Regulação Transporte Público

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Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras:

estudos de caso

Braslia, 2004

MINISTRIO DO PLANEJAMENTO, ORAMENTO E GESTO Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada Ipea MINISTRO Guido Mantega PRESIDENTE DO IPEA Glauco Arbix DIRETOR DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS Marcelo Piancastelli de Siqueira DIRETORA DE ESTUDOS SOCIAIS Anna Maria T. Medeiros Peliano DIRETOR DE ADMINISTRAO E FINANAS Celso dos Santos Fonseca DIRETOR DE COOPERAO E DESENVOLVIMENTO Luiz Henrique Proena Soares DIRETOR DE ESTUDOS SETORIAIS Mario Sergio Salerno DIRETOR DE ESTUDOS MACROECONMICOS Paulo Mansur Levy

MINISTRIO DAS CIDADES Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana MINISTRO Olvio Dutra SECRETRIO NACIONAL DE TRANSPORTE E DA MOBILIDADE URBANA Jos Carlos Xavier DIRETOR DE REGULAO E GESTO Alexandre de vila Gomide DIRETOR DE CIDADANIA E INCLUSO SOCIAL Luiz Carlos Bertotto DIRETOR DE MOBILIDADE URBANA Renato Boareto

EQUIPE TCNICA Coordenao Elaborao dos estudos de caso Alexandre de vila Gomide Christine Nodari e Jackson De Toni (Porto Alegre) Fernando Portella e Silmara Vieira (Goinia) Jos Carlos Vaz e Antnio Faria (So Paulo) Maurcio Cadaval Sabina Kauark Joaquim Arago Rmulo Orrico Filho Antnio Luiz Santana Jos R. Ges Mrcia Macdo Lia Bergman Fbio Parolin Marisol Bajo Marco Aurlio Dias Pires

Consultoria tcnica

Colaborao

Cooperao tcnica (Semob/Mcid)

Reviso editorial (Ipea)

Projeto: Rede de Pesquisa e Desenvolvimento de Polticas Pblicas (BRA/97/013) Pesquisa: Licitao, Organizao Institucional e Regulao dos Servios Pblicos de Transporte Urbano no Brasil: estudos de caso (cd.31U57/U) Apoio institucional: Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana do Ministrio das Cidades

Regulao econmica e organizao dos servios de transporte pblico urbano em cidades brasileiras : estudos de caso : relatrio final / coordenao: Alexandre de vila Gomide. - Braslia : Ipea : Ministrio das Cidades, 2004. 40 p. : grfs., tabs. 1. Transporte Urbano. 2. Transporte Pblico. 3. Regulao. 4. Estudos de Casos. 5. Brasil. I. Gomide, Alexandre de vila. II. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. III. Brasil. Ministrio das Cidades. CDD 388.4042

SUMRIO

RESUMO EXECUTIVO

ANEXOS - Contedo do CD-ROM O caso de So Paulo O caso de Porto Alegre O caso de Goinia Ensaio terico-conceitual Relatrio do workshop da pesquisa

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

PARTE III - OS ESTUDOS DE CASO 1. Resumo dos casos estudados 2. Anlise dos casos 3. Desafios e perspectivas

PARTE II ASPECTOS CONCEITUAIS 1. Os motivos da regulao econmica no transporte pblico urbano 2. As variveis regulatrias 3. Uma tipologia regulatria do transporte pblico urbano 4. Aplicao realidade brasileira

PARTE I - INTRODUO 1. Motivao e objetivos da pesquisa 2. Procedimentos metodolgicos

RESUMO EXECUTIVO Este relatrio apresenta uma anlise e uma avaliao do atual estgio da regulao econmica e da organizao dos servios de transporte pblico urbano em cidades brasileiras, com base em trs estudos de caso. Seu objetivo subsidiar a formulao de polticas pblicas visando modernizao regulatria e institucional dos transportes urbanos nas cidades brasileiras. Para tanto, acompanha este volume CD-ROM que disponibiliza a ntegra dos estudos de caso, bem como do material produzido pela pesquisa. O transporte pblico coletivo urbano no Brasil vem apresentando um processo de declnio, expresso pela queda da demanda e da produtividade dos servios. Tarifas crescentes, oferta inadequada s necessidades dos usurios, insuficiente desenvolvimento tecnolgico e inovativo, falta de investimentos para atender a elevada demanda de infra-estrutura estes so alguns dos problemas agravados por um ambiente institucional e um marco regulatrio carentes de modernizao. A regulao de determinados servios ou atividades se faz necessria quando o mercado, por suas livres foras, no consegue alcanar uma soluo tima do ponto de vista econmico e social. Tal incapacidade, denominada falha de mercado, obriga o poder pblico a interferir, seja pela proviso direta do bem ou servio, seja pela regulao das atividades concedidas iniciativa privada. Alm da existncia de falhas de mercado (monoplios naturais, economias de rede, necessidade de coordenao, de continuidade e disponibilidade da oferta etc.), um marco regulatrio claro e estvel se justifica pela necessidade da criao de um ambiente favorvel atrao de investimentos, sobretudo privados, em uma poca de fragilidade fiscal e financeira dos governos locais. De fato, a regulao do transporte urbano de maneira mais ampla, i.e. pela adoo simultnea e coordenada de polticas de melhoria sensvel da qualidade do transporte coletivo e de restrio ao uso de veculos particulares em certas reas e perodos nas grandes cidades, evidencia-se necessria em virtude dos crescentes congestionamentos de trnsito, da poluio do ar e da privao do acesso pelos mais pobres aos servios nas grandes cidades, ou seja: nas perdas de bem-estar para toda a sociedade. Os estudos de caso foram realizados nas cidades de Goinia, Porto Alegre e So Paulo, nas quais inovaes nas relaes institucionais entre os agentes pblicos e privados e na forma de organizao dos servios de transporte pblico tm despertado a ateno da comunidade tcnica. Entende-se que a escolha criteriosa dos casos a serem estudados e a anlise abrangente dos mesmos permitem uma viso dos desafios e das perspectivas dos processos em curso nas cidades brasileiras. O estudo de caso de Porto Alegre privilegiou as mudanas organizacionais introduzidas a partir de 1998, que tiveram o seu eixo principal na organizao da operao por bacias geogrficas e na criao de consrcios de empresas para oper-las. O novo modelo operacional teve como principais objetivos, dentre outros, a racionalizao da rede de linhas, a ampliao da rea de atendimento, a reduo dos custos operacionais das empresas e a melhoria do nvel de servio das linhas. Embora previstos formalmente, mecanismos de estmulo qualidade e produtividade ainda no foram implementados. O modelo adotado em Porto Alegre apresenta como pontos efetivos a racionalizao do sistema, com reduo de custos operacionais das empresas, e a melhoria no relacionamento institucional entre o rgo gestor e as operadoras privadas, devido reduo dos custos de coordenao do sistema. Os pontos a serem aperfeioados circunscrevem-se nas reas de operao entre as bacias, na falta de presso competitiva via incentivos contratuais, na ausncia de estabilidade institucional dos atuais contratos e de um marco regulatrio claro e estvel. Ressalta-se tambm o imperativo do enfrentamento da questo metropolitana e da integrao modal. Alm disso, o modelo apresenta falhas ao no inovar em aspectos relevantes, como o regime de prestao de servio, a distribuio de riscos e a forma de remunerao, que se mantiveram tal qual anteriormente.

O estudo de caso de Goinia teve como foco as mudanas institucionais e organizacionais introduzidas a partir de 2001. Seus eixos principais foram a criao de um sistema metropolitano de gesto do transporte pblico, a organizao da operao por reas geogrficas, o estabelecimento de acordos operacionais entre grupos de empresas para oper-las e a reestruturao da rede de linhas. Apontam-se como principais aspectos positivos do modelo adotado a retomada da gesto pblica no planejamento e controle do transporte coletivo, a otimizao da frota e da produo quilomtrica, o controle da informalidade e o aumento da demanda (da ordem de 11%). Como pendncias a serem resolvidas, destacam-se a redefinio do processo de participao social, a retomada dos investimentos em infra-estrutura, o fortalecimento do rgo gestor (Companhia Metropolitana de Transportes Urbanos) e a realizao de um processo licitatrio, amparado por marco regulatrio e por instrumentos contratuais adequados. O estudo de caso de So Paulo foi centrado nas mudanas regulatrias provocadas pela recente licitao dos servios de transporte pblico coletivo no municpio, com foco na organizao da operao por reas, na organizao institucional e no modelo de delegao dos servios. O novo modelo de delegao previu a diversificao da oferta e da estrutura competitiva, com a absoro pelo sistema de parcela dos autnomos e informals que operava margem do sistema regular. A cidade foi dividida em oito reas, enquanto referncia para a definio dos lotes de delegao. A operao do transporte, com base no modelo proposto, foi objeto de licitao, que teve como modalidade o critrio de menor preo oferecido. O modelo adotado possibilitou avanos significativos a partir de melhorias de eficincia operacional como racionalizao da oferta, renovao expressiva da frota, novo patamar de equilbrio operacional do sistema, alm da recuperao da credibilidade da populao nos servios, da implantao do bilhete nico e da reduo significativa da informalidade e da ilegalidade. As lacunas existentes no modelo, que podem comprometer seu sucesso, esto relacionadas com fatores relativos ao equilbrio financeiro, dadas a implementao da integrao temporal, a questo metropolitana e a integrao intermodal, que continuam em aberto. Percebe-se que as reformas em curso colocam nfase na soluo de problemas de eficincia produtiva, procurando mais reduzir custos de operao e de coordenao dos servios do que melhorar a eficcia social e o atendimento populao. Concentram-se claramente nas ineficincias decorrentes da tradicional organizao dos servios por linhas, geradoras de superposies de servios e conflitos operacionais entre as empresas delegatrias, que tornam complexas as tarefas de gesto e coordenao da parte do agente governamental. Tal fenmeno pode ser entendido como uma estratgia competitiva das empresas para fazer frente ao ambiente de maior competitividade e queda de receitas. Um trao comum nos trs casos estudados o agrupamento dos servios por rea geogrfica, visto como uma base importante para a operao de consrcios operacionais. Outro trao comum a atribuio de maior autonomia iniciativa privada para planejar a operao dos servios, porm sem a devida contrapartida da maior presso competitiva, via incentivos contratuais ou uso da concorrncia potencial para entrada no mercado. Os casos de Goinia e So Paulo revelam tendncias de transformaes muito significativas em outro elemento do ambiente regulatrio: a estrutura tarifria. Paralelamente ao avano da integrao em redes de servios e difuso de tecnologias avanadas de bilhetagem, os modelos de tarifao temporal comeam a ser adotados. Apenas em Goinia as mudanas procuram sada para os conflitos de coordenao jurisdicionais que, nas regies metropolitanas, afetam as relaes entre estado e municpios e constituem um dos principais motivos de ineficincia e ineficcia dos servios de transporte pblico urbano nas cidades brasileiras, dada a sobreposio de redes e servios (e.g. nibus, metrs e trens). Em So Paulo, esse problema acabou se revelando crtico at mesmo para a implantao das reformas feitas no sistema na capital e permanece intocado, com possveis conseqncias para o futuro.

