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REFLEXÕES SOBRE O PERFIL DOS EGRESSOS NA ÁREA TECNOLÓGICA A PARTIR DA PERSPECTIVA DO TRABALHO E DO GÊNERO MARIA SARA DE LIMA DIAS * E.T. 05 Ciência e Tecnologia: Gênero, Relações Étnico-Raciais, Cultura e Identidades Código do trabalho: 4763963 Ao analisar o perfil dos egressos nas áreas tecnológicas, tendo como referencial o marco teórico da psicologia social comunitária, constata-se que, apesar dos muitos estudos sobre a educação superior no Brasil, poucos artigos trazem informações sobre as necessidades dos egressos na área tecnológica. Como uma construção social, as relações de gênero são mediadoras da inserção ocupacional e da manutenção das mulheres no mundo do trabalho. Observa-se um certo tipo ideal de trabalhador, sempre à disposição das empresas que refletem as dificuldades para a mulher nos setores tecnológicos. A precarização das condições de trabalho se dão a partir de diferenciações que se produzem e reproduzem em um ambiente de trabalho por vezes hostil à presença feminina e que repercute em sua subjetividade. Nas falas sobre as trajetórias socioprofissionais, são manifestadas as diferenças salariais, de carreira e as consequentes alterações das condições de vida e saúde. É preciso compreender como se dão essas relações laborais para esse coletivo de mulheres que se dedicam à área tecnológica, uma vez que as representações relacionadas ao trabalho feminino remetem a uma série de obstáculos e preconceitos à inserção da mulher neste cenário. Com isso, pretende-se dar visibilidade à relação gênero, tecnologia e vida laboral. Palavras-chave: tecnologia, trabalho, gênero, subjetividade,carreira. * Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pós-Doutora em Psicologia, com Bolsa CAPES.

REFLEXÕES SOBRE O PERFIL DOS EGRESSOS NA ÁREA … · 2016-08-24 · PARTIR DA PERSPECTIVA DO TRABALHO E DO GÊNERO MARIA SARA DE LIMA DIAS * E.T. 05 – Ciência e Tecnologia: Gênero,

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REFLEXÕES SOBRE O PERFIL DOS EGRESSOS NA ÁREA TECNOLÓGICA A PARTIR DA PERSPECTIVA DO TRABALHO E DO GÊNERO

MARIA SARA DE LIMA DIAS*

E.T. 05 – Ciência e Tecnologia: Gênero, Relações Étnico-Raciais, Cultura e Identidades

Código do trabalho: 4763963

Ao analisar o perfil dos egressos nas áreas tecnológicas, tendo como referencial o marco

teórico da psicologia social comunitária, constata-se que, apesar dos muitos estudos sobre a

educação superior no Brasil, poucos artigos trazem informações sobre as necessidades dos

egressos na área tecnológica. Como uma construção social, as relações de gênero são

mediadoras da inserção ocupacional e da manutenção das mulheres no mundo do trabalho.

Observa-se um certo tipo ideal de trabalhador, sempre à disposição das empresas que refletem

as dificuldades para a mulher nos setores tecnológicos. A precarização das condições de

trabalho se dão a partir de diferenciações que se produzem e reproduzem em um ambiente de

trabalho por vezes hostil à presença feminina e que repercute em sua subjetividade. Nas falas

sobre as trajetórias socioprofissionais, são manifestadas as diferenças salariais, de carreira e as

consequentes alterações das condições de vida e saúde. É preciso compreender como se dão

essas relações laborais para esse coletivo de mulheres que se dedicam à área tecnológica, uma

vez que as representações relacionadas ao trabalho feminino remetem a uma série de

obstáculos e preconceitos à inserção da mulher neste cenário. Com isso, pretende-se dar

visibilidade à relação gênero, tecnologia e vida laboral. Palavras-chave: tecnologia, trabalho, gênero, subjetividade,carreira.

* Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pós-Doutora em Psicologia, com Bolsa CAPES.

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Introdução

Ao analisar o perfil dos egressos nas áreas tecnológicas - tendo como referencial o

marco teórico da psicologia social comunitária -, constata-se que, apesar dos muitos estudos

sobre a educação superior no Brasil, é pequena a quantidade de material que traz informações

sobre as necessidades dos egressos na área tecnológica.

A partir da promulgação da Lei 10.861 de 14/04/2004, que instituiu o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (BRASIL, 2004) e, por conseguinte,

sua normativa, a Portaria 300 do Ministério da Educação (MEC), de 30/01/2006, que aprovou

o instrumento do SINAES de avaliação externa das Instituições de Educação Superior

(BRASIL, 2006), as IES começaram a enxergar os egressos de modo diferente – um público

que era pouco considerado até então.

