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RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA: UMA ABORDAGEM SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DIFUSA NO LITORAL SUL SERGIPANO Ana Consuelo Ferreira Fontenele 1 [email protected] GT1: NATUREZA E SOCIEDADE RESUMO Discute-se nesse artigo a dinâmica que envolve a relação sociedade-natureza, abordando o novo contexto em que as espacialidades se configuram na contemporaneidade, tendo em vista que houve uma mudança tanto na forma, quanto no conteúdo e produção desses espaços, engendrados por meio do desenvolvimento do modo de produção capitalista. A tônica desse processo, que altera o modo de produzi-los, está na virtualidade, no consumo de paisagens naturais, na nova forma de uso do tempo no espaço, na criação de condições para que os promotores imobiliários expandem a área loteada. Esses aportes técnicos sustentam e dão base para uma conformação diferenciada do espaço urbano, constituindo uma morfologia de caráter dispersa, arrojada, descomprimida e impactada, com abertura de novos espaços de consumo, processo o qual denominamos de urbanização difusa. O presente trabalho tem como recorte empírico a praia do saco no litoral sul sergipano. Foi feita uma análise da paisagem, o georeferenciamento de toda faixa non aedificandi da praia do saco, a identificação os aglomerados urbanos e seus impactos na paisagem e no ambiente. Observou-se que as ocupações atuais dão uma nova espacialidade a zona de praia com a apropriação dos espaços públicos por entes privados em ambientes fragilizados que são transformados em escombros pela dinâmica costeira. Na investigação alcançamos o entendimento de que os aglomerados urbanos predominam segundas moradias que estabelecem um novo significado para os desagregados do campo, especialmente os que ainda praticam agricultura camponesa e pesca artesanal, na oferta de mão-de-obra para serviços de caseiros, pedreiros ou mesmo no comércio varejista. PALAVRAS-CHAVE: Sociedade-natureza. Urbanização difusa. Praia do saco. INTRODUÇÃO stico da contemporaneidade, sobretudo, porque tem se - rias e politico-econômicas. 1 Professora Dra. em Geografia do Curso de Agronomia da Universidade Federal de Sergipe - UFS.

RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA: UMA ABORDAGEM SOBRE O … · Nesse sentido, o descompasso sociedade versus natureza resultantes da instauração do sistema capitalista é responsável

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RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA: UMA ABORDAGEM SOBRE O PROCESSO

DE URBANIZAÇÃO DIFUSA NO LITORAL SUL SERGIPANO

Ana Consuelo Ferreira Fontenele1

[email protected]

GT1: NATUREZA E SOCIEDADE

RESUMO

Discute-se nesse artigo a dinâmica que envolve a relação sociedade-natureza, abordando o novo

contexto em que as espacialidades se configuram na contemporaneidade, tendo em vista que houve

uma mudança tanto na forma, quanto no conteúdo e produção desses espaços, engendrados por meio

do desenvolvimento do modo de produção capitalista. A tônica desse processo, que altera o modo de

produzi-los, está na virtualidade, no consumo de paisagens naturais, na nova forma de uso do tempo

no espaço, na criação de condições para que os promotores imobiliários expandem a área loteada.

Esses aportes técnicos sustentam e dão base para uma conformação diferenciada do espaço urbano,

constituindo uma morfologia de caráter dispersa, arrojada, descomprimida e impactada, com abertura

de novos espaços de consumo, processo o qual denominamos de urbanização difusa. O presente

trabalho tem como recorte empírico a praia do saco no litoral sul sergipano. Foi feita uma análise da

paisagem, o georeferenciamento de toda faixa non aedificandi da praia do saco, a identificação os

aglomerados urbanos e seus impactos na paisagem e no ambiente. Observou-se que as ocupações

atuais dão uma nova espacialidade a zona de praia com a apropriação dos espaços públicos por entes

privados em ambientes fragilizados que são transformados em escombros pela dinâmica costeira. Na

investigação alcançamos o entendimento de que os aglomerados urbanos predominam segundas

moradias que estabelecem um novo significado para os desagregados do campo, especialmente os que

ainda praticam agricultura camponesa e pesca artesanal, na oferta de mão-de-obra para serviços de

caseiros, pedreiros ou mesmo no comércio varejista.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade-natureza. Urbanização difusa. Praia do saco.

INTRODUÇÃO

stico da

contemporaneidade, sobretudo, porque tem se -

rias e politico-econômicas.