As reformas empreendidas nas cidades estudadas atentam pouco para objetivos de eqidade. O favorecimento ao acesso das camadas de baixa renda ao transporte pblico no contemplado, seja em termos de reduo das dificuldades para atingir a rede, seja em termos do valor da tarifa. Nesse sentido, a tarifa temporal adotada em So Paulo a medida que mais se aproxima de uma poltica de incluso social, embora beneficie todos os tipos de usurios e no apenas os segmentos mais carentes. Dois dos trs casos estudados Porto Alegre e Goinia no chegaram a uma formulao jurdica abrangente, ajustada legislao vigente. Goinia ainda no tem instrumentos regulatrios que incorporem as transformaes levadas prtica, embora os contratos estejam por vencer, o que exige nova licitao. Em Porto Alegre a base jurdico-institucional dos consrcios frgil, no h contratos formalmente legalizados e os servios de transporte pblico h muito no so licitados. A exceo fica por conta de So Paulo que procedeu e finalizou um processo licitatrio formal. As respostas para os desafios que os sistemas de transporte urbano esto enfrentando, na maioria das reas urbanas do pas, encontram-se em novos paradigmas regulatrios, organizacionais e institucionais. A adoo de regras transparentes, estveis e que atribuam riscos e responsabilidades entre os agentes pblicos e privados condio indispensvel para a gesto eficaz dos sistemas de transportes pblicos urbanos devendo incorporar, ainda, as melhores combinaes regulatrias e organizacionais, entre flexibilidade operacional, presso competitiva e coordenao das redes. Assim, revela-se essencial o desenvolvimento de modernos mecanismos regulatrios, que contemplem incentivos para os operadores, em busca do melhor desempenho, bem como de controle e participao dos usurios na avaliao dos servios. A eqidade e o bem-estar social so objetivos importantes das polticas de transporte urbano. Porm, os operadores devem trabalhar visando operao eficiente e sustentvel dos servios. Os objetivos sociais, fixados pelos governos, devem ser financiados de forma transparente e, se possvel, diretamente para os usurios mais pobres. As necessrias reformas devem ser precedidas de uma viso estratgica, com enfoque sistmico e de longo prazo, tirando vantagem da integrao, fsica, lgica e tarifria, e da complementaridade dos servios ou seja, como parte fundamental da construo de um sistema de mobilidade urbana sustentvel, que inclua no apenas os transportes coletivos, mas os individuais motorizados e no-motorizados. Por ltimo, fica aqui explicitada a necessidade das instituies e dos agentes pblicos em desenvolverem elevada competncia para o exerccio dessas novas funes, capacitando-se, especialmente, em matria de desenvolvimento urbano integrado, regulao econmica, licitaes competitivas, gesto de contratos e alternativas de financiamento.

PARTE I - INTRODUO 1. Motivao e objetivos da pesquisa Desde a segunda metade da dcada de 1990, o transporte pblico coletivo urbano no Brasil apresenta um processo de declnio, expresso pela queda da demanda e da produtividade dos servios, e de instabilidade institucional, no que se refere adequao das relaes entre os agentes pblicos e privados atual legislao de concesses. A maioria dos sistemas no est ancorada em base contratual slida ou, nos casos em que as relaes so regidas por algum tipo de contrato, estes foram firmados sem o suporte legal e, muitas vezes, encontram-se em carter precrio. Tal situao produz um cenrio nada propcio ao desenvolvimento setorial, resultando no desinteresse dos agentes, especialmente os privados, em promover investimentos ou buscar melhorias na qualidade da prestao dos servios. Tarifas crescentes, incompatveis com a capacidade de pagamento da populao mais pobre, oferta inadequada, baixo desenvolvimento tecnolgico e inovativo, falta de investimentos para atender a elevada demanda de infra-estrutura: esses so alguns dos problemas agravados por um ambiente institucional e um marco regulatrio carentes de modernizao. No toa que assistimos, nos ltimos anos, ao crescimento do nmero de pessoas que se deslocam a p por absoluta incapacidade de pagar as tarifas , ao surgimento do transporte informal e ao afastamento das classes mdias dos servios. As fragilidades dos rgos gestores ,tanto em termos de recursos materiais, quanto em termos de equipes tcnicas, e a incapacidade financeira dos governos locais para atender s demandas por investimentos colocam o desafio do desenvolvimento de novas polticas e instrumentos para alcanar eficincia (via reduo de custos e tarifas) e eficcia (via aumento da oferta e da qualidade) na prestao desse servio pblico de carter essencial, como define a Constituio Federal. Entende-se que a adoo de novos modelos institucionais e de regulao pode contribuir nesse sentido, criando um ambiente adequado para o desenvolvimento dos servios, alm de criar as condies favorveis para a atrao de novos investimentos. Some-se a isso a quase inexistente integrao entre os diferentes modos de transporte pblico, principalmente nas regies metropolitanas e aglomeraes urbanas, reas em que a insuficiente coordenao jurisdicional entre as esferas de governos (municpios e estado) e de suas redes de servios provoca significativas deseconomias na oferta, onerando a populao usuria. Embora o ambiente regulatrio esteja marcado pela incerteza e pela precariedade, observamse experincias nas quais os agentes pblicos e privados tm buscado introduzir reformas e inovaes no campo institucional e organizacional. Algumas cidades tm-se destacado nesse sentido, chamando a ateno da comunidade tcnica (vide ANTP, 2003). Entre elas encontram-se Goinia, Porto Alegre e So Paulo. O sistema de transporte pblico de Goinia est passando por um profundo processo de reestruturao. Os servios foram agrupados por reas de operao, a oferta foi diversificada, com a incorporao de servios complementares na rede (os antigos informais), e foi criado tambm um novo arranjo institucional para a gesto metropolitana dos servios. Em Porto Alegre, os servios foram organizados em consrcios de empresas, operados por bacias geogrficas, cabendo queles o gerenciamento da oferta e o controle das receitas. Existe tambm ali, h muito, a diversificao da oferta de transporte coletivo, com os sistemas de nibus e de lotaes. Destaca-se que Porto Alegre uma das poucas cidades brasileiras que no sofreu a ofensiva dos servios informais. So Paulo promoveu uma licitao geral em seu sistema de transporte municipal, paradigmtico para o pas e, talvez, o mundo. A cidade foi dividida em oito reas, cada uma com um preo de remunerao diferenciado por passageiro transportado. Foi desenvolvido um novo modelo de viagensRegulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso11

integradas temporalmente, com bilhete eletrnico nico. Tambm foram incorporados ao sistema os antigos perueiros, operando servios de carter complementar. Os estudos de caso desenvolvidos objetivaram analisar e avaliar as reformas em curso nessas trs cidades. Com a divulgao e discusso de seus resultados pretende-se fornecer elementos para o aperfeioamento regulatrio e organizacional do transporte pblico coletivo nas cidades brasileiras, contribuindo para o to necessrio processo de modernizao institucional dos transportes urbanos. Entende-se tal processo como condio essencial para o desenvolvimento urbano brasileiro, principalmente nos grandes centros, onde cada vez mais a qualidade de vida, a sustentabilidade ambiental e a competitividade das cidades encontram-se comprometidas pelos problemas de mobilidade e circulao de pessoas e bens basta que se verifiquem os dados sobre os custos sociais provocadas pelos congestionamentos, poluio do ar, acidentes de trnsito, entre outros (Ipea/ANTP [1998]; Ipea [2003]). 2. Procedimentos metodolgicos A pesquisa foi desenvolvida a partir da elaborao de um estudo de caso para cada uma das cidades prselecionadas: Porto Alegre, Goinia e So Paulo. O estudo de caso um tipo de pesquisa baseado no questionamento emprico sobre um fenmeno contemporneo. Nele a percepo de realidade pelos atores insumo indispensvel, o que d ao pesquisador a possibilidade de se envolver com a realidade e realizar interpretaes. Estas, por sua vez, permitem que se avance no conhecimento em campos nos quais as formulaes ou paradigmas, tericos e conceituais, ainda estejam em construo ou sob forte questionamento. O estudo de caso um mtodo valioso, portanto, em momentos de crise e transio, quando modelos e experincias novas ainda no contam com um arcabouo terico-conceitual especfico j consolidado. De acordo com Gil (1995), embora a tcnica de estudo de caso possa apresentar o inconveniente da dificuldade de generalizao, por no haver uma garantia plena de que os casos escolhidos sejam representativos do universo, ela permite o estudo aprofundado de um determinado tema. Contudo, segundo o autor, a escolha criteriosa dos casos a serem estudados permite obter concluses valorosas para o fenmeno em anlise no caso, dos processos de reforma nos servios de transporte pblico nas cidades brasileiras. Os estudos de casos, de carter monogrfico, foram desenvolvidos por pesquisadores independentes durante o primeiro semestre de 2004, sob coordenao e orientao do Ipea, utilizando-se de fontes bibliogrficas, da anlise de documentos disponveis, de dados secundrios, entrevistas, alm das observaes diretas feitas pelos especialistas contratados. Este volume sintetiza as principais concluses da pesquisa de uma forma global. Excetuando-se o estudo do caso de Goinia, onde a gesto metropolitana, os demais (Porto Alegre e So Paulo) enfocaram as experincias sob a perspectiva municipal e de seus servios de transporte pblico, em que pese os aspectos da gesto metropolitana e da integrao modal terem sido objeto de anlise e discusso. O presente estudo apresenta-se dividido em mais duas partes, alm desta, de carter introdutrio. Na parte dois, a seguir, so discutidos os principais aspetos tericos e conceitos que motivam a regulao econmica dos servios de transporte coletivo urbano. Na terceira e ltima parte, com base nos casos estudados, so analisadas as reformas em curso nas trs cidades selecionadas pela pesquisa, apontando algumas tendncias, para, em seguida, serem destacados os principais desafios e perspectivas das reformas em curso. Por fim, o anexo disponvel no CD-ROM que acompanha este volume apresenta a ntegra dos estudos de caso, bem como do material produzido pela pesquisa.

