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15 Física na Escola, v. 12, n. 2, 2011 Uma atividade investigativa envolvendo sistema métrico Propomos uma atividade de ensino por investigação, usando como tema da física o Sistema Métrico Decimal. Antigamente o homem usava partes do seu corpo para comparar e medir distâncias. O cotidiano mudou, agora em algumas situações, usa-se a distância entre as estrelas como padrão de medida. Serão utilizados textos, vídeos e projetos da construção da Arca de Noé e da nave Enterprise, do filme Star Trek, para servir de motivação. Um problema aberto será resolvido por alunos do Ensino Médio. A busca por um instrumento padrão de medida e a sua utilização para comparar as dimensões de objetos desconhecidos será a grande temática da aula. Referencial teórico O ensino de ciências As propostas curriculares afirmam que o conhecimento científico é essencial para a tomada de decisões na vida coti- diana, porém muitas pessoas vivem perfeitamente bem sem nunca terem tido acesso a uma cultura científica. “Em que extensão as pessoas estão empregando conceitos científicos para tomar decisões na vida cotidiana?” [1]. Temos uma gran- de oportunidade, utilizando os proble- mas que temos ao nosso redor, para apli- car os conceitos de ciências e resolver as situações difíceis do nosso dia a dia. Já temos problemas demais que podem ser explorados para ficarmos a perder tempo com nossos alunos resolvendo problemas hipotéticos. A escola deve se preocupar e se esforçar para resolver os problemas reais da comunidade. Outro aspecto a considerar são as ten- tativas de reformas trazidas pelos Parâ- metros Curriculares Nacionais (PCN+) [2] que através de uma visão construtivista mistura estratégias de ensino, temas de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e preocupações com a natureza do conhe- cimento e com história das ciências. Cada vez mais há um grande hiato entre o que se ensina e o que se aprende. Em pesquisa, foi verificado que mais de 70% dos estu- dantes, ao terminarem o seu Ensino Mé- dio, não se lembravam de quase nada que estudaram nos anos anteriores, mostran- do que há um grande abismo entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende, e que ensinar ciências deve ser muito mais do que substituir as ideias prévias por teo- rias mais consistentes [3]. O desenvolvimento científico tem Sandro Soares Fernandes Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil e Colégio Pedro II, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: [email protected] Deise Miranda Vianna Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: [email protected] trazido grandes benefícios e muitos pro- blemas ambientais para a sociedade, e nos- sos estudantes devem estar aptos a enten- der e discutir essas relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente. Um desafio da escola é justamente como trans- mitir a ciência promovendo a encultura- ção científica e fazendo com que os estu- dantes gostem, entendam e valorizem o conhecimento científico para que eles possam se formar como cidadãos parti- cipativos e social- mente ativos. Nesse contexto é importante a elabo- ração de currículos e projetos em ensino de ciências, que devem ser estruturados de modo a possibilitar o engajamento reflexivo dos estudantes em assuntos cien- tíficos que sejam do seu interesse e preo- cupação [4]. Atividade investigativa Durante uma atividade investigativa o aluno deve ser acompanhado integral- mente, e o professor não pode perder a oportunidade de relatar todos os eventos que ocorrem na sala de aula. Tudo que o aluno fizer é relevante e deve ser identifi- cado. Tudo que tiver importância educa- tiva, e que sirva para compreender o seu comportamento em sala, deve ser levado em consideração na hora de se analisar os dados. Todas essas informações devem ser devidamente analisadas, primeiro por grupo e depois de maneira mais global e através dos resultados será possível tentar entender como o aluno pensou e orga- nizou suas ideias, quais eram seus conhe- cimentos prévios sobre o assunto abor- dado, o que mudou e o que se transfor- mou a partir do processo de discussão. Partindo daí o professor poderá orien- tar seu aluno para as próximas tarefas já Cada vez mais há um grande hiato entre o que se ensina e o que se aprende. Em pesquisa, foi verificado que mais de 70% dos estudantes, ao terminarem o seu Ensino Médio, não se lembravam de quase nada que estudaram nos anos anteriores