1 Professora Dra. em Geografia do Curso de Agronomia da Universidade Federal de Sergipe - UFS.

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ria, estamos vivendo o que Burdett e Rode (2007) denominam Era

Urbana, is

- o de

o, em devir, da sociedade industrial por

uma sociedade urbana. Passados varias decadas, vemos mais claramente a complexidade que

-

os antigos, ressignificados.

o

originados e dinamizados por processos sociais tanto quanto os originam e dinamizam.

o, ao mesmo tempo, resultantes e ratificadoras da estrutura socioeconômica.

- feita uma contextu

o difusa e formação de espaços vazios

contrastantes com a dinâmica natural; na segunda, a identificação da zona não edificante e

o do modo de vida urbano nos espaços públicos;

tipificação dos impactos ambientais

o apresentados.

2. URBANIZAÇÃO DIFUSA E PAISAGEM NATURAL

O processo de urbanização difusa que ocorre na praia do saco impulsionado pelo

processo econômico de consumo de lugares em meio a dinâmica costeira e os aportes fluviais

naturais destroem em várias cadeias causais os componentes bióticos e abióticos, sociais e

culturais e seus efeitos laterais em médio e longo prazos por latência, acumulação e sinergias.

Esta área nem sempre edificada, está intercalada com grandes vazios urbanos, que

propiciada pelo avanço do turismo, das tecnologias de informação e da abertura de estradas,

estimulou a expansão do tecido urbano sobre o rural e áreas protegidas. Observa-se que o

espaço rural congrega a possibilidade de reprodução de muitas atividades urbanas,

especialmente no setor terciário, sendo perceptíveis seus reflexos, tanto em termos de

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desenvolvimento econômico quanto pelas crises, impactado pelas as atividades urbanas. O

litoral sergipano, é marcado pela presença de pequenos aglomerados urbanos e presença do

campo na cidade. Áreas consideradas urbanas, ainda, se colocam para atividades agrárias,

onde existem monocultura de coco, criação de bovinos e caprinos, que dividem o espaço

praial com bares e turistas. Os modos de vida dos moradores que, no início, se mantinham

mais fechados e vinculados a atividade de pesca e pequenas atividades agrícolas se vêm

passando por transformações, por exemplo, com a expansão imobiliária acompanhada pela

especulação e privatização com alterações das paisagens litorâneas, devido as construções de

loteamentos residenciais nos espaços reservados a uso coletivo (Fig. 01).

Figura 1 - Inicio da Praia do Saco, aglomerado de dunas móveis com residências dispersas, vazios

urbanos e zona não edificante hachurada, EstIancia,2017

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Ponto - S15 loteamento na praia das dunas - saco

Ponto S 16 Praia das dunas Saco/Estância

Fonte: Ana Consuelo F. Fontenele, 2016.

Na, figuras 2 e 3 encontram-se estabelecidas ocupações nas áreas de praia, pós-praia e

dunas, dentro do alcance das marés, sobre a vegetação de restinga e sobre dunas estacionárias

móveis e fixas por vegetação de restinga, (Art. 3º, XV da Lei 12.651/2012), disposta em um

depósito arenoso paralelo a linha da costa, que recebem influencia marinha e apresentam

cobertura vegetal em mosaico.

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Figura 02. Ocupação por residências na planície de deflação, caracterizando urbanização difusa,

Estância, 2017.

Fonte: Ana Consuelo F. Fontenele, 2016.

Nas áreas pós-dunas, classificadas como planície de deflação, onde geralmente ocorre

afloramento hídrico e funcionam como recarga de aquíferos subterrâneos (Art.3º, XXII da Lei

12.651/2012), encontram-se os maiores índices de ocupação (Figura 3). Foi constatado ainda

um processo de erosão moderado e contínuo em vários pontos do local denominado ponta do

saco.

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Achamos pertinente a discussão sobre a relação capital-trabalho que passa a ser o cerne

da análise da problemática urbana, porque abre novas perspectivas para o debate sobre a

construção de um outro urbano e de uma outra urbanização. Nessa ótica, além de

repensar profundamente a questão campo cidade, alguns pontos devem ser levados em

consideração para se pensar epistemologicamente sobre a natureza contraditória da

urbanização: a apropriação privada do que é coletivamente produzido nega todas as

formas de direito à cidade; a dialética entre a produção do espaço e o consumo do/no

espaço, ao mesmo tempo em que garante a reprodução do sistema capitalista, materializa

o estranhamento e a alienação socioespacial; a proximidade da distância, proporcionada

pelas mudanças técnicas, é a mesma que alimenta a ruptura nas relações cotidianas na

cidade; é necessário superar esse ideal de cidadania que é apregoado atualmente, porque

esse nega o indivíduo enquanto sujeito histórico; finalmente, é convem questionar a

ideologia do desenvolvimento, do progresso e do avanço na análise sobre as cidades,

porque essa ideologia realiza-se escamoteando a realidade, por meio da tentativa de

dissimular a barbárie social que emerge do movimento de produção capitalista.

