Revista de Direito Público e Regulação maio 2009

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FICHA

TCNICA

Director Vital Moreira

Director Adjunto Pedro Gonalves

Secretria de Redaco Ana Cludia Guedes

Proprietrio Centro de Estudos de Direito Pblico e Regulao (CEDIPRE)

Editor Centro de Estudos de Direito Pblico e Regulao (CEDIPRE)

Morada Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Ptio da Universidade 3004 545 Coimbra Portugal

NIF 504736361

Sede da Redaco Centro de Estudos de Direito Pblico e Regulao (CEDIPRE)

N do Registo da ERC 125642

ISSN 1647 2306

Periodicidade Bimestral

S U M R I O

Apresentao .................................................................................... 3

Actualidade ....................................................................................... 5Contratao pblica e fundos comunitrios .................................................. 5 BERNARDO AZEVEDO | Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra Breves notas a propsito do novo regime da RAN ........................................ 9 CARLOS CARVALHO | Juiz Desembargador do TCAN O contrato de prestao de servios na Lei 12 A/2008, de 27 de Fevereiro: um regime contrrio Constituio e ao Direito Comunitrio ................... 17 LICNIO LOPES MARTINS | Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra Um caso exemplar de degradao da autonomia municipal ...................... 23 PEDRO GONALVES | Professor da Faculdade de Direito de Coimbra Restries participao em procedimentos de contratao pblica ........ 27 RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA | Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra

Doutrina .......................................................................................... 35Contratao Pblica a duas velocidades: a transposio da Directiva 2007/66/CE .................................................................................................. 35 ADOLFO MESQUITA NUNES | Advogado Notas sobre a antecipao do juzo sobre a causa principal (um comentrio ao artigo 121 do CPTA) ................................................... 55 DORA LUCAS NETO | Juza de Direito do TAC de Lisboa A indemnizao por sacrifcio ...................................................................... 63 FERNANDO ALVES CORREIA | Professor da Faculdade de Direito de Coimbra Publicidade e Segredo no Conselho de Estado ............................................ 77 J. C. Vieira de Andrade | Professor da Faculdade de Direito de Coimbra O princpio democrtico sob a presso dos novos esquemas regulatrios . 99 J. J. GOMES CANOTILHO | Professor da Faculdade de Direito de Coimbra O novo direito do urbanismo .................................................................... 109 SUZANA TAVARES DA SILVA | Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra

Informaes ................................................................................. 121

www.fd.uc.pt/cedipre

O direito no uma narrativa, todavia, mostra se tambm pela narrativa. Nos dias de hoje, o direito narrado fundamentalmente atravs de trs grandes eixos: a narrativa legislativa; a narrativa jurisprudencial e a narra tiva doutrinal. esta narrativa doutrinal que nos interessa neste momento. A doutrina do direito tem se feito at aos tempos de hoje, sobretudo depois de Gutenberg, atravs dessa coisa mgica que se chama livro (sendo certo que a revista ou publicao peridica nada mais do que um outro nome para o livro). No entanto, as coisas mudaram radicalmente e quando se diz radicalmente no se quer fazer figura de estilo, mas antes traduzir a essn cia das coisas. A informao, o saber, veicula se, hoje, j no pelo clssico suporte fsico a que chamamos papel mas, muito particularmente, pela dimenso virtual que os fluxos informticos so capazes de traduzir no ecr do mais remoto e incgnito dos computadores. O saber, a informao com tudo o que isto implica de extraordinrio, complexo e, simultaneamente, catico chegam nos, nos tempos que cor rem, atravs da web e chegam nos da forma mais descomprometida: pelo acesso que um simples computador faz rede global. Por isso tem todo o sentido que a doutrina jurdica narre criticamente o direito por meio de uma revista on line. Bem andou por isso o CEDIPRE e todos aqueles que, de uma forma empenhada, lcida e inovadora, esto sua frente. Bem andou o CEDIPRE em iniciar a publicao de uma revista on line. Por aqui se mos tra que a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra ou, se se quiser, um dos seus Institutos, se perfila na vanguarda da utilizao de um dos

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meios mais potentes e universais de levar a cabo a especfica narrativa do direito que a doutrina cristaliza. Perceber, analisar, desconstruir e construir o direito pode fazer se e deve fazer se das mais variadas formas. Fazer com que esse labor critico chegue cada vez mais a um nmero cada vez maior de pessoas tarefa da Acade mia e da Universidade. Faz lo atravs da rede no mais do que uma uti lizao inteligente daquilo que os meios tecnolgicos nos do. Faz lo atra vs da rede com uma revista on line no mais do que a afirmao de que h sempre mais mundo para alm do mundo que em um determinado momento nos dado conhecer ou, sequer, que ns pensamos conhecer.

O Presidente do Conselho Directivo,

Jos de Faria Costa

A P R E S E N T A O

Temos o grato prazer de apresentar uma nova revista jurdica portuguesa, criada e editada pelo Cedipre o seu nome Revista de Direito Pblico e Regulao. Apesar de ser um centro acadmico e de investigao ainda jovem, o Cedi pre j apresenta um curriculum preenchido, sobretudo nas matrias em que, nos ltimos anos, o direito pblico portugus sofreu mutaes de maior significado: regulao pblica, justia administrativa, contratao pblica e emprego pblico. Quer atravs da realizao de cursos de ps graduao, quer mediante a edio de vrias obras de investigao e de estudos, de carcter individual ou colectivo, o Cedipre tem procurado con tribuir para o fortalecimento e o enriquecimento da cincia do direito pblico em Portugal; de um modo particular, tem se revelado activo e empenhado em mobilizar esforos em todos os sectores em que as altera es legislativas vm reclamando uma maior exigncia de adaptao. No incio do ano de 2009, entendeu a Direco do Cedipre dar mais um passo, desta vez no sentido da criao e na edio de um peridico que se ocupe de alguma das vastas questes de direito pblico, de carcter subs tantivo e de carcter processual, que todos os dias se colocam nas adminis traes pblicas, nas autoridades reguladoras, nos tribunais, no ensino universitrio ou na praxis dos escritrios de advogados. preocupao da nova Revista de Direito Pblico e Regulao levar essas e outras questes para o espao pblico e abrir a todos os interessados uma plataforma de partilha de pontos de vista e de concepes sobre temas de direito pblico e regulao.Pgina

O panorama editorial portugus no sector dos peridicos jurdicos e, em especial, em certas reas do direito pblico apresenta edies de grande

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qualidade e interesse, que, alis, muito tm contribudo para a evoluo e divulgao do pensamento jurdico. nessa mesma linha, de qualidade e de sucesso, que a Revista tem a pretenso de se inserir, reivindicando, partida, a originalidade, no quadro portugus, de ter como suporte a edi o electrnica. A Revista tem uma publicao bimestral, editada on line e fica alojada na webpgina do Cedipre. A publicao de textos aberta a todos os interes sados pelos temas do direito pblico e da regulao e, na medida do poss vel, os autores so desde j incentivados a adoptarem um estilo informal, directo e pragmtico. Neste ponto, o objectivo de, pelo menos numa par te da Revista, se assentar num paradigma discursivo que, obviamente sem ceder ao simplismo, se revele, para os leitores, acessvel e directo e, para os autores, de elaborao simplificada e informal. A Revista conta com 3 seces: i) uma, intitulada Actualidade, que se ocu pa, em textos breves, de questes jurdicas suscitadas por novas leis, deci ses administrativas ou decises judiciais e que poder servir como supor te de uma espcie de interveno de cidadania sobre temas de Direito; ii) uma outra, com o ttulo Doutrina, que acolher textos mais longos, sobre questes doutrinais e, ou prticas que reclamam uma ateno mais cuida da ou desenvolvida; iii) por fim, uma terceira seco, dedicada a Informa es, que dar conta de novas obras dadas estampa, em Portugal ou no estrangeiro, bem como da realizao de eventos sobre temas relacionados com o direito pblico e a regulao; por outro lado, ainda nesta seco, ser dada notcia sobre leis e decises (administrativas e judiciais) relevan tes.

Vital Moreira Pedro Gonalves

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A C T U A L I D A D E

Contratao Pblica e Fundos Comunitrios

Bernardo de Azevedo Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra

A anlise da ntima relao que frequen temente se estabelece entre contratao pblica e fundos comunitrios, no obs tante as questes de relevante alcance prtico que inegavelmente coloca, tem sido, h que reconhec lo, praticamente votada ao abandono seja pela doutrina (nacional e estrangeira), seja, o que no deixa de ser ainda mais surpreendente, pela prpria jurisprudncia (a includa a do Tribunal de Justia da Unio Euro peia). No entanto, so vrios os aspectos que carecem de esclarecimento no contexto da apontada relao, sendo justamente em ordem a cumprir esse intento que se alinham, ainda que em termos necessa riamente abreviados, os comentrios que se seguem. A nossa anlise incidir, contudo e fun damentalmente, sobre duas ordens de questes, a primeira relativa influncia

que o co financiamento da actividade de determinadas entidades atravs de fun dos comunitrios poder exercer sobre a sua eventual qualificao enquanto enti dades adjudicantes ou, para sermos mais especficos, enquanto organismos de direito pblico, a segunda relativa pos svel submisso automtica de toda a contratao de obras, bens e servios no contexto de aces apoiadas pelos fun dos estruturais aos procedimentos adju dicatrios recortados na parte II do Cdi go dos Contratos Pblicos (CCP).Bernardo de Azevedo

Pelo que se refere primeira das ques tes acima identificadas, importa, antes do mais, evidenciar que a qualificao de uma entidade enquanto organismo de direito pblico, para efeitos da respecti va submisso aos procedimentos pr contratuais catalogados na parte II do CCP, depende, alm da sua personalida de jurdica e da prossecuo de fins de