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15Física na Escola, v. 12, n. 2, 2011 Uma atividade investigativa envolvendo sistema métrico

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Propomos uma atividade de ensino porinvestigação, usando como tema da física oSistema Métrico Decimal. Antigamente ohomem usava partes do seu corpo paracomparar e medir distâncias. O cotidianomudou, agora em algumas situações, usa-se adistância entre as estrelas como padrão demedida. Serão utilizados textos, vídeos eprojetos da construção da Arca de Noé e danave Enterprise, do filme Star Trek, para servirde motivação. Um problema aberto seráresolvido por alunos do Ensino Médio. A buscapor um instrumento padrão de medida e a suautilização para comparar as dimensões deobjetos desconhecidos será a grande temáticada aula.

Referencial teórico

O ensino de ciências

As propostas curriculares afirmamque o conhecimento científico é essencialpara a tomada de decisões na vida coti-diana, porém muitas pessoas vivemperfeitamente bem sem nunca terem tidoacesso a uma cultura científica. “Em queextensão as pessoas estão empregandoconceitos científicospara tomar decisõesna vida cotidiana?”[1]. Temos uma gran-de oportunidade,utilizando os proble-mas que temos aonosso redor, para apli-car os conceitos deciências e resolver assituações difíceis do nosso dia a dia. Játemos problemas demais que podem serexplorados para ficarmos a perder tempocom nossos alunos resolvendo problemashipotéticos. A escola deve se preocupar ese esforçar para resolver os problemasreais da comunidade.

Outro aspecto a considerar são as ten-tativas de reformas trazidas pelos Parâ-metros Curriculares Nacionais (PCN+) [2]que através de uma visão construtivistamistura estratégias de ensino, temas deCiência, Tecnologia e Sociedade (CTS) epreocupações com a natureza do conhe-cimento e com história das ciências. Cadavez mais há um grande hiato entre o quese ensina e o que se aprende. Em pesquisa,foi verificado que mais de 70% dos estu-dantes, ao terminarem o seu Ensino Mé-dio, não se lembravam de quase nada queestudaram nos anos anteriores, mostran-do que há um grande abismo entre o queo professor ensina e o que o aluno aprende,e que ensinar ciências deve ser muito maisdo que substituir as ideias prévias por teo-rias mais consistentes [3].

O desenvolvimento científico tem

Sandro Soares FernandesInstituto de Física, UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Rio deJaneiro, RJ, Brasil e Colégio Pedro II,Rio de Janeiro, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

Deise Miranda ViannaInstituto de Física, UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Rio deJaneiro, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

trazido grandes benefícios e muitos pro-blemas ambientais para a sociedade, e nos-sos estudantes devem estar aptos a enten-der e discutir essas relações entre ciência,tecnologia, sociedade e ambiente. Umdesafio da escola é justamente como trans-mitir a ciência promovendo a encultura-ção científica e fazendo com que os estu-dantes gostem, entendam e valorizem oconhecimento científico para que eles

possam se formarcomo cidadãos parti-cipativos e social-mente ativos.

Nesse contexto éimportante a elabo-ração de currículos eprojetos em ensino deciências, que devemser estruturados de

modo a possibilitar o engajamentoreflexivo dos estudantes em assuntos cien-tíficos que sejam do seu interesse e preo-cupação [4].

Atividade investigativa

Durante uma atividade investigativao aluno deve ser acompanhado integral-mente, e o professor não pode perder aoportunidade de relatar todos os eventosque ocorrem na sala de aula. Tudo que oaluno fizer é relevante e deve ser identifi-cado. Tudo que tiver importância educa-tiva, e que sirva para compreender o seucomportamento em sala, deve ser levadoem consideração na hora de se analisar osdados. Todas essas informações devem serdevidamente analisadas, primeiro porgrupo e depois de maneira mais global eatravés dos resultados será possível tentarentender como o aluno pensou e orga-nizou suas ideias, quais eram seus conhe-cimentos prévios sobre o assunto abor-dado, o que mudou e o que se transfor-mou a partir do processo de discussão.

