – mostrou
a presença forte de uso contínuo de medicamentos (como a fluoxetina e alguns
benzodiazepínicos). Em alguns casos as usuárias entrevistadas chegaram ao atendimento
médico com um histórico vasto de consumo deliberado destes medicamentos, sendo difícil ao
médico questionar a interrupção do fornecimento da receita.
A prescrição indiscriminada de benzodiazepínicos não mostra resultados satisfatórios, se desdobra em tolerância aos efeitos ansiolíticos, dependência e em prejuízos, em alguns casos, irreversíveis, do desempenho cognitivo e psicomotor. Ainda mais grave, é o fato de operar uma medicalização de problemas mais amplos, ocultando os aspectos coletivos dessa problemática (FONSECA, 2009, p. 292).
A partir disto podemos observar também uma aceitação por parte do usuário de seu
diagnóstico e posterior tratamento medicamentoso, mesmo sem saber do que se trata seu
transtorno. Isso se dá de maneira que o profissional da psiquiatria, pelo simples fato de
nomear o sofrimento, garante, de certa forma, a legitimidade deste, bastando somente a
autoridade do médico para que o usuário acredite numa possível melhora e siga o tratamento
com medicamentos. Desta maneira
o foco do sofrimento deslocava-se da vida indesejável para a doença explicada pelo psiquiatra, da convivência com isso para medicação. [...] o sofrimento cotidiano era ocultado por um profissional (o psiquiatra) socialmente aceito e que acabava legitimando tal sofrimento (MARTIN, 2000, p. 9).
48
O tratamento medicamentoso a pacientes acometidos de transtornos mentais, segundo
a Lei 10.216 de 6 abril de 2001, em seu Parágrafo Único do Art. 2º, deve ser evitado. Este
mesmo Parágrafo Único discorre acerca da ciência do usuário acerca de sua doença e
tratamento, dizendo que são direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
[...] II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; [...] V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; [...] VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis. (BRASIL, 2001)
Observou-se ainda que os usuários, mesmo não tendo clareza de sua patologia,
conseguem descrever possíveis causas, evidenciando o relacionamento do transtorno a
eventos de suas vidas, a maioria deles externos. As causas do transtorno estavam intimamente
ligadas ao contexto em que viviam os usuários, o que se evidenciou nas falas das usuárias
transcritas aqui: (MARTIN 2000, p. 6). Eu acho que é a preocupação, é a vida financeira, é, te abala muito entendeu? Porque, às vezes, você quer comprar as coisas você é acostumado a comprar as coisas e você sabe que não pode, você ter filho, ver o marido nervoso porque não tem o serviço você entendeu? Então isso que eu acho que causa muita a depressão é muita tristeza no caso de uma pessoa quando você perde outra pessoa muito apegada que perde.... (G.) (ibid., p. 6) A falta de condução, falta de emprego e também as drogas, malandragem que é muita é demais aqui, tem demais mesmo como diz a doutora, já foi provado que aqui é o lugar que tem mais bandido do que nos outros lugar no mundo inteiro isso tudo dá medo na gente, é acho que é por isso que a gente fica com a cabeça ruim quase todas as mães hoje em dia está com depressão, está com um problema, está com outro. (M.) (ibid., p. 6)
Gostaríamos de ressaltar que, como bem afirma Fonseca (2009, p. 292), a população
em vulnerabilidade social não está fadada ao TMC mas, suas condições de vida podem
deixar os indivíduos mais propensos a estados de mal estar, manifestos através dos
Transtornos Mentais Comuns, mas, por outro lado, “o aumento da densidade das redes de
apoio social diminui o risco de TMC” (ibid., p. 291).
É igualmente importante colocar aqui as diferenças entre reações em trabalhadores
urbanos e rurais, visto que esta diferença pode nos trazer apontamentos para possíveis
49
soluções. Segundo Silva (1986, p. 112), no meio rural, há integração e uma boa comunicação
entre os membros de um mesmo povoado, diferente do meio urbano. As pessoas se encontram
quase diariamente e reúnem-se com freqüência, para o lanche, na praça etc. Nesta realidade
produz-se uma identificação, uma solidariedade, uma mobilização na busca de soluções
coletivas. O curioso é que para estes trabalhadores a perda do emprego é bem menos sofrida
do ponto de vista psicológico não chegando, segundo a autora, a determinar patologias de
modo específico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste estudo procuramos analisar questões concernentes ao trabalho informal,
ao desemprego, ao subemprego e como estas questões podem influenciar negativamente a saúde
mental dos trabalhadores com o aparecimento dos TMC (transtorno mental comum), como
estresse, insônia e ansiedade. Estes sintomas são considerados porta de entrada de transtornos
mais graves como a depressão.
A partir de nossas reflexões pudemos perceber, que o processo de reestruturação
produtiva, resposta do capital a crise de acumulação, gerou e continua gerando situações de
trabalho precário e pobreza.