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interesse geral sem carcter industrial ou comercial, da correspondente sujeio influncia dominante de qualquer uma das entidades pertencentes Adminis trao Pblica em sentido organizatrio clssico, conforme enunciadas nas al neas a) a f) do artigo 2., n. 1, do CCP. Esta influncia dominante, afere se, por sua vez, indiciariamente, mediante a verificao, alternativa, de uma das seguintes condies: a) financiamento maioritrio da res pectiva actividade por uma das enti dades elencadas nas alneas a) a f) do artigo 2., n. 1, do CCP; b) sujeio da sua actuao ao controlo de gesto de uma das entidades indicadas nas alneas a) a f) do artigo 2., n. 1, do CCP; c) designao da maioria dos titulares dos correspondentes rgos de administrao, gesto ou fiscalizao por uma das entidades individuali zadas nas alneas a) a f) do artigo 2., n. 1, do CCP. A linha de interseco entre os domnios da contratao pblica e dos fundos comunitrios repousaria justamente na relevncia (potencial) assumida pelo apoio dos fundos estruturais em ordem a dar por preenchido o primeiro dos requi sitos atrs enunciados financiamento maioritrio da actuao desenvolvida pelo organismo de direito pblico de que concretamente se trate por uma das

entidades recenseadas nas alneas a) a f) do artigo 2., n. 1, do CCP. Parece, contudo, aconselhvel uma leitu ra fortemente restritiva do preceito legal em anlise, que obrigue a que esse financiamento maioritrio da actividade do organismo de direito pblico especifi camente em causa provenha, forosa e directamente, dos oramentos das enti dades referidas expressis verbis nas al neas a) a f) do artigo 2., n. 1, do CCP. No basta, assim, enquanto condio de verificao dos pressupostos da referida previso legal que haja financiamento maioritrio por dinheiros pblicos (a includos os de provenincia comunit ria), antes se exigindo que os dinheiros pblicos que concorrem, maioritaria mente (em mais de 50%) para a relao de dependncia financeira normativa mente exigida, sejam exclusivamente de origem nacional. Dito em termos bem mais simples, finan ciamento comunitrio no equivale aqui a financiamento nacional. E isto porque, relativamente distribuio dos apoios comunitrios por entidades nacionais, o Estado e as demais entidades pblicas com responsabilidade nesse domnio se limitam a actuar exclusivamente a sua vocao de rgos de administrao indirecta da Unio Europeia. Ora, tal afasta imediatamente qualquer relao de dependncia efectiva entre as entidades beneficirias dos fundos comunitrios em equao e as autorida

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des nacionais responsveis pela sua atri buio, ao invs do que decorre, impera tiva e literalmente, do artigo 2., n. 2, do CCP e das prprias directivas comuni trias relativas matria da contratao pblica. Quanto sujeio automtica e necess ria de todas as entidades que beneficiem do apoios dos fundos estruturais s regras da contratao pblica pelo que concerne aos contratos de obras, bens e servios celebrados no contexto de aces co financiadas comunitariamen te, cabe, sobretudo, ressaltar o escasso contributo que imediatamente decorre das normas de direito positivo (nacionais e comunitrias) reguladoras da interven o dos fundos comunitrios. Em vo se intentar da extrair uma solu o definitiva para a questo em apreo, porquanto, em termos globais, o que temos uma remisso genrica para as normas da contratao pblica sempre que e desde que aplicveis. No choca, contudo, admitir que uma vez que est em causa a aplicao de fundos comunitrios haja a uma exign cia acrescida ou qualificada de respeito pelas normas da contratao pblica e isto ainda que nos confrontemos com entidades que no se inscrevam no

permetro de entidades adjudicantes normativamente delimitado pelo CCP a pretexto da definio do seu mbito sub jectivo de aplicao. Estaramos, deste modo, colocados perante a hiptese de aplicao do CCP, por parte destas entidades (equiparadas para o efeito a organismos de direito pblico), sempre que contratassem obras, bens ou servios no quadro do desenvolvimento de aces objecto de co financiamento comunitrio, sendo que no mais, isto , por relao a toda a sua restante actividade contratual, se encontrariam subtradas aplicao do diploma em causa. Obviamente que a soluo avanada merece, porventura, ponderao adicio nal e parece, at, ao menos de algum modo, ser desmentida pelo nico acr do do TJUE relativo matria, mas, ao menos em nosso entender, configura, apesar de tudo, a via mais adequada para, em face das hesitaes da lei e da jurisprudncia e do silncio da doutrina, colocar as entidades beneficirias de apoios comunitrios a salvo de eventuaisBernardo de Azevedo

decises de no certificao da elegibili dade da despesa apresentada por incumprimento das regras relativas contratao pblica.

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Breves notas a propsito do novo regime Reserva Agrcola Nacional

Carlos Lus Medeiros de Carvalho Juiz Desembargador do TCAN

Volvidos quase 10 anos de vigncia do DL n. 196/89, de 14.06, diploma que conti nha o regime da Reserva Agrcola Nacio nal (doravante RAN), veio o mesmo recentemente a ser revogado1 pelo DL n. 73/09, de 31.03, passando este a conter o regime jurdico da RAN. Esta destina se a defender as reas de maiores potencialidades agrcolas, ou que foram objecto de importantes inves timentos destinados a aumentar a sua capacidade produtiva, tendo como objectivo, nomeadamente, o progresso e a modernizao da agricultura portugue sa, modernizao essa que passa no apenas pelo pleno aproveitamento agr cola dos melhores solos e a sua salva guarda, mas que exige ou torna necess rio a existncia de exploraes agrcolas bem dimensionadas.

O novo regime legal publicado visou o aperfeioamento dos procedimentos de delimitao da RAN, procedimentos esses essenciais para a preservao do solo enquanto recurso natural finito e com uma multiplicidade de funes estratgicas relevantes na dinmica dos processos econmicos, sociais e ambien tais. Tal propsito deriva, desde logo, da sim ples leitura do prembulo do diploma em referncia quando ali se refere que atendendo no s sua escassezCarlos Lus Medeiros de Carvalho

como recursos naturais finitos, acrescem ao solo e terra funes nucleares na regulao do ciclo da gua e na manu teno da sua qualidade igualmente o ressurgir de aplicaes na produo de energia, como o caso dos biocombust veis, o papel fundamental na reduo das emisses de carbono, o suporte da biodiversidade, bem como a sua procura para actividades de lazer das popula es, com o acrscimo da sensibilidade ambiental por parte da sociedade e em

Cfr. artigo 49., al. a) do DL n. 73/09, de 31.03. Este diploma entrou em vigor 10 dias aps a data da sua publicao tal como decorre do n. 1 do seu artigo 50.

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especial no sector agrcola e florestal o solo passou a ser assumido como um recurso precioso, escasso e indispensvel sustentabilidade dos nossos ecossiste mas e salvaguarda do planeta. assim fundamental e estratgico, pelas profundas alteraes geopolticas que as sociedades actuais tm sofrido, pelo reflexo nas sociedades humanas e nos ecossistemas em geral que as alteraes climticas tm produzido, pela necessi dade da manuteno de condies estra tgicas bsicas de vida das populaes e da garantia da sustentabilidade dos recursos, que se promovam polticas de defesa e conservao dos terras e solos . Esta alterao legislativa tem como pres supostos fundamentais a manuteno da natureza jurdica da RAN enquanto res trio de utilidade pblica e o reforo da importncia estratgica da RAN, tal como deriva, nomeadamente, do regime que se mostra enunciado nos seus arti gos 2. (conceito) e 4. (objectivos). O regime agora aprovado introduz na ordem jurdica uma nova classificao das terras e dos solos2, a da metodologia da Organizao das Naes Unidas paraActualidade

teco dos recursos pedolgicos nacio nais, a qual j se encontra em aplicao em trs regies do Pas (Trs os Montes e Alto Douro, Entre Douro e Minho e Interior Centro), prevendo se a expanso dos trabalhos para assegurar uma cober tura nacional3. A RAN, nos termos previstos no artigo 8., integrada pelas unidades de terra que apresentam elevada ou moderada aptido para a actividade agrcola (clas ses A1 e A2 classificados nos termos enunciados no artigo 6.), sendo que na ausncia daquela classificao prevista, integram a RAN as reas com solos das classes de capacidade de uso A, B e Ch, previstas no n. 2 do artigo 7., as reas com unidades de solos classificados como baixas aluvionares4 e coluviais5, as reas em que as classes e unidades refe ridas anteriormente estejam maiorita riamente representadas quando em complexo com outras classes e unidades de solo. A integrao de terras e solos de outras classes na RAN pode ocorrer ainda nas situaes e condicionalismos enunciados no artigo 9. (integrao especfica)6, mormente, quando assumam relevncia3

a Agricultura e Alimentao (FAO/WRB), que permite uma nova abordagem na classificao e garante uma maior proCfr. artigos 6. (classificao das terras) e 7. (classificao dos solos) e anexos I) e II) do diploma em referncia, por contraposio com o regime vertido nos artigos. 2., n. 2 e 4. do DL n. 196/89 e seu anexo.2

Vide para alm do prembulo do DL n. 73/09 os seus artigos. 3., alnea e), 6. e anexos ao mesmo diploma. 4 Vide definio vertida sob a alnea n) do artigo 3. do DL n. 73/09. 5 Vide definio vertida sob a alnea o) do artigo 3. do DL n. 73/09. 6 Cfr., no anterior regime legal, o disposto no artigo 6. do DL n. 196/89.

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em termos de economia local ou regional e tenham sido submetidas a importantes investimentos destinados a aumentar com carcter duradouro a capacidade produtiva dos solos7 ou a promover a sua sustentabilidade, ou o seu aproveita mento seja determinante para a viabili dade econmica de exploraes agrco las existentes, ou assumam interesse estratgico, pedogentico ou patrimo nial. Tal integrao especfica pode ser efec tuada no mbito da elaborao, altera o ou reviso de plano municipal ou especial de ordenamento do territrio, podendo tambm ser determinada por despacho do membro do Governo res ponsvel pela rea da agricultura. Figuram como solos no integrados na RAN, nos termos que decorrem do artigo 10. do diploma em referncia, as terras ou solos que integrem o permetro urba no identificado em plano municipal de ordenamento do territrio como solo urbanizado, solos cuja urbanizao seja possvel programar ou solo afecto a estrutura ecolgica necessria ao equil brio do sistema urbano8. De harmonia ainda com o regime previs to no mesmo diploma, a delimitao da RAN ocorre no mbito dos procedimen tos de elaborao, alterao ou reviso

de plano municipal ou especial de orde namento do territrio9, tendo por base uma proposta do municpio aprovada pelas entidades competentes da Admi nistrao Central e ficando identificada na planta de condicionantes daqueles planos10, sendo que, em casos excepcio nais de relevante interesse geral, se pre v a possibilidade do Governo, uma vez ouvida a cmara municipal do municpio abrangido, poder alterar a delimitao da RAN a nvel municipal atravs de reso luo do Conselho de Ministros11. Consagra se no diploma objecto desta breve anlise o direito informao e participao de harmonia com o disposto no artigo. 19., sendo que no artigo antecedente se disciplina o regime da reintegrao na RAN de reas dela excludas, regime este sem paralelo no anterior regime. Assim, nos termos do artigo 18. do DL n. 73/09, as reas que tenham sido excludas da RAN so reintegradas, noCarlos Lus Medeiros de Carvalho

todo ou em parte, quando as mesmas no tenham sido destinadas aos fins que fundamentaram a sua excluso da RAN, se no prazo de cinco anos a obra ainda no se tiver iniciado (casos de excluso no mbito do artigo 17.); ou se no prazoCfr., no caso, o regime desenvolvido nos artigos 11., 13., 14. e 15. do DL n. 73/09. 10 Cfr., para mais desenvolvimentos, os Captulos IV (artigos 11. a 19.) e V (artigos 20. a 29.) do DL n. 73/09 por contraposio com o anterior regime decorrente do DL n. 196/89 (Captulo II, Seces I e II artigos 5. e seguintes). 11 Vide artigo 17. do DL n. 73/09.9

Vide definio vertida sob a alnea f) do artigo 3. do DL n. 73/09. 8 Vide, por contraposio, o regime anteriormen te previsto no artigo 7. do DL n. 196/89.