Partindo daí o professor poderá orien-tar seu aluno para as próximas tarefas já

Cada vez mais há um grandehiato entre o que se ensina e oque se aprende. Em pesquisa,foi verificado que mais de 70%dos estudantes, ao terminarem

o seu Ensino Médio, não selembravam de quase nada queestudaram nos anos anteriores

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com as mudanças necessárias para queseja mais eficaz a formação do seu co-nhecimento. O professor mostra ao alunocomo seguir as instruções para o corretodesenvolvimento científico, fazendo asatividades em sala de aula ter um papelmais ativo na formação do aluno.

Em um grande laboratório, duranteuma pesquisa, pode-mos perceber dispu-tas sociais, econômi-cas, de conhecimentoe até de poder. Háquem queira serlíder, há quem queiraganhar mais, apare-cer mais através depublicações e até mesmo quem boicoteinformações para ter mérito no resultadofinal. Iremos também analisar nas discus-sões dos alunos estas características queexistem em um ambiente de laboratório,procurando relacioná-los.

Geralmente, as demonstrações deexperimentos em ciências são feitas como objetivo de ilustrar uma teoria, ou seja,o fenômeno é demonstrado a fim de com-provar uma teoria já estudada ou em estu-do. O papel do professor é o de construircom os alunos uma passagem do sabercotidiano para o saber científico, por meioda investigação e do próprio questiona-mento acerca do fenômeno [5]. Duranteessas demonstrações, as atividades devemdeixar de ser apenas uma ilustração dateoria e tornar-se um instrumento ricono processo de ensino.

Podemos perceber depois disso que, noensino por investigação, a novidade daresolução de problemas está na participa-ção do aluno, que deixa de ter uma postu-ra passiva e aprende a pensar, elaborandoraciocínios, hipóteses, trocando e justifi-cando suas ideias.

Fazer com que os alunos resolvamproblemas em pequenos grupos facilita oentendimento, por parte do aluno e dosprofessores, do caráter social da ciência,já que durante a realização da tarefa háuma série de relações entre os estudantesque podem também ser vistas no dia-a-dia da vida de um grande cientista ou deuma equipe de pesquisa como, porexemplo, aceitar outros pontos de vista,aprender a negociar, renunciar do seuponto de vista, buscar um objetivocoletivo e um desenvolvimento conceitualmais rico, já que a troca de informações econhecimentos será mais intensa [6].

Discurso e argumentação

A comunicação na aula deve permitiraos alunos e professores construir signi-ficados que servem tanto para áreas

cognitivas como para social. Porém istonem sempre ocorre, pois os estudantespodem compartilhar tarefas e atividadessem compartilhar conhecimento, sendoesta uma das razões pelos quais, na prá-tica, diferentes estudantes em um mesmogrupo têm diferentes acessos ao conhe-cimento. A análise dos discursos pretende

se aprofundar emalguns dos problemase dificuldades que estãorelacionadas ao acessoao conhecimento.

Devemos tentarentender como o conhe-cimento se constrói namente de nossos alu-

nos, desde a leitura de textos ou tomada dedados em um laboratório até o resultadofinal de processo de aprendizagem.

Que passos dão os nossos alunos parasolucionar os seus problemas e em queordem? Que obstáculos os alunos enfren-tam e quais são as suas origens? Como semanifestam os aspectos sociais, tais comoas interações entre seus colegas?

O professor precisa estar mais pre-sente acompanhando a sequência deraciocínio utilizada por seu aluno, pois sóassim poderá influenciá-lo para buscarmaneiras mais simples de formar suasideias e tirar suas conclusões. Uma ma-neira de tentar decifrar este código é atra-vés da análise dos discursos e argumentaçõesdurante as aulas.

Tema da física

O tema escolhido para a atividadeinvestigativa foi o Sistema Métrico.

As variáveis exploradas durante ainvestigação serão: o instrumento utili-zado para as medições (partes do corpo) eo objeto a ser medido (dimensões da salade aula e instrumentos que nela estão).

