14
Regulação do Serviço Público de Transportes Cristina Caetano 7 ...a regulação é, desde logo, uma exigência do sistema.

Regulação do Serviço Público de Transportes

Embed Size (px)

DESCRIPTION

A regulação é, desde logo, uma exigência do Sistema de Transportes Públicos. Mas como regular? Que obrigações fixar e como verificar o seu cumprimento?

Citation preview

Page 1: Regulação do Serviço Público de Transportes

1

Regulação doServiço Públicode Transportes

Cristina Caetano

7

...a regulação é,desde logo, uma

exigência do sistema.

Page 2: Regulação do Serviço Público de Transportes

2

Título: Regulação do Serviço Público de TransportesAutor: Cristina Caetano

Coordenação editorial: Transportes & Negócios / Riscos EditoraFoto da capa: Transportes de Copenhaga

escreva sobre transportes NÓS PUBLICAMOSé uma iniciativa da ADFERSIT,

com a colaboração do Transportes & Negócios como media partner

Os textos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores enão vinculam nem a ADFERSIT nem o TRANSPORTES & NEGÓCIOS

Março2013

Page 3: Regulação do Serviço Público de Transportes

3

Regulaçãodo Serviço Público

de Transportes

Cristina Caetano

Page 4: Regulação do Serviço Público de Transportes

4

Page 5: Regulação do Serviço Público de Transportes

5

O transporte público de passageiros, como é sabido, tendea envolver elevados custos de capital e margens baixas. Talacaba por se revelar com uma barreira à entrada de novosplayers no setor e, naturalmente, verifica-se uma redução donível de competitividade. Assim, há uma tendência para aexistência de monopólios, em algumas infraestruturas, comoé o caso da ferrovia e dos aeroportos. Não menos importante éa questão geográfica do país. Para além de ser um país peque-no, Portugal regista uma elevada concentração populacionalnas regiões litorais, em especial nas zonas mais desenvolvidas,o que significa que em muitas regiões a procura de transportesé normalmente insuficiente para que haja mais do que um ope-rador de transportes, não sendo até por vezes passível de explo-ração comercial. Surge, então, o serviço público de transportes.Se por princípio nos parece que se trata de um conceito simples,dada a trivialidade com que o mesmo sempre foi utilizado,rapidamente concluímos, ao olhar para os nossos parceiros eu-ropeus, por exemplo, que há vários entendimentos sobre o quetal comporta.

Neste contexto, foi criado o Regulamento N.º 1370/2007,publicado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da UniãoEuropeia, com aplicação em todos os Estados Membros, nãosendo necessária a transposição para o quadro nacional jurídi-co, e cuja aplicação deve estar concluída até 2019. Trata-sede um documento que pretende colmatar uma lacuna que severificava em muitos países, estatuindo na alínea e) do seuartigo 2.º (definições) a definição de “obrigação de serviçopúblico” como sendo uma imposição definida ou determinadapor uma autoridade competente, com vista a assegurar serviçospúblicos de transporte de passageiros de interesse geral queum operador, caso considerasse o seu próprio interesse comer-cial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou

Page 6: Regulação do Serviço Público de Transportes

6

nas mesmas condições sem contrapartidas. Aliado a isto, surgea materialização de um outro conceito, o de “valor”. De acordocom a alínea k) do mesmo artigo, entende-se como “valor”, ovalor de um serviço, linha, contrato de serviço público ou re-gime de compensação para o transporte público de passageiros,correspondente à remuneração total, sem IVA, do operador ouoperadores de serviço público, incluindo as compensações,qualquer que seja a sua natureza, concedidas pelas autoridadespúblicas e as receitas provenientes da venda de títulos de trans-porte que não sejam transferidas para a autoridade competenteem causa. Daqui se pode já extrair que é irrelevante quemopera os serviços públicos de transportes: tanto se poderá tratarde empresas públicas, como poderão ser empresas privadas.

Muita tinta já correu sobre o que se deve extrair destedocumento e sobre as verdadeiras consequências para Portu-gal. Na realidade, não há como negar que o mesmo vem imporgrandes mudanças na forma como se comportam os vários play-ers no mercado. Dois caminhos se vislumbram para os operado-res em Portugal: ou vão a concurso ou se tornam “operadoresinternos” (o que, de acordo com o estatuído na alínea j) doartigo 2.º (definições) significa tornarem-se numa autoridadejuridicamente distinta, sobre a qual a autoridade competentea nível local ou, em caso de agrupamento de autoridades, pelomenos uma autoridade competente a nível local, exerce umcontrolo análogo ao que exerce sobre os seus serviços) – é ocaso de Barcelona e Bruxelas.

Independentemente de quem venha a operar o serviçopúblico de transporte de passageiros haverá (há) uma entidadecujo papel será, entre outros, o de regular a atividade. Istoporque, para que haja um sistema de transportes eficaz e efici-ente, e para que possam existir operadores públicos e privadose entidades ligadas às infraestruturas, é necessário que haja

Page 7: Regulação do Serviço Público de Transportes

7

uma autoridade forte, que concessione, regule, fiscalize e certi-fique (infraestruturas, operadores, equipamentos).

