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Reforma da Previdência Diagnóstico e Propostas do ITV Brasília, 31 de outubro de 2016

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Reforma da Previdência

Diagnóstico e Propostas do ITV

Brasília, 31 de outubro de 2016

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Instituto Teotônio Vilela – Reforma da Previdência: Diagnóstico e Propostas do ITV

Presidente Nacional do PSDB

Senador Aécio Neves

Presidente Nacional do Instituto Teotônio Vilela

Senador José Aníbal

Diretoria ITV

Marcus Pestana – Estudos e Pesquisas

César Gontijo – Formação e Aperfeiçoamento

Cícero Lucena – Marketing Político e Eleitoral

Ciro Miranda – Financeiro

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Sumário

- O quadro fiscal e econômico é o pior da história do Brasil. A depressão vivida

no biênio 2015-2016, de mais de 7%, supera até mesmo o desempenho negativo

observado na Crise de 1929.

- Nesse contexto, a reforma da previdência ganha força como resposta à

demanda pela retomada do equilíbrio das contas públicas e do desenvolvimento

econômico e social.

- O gasto previdenciário encerrou 2015 em 11,2% do PIB. Esse volume de

despesas tenderá, sob as regras atuais, a pressionar a carga tributária em algo

como 8 a 10 pontos percentuais do PIB nos próximos anos.

- O Brasil é uma jabuticaba amarga quando se trata de previdência. A proporção

de idosos na população não condiz com o tamanho de gastos destinados às

aposentadorias. Sem reformas, o sistema se tornará insustentável.

- Nos últimos 35 anos, as características da população se alteraram fortemente,

mas as regras de pagamento de benefícios previdenciários não mudaram. Chegou

a hora de rediscutirmos profunda e intensamente esse problema.

- A análise do nosso sistema previdenciário comparada ao de um grupo grande

de países mostra que a ausência de idade mínima é uma exceção a ser combatida.

- Os regimes próprios (setor público) também precisarão ser ajustados. Seu

déficit se multiplicou por 4 vezes desde 1988, beneficiando uma fatia privilegiada

e mínima da população brasileira.

Colaboraram com este trabalho: Paulo Tafner, Pedro Nery, Felipe Salto, Monica David, Iuri Pitta, Marcos

Köhler, Leonardo Ribeiro, André Lacerda e Fabiano Lana. O texto é fruto das discussões realizadas pelo

ITV, em outubro de 2016, na primeira reunião do Grupo de Conjuntura do Instituto, da qual participaram,

além dos nomes mencionados, Bruno Oliva, Rodrigo Brandão e outros especialistas, analistas políticos e

colaboradores.

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1. Introdução

A economia brasileira apresentou queda de 3,8% no ano passado e, para 2016,

projeta-se queda de 3,3%. A dívida pública atingiu 70% do PIB ou R$ 4,3 trilhões de

reais, com um déficit nominal (receitas menos despesas incluindo juros) que circunda os

R$ 600 bilhões no acumulado em 12 meses até agosto. Pior, a trajetória da dívida é

claramente crescente e poderá superar 100% do PIB se a PEC do Teto não for aprovada.

Dívida bruta do governo geral (% do PIB)

Fonte: Banco Central. Elaboração e projeções nossas.

Provavelmente, ainda teremos mais cinco ou seis anos de avanço do indicador

dívida/PIB até que se atinja a estabilização e se inicie um novo ciclo de redução. E isso

se a economia voltar a crescer perto de 2,5%, com juros reais convergindo a 4,5% ao ano

e inflação também nessa faixa. Dito de outra forma, os obstáculos a serem transpostos

para colocar a casa em ordem são múltiplos e precisarão ser enfrentados com

transparência e coragem política.

Esse cenário de recuperação da credibilidade no campo fiscal e de restauração dos

padrões de responsabilidade fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (lei

complementar nº 101/2000) dependerá da execução de uma agenda de reformas. A PEC

do Teto (PEC nº 55, no Senado) é um começo importante e a vitória do governo na

Câmara sinaliza para a disposição da classe política em discutir os grandes temas

nacionais.

