REFLEXÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    1/11

    FUTSAL: REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS SOBRE O PROCESSO DE ENSINO EM

    CATEGORIAS DE BASE

    Jlio Csar Couto de SouzaMestre em educao fsica - UFSC

    Lucas Barreto KleinProfessor de educao fsica - UFSC

    Paulo Ricardo do Canto Capela

    Mestre em educao - UFSC

    RESUMO

    O texto relata um estudo feito a partir de uma pesquisa bibliogrfica sobre algumas questes do mbito

    didtico-pedaggico para as categorias de base de futsal, com a inteno de fortalecer os laos que

    unem a prtica do treinador/educador com conceitos advindos das cincias da educao, por meio de um

    olhar que busque superar a interpretao cartesiana/mecanicista referentes aos processos de ensino,

    aprendizagem e treinamento de jovens atletas.

    Palavras-chave: Categorias de Base. Futsal. Mecanicismo.

    ABSTRACT

    The paper reports a study from a literature search on some questions of didactic and pedagogic

    framework for the basic categories of futsal, with the intention of strengthening the Ties That Bind the

    practice of the trainer/educator with concepts allied sciences education through the gauze That Seeks To

    Overcome The Interpretation Cartesian/mechanistic processes related to teaching, learning and training

    of young athletes.

    Keywords:Categories of Base. Futsal. Mechanism.

    RESUMEN

    El trabajo presenta un estudio de una bsqueda bibliogrfica sobre algunas cuestiones del marco

    didctico y pedaggico para las categoras bsicas del ftbol sala, con la intencin de fortalecer los

    lazos que unen a la prctica del entrenador/educador con los conceptos de las ciencias de la educacin a

    travs de una mirada que busca superar la interpretacin cartesiana/procesos mecnicos relacionados

    1

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    2/11

    con la enseanza, el aprendizaje y la formacin de los jvenes deportistas.

    Palabras clave:Categoras de Base. Ftbol Sala. Mecanismo.

    I. IntroduoO presente artigo tem como objetivo refletir a respeito de temas das categorias de base de futsal no

    Brasil. A pesquisa surgiu nos encontros semanais do grupo de estudos de futebol, da UniversidadeFederal de Santa Catarina, GECUPOM/FUTEBOL1, a partir da problematizao das tradicionais formas

    de organizar pedagogicamente o treino de futsal em categorias de base.Os profissionais que conduzem o processo de formao nesta modalidade preocupam-se maiscom as dimenses tcnico-instrumentais capazes de levar os atletas a performances de excelncia, do quefazer perguntas originais sobre quem so os sujeitos que se submetem as longas sesses de treinamentos.

    Poderia haver outras formas de organizar o ensino do futsal para jovens e crianas nas categoriasde base? Qual a concepo epistemolgica que estrutura as tradicionais formas de ensino das escolas de

    base? Existiriam outros horizontes para ordenar as diferentes funes do ensino do futsal em categorias debase?

    Estas questes que anunciamos foram tratadas no processo de realizao desta pesquisa de carterbibliogrfico, desta forma, acreditamos que o diferencial se d pela construo de laos entre as cinciasda educao e os mtodos de treinamento, tendo em vista que mesmo em um espao rgido de formao

    de atletas possvel fazer educao.Afinal, o que ensinado aos jovens atletas faz parte de um processo formativo/educativo de longo

    prazo, e os treinadores de futsal em categorias de base tem o dever de apresentar uma educao que valm dos princpios bsicos dos aspectos motores, das regras, tcnicas e tticas, proporcionando umaformao ampla de seus alunos/atletas. Este um pensamento que deve ser levado no somente para asescolas, mas tambm para clubes e associaes.

    II. Um breve ensaio sobre a modalidade futsalO futsal surge como um jogo cultural, em meados do sculo passado, na Amrica do Sul. H uma

    polmica quanto a sua origem ser no Brasil ou no Uruguai, mas este no o ponto relevante que nosateremos, o fato concreto para ns que a modalidade, em seu processo histrico, tornou-se umimportante esporte coletivo, o que nos fez pensar em como ele tem sido ensinado a jovens e crianas.