Desenvolvimento da atividade

Objetivos

Entre os objetivos principais destaatividade podemos destacar:

• Identificar aspectos envolvidos naconstrução de um “clima” adequa-do para os alunos argumentaremna direção da cultura científica.

• Busca de uma relação entre a lin-guagem científica e a do cotidianousada pelo aluno.

• Identificar se há conceitos préviossobre o tema.

• Gerar envolvimento do aluno atra-vés da argumentação, fazendo comque ele não encare a ciência comoinstrumento autoritário de valida-ção dos fatos.

• Visar a construção de explicaçõescoletivas.

• Identificar elementos básicos quecompõem um argumento e suasrelações (padrão de argumento deToulmin [7]).

Apresentação do problema

A apresentação do problema seráatravés de uma situação que tem por obje-tivo motivar a turma. Serão apresentadospara os alunos: um trailer do último filmeda série Star Trek [8] onde a nave Enter-prise aparece com destaque, um vídeosobre a Arca de Noé [9], o projeto de cons-trução da Enterprise e da Arca e a apre-sentação do problema.

Material utilizado

• Sala de aula e pequeno pedaço demadeira que serão os objetos aserem medidos.

• Alunos que utilizarão partes do cor-po como instrumento de medida.

Proposta de desenvolvimentopara os alunos

O nosso público alvo será formadopor alunos do primeiro ano do EnsinoMédio. O tempo previsto para a atividadeserá de 4 aulas (50 min cada) e os alunosfarão as atividades propostas divididos emgrupos de 4 alunos, de forma autônomae de acordo com os seus interesses. Os alu-nos receberão o roteiro abaixo, que junta-mente com o professor serão os guias daatividade investigativa.

Roteiro do Aluno

Primeira parte

Texto I“Então disse Deus a Noé: O fim de todaa carne é vindo perante a minha face;porque a terra está cheia de violência;e eis que os desfarei com a terra.Faze para ti uma arca de madeira deGofer: farás compartimentos na arca,e a betumarás por dentro e por foracom betume.E desta maneira farás: de trezentos cô-vados o comprimento da arca, e de cin-quenta côvados a sua largura e de trintacôvados a sua altura.Farás na arca uma janela, e de um côva-do a acabarás em cima; e a porta da arcaporás ao seu lado; far-lhe-ás andaresbaixos, segundos e terceiros(...).Assim fez Noé: conforme a tudo o queDeus lhe mandou, assim o fez”(Gêneses, 6, 13-21).

Texto IISpock: estamos a uma distância apro-ximada de 12 parsecs da nave do capitão.

O papel do professor é o deconstruir com os alunos umapassagem do saber cotidianopara o saber científico, pormeio da investigação e do

próprio questionamento acercado fenômeno

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17Física na Escola, v. 12, n. 2, 2011 Uma atividade investigativa envolvendo sistema métrico

Scott: jamais chegaremos a tempo desalvar a nave.Spock: seria possível se conseguís-semos velocidade de dobra quatro.Scott: mais essa velocidade é impos-sível de ser atingida.Spock: você já descobriu como fazerisso.Scott: Não sou capaz de gerar essavelocidade na Enterprise.

Abaixo, podemos verificar um dese-nho da Arca de Noé (Fig. 1) [10], com assuas dimensões em côvados e uma ima-gem da nave Enterprise (Fig. 2) [11], ondepodemos observar que a unidade usadaem seu projeto de construção foi o metro.

Em um futuro não muito distante...o nosso planeta está ameaçado de extinçãodevido à colisão de um imenso asteróidede 100 km de diâmetro. Será o fim da vidana Terra. Devido às circunstâncias do de-sastre iminente, não há como reconstruira Arca de Noé e salvar um casal de cadaser do planeta para uma futura prolife-ração das espécies. Nossa única chance éa utilização da Enterprise, nave capaz deviajar para fora do nosso sistema solarem busca de novos lares, construída coma mais avançada tecnologia conhecida.Você acha que seria possível colocar umcasal de cada espécie na Enterprise, assimcomo foi feito por Noé com sua Arca?Justifique a sua resposta.