83,0%85,0%

68,0%

55,5%51,7%

100,0%

102,4%

81,9%

0,0%

20,0%

40,0%

60,0%

80,0%

100,0%

120,0%

Cenário com PEC Cenário sem PEC

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O próximo passo é a reforma da previdência. Ainda que algumas mudanças tenham

sido realizadas nos últimos governos, como a criação do fator previdenciário e do

Funpresp – Fundo de Previdência dos Servidores Públicos –, o problema só cresceu. Na

verdade, o grupo de servidores sujeitos às regras do Funpresp – mais sólidas atuarialmente

– é muito pequeno em relação ao contingente de já aposentados e dos que irão se aposentar

pelas regras de integralidade.

Estamos envelhecendo e as regras vigentes já não são compatíveis com a

capacidade de geração de receita. A aposentadoria precoce observada no Brasil, com 53

anos, em média, não tem paralelo em lugar algum do mundo. Fixar idade mínima é um

consenso entre especialistas, analistas e estudiosos do tema. É claro que as mudanças no

sistema precisarão ser implementadas a partir de um regime de transição, respeitando as

leis, a Constituição e o direito de todos os cidadãos.

O presente trabalho está dividido em três partes: na primeira, trazemos os números

e detalhes sobre o quadro atual da previdência no Brasil; na segunda, apresentamos uma

proposta de reforma do sistema; e, na terceira, os resultados esperados a partir das

mudanças sugeridas.

2. Diagnóstico dos problemas

2.1. O quadro geral

A previdência social do Brasil possui quatro regimes:

- o regime geral de previdência social – RGPS;

- os regimes próprios de previdência dos servidores públicos federais, estaduais e

municipais – RPPS; e

- dois regimes de previdência complementar:

- o regime fechado, composto por fundos que são estruturados e

suportados por empresas, predominantemente estatais, e geralmente

restritos ao conjunto de seus trabalhadores; e

- o regime aberto, que são fundos operados pelo sistema finance iro

e disponíveis a qualquer indivíduo, desde que ativo no RGPS ou RPPS.

O RGPS e os RPPS funcionam sob o sistema de financiamento de repartição

simples. Isto é, os trabalhadores contribuem, ao longo de determinado período, e essas

receitas são utilizadas para o pagamento dos salários de benefício. Não há capitalização

dos recursos.

O RGPS é compulsório e abrange os trabalhadores empregados do setor privado,

os trabalhadores autônomos, domésticos, rurais e os segurados facultativos. É

administrado pelo INSS. Conceitualmente, é um seguro social estruturado para atender

toda a População Economicamente Ativa (PEA), com exceção dos servidores públicos,

que dispõem de regimes próprios.

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Os RPPS abrangem o funcionalismo público nos níveis federal, estadual e

municipal. São administrados pelos respectivos governos e sua adesão é obrigatória ao

funcionalismo público.

Os gastos elevados do RPPS ensejaram enormes preocupações, motivando as

reformas de 1998 e 2003. Essas reformas previram um sistema híbrido para os servidores

públicos a partir da constituição de fundos previdenciários que funcionam sob regime de

capitalização em contas individuais para os valores superiores ao teto do regime geral

(atualmente fixado em R$ 5.189,82). Para a parcela inferior ao teto, o sistema funciona

sob regime de repartição simples. Esse sistema híbrido, entretanto, somente é aplicáve l

aos servidores contratados a partir da criação desses fundos. A União e diversos Estados

e Municípios já criaram seus fundos a partir de 2013.

Já a previdência complementar é regida pelo sistema de capitalização. Ela é optativa

e destinada àqueles que querem um benefício complementar ao obtido em algum dos

regimes anteriores. Os benefícios pagos são fruto das contribuições e dos resultados

financeiros da aplicação dos recursos. Este regime de previdência é administrado por

fundos de pensão abertos ou fechados e fiscalizado pela Secretaria de Previdência do

Ministério da Fazenda.

Apesar de termos esses quatro sistemas, dois são de interesse especial, quando se

trata de avaliar o sistema de previdência, devido ao volume de recursos e a seus impactos

fiscais: o RGPS e os RPPs. Eles produzem gastos da ordem de 11,2% do PIB. Vejamos

alguns números.

Despesa com benefícios previdenciários em % do PIB: Brasil (1988-2015)*

* RPPS inclui União, Estados, DF e Municípios. Fonte: Paulo Tafner.

3,4

11,2

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014

RPPS INSS Total

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Fonte: Paulo Tafner.