    A crescente popularizao do futsal, aliada a fatores econmicos, polticos e culturais, colaboroupara o aumento do nmero de escolinhas de ensino e de categorias de base no pas. Paralelamente a isto,iniciaram-se discusses a respeito dos planejamentos didtico-pedaggicos da modalidade, nos quais ossujeitos passaram a ser entendidos dentro de um contexto de formao. Sendo assim, o Brasil deixou de

    1Grupo de Estudos em Cultura Popular de Movimento/Futebol, vinculado ao Vitral Latino Americano de Esporte e Lazer daUniversidade Federal de Santa Catarina.

    2

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    3/11

    revelar apenas jogadores que aprendem a jogar na rua e nos campos de vrzea e passou a ser celeiro de

    atletas formados tambm por meio de rotinas, em sesses de aulas e treinamentos.Dentro das categorias de base de futsal, que em alguns lugares chega a envolver crianas e jovens

    de 5 a 20 anos de idade, existem diversas competies em nveis regionais, nacionais e at internacionais.Sabendo disto, fcil perceber que estes atletas passam em seu processo de formao por inmerassituaes que exigem cargas emocionais muito grandes, isso devido s exigncias tcnicas, tticas, fsicase psicolgicas, das aes de jogo. Alm destas exigncias, h ainda as cobranas das famlias e dostreinadores para que os jovens e crianas respondam com vitrias.

    Em nossa pesquisa, buscamos subsdios para inserir da melhor maneira possvel os sujeitos(atletas e treinadores) neste processo constante de formao educacional.

    Para que os caminhos que so percorridos por este meio ajam como um auxiliar da formaoesportiva e humana, os profissionais responsveis por estes atletas em formao devem tentar fazer da

    prtica de ensino, que muitas vezes constrangedora e estressante, algo que v alm dos princpiosbsicos que envolvem um processo de formao educativa.

    A preparao para tudo isto acontece no dia-a-dia, nas sesses de treinamento, que podem variarde 2 a 6 vezes por semana e com volumes de 45 minutos a 2 horas. Percebe-se que estes atletas passam

    bastante tempo vivendo esta realidade, portanto, a forma que o treinador ir conduzir o seu treinamentoser determinante para definir quais caminhos que sero percorridos. Por isso, ele precisa saber que estlidando com jovens e crianas que possuem diferentes culturas e diferentes expectativas para a suaaprendizagem, e no com atletas consolidados. A leitura desta realidade educacional um passoimportante para compreender o processo de formao como um momento de aprendizagens, e no apenasde cobranas sobreperformances.

    A formao na modalidade futsal vem sendo influenciada por diversas correntes de pensamentoque fundamentam a prtica dos treinadores. Inicialmente os modelos de ensino da modalidade eramderivaes de esportes individuais, como o atletismo e a natao. Posteriormente, os mtodos de ensino,utilizados nos esportes individuais, foram incorporados pelas modalidades coletivas, entre elas o futsal,atravs de transposio direta, sem que fossem levadas em considerao s especificidades estruturais dosesportes coletivos. Uma das consequncias mais evidentes desta cpia de idias, tem sido a obsesso

    pelo aspecto do ensino centrado na fragmentao do jogo e dos conhecidos fundamentos tcnicos (passe,chute, conduo, etc.).

    H pontos positivos e negativos nestas concepes de ensino, mas, existem alguns fatores queprecisam ser pensados, pois o sujeito (aluno) no tratado como eixo central do processo de ensino-aprendizagem, e o modelo de pensamento analtico quem determina as aes pedaggicas. Isto pouco

    tratado na pedagogia do ensino do futsal, e em nosso ponto de vista, precisa ser refletido dentro do campopedaggico da formao esportiva.

    III. A viso cartesiana sobre a pedagogia do treino: tentativas de superaoApresentaremos algumas discusses a respeito do modelo de cincia cartesiano/mecanicista de

    ensino, dominante dentro da pedagogia esportiva, alm de buscarmos compreenses sobre o conceito deMovimento Humano e prticas pedaggicas que busquem superar esta viso dualista de Homem e mundo.