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Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso

PARTE II ASPECTOS CONCEITUAIS 1. Os motivos da regulao econmica no transporte pblico urbano Para a teoria econmica, a justificativa para a regulao de determinados servios ou atividades reside na incapacidade do mercado, por suas livres foras, em prover uma soluo tima do ponto de vista econmico e social, ou seja, de o mercado fornecer a produo eficiente de um bem ou servio com preos que refletam corretamente os benefcios e os custos para toda a sociedade. Tal incapacidade denominada falha de mercado. Na presena de falhas de mercado, os poderes pblicos so obrigados a interferir, seja pela proviso direta do bem ou servio, por meio de empresas pblicas,1 seja pela regulao das atividades concedidas iniciativa privada. No caso da regulao, os poderes pblicos intervm administrativamente, pela fixao de regras, regulamentos ou legislaes, para assegurar a oferta estvel e adequada do bem ou servio, sob preos mdicos. Essa interveno se d pelo controle de preos, pela entrada e sada do mercado, pela quantidade, pelos padres de desempenho, e ainda pela qualidade do bem ou servio ofertado. Os principais objetivos da regulao so: o bem-estar do usurio; a melhora da eficincia alocativa (situao na qual se realiza o maior volume de transaes econmicas, com a gerao da maior renda agregada possvel), da eficincia distributiva (definida pela capacidade da reduo da apropriao dos excedentes econmicos por parte do prestador do servio ou produtor do bem) e da eficincia produtiva da atividade (entendida como a utilizao da planta instalada, com o mximo rendimento e menor custo); a interoperabilidade da rede (i.e. a interconexo entre os diferentes operadores); a qualidade e a universalizao do acesso aos servios (Giambiagi e Alm, 2000). Alm da existncia de falhas de mercado, um marco regulatrio claro e estvel se justifica pela necessidade da criao de um ambiente favorvel atrao de investimentos, sobretudo,privados, na prestao de servios pblicos em tempos de restrio oramentria e fragilidade fiscal dos governos , a fim de garantir aos usurios a obteno do servio adequado. As principais falhas de mercado que2 justificam a regulao econmica do transporte pblico urbano so:Monoplios naturais: ocorrem quando um determinado mercado no comporta a existncia de mais de uma empresa, devido presena de expressivas economias de escala. A competio implicaria assim uma duplicao da oferta, com a demanda mantida nos mesmos nveis, elevando os custos mdios de produo, resultando em ineficincia econmica. Na ausncia da regulao, o monopolista teria o comportamento de reduzir a oferta e aumentar os preos do bem ou servio, com perda de bem-estar social (i.e. a transferncia de renda dos consumidores ou usurios para o monopolista). Nesse caso, a regulao desejada, por meio do controle de preos, da oferta, e das condies de entrada e sada do mercado. No transporte pblico, os monoplios naturais so verificados nas infra-estruturas fsicas, como nas linhas de trens urbanos ou metrs. Nestas, cada passageiro transportado a mais ajuda a reduzir os custos mdios de operao. Se outra linha de metr ou trem disputasse o mesmo mercado, os passageiros seriam divididos, mas a infra-estrutura fsica duplicada, com prejuzos para ambas. Economias de rede: tm lugar quando a entrada de um usurio adicional, ou a criao de uma nova conexo, melhora a utilidade para os demais usurios da rede. So chamadas tambm de externalidades ou efeitos de rede. No transporte pblico, quanto mais densa a rede, melhor a freqncia dos

1. Vale observar que esta forma de interveno vem perdendo fora, tendo em vista a generalizao dos processos de privatizao no Brasil e no mundo. 2. Para uma discusso completa sobre as falhas de mercado, ver Stiglitz (2000).

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servios e, portanto, da sua qualidade. Quando os diferentes servios ofertados numa mesma rea so coordenados e integrados obtm-se redues de custos tanto de oferta dos servios, quanto de uso (redues de custos de transferncia e de espera para os usurios). Na ausncia de regulao, os operadores privados iriam competir pelos mesmos usurios, sobrepondo linhas e horrios em determinadas reas, causando deseconomias para todo o sistema. As economias de rede so erroneamente confundidas com economias de escala. Estas esto relacionadas com o tamanho da firma, enquanto as economias de rede esto relacionadas com a interoperao entre elas. Necessidade de coordenao: detectada quando os servios demandam coordenao e integrao para o funcionamento eficiente. relacionada, portanto, com as economias de rede. Se os custos de uma linha de uma origem para um determinado destino so altos em relao demanda, os servios podem ser integrados, resultando em custos mais baixos para todo o sistema. O servio de transporte coletivo prestado em ambiente de redes integradas proporciona melhores condies de acesso da populao aos diferentes locais de uma rea urbana, em comparao com os servios prestados por linhas independentes, pois conferem aos usurios, em diferentes graus, facilidades fsicas, operacionais e tarifrias, maximizando as economias de rede que caracterizam a atividade. No caso da oferta de servios em reas conurbadas (e.g. em regies metropolitanas ou aglomeraes urbanas), alm da coordenao intermodal e tarifria, exige-se tambm a coordenao jurisdicional, isto , entre os diferentes servios que servem o mesmo territrio, mas sob jurisdies distintas (i.e. entre diferentes municpios e entre estes e o estado). Continuidade e disponibilidade de servios: verificadas quando o mercado, por suas livres foras, no prov o nvel socialmente desejado de servios para determinadas reas. No caso do transporte pblico, de oferta adequada para as reas perifricas e de baixa densidade, comercialmente norentveis. Nesses casos, a regulao garante, via compensao de receitas ou subsdios governamentais, a continuidade e a disponibilidade da oferta para aquelas reas. Externalidades: surgem quando uma determinada atividade causa efeitos negativos ou positivos sobre outrem, mas a atividade no internaliza os custos ou os benefcios gerados. No caso de custos, trata-se de externalidades negativas. No caso de benefcios, de externalidades positivas. Na presena de externalidades, os preos no refletem corretamente os custos ou os benefcios para a sociedade, e o mercado produzir em quantidades ineficientes. No transporte urbano, os congestionamentos e a poluio causados pelo uso intensivo dos automveis so exemplos de externalidades negativas, j que os motoristas no internalizam os custos sociais gerados pelas suas decises de usarem seus automveis em determinados locais da cidade ou horrios do dia. Os efeitos positivos do uso do transporte pblico, em termos da reduo da poluio do ar e dos congestionamentos de trnsito nas grandes cidades, contudo, no so apropriados apenas pelos usurios diretos dos servios. Assim, so as externalidades que justificam os esquemas de estacionamentos pagos ou de pedgios em reas urbanas (e.g. Londres) ou a existncia de subsdios aos usurios do transporte pblico (e.g. o vale-transporte no Brasil). Bens meritrios: so bens ou servios de consumo ou uso diretamente relacionado ao bem-estar de uma sociedade. A interveno estatal ocorre, assim, em mercados especficos, independentemente de falhas de mercado, objetivando equiparar oportunidades, melhorar a qualidade de vida e promover a universalizao do acesso de bens ou servios. nesse sentido que a Constituio Federal brasileira define o transporte coletivo como servio pblico de carter essencial. Chama-se ateno para no se confundir bens meritrios com bens pblicos, no conceito econmico.3 Bens pblicos: so bens ou servios para os quais a oferta invivel pelo setor privado. So caracterizados pela impossibilidade tcnica da excluso do consumo ou uso dos no interessados em pagar por eles (i.e. no-excluso), como tambm pela particularidade do consumo ou uso por uma pessoa

3. Segundo Martins (2004), a definio de servio pblico, na tradio jurdica brasileira, est associada mais s circunstncias histricas e polticas do que tcnicas e econmicas; o constituinte quem determina o que deve ser considerado servio pblico ou no, dada a relevncia social da atividade naquele momento. Assim, para a corrente formalista (ou positivista) do direito administrativo, para uma determinada atividade ser considerada servio pblico, basta a definio constitucional ou legal. 14

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no reduzir a oferta disponvel para outra (i.e. no-rivalidade). Pela dificuldade da individualizao do consumo do bem impraticvel ratear os custos de produo do mesmo e a impossibilidade da excluso do uso do servio, o mercado torna-se ineficiente para a produo da quantidade adequada dos bens pblicos requeridos pela sociedade. Assim, os governos tornam-se responsveis pela proviso desses bens, financiando a oferta por meio da cobrana de impostos. Exemplos de bens pblicos, na acepo econmica, so a sinalizao de trfego, a iluminao pblica e a segurana nacional, que so supridos pelos governos. Como se percebe, no se tratam os servios de transporte coletivo de bens pblicos, no conceito econmico, j que existe a possibilidade de excluir uma pessoa de seu uso, via tarifa. Alm disso, o uso do servio rival, pois impossvel o crescimento da demanda ser atendida sem aumento de oferta e custos.

As falhas de mercado no transporte pblico coletivo urbano no so mutuamente exclusivas e quase sempre aparecem de forma simultnea. O metr um exemplo dessa interface entre falhas de mercado: trata-se de um monoplio natural que causa importantes externalidades positivas s cidades que possuem o servio os ganhos com a existncia de um metr, em termos da reduo da poluio, dos congestionamentos, como tambm do aumento do valor das reas servidas, no beneficiam apenas os usurios diretos dos servios (Fres, 1999). O transporte pblico uma atividade que tambm apresenta significativas economias de rede, exigindo a coordenao para seu funcionamento eficiente. Ademais, por questes de eqidade, exige-se a oferta contnua e adequada dos servios para as reas perifricas e tarifas mdicas (ou subsdios) para os usurios mais pobres. So estes os principais motivos que justificam a regulao econmica da atividade. Por fim, de suma importncia destacar o processo de declnio que experimentam os transportes coletivos quando comparados aos demais servios pblicos, e.g. telecomunicaes ou energia eltrica mercados geralmente em expanso. Esse declnio caracterizado pela queda contnua da demanda, tanto pelo crescimento das viagens a p entre as populaes de baixa renda, quanto pelo aumento do uso dos veculos particulares nos segmentos de melhor poder aquisitivo. Ambos os processos, frisese, acarretando significativos custos sociais. Isso aponta para a necessidade de uma regulao mais ampla, para o mercado de transporte urbano como um todo. A regulao deve passar tanto pela racionalizao do uso dos veculos particulares, quanto pela integrao das polticas urbanas, especialmente de transporte e uso do solo. Segundo o projeto Maretope (2003), da Comisso Europia, ao contrrio dos outros servios pblicos e.g. de energia eltrica e telefonia que requerem que seus usurios estejam conectados rede e para os quais no existem substitutos economicamente viveis, o transporte coletivo tem cada vez mais nos veculos particulares um substituto. Ou seja, possvel a realizao de viagens sem a utilizao da rede de servios. Isso mostra que a competio relevante no mercado de transporte urbano no se d entre os modos de transporte pblico, mas, sobretudo, entre estes e o transporte individual motorizado (automveis e motocicletas). A utilizao cada vez maior de veculos particulares resulta na diminuio da demanda por transporte pblico e no conseqente declnio desse servio. Tal fato no teria problemas, se no trouxesse consigo custos sociais, econmicos e ambientais para as cidades e seus habitantes. A necessidade da regulao do transporte urbano de maneira mais ampla se justifica no crescimento dos congestionamentos de trnsito, da poluio do ar e da privao do acesso pelos mais pobres aos servios nas grandes cidades, ou seja: nas perdas de bem-estar para toda a sociedade. Segundo Macrio (2004), as evidncias ao redor do mundo indicam que a sustentabilidade e o equilbrio dos sistemas de mobilidade urbana s sero encontrados com a adoo simultnea e coordenada de polticas de melhoria sensvel da qualidade do transporte coletivo e de restrio ao uso de veculos particulares em certas reas e perodos nas grandes cidades.44. Em princpio, veculos trafegando em vias congestionadas deveriam pagar um preo pelo menos igual ao custo marginal social de curto prazo, que incluiria os efeitos do congestionamento, o desgaste da infra-estrutura viria e os impactos ambientais ( World Bank, 2002).