Como se vê a olho nu, os gastos previdenciários cresceram fortemente, desde 1988,

passando a representar, hoje, o a fatia mais importante de despesas do setor público

consolidado. Evidentemente, isso reflete as escolhas feitas pela sociedade desde a

promulgação da Constituição Federal, em 1988, até os dias atuais.

Contudo, projeção desses dados para os próximos dez anos mostra que o setor

público não será capaz de suportar a trajetória de gastos oriunda da preservação das regras

de aposentadoria em vigor. O gasto, já elevado, tenderá a pressionar a carga tributária em

algo como 8 a 10 pontos percentuais do PIB nos próximos anos.

O sistema previdenciário e seus resultados fiscais e econômicos dependem das

regras de elegibilidade e de concessão dos benefícios, do valor dos benefícios, das regras

de contribuição e das alíquotas de contribuição. Estas são variáveis de dentro do sistema.

Mas a previdência também depende da evolução das variáveis macroeconômicas.

Por exemplo: emprego, grau de formalização no mercado de trabalho, salário real médio

e produtividade dos trabalhadores. Depende, ainda, da dinâmica demográfica e esta, por

sua vez, das condições sanitárias, de higiene e de saúde da população, que são mutáve is

no tempo.

Do ponto de vista das variáveis macroeconômicas, duas questões devem ser

consideradas: a) o desempenho do mercado trabalho – muito positivo nos últimos anos –

já não é mais uma realidade e, mesmo após a crise, não se repetirá; e b) o aumento do

emprego no setor urbano levará a uma maior demanda por aposentadorias do que no

passado recente.

Quanto à dinâmica demográfica, o gráfico a seguir ilustra que, também nesta

matéria, o Brasil é uma jabuticaba. Somos um país relativamente jovem com gastos

previdenciários equivalentes aos de sociedades com população mais envelhecida. Quando

correlacionamos a razão de dependência demográfica (razão entre a população idosa,

acima de 60 anos, e a população potencialmente produtiva, isto é, entre 15 e 59 anos) aos

gastos previdenciários, temos o resultado a seguir:

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Gastos com Previdência (% do PIB) e razão de dependência demográfica – países

selecionados (2011-2013)

Fonte: Paulo Tafner.

Crescimento da despesa previdenciária: efeitos adversos na economia (setas em

azul) e na desigualdade de renda (em vermelho)

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2.2. Um olhar sobre o INSS

Uma das razões desse excessivo gasto com previdência é o fato de que nos

aposentamos em idades muito precoces, tendo em vista a longevidade que nossa

população atingiu.

Viver mais é uma conquista da sociedade brasileira e fruto do esforço de várias

gerações. Aposentar-se cedo – como se tivéssemos as condições de vida do Brasil dos

anos 1950 – é um anacronismo que impõe custos muito elevados para a atual e para as

futuras gerações. A tabela a seguir apresenta informações demográficas sobre o Brasil

para 1980, 2000 e 2010 e, para este último ano, informações sobre idade de aposentadoria

e tempo médio de percepção do benefício, segundo sexo.

Esperança de

sobrevida

1980 2000 2010

Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Idade

AP

TC*

Tempo de

percepção** Mulheres

Idade AP

TC*

Tempo de

percepção**

Ao nascer 58,4 65,5 66 74,3 71,6

56,2 anos

78,8

51,6 anos

Ganho no período

7,6 8,8 5,6 24,1 anos 4,5 30,2 anos

Ganho (%) no período

13,10% 13,40% 8,50% 6,10%

Aos 60 anos 13,9 17,6 16,5 20,8 20,1 23,6

Idade óbito 73,9 77,6 76,5 80,8 80,1 24,6 anos 83,6 32,0 anos

Ganho no

período 2,7 3,2 3,6 2,8

Ganho no período

19,10% 18,50% 4,70% 3,50%

* AP TC = Aposentadoria por tempo de contribuição ** Tempo de percepção = Idade

de morte menos idade em que o indivíduo se aposenta. Fonte: Paulo Tafner, com dados

da Pnad/IBGE, Censo Demográfico e MPAS.

Há apenas 35 anos, um brasileiro, ao nascer, tinha uma expectativa de viver só 58,4

anos. Se superasse essa marca e atingisse 60 anos, teria acréscimo de mais 13,9 anos e

provavelmente não morreria antes dos 73,9 anos. Atualmente, já nasce tendo esperança

de viver 71,6 anos e, se sobreviver até os 60 anos, viverá, em média, até os 80,1.