    A concepo cartesiana, presente hegemonicamente na pedagogia esportiva, define o conceito deMovimento Humano de uma forma bastante simples e objetiva, pois ele visto como um fenmeno

    3

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    4/11

    puramente fsico, passvel de ser reconhecido e esclarecido. Esta viso determina ainda que o movimento

    seja algo independente, inclusive, do prprio sujeito que o realiza, e a partir de conceitos caracterizadosprincipalmente pelas leis da mecnica clssica, este movimento passa a ser compreendido e interpretado,simplesmente, como um deslocamento do corpo ou partes deste, em um tempo e espao previamentedeterminados.

    A correlao existente entre tempo-espao em que se efetua o movimento passa a ser o ponto dereferncia para esta interpretao de Movimento Humano. As cincias do treinamento esportivo seapropriaram destes conceitos, utilizando-se de instrumentos de medidas tais como: fitas mtricas,cronmetros e outros, para quantificar, esclarecer e comparar o movimento, seguindo uma lgicadisciplinar de padronizaes tcnicas.

    Mas, esta abordagem de investigao e interpretao cientfica no consegue abranger toda arealidade do Movimento Humano, pois deixa de lado diversos aspectos influenciadores da aprendizagem,

    como por exemplo, a percepo, as emoes e os sentimentos, j que estes no podem ser medidos e/ouquantificados pelo mtodo de descrio analtica.

    Alm disso, esta interpretao no proporciona ao sujeito que realiza o Movimento umacompreenso/significao do mesmo, este fenmeno facilmente percebido nos processos de ensino-aprendizagem das destrezas tcnicas do jogo, onde necessrio que se automatize gestos motoresorientados por uma intencionalidade que, em muitas vezes, somente o treinador conhece, ou seja, o atletaaprende determinadas aes tcnicas e tticas, sem saber nem o porqu e nem a finalidade delas.

    Nesta viso, onde ocorre fragmentao dos processos de ensino, retiram-se os gestos tcnicos(passe, chute, drible, etc.) do jogo e os ensinam de maneira abstrata e descontextualizada, atravs derepeties idnticas, afetando assim as capacidades de deciso, criatividade e a variabilidade gestual dosalunos. O jogo como um todo realizado muitas vezes como uma recompensa pelo bom desempenhoindividual (BAYER, 1994).

    Desta forma, as tcnicas surgem como um pr-requisito para o desempenho, sintetizando oconceito mximo destas metodologias: o aprenderparajogar (GRECO, 1995).

    Nesta abordagem do ensino dos esportes, onde h padronizaes de destrezas tcnico-motorasperfeitas, acredita-se que o melhor treinador ser aquele que dominar os movimentos exigidos pelo jogo,pois ele atua como um modelo a ser seguido por seus atletas. O processo pedaggico, baseado na imitaodo modelo correto de execues padronizadas de movimentos, acaba colocando o treinador/educadorcomo o foco central de todo o processo de ensino (SCAGLIA, 2010).

    A concepo pedaggica mecanicista tem como objetivo, ento, apresentar reprodues demovimentos a partir de repeties exaustivas e descontextualizadas, cujo objetivo est em automatizar

    gestos tcnicos tidos como necessrios ao bom desempenho no jogo, e desta maneira formaralunos/atletas que reproduzem movimentos de forma mecnica.O que resta a estes atletas procurar se adaptar s exigncias que so impostas pelo treinador sem

    questionamentos e reflexes, ou seja, este mtodo de ensino impede os atletas de pensarem a prtica desuas experincias de aprendizagem.

    Esta interpretao tcnica de Movimento Humano tem contribudo, ainda, segundo Kunz (2001,p.165), para a formao/informao do Sentido Comparativo

    2 do Movimento Humano.

    2 O sentido comparativo de Movimento Humano tpico dos esportes normatizados, cujo nico objetivo o rendimento, acompetio e a vitria.