Observação: aqui, o que esperamos é quecom as diferenças de unidades apresentadasnos textos e projetos, os alunos percebam quepara resolver o problema será necessário des-cobrir qual a relação entre o côvado e o metro.

Segunda parte

Texto IIIAs medidas e o homem

As medidas surgiram da necessidade deestabelecer comparações que permitis-sem o escambo entre as pessoas, quan-do as primeiras comunidades começa-ram a dispor de excedente agrícola,alguns milhares de anos antes de Cris-to. Era preciso criar um sistema de

equivalência entre o produto e um pa-drão previamente determinado que fos-se aceito por todos os membros dogrupo. As unidades primitivas toma-ram como referência o corpo humano;palmos, braços e pés ajudavam a dimen-sionar comprimento e área. Depois, vie-ram as balanças, as réguas, as ânforase outras tantas medidas até a criação,em 1960, do sistema internacional deunidades, que estabelece grandezasuniversais para serem empregadasmundialmente.O homem tomou então a si própriocomo padrão de medida. Esse foi o sis-tema de medidas mais antigo e univer-sal, pois, definido dessa forma, era alta-mente cômodo. Esta era uma maneirade todos compreenderem.

1) Utilizando alguma parte do seu cor-po, meça o comprimento dessa sala. Cadagrupo escolhe duas partes diferentes. Or-ganize as medidas obtidas, indicandotambém vantagens e desvantagens daescolha.

Observações: a necessidade de se escolherduas partes do corpo é justamente para quepercebam a vantagem de uma sobre a outradurante as medições que realizam. Outraanálise a ser feita é de como os alunos irãoorganizar os dados obtidos. Nesse momentose espera uma boa discussão entre os inte-grantes dos grupos sobre a melhor estraté-gia de medição e de organização dos dados.

2) Preencha um quadro com os dadosde todos os grupos fornecidos pelo profes-sor.

Observações: depois de todos os grupos rea-lizarem suas medidas, o professor tomatodos os dados e os organiza no quadrocom a ajuda dos alunos, construindo umatabela para facilitar a visualização. O pro-fessor agora tem papel crucial ao conduziruma discussão sobre a escolha, pela turma,de qual o melhor instrumento dentre todosos utilizados para a medição do compri-mento da sala.

3) Utilizando o melhor instrumentode medida escolhido pela turma, cada gru-po mede o comprimento da sala.

Observações: após uma nova medição dosalunos com o “melhor” instrumento, será feitanova discussão sobre os resultados diferentesobtidos, embora todos tenham usado o mesmo

instrumento. Espera-se que comecem a perceberque a escolha de instrumentos de medidasutilizando partes do corpo não seja convenien-te. O professor pode também, nesse momento,explorar o conceito de precisão e erro nas medi-das efetuadas agora.

4) Utilizando partes do seu corpo, me-ça o comprimento da vara de madeira queestá sobre a mesa. Cada grupo deve escolherduas partes diferentes do corpo. Organizeas medidas obtidas, indicando tambémvantagens e desvantagens dessa escolha.

Observação: o aluno já está envolvido coma atividade e a medição de um novo objetodeve ser mais fácil para o grupo do que aanterior. Agora o objeto a ser medido é bemmenor do que o anterior e o que se espera eque escolham instrumentos (partes docorpo) menores também.

5) Preencha um quadro com os dadosde todos os grupos fornecidos pelo profes-sor.

Observação: o professor toma novamentetodos os dados e os organiza no quadrocom a ajuda dos alunos, construindo umanova tabela. O professor novamente deveconduzir a turma a uma nova escolha do“melhor” instrumento para medir o novoobjeto.

6) Utilizando o melhor instrumentode medida escolhido pela turma, cada gru-po mede o comprimento da vara de ma-deira que está sobre a mesa.