A Portaria no 646/97 esclarece que as Instituições Federais, especificamente as

destinadas à Educação Tecnológica, precisam identificar novos perfis de profissionais e

adequar a oferta de cursos às demandas dos setores produtivos. Para isto, precisam criar

sistemas de acompanhamento permanente de egressos e estudos de demanda profissional.

A título de esclarecimento a Educação Tecnológica refere-se a um nível da educação

profissional, correspondente aos cursos de nível superior, destinados aos egressos do ensino

médio e técnico, e regulamentados por dispositivos próprios, especialmente pelo decreto no

2.208, de 17 de abril de 1997:

Art".10 Os cursos de nível superior, correspondentes à educação profissional de

nível tecnológico, deverão ser estruturados para atender aos diversos setores da

economia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão diploma de Tecnólogo.

Art. 11 Os sistemas federal e estaduais de ensino implementarão, através de

exames, certificação de competência, para fins de dispensa de disciplinas ou

módulos em cursos de habilitação do ensino técnico."

Considera-se, portanto, que os Cursos Superiores de Tecnologia são legalmente cursos

regulares de graduação, com Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho

Nacional de Educação, concentrados no domínio e na aplicação de conhecimentos científicos

e tecnológicos, cujas áreas de conhecimento estão relacionadas a uma ou mais áreas

profissionais. Permitem todo tipo de pós-graduação.

O acesso aos cursos de graduação da área tecnológica é aberto a candidatos que

tenham concluído o ensino médio e tenham sido classificados em processo seletivo. O perfil

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dos egressos, em geral, é definido com base no desenvolvimento de competências

profissionais que possibilitem a correta utilização da tecnologia.

É necessário reforçar a distinção entre curso superior técnico (CST) e curso

seqüencial. Os cursos Tecnológicos e seqüenciais possuem naturezas e objetivos diversos, não

sendo sujeitos à regulamentação curricular. São organizados para atender às necessidades dos

cidadãos e das empresas. A flexibilidade é grande, dependendo das demandas. Dessa forma,

diferente dos cursos de graduação, não geram direitos específicos para além da certificação

(CHRISTOPHE, 2005).

As instituições de ensino devem se manter atualizadas frente às transformações

sociais, buscando o acompanhamento do perfil de seus egressos (FREZATTI & KASSAI,

2003; DE FREITAS RÊGO; ANDRADE, 2010). Tal interação é fator fundamental de

avaliação da qualidade do ensino e busca corresponder às expectativas dos alunos com a

realidade do mundo do trabalho. Acompanhar o egresso permite obter elementos para avaliar

periodicamente a qualidade dos cursos de graduação e as necessidades de melhoria dos

processos de ensino e aprendizagem. (DELUIZ, 2003; DE FREITAS RÊGO, 2010; DAL

MAGRO; RAUSCH, 2012, BUFFON, 2015).

O ensino superior para Delors (2000) é o principal instrumento transmissor de

conhecimentos culturais e científicos. Deste modo, o egresso da área tecnológica deve ter

condições de ser, continuamente, um agente de inovação tecnológica para além do universo

acadêmico. A relação entre a universidade e o egresso permite a aprendizagem contínua deste

profissional, considerando que o ciclo tecnológico está mais curto que a carreira profissional,

o que obriga as pessoas a se reciclarem permanentemente em conceitos, técnicas,

conhecimentos e metodologias inovadoras (MACHADO, 2001; SANDRIN, 2015.).

A sociedade atual tem demonstrado a precarização das condições de trabalho, e vem

produzindo diferenciações de gênero que repercutem nas trajetórias socioprofissionais e na

qualidade do trabalho (DE SOUZA MIRANDA; PAZELLO; LIMA, 2015). Para a discussão

do tema trabalho e gênero, relacionando-o com os direitos humanos o relatório da Ação

Educativa, promovido pelo Informe Brasil -- Gênero e Educação (2011), aponta que,

atualmente, as problemáticas de gênero na educação brasileira estão relacionadas a seis

grandes desafios profundamente interligados: a) as desigualdades persistentes entre as mulheres brasileiras: o avanço nos indicadores de

acesso e desempenho é marcado pelas desigualdades entre mulheres de acordo com a renda,

raça e etnia e local de moradia (rural e urbano), com destaque para a situação das mulheres

negras e indígenas;