Na figura 3 observamos um evento erosivo da extensão litorânea qual culminou com a

derrubada de casas no ano 2011, qual evidência a fragilidade e instabilidade natural do local.

Figura 3. Porção media do litoral da Praia do Saco, Estância, 2016.

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Ponto S59 Ocupação com bares e barramento

Ponto S67 Destruição de casas localizadas na zona de praia

Fonte: Ana Consuelo F. Fontenele, 2016.

O setor praial recebe influência e deposição hídrica nos meses de abril a agosto, já os

meses em que foram aferidas as medições da preamar máxima correspondem ao período seco,

com deficiência hídrica (meses de setembro a março), características que influenciam

bastante a foz dos rios Vaza Barris, Real e Piauí, tanto no estabelecimento das APPs quanto

na descarga de sedimentos, na estabilidade das margens e também no estabelecimento da

fauna local e migratória, que recebem influencia do mar.

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A linha deposicional aferida em campo, definida pela preamar máxima do dia,

apresenta um desfoque quando comparada com as imagens do Google Earth, 2016, isto

ocorre provavelmente devido aos fatores climáticos, sazonais (estações do ano, tábuas de

marés) da medição em campo com a da imagem e também pela dinâmica costeira.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

- -

.

N

, considerando as

grandes descontinuidades de seu tecido metropolitano, para rediscutir a maneira

Diante da complexidade dos processos geológicos, geomorfológicos e

morfodinâmicos dos ambientes costeiros evidenciados que exigem uma abordagem integrada

para a compreensão de sua estrutura e função na praia do saco. Observamos o sistema praial e

pós-praia, em seu aspecto físico, ecológico, geomorfológico e na dinâmica ocupacional, vem

sendo descaracterizado o sistema de dunas, bermas, vegetação de restinga, consideradas APP,

ao longo dos anos, infringido o art. 43, caput, do Decreto Federal n° 6.514/2008 e o art. 74,

com a promoção de construções em solo não edificável, descaracterizando seu valor

ecológico, paisagístico, turístico, histórico e cultural, estabelecendo a privatização praias,

retirando barreiras naturais do avanço de marés, e que com o adensamento de construções

pode vir a ocasionar sérios problemas ambientais.

Nesse sentido, o descompasso sociedade versus natureza resultantes da instauração do

sistema capitalista é responsável pela degeneração ambiental, pois estimula a crescente

exploração natural, ao mesmo tempo em que corrobora a degeneração humana, pois o homem

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distancia-se da natureza e não se vê como parte integrante da mesma, transfigura-se em um

ser artificializado.

Para a reprodução sociometabólica do capital é necessária a autoexpansão e

acumulação de lucros. Foi por meio deste processo que o capital ultrapassou as fronteiras

urbanas e conseguiu penetrar no campo, modificando as relações produtivas existentes e

produzindo espaços urbanizados de maneira difusa. Segundo Mészáros (2011) o sistema do

capital possui natureza singular, pois se caracteriza por não ser autossuficiente e por isso, se

utiliza da tríplice ruptura produção, controle; produção, consumo e produção circulação que

são responsáveis por permitir a contínua expansão do capital. Neste sistema não se produz o

necessário, mas o que se pode auferir lucros e acumulação.

.

REFERÊNCIAS

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ciudades latinas. In: MONCLÚS, Francisco J. (Ed.). La ciudad dispersa. Barcelona: Centro

de Cultura Contemporánea de Barcelona, 1998.

DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zohar, 1973.

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espaço da cidade. Contribuições à análise urbana. González, Suely Franco Netto et al. (orgs).

São Paulo: 9Projeto, 1985. pp. 73-90. .

HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança

cultural. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

INDOVINA, Francesco. La ciudad difusa. In. RAMOS, A. R. (Ed). Lo urbano en 20 autores

contemporáneos. Barcelona: Ediciones UPC, 2004.

LEFÈBVRE, Henri. O pensamento marxista e a cidade. Lisboa: Ulisseia, 1972.

MÉSZÁROS, István. Para Além do Capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução de

Paulo Cesar Castanheira e Sergio Lessa. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2011.

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SOJA, Edward W. -modernas

. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.

, Brasil. I , n.

54, p. 114-139, ago., 2004.