Observações: após uma nova medição dosalunos com o “melhor” instrumento, será feitanova discussão sobre os resultados diferentesobtidos, embora todos tenham usado o mesmoinstrumento. Na Antiguidade a maioria dospovos tinha dois padrões de medidas, que eramusados para pequenas e longas distâncias. Essedetalhe pode ser explorado pelo professor, jáque provavelmente as escolhas dos instru-mentos a serem utilizados pelos alunos, paramedir a sala e a barra de madeira, serãodiferentes assim como antigamente.Texto IV

Essa diversidade de medidas obstruía acomunicação e o comércio e atrapalha-va a administração racional do Estado.Além disso, tais medidas raramenteeram precisas. “Até o fim do século XVIII,a precisão não era essencial porque aprática capitalista ainda não estavadifundida no mundo”, diz o historiadorda ciência Shozo Motoyama, da USP, ementrevista a revista Super Interessante.“A precisão adquire importância quandose passa a considerar o lucro e o ganhoque cada um pode obter numatransação econômica”. A decisão de criarum modelo de unidades que fosse uni-versal, prático e exato finalmente se con-cretizou com a Revolução Francesa, em1789. O rompimento com as tradiçõesFigura 1 – Arca de Noé.

Figura 2 – Nave Enterprise.

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feudais abriu caminho para ideias ino-vadoras. O plano era elaborar um siste-ma de unidades baseado em um padrãoda natureza, imutável e indiscutível.Como a natureza não pertence a nin-guém, tal padrão poderia ser aceito portodas as nações e se tornaria um sistemauniversal.

7) Os sistemas apresentados anterior-mente, utilizados pelos diversos povos aolongo da história, são bons ou não paraserem usados como padrão de unidades?Justifique

Observação: com uma boa condução daatividade até o momento é bem possível queos alunos percebam que a utilização departes do corpo para padrão de medidasnão é eficiente.

8) Discuta com seu grupo e apresenteuma sugestão de padrão que seja indiscu-tível e imutável.

Observação: uma pedra, uma barra de me-tal (já usada historicamente), algo que sejarelativamente imutável e que possa servirde padrão para a turma.

9) Preencha uma tabela com todos ospadrões sugeridos pelos grupos.

Observação: após sugestão de todos osgrupos, o professor encaminha a escolhado “padrão” da turma, procurando explo-rar com os alunos as vantagens e desvan-tagens da escolha, tendo como experiênciaas medições feitas anteriormente utilizandopartes do corpo.

Usando a unidade padrão escolhidapela turma e a relação dada pelo professorentre o côvado e o metro, tente agora:

a) Dar as dimensões da arca de Noé eda Enterprise usando o padrão da turma.

b) Responda a pergunta proposta noinício da atividade.

O que esperamos dos alunos

O grau de discussão não depende sódo aluno, mais também do professor quedeve encaminhar a atividade, guiando-ospara o objetivo e construção dos conceitosesperados. Abaixo de cada pergunta do roteirodo aluno foi colocada uma observação do quese espera de cada grupo ao resolvê-la.

A coleta dos dados por parte dos alu-nos será feita após cada medida e o ideal é

que se organizem esses dados em tabelasou de outra forma sistemática para que sepercebam as regularidades das medidas fei-tas por eles e pelos outros grupos.

Para análise posterior dos dados peloprofessor, tudo deve gravado em áudio ou,se possível, filmado. Realizamos a análisedos dados levando em consideração a im-portância das conversas entre os alunos,tendo em vista que a atividade científica éum trabalho coletivo e não individual.

Outra preocupação nessa fase de análi-se é a busca pela identificação de elementosbásicos que compõem um argumento e suasrelações. Na Fig. 3, abaixo, está representadaa estrutura completa do padrão propostapor Toulmin [12] para relacionar um fatoou dado (D) a uma conclusão (C) e é essepadrão que iremos buscar também naanálise dos dados coletados. Essa análise dopadrão nos será útil em tornar mais evi-dente os trechos argumentativos das falasdos alunos e das questões por eles respon-didas.