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2. As variveis regulatrias Com a finalidade de construir um referencial de anlise dos casos estudados, foram selecionadas algumas variveis regulatrias. A escolha dessas variveis teve como base a literatura especializada (NTU/ ANTP, 1999), conforme resumido a seguir.Prazo da delegao: o prazo contratual deve ser condicionado natureza dos investimentos e dos ativos empregados na prestao dos servios. Para que o prazo da delegao possa ser menor do que a vida econmica dos ativos empenhados, estes devem ser reversveis, como no caso dos veculos do transporte coletivo que podem ser revendidos ou utilizados em outros mercados. No caso do investimento em infra-estrutura fsica (obras), o ajuste do prazo vida econmica dos investimentos essencial. Organizao dos servios: refere-se s diferentes alternativas de delegao (cooperativas de operadores, empresas ou consrcios de empresas) e organizao da oferta (por linha ou grupo de linhas, por lote de veculos ou por rea geogrfica), incluindo as diferentes caractersticas tecnolgicas (trens, nibus, micronibus, vans etc). Refere-se tambm s condies de integrao dos servios, fsica (entre modos), tarifria e institucional (entre os servios prestados nas diferentes jurisdies numa rea conurbada). Condies de entrada e sada do mercado: a atual legislao de servios pblicos condiciona a delegao de servios pblicos, inclusive os de transporte coletivo, prvia licitao. Esta, por sua vez, deve se dar por critrios econmicos (menor tarifa, maior oferta ou combinao de ambas). No caso da sada, a legislao prev algumas hipteses, dentre as quais: o fim do prazo contratual, encampao/resciso, e anulao do contrato, ou a falncia da empresa delegatria. prevista tambm a possibilidade da prorrogao, automtica ou condicionada, das delegaes. Formas de remunerao: os servios prestados podem ser remunerados diretamente pela receita tarifria, com ou sem acrscimos de subsdios governamentais, ou por pagamentos efetuados pelo poder pblico com base na produo dos servios (veculos-quilmetros produzidos ou passageiros transportados), utilizando-se ou no da compensao de receitas e custos entre empresas. Em ambos os casos, a remunerao tem como base os custos dos servios, estimados por uma planilha tarifria. Existe tambm a possibilidade da utilizao de receitas decorrentes de projetos complementares como fonte de recursos para o caso de investimentos em infra-estrutura fsica caso das operaes urbanas ou captura de valor. Poltica tarifria: compreende o nvel da tarifa (seu valor), e sua estruturao, que pode ser nica (a mais comum), por tempo de utilizao da rede (e.g. So Paulo), por horrio do dia (pico e fora de pico), por dia (dia til ou fim de semana), pela distncia percorrida, por rea, por segmento de usurio, ou por tipo de servio. Diviso de riscos: existem em geral dois tipos de riscos na operao de transporte pblico: de receitas e de custos. O primeiro est relacionado ao nvel de demanda. O segundo, variao dos custos operacionais e dos preos dos insumos (combustveis, salrios, veculos etc.). A diviso dos riscos vai depender do modelo de contratao/remunerao adotado. No caso da remunerao direta por receita tarifria, os riscos de demanda recaem, geralmente, sobre os operadores. No caso dos pagamentos efetuados com base na produo, os riscos de demanda so do poder pblico. No Brasil, dadas a utilizao da planilha tarifria e a no adoo de subsdios governamentais com raras excees , os riscos de custos recaem sobre os usurios pagantes, uma vez que os custos de operao so rateados entre os usurios pagantes. Papel dos agentes: envolve a repartio das atribuies entre os agentes pblicos e privados. Macrio (2004) identifica trs nveis de deciso nos servios de transporte pblico, quais sejam: estratgico, ttico e operacional. O primeiro se refere formulao dos objetivos gerais e de longo prazo da poltica de transportes, dentre eles a rea a ser atendida, a configurao da rede de servios, a integrao modal, jurisdicional e a poltica tarifria. O nvel ttico se refere deciso dos meios para se atingirem os objetivos estratgicos e como utiliz-los da melhor forma, ou seja, quais tipos16

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de servios sero oferecidos, sua estrutura tarifria, e os tipos de veculos, por exemplo. O nvel operacional, por sua vez, diz respeito aos processos, sobre como operar no mercado, includas a a manuteno e a operao da frota, be, como a contratao e a gesto do pessoal.

Mecanismos de controle e incentivos contratuais: envolvem o monitoramento da eficincia, i.e. se os servios so operados pelo menor custo, e da eficcia dos servios, i.e. se os objetivos sociais esto sendo atingidos. Existem diferentes abordagens e alternativas para o controle do desempenho e eficcia dos servios. Elas podem ir desde mecanismos contratuais de incentivos e penalidades aos operadores, at o envolvimento direto da populao na fiscalizao e controle da oferta dos servios, por meio de processos de consulta e pesquisas com os usurios. 3. Uma tipologia regulatria do transporte pblico urbano Com base na experincia europia (Maretope, 2003), podemos identificar trs tipos bsicos de regulao do transporte coletivo urbano: mercado fechado, competio regulada ou desregulao. Tais tipos variam conforme os nveis de presso competitiva (de competio para/no mercado ou adoo de incentivos/penalidades contratuais), e de liberdade de iniciativa do operador (e.g. para criar novos servios). Ressalte-se que tal tipologia apenas para efeito analtico, tendo em vista que nenhum dos modelos observado em sua forma pura, no Brasil ou no exterior, verificando-se sempre, nos casos descritos pela literatura, situaes de interfaces ou mistas. No regime de mercado fechado, os operadores, pblicos ou privados, tm direitos exclusivos de operao por tempo indeterminado. O planejamento centralizado na autoridade local, com pouca ou nenhuma liberdade de iniciativa para os operadores. Inexiste presso competitiva para a entrada no mercado (via licitao), no mercado (i.e. entre empresas), ou mecanismos contratuais de incentivos (i.e. sistema de bnus ou penalidades, benchmarking etc.). A experincia mostra que o modelo de mercado fechado, ou de monoplio pblico, apresenta a vantagem de proporcionar maior facilidade de coordenao e integrao da rede. No entanto, devido ausncia de qualquer presso competitiva, apresenta piores resultados em termos de eficincia, com custos e tarifas/subsdios crescentes. Alm disso, o modelo no favorece a inovao na oferta, com a criao de novos servios de transporte, atendendo tempestivamente as expectativas de qualidade dos usurios, que se modificam com o tempo. Exemplos desse modelo podem ser encontrados em Lisboa, Portugal, ou em algumas cidades alems no caso brasileiro, em Curitiba. Na desregulao (ou competio no mercado) no existem controles econmicos por parte dos governos, i.e. de tarifas e quantidade ofertada, sendo a entrada e sada do mercado praticamente, livre. S h controles de qualidade e segurana. Na desregulao h o mximo de liberdade de iniciativa para os operadores e o mximo de presso competitiva (competio no mercado). Nos locais onde foi aplicada (e.g. Reino Unido com exceo de Londres), os servios apresentaram instabilidades e descontinuidades na oferta, impedindo a integrao e a coordenao da rede. Apesar disso, os custos operacionais reduziram-se (eficincia produtiva) e a oferta para as reas mais densas e rentveis aumentou. Foram verificadas tambm inovaes na oferta, com a utilizao de diferentes tipos e tecnologias de veculos. Na competio regulada, via processos licitatrios por critrios de eficincia, concedido o direito de operao em determinada rea por tempo determinado (competio para o mercado). Ao final do perodo contratual realizada nova licitao, aberta para todos os interessados. O princpio deste modelo que a presso competitiva, por meio de licitaes competitivas, induz as empresas a operarem com menores custos operacionais (eficincia produtiva) e, conseqentemente, com menores subsdios/ tarifas (eficincia distributiva). A presso competitiva pode tambm se dar por meio da adoo de mecanismos contratuais de incentivos e penalidades para os operadores e/ou metodologias de benchmarking (comparao) ou yardstick competition (padro de desempenho). A coordenao da rede e a qualidade dos servios so de responsabilidade da autoridade pblica, no momento em que fixa os critrios de contratao em edital. Aos operadores cabe apresentar desenvolvimentos e melhorias tanto na oferta, quanto na qualidadeRegulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso17

dos servios, uma vez serem eles que esto em contato direto com os usurios e possuem as informaes sobre suas expectativas e necessidades quanto aos servios. Assim, a discricionariedade do operador relativa. O sistema de competio regulada o que apresenta melhores possibilidades de otimizar a relao oferta/ custos. Porm, exige pesadas atribuies tcnicas para as autoridades pblicas, para a realizao das licitaes, para integrar e coordenar a rede, e para desenhar e monitorar os contratos. Exemplos desse modelo podem ser encontrados em Londres, no Reino Unido, ou em Dijon, na Frana. Quanto aos modelos de remunerao dos servios, identificam-se, basicamente, dois: pelas tarifas diretamente arrecadadas e pela prestao dos servios, ambos utilizados, com ou sem variaes, nas cidades brasileiras. Na remunerao pela prestao dos servios, as receitas vo para a administrao pblica, que remunera os operadores com base na produo (veculos-quilmetros produzidos). Esta modalidade de contratao semelhante ao modelo de gross-cost contract, adotado em algumas cidades europias, sendo a principal diferena o fato dos custos por quilmetro, base deste modelo, serem estabelecidos nas licitaes competitivas, e no em planilha de custos, como no Brasil. No caso europeu, os riscos de custos recaem sobre os operadores, e o risco de receita sobre o poder pblico. No caso brasileiro, ambos os riscos so pblicos. o modelo que melhor apresenta facilidades para a coordenao e a integrao da rede pelas autoridades pblicas, porm criticado por induzir o operador a produzir o mximo possvel de veculos-quilmetros, sem se preocupar com os usurios transportados. Uma alternativa desenvolvida para mitigar tal problema foi a implementao de sistemas de bnus e penalidades sobre metas pr-estabelecidas de usurios transportados, parametrizados com pesquisas de satisfao o modelo de Belo Horizonte caminha neste sentido (Gomide, 2004). No modelo de remunerao por tarifa, o operador remunerado pelas prprias receitas arrecadadas (no caso europeu, net-cost contract). Nele, os riscos de demanda so dos operadores, o que incentiva as empresas a assumirem uma postura orientada para o mercado. Porm, tal modelo dificulta a integrao e eventuais mudanas na rede de servios, pois mudanas nas linhas, ou nas reas de operao, tm impactos diretos nas receitas de cada empresa. O grfico adiante apresenta, esquematicamente, a combinao dos elementos que caracterizam cada tipo de regulao aqui descrito. Note-se que situaes mistas ou de interfaces entre os trs tipos podem ser encontradas em qualquer ponto na rea do grfico.GRFICO 1Modelos de Regulao do Transporte Pblico