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para a execuo de plano municipal de ordenamento do territrio, quando a excluso tiver ocorrido no mbito da elaborao desse plano, a obra ainda no tiver sido iniciada, cabendo, neste caso, cmara municipal promover obri gatoriamente a alterao do plano muni cipal que contenha a delimitao nos termos do artigo. 97. do DL n. 380/99, de 22.09. Atente se que, nos casos de projectos com ttulo vlido para a sua execuo, aquela reintegrao s ocorre ou opera com a caducidade do ttulo12. Temos, por outro lado, que em matria de regime da RAN, o mesmo se mostra disciplinado no Captulo V, ali se elen cando as reas de afectao (artigo 20.)13, as aces interditas (artigo 21.)14, as regras de utilizao de reas RAN para outros fins (artigo 22.)15 com separao das situaes que esto sujei tas a parecer prvio (artigo 23.)16 e as sujeitas a comunicao prvia (artigoCfr. artigo 18., n. 2 do DL n. 73/09. Cfr., no anterior regime decorrente do DL n. 196/89, os artigos. 8. e seguintes. 14 Cfr., por contraposio, o anterior regime decorrente do artigo 8., n. 1 do DL n. 196/89. 15 Cfr., por contraposio, o regime previsto no artigo 9. do DL n. 196/89, o qual contm leque mais restrito de utilizaes. 16 Cfr., no anterior regime, o artigo 11. do DL n. 196/89, sendo que com o actual quadro normati vo e por contraposio com aquele anterior regime se opera uma clara reduo dos prazos procedimentais de deciso, mantendo se, toda via, a mesma consequncia j prevista no n. 3 daquele preceito do DL n. 196/89 para o decur so do prazo sem emisso de parecer, ou seja, considera se o mesmo como favorvel.13 12

24.)17 e com a especificidade das aces de relevante interesse pblico (artigo 25.), mantendo se, no essencial, o regime em sede de direito de preferncia (artigo 26.)18 e elevando se a unidade de cultura para efeitos de fraccionamen to (artigo 27. por contraposio com o artigo 13. do DL n. 196/89). Instituiu se, todavia, regime inovador e sem paralelo com o quadro previsto no DL n. 186/89 com a introduo duma comunicao oficiosa Administrao Fiscal19 nos casos em que a inutilizao de terras e solos para o exerccio da acti vidade agrcola se destine a construes e edificaes, e, ainda, duma regra de inalienabilidade para determinadas situaes (artigo 29.). De notar que nas situaes sujeitas a parecer prvio se mostra previsto no n. 10 do artigo 23. do DL n. 73/09 um quadro impugnatrio para os pareceres vinculativos desfavorveis ali se estipu lando que sem prejuzo da possibili dade de impugnao contenciosa, nos termos do Cdigo de Processo nos Tribu nais Administrativos, os interessados podem interpor recurso para a entidade nacional da RAN dos pareceres vinculati vos desfavorveis emitidos pelas entidaNo mbito do anterior regime no havia a autonomizao das figuras do parecer prvio e da comunicao prvia. 18 Vide artigo 12. do DL n. 196/89. 19 Cfr. artigo 28., sendo que a competncia para efectuar tal comunicao cabe, nos termos do artigo 34., alnea d), s entidades regionais da RAN.17

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des regionais da RAN, a emitir no prazo de 20 dias 20, instituindo se, assim, impugnao administrativa de natureza facultativa a qual, em termos de impug nao contenciosa jurisdicional se impe concatenar, mormente, com o regime previsto no artigo 59. do CPTA. Em sede das garantias do regime da RAN mantm se, tal como no anterior regime legal21, a sano da nulidade para todos os actos administrativos que hajam sido praticados em violao do disposto nos artigos 22. a 24. do DL n. 73/0922, bem como as aces de cessao das violaes da RAN23 e de reposio da situao anterior a tais violaes24, tal como a previso, com algumas altera es, da responsabilidade contra ordenacional (fiscalizao, instruo e deciso, e destino do produto das coimas aplicadas)25. Desaparece, no entanto, a regra prevista no artigo 35. do DL n. 196/89, com a epgrafe de responsabili dade do Estado e demais pessoas colecti vas pblicas, sem que com isso se deva ou possa considerar que no mbito do novo regime jurdico da RAN inexista responsabilidade do Estado e demaisVide, ainda, artigo 32., n. 1, alnea g) do DL n. 73/09. 21 Cfr. artigo 34. do DL n. 196/89. 22 Cfr. artigo 38. do DL n. 73/09. 23 Cfr. artigo 43. do DL n. 73/09 e 39. do DL n. 196/89. 24 Cfr. artigo 44. do DL n. 73/90 e artigo 40. do DL n. 196/89. 25 Cfr. o regime previsto nos artigos. 39. a 42. do DL n. 73/09 em contraposio com o decor rente dos artigos. 36. a 38. do DL n. 196/89.20

pessoas colectivas pblicas pelos preju zos que sejam causados a sujeitos de boa f e decorrentes da emisso de actos nulos por violadores dos normati vos supra citados. Na verdade, tal preceito legal constitua apenas um mero reforo ou o relem brar daquilo que j resultava do regime geral de responsabilidade civil extracon tratual do Estado e demais pessoas colectivas pblicas previsto no anterior DL n. 48051, de 21.11.1967, e actual mente na Lei n. 67/07, de 31.12, pelo que a sua ausncia expressa do quadro legal do novo regime jurdico da RAN nada de novo introduz, pois, indepen dentemente de ali figurar ou no, o regime geral vigente em sede de respon sabilidade civil extracontratual daqueles entes vale em plenitude para a repara o dos prejuzos sofridos pelos sujeitos ou entes particulares e que sejam adve nientes da emisso de actos administra tivos ilegais, mormente, geradores do desvalor da nulidade por violao dos artigos 22. a 24. do DL n. 73/09. De registar, ainda, as alteraes opera das em sede de estrutura e das entida des da RAN, com a instituio da entida de nacional26 27 e das entidades regionais da RAN28 29, com a gesto ordenada daCfr. artigos 31. (composio) e 32. (compe tncias) do DL n. 73/09. 27 Sucede ao Conselho Nacional da Reserva Agr cola institudo pelo DL n. 196/89 cfr. artigos 14. (composio) e 15. (competncias). 28 Cfr. artigos 33. (composio) e 34. (compe tncias) do DL n. 73/09.26

Carlos Lus Medeiros de Carvalho

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mesma considerando a diviso em regies coincidentes com o territrio de cada unidade de nvel II da Nomenclatu ra de Unidades Territoriais (vulgo NUTS)30. A composio das entidades sensivel mente diminuda, sendo que as regras e procedimentos em matria de funcio namento, mandato, reunies, etc., que se mostravam previstas nos artigos 18. e seguintes do DL n. 196/89 foram, com o novo regime aprovado e publicitado, remetidas, nos termos do artigo 35., para regulamento interno a aprovar e homologar ulteriormente, tudo sem pre juzo do que se deixou j disciplinado nos artigos 37. (possibilidade de realizao das reunies em videoconferncia e da sua gravao poder ter o valor de acta) e 46. (posse dos membros e entrada em funcionamento das entidades da RAN). De molde a potenciar uma gesto mais adequada dos espaos agrcolas lana o legislador mo de novos sistemas e tec nologias de informao31, assentes, nomeadamente, em cartografia digital como ferramenta de rigor e apoio deci so, para assim assegurar um maior con trolo na gesto do territrio, compatibiliActualidadeSucedem s Comisses Regionais da Reserva Agrcola institudas pelo DL n. 196/89 cfr. arti gos. 16. (composio) e 17. (competncias). 30 Cfr. artigo 30. do DL n. 73/09. 31 Cfr. artigo 36. do DL n. 73/09, faltando ainda publicar, data que escrevemos, a portaria pre vista no n. 2 do citado preceito, sendo que importa ainda ter presente o regime transitrio enunciado no n. 1 do artigo 47. do mesmo diploma.29

zando se com os restantes instrumentos de ordenamento, de molde a assim per mitir tambm uma mais fcil harmoniza o inter municipal. Por fim, importa ainda ter particular ateno ao regime transitrio desenvol vido no artigo 47., ao longo dos seus 11 nmeros32, com regras em matria da prtica de actos em suporte papel (n. 1), da adaptao dos planos municipais e especiais de ordenamento do territrio classificao das terras/solos nos termos dos artigos 6. e 7. (n.s 2, 3, 4, 5, 6 e 7), da deciso dos processos pendentes que ainda no foram objecto de parecer pr vio das comisses regionais da RAN (n. 8), da deciso dos procedimentos de avaliao de impacte ambiental ou de anlise das incidncias ambientais relati vas a projectos de utilizaes previstas na alnea l) do n. 1 do artigo 22. que tenham sido iniciados antes da entrada em vigor do presente diploma (n.s 9 e 10) e da apresentao dos pedidos de parecer prvio s entidades regionais na ausncia de funcionamento do sistema de informao referido no artigo 36. (n. 11).Trata se, em nosso entendimento, duma infeliz e deficiente prtica legislativa que se vem assis tindo com o desenvolver do corpo dos artigos ao longo de imensos nmeros e/ou alneas (cfr. a mesma deficincia, neste mesmo diploma, quan to aos 16 nmeros e 8 alneas do artigo 14., s 14 alneas do artigo 22., aos 10 nmeros do artigo 23.), prtica essa que vem sendo sucessi vamente repetida em vrios diplomas e que importaria evitar e/ou repetir.32

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Eis, pois, muito sumariamente algumas breves notas resultantes duma primeira leitura do novo regime jurdico da RAN

recentemente alterado, regime este que importa aprofundar e acompanhar at pelas suas relevantes implicaes.

Carlos Lus Medeiros de Carvalho

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O contrato de prestao de servios na Lei 12 A/2008, de 27 de Fevereiro: um regime contrrio Constituio e ao Direito Comunitrio

Licnio Lopes Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra

A Lei 12 A/2008, de 27 de Fevereiro, doravante Lei n 12 A/2008, que estabe lece os regimes de vinculao, de carrei ras e de remuneraes dos trabalhado res que exercem funes pblicas, intro duziu profundas alteraes na clssica relao de emprego pblico, indepen dentemente da sua durao relao de emprego pblico por tempo indetermi nado ou por tempo determinado ou determinvel, na terminologia daquela Lei. Dada a extenso e profundidade das alteraes introduzidas, pode, provavel mente, dizer se que, neste momento, a nica certeza a antecipar a de que a clssica relao de emprego pblico morreu, pelo menos em aspectos essen ciais do seu regime. No plano dogmtico, h que inventar um novo dicionrio jurdico neste domnio: o Direito da Funo Pblica deve ser subs titudo pelo Direito Administrativo do Emprego Pblico.