Considerações finais

Após corrigir uma centena de provas,de um dos inúmeros colégios onde lecio-namos, fazemos sempre os mesmoscomentários nas salas de professores da vi-da: Nossa! Como os alunos estão fracos. Elesnão sabem nada. Onde vamos chegar? Asnotas foram baixíssimas. Que linguagem éessa que só nós entendemos? Por que seráque os alunos já chegam ao primeiro anodo Ensino Médio com tanto medo da física?

Precisamos fazer com que as nossasaulas sejam inesquecíveis para nossosalunos. Ao lançarmos mão de uma aulacomo essa que foi apresentada, estamostentando trazer o aluno para um novo mo-delo de aprendizagem, um modelo em queo aluno deve ser privilegiado e valorizadono processo de ensino. É claro que o papeldo professor, em uma atividade como essa,não se detém a expor um assunto no qua-dro, preparar uma prova e depois corrigi-la. Não! Nesse tipo de atividade investiga-tiva, o professor passa de avaliador paraavaliado, pois é continuamente forçado apensar, montar estratégias de aulas, fazera pergunta certa na hora certa e deve estar

Referências

[1] E.F. Mortimer, Revista Brasileira dePesquisa em Educação em Ciências22222(1), 25 (2002).

[2] Brasil, PCN + Ensino Médio: OrientaçõesEducacionais Complementares aos Parâ-metros Curriculares Nacionais. Ciênciasda Natureza, Matemática e suas Tecno-logias (MEC/SEMTEC,Brasília, 2002).

[3] A.M.P. Carvalho, Texto apresentado no XIVENDIPE, Porto Alegre (2008), 12 p.

[4] P. Perrenoud, A Prática Reflexiva no Ofíciodo Professor (Artmed, Porto Alegre,2002), p. 71-88.

[5] M.C.P.S. Azevedo, in: Ensino de Ciências(Pioneira Thomson Learning São Paulo,2004), p. 19-34.

[6] S.P. Penha, A.M.P. Carvalho e D.M.Vianna, in: Anais do VII ENPEC,Florianópolis (2009). Disponível emhttp://www.foco.fae.ufmg.br/viienpec/index.php/enpec/viienpec/paper/viewFile/612/117.

[7] S.E. Toulmin, Os Usos do Argumento (SãoPaulo, Martins Fontes, 2006), p. 137-207.

[8] http://www.youtube.com/watch?v=-TUptZhKkMo, acesso em 21/07/2010.

[9] http://www.youtube.com/watch?v=tmk2Kd5QNw0, acesso em 21/7/2010.

[10] http://www.bibleportraits.org/14901/15222.html, acesso em 21/07/2010

[11] http://www.startrek-wallpapers.com/Enterprise/Enterprise-NC01-Schemat-ics/ acesso em 21/07/2010

[12] S.S. Nascimento e R.D, Vieira, RevistaBrasileira de Pesquisa em Educação emCiências 88888(2) (2008), disponível emhttp://www.fae.ufmg.br/abrapec/revistas/V8N2/v8n2a1.pdf.

sempre pronto para enfrentar situaçõesproblema que até então não havia passado.Realmente é desafiador; contudo, o retornodeverá ser mais confortante.

Com a resolução do problema propostonesse trabalho, esperamos que possa seranalisada e avaliada as etapas de um pro-cesso investigativo, desde o início do proces-so com o lançamento do problema até aanálise dos dados provenientes da solução.Com o professor atuando como um guiadurante a atividade, os alunos poderãocompreender a importância da criação emanutenção de um padrão de medidasimutável e universal e a relevância da suautilização na sociedade antiga e moderna.O ato de medir e comparar faz sentido parao aluno, que passa por um processo ondeatravés da discussão com os outros colegasdo grupo, da tomada de dados, da organi-zação de tabelas e utilização de um pensa-mento científico, passa a fazer uso dalinguagem da ciência e o professor então,pode finalmente buscar o produto de todoesse processo, que é o fazer ciência com seualuno na sala de aula.

Figura 3 – Padrão de argumento segundo Toulmin [12].