Fonte: Macrio, 2004, p.8. 18

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4. Aplicao realidade brasileira Nesta seo, procura-se esboar um quadro geral da situao organizacional e regulatria dos servios de transporte pblico nas cidades brasileiras, a partir do referencial conceitual discutido at o momento. Tal delineamento privilegiou os seguintes aspectos: integrao das redes, eficincia operacional e distributiva, sustentabilidade econmica, investimentos privados e eqidade social. Ressalte-se que, devido s caractersticas dos estudos de caso realizados, a anlise parte das realidades dos sistemas municipais de transporte pblico operados por nibus. Nas cidades brasileiras ainda so raros os casos da organizao dos servios de transporte em redes integradas. Tradicionalmente, a implantao de redes integradas encontra resistncias por parte dos concessionrios privados, devido s dificuldades de se estabelecerem critrios de repartio das receitas provenientes das viagens compartilhadas os sistemas de bilhetagem eletrnica, que esto se difundindo rapidamente entre as cidades brasileiras, podem, por sua vez, se constituir em instrumento importante para a soluo desse problema. A implantao e a operao destas redes requer esforo considervel de coordenao dos agentes envolvidos por parte do poder pblico. A dificuldade da coordenao proporcional ao nmero de operadores do sistema. Outro aspecto crtico da operao de redes integradas ocorre quando vrias instncias e jurisdies de governo, e.g. estado e municpios, detm o poder de regulao dos servios. Na ausncia da definio legal de um nvel metropolitano ou interurbano de coordenao, a articulao entre elas compromete a eficincia e a eficcia na oferta. Isto implica a necessidade da adoo de instrumentos regulatrios adequados e de modelos institucionais bem definidos. Na condio atual, em que o transporte pblico utilizado, sobretudo, pelas populaes de baixa renda, as questes de eficincia produtiva e distributiva ganham relevncia entre as razes para uma regulao eficaz dos servios. De fato, a eficincia condiciona os custos operacionais e, conseqentemente, as tarifas pagas pelos usurios, tendo em vista os modelos de tarifao e remunerao adotados, baseados nos custos mdios de operao estimados em planilha de custos. Como se sabe, na prtica este modelo no estimula a eficincia produtiva e distributiva, dificultando a reduo das tarifas cobradas dos usurios. Nele no h incentivos para reduo de custos, uma vez que os operadores so remunerados pelos custos: se os custos sobem, a remunerao sobe; se os custos caem, a remunerao cai. Como a remunerao do capital privado calculada sobre o investimento em veculos, o modelo tende a incentivar a ampliao da frota, repassando os custos para os usurios (ineficincia produtiva). Alm disso, pela dificuldade da avaliao real dos custos que servem como base para a determinao da tarifa, devida, por seu lado, ao problema da assimetria de informaes entre as empresas e o rgo gestor, os eventuais ganhos de produtividade conseguidos pelas operadoras no so repassados para as tarifas (ineficincia distributiva). No Brasil, o clculo da remunerao por planilha de custos aparece tanto nos modelos de remunerao pela prestao de servios quanto nos modelos de remunerao direta (Orrico Filho et alii, 1995). No caso de compensao de receitas entre empresas de um mesmo sistema, os operadores tendem a exercer permanente presso pelo aumento da oferta, que implica um aumento dos custos (base da remunerao). Tal situao diferente nos modelos em que as empresas so remuneradas diretamente pela tarifa. Nestes, elas assumem uma postura orientada para o mercado, estimulando a eficincia produtiva no ambiente interno da empresa. Contudo, nada garante que esses ganhos sejam transferidos para os usurios, devido aos mesmos problemas de assimetria de informaes j comentados. Como se percebe, preciso buscar critrios complementares ou substitutos para obteno da maior eficincia,5 como tambm necessrio assegurar escalas econmicas de produo, tirando partido das economias de rede e alocando quantidades de operadores e recursos (i.e. veculos, pessoal etc.) compatveis com as dimenses da demanda.

5. Como se viu, a experincia internacional mostra a importncia da utilizao de mecanismos complementares, como a utilizao de padres de desempenho (yardstick), comparaes de desempenho (benchmarking), incentivos contratuais e licitaes pelo preo do servio.

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Na ausncia de subsdios governamentais, a poltica tarifria um pilar da sustentabilidade econmica e financeira da atividade, pois a principal fonte de financiamento da operao. Na situao atual, sob a ausncia de diretrizes tcnicas e sociais verificada em um grande nmero de cidades, a fixao dos nveis tarifrios segue critrios polticos e repercute negativamente no nvel de servio ofertado. Em um cenrio de queda do nmero de passageiros pagantes, como o atual, as medidas de recomposio do equilbrio econmico-financeiro das empresas so, muitas vezes, voltadas para o aumento das tarifas, o que, por sua vez, concorre para a reduo de passageiros, conformando um ciclo vicioso que resulta na instabilidade financeira da atividade. Na presena de modelos de compensao de receitas e custos, como ocorre em algumas cidades, provoca-se uma competio entre as empresas operadoras pelo reconhecimento de aumento de custos, comprometendo a eficincia e a sustentabilidade dos servios. Neste caso, o ciclo de instabilidade financeira acionado pelo aumento de custos, que pressiona o aumento das tarifas, esbarrando na capacidade de pagamento dos usurios. Vale destacar ainda que os modelos de remunerao adotados no consideram as questes ligadas aos riscos da atividade, especialmente os regidos pelo regime de remunerao pela prestao de servio. Em geral, os modelos no contemplam a diviso dos riscos de receita, relativos variao da demanda de passageiros, e de custos, referentes s variaes das condies operacionais relacionadas com as vias urbanas e com o trfego de veculos. Na prtica, os riscos so tratados no mbito das tarifas, ou seja, repassados para os usurios. Contudo, se o aumento concedido no suficiente para cobrir os custos operacionais tem-se, basicamente, duas situaes: ou as empresas tendem a minimizar suas perdas, reduzindo a qualidade dos servios (sistemas de remunerao pela receita tarifria), ou as cmaras de compensao geram dficits, onerando os cofres pblicos (sistemas de remunerao pela produo, com compensao de receitas). Alm disso, as redues sistemticas da demanda de passageiros, ocorridas nos ltimos anos, nem sempre foram acompanhadas de ajustes na rede. Este desequilbrio se configura como uma causa de reajustes tarifrios acima dos ndices de inflao. Assim, observa-se que a maioria dos sistemas de transporte pblico no pas atravessa uma fase crtica, caracterizada por um ciclo de perda da produtividade: a queda da demanda acarreta a queda da oferta e da qualidade dos servios, que induzem ao aumento das tarifas, que provocam mais queda da demanda. Esse processo priva os mais pobres do acesso ao transporte por no conseguirem arcar com as altas tarifas e abre espao para a atuao do transporte informal, dado o desajuste da rede demanda, e expulsa a classe mdia do sistema devido degradao da qualidade. Nas grandes cidades brasileiras, a qualidade dos servios depende cada vez mais de investimentos na infra-estrutura fsica para o transporte coletivo: terminais, veculos, corredores exclusivos e sistemas de controle. Na maioria dos casos, esses investimentos so realizados com recursos pblicos, tendo como principais fontes de financiamento as receitas fiscais, as operaes de crdito e, em muitos deles, os usurios geradores de receita tarifria. Porm, num quadro de prolongada crise fiscal, que implica o rgido controle do dficit pblico e restries ao endividamento dos governos locais, o transporte pblico enfrenta srias dificuldades para fazer as inverses necessrias ainda mais quando em competio pelos escassos recursos com outros setores sociais, como da sade e da educao. Atualmente, os investimentos privados tm se concentrado na compra de veculos e instalaes e equipamentos de garagem. Raros so os casos em que o operador investe na construo de infra-estrutura fsica, que fica limitada instalao de abrigos ou estaes de pequeno porte. No transporte pblico, as possibilidades de remunerar investimentos em infra-estruturas por meio de receitas tarifrias so muito limitadas. No se pode, portanto, descartar a utilizao de mecanismos alternativos de financiamento, como dos instrumentos disponveis no Estatuto das Cidades (e.g. operaes urbanas ou captura da valorizao imobiliria) ou das parcerias pblico-privadas. Porm, possibilidades desse tipo dependem de um marco regulatrio adequado e estvel, alm de instituies fortes situaes no facilmente encontradas nas cidades brasileiras. Estudos recentes mostraram as fortes disparidades no acesso aos servios de transporte pblico no Brasil relacionadas com o nvel de renda familiar (Itrans, 2004), onde os gastos com transporte comprometem cada vez mais o oramento das famlias mais pobres (Andrade, 2000). Isso significa,20

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para a populao de baixa renda, limitaes severas de acesso aos equipamentos sociais e acesso s oportunidades, inclusive quanto ao emprego. Segmentos especficos da populao, como os idosos e portadores de deficincia, enfrentam tambm problemas de mobilidade, que restringem sua participao na vida social. A reduo dessas disparidades, no mbito da mobilidade urbana, deve ser objeto de polticas especificas. Contudo, polticas de incluso - quando mal definidas - podem entrar em conflito com os objetivos de sustentabilidade econmica dos servios, criando privilgios, sobretudo no plano tarifrio, como as gratuidades existentes para determinados segmentos, que no tm respaldo em fundos de compensao financeira. Nessas condies, tais polticas podem at mesmo ser regressivas como no caso de um desempregado subsidiar a gratuidade ou desconto de um usurio de maior renda (e.g. um estudante de classe mdia do ensino privado). O correto direcionamento dos subsdios ao transporte pblico reside no atendimento ao interesse dos menos favorecidos. Destarte, os descontos ou isenes tarifrias devam ser financiados pelos oramentos dos setores relacionados com as categorias beneficiadas (educao, previdncia social etc.), e no por subsdios cruzados entre os usurios. Ademais, a dinmica do crescimento urbano no Brasil h muitos anos vem sendo marcada pelo acentuado aumento da populao nas periferias, onde mais deficiente a oferta de servios de transporte, devido s longas distncias e baixa densidade populacional, concorrendo para deteriorao das condies de mobilidade das populaes mais pobres. Isso tudo coloca o desafio da soluo dos problemas de transporte para a populao de baixa renda e dos segmentos sociais mais vulnerveis sem comprometimento da sustentabilidade econmica da oferta dos servios. A eqidade deve ser um objetivo das polticas de transportes urbanos. Porm, as empresas devem operar visando eficincia e competitividade, principalmente em relao ao transporte individual motorizado. Os objetivos sociais fixados pela sociedade devem ser financiados pelos governos, diretamente para os usurios mais pobres, e de forma transparente.