No caso das mulheres, a melhoria de condições de vida foi ainda mais significat iva.

Em 1980, uma mulher brasileira nascia tendo esperança de vida de 65,5 anos e, se

sobrevivesse até os 60, provavelmente não morreria antes dos 77,6 anos. Em 2010, nascia

sabendo que, em média, viveria até os 78,8 anos. E, se atingisse os 60 anos, esperava

viver até os 83,6 anos.

Apesar dessa mudança monumental, as regras previdenciárias mantêm-se as

mesmas. É realmente espantoso. Além disso, em 1980, apenas pouco mais de 20 a cada

100 mulheres participavam do mercado de trabalho. Atualmente, são quase 70 a cada 100.

E o que isso significa?

Que, antes, mulheres recebiam apenas pensão, dado que seus maridos e parceiros

morriam (e continuam a morrer) antes delas. Atualmente e cada vez mais, mulheres

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acumulam pensão e aposentadoria, quando os maridos ou parceiros falecem antes, assim

como homens também recebem duplo benefício, se sobreviverem à morte de suas

mulheres ou parceiras.

Continuamos a tratar o mercado de trabalho como se o tempo não tivesse

passado, como se a economia não tivesse se modificado e como se a sociedade

estivesse estática. Trata-se de uma combinação perigosa de desconhecimento,

insensibilidade e autointeresse. A tabela a seguir retrata essa situação.

Situação Total de Pensionistas

1992 2001 2014

Apenas pensionistas 60,4 59,6 51,8

Acumulam outra renda 39,6 40,4 48,2

Pensionistas que são aposentados 8,3 16,6 28,6

Pensionistas que trabalham 29,7 20,8 16,0

Pensionistas que são aposentados e trabalham 1,6 3,0 3,6

Total de pensionistas 100,0 100,0 100,0

Fonte: Paulo Tafner, com dados da Pnad.

Pouco mais de 20 anos atrás, 60,4% dos pensionistas viviam apenas de sua renda

de pensão. Daqueles que complementavam sua renda, a esmagadora maioria (75%)

trabalhava. Em 2014, quase metade dos pensionistas complementavam sua renda: mas a

complementação de renda passou a se dar mormente pelo acúmulo de benefícios pagos

pelo Estado. Dois terços dos pensionistas que acumulavam renda o faziam pela percepção

cumulativa da aposentadoria.

E isso tende a ocorrer com mais frequência com a participação crescente da mulher

no mercado de trabalho e o aumento da esperança de vida para homens e mulheres – ou

seja, fatores positivos de avanço da nossa sociedade, involuntariamente, provocam efeitos

colaterais negativos pela existência de regras que não fazem mais sentido. Afinal, o que

a sociedade brasileira quer? Proteger ou gerar e cristalizar privilégios? Eliminar a pobreza

ou produzir nichos de superprotegidos?

2.3. Idade mínima: análise comparada

Há uma regra quase unânime observada nos sistemas previdenciários pelo mundo:

a presença de um requisito de idade para aposentadoria.

Ela existe em países cujos sistemas inspiraram a previdência brasileira, como os

países desenvolvidos, e também em países em desenvolvimento. Ainda que se deva

respeitar as particularidades de cada país no desenho de sua previdência, considera-se que

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a presença quase universal da idade mínima sugere a insustentabilidade de sistemas que

não a adotam.

A idade mínima é adotada tanto em países ricos – capazes de arcar com maiores

despesas em várias áreas – quanto em países emergentes, com maior proporção de jovens

e menor proporção de idosos (isto é, com um perfil demográfico favorável e mais parecido

com o que o Brasil possui hoje).

Idade mínima para aposentadoria no G-20 e na América do Sul

Homem Mulher Homem Mulher

G-20 América do Sul

África do Sul N/A N/A Argentina 65 60-65

Alemanha 65-67 65-67 Bolívia 55 50

Arábia Saudita Não há Chile 65 60

Austrália 65 65 Colômbia 62 57

Canadá 65 65 Equador Não há

China 60 50-60 Guiana 60 60

Coreia do Sul 61 61 Paraguai 65 65

Estados Unidos 66 66 Peru 60 60

França 65 65 Uruguai 60 55-60

Índia 55 55 Venezuela 60 55

Indonésia 55 55

Itália 66 62-66

Japão 65 65

México 65 65

Reino Unido 65 62

Rússia 60 55

Turquia 60 58

Brasil Não há

Fonte: Pedro Nery.