    4

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    5/11

    Porm, existem outras funes que podem e devem ser cumpridas pelo movimento no ensino dos

    esportes, tais como, o sentido comunicativo3

    , o expressivo4

    e o criativo5

    (KUNZ, 1989).Estas idias possibilitam a reflexo sobre a importncia da valorizao do sujeito que realiza tais

    movimentos, deixando um pouco de lado aqueles aspectos disciplinares e o movimento visto como algopuramente fsico, abrindo um olhar para uma interpretao integral deste Movimento Humano ao nvel deuma formao/construo terica que vise atingir o contexto da totalidade (KUNZ, 2001).

    neste momento que a pedagogia esportiva da educao fsica deve passar a no ver mais osujeito (aluno/atleta) como um objeto a ser moldado, agora preciso compreend-lo como um ser que

    pensa, que age e que possu sentimentos. Mas, esta outra forma de interpretar o processo educativo-formativo passa por diversos aspectos que so inerentes ao ensino, e um deles a maneira de agir dotreinador/educador, pois, ele um dos principais responsveis por mediar o processo de formao de seusatletas.

    IV. A cincia educacional como apoio pedaggico ao treinador/educadorUma abordagem pedaggica que busque ser diferente do modelo de treinamento apresentado

    anteriormente considera que educadores e educandos sejam sujeitos pensantes e construtores deconhecimento, na medida em que eles no atuam apenas como reprodutores do modelo j existente; nesta

    perspectiva de educao, possvel recriar e transformar os sujeitos envolvidos no processo (FREIRE,2008). Mas, para pensar o ensino em sua totalidade, necessrio saber quais os caminhos que devem ser

    percorridos. Neste sentido, a proposta a ser apresentada a de lanar algumas questes a respeito do tipode sujeito que se quer formar dentro de um projeto educacional e da atuao didtico-pedaggica dotreinador/educador no decorrer deste processo.

    A idia aqui possibilitar que os atletas possam ter liberdade criativa e que sejam instigados acontribuir com a construo da sua prtica educativa. Alm de fundamentarem-se tambm nos desejos enas necessidades de aprender dos mesmos.

    Para isso, eles devem ser compreendidos em sua totalidade de ao e pensamento, pois nesta propostano h espaos para separar a compreenso dos sujeitos de forma dualista (corpo/mente), como feito naconcepo cartesiana/mecanicista.

    Um treinador/educador que esteja comprometido com a idia de contribuir na formao de umsujeito que pensa enquanto faz, e no simplesmente reproduz aquilo que lhe transmitido, deve ter muitoclaro em sua metodologia algumas questes referentes sua maneira de agir no dia-a-dia.

    Primeiramente, precisa saber que na relao com os atletas, ele ser considerado um modelo a ser

    seguido, pois se sabe que a aprendizagem, em alguns momentos, fielmente baseada na imitao e nacpia. Mas, os atletas no devem aprender apenas atravs de imitaes, a proposta que eles possam criare inventar. Para tanto, preciso que o treinador possibilite que seus atletas o vejam como um modelo de

    3O sentido comunicativo manifesta-se especialmente em gestos com a finalidade de expressar alguma inteno. Nos esportes,ele se expressa especialmente nos jogos coletivos, onde a ao de impedir um ataque adversrio pode realizar-se apenas pelosentido comunicativo do movimento, iniciado por um, ou mais elementos do grupo.4O sentido expressivo se manifesta especialmente pela expresso das emoes, pela prpria expresso corporal, como ummeio de manifestao dos sentimentos.5O sentido criativo, parte da idia de que o movimento no algo fechado, o aluno, em processo de aprendizagem, deve terliberdade para criar a partir de situaes, de acordo com seus desejos.

    5

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    6/11

    inspirao, desta maneira possvel que eles construam sua autonomia de agir e pensar, conforme seus

    princpios.O educador ensina seu aluno a pensar, e ele ensina a pensar pensando, sistematizando e

    apropriando-se do seu saber pedaggico. Desta forma, o pensar passa a ser o eixo central daaprendizagem. Mas somente pensar no o suficiente, o educador deve buscar o ensino tamb m atravsdo agir. Assim, podemos trabalhar na formao do aluno que seja consciente do seu fazer (FREIRE,2008).

    Sendo assim, o treinador/educador deve atuar como um leitor, escritorepesquisador, responsvelem fazer cincia da educao, um exerccio metodolgico rigoroso e sistematizado de observao,registro, reflexo, avaliao (reavaliao) e planejamento (replanejamento) (FREIRE, 1996).

    Estes eixos educacionais fundamentam tambm a prtica que buscamos superar, o diferencial estna interpretao didtica dada a estes princpios.