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PARTE III - OS ESTUDOS DE CASO 1. Resumo dos casos estudados Os relatrios completos dos estudos de caso Porto Alegre, So Paulo e Goinia constam no CDROM em anexo. Nesta seo so apresentados resumos que antecedem e introduzem as anlises gerais relatadas em seguida, na prxima seo.1.1. O caso de Porto Alegre

O estudo de caso de Porto Alegre privilegiou as mudanas organizacionais introduzidas a partir de 1998, que tiveram o seu eixo principal na organizao da operao por bacias e na criao de consrcios de empresas para oper-las.

CARACTERSTICAS GERAIS DOS SISTEMAS DE TRANSPORTE PBLICO DE PORTO ALEGRE O sistema de transporte pblico no mbito do Municpio de Porto Alegre, RS, composto pelo modo rodovirio, que compreende o sistema nibus (dividido em dois subsistemas: municipal e metropolitano), o sistema lotao, e pelo modo metro-ferrovirio. O sistema metro-ferrovirio gerenciado e operado pelo governo federal, por intermdio da Trensurb e atende ao Eixo Norte da Regio Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), por duas linhas com extenso total de 33,8 km. A demanda atual da ordem de 145 mil passageiros/ dia, embora sua capacidade de transporte seja de 300 mil passageiros/dia. No Municpio de Porto Alegre, o sistema de nibus urbanos composto de 249 linhas, operadas com uma frota de 1.597 veculos, com idade mdia entre quatro e seis anos, que atende a uma demanda da ordem de 950 mil passageiros/dia com, aproximadamente, 25 mil viagens/dia, o que corresponde a um ndice de Passageiros por Quilmetro (IPK) de 2,3 (dados de 2003). Ainda no mbito municipal, o sistema de lotao opera com uma frota de 403 micronibus, com capacidade de 21 lugares. Estima-se que este sistema possa transportar cerca de 2 mil pass./h/faixa/sentido de deslocamento. O sistema de lotao tem funcionado como servio ora alternativo, ora complementar aos nibus, conforme as condies operacionais, hora do dia ou itinerrio, e opera com veculos em condies de trfego misto. O sistema de lotao apontado como um dos principais fatores da baixa incidncia do transporte informal em Porto Alegre, que, juntamente com a boa qualidade da prestao dos servios (nibus novos e limpos, veculos com ar condicionado, piso rebaixado), a boa cobertura da rede de transporte e a capacidade de fiscalizao dos rgos gestores, tanto o municipal quanto o estadual (particularmente aps a municipalizao do trnsito em 1998), tm contribudo para inibir o crescimento da informalidade. Bacias e consrcios operacionais

Antes de adotar o modelo de operao por bacias, o sistema de transporte coletivo municipal de Porto Alegre era caracterizado por uma intensa sobreposio de itinerrios, com grande parte das viagens ociosas, o que acarretava a saturao do sistema virio na rea central, alm de provocar uma sobreposio de itinerrios e empresas nos principais eixos de trfego. Em 1998, o sistema municipal de nibus urbano foi organizado em bacias operacionais, compreendendo quatro reas de operao (Sul, Norte, Sudeste/Leste e pblica). As bacias Sul, Norte e Sudeste/Leste so operadas, cada uma, por um consrcio de empresas privadas, sendo que as linhas22

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internas rea central (linhas circulares), as transversais (entre bacias) e algumas linhas radiais internas s bacias, constituem a bacia pblica, operada por uma empresa pblica, a Carris. A formalizao desse novo modelo operacional s ocorreu em 2000 com a edio do Decreto Municipal no.12.989/2000. A mudana teve os seguintes objetivos: a) racionalizar a rede de linhas, de forma a eliminar as sobreposies de itinerrios e as viagens ociosas; b) ampliar a rea de atendimento, em especial para zonas mais remotas e perifricas; c) reduzir os custos operacionais das empresas; d) melhorar o nvel de servio das linhas; e) melhorar o relacionamento entre as operadoras e o rgo gestor; e f ) diminuir os problemas de coordenao ou custos de transao. e) diminuir os problemas de coordenao ou custos de transao. No existe atualmente um contrato formal entre as operadoras privadas e o poder concedente. Faltam definies claras sobre questes de fundamental importncia na organizao do servio, em especial o papel da operadora pblica que no est integrada operao das bacias operacionais e detm a preferncia na operao de linhas do tipo transversais e circulares, situao que tem sido questionada pelas operadoras privadas , o carter da licitao do futuro sistema e a implantao da bilhetagem eletrnica.Outras caractersticas

A Empresa Pblica de Transporte e Circulao (EPTC) o agente pblico responsvel pela gesto, fiscalizao, planejamento do sistema, a includas a funo de definir as reas dos consrcios e a definio dos parmetros de qualidade, alm de outras funes como fiscalizar o trnsito municipal, o transporte escolar e os servios de txis. As operadoras privadas so encarregadas de garantir o cumprimento dos padres de qualidade estabelecidos, a confiabilidade dos servios e a qualidade da frota, buscando aumentar os ganhos de produtividade. Com relao operadora pblica (Carris), destacam-se como principais funes: testar tanto novas tecnologias veiculares quanto sistemas de operao, e, quando necessrio, operar em situaes de interrupo ocasional da oferta regular. A entidade de classe que representa as operadoras a Associao dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), que tem-se feito cada vez mais presente em todos os processos que exigem a participao e decises que envolvam o interesse dos consrcios, assumindo funes de organizao das operadoras privadas junto ao poder pblico. A remunerao dos operadores tem como nica fonte de financiamento a tarifa cobrada dos usurios pagantes do sistema. O clculo tarifrio feito com base no custo mdio, cuja metodologia utiliza o sistema de cost plus. So utilizados diversos parmetros operacionais baseados em recomendaes tericas. Porm, recentemente a prefeitura vem fazendo um trabalho de reavaliao desses parmetros no que se refere ao desgaste de pneus e ao consumo de combustvel. Verifica-se que o percentual de aumento da tarifa tem sido superior ao do IGP-M uma explicao deste fato est relacionada com a constante perda da demanda pelos servios. Com relao poltica tarifria, destaca-se a utilizao do passe livre em um domingo por ms. Neste dia os usurios podem utilizar os servios sem pagar tarifa. Embora os custos desta iseno estejam embutidos no clculo tarifrio, o passageiro percebe esta gratuidade como uma vantagem sobre o empresrio privado. Nesse sentido, a prefeitura fez alguns esforos para informar populao de que este benefcio est includo no preo da passagem. A criao do passe livre teve como objetivoRegulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso23

permitir o acesso da populao de baixa renda a locais de lazer (praas, parques). A demanda nos dias de vigncia do passe livre sobe bastante, embora se observe que alguns usurios regulares tm evitado usar o transporte coletivo nesses dias, alegando como motivo a insegurana dentro dos veculos. No que se refere ao cumprimento de viagens e de horrios, o desempenho do sistema de transporte coletivo de Porto Alegre totalmente monitorado pelo Sistema de nibus Monitorado Automaticamente (Soma). O estmulo qualidade e produtividade do sistema previsto formalmente no arcabouo legal-institucional do modelo de operao por bacias. Contudo, os mecanismos especficos para tal fim, dentro de um cenrio no qual as empresas detm percentuais fixos da receita, ainda no foram definidos e implementados. Em Porto Alegre existem duas instncias de participao social: as Comisses de Transporte e Trnsito (CTT), criadas no mbito do Oramento Participativo, que j esto bastante consolidadas e na qual so apresentadas demandas, crticas e reivindicaes da populao sobre questes de competncia da Empresa Pblica de Transportes Coletivos (EPTC), e o Conselho Municipal de Transporte, instncia no mbito institucional formalmente organizada, com o objetivo de debater os problemas do servio. Em sua composio participam representantes de vrios segmentos da sociedade. A avaliao que se faz das formas de participao e controle social que as instncias institudas tm contribudo para a melhoria da performance do sistema, alm de influrem no controle sobre seus agentes, embora este controle no seja realizado a partir da mensurao de indicadores de desempenho ou avaliao sistemtica de resultados. Identificam-se duas categorias de investimentos no setor: a primeira, a cargo da iniciativa privada, diz respeito aos investimentos em renovao do material rodante em funo do prazo de depreciao de dez anos estabelecido na planilha de custos. A segunda categoria est relacionada com os investimentos de responsabilidade do setor pblico, que se referem a melhorias do sistema virio e implantao de equipamentos de suporte ao transporte coletivo; estes so definidos a partir de processos de escolha popular no mbito do oramento participativo. As fontes de financiamento disponveis so o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) e o Programa Pr-Transporte do Ministrio das Cidades. H necessidade de investimentos na complementao da malha viria e de equipamentos de suporte ao sistema (abrigos, paradas e terminais), na organizao do rgo gestor (aparelhamento da fiscalizao e implantao de sistemas de monitoramento e controle do sistema) e na modernizao do sistema de bilhetagem automtica que est em andamento. No contexto do modelo adotado no sistema de transporte de Porto Alegre, o estudo de caso analisou o comportamento da demanda de passageiros, tomando-se como referncia os anos de 1996 a 2002. No perodo, a tendncia foi de queda, especialmente do passageiro que paga em dinheiro, com uma reduo de aproximadamente 24%. Esta tendncia, aliada poltica de isenes adotada, tem sido apontada como a principal causa dos aumentos das tarifas, que por sua vez acaba por expulsar do acesso aos servios as parcelas mais pobres da populao. Estima-se em 15% a parcela dos usurios que gozam de gratuidades, cujo impacto no valor final da tarifa da ordem de 17%. A concesso de gratuidades sem fonte de financiamento tem sido questionada pelos agentes do sistema. O rgo gestor est com uma proposta de associar a concesso do benefcio condio de renda do usurio. O vale transporte representa hoje 48% dos passageiros, mas as vendas tm cado sistematicamente. So apontados como fatores que explicam essa tendncia de queda a precarizao dos mercados de trabalho, com o aumento de deslocamentos a p, e a gratuidade. Contudo, do ponto de vista da oferta de servios, a operao por bacias incentivou a racionalizao em relao superposio de viagens e a ampliao da rede para regies no atendidas, situao que possibilitou a ampliao do atendimento sem o aumento dos custos de operao na mesma proporo do aumento da oferta de servios. Os resultados podem ser comprovados no grfico apresentado a seguir.24

Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso

GRFICO 2Crescimento Mdio Anual da Frota, Quilometragem Percorrida e Nmero de Linhas, Antes e Depois da Operao por Bacias

Fonte: Dados cedidos pela EPTC/Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA), 2004.