Uma das inovaes mais marcantes da Lei n 12 A/2008 , sem dvida, a previs ta no artigo 35, relativa ao contrato de prestao de servios. No n 1 do artigo estabelece se, a ttulo geral, a faculdade de as entidades pbli cas recorrerem celebrao deste con trato: os rgos e servios a que a pre sente lei aplicvel podem celebrar con tratos de prestao de servios, nas modalidades de contratos de tarefa e de avena, nos termos previstos no presente captulo. Contudo, logo de seguida, no n 2, impe limitaes imperativas, prevendo que a celebrao de contratos de tarefa e de avena apenas pode ter lugar quando, cumulativamente: a) Se trate da execu o de trabalho no subordinado, para a qual se revele inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relao jurdica de emprego pblico; b) O trabalho seja realizado, em regra, por uma pessoa colectiva; c) Seja observado o regime

Licnio Lopes

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legal da aquisio de servios; d) O con tratado comprove ter regularizadas as suas obrigaes fiscais e com a seguran a social. E no n 4 adianta que, excepcionalmen te, quando se comprove ser impossvel ou inconveniente, no caso, observar o dis posto na alnea b) do n. 2, o membro do Governo responsvel pela rea das finanas pode autorizar a celebrao de contratos de tarefa e de avena com pes soas singulares. Sobre este novo regime legal do contrato de prestao de servios, importa, para a economia deste texto, registar duas notas: a. A imperatividade da regra geral da contratao de pessoas colectivas e a excepcionalidade da contratao de pessoas singulares; b. A demonstrao da impossibilidade ou da inconvenincia em celebrar o contrato de prestao de servio com uma pessoa colectiva para, legalmente, o poder celebrar com uma pessoa singular, a que acresce a exigncia de autorizao ministerial, a qual no vale, obviamente, para as autarquias locais.Actualidade

sua inconstitucionalidade por violao do princpio da igualdade de tratamento, no qual se fundamentava o pedido formula do pelo Presidente da Repblica. Para o efeito, o TC aduziu, no essencial, como fundamentao da sua deciso o facto de o regime constante da alnea b) do n 2 e do n 4 do artigo 35 se enquadrar numa linha estratgica de conteno de efectivos e de racionaliza o de recursos humanos, pelo que a preferncia concedida contratao de servios a empresas tem sobretudo o objectivo de evitar o artificial sobredi mensionamento da estrutura da Admi nistrao Pblica em matria de pessoal, comeando por evitar, dentro do poss vel, a celebrao de contratos com pes soas singulares, cuja continuidade pudesse gerar novas situaes de disfun cionalidade, que os mecanismos de con trolo anteriormente institudos no con seguiram impedir. Neste conspecto, possvel justificar a diferenciao introduzida luz de um critrio que se afigura razovel, por ser compatvel com fins constitucionalmente relevantes, como sejam a boa organiza o e gesto dos recursos pblicos, e por estar dotado de um mnimo de coerncia entre os objectivos prosseguidos e os resultados previsveis. Nestes termos, conclui o TC que, no se v motivo bastante para considerar veri ficada a pretendida inconstitucionalidade por violao do princpio da igualdade.

Em sede de fiscalizao preventiva, o Tribunal Constitucional (TC), aceitando o entendimento de que o regime legal con fere uma prevalncia s pessoas colecti vas nesse tipo de contratao, em detri mento das pessoas em nome individual, no se pronunciou, no entanto, sobre a

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Salvo o devido respeito pela fundamen tao da deciso do TC, pela nossa parte no podemos concordar com ela. No essencial, a equao jurdico constitucional a fazer na medida legal adoptada a seguinte: constatada a exis tncia de verdadeiras relaes de emprego pblico constitudas sombra de contratos de prestao de servios justifica se, jurdico constitucionalmente, que o legislador, para evitar a sua conti nuidade para o futuro, imponha uma proibio de princpio da celebrao des tes contratos com trabalhadores em nome individual? Respondendo a esta questo, vamos, sinteticamente, expor algumas das razes que expressam a nossa discor dncia em relao fundamentao e deciso do TC. Em primeiro lugar, o regime legal em apreo constitui uma medida de nature za restritiva da liberdade de opo da forma jurdica de exerccio da actividade profissional, compreendida no contedo da liberdade de profisso (artigo 47 da CRP), enquanto liberdade de escolha do modo do exerccio da actividade profis sional e, nessa qualidade, abrangida pelo regime especial dos direitos, liberdades e garantias previstos nos artigos 17 e 18 da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP). Doravante, qualquer profissional em nome individual est, por princpio, impedido de celebrar um contrato de prestao de servios com a Administra

o Pblica. Para o fazer ter, por impo sio legal, de constituir se como pessoal colectiva. Tendo em conta o fim tido em vista pelo legislador evitar a constituio de ver dadeiras relaes de emprego pblico sombra de contratos de prestao de servios o regime adoptado constitu cionalmente exigvel, necessrio e ade quado? Isto , a restrio imposta pelo legislador encontra justificao jurdico constitucional em outros valores, inte resses ou direitos de igual dignidade constitucional? Julgamos que no. Mas a resposta a esta questo com preender se melhor se forem adianta dos mais alguns argumentos. Em primeiro lugar, no pode esquecer se que a Administrao constitui um mer cado contratual de enorme relevncia, designadamente entre ns, dada a extenso de tarefas pblicas que assu me, seja no mbito da Administrao do Estado, seja no mbito da Administrao regional ou da Administrao autrquica. E se a Administrao recorre ao merca do, procurando nele operadores para a celebrao de contratos, fica, a partir desse momento, vinculada, por um lado, a princpios constitucionais de actuao e, por outro, obrigada a respeitar a liber dade de acesso dos operadores privados habilitados. Isto , se a Administrao se disponibiliza a celebrar contratos com os operadores do mercado, fica, a partir daqui, constitucionalmente vinculada aLicnio Lopes

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respeitar a liberdade de acesso cele brao desses contratos por todos e qualquer operador do mercado. A medida legislativa, ao impor a regra da contratao com pessoas colectivas, res tringe a liberdade constitucional de aces so de todos os profissionais que traba lhem em nome individual a um sector de contratao cuja dimenso e importn cia, a todos os nveis, nos parece indiscu tvel. E a propsito de tal fim evitar a consti tuio de verdadeiras relaes de emprego pblico sombra de contratos de prestao de servios constitucio nalmente legtimo, justificado, necess rio, exigvel e adequado que um profis sional liberal um advogado, um econo mista, um arquitecto, um engenheiro e tantos outros , que exerce, por opo livre, a sua profisso nessa qualidade e em nome individual, seja legalmente impedido de aceder a um sector de mer cado a contratao pblica de servi os? Julgamos que a pergunta contm, em si, a resposta. Em segundo lugar, no s a liberdade de acesso celebrao de contratos comActualidade

de contratos com a Administrao enquanto projeco do princpio geral da igualdade extrado do artigo 13 da CRP. Aqui, o princpio tem tambm uma outra projeco, precisamente: a igualdade de acesso e no acesso celebrao de con tratos com a Administrao no contexto de um mercado aberto e concorrencial. E, neste mbito, como sabido, o princ pio da liberdade de iniciativa econmica, da liberdade da empresa e o princpio da concorrncia constituem princpios estruturantes da ordem econmica nacional (e comunitria). E o exerccio destas liberdades postula ou pressupe, naturalmente, que os operadores do mercado disponham, no plano jurdico, de garantias de acesso em condies de igualdade de igualdade no acesso ao mercado (ou a segmentos de mercado), assim como no exerccio das respectivas actividades. Consequentemente, se, por alguma razo, falhar esta garantia estrutural esto inevitavelmente comprometidos os princpios e as liberdades constitucio nais referidos. No negamos a necessidade de evitar a utilizao do instrumento contratual da prestao de servios como meio de a Administrao constituir genunas rela es de emprego pblico. Agora, eleger este interesse como fundamento consti tucionalmente legtimo para inibir a liberdade de contratao, a liberdade de opo quanto ao modo de exerccio de

a Administrao Pblica que posta em causa, quando esta decide recorrer aos servios dos operadores privados. Tam bm , julgamos, a igualdade de acesso e no acesso que atingida. E note se que no est aqui apenas em causa a igual dade de acesso e no acesso celebrao

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actividade, inerente liberdade de exer ccio de profisso, a liberdade de acesso e no acesso ao mercado ou a certo seg mento de mercado, o da contratao pblica de servios , a liberdade de con corrncia e de empresa, exigindo o res pectivo exerccio a garantia estrutural postulada pelo princpio da igualdade, vai um grande passo ao nvel jurdico constitucional. E com uma agravante: que com tal medida a incria do Esta do Legislador e do Estado Administra o, revelada ao longo de anos, que se pretende sarar. E, no estdio constitu cional actual, no cremos que o remdio contra tal a incria possa ser a liberdade do cidado. Mas no apenas no domnio do Direito Constitucional que a medida legislativa merece reparos. Tambm luz do Direi to Comunitrio no pode deixar de merecer srias reservas. E deixando, por agora, de parte a filoso fia estruturante que, neste domnio, pre side ao Cdigo dos Contratos Pblicos, vamos apenas fazer uma breve meno Directiva 2006/123/CE, de 12 12 06, relativa aos servios no mercado interno. Dispe a Directiva, no seu artigo 15, n 2, que os Estados Membros devem veri ficar se os respectivos sistemas jurdicos condicionam o acesso a uma actividade

de servios ou o seu exerccio ao cum primento de alguns requisitos no dis criminatrios a expressamente enume rados. Um deles tem, justamente, a ver com a obrigao de o prestador se cons tituir de acordo com uma forma jurdica especfica. Por isso, no de estranhar que a Comisso Europeia tenha decidido enviar a Portugal um pedido formal em relao legislao portuguesa aplicvel cele brao de certos contratos pblicos de servios, a qual, na opinio da Comisso, viola as Directivas Contratos Pblicos, precisamente com fundamento no facto de a legislao em questo favorecer as pessoas colectivas em relao s pessoas singulares na adjudicao de contratos pblicos de servios para determinadas tarefas especficas (tarefa) e para a pres tao continuada de servios por profis sionais liberais (avena), assumindo, tal injuno, a forma de parecer funda mentado, que constitui a segunda fase do processo por infraco nos ter mos do artigo 226. do Tratado CE. Adiantando que, caso no receba uma resposta satisfatria no prazo de dois meses, a Comisso pode recorrer ao Tri bunal de Justia das Comunidades Euro peias.