    Para deixar mais claro esta idia, apresentaremos a seguir um quadro comparativo (elaboradopelos pesquisadores) entre os olhares dados para os princpios e movimentos que foram citados e seroainda discutidos.

    Quadro 1: Comparativo entre duas abordagens de ensino sobre os instrumentos que aliceram a prtica doeducador.

    Viso cartesiana/mecanicista O ensino como um todo/centrado

    no sujeito

    Observao Direciona o olhar para umapequena parte, para desta forma,

    tentar compreender o todo.

    Olha o processo de ensino e osujeito como um todo, fazendo

    leituras daquilo que necessriotanto para o desenvolvimento,quanto para a aprendizagem.

    Registro/Reflexo Registra-se para classificar ossujeitos de forma quantitativa, e areflexo que se faz em cima decomparaes sobre os nveis dedesempenhos individuais.

    Descreve os porqus do ensino,criando reflexes sobre os caminhosque o processo vem percorrendo eos limites e possibilidades de cadasujeito.

    Avaliao restrita e quantitativa, poisconsegue enxergar somente aquiloque dado no momento da

    avaliao.

    qualitativa, e serve para avaliar aaprendizagem dos educandos, odesempenho do educador e os

    caminhos que o processo vempercorrendo.

    Planejamento um procedimento delimitadosomente pelo educador, nohavendo interaes entre as

    partes.

    um movimento com fases, ouseja, planeja-se em cima daquiloque se observa no dia-a-dia, emconjunto entre educador eeducandos.

    6

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    7/11

    Mediao

    educacional

    feita atravs da transmisso do

    conhecimento que somente oprofessor detm.

    um processo aberto e dinmico,

    no qual, no h espaos para umaaplicao de normas rgidas eautoritrias por parte do educador.

    Fonte: Baseado nos eixos educacionais defendidos por Madalena Freire (2008).

    Para ver, no basta estar de olhos abertos, ver, na lgica do observar, significa olhar o outro e a siprprio, estar atento para que a partir das observaes possa se buscar a sintonia e o acompanhamento doritmo do outro. Esta atitude ajuda na tentativa de compreender os desejos e as necessidades doseducandos. atravs deste olhar, que busca o conhecimento, que o educador tambm lana seus desejos

    (FREIRE, 2008).Quando vemos e escutamos os alunos, conseguimos perceber o ponto de vista deles. Esta atitudetorna mais fcil para o educador a tarefa de leitura de desejos e necessidades de seus educandos, por issoa importncia de conhecermos muito bem cada sujeito envolvido no processo educativo. Sendo que, pormeio dos momentos de conversas entre o grupo formado por educador e educandos, que o professorapresenta as interpretaes de suas observaes (FREIRE, 2008). As observaes feitas no dia-a-dianecessitam ser registradas, e neste momento que aparece o segundo princpio da cincia da educaoapresentada aqui, o registro, pois por meio deste que deixamos nossa marca no mundo.

    Segundo Freire (2008, p.55) educador e educando, apropriam-se da histria que vivem atravs doregistro que dela vo fazendo e do pensamento crtico sobre ela. Desta forma, o registro dosacontecimentos dirios que vai conduzir cada vez melhor a histria do processo vivido entre eles. Os

    registros escritos do condies para podermos voltar ao passado, para fazer reflexes, rever e revisarcontedos, ou seja, para construirmos o presente e o futuro.

    dentro deste contexto, que aprender a registrar se torna um passo fundamental na construo daconscincia pedaggica do treinador/educador, pois quando registramos guardamos fragmentos daquiloque foi significativo, desta forma, mantemos aquele sentimento vivo. Esta passa a ser uma das principaisimportncias dos registros, pois tiramos os acontecimentos das nossas lembranas e colocamos em nossamemria, fazemos histria, construindo nossa memria pessoal e coletiva.

    Um treinador/educador que possui suas teorias em mos consegue questionar e recriar outrasteorias, dentro deste sentido que a relao existente entre estudo e reflexo capaz de possibilitartransformaes, pois, no existe prtica sem teoria, assim como no existe teoria que no tenha nascido da

    prtica (FREIRE, 1996).

    a partir deste processo cientfico educacional, de observao, registro e reflexo cotidiana, que otreinador/educador apropria-se do que est pensando e fazendo, assim que ele assume a conduo de um

    processo de ensino rigoroso, disciplinado e comprometido em respeitar e a valorizar os desejos e asnecessidades de seus educandos (atletas).