A tabela acima traz a idade mínima vigente em dois grupos distintos de países de

que o Brasil faz parte: o das 20 maiores economias do mundo (Grupo dos 20, G-20) e a

América do Sul. Nos países mais ricos, a idade mínima hoje está ao redor dos 65 anos

(como no México ou na França), podendo chegar a 67 (Alemanha). Na América do Sul,

chega até os 65 anos (caso de Argentina e Chile).

Nos dois grupos, percebe-se que as diferenças entre homens e mulheres são

menores ou não existem. Idades mínimas menores são observadas nos países com menor

PIB per capita e menor expectativa de vida, como Índia e Bolívia (55 anos).

No Brasil, há também uma idade mínima para a aposentadoria. Mas ela é aplicáve l

apenas àqueles que não conseguem acumular 35/30 (homem/mulher) anos de

contribuição previdenciária. Para estes, há a previsão da Aposentadoria por Idade. Se um

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trabalhador não consegue acumular esse tempo de contribuição, ele se aposentará com

65/60 (homem/mulher), se for um trabalhador urbano, ou cinco anos antes, se for um

trabalhador rural.

A tabela a seguir apresenta dados sobre a quantidade de benefícios emitidos e

concedidos em 2014, distinguindo entre zona rural e urbana e as idades de aposentadoria

para cada tipo.

Espécie de Aposentadoria

Total Urbano Rural

Emitidos (%) Emitidos

Concedidos Emitidos Concedidos Idade

Aposentadoria Emitidos Concedidos

Idade Aposentadoria

Homem Mulher Homem Mulher

Aposentadorias 17.940.405 100,0 1.150.880 11.329.045 384.672 6.611.360 766.208

T . de Contribuição 5.254.911 29,3 315.542 5.235.490 314.095 55 52 19.421 1.447 54 51

Idade 9.508.695 53,0 645.687 3.368.272 307.826 66 62 6.140.423 337.861 61 57

Invalidez 3.176.799 17,7 189.651 2.725.283 162.751 52 53 451.516 26.900 50 47

Fonte: Paulo Tafner, com dados do MPAS.

Os dados apresentados revelam que mais da metade dos trabalhadores se aposentam

por idade. E esses se aposentam com idades substantivamente superiores àqueles que se

aposentam por tempo de contribuição.

Mas os que, pelas regras atualmente em vigor, se aposentam por idade, além de

maioria, são exatamente os trabalhadores mais pobres, menos qualificados, mais sujeitos

ao desemprego e à informalidade. Trabalhadores urbanos se aposentam com 66 (homens)

e 62 (mulheres).

Os trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição, além de expressiva

minoria, são aqueles que estão menos sujeitos às difíceis vicissitudes do duro mercado de

trabalho. Aposentam-se com 55 anos (homens) e 52 (mulheres).

Há enorme debate sobre estabelecimento de idade mínima, mas a maioria dos

trabalhadores se aposenta com 66 anos (homem) e 62 anos (mulher). De fato, estamos

discutindo privilégios! Queremos proteger quem já está protegido ou queremos reduzir

desigualdades em todos os sentidos?

2.3. A questão do setor público – os regimes próprios

Somando-se aos problemas identificados no regime geral, os regimes próprios

apresentam enormes dificuldades de solvência e estão a comprometer a sustentabilidade

fiscal, especialmente dos estados brasileiros. Em 2015, o gasto previdenciário com

servidores públicos consumiu 3,8% do PIB, requerendo 2,3% do PIB para financiamento

dessa despesa.

Segundo dados oficiais, os regimes próprios da União, Estados, DF e Municíp ios

apresentaram insuficiência de recursos no montante de R$ 126,7 bilhões (o equivalente a

mais de 4 vezes o gasto do Programa Bolsa Família), sendo que a União apresentou déficit

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de R$ 72,5 bilhões, Estados e DF apresentaram déficit de R$ 60,9 bilhões e os Municíp ios

apresentaram superávit de R$ 6,7 bilhões.