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b) a situação de pior desempenho e de maiores obstáculos para permanência na escola por

parte dos meninos brasileiros, em especial, dos meninos negros;

c) a manutenção de uma educação sexista homofóbica/ lesbofóbica/ transfóbica, racista e

discriminatória no ambiente escolar; d) a concentração das mulheres em cursos e carreiras “ditas femininas”, com menor

valorização profissional e limitado reconhecimento social;

e) a baixa valorização das profissionais de educação básica, que representam quase 90% do

total dos profissionais de educação, que – em sua gigantesca maioria – recebem salários

indignos e exercem a profissão em precárias condições de trabalho; f) o acesso desigual à educação infantil de qualidade.

Tradicionalmente, o mundo do trabalho continua baseado na ideia de uma dedicação

quase exclusiva do trabalhador à empresa e de um tipo ideal de trabalhador que deve estar

integralmente à sua disposição. O pressuposto dessa concepção é a existência de uma outra

pessoa que cuida de todas as outras dimensões da vida: a família, as responsabilidades

domésticas, o âmbito afetivo e subjetivo. Essa outra pessoa, também por definição, é a

mulher. E o que acontece quando essa outra pessoa também está no mercado de trabalho, ou

seja, também trabalha remuneradamente? Evidentemente esse modelo deve promover tensões.

(ABRAMO, 2010).

O mundo acadêmico adota, prioritariamente, indicadores e critérios quantitativos para

a qualidade da educação, como, por exemplo, o número de professores doutores e o número

de publicações em revistas indexadas. A sociedade, por sua vez, parece considerar a qualidade

diretamente atrelada a fatores como concorrência nos processos de admissão, empregabilidade

e o sucesso profissional de seus egressos, reputação do quadro docente e suntuosidade das

instalações (ABREU JUNIOR, 2009).

O perfil do egresso permite auxiliar a universidade na definição de quais as

competências que deveriam se desenvolver para adaptar-se às transformações científico-

tecnológicas. Para PATRÃO & FERES (2009) os egressos das instituições de ensino se

revelam como atores potencializadores de articulação com a sociedade, fonte de informações

que possibilita retratar a forma como a sociedade, de modo geral, percebe e avalia estas

instituições - tanto do ponto de vista do processo educacional, como também do nível de

interação que se concretiza. Para GARIGLIO & BURNIER (2014), os saberes pedagógicos

dos professores da área tecnológica guardam marcas do contexto de ensino situado da

Educação Profisisonal e de espaços e tempos de formação profissional próprios das áreas

tecnológicas e por experiências e aprendizagens não formais e informais.

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E ainda considerando que a pesquisa de egressos se constitui numa ação importante

neste contexto, à medida que possibilita o levantamento de informações em relação à situação

dos egressos no mundo do trabalho" (PATRÃO & FERES , 2009: 10). O resultado das

pesquisas do perfil do egresso são imprescindíveis para o planejamento, definição e retro-

alimentação das políticas educacionais das instituições.

Metodologia

Antes da apresentação dos procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa,

faz-se necessário a definição acerca do termo egresso. Nesta pesquisa, egresso é considerado

o aluno que efetivamente concluiu os estudos regulares, estágios e outras atividades previstas

no plano de curso e já recebeu o diploma. Logo, esta análise baseou-se no perfil do egresso

da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, considerando os cursos de bacharelado das

áreas de Engenharias, cujas turmas formaram-se no período entre 2005 e 2015. Um

questionário online foi utilizado como instrumento. Tal aplicação permitiu que a pesquisa

atingisse o espaço da internet. “A maior parte das pesquisas que utilizam a internet ainda são

levantamentos quantitativos online, questionários com base na web” ( FLICK, 2009: 240)

Utilizando as referências da epistemologia qualitativa e de questões qualitativas, pretendeu-se

a ampliação metodológica do questionário no intuito de apreender o perfil dos egressos. O

presente artigo discute os resultados parciais da pesquisa, que obteve um retorno de 247

pessoas, representando assim uma amostra de mais de 10% do total de alunos formados pela

Instituição de Ensino Superior- IES no período considerado pela pesquisa.

