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Regulação do mercado de valores mobiliários: modelos e objetivos. Flavia Mouta Superintendente de Desenvolvimento do Mercado São Paulo, 11 de setembro de 2014

Regulação do mercado de valores mobiliários: modelos e ... · O edital de audiência pública traz as razões que justificaram a decisão regulatória da CVM e como a proposta

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Regulação do mercado de

valores mobiliários:

modelos e objetivos.

Flavia Mouta

Superintendente de

Desenvolvimento do Mercado

São Paulo, 11 de setembro de 2014

O conteúdo deste apresentação reflete a opinião

da autora. As opiniões aqui manifestadas não

necessariamente refletem as opiniões da

Comissão de Valores Mobiliários ou de outros

integrantes da Comissão de Valores Mobiliários.

RAZÕES PARA REGULAR UM

MERCADO DE VALORES

MOBILIÁRIOS

Por que regular um mercado de

valores mobiliários?

O que regular?

Como regular?

Quanto regular?

ALGUNS PROBLEMAS CLÁSSICOS

Risco moral: associado à relação “principal” / “agente” e aos incentivos

que os últimos têm para agir em proveito próprio, quando não respondem

pelas consequências econômicas de seus atos.

Custos de agência: custos de transação que decorrem da relação

“principal” / “agente”, incorridos para garantir um alinhamento de

interesses.

Seleção adversa: má distribuição de informações suscita desconfiança, o

que por sua vez leva a descontos em relação ao valor de um bem, afasta

bons ofertantes e atrai agentes mal intencionados.

Informação como bem coletivo: poucos incentivos à busca individual de

informações, seja porque seus benefícios serão invariavelmente

compartilhados por terceiros (o sistema de preços atua como um difusor

da informação), seja porque os respectivos custos podem não compensar

a participação individual do investidor.

Ainda esses problemas clássicos...

No limite, esses problemas também são encontrados

em outros mercados (daí a igual importância

do componente informacional na

legislação consumerista)...

...a relevância das externalidades e

o que está em jogo, no entanto, costumam

ser invocados para justificar a existência de uma

regulação própria do mercado de valores mobiliários.

Mas... por que valores mobiliários ?

Preocupação com assimetria como a causa

de políticas de divulgação compulsória

de informações (“full disclosure”),

comuns a todas as jurisdições...

...desafio, nesse aspecto, é equilibrar os

custos de produção da informação, de um lado,

e a tutela informacional dos investidores, de outro.

Algumas ferramentas de transparência...

Registro como mecanismo de controle (prospecto, material

publicitário etc.).

Informações financeiras obrigatórias (trimestrais e anuais).

Padrões contábeis e auditoria.

... e alguns desafios correlatos

Objetivos do regulador versus objetivos do usuário: a

informação é relevante para o seu destinatário?

Capacidade de compreensão do usuário: intermediários como

“tradutores” (agências de classificação de crédito, analistas de

valores mobiliários, consultorias e investidores institucionais).

Abusos de intermediários contra clientes

(investidores)

Infrações de mercado: atingem a

formação de preços e a integridade dos

processos informacionais

Outros problemas em mercados de valores

mobiliários

• Inexecução ou má execução de ordens

• Práticas não equitativas

• Negociações não autorizadas / apropriação de

recursos do investidor

• Venda/oferta de produtos inadequados aos

objetivos de investimento e ao perfil de risco do

cliente

• Alocação abusiva de recursos (e outros conflitos

de interesse)

Abusos contra clientes: o que evitar?

• Requisitos para registro: condições para atuar

como intermediário

• Regras sobre práticas de venda

– Suitability

• Regime de melhor execução

• Regras de supervisão

• Manutenção de gravações e outros registros

• Padrões éticos e de conduta (deveres

fiduciários)

• Inspeção e enforcement

Abusos contra clientes: como evitar?

• Negociação com informação privilegiada (insider

trading):

– Danos à estratégia regulatória de transparência e

divulgação

– Apropriação de valor dos acionistas e do mercado como

um todo

– Aumento dos spreads (desconfiança generalizada) e do

custo de capital dos emissores

– Mercado como grande cassino

• Manipulação de mercado

– Criação de condições artificiais de oferta, demanda ou

preço de valores mobiliários, por negociações no mercado

– Manipulação de preços

Infrações de mercado: o que evitar?

• Vigilância e monitoramento das

operações

• Divulgação de informações: evolução da

posição acionária

• Padrões éticos e de conduta (deveres

fiduciários)

Infrações de mercado: como evitar?

O PROCESSO REGULATÓRIO

DA CVM

A Superintendência de Desenvolvimento

de Mercado (SDM) é a área responsável

pela elaboração das normas editadas pela

Comissão de Valores Mobiliários para a

regulamentação do mercado de capitais

brasileiro, exceto no que diz respeito a

normas contábeis.

As ações da SDM podem ser guiadas por

percepções de seus servidores ou dos

demandantes, internos e externos:

Internos: Colegiado da CVM ou área técnica

Externos: governo, entidade representativa

de agentes do mercado ou agentes

estrangeiros

A decisão de regulação costuma ser

resultado de um processo interno de três

etapas:

1. Justificativa

2. Panorama

3. Alternativas

Processo normativo em abstrato

Justificativa

O edital de audiência pública traz as razões que justificaram a

decisão regulatória da CVM e como a proposta normativa pretende

atingir seus respectivos objetivos.

Além de falhas do mercado (um problema, como os já

mencionados, que os participantes não tenham condições de

resolver por conta própria), outras justificativas, como o

atendimento de necessidades públicas e o cumprimento de

mandatos regulatórios atribuídos à CVM por lei, podem ser

apontadas.