Os resultados financeiros são, por si só, muito preocupantes. Não retratam, porém,

graves problemas de iniquidade. Os dados da tabela abaixo mostram os resultados

financeiros dos regimes próprios, o número de beneficiários e a necessidade de recursos

per capita exigidos dos entes nacionais para financiar os benefícios previdenciários de

servidores públicos.

Entes Déficit (R$

bilhão) Aposentados Pensionistas

Total beneficiários

Resultado per capita (R$)

Municípios -6,7 449.055 132.573 581.628 -11.519

Estados e DF -60,9 1.442.815 490.215 1.933.030 -31.505

União -72,5

566.390 411.475 977.865 -74.141 Civ is -35,5

Militares -32,5 Demais -4,5

Resultado Agregado -126,7 2.458.260 1.034.263 3.492.523 -36.277

Fonte: Paulo Tafner, com dados do MPAS.

No caso dos Estados e DF, os dados revelam que para cada um dos 1,9 milhão de

beneficiários dos RPPS foi necessário alocar recursos tributários – que supostamente

deveriam voltar à população sob a forma de provisão de investimentos, bens e serviços

públicos – da ordem de R$ 31,5 mil reais/ano.

Para a União, os valores são ainda maiores. Para cada um dos 978 mil beneficiár ios

a União alocou R$ 74,1 mil/ano, quase três vezes o que ganha um brasileiro médio

(contribuinte) como salário em um ano de trabalho.

Isso é, por si só, um grave problema de iniquidade. Mas há algo mais grave. Os entes

subnacionais estão virtualmente paralisados em razão da despesa previdenciá r ia.

Investimentos tão necessários à melhoria de qualidade de vida de parte significativa da

população e mesmo a provisão de bens e serviços públicos estão comprometidos, posto

que a despesa previdenciária atingiu patamares alarmantes, comprometendo a receita

destes entes.

É certo que parte desse quadro decorre de ações pouco responsáveis dos governos

estaduais e municipais, mas é certo também que as principais regras que determinam os

gastos previdenciários são regras que estão além da capacidade dos dirigentes

subnacionais. Essas regras dependem da esfera federal. E o quadro tende a se agravar,

pois há centenas de milhares de servidores públicos que se aposentarão nos próximos dez

anos. Como vamos financiar?

A tabela abaixo mostra a trajetória das receitas, a das despesas e o resultado

financeiro dos regimes próprios desde 1988, para anos selecionados, em pontos de

porcentagem do PIB.

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Ano Servidores - União Servidores - UFs DF e

municípios TOTAL SERVIDORES

Receita Despesa Resultado Receita Despesa Resultado Receita Despesa Resultado

1988 0,5 0,6 -0,1 0,2 0,2 0,0 0,7 0,8 -0,1

1990 0,5 1,0 -0,5 0,3 0,3 0,0 0,8 1,3 -0,5

1992 0,3 1,1 -0,8 0,3 0,5 -0,2 0,6 1,6 -1,0

1994 0,3 2,0 -1,7 0,4 0,6 -0,2 0,7 2,6 -1,9

1996 0,3 2,0 -1,7 0,5 0,7 -0,3 0,8 2,7 -2,0

1998 0,3 2,1 -1,8 0,5 0,9 -0,3 0,8 3,0 -2,1

2000 0,3 2,0 -1,7 0,6 1,0 -0,4 0,9 3,0 -2,1

2002 0,3 2,1 -1,8 0,7 1,1 -0,4 1,0 3,2 -2,2

2004 0,4 2,1 -1,7 0,8 1,3 -0,5 1,2 3,4 -2,2

2006 0,2 1,8 -1,6 0,9 1,5 -0,6 1,1 3,3 -2,2

2008 0,2 1,7 -1,5 0,9 1,6 -0,7 1,1 3,3 -2,2

2010 0,2 1,9 -1,7 1,0 1,7 -0,7 1,2 3,6 -2,4

2012 0,2 1,6 -1,4 1,1 1,8 -0,7 1,3 3,4 -2,1

2014 0,3 1,6 -1,3 1,2 2,1 -0,9 1,5 3,7 -2,2

2015 0,3 1,7 -1,4 1,2 2,1 -0,9 1,5 3,8 -2,3

Fonte: Paulo Tafner, com dados do MPAS e STN.