Licnio Lopes

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Um caso exemplar de degradao da autonomia municipal

Pedro Gonalves Professor da Faculdade de Direito de Coimbra

Em algumas das opes fundamentais que acolhe, a Lei n. 8/2009, de 18 de Fevereiro, sobre o regime jurdico dos conselhos municipais de juventude, sus cita me dvidas de vria ordem: neste escrito, pretendo partilhar algumas delas, colocando as num espao de debate pblico. Nos termos da Lei, o conselho municipal de juventude (doravante, conselho) o rgo consultivo do municpio sobre matrias relacionadas com a poltica da juventude; trata se, pois, de um rgo (consultivo) do municpio, de uma figura organizativa integrada naquela pessoa colectiva ou, noutra formulao, de uma unidade de actuao do municpio nes te ponto, a Lei afastou se dos modelos adoptados em casos prximos, como sucede com o conselho municipal de educao, qualificado como instncia que actua a nvel municipal, ou com o conselho municipal de segurana, legal mente designado entidade de mbito municipal.

O conselho um rgo de instituio obrigatria, devendo a sua criao ocor rer, sob a gide da assembleia municipal, no prazo mximo de seis meses: estra nhamente, a Lei no diz quando que esse prazo comea a correr! A nova figura surge como rgo do municpio, mas, evidentemente, no um rgo representativo do municpio: muitos dos seus membros no so elei tos pela populao do municpio, mas designados por associaes de direito privado. O conselho prossegue os seus fins no mbito das polticas municipais de juven tude, assegurando a sua articulao com outras polticas sectoriais, na contribui o para o aprofundamento do conhe cimento dos indicadores econmicos, sociais e culturais relativos juventude, na divulgao de trabalhos e na promo o de iniciativas de interesse para a juventude, no incentivo e apoio activi dade associativa juvenil. Exerce compe tncias consultivas (emisso de parece

Pedro Gonalves

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res obrigatrios), competncias de acompanhamento dos rgos do muni cpio e competncias eleitorais (eleio do representante do municpio nos con selhos regionais de juventude). Com a criao do conselho, a Lei institu cionalizou, dentro do municpio, um rgo com funo exclusiva de represen tao de interesses da juventude; enxer tou numa entidade de fins mltiplos e de prossecuo dos interesses indistintos da populao uma estrutura que se ocupa de interesses parciais, dominada por representantes associativos; esta, que j no se revela em si mesma uma boa soluo, franqueia as portas adopo de solues desastrosas. Como sucede com esta Lei. No se apresentando como rgo repre sentativo do municpio, o conselho um rgo de representao, em concreto, de representao de associaes de juventude integra, alm do mais, i) um representante de cada associao juvenil com sede no municpio inscrita no Regis to Nacional de Associaes Juvenis (RNAJ); ii) um representante de cada associao de estudantes do ensino bsi co e secundrio como sede no municpioActualidade

juventude partidria com representao nos rgos do municpio ou na Assem bleia da Repblica; vi) um representante de cada associao juvenil (ou equipara da) de mbito nacional, nos termos da Lei n. 23/2006, de 23 de Junho. Alm dos representantes de associaes de juventude, a composio do conselho inclui ainda o representante do munic pio no conselho regional de juventude, bem como membros de outros rgos municipais, a saber: i) o presidente da cmara municipal, que preside; ii) um membro da assembleia municipal de cada partido ou grupo de cidados representados nesse rgo. A composio do conselho revela nos, portanto, um rgo de carcter hbrido: ao juntar representantes de associaes de juventude e membros de outros rgos municipais, o conselho adquire, como rgo do municpio, uma fisiono mia atpica, parecendo, em rigor, confi gurar se como instncia exterior ao municpio, formada por representantes municipais e por representantes das associaes juvenis. De resto, em vrios pontos, a Lei deixa claro que no assu miu na sua inteireza a opo de interna lizao: vejam se por exemplo, e de for ma sintomtica, as referncias realiza o dos fins do conselho em colabora o com os rgos do municpio, representao deste junto dos rgos autrquicos ou s suas competncias de acompanhamento da actuao dos

inscrita na RNAJ; iii) um representante de cada associao de estudantes do ensino superior como sede no municpio inscrita na RNAJ; iv) em certas condies, um representante de cada federao de estudantes inscrita na RNAJ; v) um representante de cada organizao de

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rgos do municpio. Em todos estes casos, parece pressupor se que os rgos do municpio no so os outros rgos do municpio, mas antes os rgos de uma entidade estranha. Retomando a composio do conselho, uma consequncia lgica da opo de o internalizar passaria por desenh lo como rgo apenas representativo das associaes de juventude. Embora no deixasse obviamente de surgir como uma m soluo, apresentaria a vanta gem da clareza e de uma certa coerncia, ao colocar a composio do novo rgo em harmonia com a sua funo. Contudo, ainda que de forma anmala, e mesmo paradoxal, a Lei talvez tenha adoptado o referido modelo de compo sio hbrida com o objectivo pouco hon roso de credibilizar a prpria operao jurdica de internalizao procurando contornar as eventuais dificuldades suplementares que decorreriam do cenrio de adopo do modelo de insti tuio, dentro do municpio, de um rgo representativo de interesses par ciais e com designao totalmente priva da. O resultado da soluo legal adoptada, menos audaz, saldou se na aberrao que consiste em se distinguirem duas categorias de membros do conselho: os membros de primeira, que so os representantes das organizaes jovens, titulares de todos os direitos orgnicos, e os membros de segunda, quer dizer, os

membros dos outros rgos do munic pio, incluindo o presidente da cmara municipal, os quais se encontram impe didos veja se bem! de participar nas votaes de todas as matrias subme tidas apreciao do conselho, incluindo a votao na eleio de representantes do prprio municpio. No imaginara mos soluo mais bizarra do que esta, de fazer do presidente da cmara municipal e de membros da assembleia municipal, respectivamente, presidente e membros do novo rgo do municpio, mas sem o direito de voto e exclusivamente com os direitos de intervir nas reunies, de pro por a adopo de recomendaes e de solicitar o acesso a informao junto dos outros rgos municipais. Um regime com esses contornos no serve, decerto, o interesse da democra cia participativa, nem, alis, nenhum outro interesse legtimo; constitui, na verdade, uma pardia, inspirada numa desordem de valores, que, a final, corri os fundamentos e o sentido da democra cia administrativa. Mas a ausncia total de bom senso reve lou se noutros planos, percorrendo a Lei uma via de claro afrontamento e mesmo aviltamento da autonomia municipal. Refiro me agora atribuio ao munic pio (de novo, como se este fosse uma entidade estranha) de pesadas respon sabilidades no domnio do apoio logstico ao conselho. Assim, nos termos da Lei, o municpio deve disponibilizar ao consePedro Gonalves

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lho: a) apoio logstico e administrativo aos eventos organizados sob a sua inicia tiva, nomeadamente a realizao de encontros de jovens, seminrios, col quios e conferncias; b) instalaes con dignas no s para o conselho, como tambm para os servios de apoio; c) acesso ao boletim municipal; d) uma pgina no seu stio na Internet. O municpio fica assim responsvel a Lei refere se inmeras vezes ao dever do municpio por suportar a logstica do conselho, assim como por apoiar e suportar, nos planos administrativo e logstico (seja l o que isto for), os even tos que, de acordo com os altos crit rios dos seus membros, o conselho entenda dever promover. O novo regime legal apresenta se gros seiramente desrazovel e no se con forma com as exigncias de constitucio nalidade, quando confrontado com o princpio da autonomia local princpio

que se concretiza numa autonomia deci sria dos rgos representativos do municpio. Autonomia decisria que pura e simplesmente abolida em tudo o que se relacione com o apoio, ou no, de aces concretas e especficas das orga nizaes privadas de juventude ou com a definio do tipo de aces a apoiar: nos dois planos a deciso pblica foi coloca da fora do crculo democrtico munici pal. E, como claro, o truque de internali zar o conselho, instituindo o como rgo do municpio, no engana ningum. De facto, a soluo no mascara a verdadei ra natureza do conselho municipal de juventude: trata se de uma espcie de federao de organizaes juvenis, qual a Lei conferiu fora a qualidade de rgo do municpio, com o fito, alm do mais, de a pr a viver custa da entidade pblica em que foi enxertada.

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Restries participao em procedimentos de contratao pblica

Rodrigo Esteves de Oliveira Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra

1. Em sectores dominados pelo paradig ma da concorrncia e que tm no mer cado o seu suporte, como sucede com o da contratao pblica, a restrio ou limitao do acesso das empresas aos procedimentos de adjudicao , quase por natureza, diramos, uma questo delicada. Se mais no fosse, porque o princpio da concorrncia no de senti do nico, apontando, a um tempo, para a maior concorrncia possvel e, a outro tempo, para uma concorrncia efectiva e s. Ali, o princpio pode ser um obstculo instituio de barreiras de acesso, aqui, pode ser o seu fundamento. E note se que o problema das restries participao em procedimentos de contratao pblica no juridicamente delicado apenas quando estejam em causa empresas privadas (de privados, entenda se), mas tambm entidades pblicas (em formato pblico ou em formato de direito privado, designada mente, societrio), cuja participao, como concorrentes ou candidatos, em

procedimentos desses pode suscitar, e suscita, problemas complexos (indcio disso mesmo o Considerando 4 da Directiva 2004/18/CE). Alm de outros, um dos motivos princi pais da discusso centra se na existncia de relaes e participaes societrias entre as empresas, que podem ir desde a hiptese da simples participao (igual ou superior a 10%) at da relao de grupo (grupo constitudo por domnio total, contrato de grupo paritrio e contrato de subordinao), passando pelas relaes de participao recproRodrigo Esteves de Oliveira

ca e pelas relaes de domnio (ver, a este respeito, os artigos 481 e seguintes do Cdigo das Sociedades Comerciais), questionando se se, em tais casos, que so muito diversos, deve admitir se ou proibir se a participao separada de sociedades coligadas no mesmo pro cedimento adjudicatrio. A questo, em abstracto, coloca, pelo menos, quatro problemas: i) o primeiro o de saber se as causas de excluso