Aspectos positivos e negativos

O modelo de operao por bacias adotado em Porto Alegre apresenta, por um lado, pontos positivos e, por outro, lacunas que precisam ser resolvidas. Dentre os aspectos positivos destacam-se: :: racionalizao do sistema, tanto no aspecto operacional quanto no de planejamento; :: melhoria no relacionamento institucional entre o rgo gestor e as operadoras privadas; e :: maior agilidade nos atendimentos s demandas sociais, como mudanas de itinerrio e ampliao da oferta. As lacunas existentes no modelo, que podem comprometer seu sucesso, esto relacionadas com os seguintes fatores: :: permanncia de uma concorrncia interbacias nas reas de sombreamento das interfaces, que levam ao aumento desnecessrio da oferta, concorrendo para manter, pelo menos em parte, as ineficincias existentes; :: falta de medidas regulatrias de estmulo eficincia e inovao; e :: enfrentamento da questo metropolitana e integrao modal (nibus municipais, metropolitanos e o metr). Verifica-se que fatores exgenos ao modelo esto progressivamente anulando os ganhos operacionais obtidos, como a crescente motorizao privada e o crescimento do valor dos insumos setoriais superiores inflao mdia. Por sua vez, o modelo apresenta falhas ao no inovar em aspectos relevantes, como o regime de prestao de servio, a distribuio de riscos ou as formas de remunerao que se mantiveram exatamente como antes. necessrio que medidas sejam tomadas para a correo de rumos, quais sejam: :: no curto prazo, necessrio desenvolver medidas para estimular a competitividade sistmica entre as empresas operadoras, implementar um sistema de cobrana eletrnico, e modernizar o rgo gestor; :: no mdio-longo prazo, fundamental reorganizar as relaes contratuais, por meio de processo licitatrio, aprofundar o planejamento estratgico e desenvolver uma conexo entre projetos de transporte da Regio Metropolitana e do Municpio de Porto Alegre.Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso25

Assim, apontam-se como desafios futuros: a modernizao institucional, a estabilidade regulatria, o redesenho do modelo operacional, a redefinio do papel da empresa pblica e a soluo da questo metropolitana. 1.2. O caso de Goinia O estudo de caso de Goinia teve como foco as mudanas institucionais e organizacionais introduzidas a partir de 2001 e que tiveram os seus eixos principais na criao de um sistema metropolitano de gesto do transporte pblico, na organizao da operao por reas geogrficas, no estabelecimento de acordos operacionais entre grupos de empresas para oper-las e na reestruturao da rede de linhas.CARACTERSTICAS GERAIS DO SISTEMA DE TRANSPORTE PBLICO DA REGIO METROPOLITANA DE GOINIA A Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC) abrange dez dos onze municpios que compem a Regio Metropolitana de Goinia (RMG), alm de outros seis municpios vizinhos, envolvendo uma populao total de aproximadamente 1,7 milho de habitantes. Goinia, enquanto centro econmico e demogrfico, caracteriza-se como principal plo de gerao e atrao de viagens da RMTC. A gesto do sistema de transporte coletivo de Goinia passou por trs fases caractersticas: de 1937 at 1975 a gesto foi exercida pelo poder pblico municipal; de 1976 a 2001, a gesto torna-se estadual, com a criao da Transurb, empresa pblica da esfera estadual que passou a operar e tambm cuidar da gesto de servios de transporte de um conjunto de municpios que integravam a ento aglomerao urbana de Goinia. A partir de 2001, com a instituio da entidade gestora da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos, que congrega agentes dos poderes executivos municipais e estadual, a gesto passou a ser metropolitana. A atuao dos informals em Goinia comeou por volta de 1999 entre este perodo e o ano 2000 estima-se a operao de cerca de 300 veculos do tipo vans e kombis. Em 2001, foi institudo, pela Agncia Goiana de Regulao (AGR), o transporte alternativo com 743 transportadores autnomos, operando, por meio de micronibus, 74 linhas de um sistema independente denominado Microsit, de forma sobreposta e concorrencial ao Sistema Integrado de Transportes da RMTC. Como resultado dessa ao, o sistema convencional reduziu a sua participao no mercado, pois os autnomos circulavam apenas em regies e corredores de alta demanda, em geral sobrepondo linhas j operadas pelo sistema convencional, que, por comporem um Sistema Integrado com transbordo compulsrio, acabou perdendo demanda para o Microsit. Isso desencadeou uma expressiva queda de produtividade no sistema, ocasionando um processo de desestabilizao econmica e financeira nas empresas. Modelo de gesto e reestruturao dos servios

Buscando uma nova forma de relacionamento, foi concebido o novo modelo de gesto, objeto do estudo de caso. O modelo pressupe a integrao dos poderes pblicos municipal e estadual por meio da Cmara Deliberativa Transportes Coletivos (CDTC) e da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), empresa pblica, com 25% para o Estado de Gois, 50% para Goinia e 25% para os demais municpios da RMTC. A concepo deste modelo foi baseada nos seguintes objetivos: a) estruturao e coordenao dos servios regular e alternativo; b) modificao da rede de transporte, com novos locais de integrao, racionalizao do uso dos terminais e ampliao da oferta (ligaes diretas entre bairros e o centro); e c) reorganizao institucional da gesto pblica dos servios. Em 2002 teve incio a implantao do projeto de reestruturao do transporte coletivo, o qual teve como primeira ao a definio do zoneamento da rede. Do ponto de vista institucional, as26

Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso

relaes entre as operadoras privadas e o poder concedente esto ancoradas em um contrato formal, que foi objeto de aditamento em 2002. As autorizaes emitidas aos operadores autnomos foram revogadas. Est prevista uma licitao, mas ainda no h definio sobre os critrios de seleo. Estimase, contudo, a publicao de seu edital at o segundo semestre de 2005, com previso de incio de operao pelos vencedores para o comeo de 2006. Quanto ao modelo operacional e de gesto, at o momento, o que se discute a manuteno da experincia em andamento. Para efeito da organizao dos servios, a Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC) foi dividida em sete reas geogrficas, sendo uma zona central e seis zonas perifricas. Cada uma das seis zonas perifricas constitui uma rea de operao de servios de transporte coletivo com duas empresas concessionrias, cuja atuao regulada a partir de um acordo operacional estabelecido entre elas e operadores autnomos organizados em duas cooperativas. Na zona central, caracterizada pelo centro expandido de Goinia, no existe privilgio de operao: nela operam todas as empresas concessionrias. Os servios esto organizados em dois subsistemas integrados e complementares: 1) o subsistema estrutural, operado pelas empresas concessionrias, de natureza arterial ou concentrador de demanda, opera com veculos de mdia e alta capacidade, trafegando nos principais corredores, realizando ligaes interzonais por meio de linhas do tipo eixo radial, perimetral, semi-expressa, expressa, circular e semi-urbana; e 2) o subsistema local, operado por condutores autnomos, com caracterstica de distribuio, opera com veculos de mdia e baixa capacidade, que trafegam prioritariamente por vias secundrias, e operam as ligaes dos bairros ao eixo do subsistema estrutural, atendendo s viagens intrazonais por meio de linhas do tipo complementar e alimentador. O sistema integrado fsica e tarifariamente, sendo estruturado na operao de catorze terminais, oito pontos de conexo e um eixo estrutural (Anhanguera). Conta atualmente com 235 linhas, operadas por uma frota de 1.427 veculos, sendo 348 do Subsistema Local e 1.079 do Subsistema Estrutural, que atende uma demanda de cerca de 20 milhes de passageiros por ms (dados de julho/2004).Outras caractersticas

O processo de rearranjo institucional para a gesto dos servios pblicos de transporte coletivo na Regio Metropolitana de Goinia foi estabelecido oficialmente a partir da criao da Regio Metropolitana e da instituio do Conselho de Desenvolvimento (Codemetro), ao qual est vinculada a Cmara Deliberativa do Transporte Coletivo (CDTC). A CDTC o poder concedente e representa o Estado de Gois e os municpios constituintes da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC). A entidade gestora da RMTC a Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC), com atribuio de planejar e fiscalizar a operao e a prestao dos servios pelos operadores pblicos e privados. Noventa porcento da operao dos servios so de responsabilidade do setor privado que est dividido em oito concessionrias (Rpido Araguaia com 34%; HP Transporte com 21%; Guarany Transportes com 8%; Reunidas com 4%; e Parana e Leste com 2%) e duas cooperativas de autnomos (Cootego e CTC) que respondem por 21% do sistema. Os 10% restantes so operados por uma operadora pblica, a Metrobus, responsvel pela operao do eixo estrutural Anhanguera. O sindicato das empresas (Setransp) opera o sistema de bilhetagem, inclusive a comercializao dos bilhetes. A nica fonte de financiamento da operao proveniente da receita tarifria. A receita tarifria controlada pelo Setransp, por meio de contrato de outorga entre este, as operadoras e o poder pblico. O Setransp opera o sistema de bilhetagem automtica, e o Sistema Inteligente de Tarifao de Passagens (Sitpass) comercializa as passagens e concentra a receita em um caixa nico. Os validadores instalados nos veculos registram o quantitativo e o tipo de passageiro que cada operadora transporta. No final do dia o Sitpass, operado pelo Setransp, contabiliza a arrecadao do sistema e distribui pelas operadoras conforme as informaes registradas. Diariamente so emitidas as faturas e o repasse feito sempre um dia aps a arrecadao.Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso27