Os dados revelam que, em pouco mais de 25 anos, a despesa previdenciária com

servidores saltou de 0,8% do PIB para 3,8% do PIB (ou seja, foi multiplicado por mais

de 4 vezes). E o que é mais grave: em 1988 a necessidade de recursos extraídos da

sociedade era de apenas 0,1% do PIB e em 2015 esse montante foi equivalente a 2,3% do

PIB (mais do que o déficit primário daquele ano).

Anualmente, os entes federativos são obrigados a fazer uma avaliação atuarial de

seus regimes de previdência. Essa avaliação consiste em quantificar o montante de

despesas que os regimes próprios terão ao longo do tempo e confrontar com as receitas

que terão nesse mesmo tempo. Se as receitas forem maiores do que as despesas, então o

regime é superavitário; caso contrário, o regime é deficitário, ou seja, o ente tem uma

dívida que terá que ser paga ao longo do tempo.

Os resultados são desalentadores. O gráfico abaixo apresenta o passivo atuarial

(dívida do ente com aposentadorias e pensões) como proporção do PIB local e para efeito

ilustrativo apresenta a dívida do ente subnacional com a União fruto das renegociações

(federalização das dívidas subnacionais) de 1999 a 2001.

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Dois fatos destacam-se a partir das informações contidas no gráfico: (i) as dívidas

previdenciárias superam o PIB das unidades subnacionais (em alguns casos mais de 2

vezes o PIB local); e (ii) as dívidas com a União – que frequentemente têm sido objeto

de questionamento de Governadores e Prefeitos – representam apenas uma pequena

fração da dívida previdenciária dos entes subnacionais. Ou seja, nos anos que virão, se

nada for feito, a sociedade pagará impostos para custear aposentadorias e pensões de

servidores públicos e terá, residualmente, alguma provisão de bens e serviços públicos.

3. Propostas

Reformar a previdência é um imperativo para garantir alguma possibilidade de

crescimento da economia brasileira.

Para alguns, reformar a previdência significa “impor” custos aos trabalhadores.

Trata-se de uma visão obtusa, quando não populista e irresponsável. Em alguns casos, é

apenas má fé.

Os trabalhadores – entendido esse conceito de forma ampla – pagarão a conta

sempre. Seja sob a forma de aumento de tributos e dívida, seja sob a forma de inflação,

seja ainda sob a forma de não crescimento e pobreza. Pode acontecer, ainda, ser uma

combinação das opções anteriores. Em qualquer dos casos, a sociedade pagará a conta!

Reformar a previdência significa admitir que as regras atuais são incapazes de

viabilizar o financiamento da despesa previdenciária sem comprometer a provisão de

bens e serviços públicos e os investimentos.

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Significa também estabelecer um novo pacto social que garanta a sobrevivência da

solidariedade entre gerações.

Significa garantir que o Brasil avance na geração de riqueza de modo a produzir

excedentes que auxiliem na superação da pobreza e da miséria.

Significa, por fim, definir novas regras que garantam a sustentabilidade da

previdência e exijam de cada brasileiro uma cota de esforço que preserve a solidariedade

entre as gerações e o crescimento econômico.

Exatamente para garantir que a cota de esforço de cada brasileiro seja adequada, é

necessário que alguns princípios sejam estabelecidos. Vamos a eles:

Preservar os direitos dos atuais beneficiários;

Preservar os direitos daqueles que já preencheram as condições para acesso aos

benefícios nas atuais regras;

Desconstitucionalizar regras operacionais da previdência;

Estabelecer regras de transição para os atuais ativos;

Estabelecer idade mínima compatível com o que ocorre no mundo;

Reduzir até extinguir as aposentadorias especiais;

Reduzir até extinguir a diferença homem/mulher;

Desindexar o benefício previdenciário (e assistencial) do salário mínimo,

garantindo a manutenção do poder de compra do benefício; e

Eliminar a paridade de vencimentos entre ativos e inativos do setor público.

4. Resultados esperados

Na ausência de mudanças, a carga tributária será cada vez mais pressionada. Em

2015, ainda no governo Dilma Rousseff, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs a

recriação da CPMF, desta vez para custear a Previdência. Enquanto isso, especialis tas

calculavam que, na ausência de mudança de regras, já seria necessária a criação de uma

nova CPMF por ano para financiar as despesas da Previdência!