De acordo com o Plano Estratégico dos Transportes(PET), o Estado deve assegurar o eficiente funcionamento dosistema de transportes através de uma regulação adequada parao setor, que promova o ambiente concorrencial e assegure quenos mercados tendencialmente monopolistas ou oligopolistasnão existam benefícios indevidos, por aproveitamento de falhasde mercado. Assim, o PET reporta para uma regulação forte eindependente com instrumentos de atuação mais eficazes ecom um modo de financiamento necessário às suas atribuições.

A 31 de Outubro de 2012, foi aprovada a lei orgânica doMinistério da Economia e Emprego que procedeu à reestrutura-ção do IMTT, que passou a designar-se por IMT (Instituto daMobilidade e Transportes). Este novo Instituto, de acordo como decreto-lei publicado, sucede nas atribuições do Institutode Infraestruturas Rodoviárias, nas atribuições do Instituto Por-tuário e dos Transportes Marítimos, no domínio da supervisãoe regulação da atividade económica dos portos comerciais edos transportes marítimos, bem como da navegação da via na-vegável do Douro. Assim, o IMT, ao aparecer como um organis-mo que vem regular, fiscalizar e monitorizar todos os tipos detransportes, exceto o aéreo, é uma medida que merece ser sau-dada, pois vem facilitar a intermodalidade. Na verdade, atéteria interesse que integrasse o problema das plataformas logís-ticas (talvez mais à frente se concretize).

Esta autoridade deve funcionar com elevado grau de au-tonomia de forma a harmonizar os interesses de todos os stake-holders. Se não for autónoma estará ao serviço apenas de umadas partes interessadas, o governo, naturalmente. A autonomiadevia até ser assumida em termos de mandato dos seus respon-sáveis. Devia ser um mandato longo (superior a uma legislatura,

Page 8: Regulação do Serviço Público de Transportes

8

sete anos, por exemplo) e o governo não deveria ter poderespara demitir o Conselho Diretivo, a não ser por razões discipli-nares.

O papel do Regulador deve começar por ser aquela enti-dade que atua com valores e ética, que inspire todas as organi-zações. Deve ser flexível, permitindo às organizações que ante-cipem e reajam, em tempo útil, de forma a garantir a sua própriaexcelência. As expetativas da sociedade devem ser medidas ea sustentabilidade deve ser parte integrante do propósito doRegulador.

Nunca é demais sublinhar que a regulação é, desde logo,uma exigência do sistema. Deve ser o garante do cumprimentodas condições de acesso ao mercado, o fiscalizador das cláusu-las dos contratos de concessão, bem como deve procurar amelhoria contínua do sistema. Para que a regulação seja efetivaé necessário que o focus esteja nos stakeholders, sendo quepara tal será necessário alinhar o desenvolvimento e a imple-mentação das políticas, dos planos, dos objetivos e naturalmen-te, dos processos, com todas as partes interessadas. Devem-se definir metas claras, baseadas nas necessidades eexpetativas dos stakeholders, alinhadas com a estratégiadefinida.

As necessidades dos stakeholders devem ser auditadaspelo Regulador, de forma estruturada. Assim, devem ser criadosmecanismos que permitam equilibrar as necessidades e expeta-tivas de todas as partes interessadas. Deve, então, o Regulador,comparar dados, com base em informações, das organizações,para conduzir à melhoria dos processos. Esta entidade e osplayers no sector devem agir de forma interdependente, comuma relação de confiança, partilhando as bases do conhecimen-to e desenvolvendo políticas, numa lógica de parcerias.

Quanto à operacionalização da contratualização do servi-

Page 9: Regulação do Serviço Público de Transportes

9

ço público de transporte de passageiros, é imperioso que estainclua aspetos ligados à qualidade do serviço. Os transportespúblicos em Portugal estão longe de ser atrativos para os clien-tes (desde logo vistos como “passageiros”), para além de queainda assentamos numa cultura muito pouco voltada para autilização do transporte público. Assim, os níveis de desempen-ho têm de se elevar; os operadores têm de orientar o serviçopara o cliente, deixando de vez a pura abordagem da produção.

Centrar a questão da contratualização apenas no preçoseguramente que irá gerar um aumento nos custos da qualidade.O que deve ser a preocupação das entidades intervenientesneste sector deve ser a melhoria dos serviços prestados, tendoem conta, naturalmente, os atuais constrangimentos económi-cos (isto no curto prazo). Assim, a definição do conceito daqualidade do serviço de transportes de passageiros a par dasua avaliação são questões que devem estar no centro da dis-cussão, ao lado de outros fatores.

Novas estruturas contratuais devem e começam já a surgirno mercado, de forma a “obrigar” os players a melhorarem asua performance na qualidade sem que para tal tenham queaumentar os custos.