    Neste sentido, a reflexo sobre seu fazer pedaggico fundamental para que se faa melhoramanh o que fez e pensou ontem e hoje, pois o registro reflexivo, que disciplina o pensamento,concretiza para o educador a prtica do rever, (re) avaliar e (re) planejar as aes (FREIRE, 2008).

    A avaliao aplicada pelo treinador/educador tambm pode ser vista como um momento em queno s o contedo aprendido vai ser testado, mas tambm, como o processo vem se construindo para o

    7

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    8/11

    atleta, ou seja, qual o nvel de qualidade que este caminho de formao educativa vem percorrendo. A

    avaliao, portanto, deve propor-se a analisar como o contedo vem sendo ensinado aos atletas, ou seja,quais caminhos esto sendo percorridos, desta forma, avalia-se inclusive, o desempenho do treinador.

    Para o atleta, este momento, deve servir no apenas como um instrumento de medio deconhecimentos, mas tambm, como um espao para ele expor seus sentimentos frente ao processoeducacional a que est submetido, revelando suas conquistas, suas dificuldades, seus desejos enecessidades de aprender.

    Assim, atravs de uma avaliao que se comprometa, tambm, em ouvir, que o treinadorconsegue saber como cada um est se sentindo em relao ao seu crescimento e suas dificuldades.

    possvel tambm interpretar como andam as relaes que foram sendo construdas dentro do grupo. Estaforma de avaliar, onde se busca entender o processo educacional como um todo, aponta para os limitesque o treinador/educador pode ir com suas intervenes, e a partir deste conhecimento que ele prepara o

    seu planejamento de ensino.Por tudo isso, que a avaliao deve ser um processo dirio, o que no impede de faz-la, tambm,

    em perodos previamente determinados, onde haja mais tempo para debater e criar reflexes a respeito detodas as questes que envolvem o processo de formao dos atletas.

    Viu-se que da avaliao cotidiana nasce o planejamento, e este um ato que instrumentaliza oaprendizado e prev os desafios que sero propostos. atravs de um planejamento rigoroso que se torna

    possvel delimitar e organizar as intervenes adequadas (FREIRE, 2008). Desta forma, o desafio dotreinador/educador conhecer o que planeja e para quem o faz, ou seja, ele deve conhecer o contedo damatria e o contedo dos sujeitos da aprendizagem.

    Para tanto, o planejamento educacional exige uma ao bastante disciplinada e organizada. Mas,mesmo com toda esta rigorosidade, que a cincia educacional espera do treinador/educador, ainda hespaos para a famosa improvisao, pois esta considerada uma ao pedaggica importante, desde quese tenha conscincia e controle do que esta improvisando. Sendo assim, ter aes planejadas significa queo educador tem clareza em seus objetivos, sabendo com absoluta certeza o que espera alcanar em cadaatividade proposta (FREIRE, 1997).

    atravs do planejamento, ento, que se pensa o passado e o futuro para as aes do presente.Mas, para isto acontecer, preciso entender que o planejamento um processo com movimentos e fases.O primeiro movimento j nasce na avaliao e o segundo da compreenso de que o planejamento composto por objetivos e contedos que buscam responder as seguintes perguntas: O que os educandos jsabem? O que eles ainda no conhecem? O que devemos ensinar? Por que ensinar tais contedos? Comoensinar? Quando ensinar? E onde ensinar? (FREIRE, 2008).

    Acreditamos que a partir destas questes, possvel para os treinadores de futsal, construir umamediao educacional6 em sua proposta de treinamentos, baseando-se em trs ingredientes que socaractersticos do ensinar: as intervenes, os encaminhamentos e as devolues7.

    Este um espiral que no tem fim, pois um treinador/educador que se comprometa em agir comoum leitor da realidade, escritor de suas teorias e prticas, estudante-pesquisador, fazedor de cincia daeducao e que se comprometa em mediar o processo de ensino fundamentado nestes trs ingredientes,

    possivelmente, estar comprometido em reavaliar e replanejar, junto de seus educandos, constantemente,

    6A mediao educacional um processo aberto e dinmico, onde no h espaos para uma aplicao de normas rgidas eautoritrias por parte do educador.7 Ver Educador, educa a dor (Freire, 2008, p 86).