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enunciadas nas directivas comunitrias em matria de contratao pblica, mais concretamente, no artigo 45 da Directi va 2004/18 (a questo ligeiramente diferente no mbito da Directiva 2004/17/CE, como pode ver se pelo seu artigo 54), so taxativas, dizer, se so apenas as hipteses a previstas que podem fundar uma deciso de excluso, no se admitindo que os ordenamentos nacionais estabeleam outras causas de excluso atinentes situao pessoal do concorrente ou candidato. Se forem taxativas, ento, no se prevendo nelas esta especfica causa de excluso, no se admitiria a proibio, pelos sistemas jurdicos internos, da participao simul tnea das empresas coligadas no mesmo procedimento adjudicatrio; ii) o segun do relaciona se com a natureza vinculati va ou imperativa das causas de excluso previstas nas directivas comunitrias, ou seja, se elas tm de ser inscritas em norma nacional (ou se, no sendo, valem sua revelia, na medida em que dispo nham de efeito directo) ou se, pelo con trrio, est na disponibilidade dos Esta dos Membros inclu las nos respectivos sistemas jurdicos internos; iii) o terceiro problema, que s aparece em caso deActualidade

mesmo procedimento adjudicatrio, e quais os princpios a que elas esto espe cialmente sujeitas; iv) o quarto problema (de que, porm, no se cuidar aqui) consiste em saber de que depende a vigncia ou operatividade dessas causas de excluso, ou seja, se tais causas de excluso tm de estar previstas em lei interna, se podem apenas constar do programa do procedimento, ou se, pelo contrrio, pode a entidade adjudicante ou o jri fundar a sua deciso directa mente nos princpios comunitrios da contratao pblica. 2. Estas questes (com excepo da ltima) iro ser em breve tratadas pelo Tribunal de Justia no processo Assitur, sendo propsito nico deste pequeno texto dar uma imagem das tendncias que se desenham no plano comunitrio, aproveitando, aqui e ali, para fazer uma referncia s solues consagradas no Cdigo dos Contratos Pblicos (CCP). verdade, convm diz lo j, que ao refe rido caso Assitur no se aplica a Directiva 2004/18, mas a anterior Directiva 92/50/CEE (sobre processos de adjudica o de contratos de servios), no tendo porm as questes controvertidas, em nossa opinio, tratamento sensivelmente diferente num e noutro desses diplomas, pelo que a deciso que vier do Tribunal de Justia contribuir certamente para a formao do acquis comunitrio aplic vel aos actuais procedimentos de contra tao pblica.

resposta negativa primeira questo, o de saber de que espcie podem ser as outras causas de excluso, designada mente, se podem abranger a hiptese da participao separada de empresas entre as quais exista uma relao de grupo no

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O caso Assitur descreve se em breves palavras. Em 2003, a Camera di Com mercio, Industria, Artigianato e Agricol tura di Milan abriu um concurso pblico para a adjudicao, com base no critrio do preo mais baixo, de um contrato para a prestao de servios postais, a que se apresentaram trs empresas: a SDA Spa, a Poste Italiane Spa e Assitur Srl. Tendo se verificado que a totalidade das aces da SDA era detida pela Attivi t Mobiliari SpA, a qual, por sua vez, era inteiramente participada pela Poste Ita liane, a Assitur requereu, nos termos das normas do concurso que proibiam que empresas em relaes de grupo partici passem (separadamente) como concor rentes, a excluso da SDA e da Poste Italiane, com fundamento nas referidas ligaes societrias. O requerimento acabou, no entanto, por ser indeferido e o contrato foi adjudicado SDA, pergun tando agora os tribunais italianos ao Tri bunal de Justia, em sede de reenvio prejudicial, se o artigo 29 da antiga Directiva 92/50/CE (sobre processos de adjudicao de contratos de servios) que corresponde ao artigo 45/2 da Directiva 2004/18/CE enuncia de for ma taxativa as causas de excluso da participao nos concursos, se h nessa matria um numerus clausus, e, con sequentemente, se o direito comunitrio obsta a que haja legislao interna que proba a participao simultnea num procedimento adjudicatrio de empresas

que se encontrem, entre si, em relao de domnio (tal como definido no artigo 2359 do Cdigo Civil italiano). 3. O Advogado Geral no processo Assitur (Jn Mazk), nas suas concluses, j des creveu em termos essenciais o proble ma. Assim, relativamente questo da taxa tividade ou no das causas de excluso, o Tribunal de Justia, no acrdo La Casci na (de 9.2.2006, processo C 226/04 e C 228/04), j havia considerado, verdade, que o artigo 29 da Directiva 92/50 obs tava a que os Estados Membros previs sem causas de excluso diferentes das nele previstas (ver n 22 do acrdo), mas, como bem observou o Advogado Geral, deve entender se at porque era isso que estava em causa nesse pro cesso (ver n 21) que tal limitao s valeria para as causas impeditivas que se reportam honestidade profissional, solvabilidade ou fiabilidade dos concor rentes e candidatos. Nesta matria, por tanto, mas s nela, haveria uma regra de taxatividade ou exaustividade comunit ria, no podendo os sistemas jurdicos internos estabelecer, com base nessas razes, outras causas de excluso. essa, alis, a jurisprudncia que parece tambm retirar se do recente acrdo Michaniki (de 16.12.2008, processo C 213/07), a propsito do artigo 24 da antiga Directiva 93/37/CEE (sobre pro cessos de adjudicao de empreitadas de

Rodrigo Esteves de Oliveira

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obras pblicas) em que estava em causa a conformidade jurdico comunitria de uma norma constitucio nal do Estado grego que institua uma incompatibilidade geral entre o sector das obras pblicas e o sector dos meios de comunicao social e da qual resulta va uma proibio de participao nos procedimento de empreitadas a empre sas empreiteiras com relaes societrias com o sector dos meios de comunicao social , no qual o Tribunal de Justia decidiu que a referida norma do artigo 24 da directiva deve ser interpretada no sentido de que enumera de forma exaustiva as causas de excluso baseadas em consideraes objectivas sobre a qualidade profissional susceptveis de justificar a excluso de um concorrente ou candidato, s essas, portanto, no outras com diferente fundamento. 4. Note se e entramos aqui na segun da questo que os Estados Membros no esto obrigados a transpor para a respectiva ordem jurdica as causas de excluso enunciadas no artigo 45 da Directiva 2004/18, com excepo das previstas no n 1 desse preceito, que essas tm natureza vinculativa ou impeActualidade

em algumas das situaes enunciadas no n 2 do artigo 45 da Directiva 2004/18. Como se disse no acrdo La Cascina, mesmo se a propsito do artigo 29 da Directiva 92/50, no [se] prev na matria uma aplicao uniforme das causas de excluso nele indicadas a nvel comunitrio, na medida em que os Esta dos Membros tm a faculdade de no aplicar de nenhum modo essas causas de excluso, optando pela participao mais ampla possvel nos processos de adjudi cao de contratos pblicos, ou de as integrar na regulamentao nacional com um grau de rigor que poder variar consoante os casos, em funo de consi deraes de ordem jurdica, econmica ou social que prevaleam a nvel nacio nal. Neste contexto, os Esta dos Membros tm o poder de moderar ou de tornar mais flexveis os critrios estabelecidos no artigo 29 da directiva. Acontece que, repete se, em matria de honestidade profissional, solvabilida de e fiabilidade dos concorrentes e can didatos, os sistemas jurdicos internos no podem criar outras causas de exclu so, diferentes das enunciadas nas direc tivas. 5. Mas se assim e desta forma che gamos ao terceiro problema , isso sig nifica que podem existir outras causas de excluso estabelecidas pelos sistemas jurdicos internos. Ponto que tenham um fundamento ou natureza diferente,

rativa. O nosso legislador entendeu faz lo, no artigo 55 do CCP, mas podia ter optado por soluo diferente, como pode tambm uma lei avulsa vir a dispor em sentido diverso, admitindo (ou no proibindo) a participao de empresas

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ou seja, no digam respeito honestida de profissional, solvabilidade e fiabi lidade das empresas. A que podem ento ir votadas essas outras causas de excluso? O acrdo Michaniki, depois de considerar que as directivas no impedem que um Esta do Membro preveja outras medidas de excluso dos concorrentes ou candida tos, j adiantou alguma coisa sobre o assunto, afirmando que isso ser legti mo quando tenham em vista garantir o respeito dos princpios da igualdade de tratamento dos concorrentes e da trans parncia, desde que essas medidas no vo alm do que for necessrio para alcanar esse objectivo. E isso que vem tambm sustentar o Advogado Geral no processo Assitur, afirmando, nas suas concluses, que a enumerao taxativa das causas de excluso relativas honestidade profis sional, solvabilidade e fiabilidade no afasta a possibilidade de os Esta dos Membros manterem ou aprovarem outras normas destinadas a garantir (...) o respeito do princpio da igualdade de tratamento e do concomitante princpio da transparncia. Esses princpios, que correspondem prpria essncia das directivas relativas aos processos de adjudicao de contratos pblicos, devem ser respeitados pelas entidades adjudicantes em todos os processos para a adjudicao de contratos deste tipo e significam, em especial, que os concor

rentes devem estar numa posio de igualdade tanto no momento em que preparam as suas propostas como no momento em que estas so avaliadas pela entidade adjudicante. Um Esta do Membro pode, pois, prever medidas de excluso com o fim de garantir o res peito pelos princpios da igualdade de tratamento de todos os concorrentes e da transparncia nos processos de adju dicao de contratos pblicos, para alm das (...) causas de excluso baseadas em consideraes objectivas sobre a quali dade profissional, taxativamente enu meradas nas directivas comunitrias. E como so os Estados Membros que esto na melhor posio para identificar, luz de consideraes de ordem histri ca, econmica ou social, que lhes so prprias, situaes susceptveis de con duzir a violaes dos princpios da igual dade de tratamento dos concorrentes e da transparncia nos processos de adju dicao de contratos pblicos, () h que reconhecer lhes uma certa margem deRodrigo Esteves de Oliveira

apreciao para efeitos da adopo de medidas destinadas a garantir o respeito desses princpios. No entanto, em con formidade com o princpio da proporcio nalidade, que um princpio geral do direito comunitrio, essas medidas no devem ir alm do que necessrio para alcanar esse objectivo. Diga se, alis, que isto mesmo j se havia admitido noutros casos, designadamen te, quando uma empresa tenha prestado

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assessoria ou apoio tcnico entidade adjudicante na preparao e elaborao das peas do procedimento. No se trata a de uma causa de excluso prevista nas directivas comunitrias, mas o Tribunal de Justia aceitou que essa hiptese pos sa constituir, em certos termos, motivo para o afastamento da empresa concor rente (ver, por exemplo, acrdo Fabri com, de 3.3.2005) mesmo que, note se, no tenha sido prevista nas peas do procedimento , soluo que o nosso legislador veio consagrar na alnea j) do artigo 55 do CCP, em termos porm cuja plena compatibilidade com o direito comunitrio nos suscita dvidas.