A questão da fidelização do cliente a um sistema de trans-portes, que se pretende seja integrado, deve ser, continuamente,analisada, bem como as metas e os objetivos devem ser estabe-lecidos tendo em conta as suas necessidades e expetativas.Para tal, é necessário que se introduza a cultura da avaliaçãodos indicadores de satisfação do cliente. Porém, não bastaráavaliar, mas também deve haver lugar a um entendimento am-plo e a uma medição contínua. Desde logo, deverão constarnos contratos de concessão cláusulas relativas a este item.

Em alguns países vigoram contratos, ao nível do sistemade transportes públicos, que contêm cláusulas com critérios

Page 10: Regulação do Serviço Público de Transportes

10

da qualidade que ultrapassam a questão dos aspetos técnicos,como por exemplo a existência de inquéritos à satisfação dosclientes. Como seria de esperar, encontramos estas realidadesnos países escandinavos, em que, por exemplo, os clausuladosincluem a fixação do nível da qualidade do serviço (fardamen-tos, informações a prestar ao cliente, limpeza, etc.). Acontratualização do serviço público, nestes países, permitiubaixar os custos operacionais a par de uma melhoria da satisfa-ção dos clientes.

No entanto, os indicadores normalmente utilizados naanálise da qualidade do serviço partem de um pressuposto quenão é real, ou seja, pressupõem que o serviço prestado é homo-géneo, quando na realidade tal não se verifica. Acresce aindaque os clientes, para além de utilizarem os serviços com propó-sitos diferentes (deslocações para o emprego, lazer, etc.), quan-do chamados a avaliar a qualidade do serviço importam tam-bém a sua situação económica.

Assim, um fator crítico aquando da definição do sistemade transportes públicos, na sua vertente de “serviço público”,é a relação entre os indicadores da qualidade e as expetativasdos clientes. Infelizmente, esta problemática não se verificaapenas ao nível do transporte de passageiros. São inúmeros osexemplos de definição da qualidade de serviços/produtos quenão partem da perspetiva do cliente, o que acaba por gerarmuitas ineficiências. A qualidade percebida, nesses casos, nãocorresponde às expetativas do cliente.

De acordo com Valarie A. Zeithame, A. Parasuraman eLeonard L. Berry, no seu livro “Calidad Total em la Gestionde Servicios”, a qualidade de um serviço, na ótica das perce-ções dos clientes, pode ser definida como a amplitude da dis-crepância ou diferença que exista entre as expectativas ou de-sejos dos clientes e as suas perceções.

Page 11: Regulação do Serviço Público de Transportes

11

Há que interiorizar que não há atalhos para a qualidade.Assim, as entidades devem ser capazes de encontrar critériosde monotorização apropriados. Com isto, o que se quer de-monstrar é que a definição da qualidade do serviço deve serdesenvolvida na perspetiva do cliente.

De acordo com um estudo, o maior exemplo da utilizaçãosistemática de inquéritos aos clientes como base para incentivosmonetários aos operadores é a Autoridade de Transportes deCopenhaga. Ali, parâmetros como a limpeza da frota, a manu-tenção, a condução e a postura do motorista são classificadospelos clientes, quanto à sua qualidade.

Naturalmente que há fatores a ter em conta na qualidadedo serviço, ou melhor, na qualidade esperada pelo cliente, so-bre os quais o operador, por vezes, nada pode atuar, como porexemplo a velocidade de circulação, donde que não se deveexigir elevados padrões da qualidade, aos operadores, nestadimensão.

As Autoridades devem ser capazes de criar contratos queobriguem os operadores a desenvolver as suas atividades deforma sustentável, em todas as suas operações, para assim ga-rantirem, no longo prazo, a licença para operar no mercado.Assim, as Autoridades deverão saber avaliar a capacidade dooperador em prestar o serviço contratado. Tal deverá passarpela inclusão de requisitos específicos ao nível da gestão daqualidade. Desta forma, estar-se-á a dar um dos passos neces-sários para criar um mercado sustentável com organizaçõesexcelentes, que respondem, ou até superam as necessidades eexpetativas dos seus clientes.

Objetivo final: atrair e reter um maior número de clientes,contribuindo desta forma para uma sociedade mais sustentável!

Page 12: Regulação do Serviço Público de Transportes

12

Page 13: Regulação do Serviço Público de Transportes

13

Cristina Caetano

Licenciada em Economia, pelaUniversidade Lusíada.Mestre em Total QualityManagement, pelaUniversidade Politécnica daCatalunha.Responsável pelo Serviço deGestão Técnica do GrupoTranstejo.Membro da Direcção daAdfersit (responsásvel pelasecção TransporteMetropolitano e Regional).

Page 14: Regulação do Serviço Público de Transportes

14

Títulos publicados:

* JUP - Janela Única Portuária, o Simplex do MarFernanda Nunes Ferreira

* O sucesso financeiro dos Caminhos de Ferro da ÍndiaLuís Manuel Lopes Ascensão

* Sines como ativo geoestratégico nacional Paulo Jorge Pires Moreira * A economia do transporte público na acessibilidade

urbana Carlos Gaivoto* O desempenho do terminal de contentores: modelo

conceptual Vítor Caldeirinha* A governação das autoridades portuárias em Portugal e Espanha Abílio Marques Afonso