    8

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    9/11

    os caminhos educacionais que esto sendo percorridos por este grupo em formao. Desta forma, ele

    encaminha o processo formativo atravs da apropriao e da sistematizao do seu saber pedaggico.Frente a estas reflexes, pensamos que possvel apresentar ao leitor no uma frmula secreta

    para a atuao profissional dos treinadores/educadores, mas sim, uma das possveis maneiras derompermos com o paradigma educacional cartesiano/mecanicista, que deixa de lado questes que, emnosso ponto de vista, so fundamentais para o ensino do futsal.

    V. Consideraes finaisApresentamos reflexes em torno de temas que consideramos de grande relevncia para as

    prticas de ensino dos esportes. E como o futsal uma modalidade em que estamos envolvidos h algunsanos, direcionamos as discusses para este campo, mais especificamente para as categorias de base, mas

    acreditamos que as reflexes aqui expostas podem e devem ser levadas tambm para outros espaospedaggicos.

    Sendo assim, discutimos a respeito de duas formas consolidadas de se enxergar e interpretar esteprocesso formativo: uma delas fundamenta-se na filosofia cartesiana/mecanicista, que ainda dominantedentro da nossa cultura esportiva, j a outra, interpreta o ensino em sua totalidade e busca atravs dainterao entre educador e educandos valorizar os sujeitos envolvidos neste processo de formao.

    O primeiro citado fundamenta-se a partir da reduo e da fragmentao das complexas variveisque envolvem um projeto educacional, para, em seguida, organiz-las em ordens lgicas, atravs dainterao entre seus componentes. Desta forma, a viso cartesiana prope a seus atletas apenas uma

    pequena parcela das variveis inerentes aprendizagem, j que, se ensina os aspectos tcnicos, tticos efsicos de maneira separada e descontextualizada da realidade do jogo. Alm disso, deixa de lado oscomponentes das emoes, percepes e sentimentos, j que estes no podem ser medidos equantificados.

    Nesta perspectiva de aula/treinamento, o atleta, a partir de uma compreenso dualista existente narelao entre o corpo e a mente, visto como uma mquina, e age apenas como um receptador dasinformaes transmitidas pelo seu treinador. Esta concepo prope ainda o ensino como um modelador edisciplinador do comportamento humano, onde as discusses e os debates so consideradosdesnecessrios.

    O treinador avalia as aprendizagens a partir de testes padronizados, e atravs da medio equantificao de erros e acertos que se analisa o desempenho dos sujeitos. Desta forma, o processo comoum todo, ou seja, os porqus destes erros e acertos no so levados em considerao.

    Os caminhos trilhados pelos processos de ensino-aprendizagem nesta abordagem pedaggica sorepetitivos e exaustivos, j que os exerccios so descontextualizados da realidade do jogo e o atleta noentende o porqu de estar aprendendo determinados movimentos. O que resta a eles procurar se adaptaras exigncias que so impostas pelo treinador, sem questionamentos e reflexes pedaggicas.

    Estas exigncias, que muitas vezes so apenas de ordem tcnicas e instrumentais, noproporcionam aos educandos uma real e total compreenso do que o jogo, j que o treinador decompeos exerccios complexos em unidades mais fceis e mais simples, fora da realidade que ser encontrada,acreditando que, ensinando-se primeiro as tcnicas e depois as tticas, ele ir conseguir retirar o melhordesempenho de sua equipe. Mas, esta forma abstrata de ver o ensino acaba afetando as capacidades de

    9

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    10/11

    deciso, criatividade e variabilidade gestual dos alunos, que so muito importantes para um projeto de

    ensino que lida com atletas em constante formao.E dentro desta proposta que o treinador atua como um modelador e disciplinador do

    comportamento de seus atletas, isto se refora pela lgica que a concepo cartesiana/mecanicistadefende, de que o bom professor ser aquele que conseguir dominar com qualidade os aspectos tcnicosdo jogo, e para isto acontecer, ele pode possuir apenas uma experincia emprica do esporte, como porexemplo, ser um ex-atleta. Assim ele consegue transmitir a seus atletas, padronizaes tcnico-motorasque ele conhece.