excluso no se reporta honestidade profissional, solvabilidade ou fiabili dade dos candidatos, no versa sobre o comportamento dos candidatos, antes procura prevenir situaes em que a prpria relao entre determinadas sociedades que participam num concur so tende a falsear esse processo, tendo por isso em vista garantir a igualdade de tratamento de todos os concorrentes e a transparncia dos processos de adjudica o dos contratos pblicos, sustentando por isso que o direito comunitrio deve ser interpretado no sentido de que, em princpio, no obsta adopo de medi das nacionais desse tipo. Refira se que, ao contrrio, por exemplo, do Cdigo dos Contratos Pblicos italia no aprovado pelo Decreto legislativo n 163/06, de 12 de Abril de 2006 (Codi ce dei contratti pubblici relativi a lavori, servizi e forniture in attuazione delle direttive 2004/17/CE e 2004/18/CE), em cujo artigo 34, ltimo pargrafo, se pre v que no podem participar no mesmo concurso concorrentes que se encon trem entre si numa das situaes de domnio previstas no artigo 2359 do Cdigo Civil, dispondo se ainda que devem ser excludos do concurso os con correntes relativamente aos quais verifi quem, com base em elementos inequ vocos, que as respectivas propostas so imputveis a um nico centro de deci so , o CCP no previu expressamente esta hiptese, embora no tenha deixa

6. Relativamente hiptese da participa o simultnea num procedimento adju dicatrio de empresas que se encon trem, entre si, em relao de domnio, sobre que trata o processo Assitur, o que estar em causa, segundo o Advogado Geral, o facto de o jogo da livre con corrncia e a rivalidade ficarem irreme diavelmente prejudicados com a admis so de propostas que, apesar de provi rem formalmente de duas ou mais socie dades legalmente distintas, possam ser imputadas a um nico centro de interes ses. Ou seja, as sociedades dominadas no so consideradas terceiros relativa mente s sociedades dominantes e, por tanto, no tm legitimidade para apre sentar outra proposta no mesmo concur so. Ora, diz, essa eventual causa de

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do de dispor, no respectivo artigo 54/2, que os membros de um agrupamento candidato ou de um agrupamento con corrente no podem ser candidatos ou concorrentes no mesmo procedimento, () nem integrar outro agrupamento candidato ou outro agrupamento con corrente. Note se porm que a circunstncia de, segundo o Advogado Geral, o direito comunitrio no impedir, em princpio, a adopo de medidas tendentes proibi o da participao simultnea num mesmo procedimento adjudicatrio de empresas que se encontrem em relao de domnio ou grupo no significa a sua aceitao sem mais, pois a medida insti tuda h de ser compatvel com o princ pio da proporcionalidade. Ora, no caso Assitur, a norma de direito italiano em apreo determina a excluso automtica das sociedades, baseando se na presuno juris et de jure da cognos cibilidade da proposta da sociedade dominada por parte da sociedade domi nante, insusceptvel portanto de ser refutada com a prova de que a socieda de dominada formulou a sua proposta com total autonomia, facto que leva o Advogado Geral a considerar a norma como desproporcionada, uma vez que no permite que os concorrentes pos sam provar que as suas propostas foram, de facto, elaboradas de tal modo que, na verdade, no constituem um obstculo igualdade de tratamento dos concorren

tes e transparncia dos processos de adjudicao dos contratos pblicos. 7. esta portanto a proposta que o Advogado Geral sujeita apreciao do Tribunal de Justia: por um lado, as directivas comunitrias sobre contrata o pblica devem ser interpretadas no sentido de que enumeram, de forma exaustiva, as causas de excluso basea das em consideraes objectivas sobre a qualidade profissional susceptveis de justificar a excluso de um [concorrente] da participao num processo de adjudi cao de um contrato pblico, mas no obstam a que um Estado Membro pre veja outras medidas de excluso com o fim de garantir o respeito dos princpios da igualdade de tratamento dos concor rentes e da transparncia, desde que essas medidas no vo alm do que necessrio para alcanar esse objectivo; e, por outro lado, que o direito comuni trio deve ser interpretado no sentido de que se ope a uma disposio nacional,Rodrigo Esteves de Oliveira

que, embora prosseguindo os objectivos legtimos de igualdade de tratamento dos concorrentes e de transparncia nos processos de adjudicao de contratos pblicos, implica a excluso automtica do concurso no tocante a concorrentes entre os quais exista uma relao de domnio, como definida pela regulamen tao nacional, sem que lhes seja dada a oportunidade de provarem que, nas cir cunstncias do caso concreto, essa rela o no levou violao dos princpios

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da igualdade de tratamento dos concor rentes e da transparncia. A questo, como se v, muito delicada e o caso particular no deixa sequer antever toda a complexidade do proble ma, que, de resto, se mantm mesmo que o Tribunal de Justia venha a consi derar contrria ao direito comunitrio uma norma que proba a participao simultnea de sociedades com relao de domnio ou de grupo. Basta imaginar, por exemplo, a qualificao, em concur so limitado com sistema de seleco (do artigo 181 do CCP), de duas sociedades entre as quais exista uma relao de domnio ou de grupo ou a seleco de duas sociedades dessas para a fase de negociaes (em separado) de um pro cedimento adjudicatrio, que se nos afi guram casos de desvirtuamento das

regras da concorrncia. Para no dizer tambm que, ao contrrio do que sucede noutros casos (vg, no regime do preo anormalmente baixo ou no caso do acrdo Fabricom), a admissibilidade da prova em contrrio, proposta pelo Advo gado Geral, em hipteses como a do processo Assitur pode no resolver mui to, pois, dependendo da leitura que se faa, ou se tratar de uma prova diab lica ou ser tendencialmente uma prova bastante simples, insusceptvel de ser refutada pela entidade adjudicante. Como quer que seja, o propsito deste pequeno texto, que era dar uma imagem das tendncias que se desenham no pla no comunitrio, esgota se aqui. A pala vra pertence agora ao Tribunal de Justi a.

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D O U T R I N A

Contratao Pblica a duas velocidades: a transposio da Directiva 2007/66/CE

Adolfo Mesquita Nunes Advogado

1. Enquadramento A aproximao da data limite de trans posio da Directiva 2007/66/CE do Par lamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 20071, oferece um exce lente pretexto para actualizar reflexes acerca da urgncia no contencioso pr contratual, uma vez esta Directiva diz precisamente respeito melhoria da eficcia dos recursos em matria de adjudicao de contratos pblicos Reagindo s presses rtmicas impostas pela acelerao dos procedimentos de contratao pblica prevista nas Directi vas 2004/18/CE e 2004/17/CE do Parla mento Europeu e do Conselho2, a DirecDirectiva que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho, em conjunto aqui referi das como Directivas relativas aos meios conten ciosos. 2 Relativas coordenao dos processos de adju dicao dos contratos de empreitada de obras pblicas, dos contratos pblicos de fornecimento1

tiva 2007/66/CE introduziu no ordena mento comunitrio um conjunto de mecanismos de desacelerao procedi mental e de reforma contenciosa que importa destacar. Esperar se ia de uma Directiva que se props garantir a aplicao efectiva das disposies das Directivas Procedimen tais, impondo aos Estados Membros a obrigao de estabelecer processos de recurso rpidos e eficazes em caso deAdolfo Mesquita Nunes

violao das referidas Directivas, que a mesma trabalhasse com a realidade pro cedimental que nelas foi consagrada e se dedicasse a desenvolver um conjunto de mecanismos contenciosos adequados a

e dos contratos pblicos de servios e procedi mentos de adjudicao de contratos nos sectores excludos da gua, da energia, dos transportes e dos servios postais, respectivamente. Aqui refe ridas, em conjunto, como Directivas Procedi mentais.

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fazer vingar as opes das Directivas Procedimentais. No foi isso, no entanto, que sucedeu com a Directiva 2007/66/CE e, em con sequncia, com a actual redaco das Directivas relativas aos meios contencio sos. Na verdade, como qualquer rpida leitura do documento permite apreen der, a Directiva estabelece um conjunto de mecanismos de desacelerao proce dimental que poderiam, e em rigor deve riam, estar previstos nas Directivas Pro cedimentais. Pode mesmo dizer se que custa entender que, no curto espao de trs anos, o ordenamento comunitrio tenha visto nascer, neste mbito, Direc tivas com sentidos rtmicos conflituantes. De um lado, as Directivas Procedimentais apostadas na criao de procedimentos de sentido aberto, capazes de conformar tcnicas de negociao e acelerao e direccionados no sentido da eficcia, da velocidade e do ganho de tempo. Do outro lado, as Directivas relativas aos meios contenciosos apostadas, pela mo da Directiva 2007/66/CE, em criar no s mecanismos de urgncia contenciosa como igualmente mecanismos de desa celerao procedimental tendentes Doutrina

transps (CCP)3, tendo j sido objecto de anlises vrias, a verdade que a Directiva 2007/66/CE tem sido objecto de menor ateno. Assim, atendendo a que data limite de transposio dessa Directiva de 20 de Dezembro de 2009 e tendo em conta que essa transposio implicar necessa riamente a introduo de alteraes no CCP e no Cdigo de Processo nos Tribu nais Administrativos (CPTA), impe se uma breve anlise crtica sobre as princi pais implicaes desta Directiva no orde namento jurdico nacional. o que pro curarei fazer neste artigo, comeando por contextualizar os principais proble mas a que a Directiva visou dar resposta. 2. Os riscos da velocidade procedimen tal no mbito da contratao pblica A velocidade dos procedimentos de con tratao pblica no configuraria qual quer problema para os particulares que neles participam se as especificidades desses procedimentos no ditassem uma drstica reduo das possibilidades de tutela dos particulares a partir de um determinado momento. De facto, a velocidade procedimental, enquanto resposta aos novos desafios que os tempos modernos colocam em termos de rapidez, no pode seno beneficiar os particulares que participam

atempada reaco contenciosa s ilega lidades ocorridas nos procedimentos de contratao pblica. E se o resultado nacional das Directivas Procedimentais est vista de todos no Cdigo dos Contratos Pblicos que as

Aprovado pelo Decreto Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro.