Os autnomos, que participam do sistema integrado, tiveram sua remunerao definida na Deliberao no. 21 de 2002, da CDTC, no valor fixo de R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais), para uma produo mdia de 8 mil km por ms, pagos pelas empresas concessionrias. Com relao poltica tarifria, existe uma estrutura por anis, destacando-se a implantao do bilhete temporal, com durao de 30 dias, que permite a utilizao de seis viagens por dia (no acumulativas). So concedidas isenes, por meio do bilhete Passe Livre, a portadores de deficincia, idosos, funcionrios do SIT-RMTC e outros (representam 10% dos usurios); estudantes usufruem um desconto de cerca de 83% (representam 20% dos usurios). O vale-transporte responde por 45% das viagens e o usurio comum, por 25%. Embora o sistema conte com um regulamento recm-aprovado e em aplicao, a CMTC no conta com avaliao e controle de desempenho dos servios e operadores. A companhia, atualmente, est envolvida com um processo de ajuste da operao e tem como meta de curto e mdio prazos instituir estes mecanismos, com o objetivo de atuar de forma direta e eficiente na garantia da qualidade do servio prestado. Contudo, no existe uma forma organizada de participao e controle social. Em Goinia a participao comunitria tem sido realizada de forma superficial. Durante o processo de implantao do projeto de reestruturao e do plano de reordenao, utilizou-se a estrutura do Oramento Participativo para apresentao e discusso com a comunidade. Ressalta-se que, as demais reivindicaes so realizadas via associaes de bairro, que protocolam as solicitaes e reclamaes na ouvidoria da CMTC, que vem tentando, medida do possvel, retornar comunidade para discusso das questes apresentadas. No contexto do modelo adotado no sistema de transporte de Goinia, o estudo de caso analisou o comportamento da demanda de passageiros, tomando-se como referncia os anos de 1999 a 2004. No perodo constatou-se um aumento de mais de 11% na demanda transportada por ano. Entretanto, no se realizou nenhum estudo de avaliao do acesso da populao de baixa renda.Aspectos positivos e negativos

O modelo de operao por bacias adotado em Goinia apresenta tanto pontos positivos quanto lacunas que precisam ser resolvidas. Dentre os aspectos positivos, destacam-se: :: retomada da gesto pblica frente a mais de cinco anos de sua ausncia no planejamento e no controle do transporte coletivo; :: otimizao da frota e da produo quilomtrica, com reduo de 15% no percurso mdio mensal de 2000 a 2004, o que representa uma diminuio significativa nos custos de operao. S foi possvel efetivar esta otimizao, sem reduo da oferta, a partir da integrao dos dois servios (regular e complementar), com a substituio dos nibus por micro nas linhas de menor demanda no subsistema local, e a expanso da rede integrada; :: aumento da demanda da ordem de 11% entre o ano de 1999 e 2004; e :: reduo do impacto negativo no tecido urbano, ocorrido com a reestruturao do transporte, que propiciou uma significativa diminuio do volume de veculos de transporte coletivo nas principais vias da cidade, do nmero de acidentes de trnsito e atropelamentos na faixa de pedestres, alm da poluio do ar. As lacunas existentes no modelo, que podem comprometer seu sucesso, esto relacionadas com os seguintes fatores: :: garantia de fonte de recursos para custeio da CMTC, a fim de que este rgo possa desempenhar as funes que lhe foram atribudas, em especial as relativas instalao, construo, manuteno, conservao e limpeza dos equipamentos e mobilirio urbano para o transporte coletivo; :: redefinio do processo de participao comunitria; :: incluso das camadas da populao no atendidas pelos servios de transporte pblico;28

Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso

:: capacitao tanto da CMTC, visando melhoria da gesto, como dos cooperados do subsistema local, visando melhoria na prestao dos servios; :: retomada dos investimentos em infra-estrutura; :: integrao do planejamento do metr de Goinia ao Plano Diretor de Transporte; :: realizao de um processo licitatrio amparado por marco regulatrio e instrumentos adequados, objetivando a eficincia e a eficcia social do sistema; e :: garantia da viabilidade econmica do sistema e sua sustentabilidade na licitao. Ser necessria a adoo de diversas medidas no processo de regulamentao e organizao do servio de transporte coletivo urbano, tais como: :: projeto de reestruturao prevendo melhorias quanto aos indicadores de qualidade do servio; :: regulamentao com o objetivo de fazer com que os provedores atuem de forma eficiente e produtiva; para que a eficincia seja alcanada, o poder pblico pode estimular a competio entre potenciais e atuais operadores; :: processo de licitao com a finalidade de forar as empresas operadoras a dotarem estratgias de reduo de custos e aumento de qualidade dos servios. 1.3. O caso de So Paulo O estudo de caso de So Paulo foi centrado nas mudanas regulatrias introduzidas a partir da publicao da Lei Municipal no. 13.241, de 12/12/2001, que definiu a forma de organizao dos servios do sistema de transporte coletivo urbano de passageiros na cidade de So Paulo, e que tiveram o seu eixo principal na organizao da operao por reas, na organizao institucional e no modelo de delegao dos servios.CARACTERSTICAS GERAIS DO SISTEMA DE TRANSPORTE PBLICO DE SO PAULO A Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) composta de 39 municpios que ocupam uma rea de 8.051 km correspondente a 0,1% do territrio brasileiro e 4% da rea do Estado de So Paulo. Abriga uma populao de 17,8 milhes de habitantes, que corresponde a 10,5% da populao brasileira, sendo que, destes, 61% residem na capital. O conjunto das atividades socioeconmicas e culturais da regio gera necessidades de viagens, que totalizam o transporte de cerca de 300 milhes de passageiros/ms, atendidos por duas esferas de governo, a estadual e a municipal, com a seguinte distribuio: - Transporte Municipal (capital): - Transporte Municipal (outros municpios da RMSP): - Transporte Metropolitano: 45% das viagens 10% das viagens 45% das viagens

O transporte municipal constitudo pelo modo rodovirio, sendo gerenciado pela Prefeitura Municipal de So Paulo, por intermdio da So Paulo Transportes (SPtrans), e o transporte metropolitano engloba os modos rodovirio e metro-ferrovirio, sendo coordenado pelo governo do estado, por meio da sua Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Os servios de transporte coletivo so prestados diretamente pelo poder pblico, no caso dos servios metro-ferrovirios, ou indiretamente, via empresas privadas, no caso dos servios de transporte coletivo por nibus. No mbito municipal, o sistema de nibus urbanos composto por aproximadamente 1290 linhas, operadas com uma frota de 7500 nibus (articulados, biarticulados e comuns), operados por empresas, e 6200 veculos de menor porte, operados por transportadores autnomos, que, juntos, atendem a uma demanda da ordem de 3,8 milhes passageiros/dia (dados de 2003).Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso29

Modelo de gesto e reestruturao dos servios

O contexto em que se inseriu a mudana do quadro institucional e regulatrio do sistema de transporte pblico no Municpio de So Paulo apontava para uma situao crtica, marcada especialmente pelas seguintes questes: :: queda da renda do usurio, o que implicou um aumento dos ndices de evaso de passageiros, ameaando a sustentabilidade financeira do sistema; :: a proliferao do transporte informal, que estava atingindo nveis de selvageria em alguns momentos, passando da informalidade, avanando para a ilegalidade e entrando para a criminalidade, gerando por fim enfraquecimento do sistema e situao de conflito permanente; :: qualidade da prestao dos servios em crescente deteriorao; e :: instabilidade institucional, que acarretou um quadro de sucateamento, com ocorrncia de vrios processos de greves muitas vezes financiadas pelos operadores, e de conflitos com o poder pblico. O modelo proposto contemplou a modelagem da licitao para delegao dos servios, as bases das relaes institucionais dos setores pblico e privado e a organizao operacional e territorial. As mudanas propostas buscaram atingir os seguintes objetivos: a) interrupo do fluxo de perda de passageiros, com a recuperao dos passageiros perdidos para outras modalidades de locomoo; b) atendimento aos novos padres de deslocamento da populao e melhoria da qualidade do servio; c) reduo dos custos operacionais; e e) reduo dos riscos de insolvncia econmica da atividade. O novo modelo de delegao previu a diversificao da oferta e da estrutura competitiva, com a absoro pelo sistema de parcela dos autnomos e informals que operavam margem do sistema regular. Assim, para efeito de delegao, os servios foram organizados por reas de operao hierarquizadas de forma a orientar a segmentar o mercado, evitando sobreposio de servios e linhas. A cidade foi dividida em oito reas, que constituem a referncia para a definio dos lotes de delegao. As reas funcionam como bacias de escoamento do fluxo de passageiros pelos principais eixos virios da cidade. Essas reas convergem para o centro da cidade, local que ainda o de maior atrao do nmero total de viagens. Por isso a rea central no se configura como um lote autnomo, sendo considerada como local de entroncamento das oito reas pr-definidas. O sistema tem com principal objetivo oferecer aos passageiros uma rede interligada que permita menos espera nos pontos, maior conforto, trajetos mais curtos e viagens mais velozes. Assim, foi dividido em dois subsistemas: o estrutural e o local, conforme resumido a seguir. 1. subsistema estrutural: a malha estrutural favorece uma maneira mais eficiente de se deslocar pela cidade. O novo sistema permitir que o passageiro pegue rapidamente um veculo que o leve at um ponto estratgico de integrao, a partir do qual ele poder reorientar seu deslocamento pela cidade, ampliando assim a sua mobilidade. Em vez de concentrar todos os destinos finais dos veculos nas ruas do centro da cidade, a proposta segmentar e interligar os servios. Essa reestruturao permite que o usurio monte suas viagens percorrendo sucessivos trechos em diferentes veculos com uma nica tarifa, at o limite de trs trechos no mesmo sentido. Segundo a concepo do sistema, o subsistema estrutural precisa dispor de transporte de mdia e alta capacidade.30

Regulao e organizao do transporte pblico urbano em cidades brasileiras: estudo de caso

2. subsistema local: o subsistema local tem como objetivo a integrao entre os bairros de uma mesma regio com trajetos curtos e mais baratos do que os praticados atualmente. Estas linhas so chamadas de regionais locais, e embora trafeguem pelas mesmas vias das linhas estruturais, atendem apenas s demandas de curta distncia, como qualquer outra linha local. O modelo implantado traz implicitamente a criao de dois padres de operadores: as empresas ou consrcios responsveis pelo subsistema estrutural e os operadores autnomos (organizados em cooperativas), responsveis pelo subsistema local.Outras caractersticas

Em So Paulo existe contrato formal entre as operadoras e o poder concedente, resultado de um pro