    Na segunda concepo de ensino citada, atravs da compreenso do complexo esportivo comoum todo e na valorizao dos sujeitos envolvidos no processo educacional, que se busca superar aabordagem cartesiana/mecanicista de ensino. Neste sentido, uma sesso de treinamento e um projeto deconstante formao educativa, apresentam atividades que busquem a interrelao entre as diferentes

    qualidades fsicas, tcnicas, tticas e psicolgicas dos atletas. Isto acontece principalmente atravs depequenos e grandes jogos, que so especficos e bastante prximos da realidade de jogo, buscando destamaneira facilitar o desenvolvimento da aprendizagem como um todo e de forma mais prazerosa paratodos, pois aqueles exerccios exaustivos e de repeties idnticas, que olham apenas uma qualidadetcnica por vez, e ainda de forma no especfica realidade de jogo, passam a ser ressignificados por estaconcepo de ensino.

    Mas, para que esta proposta didtico-pedaggica ganhe foras, preciso que a mediaoeducacional, que parte do treinador/educador, busque a compreenso e a leitura dos desejos e dasnecessidades de aprender de cada sujeito integrante do grupo de aprendizagem, ou seja, o treinador nodeve promover o ensino somente daquilo que ele quer, preciso saber o que o grupo deseja e necessitadesenvolver.

    No basta apenas o treinador impor atividades para seus alunos, ele deve dialogar com o grupo arespeito da importncia dos exerccios, e principalmente fazer com que todos entendam os objetivos aserem alcanados pela proposta, para que ao final de tudo, seja possvel que todos possam refletir sobre osacontecimentos do treino. neste sentido que o treinador deve atuar como um mediador do processo deensino-aprendizagem, buscando promover os avanos desejados atravs de desafios a serem superadosconstantemente por seus atletas.

    A partir destas reflexes, acreditamos que foi possvel levantar uma srie de problematizaes arespeito de questes didtico-pedaggicas para o ensino do futsal em categorias de base. O que restaagora saber que tipo de projeto de formao que o treinador/educador ir escolher para subsidiar a sua

    prtica de ensino, sendo um, ou outro, o fundamental que ele saiba, realmente, como ele deve agir e que

    tipo de sujeito estar formando.

    Referncias:

    BAYER, Claude. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Dinalivro, 1994.

    10

  • 7/26/2019 REFLEXES DIDTICO-PEDAGGICAS

    11/11

    FREIRE, Madalena et al. Avaliao e planejamento: instrumentos metodolgicos II. So Paulo: Paz e

    Terra, 1997.

    FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. So Paulo: Paz e Terra, 2008.

    FREIRE, Madalena et al. Observao, registro e reflexo: instrumentos metodolgicos I. So Paulo:Paz e Terra, 1996.

    GARGANTA, Jlio.Para uma teoria de los Juegos Desport ivos colectivos. In: GRAA, A. eOLIVEIRA, J. (org.). O ensino dos jogos desportivos. 2 ed. Porto: Universidade do Porto, 1995.

    GRECO, J. P. (1995). O ensino do comportamento ttico nos jogos esportivos coletivos: aplicao nohandebol. Tese de doutorado, Faculdade de Educao, EUC, Campinas.

    KUNZ, Elenor. Educao fsica: ensino&mudanas. Ijui: Unijui, 2001.

    KUNZ, Elenor. O esporte enquanto fator determinante na educao fsica . contexto & educao, v.15, n. JUL/SET, p. 63-73, 1989.

    SCAGLIA, Alcides. Novas tendncias em pedagogia do esporte: a abordagemtradicional. Disponvelem: . Acesso em: 21 jun. 2010.

    XVII Congresso brasileiro de Cincias do EsporteGTTTreinamento esportivoComunicao Oral

    E-mail:[email protected] tecnolgico necessrio: office Powerpointe projetor (data show)

    11

    http://www.cbce.org.br/br/gtt/formacao-de-professores-e-mundo-do-trabalho/mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://www.cbce.org.br/br/gtt/formacao-de-professores-e-mundo-do-trabalho/