Discussão e análise dos dados

O questionário aplicado foi composto por 22 questões. Sendo uma primeira série de

questões fechadas (múltipla escolha) que buscam caracterizar o perfil dos egressos e uma

segunda série de questões abertas, cujo espaço foi reservado para que os egressos pudessem

manifestar suas impressões sobre os diferentes aspectos envolvidos em sua formação na

UTFPR. Este artigo apresenta um recorte das questões da pesquisa a partir da análise da

resposta das mulheres egressas da UTFPR, dos cursos de Engenharia Elétrica, Mecânica,

Civil, Eletrônica e Industrial Elétrica. A participação das mulheres na área representa 23% do

total de formados no período entre 2005 e 2015; são de pele branca o perfil de 84% dos

entrevistados; 60% possui idade até 29 anos; são solteiros 55% dos participantes desta

pesquisa.

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Sobre a paticipação das mulheres, observa-se que "a compreensão de que o feminino

está sempre em relação com o masculino também torna fragmentada a posição de tomar uma

categoria, no caso, mulher, em permanente oposição a outro homem" (CASAGRANDE & DA

LUZ, 2011: 53). Deste modo, adotou-se o termo gênero como uma forma de recuperar a

consciência histórica da luta por direitos civis e do papel social atribuido à mulher. O gênero

como um fator social é, portanto, mediador das escolhas profissionais dos jovens.

Na divisão sexual do trabalho a tendência que se mantêm é de um pequeno número de

mulheres na área tecnológica, apesar de ter havido algum aumento nas últimas décadas - este

ainda não é significativo. Em 1991, elas representavam 17% do número de matrículas na

graduação em engenharias; em 2000, passaram a 19%; e em 2008, 21%. Em 2011,

aproximam-se em 30% do total. Ainda conforme o Censo de (2013:28)

as áreas gerais do conhecimento que apresentam os maiores percentuais de ingressos para o

sexo feminino são as áreas Saúde e Bem-Estar Social” e “Educação”, representando na

categoria privada 76,6% para ambas as áreas e na categoria pública, 70,7% e 59,9%,

respectivamente. Observando o sexo masculino, a área geral do conhecimento que registra o

maior percentual de ingressos é a área de “Ciências, Matemática e Computação”, sendo que na

categoria privada o percentual encontrado é 71,5% e na categoria pública é 67,5%.

Contudo, o ingresso das mulheres nesta universidade representa apenas 11% do total

de matriculas, demonstrando a permanência da supremacia nas áreas de ciências sociais

aplicadas e humanas em relação às engenharias. As mulheres na atualidade vêm obtendo cada

vez mais espaço nessa área, mas existem modalidades desse curso em que a presença

feminina ainda não é representativa (LOMBARDI, 2005). A escolha profissional na área

tecnológica está baseada em algumas condições como mercado profissional favorável e

procura por melhores salários, como nestas falas: - Mercado favorável e salário. - Interesse

na area e futuro profissional promissor! - Maiores oportunidades! - Salário e oportunidades!

- Interesse e retorno econômico! - Afinidade com cálculos/matemática, remuneração! -

Salário e oportunidades! -Interesse e retorno econômico! -Desafios de mercado! - Sempre me

identifiquei com a área de exatas, gostava muito de matemática e de cálculos. A engenharia

mecânica foi a área que mais me atraiu por causa do mercado de trabalho.

Por um lado, pode-se afirmar que a entrada da mulher nesse campo é um rompimento

de valores que as discriminam em carreiras tidas como predominantemente masculinas; por

outro, as falas evidenciam a busca de perspectiva mais favorável na oferta de salários e

oportunidades no mercado de trabalho.

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Os conceitos de sexo e gênero se constituem como construções histórico-sociais a

partir da percepção cultural das distinções sexuais. Em oposição às ideias essencialistas de

sexo e do gênero na escolha profissional, pode-se afirmar que a organização social está

abrindo novos horizontes profissionais para as mulheres. Para sustentar esta escolha

profissional, elas tiveram que enfrentar padrões de gênero aceitos no interior das famílias, nas

escolas e no trabalho (LOMBARDI, 2005).

No período estudado – entre 2005 a 2015 –, observa-se que as mulheres escolheram as

áreas tecnológicas com o objetivo de buscar melhores condições de vida e de carreira

profissional. Entretanto, a categoria gênero se evidencia nos discursos das egressas como uma

condição social que pode promover obstáculos para a inserção na área, como nesta fala: -

Suposto mercado de trabalho favorável, que não se mostrou dessa forma quando me formei. As múltiplas mediações do mercado de trabalho alteram as perspectivas profissionais das

mulheres, acarretando, entre outros fatores, a oferta de salários, o tempo dedicado à empresa,

a disponibilidade para horas extras e constantes viagens. É necessário, portanto, observar

todos estes processos do mercado de trabalho, no interior dos quais se articulam

diferenciações de sexo e gênero.