Através de revisão bibliográfica e observações acerca da realidade destes trabalhadores
(pobres, desempregados, subempregados e informais), observa-se que a instabilidade de
rendimento e a situação de pobreza pode ser fator de causa dos TMC, visto a tensão que esta
situação gera nos usuários e também pelo fato destes sempre fazerem associação de seus
transtornos a meios externos, referente a sua situação financeira e ao trabalho.
Também observamos a grave situação de descompromisso com a Lei da Reforma
Psiquiátrica no que diz respeito ao tratamento de maneira menos invasiva possível (que é
possibilitado através de atuação da equipe multiprofissional). Os usuários além de tomar
demasiadamente medicamentos que podem trazer conseqüências futuras a sua saúde, sequer
sambem porque o fazem. Estes mesmos usuários não têm a noção do seu problema e menos ainda
do tratamento a que estão sendo submetidos.
51
Acreditamos ter contribuído com reflexões voltadas a questões relacionadas às mudanças
no mundo do trabalho, junto ao processo de reestruturação produtiva, no sentido de aprofundar
um pouco mais conhecimento de suas particularidades. Avaliamos também, ter sido de grande
importância neste trabalho, a observação do fenômeno saúde/doença mental, enquanto reflexo da
questão social, e também da chamada de atenção para o importante compromisso com o usuário,
no sentido de subsidiá-lo com todas as informações acerca de seu transtorno e conseqüente
tratamento.
Concluo referendando Marx (1983), em sua crítica da economia política. Livro Primeiro,
Tomo I., quando diz que se a sociedade, da maneira que está posta, não contivesse ocultas, as
condições materiais de produção e circulação necessárias a uma sociedade sem classes, tudo que
se fizesse no sentido que criá-la seria loucura.
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1
ANEXO
PREFEITURA MUNICIPAL DE BOM JESUS DO ITABAPOANA E s t a d o d o R i o d e J a n e i r o
S e c r a t a r i a M u n i c i p a l d e S a ú d e A m b u l a t ó r i o A m p l i a d o d e S a ú d e M e n t a l
CAD: SUS:
IDENTIFICAÇÃO.
Nome: __________________________________________________________________________
Data Nasc. _____/_____/_____ Idade: _________ anos
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
End.: ___________________________________________________________________________
Referência: ______________________________________________________________________
_________________________________ Bairro: _______________________________________
Tel: ______________________ ( ) Próprio ( ) Recado com: _____________________________
Naturalidade: ______________________________ Nacionalidade: _________________________
Filiação: ________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
SITUAÇÃO CONJUGAL.
( ) Solteiro ( ) Casado ( ) União Concensual ( ) Divorciado ( ) Viúvo
( ) Outro ________________________________________________________________________
Número de Filhos: ___________ filhos. Crença religiosa: ________________________________
MORADIA.
( ) Própria ( ) Alugada ( ) Sedida ( ) Outro ________________________________________
( ) Cada de Alvenaria ( ) Apartamento ( ) Moradia Precária (madeira, papelão, lona...)
CONDIÇÕES DE MORADIA (Marque quantas opções julgar necessário)
( ) Água encanada ( ) Luz Elétrica ( ) Rede de Esgoto
( ) Rua calçada ( ) Coleta de Lixo ( ) Outros ________________________________________
COM QUE RESIDE
( ) Só ( ) Com os pais ( ) Cônjuge ( ) Amigos ( ) Irmãos ( ) Parentes ( ) Filhos
( ) Outros _______________________________________________________________________
Quantas Pessoas residem na mesma casa: ______________________________________________
ESCOLARIDADE.
( ) analfabeto ( ) Apenas escreve o nome ( ) Primário incompleto
( ) Primário completo ( ) 2º grau incompleto ( ) 2º grau completo
( ) técnico incompleto ( ) técnico incompleto _________________________________________
( ) superior incompleto ( ) superior completo _________________________________________
OCUPAÇÃO / RENDA.
JÁ EXERCEU ALGUMA ATIVIDADE REMUNERADA?
( ) Não ( ) Sim Qual?___________________________________________________________
Ocupação Atual: __________________________________________________________________
Profissão: _______________________________________________________________________
INSERÇÃO PROFISSIONAL ATUAL
( ) Empregado ( ) Desempregado ( ) Autônomo ( ) Biscateiro ( ) Pensionista
( ) Aposentado por tempo de serviço / idade ( ) Aposentado por invalidez
( ) Não exerce qualquer atividade laborativa ( ) sem informação
Obs: ____________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
REMUNERAÇÃO
( ) Menos de 1 Salário ( ) 1 Salário ( ) de 1 a 2 Salários ( ) Acima de 3 salários
CARTEIRA ASSINADA ( ) Sim ( ) Não
RECEBE ALGUM BENEFÍCIO DA PREVIDÊNCIA
( ) Não ( ) Sim Qual? _________________________________________________________
Quanto? _______________________________________________________
Quem fica com o benefício? ( ) o próprio ( ) outros
Renda individual aproximada:
RENDA FAMILIAR
( ) Menos de 1 Salário ( ) 1 a 2 Salários ( ) 2 a 3 Salários ( ) Mais de 3 Salários
( ) Não soube informar
OBS:
Bom Jesus do Itabapoana / / Assinatura