Outro exercício, apresentado em reportagem da revista The Economist, apontava

que, sem reformas, as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de

pagamento deveriam subir dos atuais 31% (na soma de empregador e empregado) para

86% em 2050 para serem capazes de cobrir os benefícios. Tal majoração da carga sobre

a folha seria inviável, porque alíquotas tão altas erodiriam a base de tributação (o nível

de emprego) muito antes que se pudesse chegar a esse patamar.

O Presidente Michel Temer afirmou recentemente em entrevista à jornalista Míriam

Leitão que, sem a reforma, o sistema previdenciário entraria em colapso já em 10 anos.

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Em anos recentes, países mais ricos que o Brasil tiveram de reduzir até aposentadorias de

idosos que já as recebiam, como Portugal e especialmente a Grécia.

Diante do crescimento das despesas previdenciárias, o governo tem três opções

principais: elevar os impostos, aumentar o endividamento (o que pressiona ainda mais os

juros e reduz os recursos à disposição para prestação dos serviços à população) e reduzir

outras despesas. Para acomodar o crescimento dos gastos com Previdência, seriam as

despesas discricionárias as com maior chance de ser comprimidas, o que atinge o

investimento público. Esta questão afeta diretamente não só o governo federal, mas

também os subnacionais.

Ilustrativamente, em 2015 – ano de ajuste fiscal – enquanto a rubrica “outras

despesas de capital”, que reflete o investimento público federal, teve redução de mais

30%, as despesas da Previdência (urbana e real) cresceram acima da inflação.

Com o teto de gastos e sem reformas na Previdência, o investimento público será

especialmente comprimido, porque todas as despesas da União deverão competir por

espaço em um orçamento “fixo”: os gastos previdenciários crescem aceleradamente e

terão que ocupar o espaço de alguma despesa. O investimento público, por ser opcional,

deve ser mais atingido, comprometendo significativamente as possibilidades de

crescimento da economia.

5. Conclusão

A reforma da Previdência é a mais urgente e fundamental medida para o Brasil

reencontrar o caminho do crescimento econômico constante e sustentável do ponto de

vista fiscal. Os dados e estudos são claros e unânimes em apontar quão preocupante é a

situação e quão perigosos são os riscos da omissão ou da negativa em mudar o que não

tem mais condições de se manter como está. Um partido compromissado com o país como

o PSDB tem de estar à frente de uma iniciativa tão vital para o futuro dos brasileiros –

incluindo aqueles que ainda nem nasceram.

Apesar de tantas evidências da insustentabilidade do atual sistema, das

desigualdades que os regimes diferenciados promovem e do custo para a sociedade que o

descalabro fiscal provoca, essa não será uma batalha fácil. Não serão poucos os focos de

resistência daqueles que só olham para o próprio umbigo e veem o Estado não como um

provedor de justiça social e de oportunidades, mas como um meio de enriquecimento

próprio e de acumulação de poder em detrimento da maioria.

Por isso são tão fundamentais medidas como a adoção de uma idade mínima para

as futuras aposentadorias, a exemplo do que a quase totalidade dos países faz. Igualmente

importante é buscar a redução e futura extinção das aposentadorias especiais e das

desigualdades de tratamento entre gêneros, assim como a correção dos benefíc ios

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previdenciários atrelada à inflação apurada no período, em vez do salário mínimo, como

este documento propõe.

A previdência dos servidores públicos é um problema sério e também precisará

ser reformada. O déficit gerado por esse sistema tem proporções tão preocupantes quanto

as do INSS, com um agravante: beneficia número significativamente menor de pessoas.

Dentre outras medidas, a elevação das contribuições previdenciárias por parte desse

segmento precisará ser considerada.

Para o Instituto Teotônio Vilela, a defesa da reforma da Previdência é a própria

defesa do Estado brasileiro, sobretudo diante da atual conjuntura fiscal e econômica do

país e da insustentabilidade do sistema de aposentadorias e pensões. Não enfrentar esse

desafio cobrará seu preço em um futuro próximo, nos pagamentos que deixarão de ser

honrados por pura falta de dinheiro e no consequente colapso da capacidade do governo

de promover as demais políticas públicas. Sem equacionar esse problema, ficarão

prejudicados os investimentos em saúde, educação, segurança e assistência social, tão

necessários em um país ainda marcado pelas desigualdades. A política, assim como a

vida, quer é coragem para fazer o que precisa ser feito a favor do Brasil.

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