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nos procedimentos pblica.

de

contratao

No entanto, no mbito pr contratual, existe um momento a partir do qual possvel que a reaco contenciosa a qualquer acto procedimental possa per der grande parte da sua utilidade. Esse momento , no s mas tambm no nosso ordenamento, o da celebrao e incio de execuo do contrato, por cir cunstncias vrias que escapam eco nomia deste artigo e que se relacionam com a especial dificuldade de obter a execuo das sentenas que ditem a invalidade consequente dos contratos4.Em todo o caso, direi que a barreira que a cele brao do contrato encerra no nosso ordena mento se deve, essencialmente, a circunstncias alheias ao quadro temporal ou formal da instn cia, antes encontra fundamento no regime subs tantivo de invalidade consequente dos contratos na sequncia da ilegalidade dos seus actos de formao e ainda na forma como a celebrao do contrato encarada em sede de execuo de sentenas e de decretamento de providncias cautelares. Perante um regime substantivo, que adiante descreverei, em que a invalidade conse quente do contrato no processualmente automtica e em que existe um momento que medeia a anulao do acto e as possveis conse quncias no contrato, as dificuldades que se levantam aos particulares no mbito do conten cioso pr contratual dizem respeito forma como podem alcanar a execuo de uma sen tena de invalidade do contrato, no tendo con seguido evitar a sua celebrao. Assim, so trs os principais factores que, no actual quadro subs tantivo e processual, podem colocar em causa a tutela dos autores processuais: i) ponderao do juiz acerca da invalidade consequente do contra to, ii) mecanismos colocados disposio das entidades adjudicantes para a manuteno da coisa contratada bem como a impossibilidade ou especiais dificuldades em anular ou declarar nulo o contrato e, finalmente, iii) a ponderao do juiz4

No pode dizer se que a tutela do parti cular se torna impossvel a partir desse momento, mas a verdade que os obs tculos que podem surgir com a celebra o do contrato so em nmero conside rvel e levantam constrangimentos rele vantes. Precisamente por isso que, por verda deira dedicao urgncia da sua activi dade ou por clara vontade de escapar s malhas contenciosas, as entidades adju dicantes sempre tenderam para celebrar os contratos de forma to rpida quanto possvel (corridas assinatura do con trato)5. E no se pense que a situao de facto consumado provocada pela celebrao do contrato de difcil ocorrncia. No mbito dos trabalhos de consulta opera dos pela Comisso para a elaborao da Directiva 2007/66/CE, concluiu se que 50% a 57% dos consultados j haviam sido privados de tutela jurisdicional em virtude da celebrao do contrato6.cautelar do interesse pblico na manuteno do contrato entretanto celebrado. 5 esta a expresso utilizada na proposta de Directiva do Parlamento e do Conselho apresen tada pela Comisso, que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito melhoria da eficcia dos processos de recurso em matria de adjudicao de contratos pblicos e que redundou na Directiva 2007/66/CE. 6 A esta situao deve somar se o facto de as pretenses indemnizatrias, enquanto compen sao da no execuo da anulao do contrato, acabarem por no fornecer uma tutela adequa da. Em primeiro lugar porque, no caso dos con correntes ao procedimento, o seu objectivo so as vantagens econmicas da execuo do contra

Adolfo Mesquita Nunes

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O TJCE inclusivamente j se pronunciou sobre esta matria, no Acrdo Alcatel Austria e o.7 e no Acrdo Comis so/ustria8, considerando que a con comitncia da deciso de adjudicao e da celebrao do contrato priva os inte ressados de qualquer possibilidade de recurso para obter a anulao de uma deciso ilegal de adjudicao ou para prevenir a celebrao do contrato, assim se frustrando as disposies do artigo 2., n. 1, alneas a) e b), da Directiva 89/665/CEE. J para no falar, tambm, da adjudicao ilegal de contratos por ajuste directo, excessivamente frequente e que o TJCE qualifica como a mais impor tante violao do direito comunitrio em matria de contratos pblicos9. Perante este cenrio fcil perceber que as tendncias aceleratrias dos procedi mentos de contratao pblica anteci pam, em termos cronolgicos, o momen to de celebrao do contrato e que, em consequncia, antecipam o momento a partir do qual a reaco contenciosa con tra s ilegalidades cometidas no proce dimento perde parte da sua fora10.to. Em segundo lugar porque, mesmo que assim no fosse, seguramente difcil fazer a prova da extenso e profundidade das leses. Tanto assim que, actualmente, no pode dizer se que a tutela indemnizatria constitua um factor de dissuaso das ilegalidades praticadas pela Admi nistrao. 7 Cfr. Acrdo C 81/98, Colect., p. I 7671. 8 Cfr. Acrdo C 212/02, Colect., p. I 0000. 9 Acrdo do TJCE, de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle, Processo C 26/03, Col. 2005, p. I 1. 10 Em Portugal o CCP encarregou se naturalmen te de corporizar estas modernas tendncias de

Estamos por isso num verdadeiro jogo do apanha, em que as entidades adjudican tes vo correndo frente, desenvolven do todos os esforos no sentido de con tornar as tentativas contenciosas para apanhar o ritmo dos procedimentos, sendo certo que a reaco jurisdicional est sempre atrasada relativamente quela uma vez que opera tendencial mente num cenrio de facto consumado, em que o acto ilegal j produz os seus efeitos de forma unilateral e sem qual quer mediao jurisdicional.

acelerao procedimental, sendo possvel desta car alguns aspectos exemplificativos. Em primeiro lugar, as regras relativas escolha do procedi mento e que procuram, como a nova centralida de do ajuste directo o demonstra, prosseguir o objectivo preambularmente expresso de pr fim actual banalizao dos procedimentos de tra mitao mais pesada e complexa (designada mente o concurso pblico e o concurso limitado). Em segundo lugar, as regras relativas tramita o dos procedimentos, tendentes supresso ou mitigao de fases e formalidades suprfluas (eliminao do acto pblico, supresso da avalia o da capacidade financeira e tcnica dos con correntes no concurso pblico ou transferncia da fase de habilitao para depois da adjudica o). E por fim as regras de desmaterializao procedimental que favorecem, nos termos do prembulo, o encurtamento dos prazos proce dimentais, tanto reais quanto legais, atravs da utilizao de novas tecnologias, reflectidas na utilizao de plataformas electrnicas (as propos tas passam a ser entregues por via electrnica e grande parte das notificaes e intervenes procedimentais passam a ter lugar nessas plata formas e em tempo mais imediato) e na utiliza o de sistemas de aquisio dinmicos.

Doutrina

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3. A urgncia no contencioso pr contratual como resposta insuficiente velocidade procedimental: o processo urgente de contencioso pr contratual O reforo da tendncia aceleradora dos procedimentos de contratao pblica provou a insuficincia das orientaes do legislador comunitrio nas verses origi nais das Directivas relativas aos meios contenciosos. Essas Directivas previam, na sua verso original, mecanismos processuais desti nados a evitar a celebrao do contrato, nelas se evidenciando a preocupao de fornecer ao autor processual todos os meios contenciosos necessrios defesa dos seus direitos e interesses antes da celebrao do contrato. As Directivas apostaram, por isso, na consagrao de uma musculada tutela cautelar que pudesse favorecer a emisso de uma deciso judicial antes da celebrao do contrato, devidamente acompanhada pela exigncia de formas processuais cleres e eficazes11.Assim se justifica a redaco do artigo 2. n. 1 da Directiva Recursos, e toda a ateno que a dedicada tutela cautelar, devendo os Estados membros velar por que as medidas tomadas para os efeitos dos recurso prevejam os poderes que permitam (...) tomar o mais rapidamente possvel, atravs de um processo de urgncia, medidas provisrias destinadas a corrigir a ale gada violao ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, incluindo medidas destinadas a suspender ou a fazer sus pender o processo de adjudicao do contrato de direito pblico em causa ou a execuo de qual quer deciso tomada pelas entidades adjudican tes. O artigo 2., n. 1 da Directiva 92/13/CEE11

Precisamente, e em transposio dessas Directivas, o legislador portugus consa grou uma forma processual autnoma e urgente para o contencioso pr contratual, prevista no artigo 100. e seguintes do CPTA. Por outro lado, esta beleceu comandos prprios aplicveis sua instrumental tutela cautelar, no seu artigo 132.. No entanto, tal como tive oportunidade de defender noutra ocasio12, esta forma processual provou ser insuficiente para oferecer a tutela que lhe competia, o que alis refora, como adiante descre verei, a necessidade de, a pretexto da transposio da Directiva 2007/66/CE, nela se operarem diversas reformas. Sumariamente, penso que pode dizer se que o processo previsto no artigo 100. e seguintes do CPTA se trata de um pro cesso excessivamente lento, pese a suposta urgncia que o enforma; circuns tncia que se revela em diversos aspec tos:

estatui que os Estados membros devem (...) tomar, no mais curto prazo e mediante processo de urgncia, medidas provisrias destinadas a corrigir a alegada violao ou a impedir que sejam causados novos prejuzos aos interessados, incluindo medidas destinadas a suspender ou a mandar suspender o procedimento de celebrao do contrato em causa ou a execuo de quais quer decises tomadas pela entidade adjudican te. 12 Dissertao de Mestrado, ainda em reviso para publicao, mas j disponvel na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lis boa, intitulada A Urgncia no Contencioso Pr Contratual.

Adolfo Mesquita Nunes

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i) a tramitao do processo urgente de contencioso pr contratual decal cada da tramitao da aco admi nistrativa especial, essencialmente mais acelerada mas com poucas variaes formais, o que no favore ce a celeridade13; ii) o processo convoca uma cognio verticalmente plena porquanto no est prevista qualquer restrio dos meios de prova, deixando o proces so nas mos das presses dilatrias das partes14; iii) a propositura do processo urgente principal no tem qualquer efeito suspensivo sobre o procedimento15; iv) em matria cautelar, a redaco do artigo 132. do CPTA, por contra ponto com a redaco do artigo 130., tem favorecido a opinioO processo apresenta uma nica tramitao aplicvel a todos os litgios que recaem no seu mbito. Teria sido admissvel, atenta a heteroge neidade associada matria da contratao pblica, a definio de tramitaes diferenciadas, atravs de critrios vrios como fossem o do valor da causa ou o do prazo de execuo do contrato. A tramitao nica ignora as enormes dificuldades de tratamento homogneo da mat ria sujeita ao contencioso pr contratual. 14 Teria sido admissvel compor de forma diferen ciada a gesto dos meios de prova de acordo com tramitaes diferenciadas. Mas, mesmo que assim no fosse, admitia se, por exemplo, a con sagrao de um modelo de restrio dos meios prova documental, cabendo ao juiz a deciso de, se assim o entendesse, abrir um perodo de ins truo. 15 Teria sido admissvel ponderar tal suspenso automtica excepcional, ao menos em caso de impugnao de actos que assumem um efeito dificilmente reversvel no procedimento, como seguramente o caso da adjudicao.13 16

jurisprudencial de que no se apli cam s providncias cautelares ins trumentais do processo urgente os mecanismos de tutela pr cautelar: suspenso automtica do procedi mento por proposio de requeri mento de providncia cautelar (arti go 128.) e decretamento provisrio da providncia cautelar (artigo 131.)16; v) o autor processual no tem qualquer vantagem imediata no processo urgente se no recorrer aos meca nismos cautelares, sendo que nestes

Veja se, a este respeito, o Ac. do STA de 20.03.07, proc. n. 01191/06: I Nos termos do artigo 132, 3 do CPTA so aplicveis s providncias cautelares relativas a procedimentos de formao de contratos as regras do captulo anterior, com ressalva do dis posto nos nmeros seguintes. Comparando este artigo com o artigo 130, 4 que manda aplicar no s o disposto no captulo I, mas ainda nos dois artigos precedentes, conclumos que o legislador quis distinguir o mbito das referidas remisses. II Atendendo por outro lado, gnese do artigo 132 do CPTA (cuja fonte pr