A desigualdade no mercado de trabalho é reafirmada em culturas machistas como a

das organizações tecnológicas, em que a maioria dos perfis de emprego fazem uma prescrição

do tipo de trabalhador que seja mais adequado a cada categoria de gênero (SCOTT, 1995),

A desigualdade no mercado de trabalho ainda é uma realidade entre as expressões das

egressas nas engenharias, ao serem questionadas sobre : - Como percebe sua carreira no

mercado de trabalho atual da área tecnológica? As respostas evidenciam trajetórias

socioprofissionais diferenciadas: - Atualmente estou morando nos EUA, e o mercado de

trabalho na área de tecnologia aqui está novamente em ascensão, depois de um longo

periodo de recessão, o que favorece os profissionais da área no Brasil. Eu não encontrei

trabalho para mim no país na época em que me formei.

A luta das mulheres por áreas profissionais predominantemente masculinas evidencia

um grave problema social que dificulta, principalmente, o ingresso em um mercado de

trabalho que reforça valores heteronormativos. Pode-se observar distinções de gênero

presentes também na aceitação da mulher no campo do desenvolvimento da pesquisa

científica, para além do mercado de trabalho. Como nesta fala: - Acho que a área de pesquisa

está bastante saturada, formando dezenas de doutores anualmente e com pouca inserção das

mulheres neste mercado. No sentido especificamente de considerar as lutas femininas no

campo do trabalho, seja acadêmico ou não, algumas observações das egressas nos ajudam a

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analisar o quadro das lutas por espaço e pelas trajetórias femininas na área, privilegiando na

busca pelo aumento de qualificações: - Se depender apenas da graduação para atuar com

professor no nível fundamental e médio, haverão muitas dificuldades: longas jornadas de

trabalho, remuneração não adequada, locais de trabalho impróprios. Se seguir na formação

profissional, obtendo pós-graduações (mestrado e doutorado), e podendo atuar como

professor universitário ou federal, então receberá respeito, jornadas e locais de trabalho

mais adequados e uma remuneração compatível ao trabalho.

Apesar das transformações de cultura do machismo em organizações tecnológicas, as

diferenças de gênero ainda se manifestam nas relações de dominação e poder, manifestando

uma prática das mulheres de buscar uma superqualificação para evitar o medo do desemprego.

O relato acima evidencia a luta histórica das mulheres por condições de trabalho e jornadas

adequadas, para que consigam uma remuneração compatível com o seu trabalho. As carreiras

acadêmicas são priorizadas pelas mulheres como forma alternativa de inserção profissional.

Mesmo sem deixar de ser o suporte da família, assumindo responsabilidades para com

os filhos, a casa e o marido, enfrentando preconceito tanto na academia como no mundo do

trabalho, elas não desistiram. Foram atrás de conhecimentos na área que tem um grau de

exigência muito grande (ORNELAS, 2010) e, ao mesmo tempo, uma grande desvalorização –

a mulher recebe uma remuneração menor do que o homem na área das engenharias. Como

expressa esta participante ao falar sobre como se sente em relação à sua carreira de

engenheira: - Importante, mas sinto que podia ser mais e mais valorizada, inclusive

financeiramente. Em todos os relatos foi identificada a discriminação sexista e androcêntrica,

influenciando a inserção ocupacional da mulher.

O relato das participantes mostra um quadro de desigualdades apesar da constante luta

e da busca pela superação de obstáculos; muitas delas optam por deixar o país, como neste

relato: - Eu não trabalho mais no Brasil, o crescimento travado e as oportunidades

limitadíssimas para quem quer mais e mais da sua carreira me fizeram mudar para o

Canadá. Me vi numa empresa no Brasil ganhando um salário justo mas que não mostrava

nenhuma oportunidade grande de crescimento. Me vi no mesmo lugar por 15 anos, e queria

algo mais, um desafio a mais. O Brasil parou para a engenharia e aqui, mesmo sendo

estrangeira de uma universidade que ninguém nunca ouviu falar, tenho muito mais

oportunidade de fazer grandes mudanças na minha carreira e me dar ao luxo de descobrir (e

me descobrir) em algo novo. A mudança de seu próprio país, onde não se sente sua escolha

profissional valorizada, cujo contexto também reflete uma trajetória de busca por satisfação

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pessoal. Os discursos são pontuados pelas queixas das mulheres em relação à estrutura

econômica e política do país e aos poucos investimentos em tecnologia.