Panorama

Consiste na avaliação da situação do mercado diante da ausência

ou “caducidade” da regulamentação e serve como um primeiro

ponto de comparação. Nesta etapa, a SDM pode recorrer à

obtenção de dados para subsidiar sua avaliação.

Alternativas

Pretende identificar e discutir possíveis alternativas razoáveis ao

caminho consagrado na proposta normativa (ainda que elas levem

à não aprovação de uma norma). Pode levar ao pedido de

comentários dos participantes especificamente quanto aos

impactos das demais opções regulatórias disponíveis.

1. Fase de preparo

Pesquisa nos padrões internacionais

Pesquisa de modelos adotados em outros

países

Avaliação das características do mercado local

Discussão com a área técnica que será

responsável por implementar a norma

Orientações do Colegiado

O processo normativo em concreto (1)

2. Elaboração de minuta

Discussão da minuta com área técnica

Discussão da minuta em eventuais reuniões

externas

Discussão da minuta no Comitê de Regulação,

formado por alguns Superintendentes

Discussão da minuta no Colegiado

Se a minuta afetar outros órgãos do governo,

discussão da minuta com tais órgãos

O processo normativo em concreto (2)

3. Audiência pública

Período em que a minuta fica à disposição do

mercado para consulta e sugestões

Geralmente por 30 dias iniciais, prorrogáveis

uma vez (a pedido de participantes do

mercado)

Minutas mais complexas em geral permanecem

em audiência pública por 90 dias

O processo normativo em concreto (3)

4. Análise após a audiência pública

Elaboração de relatório descrevendo todas as

sugestões recebidas, com as respectivas

respostas da CVM

Reformulação do texto da norma

Discussão do texto da norma com a área

técnica

Discussão da proposta final no Colegiado

O processo normativo em concreto (4)

5. Elaboração final da norma

Divulgação no site da CVM

Apresentação sobre a norma

Contatos com a imprensa

“Limpar arestas”

O processo normativo em concreto (5)

A Lei n° 6.385, de 1976, prevê a realização de audiência

pública como faculdade (art. 8°, § 3°, inciso I).

Desde 2005, no entanto, a CVM realiza audiências

públicas regularmente, de modo a obter informações e

tornar as normas mais apropriadas e adequadas não

apenas aos fins a que se destinam, mas também às

práticas de mercado e à capacidade dos seus

destinatários.

Confrontam-se os comentários dos participantes do

mercado e proporciona-se um espaço para discussão

das implicações regulatórias, com diferentes visões

sobre o mesmo tópico: emissores, intermediários,

advogados, acadêmicos, investidores, etc.

Contribuições do processo de audiência pública

REGULAÇÃO EM

PERSPECTIVA

A prática de audiências públicas é comum em outras jurisdições e

em organizações internacionais:

• Estados Unidos: Administrative Procedure Act, de 1946, obriga

a SEC, a CFTC e outras agências independentes federais a

realizar consultas públicas sobre as normas que pretenderem

aprovar.

• Europa: norma de criação da ESMA (Regulamento UE n°

1.095/2010) prevê a consulta pública de interessados como

parte do processo de elaboração normativa.

• IOSCO: publica “Consultation Reports” para obter informações

dos países e reguladores, bem como de participantes do

mercado.

Sobre o processo normativo em si

No Brasil, a regulação do mercado financeiro cabe a órgãos

governamentais variados, aos quais se atribui, a princípio de forma

exclusiva, responsabilidade por uma atividade econômica específica

(seguros e previdência; valores mobiliários; atividade bancária etc.).

A coordenação entre as políticas regulatórias desses órgãos

normalmente se dá no âmbito dos convênios que eles celebram entre

si, do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Comitê de

Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de

Seguros, de Previdência e Capitalização (COREMEC).

De alguma maneira, a regulação de condutas, a regulação prudencial

e a regulação sistêmica acabam sendo exercidas simultaneamente

por todos os reguladores, em maior ou menor medida, a depender da

atividade regulada e dos riscos que ela envolve.

Sobre o arranjo institucional da regulação (1)

Contra uma repartição das atribuições regulatórias por

atividade costumam-se invocar, de um lado, o risco de

sobreposição de competências (com custos regulatórios

pesados para os participantes, que devem cumprir um

número maior de regras, às vezes contraditórias), e, de

outro, o risco de zonas cinzentas sem qualquer atenção

dos reguladores.

Trata-se, no entanto, de um dos modelos mais comuns de

arranjo institucional da regulação no mundo. No Brasil, a

existência de entidades como o CMN e o COREMEC

acaba por mitigar esses riscos.

Sobre o arranjo institucional da regulação (2)

Alternativas ao modelo adotado no Brasil compreendem:

A concentração das competências regulatórias em um único

regulador (caso da Alemanha, com o BaFin), que pode levar

ao aproveitamento de sinergias, mas também ao

engessamento das medidas;

A distribuição de competências entre vários reguladores, não

pela atividade econômica regulada, mas pela função da

regulação – sistêmica, prudencial, de conduta ou até mesmo

concorrencial –, como é o caso da Inglaterra (Prudential

Regulation Authority e Financial Conduct Authority) e da

Austrália (Australian Prudential Regulation Authority,

Australian Securities and Investments Commission,

Australian Competition and Consumer Commission e o

Reserve Bank of Australia).

Sobre o arranjo institucional da regulação (3)

Não parecer haver um modelo perfeito, mas o

retorno que temos do mercado e da sociedade é

bastante positivo, com ampla abertura ao diálogo

e foco em informar o investidor sem onerar, além

do necessário, o emissor.

Conclusão

Obrigada

Flavia Mouta

[email protected]

+55 21 3554 8578