A falta de infraestrutura para o desenvolvimento tecnológico no país fragiliza ainda

mais as mulheres em busca de oportunidades na área tecnologica: - A construção civil no

Brasil está absurdamente atrasada. O país é extremamente carente de infraestrutura de base,

urbanização e moradia. O cenário do mercado de trabalho, na construção civil, mudou

consideravelmente neste último ano. As vagas abertas foram encerradas; as vagas que estão

sendo abertas exigem mais; o setor de projetos está quase parando – as obras são muito

poucas. Os investidores estão saindo do país e buscando mercados mais seguros.

É importante sublinhar que as mulheres se submetem a condições de trabalho

extenuantes para garantir uma oportunidade de manter-se em atividade, e, como estratégia,

aquelas que não se submetem ao efeito econômico das sucessivas crises cuja principal

consequência é o aumento no índice de desemprego. Muitas preferem a proposta de mudança

para outro país, em busca de um mercado de trabalho mais seguro.

Os saberes são valorizados de forma diferenciada no ambiente de trabalho, assim

como as promoções e os melhores postos ocupacionais, como neste relato: - O mercado de

trabalho encontra-se em uma posição difícil, sendo cada vez mais complicado ser empregada

como engenheira. Empresas oferecem apenas cargos de analistas e projetistas. Mas existe a

perspectiva de crescimento.

Diferentes barreiras são impostas à inserção das mulheres nas engenharias,

especialmente na ciência e, em contrapartida, às facilidades encontradas pelos homens para

este mesmo panorama, o que confere à ciência um caráter androcêntrico, ou seja, a estrutura

social da ciência não apenas exclui as mulheres de seu universo, mas esse universo é

historicamente construído pela figura masculina.

Considerações finais

Como uma construção social, as relações de gênero são mediadoras da escolha

profissional das mulheres. Nesta perspectiva se pode observar um aumento da participação

das mulheres em áreas tradicionalmente masculinas. Diferentes motivos permeiam as escolhas

profissionais da mulher pela área tecnológica. Estes aspectos podem advir de facilidade para

lidar com números, aptidão para exatas, ou simplesmente a busca por melhores salários e

rendimentos ao participarem de uma qualificação que lhes permite aceder a um mercado de

trabalho de aparente segurança profissional.

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As mulheres nas engenharias podem contribuir para modificar uma visão machista

ainda existente em nossa cultura de que existem tipos de trabalho para o homem e tipos de

trabalho para a mulher. A inserção da mulher no mundo da ciência e da tecnologia acontece

como resultado de lutas sociais por direitos iguais, muito embora ainda persistam algumas

diferenças de trabalho em termos de remuneração e ocupação de postos de comando nas

empresas. Analisando as disparidades entre os gêneros como um dos maiores problemas

mundiais, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu “Oito Objetivos do Milênio”,

que devem ser atingidos por todos os países até 2015, sendo que o terceiro objetivo é a

igualdade entre os sexos e a valorização da mulher.

Diante desta meta estipulada por aquela organização, percebe-se a necessidade de

pesquisas sobre relações de gênero nos diversos espaços sociais, a fim de debater e contribuir

com movimentos que pretendam colaborar para a equidade entre homens e mulheres. Pode-se

dizer que houve avanços nas conquistas das mulheres, rompendo os paradigmas no mundo do

trabalho contemporâneo. A equidade de gênero ainda é um processo a se construir

historicamente e representa os anseios de muitas mulheres na área tecnológica.

Nas falas sobre as trajetórias socioprofissionais das egressas se manifestam narrativas

de angústias vividas por enfrentar diferenças salariais e de carreira. Submissão às instituições

que cotidianamente descrevem diferenças de trabalho, capacitação a partir do gênero e fuga

para outros mercados de trabalho são algumas das consequências apontadas pelas egressas. As

discriminações e o preconceito no ambiente de trabalho promovem alterações em condições

de vida e saúde que se manifestam em forma de resignação, desresepito – apresentado sob a

forma de brincadeira desdenhosa – ou enfrentamentos cotidianos em um ambiente de trabalho

predominantemente masculino. Observa-se que existe uma gama de possibilidades das

mulheres se inserirem em trabalhos na área tecnológica, apesar da constituição de um certo

tipo ideal de trabalhador, sempre à disposição das empresas e da precarização das condições

de trabalho. Somente o enfrentamento das diferenciações que se produzem e reproduzem em

um ambiente de trabalho, por vezes hostil à presença feminina, é pode contribuir para uma

cultura da igualdade de gênero.

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